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INSTRUMENTOS COLABORATIVOS PARA A PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL URBANA: A experiência de leitura, identificação e reconhecimento do complexo sumaré - boa vista em Ribeirão Preto/SP GARCIA, VALERIA EUGÊNIA (1); GASPAR, TATIANA DE SOUZA (2); MATSUI, HEITOR KOOJI MELLO (3); VICENTE, TIAGO ZANETTI DE (4); 1. Universidade Paulista - Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo; Universidade de Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo. Av. Carlos Consoni, 10 - Jardim Canada, Ribeirão Preto - SP, 14024-270. [email protected] 2. Instituto de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação; Universidade Paulista - Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo. Av. Carlos Consoni, 10 - Jardim Canada, Ribeirão Preto - SP, 14024-270. [email protected] 3. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto - SP. Secretaria de Planejamento e Gestão Pública. Praça Alto do São Bento, 11, 1º andar - Campos Elíseos, Ribeirão Preto - SP, 14085-459 [email protected] 4. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto - SP. Secretaria de Planejamento e Gestão Pública. Praça Alto do São Bento, 11, 1º andar - Campos Elíseos, Ribeirão Preto - SP, 14085-459 [email protected] RESUMO O artigo discute possibilidades de participação democrática na política de proteção da paisagem cultural urbana no município de Ribeirão Preto, através dos desdobramentos e potencialidades de um exercício de prospecção patrimonial aplicado em disciplina do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista, Campus Ribeirão Preto/SP, que teve o “Complexo Sumaré - Boa Vista” como objeto de análise. Apresentaremos os caminhos e procedimentos adotados neste exercício, as discussões sucessivamente levadas da sala de aula para o campo e do campo para a sala de aula, bem como a sistematização dos resultados obtidos. Palavras-chave: Paisagem Urbana; Técnicas Retrospectivas; Arquitetura Moderna.

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Page 1: INSTRUMENTOS COLABORATIVOS PARA A PRESERVAÇÃO … · Eugênia e Alto da Boa Vista, ... Sumaré - Boa Vista. Através da vivência da relação fundamental entre teoria e ação

INSTRUMENTOS COLABORATIVOS PARA A PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL URBANA: A experiência de leitura,

identificação e reconhecimento do complexo sumaré - boa vista em Ribeirão Preto/SP

GARCIA, VALERIA EUGÊNIA (1); GASPAR, TATIANA DE SOUZA (2); MATSUI, HEITOR KOOJI MELLO (3); VICENTE, TIAGO ZANETTI DE (4);

1. Universidade Paulista - Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo; Universidade de

Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo. Av. Carlos Consoni, 10 - Jardim Canada, Ribeirão Preto - SP, 14024-270.

[email protected]

2. Instituto de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação; Universidade Paulista - Ribeirão Preto. Curso de Arquitetura e Urbanismo.

Av. Carlos Consoni, 10 - Jardim Canada, Ribeirão Preto - SP, 14024-270. [email protected]

3. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto - SP. Secretaria de Planejamento e Gestão Pública.

Praça Alto do São Bento, 11, 1º andar - Campos Elíseos, Ribeirão Preto - SP, 14085-459 [email protected]

4. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto - SP. Secretaria de Planejamento e Gestão Pública.

Praça Alto do São Bento, 11, 1º andar - Campos Elíseos, Ribeirão Preto - SP, 14085-459 [email protected]

RESUMO

O artigo discute possibilidades de participação democrática na política de proteção da paisagem cultural urbana no município de Ribeirão Preto, através dos desdobramentos e potencialidades de um exercício de prospecção patrimonial aplicado em disciplina do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista, Campus Ribeirão Preto/SP, que teve o “Complexo Sumaré - Boa Vista” como objeto de análise. Apresentaremos os caminhos e procedimentos adotados neste exercício, as discussões sucessivamente levadas da sala de aula para o campo e do campo para a sala de aula, bem como a sistematização dos resultados obtidos.

Palavras-chave: Paisagem Urbana; Técnicas Retrospectivas; Arquitetura Moderna.

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Introdução

O Complexo Sumaré - Boa Vista1 representou um novo padrão de moradia da elite burguesa

ribeirão pretana a partir de meados do século XX, refletindo tanto a persistência da opção

formal pela ornamentação descendente do ecletismo - presente na cidade desde sua primeira

expansão urbana, no final do século XIX - quanto a pretensão pelo progresso inspirada pelo

modernismo, através da renovação estilística no campo urbanístico e arquitetônico. Ao longo

das décadas, transformações inerentes às dinâmicas urbanas do município vêm impactando

de maneira significativa as características da região e o valor atribuído à sua paisagem.

O grande número de loteamentos aprovados na cidade a partir da década de 1940 (Figueira,

2013), fez com que, gradativamente, o local de moradia da elite ribeirão pretana fosse se

estabelecendo em loteamentos localizados nas franjas urbanas. Esse processo que foi a

própria gênese do Jardim Sumaré e loteamentos vizinhos, no final do século XX ocasionou o

movimento de desocupação de muitas residências ali instaladas, principalmente em áreas

próximas às principais vias de acesso que passaram a abrigar estabelecimentos comerciais

voltados à população de maior renda.

O Jardim Sumaré fez parte da primeira expansão da cidade para além dos limites da região

central, quando a população com maior poder aquisitivo começou a se deslocar em direção à

região sul da cidade. Aprovado em 1948 como um loteamento estritamente residencial e com

regras para assegurar um padrão homogêneo de moradias unifamiliares, com lotes amplos e

ajardinados, tornou-se o modelo referencial de ocupação da região.

Com a popularização dos grandes centros comerciais e condomínios residenciais em Ribeirão

Preto, a desocupação de imóveis na área foi intensificada no final do século XX, atingindo,

recentemente, alguns estabelecimentos comerciais. A diminuição de população residente e o

surgimento de bares e casas noturnas evidenciam a transformação do modelo original de

ocupação. As áreas nas quais as atividades comerciais não se fazem presentes, manifestam

como sinais de decadência, os muitos imóveis fechados ou em estado precário de

conservação.

A administração municipal tem analisado possibilidades de estimular o aumento de

densidades populacionais em áreas consolidadas, com boa oferta de serviços e

1 Para fins didáticos, neste trabalho destacaremos em especial o Jardim Sumaré e bairros adjacentes, como Jd.

Eugênia e Alto da Boa Vista, que juntos formam o polígono entre a Av. Nove de Julho, Av. Independência, Av. Prof. João Fiuza e Av. Caramuru, chamado de “Complexo Sumaré - Boa Vista” pelo importante historicista ribeirão-pretano, Rubem Cione (Deminice, 2015). Trata-se de uma grande área organizada por vários empreendimentos aprovados a partir de 1940, compreendendo todo o Subsetor Sul 01 da divisão de planejamento da municipalidade.

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infraestruturas urbanas, como forma de contrapor a tendência de urbanização dispersa que

ocorre no município. Para tanto, seriam necessárias alterações nos índices urbanísticos

vigentes, possibilitando a verticalização e a diversificação de usos do solo permitidos.

Por apresentar estas características, a área do Complexo Sumaré - Boa Vista tem grande

potencial para a implementação dessas propostas. No entanto, a inexistência de

levantamentos e estudos sistemáticos sobre a região, bem como a falta de instrumentos de

acautelamento, podem colocar em risco a preservação de seus valores culturais.

Diante da complexidade dessas questões, iniciou-se um diálogo entre alguns técnicos da

Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, que vêm desenvolvendo esses estudos, e

equipe de professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista, em

Ribeirão Preto, que atuam na formação e pesquisa acadêmica sobre conceitos relativos ao

patrimônio cultural.

Estes questionamentos podem proporcionar aos alunos uma perspectiva contemporânea e

interdisciplinar do debate sobre preservação cultural, à medida em que abrangem processos

de reconfiguração da ambiência construtiva, estilística e paisagística da cidade. Por isso, em

2015, essa discussão foi inserida na disciplina “Técnicas Retrospectivas/Teoria”, quando foi

criado um exercício de prospecção patrimonial urbana e arquitetônica na região do Complexo

Sumaré - Boa Vista.

Através da vivência da relação fundamental entre teoria e ação em uma situação próxima e

real, os alunos são instigados a refletir sobre as transformações das formulações teóricas e a

progressiva ampliação da noção de patrimônio cultural. Desta forma, o conteúdo teórico

abordado em sala aula é complementado pela prática de levantamento de campo, com a

experimentação de métodos de leitura, identificação e reconhecimento da paisagem cultural

urbana.

Buscando a construção de políticas públicas participativas, que relacionem poder público,

universidades e comunidade ribeirão pretana, a ideia é que, em um primeiro momento, o

exercício sensibilize os alunos para a compreensão do espaço urbano como representação

das inter-relações dos grupos formadores do município e seu ambiente construído. Como

objetivo final, espera-se que os registros e inventários realizados pelos alunos se integrem a

produtos gerados por outros setores da sociedade, constituindo-se como instrumentos

colaborativos de preservação e gestão do patrimônio.

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1. O início dos “Jardins” em Ribeirão Preto: novo espaço de moradia da elite ribeirão pretana a partir da década de 1940

A cidade de Ribeirão Preto–SP foi fundada em meados do século XIX e experimentou sua

primeira fase de expansão urbana no final desse século, face à entrada de capitais advindos

do boom da economia exportadora de café. O contínuo desenvolvimento econômico do

município, que desde as primeiras décadas do século XX figurou como um dos mais

produtivos do Estado de São Paulo, garantiu que a cidade passasse por uma expressiva

expansão de sua área urbana e elevado crescimento populacional, principalmente a partir da

década de 1940, quando foram aprovados diversos loteamentos em variados setores da

cidade (Calil, 2003).

O espaço afrancesado do ecletismo da elite cafeeira deixou de representar o grande capital,

que passou a se centrar na produção da agroindústria canavieira, desdobramento da

expansão urbana-industrial do país. O crescimento imobiliário associado a valores simbólicos

de distinção social, transformou a dinâmica espacial da cidade, que, para além da região

central, consolidou um “modelo de crescimento horizontal de baixa densidade, mantido até a

atualidade” (Ibid., p.110).

A construção da Avenida Independência, finalizada em 1922, favoreceu a implantação dos

novos loteamentos voltados para a população de maior renda. Da mesma forma, a

estruturação do solo urbano a partir de eixos viários consolidou o local de moradia da elite

ribeirão pretana no vetor sul e também atraiu o comércio “de luxo” voltado para esta classe,

que progressivamente deixou a Praça XV de novembro em direção ao bairro Higienópolis.

Mesmo com certo distanciamento do modelo eclético de embelezamento, as primeiras áreas

de expansão no vetor sul passaram por obras públicas de infraestrutura pautadas pela política

de saneamento e valorização estética, determinantes para a valorização da Avenida

Independência2. Esta avenida dividiu e ao mesmo tempo criou um elo de ligação entre os

primeiros espaços de moradia da elite - inicialmente a Praça XV de novembro e, a partir da

segunda década do século XX, o bairro Higienópolis - e o novo espaço que deveria se compor

ao ideal modernizador da nova economia urbana, pós crise de 1929, fundamentada no

desenvolvimento do setor terciário e início dos primeiros investimentos tecnológicos na

produção sucroalcooleira.

2 Pelo Ato nº 60, de 25 de julho de 1934, a Avenida Independência passou a denominar-se Nove de Julho, nome

este ratificado pelo Ato nº 75 de 05 de setembro de 1939.O trecho inicial da Avenida Nove de Julho, ainda com o nome de Av. Independência, compreendia a área entre as ruas Tibiriçá e São José. No ano de 1949, durante o governo do Prefeito Municipal José de Magalhães, foram iniciados os estudos para o prolongamento da avenida Nove de Julho entre as ruas Sete de Setembro e a atual Avenida Independência (APHRP, 2016).

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Neste período, ganhou força a expansão periférica em moldes semelhantes aos

subúrbios-jardins europeus, referência na construção de bairros de classes mais altas no

Brasil e, mais especificamente, na capital paulista, face a atuação da Cia. Imobiliária inglesa

“City of San Paulo Immprovements and Freehold Land Company Limited”, com a participação

do arquiteto Barry Parker, entre os anos de 1917 e 1919.

A atuação empresarial urbana foi determinante para o aprofundamento da expansão sul para

além dos limites do quadrilátero da elite cafeeira configurado pelas Avenidas Francisco

Junqueira, Independência, Nove de Julho e Jerônimo Gonçalves. Nas décadas de 1940 e

1950, aproximadamente 100 loteamentos foram aprovados, em todas as zonas da cidade.

Destes, cerca de 10% estavam localizados na região sul e quase metade deles adotaram o

nome “Jardim” ou o conceito de bairro jardim, o que parece refletir a disseminação e

valorização do conceito de forma ampla no contexto urbano de Ribeirão Preto.

1.1. Jardim Sumaré

Localizado na área imediatamente acima da Avenida Nove de Julho, o Jardim Sumaré foi o

primeiro loteamento “Jardim” projetado no vetor sul da expansão urbana na década de 1940.

Embora só tenha sido aprovado em 08 de agosto de 1948, os desenhos de suas glebas já

apareciam nos mapas do município no final da década de 1930, antes mesmo de sua

aprovação pela Diretoria de Obras (Deminice, 2015).

Imagem 01: Mapa Geral de Ribeirão Preto (1949) Fonte: APHRP, editada pelos autores.

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Destinado à população de maior renda, desde o início sua regulação já estabelecia regras

para assegurar o padrão homogêneo de moradias unifamiliares a serem implantadas no

centro do lote e separadas por muros baixos ou cercas vivas.

Imagem 02: Planta Loteamento Jardim Sumaré Fonte: APHRP.

Na década de 1950, a legislação normalizou o gabarito das casas, o alinhamento junto a via

pública, divisas de lotes e recuos. O padrão de moradia observado na Vila Higienópolis e

adjacências, seguido pela mesma postura para o Jardim Sumaré, Eugênia e Alto da Boa

Vista, indicam o modelo de expansão demandado pelos empreendedores imobiliários, que

pressupunha instalação de obras públicas associadas a infraestrutura e salubridade como

determinantes à valorização da terra urbana (Ibid., 2015).

Uma publicação do “Roteiro de Ribeirão Preto”, em 1948, descrevia o novo bairro a partir de

suas características exclusivas, em que os moradores não precisariam dividir seu espaço com

as atividades de comércio e serviço, como ocorreu na área central:

área localizada em cotas mais altas em relação ao centro, oferecendo vistas bucólicas; tranquilidade garantida por se tratar de uma área exclusivamente residencial e seu traçado viário moderno, com largas avenidas (Porto e Bueno apud. Calil, 2003, p. 99).

No Jardim Sumaré, assim como nos demais loteamentos do Complexo, a ocupação se deu de

maneira gradual até meados da década de 1980, quando cerca de 80% dos lotes já estavam

edificados. O aumento do perímetro de expansão urbana para áreas periféricas fez surgir

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novos loteamentos e condomínios voltados para as populações de maior renda, como é o

caso do Jardim Canadá (1970), City Ribeirão (1977), Royal Park (1980) e Residencial Flórida

(1982) localizados ainda mais ao sul. Observa-se que a partir desse momento o número de

construções sofreu significativa diminuição, coincidindo com o deslocamento de moradores

para outras áreas da cidade.

Imagem 03: Gráficos com porcentagem de lotes com edificações concluídas por ano, até 2016 (acima) e Edificações concluídas por ano, até 2013 (abaixo), no Complexo Sumaré-Boa Vista e Jardim Sumaré.

Fonte: autores, 2016.

Os dados levantados pela Secretaria de Planejamento e Gestão Pública de Ribeirão Preto

com base nos dados do Censo do IBGE de 2000 e 2010 reforçam essas impressões:

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DOMICÍLIOS POPULAÇÃO DOMICÍLIOS POPULAÇÃO DOMICÍLIOS POPULAÇÃO

SUBSETOR S-1 2.144 6.726 2.554 5.630 19,12% -16,29%

SUBSETOR S-2 940 3.190 947 2.382 0,74% -25,33%

RIBEIRÃO. PRETO 151.703 497.156 213.586 591.240 40,79% 18,92%

REGIÃOCENSO 2000 CENSO 2010 VARIAÇÃO

Tabela 01: Variação de população e de domicílios nos Subsetores censitários S1 e S2. Fonte: autores, 2016.

Houve um significativo decréscimo populacional entre os anos 2000 e 2010, inversamente ao

crescimento do município neste mesmo período. O aumento ou estagnação no número de

domicílios, juntamente à redução de população, podem indicar a alteração de uso da região,

de residencial para comercial e a existência de imóveis subutilizados.

Essa desocupação foi mais intensa nas áreas próximas à Avenida Nove de Julho e

Independência e a oferta de imóveis vagos, aliada à presença de um mercado consumidor de

alta renda, fez com que novamente o comércio de luxo se dirigisse para o sul.

Imagem 04: Mapa anos de construção

Fonte: autores, 2016.

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No campo arquitetônico, a contínua ocupação do bairro ao longo da segunda metade do

século XX fez com que as edificações refletissem diversas influências estilísticas. No entanto,

entre a intensa produção ocorrida até a década de 1980, destaca-se a consolidação de um

conjunto com configuração próxima aos modelos racionalistas introduzidos na São Paulo

vanguardista da década de 1920-1930, pelo arquiteto ucraniano Gregory Warchavchik,

simultaneamente à presença de exemplares de influência wrightiana. Isso sugere o acesso à

informações coetâneas à primeira produção de alguns arquitetos da chamada escola paulista,

como também pode indicar a presença de profissionais formados, ou atuantes na capital

paulista.

Imagem 05: Alguns exemplares com referências modernistas. Fonte: imagens extraídas do Street View, 2015.

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A combinação de um modelo de ocupação de baixa densidade, que condicionou a criação de

vastos espaços ajardinados e a produção de residências pela população de maior renda,

especialmente entre as décadas de 1940 e 1980, propiciou a consolidação de uma porção do

território que se destaca pela qualidade de sua ambientação e construções.

Ainda que o Complexo guarde muitas de suas qualidades e constitua-se como um documento

vivo das transformações da cidade, sua paisagem encontra-se ameaçada frente aos ciclos de

reorganização do capital imobiliário, cujas dinâmicas econômicas podem transformar e

reconfigurar sua organização física e seus valores simbólicos.

1.2 Legislação Urbanística e a manutenção do padrão elitista

Observa-se que historicamente esse caráter elitista do Complexo Sumaré - Boa Vista teve o

respaldo da legislação urbanística municipal para a manutenção de seu ideário original como

bairro jardim, inclusive adotando parâmetros urbanísticos exclusivos em relação ao restante

da zona urbana de Ribeirão Preto.

Desde a década de 1950, uma série de leis fragmentadas e desconexas disciplinaram o

parcelamento, uso e ocupação do solo no município, tratando pontualmente as diversas

normas relacionadas ao desenvolvimento urbano. Dentre estas leis, algumas foram quase

específicas para o Complexo Sumaré - Boa Vista, das quais destaca-se a Lei nº 411/1955,

que indicava as ruas ao sul da Avenida 9 de Julho como zona residencial da cidade com lotes

de no mínimo 250 m² e a Lei nº 3274/1977, que proibiu a construção de edifícios altos nestas

áreas residenciais. Em um passado menos distante, com a zona urbana ocupando território

mais extenso, foi elaborada pelo poder legislativo a Lei nº 5685/1990, que permitiu o uso misto

nas quadras próximas à Avenida 9 de Julho, mas manteve a exclusividade de uso residencial

no restante do bairro.

Com a elaboração da Lei Complementar nº 2157/2007, revisada posteriormente pela Lei

Complementar nº 2505/2012 3 , os diversos parâmetros urbanísticos relacionados ao

parcelamento, uso e ocupação do solo, fragmentados nas diversas leis anteriores, foram

disciplinados em um único documento legal. Foram estabelecidos parâmetros urbanísticos

gerais, como gabarito, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, recuos e taxa de

solo natural, para toda a zona urbana, destacando apenas alguns loteamentos com restrições

específicas registradas em cartório, nivelando a maior parte da cidade aos mesmos

regramentos. Em relação ao Complexo Sumaré - Boa Vista, em ambas as leis foram

3 A Lei Complementar nº 2505/2012 foi declarada inconstitucional por decisão judicial, recolocando a Lei

Complementar nº 2157/2007 como base legal para o parcelamento, uso e ocupação do solo do município de Ribeirão Preto.

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delimitadas duas áreas com restrições urbanísticas específicas, baseada na referida lei nº

5685/1990.

A consolidação do comércio de luxo nas quadras próximas à Av. 9 de Julho, liberado desde a

década de 1990 e fortalecido nos anos 2000 (Deminice, 2015), foi absorvido pela lei de

parcelamento do solo ao instituir a Área Especial do Boulevard (ABV)4, que reconheceu a

dinâmica urbana do local. O restante do Complexo foi delimitado como Área Especial

Predominantemente Residencial (APR), permitindo a instalação de atividades de destinadas à

comércio e serviços de baixo impacto à vizinhança. Embora tenha sido permitido o uso misto,

com restrições, em ambas as áreas especiais não foi liberada a verticalização, ou a

construção de edificações plurifamiliares, ainda que térreas ou assobradadas.

Essas restrições têm tido efetividade como instrumentos de preservação da paisagem desta

região, ainda que não tenham resultado da ação de setores envolvidos em políticas de

preservação de patrimônio cultural. Contraditoriamente, outras regiões da cidade com

significativo valor histórico não têm recebido o mesmo grau de proteção da legislação, como é

o caso dos loteamentos Jardim Paulista, Ipiranga, Santa Cruz, entre outros, nos quais tem

sido construídos diversos empreendimentos verticais contrastantes com as suas paisagens.

Com a revogação da lei de parcelamento, uso e ocupação do solo nº 2505/2012, técnicos da

Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Pública iniciaram as discussões para a

revisão da legislação. Dentre os principais assuntos abordados, o adensamento das áreas

centralizadas e amplamente servidas de infraestrutura urbana é visto como estratégia

fundamental ao desenvolvimento urbano sustentável e um contraponto ao atual modelo de

expansão horizontal. A percepção do esvaziamento populacional do Complexo Sumaré - Boa

Vista aparece como um caso emblemático neste sentido.

A reflexão sobre a possibilidade de adensamento das áreas mais centralizadas, inicia uma

ruptura com paradigmas construídos pela legislação urbanística até o momento. Dentre os

aspectos urbanísticos a serem discutidos e passíveis de modificação, tais como uso do solo,

gabarito, coeficiente de aproveitamento, mobilidade, infraestrutura, entre outros, insere-se

transversalmente a discussão sobre a importância de preservação da paisagens culturais.

Diante da complexidade do tema, a discussão e definição dos critérios para se promover este

adensamento de forma sustentável e participativa aparece como um grande desafio da gestão

pública.

4 Área Especial do Boulevard (ABV) está compreendida no polígono instalado entre a Av. Nove de Julho, Av.

Antônio Diederichsen, Av. Presidente Vargas, R. José Leal, Av. Vereador Manir Calil, R. Moreira de Oliveira, Av. Caramuru, R. Conde Afonso Celso, Av. Santa Luzia até Av. Nove de Julho.

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2. Métodos de leitura, identificação e reconhecimento da paisagem: a importância da formação acadêmica

No segundo semestre de 2015, o corpo docente das disciplinas de Técnicas Retrospectivas

recebeu o convite informal de técnicos da Secretaria de Planejamento para uma atividade de

participação colaborativa com o objetivo de realizar uma prospecção capaz de auxiliar, com

levantamentos e mapeamentos concretos, discussões sobre mudanças estruturais na

legislação que restringe o gabarito construtivo da região que inclui o Complexo Sumaré - Boa

Vista e outros locais produzidos a partir da mesma lógica de parcelamento do solo e

qualificação urbana associados ao ideário cidade-jardim conforme contextualizado neste

artigo.

Levar essa leitura aos alunos em fase final de formação por meio da disciplina Técnicas

Retrospectivas é um recurso didático significativo, à medida que permite instrumentalizar,

pela atividade prática de um exercício, conteúdos dispersos em diversas disciplinas do curso.

A demanda convida à associação entre levantamentos de campo, leitura e aplicação de

conhecimento teórico que são constantemente atravessados pela revisão e discussão em

sala de aula, que conduzem à reflexão para além da preservação do patrimônio singular. Ao

valorizar a compreensão da cidade por meio de diversas leituras intrincadas, arquitetura,

estilos construtivos, materialidade das edificações, produção de bairros, ruas e infraestrutura

inseridos em diversas escalas temporais temos em evidência a dimensão dos fluxos

econômicos e o funcionamento das estratégias imobiliárias determinantes para compreensão

das dinâmicas produção do espaço urbano em que estão inseridos.

Com efeito, os questionamentos levantados nessas discussões interessavam à disciplina de

TR-Teoria, à medida que atendem ao objetivo de motivar a compreensão das complexidades

das dinâmicas de produção do espaço urbano e demandam a instrumentalização de

conhecimentos já adquiridos no decorrer do processo de formação.

Aceito o desafio, os alunos da disciplina foram sensibilizados para compreender as

discussões em curso e tomar parte ativa nas demandas do exercício.

2.1 Etapas de trabalho do exercício:

Algumas diretrizes nortearam a organização do exercício que foi formatado para seguir os

propósitos especificados a priori: promover de forma prática a relação fundamental entre

teoria e ação por meio da experimentação de métodos de leitura, identificação e

reconhecimento da paisagem cultural urbana. Deste modo, a disciplina de Técnicas

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Retrospectiva é privilegiada, à medida que demanda do aluno o desenvolvimento da

capacidade de associar novas e antigas leituras a diversos conteúdos pertinentes a todas as

fases do processo de formação profissional em arquitetura e urbanismo.

Para fins didáticos, foi definido um recorte espacial delimitado pelas avenidas Nove de Julho,

Independência, Caramuru e Prof. João Fiúsa. A organização das frentes de levantamento

demandou a subdivisão dessa área e o refinamento de pequenos recortes de trabalho para

viabilizar a pesquisa em campo. Para tanto, a grande região formada por aproximadamente

184 quadras, localizadas em sua maior extensão na área dos loteamentos Alto da Boa Vista e

Jardim Sumaré, foi dividida em treze regiões menores que continham um número variável de

oito a doze quadras. Cada uma dessas regiões, produto da subdivisão da área em pesquisa,

foi designada a um grupo de alunos formado por quatro a seis integrantes encarregados de

realizar o procedimento de leitura urbana e investigação documental em três etapas,

explicadas a seguir.

PRIMEIRA ETAPA: Levantamento sobre o estado de conservação das edificações e sua

relação com o entorno.

Objetivo: Identificar exemplares da arquitetura das décadas de 1940 a 1970 dignos de

atenção patrimonial pela representatividade e dimensão da ação profissional do arquiteto ou

engenheiro responsável, pelas características arquitetônicas, pela qualidade construtiva do

imóvel e finalmente por sua inserção em um conjunto urbanístico significativo para a

compreensão da produção espacial e social da cidade.

Orientações: No lançamento do exercício, os alunos foram instruídos sobre a atividade de

prospecção patrimonial embasada por mapeamentos, levantamentos métricos, construtivos,

estilísticos e fotográficos e receberam informações sobre o preenchimento de fichas de

inventário a ser concretizada durante as duas primeiras etapas de levantamentos de campo.

Para a seleção preliminar de edifícios, levantamento de endereços e mapeamento inicial de

exemplares foi permitida a realização da prospecção com auxílio de recursos eletrônicos

como o Google Maps e o Google Earth.

O produto de avaliação da primeira etapa foi a entrega de fichas de inventário parcialmente

preenchidas acompanhadas da apresentação dos edifícios selecionados associados a uma

leitura da edificação e sua relação de ambiência com o entorno. Portanto, a primeira etapa

teve o sentido de assinalar edifícios significativos para a história da formação do espaço

urbano de Ribeirão Preto e, simultaneamente, estimular a constatação do mencionado

movimento de desocupação do bairro. Integrou esta fase de pesquisa as tarefas de avaliar a

situação das edificações e sua relação com o espaço circundante, seguidas pela

documentação em inventários de levantamentos de observação, métricos e fotográficos.

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SEGUNDA ETAPA: Levantamento das edificações em loco.

Objetivo: Avaliação em detalhes dos edifícios selecionados na Etapa 1 e preenchimento

completo da Ficha de Inventário.

Orientações: Com a ficha de inventário parcialmente preenchida os alunos visitaram os

edifícios selecionados para:

Realizar levantamento fotográfico;

Investigar o uso atual da edificação;

Avaliar o estado de conservação;

Investigar alterações realizadas nas fachadas, material de vedação, material de

revestimento, mudança de cores e/ou troca de revestimento;

Caso conseguissem conversar com os proprietários, investigar um pouco da história

da edificação;

- Aprofundar a compreensão da relação da edificação com seu entorno.

O produto da avaliação da segunda etapa foi a entrega de fichas de inventário preenchidas.

Também foi requisito desse momento de avaliação uma nova apresentação dos edifícios

ilustrada pelos levantamentos métricos, estilísticos e fotográficos realizados pelos alunos.

TERCEIRA ETAPA: Levantamento documental

Objetivo: Sistematização dos dados levantados na segunda etapa com informações técnicas

da Secretaria de Planejamento e Gestão Pública ou do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão

Preto (APHRP). Para tanto, os alunos foram instigados a entrar em contato com os órgãos

municipais com a ficha de inventário preenchida ou endereço completo dos imóveis

selecionados para obter o número do processo de aprovação da obra. Esse número permite o

acesso à documentação de aprovação da obra no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão

Preto (APHRP).

Orientações: O acesso ao material possuí restrições, por isso foi recomendado que os alunos

estivessem atentos ao rigor no seu manuseio, utilizando luvas e máscara para evitar a

inalação de partículas de papel e de microrganismos. Recomendou-se atenção à coleta de

dados e ao trabalho fotográfico para evitar visitas repetidas aos arquivos e acesso

desnecessário à fonte documental.

Na terceira etapa do trabalho os alunos investigaram o ano de aprovação do projeto, bem

como o nome dos profissionais responsáveis pela obra, arquiteto ou engenheiro, nome do

proprietário e o projeto arquitetônico, memorial descritivo e alvará de licença.

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Imagem 06: Mapa com delimitação das áreas de levantamento por equipe e casas identificadas por etapa. Fonte: autores, 2016.

2.2 Resultados Parciais obtidos:

Entre os resultados parciais obtidos, destaca-se, inicialmente, o aprofundamento do debate

acerca dos conceitos inerentes ao patrimônio cultural a partir das experiências práticas, que

articularam diversos instrumentos de pesquisa documental associados aos levantamentos de

campo.

Imagem 07: Pesquisas realizadas no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto. Fonte: Alunos TR-Teoria, 2015.

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Algumas das edificações identificadas pelos alunos ilustraram com eficácia aspectos

abordados neste artigo, como é o caso da alteração do uso residencial para o de serviço, do

abandono e subutilização, e da descaracterização de exemplares de interesse histórico.

Imagem 08: Demolição (acima) e descaracterização da fachada. Verificação nas duas etapas de levantamento. Fonte: Alunos TR-Teoria, 2015.

Outro aspecto interessante foi a seleção de exemplares que não se enquadram no repertório

comumente valorizado da arquitetura moderna, figurando edificações com influências

ecléticas, neocoloniais e pós-modernas, sendo consideradas como de valor artístico ou

arquitetônico por parte dos alunos. A atribuição de valor concedida a exemplares de diversos

estilos enriqueceu o debate sobre a caracterização da paisagem cultural na região.

Sobretudo, notou-se a postura pertinente e desejável de alunos que, desde o início do

exercício, lastimam o patrimônio degradado ou definitivamente perdido. Esperava-se que os

alunos compreendessem as relações sociais e econômicas materializadas pela paisagem

urbana como integrantes do processo histórico determinante à formação da identidade da

cidade. Neste sentido, a problematização que envolve a compreensão das relações entre as

ações de conservação do patrimônio edificado e os mecanismos de acumulação imobiliária,

engendrados nos processos de produção social da cidade, precisou ser gradualmente

construída ao longo dos debates em sala de aula.

Considerações Finais

Como produto final do trabalho empreendido, ressalta-se positivamente a oportunidade

oferecida aos alunos em processo de formação profissional de participação em uma situação

concreta que abrange um leque de considerações sobre a reconfiguração da malha urbana e

sua ambiência construtiva. Se por um lado temos exemplares da arquitetura moderna

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afinados com a produção coetânea à capital paulista, por outro, essa mesma reprodução de

espacialidades segregadoras aprofunda as barreiras sociais materializadas em barreiras

urbanas. Ao considerar o exercício didático como um empreendimento de leitura de paisagem

cultural, mesmo que ainda não reconhecida como tal por seus habitantes, conseguimos

associar questionamentos sobre uso e ocupação do solo às proposições correlatas à

disciplina de Técnicas Retrospectivas. Trata-se de uma estratégia eficiente que objetiva

sensibilizar a compreensão da complexidade das diversas camadas do tecido urbano para

além do conteúdo teórico ministrado em aula.

A análise histórica organizada em um largo recorte temporal, permite apreender a paulatina

instalação da lógica de organização das ambiências urbanas e estruturas territoriais,

engendradas na mundialização dos processos de urbanização e da especulação imobiliária.

Reforçar essa leitura intrincada da ordem urbana de Ribeirão Preto, significa desenvolver a

capacidade de ler a cidade a partir do empreendimento imobiliário instaurado desde a

organização de estratégias para legalização de glebas - fruto do apossamento rural-, quanto

pela difusão de títulos de propriedade urbana - por meio da prática de aforamento -, até a

implementação dos empreendimentos residenciais de alto padrão da atualidade.

A dicotomia entre o adensamento e a preservação da paisagem cultural nos leva a considerar

que a busca por conjugação de políticas de preservação ao processo dinâmico de

desenvolvimento das cidades, não implica, necessariamente, em impedir as mudanças, mas

direcioná-las e, portanto, trabalhar na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Mas afinal, por que dedicar-se à reflexão sobre formas de salvaguardar exemplares da

arquitetura moderna local inseridos em um espaço elitizado que perdeu seu vigor simbólico e

lentamente evidencia as marcas da degradação? Seria louvável o esforço para preservar a

história das elites documentadas pela transformação do tecido urbano?

Uma resposta entre tantas seria a de que não se trata apenas de uma história das elites, mas,

principalmente, da trajetória de uma área da cidade que evidencia as contraditórias

transformações de uma produção urbana que sucessivamente realiza, consome e descarta

edifícios, praças, bairros e redes de infraestrutura.

Ao final da experiência de um semestre, os debates, atividades práticas e sistematização das

informações levantadas e analisadas, geraram um importante ponto de partida para a

discussão sobre a preservação da paisagem cultural do Complexo Sumaré - Boa Vista. No

entanto, percebe-se que a compreensão das diversas questões pertinentes ao tema ainda

não se esgotaram.

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Espera-se que este trabalho estimule a realização de novas pesquisas e que a extensão do

exercício para o primeiro e segundo semestre de 2016 possa contribuir para a construção de

políticas públicas de preservação que considerem diversos atores e seus diferentes olhares e

valores atribuídos à paisagem cultural do Complexo Sumaré - Boa Vista.

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