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INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO SÃO PAULO CURSO BASICO DE FORMAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA Zuleide Pereira Mendes MARTIN BUBER E A RELAÇÃO EU/TU Inversão e Recíproca de Inversão nas Relações Monografia apresentada como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Filosofia Clínica, Orientada pelo profº Carlos Copelli Neto SÃO PAULO 2012

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INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO – SÃO PAULO

CURSO BASICO DE FORMAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA

Zuleide Pereira Mendes

MARTIN BUBER E A RELAÇÃO EU/TU Inversão e Recíproca de Inversão nas Relações

Monografia apresentada como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em Filosofia Clínica, Orientada pelo profº Carlos Copelli Neto

SÃO PAULO 2012

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Agradeço do fundo de minha alma...

A minha querida irmã e amiga Zuleme que, antes de mim, conseguiu enxergar

minhas potencialidades para um aprendizado filosófico e o dom terapêutico.

Meu abraço de amor

A minha mestra e terapeuta Monica Aiub, que com a singeleza de sua vibração,

me tirou da desorientação para o esplendor de um novo caminho.

Meus agradecimentos profundos.

Ao meu orientador e colega Carlos Copelli Neto, que com carinho e paciência

esteve ao meu lado nesta construção, me orientando e incentivando.

Ao meu saudoso pai (em memória) e a minha amada mãe, que me receberam em

suas vidas neste estágio de minha evolução.

Meu mais profundo amor e agradecimento.

A todos os meus irmãos que, cada um a seu modo, sempre estiveram a meu lado

amortecendo minhas quedas e me dando parâmetro para existir.

Rosa Branca

Flor do Campo

Rei da Casa

Pingo D´agua

Botão de Rosa

Duninho

Dida

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“Ich werde am Du”

“Torno-me Eu na relação com o Tu”

Martin Buber

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RESUMO

A Filosofia Clínica, cuja metodologia de trabalho está fundamentada no diálogo que o homem estabelece com seu ambiente e com seu semelhante, tem como suporte, dentre outras, a Fenomenologia, propondo uma terapia voltada para a singularidade e subjetividade do partilhante com foco na valoração representacional dos fenômenos que compõem o seu mundo existencial. Essa corrente terapêutica defende que na particularidade de cada ser existe um mundo próprio que se processa a partir de sua vivência e da dimensão que ele estabelece com as circunstâncias de sua vida cujas nuances são “bordadas” a partir de sua percepção do mundo. Esta plasticidade do ser humano e sua inter-subjetividade foram estudadas por muitos pensadores, alguns dos quais também compõem esta monografia que, a partir do contexto da modernidade, aborda o tema das relações Eu e Tu, principalmente pelo olhar de Martin Buber. Esse pensador considera outra possibilidade de relação entre dois indivíduos, cujas singularidades e diferenças não interferem no espaço da relação plena, por ele chamada de momento do “face-a-face”. Contrapõem-se a essa possibilidade de integração, a pessoalidade de cada ser e a efemeridade do mundo moderno. Dessa forma, nosso objetivo é apontar as contribuições de Martim Buber para a fundamentação da Filosofia Clínica, abordando, além do tema das relações, também o tema da alteridade, percorrendo algumas teorias para tratar da viabilidade ou não de se vivenciar um momento de tão profunda complementaridade, investigando um possível alcance da reciprocidade nas relações que compõem o mundo moderno. Esse encontro na generosidade possibilitaria ao homem uma compreensão de si mesmo, tendo no outro uma presença para identificação de sua própria humanidade vivenciada pela relação mútua e plena.

Palavras-chave: Fenomenologia; Subjetividade; Filosofia Clínica

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 06 2 AUTORES DE FUNDAMENTAÇÃO ............................................................... 09

2.1 EDMUND HUSSERL – FENOMENOLOGIA,,,,,,......................................... 09

2.2 MARTIN BUBER – EU E TU....................................................................... 12

2.3 MARTIN HEIDEGGER – SER E TEMPO .................................................. 17

2.3.1 A Alteridade em Heidegger .............................................................. 21

2.3.2 A compreensão ................................................................................ 22

2.3.3 O tempo ................................................................................... ......... 22

2.4 EMANUEL LEVINÀS – TOTALIDADE E INFINITO / ENTRE NÓS............... 23 3 PARALELOS ENTRE AS TEORIAS ............................................................... 28

3.1 HUSSERL/BUBER/HEIDEGGER/LEVINÀS............................................... 28

3.2 O SONHO DE BUBER .............................................................................. 30

3.3 COMO PODERIA A PLASTICIDADE PERCEPTIVA SE ADEQUAR AO

FACE A FACE BUBERIANDO? ........................................................................33

4 FILOSOFIA CLÍNICA (Inversão ou Recíproca de Inversão?).......................... 34

4.1 TÓPICO 1 – COMO O MUNDO LHE PARECE .................................... 35

4.2 TÓPICO 2 – O QUE ACHA DE SI MESMO .......................................... 36

4.3 SUBMODO – INVERSÃO E RECÍPROCA DE INVERSÃO ................ 37

4.4 RELAÇÕES .............................................................................................. 38

5 INTERSEÇÃO ENTRE O PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS .........................42 6 CONCLUSÃO ................................................................................................. 45 7 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 48

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1 INTRODUÇÃO

A Filosofia Clínica é uma prática terapêutica com base filosófica que,

diferentemente da psicologia, elabora a sua teoria de abordagem a partir da

singularidade do ser humano, no sentido de abrir os horizontes do partilhante1 para o

seu próprio modo de ser, sem determinismos e sem as especificidades dos aspectos

tipológicos, tendo como objetivo propiciar a compreensão de seu caminho, com as

possíveis decorrências, sem interferências interpretativas.

Essa prática terapêutica prima, antes de tudo, pela relação entre o filósofo

clínico e o partilhante, e, a partir daí, através de instrumentos metodológicos que se

flexibilizam de acordo com a observação das necessidades do partilhante,

elaborando a compreensão do mundo vivencial da pessoa que procura a clínica.

Assim, sua abordagem está vincada à fenomenologia, cujo conteúdo principal é a

singularidade e a subjetividade do indivíduo. Sendo assim, a apresentação dessa

proposta torna pertinente retomar a colocação de Elise Nogueira: “Temos que tomar

a mesma cor do Outro, como faz o camaleão, e ciceronear sua singularidade sem

interferência, até que ele abra a sua estrutura de pensamento”. (NOGUEIRA, E, s/d)

Nossa escolha pelo tema “Relação”, que é trabalhado especialmente com

base na obra Eu e Tu de Martin Buber, deveu-se, antes de tudo, a uma necessidade

pessoal de compreender a relevância ou não da alteridade para a formação interna

do ser. Também procuramos levantar a hipótese de uma relação plena, qual seja,

aquela que propicia a integração máxima entre dois seres e que se faz pela

generosidade e pela mutualidade, afetar a singularidade do sujeito que a vivencia,

procurando esclarecer de que maneira um ser dotado de subjetividade pode se

harmonizar ao outro com tamanha inteireza, e nele se integrar através da efetivação

de um momento de relação plena sem perder-se de si mesmo ou subjugar o outro

ao seu domínio.

A presente investigação também nos pareceu pertinente a partir da

observação das novas formas do mundo moderno e sua agilidade, dos novos

1 Denomina-se partilhante a pessoa que procura a Filosofia Clinica para acompanhamento

terapêutico. Essa nomenclatura deve-se ao fato de o processo terapêutico se dá a partir do partilhamento da historicidade do indivíduo, que procura essa prática como caminho para compreensão de seus conflitos.

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hábitos que substituíram a antiga segurança dos laços afetivos e singulares, em

favor de um olhar objetivo que tem contaminado as forma de relação entre as

pessoas, inclusive no âmbito das ciências humanas. Ao fazer um resgate do mundo

buberiano, essa pesquisa pretende chamar a atenção para a profundidade das

relações de reciprocidade e generosidade, bem como desenhar o quanto esses

temas podem contribuir para acalmar as angústias do mundo competitivo dos

tempos atuais, que têm aparecido de forma avassaladora, incapacitando o indivíduo

para um olhar solidário.

É nosso objetivo nesse trabalho investigar e desenvolver a participação

desse tema na estrutura da Filosofia Clínica. Para tanto, dentro do eixo Estrutura de

Pensamento focaremos as aproximações com os Tópicos Recíproca e Recíproca de

Inversão, O que acha de si mesmo, Como o mundo lhe parece e Relação.

Para tanto, o trabalho percorre o seguinte caminho, após esse capítulo de

introdução: o capitulo 1 aborda os fundamentos da própria Fenomenologia,

retomando as obras de seus principais atores.Considerando a visão de Buber, que

entende como possível a proximidade, ou relação máxima entre dois seres, vamos

pesquisar alternativas com outros focos, por exemplo, a visão de Heidegger na obra

Ser e Tempo, e também Entre Nós e Totalidade e Infinito de Levinàs, que trabalham

com a representação pessoal que cada ser faz de si e do mundo.

Nos capítulos 2 e 3 propomos uma leitura, primeiramente individual e

posteriormente, relacional das obras apresentas. A questão central que se quer

analisar é exatamente a viabilidade ou não da integração buberiana, considerando

que, segundo Heidegger, para o evento da compreensão da alteridade seria

necessário que antes o homem passasse por um ritual de interiorização, processo

que não se faz sem profunda dor – o que não ocorre na visão buberiana. Também

Husserl e Levinàs trazem um parecer diferente de Buber. Esses pensadores

trabalham com a subjetividade do ser e com um mundo interno singular.

É nesse capítulo que se pretende abordar as questões surgidas das

diferenças de pensamento entre esses fenomenólogos, pois, enquanto Buber

trabalha com a plenitude da relação, os demais trabalham com a subjetividade do

ser e, portanto, com um mundo interno absolutamente singular. Algumas delas: é

possível, a partir da singularidade do sujeito, dar-se a relação face-a-face

buberiana? Poderia o Eu suportar a presença tão intensa do Tu sem perder-se em

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sua singularidade? Esclarecer a viabilidade ou não desse processo pelo viés dos

pensadores citados compõe a totalidade dos objetivos dessa Monografia.

A fim de tornar claro o paralelo entre essas teorias e a profunda relação Eu e

Tu buberiana, bem como a pertinência, ou não, dessa relação de reciprocidade para

a Filosofia Clínica, o capítulo 4 apresenta, entre outros, o Tópico “Espacialidade” da

Estrutura de Pensamento, com suas subdivisões: inversão e recíproca de inversão,

além dos Submodos com os mesmos nomes.

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2 AUTORES DE FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Edmund Husserl – Fenomenologia

Este filósofo, precursor da fenomenologia2 como a conhecemos atualmente,

ao avançar em seus estudos sobre esse tema, trouxe à luz nova visão sobre o

entendimento da captação do mundo com a chamada fenomenologia

transcendental, pela qual os objetos, anteriormente tratados como reais, objetivos e

independentes de qualquer captação interior, podem ser compreendidos por novas

significações, dependendo da singularidade de cada indivíduo.

O homem passou então, através da fenomenologia husserliana, a vivenciar

e descrever o seu próprio mundo, aquele ao qual ele dá vida por sua própria

consciência, libertando-se da concretude do mundo real e dando vazão ao seu

poder reflexivo.

Em seus estudos, Husserl enveredou-se pelo caminho do ser subjetivo,

aquele que é capaz de realizar sua intencionalidade ou sua consciência, onde a

percepção se transforma no grande instrumento de sua singularidade, bordando os

objetos exteriores com o matiz composto por cada indivíduo, que tece nessa nova

visão, um mundo particular construído pelo poder representacional que lhe é

conferido pela singularidade de sua percepção.

A consciência, como foi tratada por Husserl, é a um só tempo receptora e

doadora do mundo. Isto significa dizer que ela lança ao mundo a sua

_______________________

2 Fenomenologia: do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que se mostra - e logos -

explicação, estudo. Afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema).

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intencionalidade, enquanto recebe dele os instrumentos que a faz processar-se

como consciência. O mundo e a consciência, ou seja, o objeto e o sujeito

estabelecem mutuamente o significado do existir, uma vez que um (mundo) fornece

a materialidade e o outro (sujeito) lhe dá sentido.

Husserl expôs ao homem o realizar-se de seu mundo, fazendo um hiato

entre a consciência de um ser e a consciência do outro, colocando como verdade a

manifestação da percepção de cada um, não o sentido do fenômeno exposto,

objetivo, mas a manifestação de como se constitui cada consciência a partir desse

fenômeno.

Para que essa percepção da individualidade ou singularidade se revele ao

homem, é necessário que este tome distanciamento das coisas externas , momento

esse que Husserl chamou “redução fenomenológica”, onde os fenômenos

exteriores, denominados por ele de fenômenos transcendentes, perdem sua

relevância em relação ao entendimento da riqueza e plasticidade do seu mundo

interior.

Colocar em suspenso não significa dizer que os registros feitos perderam-se,

tornaram-se inexistentes. Depois de estabelecida a relação entre consciência e

mundo, onde a realidade está para a consciência e esta está para a realidade, essa

relação não mais se perderá. Ela estará constituída no sujeito, que a colocará em

suspenso no sentido de abertura de um novo espaço para maior captação do mundo

interno, sendo este um dos momentos mais ricos da relação, quando o sujeito

promove uma abertura para o alargamento da consciência em relação ao mundo e

em relação a outro sujeito, fazendo-se mais consciente do “eu” em relação com o

“aquilo” como duas realidades que se inter-dependem na construção de uma nova

consciência de seu mundo interno.

Assim, como diz Thomas Hanson Giles (GILES, 1975: 175) “a verdadeira

significação da redução fenomenológica consiste em forçar o olhar da consciência

em si própria, em converter a direção desse olhar e tirar, através da suspensão do

mundo, o véu que mascarava o eu e a sua própria verdade”.

Ao elaborar estudos fenomenológicos baseados na subjetividade do ser,

Husserl tratou também da intersubjetividade, ou seja, da alteridade, da relação entre

dois seres subjetivos, portanto entre duas consciências. Visualizou que para que

fosse possível o entendimento de um ser por outro, seria necessário que o olhar do

homem saísse de si mesmo e tomasse distanciamento daquilo que considerasse

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sua percepção, e se voltasse para a significação do mundo que o outro concebe . A

esse momento chamou “empatia”, onde a intencionalidade de um indivíduo se

harmoniza com a consciência do outro e nesse processo a visão do mundo de um

se desloca para a visão do mundo do outro estabelecendo-se, assim, o

entendimento da subjetividade de cada um . É também através dessa empatia e

pelo reflexo da comunhão com o outro que se dá a formação dos nossos juízos, ou

seja, reflexionados pela percepção da significação do outro ser, constituímos a nós

mesmos.

Ao adentrar o espaço interno do outro e ao se deixar penetrar, o homem

apreende a similaridade entre ambos, o que lhe permite ajuizar que pertencemos

todos à mesma totalidade universal e é dessa forma que a compreensão se

constitui na vida do homem.

Isto posto, podemos dizer que através da consciência, da intersubjetividade

e da empatia, forma-se um mundo comum, de mesmas perspectivas, onde cada

indivíduo compreende a similaridade de suas significações e passa a ter um olhar

compartilhado em relação ao mundo e essa compreensão o leva a compreender-se

a si mesmo e também ao entendimento de que pertencemos ao mesmo gênero, ao

mesmo momento existencial e que experimentamos, todos, o mesmo potencial de

consciência pessoal e de consciência de pensar o outro.

Esse entroncamento se dá, segundo posição de Husserl, exatamente pela

subjetividade, onde cada ser possui o seu próprio “mundo da vida” (Lebenswelt). Isto

significa dizer que todo ser humano cria através de sua consciência, um mundo que

não é determinado pela objetividade, apesar de ser dela que tira o conteúdo para a

formação do seu mundo subjetivo; que o mundo onde vivemos é o mundo captado

por nossa percepção, por nosso mundo pessoal.

Essa multiplicidade de troca entre o sujeito e o mundo real é o que produz o

enriquecimento da consciência e é também o que promove a unidade entre ambos.

Para Husserl a intersubjetividade não anula o entendimento de que cada ser

seja consciente de seu ser subjetivo; ela permite que ele entenda sua existência

exterior e a existência exterior do outro, ou seja, compreenda que existem dois

sujeitos e que sua empatia e intersubjetividade não eliminam essas perspectivas,

que são compreendidas através da reflexão, e esta por sua vez, tanto o expõe a si

mesmo quanto lhe revela o outro como sendo, ambos, duas consciências

individuais.

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Ainda segundo Giles (1975: 176) “sabemos que a alteridade “eu-objeto” é

uma idéia fundamental na fenomenologia de Husserl. Encontramos, em todos os

atos, uma maravilhosa polaridade: por um lado, o “eu-polo”; por outro, o objeto como

contrapolo. Porém, há uma unidade indissolúvel entre o “eu” e o objeto. Ao

constituir-se o objeto, constitui-se simultaneamente o “eu como consciência”..

Para explicar essa compreensão da existência do outro como a alteridade

que vem à consciência como reflexo de si mesma, Husserl usou a percepção do

corpo como ponto de referência. Olhar para outro corpo e ver a similaridade com

seu corpo, com aquilo que ele é capaz de fazer, dá ao homem, por associação, a

noção do que se lhe depara e que lhe é igual. Daí advém a compreensão da

intersubjetividade que permite ao sujeito ver a alteridade como outro eu, tão igual a

si enquanto materialidade e tão diferente enquanto subjetividade.

Por essa consciência da subjetividade de cada um, pela consciência da

alteridade que me constitui, pela consciência de mim como alteridade que constitui o

outro, e ainda mais, pela pluralidade das consciências que fazem parte da

constituição do mundo e pela compreensão da harmonia que todo esse conjunto

processa, pode-se elevar o homem a uma categoria superior no que se refere à

consciência da composição do mundo enquanto espaço coletivo.

Nesse cenário universal e coletivo, onde todos os objetos e todas as

subjetividades se encontram, forma-se a grande corrente do “nós”, da humanidade

enquanto grupo de consciências capazes de promover a relação entre todos os

seres.

2.2 Martin Buber – Eu e Tu

Complementarmente à fenomenologia como foi pensada por Hurssel, é

abordado também nesta monografia o tema Eu e Tu, que poderia ser tratado sob a

visão de muitos outros filósofos, mas que para esta construção é trabalhado pelo

olhar de Martin Buber, um dos pensadores que abriram os horizontes das ciências

humanas, fazendo um passeio pela inteireza do ser para demonstrar que as

relações de reciprocidade entre os homens podem atingir um grau máximo de

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generosidade, pensamento esse que deu origem ao conteúdo deste trabalho no

sentido de questionar essa possibilidade vivencial no mundo moderno.

O cerne desta sua obra está voltado ao aspecto da relação, do diálogo e da

reciprocidade, onde olhar o outro é ver a si mesmo para além das singularidades e

abrir o brilho do espelho da alma, onde o homem é capaz de compreender-se, não

somente enquanto Eu, mas também como parte do Tu que o compõe.

Sem ignorar o entendimento fenomenológico das representações subjetivas

do mundo, mas não se atendo a esse momento das caracterizações dos seres,

Buber trabalha na perspectiva de adentrar e compreender a inter-humanidade em

seu significado maior, mais profundo, com uma percepção singular de como se

processam as relações. O aspecto abordado em Eu e Tu é a perspectiva da

reciprocidade nas relações entre os seres e os entes que compõem o mundo.

Entretanto, apesar de as relações Eu-Tu e Eu-Isso estarem sendo

abordadas mais propriamente pelo viés das relações humanas, esta não é a única

lateral tomada por Buber, que tratou o tema também sob outros aspectos, num

trabalho muito mais abrangente e intenso, por exemplo, Eu-Tu Eterno (Deus) que

não será aqui abordado, pois seria necessário um alargamento ainda maior dos

estudos e fugiria ao objetivo desta monografia, que vai tratar das relações humanas.

As relações não se restringem aos homens, mas também as coisas podem

ser assumidas pelo ser como se fosse um Tu, ou seja, as coisas também podem

formar uma relação inteira com o Eu. Isso poderá se processar através da entrega

de alma, que acontece involuntariamente no homem quando, por exemplo, se

observa uma obra de arte, quando se ouve uma música, quando se está em contato

com a natureza ou em outro momento onde o homem se desvincula de seu ego e

se transporta para o mundo daquilo que o preenche como ser. É nesse

enternecimento e entrega que acontece o momento culminante da relação, que foi

denominado por Buber de momento do face-a-face3

Nas relações o Eu não possui independência com o Tu, esse é pré-

condição para a constituição de sua existência , sem, entretanto, lhe tirar a sua

condição primordial de Eu. Esse intercâmbio de sensibilidades, essa absorção do

Tu para compor meu Eu não significa que haja um eclipsar do Tu pelo Eu. Nesse

______________________

3 Face-a-face – Diz-se do momento de plenitude da relação como é tratada por Buber, onde o Eu é

capaz de entregar a sua humanidade para receber a dádiva de viver o outro.

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processo o que existe é a consciência da existência do outro em mim sem que isso

simbolize a prisão do Eu do outro. Ele está em mim como a alteridade que me faz

compreender quem eu sou e eu estou nele como a alteridade que o faz

compreender quem ele é, sem que nos percamos de nossa pessoalidade nessa

relação que se faz completa pela reciprocidade plena nesse momento face-a-face

Essa troca, essa relação do face-a-face não traz em si nenhuma carga da

razão cartesiana4, ou seja, não cabe ao homem o acesso a esse momento através

da razão e não lhe é facultado estar ou não em relação com o Tu, já que esse

estado quase sacral lhe é oferendado graciosamente pela magia universal, ou seja,

segundo Buber o homem já traz consigo a possibilidade de participar dessa troca

plena com seu semelhante por uma potencialidade que o universo lhe confere.

Segundo o entendimento de Buber, a causa primária da palavra-princípio

Eu-Tu advém do momento da concepção, onde dois corpos interagem e se

circundam num vínculo que vai muito além do horizonte dos entes. A concepção

seria o momento humano de captação da força universal, que é perdida durante o

crescimento, pela absorção das coisas do mundo e pela formação dos estados

psicológicos da vida pessoal. No entanto, o vínculo que se processou no momento

conceptivo é eterno e a busca torna-se infindável. Esse anseio também chamado

por Buber de “nostalgia da busca do vínculo”, fica na consciência intuitiva como

nostalgia por algo que se intui existir e que cotidianamente não se consegue reviver,

exceto no momento do face-a-face, quando se é atingido pela força universal.

Para reencontrar essa magia do mundo cósmico, o ser irá interpondo em

sua vida o mundo espiritual, o mundo da essência da criação na forma do encontro

do Eu com o Tu. Esse instinto de existência do Tu constitui a priori a relação face-

a-face e só posteriormente constitui-se a relação Eu-Isso, ou seja, ao nascer

estamos prontos para o Eu-Tu e as vivências mundanas vão acrescentando o Isso

em nossas vidas e a compondo.

Nas palavras do próprio Buber: “No princípio é a relação como categoria do

ente, como disposição, como forma a ser realizada, modelo da alma; o a priori da

relação : o Tu inato“(31).

_____________________________

4 Razão Cartesiana – Diz-se do pensamento do filósofo René Descartes, onde a razão é a única via

segura pela qual o conhecimento do mundo pode ser obtido. Particularmente, a visão racionalista de Descartes defende a possibilidade de alcance de uma verdade absoluta, incontestável através do uso da razão.

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Assim como o Isso pode se transformar em Tu pela entrega à arte, como a

música, a poesia, etc,, como especificado acima, o Tu pode se tornar Isso. Essa

perda do Tu ocorre quando a consciência é consumida pelo ego e pela cotidianidade

sem limites, onde os homens se coisificam diante dos convites mundanos.

Para desenvolver o tema Eu e Tu, Buber também tratou da linguagem que,

segundo seu entendimento, é a responsável pelo transporte do homem de seu

mundo para o mundo de outro ser. Esse percurso coloca-o frente, não somente a

sua própria existência, mas também frente à existência do outro e faz o entremeio

entre ambos, unindo-os em sua similaridade enquanto ser dialogal.

Para que aconteça a relação dialógica entre o Eu e o Tu é necessário que

ambos estejam presentes um na vida do outro, o que não ocorre no relacionamento

egóico do Eu com o Isso enquanto objeto do mundo e por isso a alteridade se faz

presente somente nas relações Eu-Tu

Entretanto, ainda que o Eu não esteja presente na vida do Isso, esse mundo

coordenado pelo espaço e pelo tempo é essencial para que o Tu possa se revelar e

estabelecer a relação, num mundo que Buber denomina “reino dos verbos

transitivos” ou seja, o reino onde os objetos são necessários para consolidar a

existência humana. Apesar de o Eu-Isso não representar o momento mais

importante das relações, ele estabelece o confronto do homem com o mundo e

assim constitui a história da humanidade, que nem sempre é vivida dentro das

capacidades da relação Eu-Tu.

O Isso fornece ao homem elementos para que paute sua vida por valores

que o afastam de sua condição primeira de inter-humanidade e o lança às

fatalidades das buscas fora da relação Eu-Tu .

Buber trata das palavras-princípio Eu-Tu (relação entre os homens) e Eu-

isso (relação entre o homem e os entes que se lhe apresentam) como sendo dois

dos momentos de vivência relacional do homem no mundo. Para esclarecer melhor

o significado desses momentos, pode-se dizer que o momento primeiro é onde se dá

o diálogo, onde o homem se coloca como ser relacional; o segundo momento é

onde se dá o monólogo, com o homem se colocando frente a sua relação com as

coisas, ambos os momento evidenciando a diversidade de encontros que se abrem

no mundo pela utilização das palavras-princípio Eu-Tu e Eu-Isso.

Antes que a relação Eu-Isso se processe, a existência do Eu-Tu se dá como

forma original das relações, ou seja, para Buber primeiro existe o encontro de duas

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pessoas (Eu-Tu) e posteriormente a abordagem experiencial (o homem com o

mundo).

Quanto à realização interior do homem, esta se dá, segundo Buber, através

do momento que chamou de “sopro do espírito” onde ele toma consciência da

presença do Tu como parte da formação de seu Eu, num momento de doação e

aceitação mútua onde vivencia a reciprocidade plena do diálogo e da relação inter-

humana do face-a-face.

Para esse filósofo existe uma dualidade na forma de o homem se relacionar

no mundo. Isso não significa dizer que o homem não seja coerente com seu Eu, ou

que ele seja dúbio naquilo que expressa, mas sim que se relaciona ou que existe

de duas formas diferente no mundo. Para esse autor existem também duas atitudes

que podem ser assumidas pelo Eu. Uma delas é a do ser em sua totalidade, não a

totalidade das coisas adquiridas no mundo, “como a reunião de estruturas

formadoras dos sentimentos que geram os estados psicológicos”, mas totalidade no

sentido de inteireza do ser em ação na direção da relação recíproca com o Tu. A

outra atitude é egóica, onde o outro é um objeto a ser utilizado para deleite do Eu.

A afirmação de Buber - “Ich werde am Du” – “Torno-me Eu na relação com o

Tu” mostra o Tu como agente formador do Eu enquanto este se completa nessa

aceitação, já que não há constituição solitária do Eu. Este caminha em relação

dialógica com o Tu e ambos exercem ação mútua um sobre o outro, porém, sem que

nenhum deles perca sua potencialidade e sua condição existencial. Para Buber,

“toda relação se processa no “entre”, que é o espaço que permeia o dar-se e o

receber; é nessa reciprocidade como ato humano que está o fundamento do face-a-

face buberiano.

Note-se que entrar em relação com o Tu não significa adentrar o seu

universo, uma vez que esse experimento o transformaria em Isso, mas sim deve-se

perceber o simbolismo existente no momento que Buber chamou de “Santuário da

palavra-princípio Eu-Tu”, onde a sutileza e profundidade quase sagrados do

encontro se processa em um momento cósmico, até mesmo sem que o Tu o

perceba em sua experiência. Nesse espaço de vida onde o momento do Eu-Tu

acontece, uma forma (Tu) atua no Eu com a mesma potencialidade que o Eu nela

age; e é nesse momento, onde a atuação cósmica acontece, que o face-a-face

buberiano alcança o seu lugar de relação autêntica, onde o Tu não pode estar

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fragmentado, pois se assim estiver, não atinge o instante em que a presença

potencializada se torna ato constituinte do ser.

No entendimento desse filósofo não existe um caminho a seguir para que o

Eu alcance o Tu; todos eles resultariam em distanciamento, já que esse encontro

sublime se dá pela aparente passividade da ação e na quietude do pensamento,

contrariamente ao que ocorre no Eu-Isso onde o mundo da experiência leva o

homem ao desencontro da relação autêntica e o coloca à margem da existência.

Para Buber relação é amor, não da maneira como o conhecemos e vivemos

hoje, não amor de cultuar, não amor de prazer, mas amor da reciprocidade emanada

pela totalidade do ser potencialmente cósmico. E nas palavras do próprio Buber:

““Nós vivemos no fluxo torrencial da reciprocidade universal, irremediavelmente

encerrados nela” (Buber, 1974, 18).

2.3 Martin Heidegger - Ser e Tempo

Contrariamente à posição de Buber, Heidegger não acredita na essência

pré-existente, mas sim, defende que o homem é fruto de sua história, da

temporalidade de onde emerge. Levou sua busca em direção ao ser do homem, à

valorização da existência pessoal, independentemente do contexto social a que

pertence, dando prioridade a sua história pregressa como responsável por seu

conteúdo interno.

Além disso, trouxe o seu questionamento sobre a primazia da razão como

detentora dos caminhos que levariam o homem a uma vida mais feliz, cujo bastão

era carregado pela ciência com suas técnicas, onde o homem se fazia objeto de si

mesmo para dar vazão ao pensamento de que tudo era manipulável.

Também dissociou a completude do homem das descobertas do saber

experiencial e, portanto, manipulatório, trazendo uma vertente totalmente nova, a

chamada filosofia da existência, onde coloca o homem como indivíduo no mundo,

vivendo sua própria compreensão inata; não a compreensão adquirida através do

conhecimento, mas aquela onde as coisas se nos revelam a si mesmas e o nosso

ser-aí (Dasein) é pré-reflexivo, ou seja, onde o nosso saber está previamente

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constituído em nós pela nossa própria história pregressa e não depende de nenhum

entendimento racional para consolidar-se.

Heidegger tratou do homem como portador de dois momentos da

existência, dois estados de sua natureza, sendo um deles o homem enquanto ente e

o outro o homem enquanto ser. Os estudos e cuidados que até então se levavam a

efeito era sobre o ente, enquanto Heidegger cunhou o tema de forma diferente ao

preconizar a compreensão do homem através de uma abertura interior onde o ser

se manifesta na vida do ente.

Fez a leitura de que as coisas, os objetos, estão aí postos no mundo, mas

somente o ser existe como essencialmente humano, um ser que é inesgotavelmente

interrogativo, que não tem ponto de partida e não tem ponto de chegada; um ser

existencialmente inacabado, cujas potencialidades são infinitas e estão sempre

latentes, prontas a tornarem-se atos e a abrirem-se novamente em novas

possibilidades.

Um dos momentos predominantes em Heidegger é o sentido dado à

compreensão de que o ser é diferente do ente e constitui-se à parte desse, ainda

que sua co-presença enquanto alteridade seja a base formadora da sua existência.

Para encontrar essa compreensão, que reside no mais recôndito da

constituição do ser-homem, este projeta essa busca ao âmbito mais profundo do

ente, ao âmbito do ser-aí do ente e é esse caminhar que o transporta a um estado

de suspensão de si mesmo como consciência participante do mundo objetivo. Esse

momento de suspensão é gerador de profunda angústia, pois trata-se do luto da

perda do ente que se é. Esse movimento reflexivo-transcendental, onde o homem se

lança na busca de si mesmo, numa incursão profunda por sua própria vida interna, é

condição prévia ao desabrochar da captação da compreensão genuína do seu ser-

aí, de sua existência.

Para exemplificar este momento heideggeriano,que ocorre no interior do

homem, está citado abaixo o poeta Fernando Pessoa, que traz uma demonstração

de seu estado de busca, como segue:

Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu. Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?

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Ainda que o ser esteja internalizado no homem, para encontrá-lo não há que

se dissecar o seu corpo, como procede a ciência, mas deixá-lo jorrar pela abertura

inerente ao processo de busca, pela abrangência da existência.

Entretanto, esse Ser não entra de forma profunda em nossa vida sem que

antes passemos pelos doloridos momentos de busca, cuja trilha passa pela

angústia, tão mais profunda quanto mais nos aproximamos do encontro com o nosso

ser. Esse encontro acontece de forma individualizada, onde cada ser que esteja em

busca de si mesmo “viaja por terras sombrias” em direção ao “nada” heideggeriano,

onde na verdade está escondido o seu grande tesouro, diamante cristalino, cujo

brilho o remete a si mesmo. Nesse caminhar o ser se desloca de seu mundo externo

para uma interiorização sofrida e solitária e entra na mais profunda dor até alcançar

o seu Ser, o sentido de sua existência.

Diferentemente de Descartes, que preconizava o cogito, ergo

sum5,,Heidegger inverteu esse processo ao entender que antes de qualquer

pensamento, o homem existe. Não há necessidade de nenhum conhecimento, de

nenhum pensamento para que a existência se revele, ela “é”, a priori, e é ela que

permite a participação do homem no mundo, ou seja, somente após a existência

emerge o pensar. Recapitulando o pensamento acima dizemos que: primeiro existe

a existência, o meu Ser-aí, este se materializa como ente e ambos, juntos, se

complementam como totalidade do Ser. A existência (Ser-aí) promove o espaço, o

tempo e o canal para a realização do Ser do ente.

É exatamente aí, na manifestação do Ser-aí como ente, quando o homem

deixa-se guiar pelos chamamentos do cotidiano, cujas teias o enredam no mundo

dos objetos, que o Ser se perde. A esse embotamento da luz do Ser pelo ente

Heidegger chamou de “véu do ser”, ou seja, aquilo que cobre e, portanto, tira do

homem a possibilidade de vivenciar o Ser em sua plenitude. Para resgatá-lo faz –

se necessário um redimensionamento daquilo que foi apropriado como história, uma

lucidez nova, um ouvido novo para aquilo que é inspiração para o Ser.

O Dasein (ser-aí) acontece como um saber intrínseco a nossa existência, num

espaço interno onde nossa inteligibilidade capta quem verdadeiramente somos

___________________________ 5 Cogito, ergo sum significa “penso, logo, existo, ou ainda, dubito, ergo cogito, ergo sum – “Eu divido,

logo penso, logo existo”. A frase é uma conclusão do filósofo e matemático francês René Descartes após duvidar da sua própria existência, mas que foi comprovada ao ver que pode pensar e desta forma, conquanto sujeito, ou seja, conquanto ser pensante, existe indubitavelmente.

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antes de qualquer processo racional ou sensorial de captação de dados objetivos ou

de qualquer juízo que possamos formar antecipadamente a ele. Nossa compreensão

ou interpretação do mundo se dá pela consciência reflexiva, onde a função dos

objetos não nos vem pela forma racionalizada, mas pela condição que captamos

como intrínseca ao mesmo objeto. Isto significa que a compreensão dá condição de

existência às coisas que compõem o mundo e faz com que elas sejam como são.

Para Heidegger o ser humano é eternamente preocupado com o seu

ambiente, no sentido de que esse interfere em seus interesses, em sua existência.

Toda essa preocupação é o que o distingue dos demais entes que compõem o

mundo e é também o que o lança na tristeza e na angústia, na consciência da

temporalidade que o aproxima da morte e, por fim, ao profundo “nada” que o

assola, mas que também o faz emergir como Ser constituído de sua temporalidade.

É essa visão que abre o grande diferencial filosófico de Heidegger, com a

inclusão do “nada” como ferramenta de resgate do ser perdido. O nada, estado de

tédio provocado pela angústia que acomete aqueles que conseguem promover a

abertura para compreensão do ser, que conseguem se ensurdecer para os apelos

do ente e escutar o sutil chamamento que o ser profere a partir dos fenômenos,

transforma-se no movimento que transportará o homem para aquilo que ele é, o

Ser.

O nada, como foi tratado por Heidegger, traz a morte simbólica do ente, é

um estado de intuitivo de busca do Ser; trata-se de um caminho reflexivo-

transcendental que busca a compreensão como essência do encontro com o si-

mesmo, com o Ser-aí.

Essa intuição de existência do Ser tira o indivíduo da condição natural e

tranqüila de participante do mundo de acordo com o senso-comum e o lança para

fora desse ambiente pelo viés da angústia e suas garras afiadas. Nesse período,

onde há uma espécie de hibernação do ente, que perde sua importância diante da

força da angústia, o indivíduo deixa-se agarrar pela quase morbidez do nada,

flutuando no tempo e no espaço, praticamente morto como participante do mundo

externo, e busca na dolorida e indefinida inércia que lhe suspende a vida, o sopro

do seu Ser.

Entretanto, quando o homem suspende de seu mundo pessoal o farfalhar do

cotidiano, é o mesmo que ter o seu mundo submerso ativado, e a angústia

causticante da incursão para o nada abre as portas para a revelação do Ser.

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A inércia que acompanha a angústia é um viver sem vida por um

desligamento do cotidiano que se dá sem palavras em direção a um estado onde

tudo é tedioso e sem sentido, onde tudo é nada. A angústia do nada é silenciosa e

forte, é a trilha de fuga do ente de seu posto mundano para o nada que clarifica o

Ser. Estar no nada heideggeriano é simbolicamente voltar ao útero onde submerso

na água um ser se forma, cria corpo, cria o ser-aí. Mas nesse novo formar-se extra-

uterino, agora emergido do nada, o Ser se reencontra no tempo, onde passado,

presente e futuro são um só caminhar, berço de sua formação e da compreensão do

lugar da alteridade como complementadora do seu Ser-no-mundo, a partir do

redimensionamento de sua temporalidade. E, como diz Heidegger: “O profundo

tédio, que como névoa silenciosa desliza para cá e para lá nos abismos da

existência, nivela todas as coisas, os homens e a gente mesmo como elas, numa

estranha indiferença. Esse tédio manifesta o ente em sua totalidade.” (HEIDEGGER,

1969: 29)

2.3.1 A Alteridade em Heidegger

Diferentemente da fenomenologia husserliana , que entendeu no estudo da

intersubjetividade a existência de uma similaridade entre as consciências, que

permite ao homem compreender o mundo perceptivo do outro, Heidegger trilhou o

caminho da co-existência, da existência da alteridade em mim, onde sou eu e

também sou o outro co-habitando o mesmo espaço que me constitui .

O canal que me abre minha consciência de mim é ao mesmo tempo o

canal que me dá a consciência da alteridade que mora em mim e que divide comigo

o espaço de minha constituição.

Entretanto, não se trata somente de um outro “eu” que possui consciência

própria, mas também do meu ser-no-mundo, ou seja, da forma como eu

compreendo e habito o mundo. Como recebo as verdades dos entes, das coisas

enquanto estas se revelam a si em si mesmas. Enfim, trata-se da relação entre o

meu ser-aí (Dasein) e a alteridade (Mitsein), seja ela no sentido de outro Dasein, ou

no sentido de outros seres co-habitantes do mundo e que formam a base da

constituição de minha estrutura a ponto de, mesmo sem sua presença objetiva, eu

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manter em mim o sentido de alteridade por intuir sua presença ou sua existência

compartilhada no mundo como parte dos alicerces que formam meu ser.

Segundo o entendimento de Heidegger, o outro é o polo constituinte do ser

no mundo, ou seja, o Dasein tem em suas entranhas de ser-aí o outro como parte

dessa constituição que por sua vez lhe permite compreender-se a si mesmo.

2.3.2 A compreensão

Na relação ser-no-mundo, o ser-aí não vê a alteridade como tu, distante

dele, mas sim a capta como sendo também um co-participante de sua vida, que lhe

confere uma compreensão mais abrangente do seu ser-no-mundo.

A compreensão representa um estado de liberdade difícil de ser alcançado

através de qualquer outro caminho, pois compreender significa entrar em contato

com o seu ser-aí, com a forma como se é, a forma como o homem se compreendo

como ser-no-mundo e a forma como vê a existência do outro.

Após passar pela angústia do “nada” heideggeriano , onde compreender

num sentido mais amplo significa lançar-se em “queda vertiginosa” ao encontro do

si-mesmo, projetar-se rumo ao interior oculto pelo ente, desbravando-o até se

chegar ao ser que se é, às possibilidades de ser-aí, forma-se o esqueleto da

compreensão e a partir dela à captação da constituição do Ser e do seu encontro

com a alteridade.

Heidegger entende a compreensão como sendo a essência reflexiva própria

de cada ser, isto é, um modo de ser que vem de cada pessoa, que lhe é inato e não

recebe qualquer interferência racional ou interpretada para realizar-se.

2.3.3 O tempo

Para Heidegger o ser é finito e não transcende a vida, portanto, toda a nossa

existência se dá neste momento, onde estamos agora.

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O tempo heideggeriano não é contado pelo aspecto cronológico, mas pela

totalidade de nossa história pregressa, de nossa atualidade e pelo futuro, que

formam o conjunto de nossa existência, onde apreendemos o nosso Ser. Nós

emergimos dessa totalidade, somos o conjunto de nossa obra histórica e nosso

tempo é aquilo que somos, aquilo que nos tornou quem somos. Para essa

construção é preciso que tenhamos uma linguagem com o todo, com a natureza,

com os fenômenos que nos remetem ao nosso Ser e que o formam.

O Ser é constituído pela linguagem que se estabelece com a natureza, onde

existe uma dança poética no momento relacional entre o homem e os fenômenos . E

é esse entendimento de se viver poeticamente não no nosso mundo, como vivem os

demais entes, mas inspirado pela familiaridade que acomete quem está junto no

mundo, no universo, e a compreensão do tempo como uma totalidade daquilo que

somos, que nos dá como retorno o encontro com nós mesmo, com o nosso Ser.

2.4 Emanuel Levinàs – Totalidade e Infinito / Entre Nós

Enquanto Buber trabalha com o Nós e Heidegger com o Eu, Levinas tem o

Tu como fonte de estudos. Seu pensamento converge para o lugar ocupado pelo

outro na mente e na vida do homem, sem reduzi-lo unicamente à razão egóica, mas

enaltecendo o seu lugar de alteridade, cuja importância é primordial em sua vida

enquanto semelhante em detrimento do Ser-si mesmo que perde a primazia dada

por Heidegger.

Levinas é um crítico da razão cartesiana por considerar que essa soberania

racional, sem vínculos com as sensibilidades e produtora do conhecimento como

foco principal, portanto egóica, faz uma apologia ao Eu, caminho que leva o homem

a sujeitar o outro a seus caprichos e objetivos individualistas, como vem se

comprovando no pós-modernismo, onde a liberdade, ainda que falseada, está se

sobrepondo à igualdade e desfazendo as relações. Assim, com relação a esta

postura, é importante apontar outros pensadores, conforme abaixo.

Os filósofos contemporâneos Vattimo,G e Lipovetsky, caracterizam o

individualismo pós-moderno como a afirmação da diferença, de uma identidade

constituída a partir da ruptura ou da distinção. O individualismo constitui, assim, a

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matriz do estilo de vida do mundo ocidental, com todas as consequências éticas daí

resultantes (VATTIMO, G & LIPOVETSKY, 2003).

No mesmo texto, é citado um estudo sobre os valores nas sociedades

ocidentais, onde o filósofo Harman e o historiador T. Petterson concluem o seguinte:

A fragmentação dos valores é assumida teoricamente como um traço importante dos processos de diferenciação e individualização". Este estudo procurou medir a relação estabelecida pelos Europeus entre o valor da liberdade individual e da igualdade, tendo apurado o seguinte: apesar de, entre 1981 e 1990, ter ocorrido uma evolução na importância concedida pelos europeus à igualdade, nomeadamente na Bélgica, França, Inglaterra, Irlanda e Holanda, a liberdade continua a ter mais peso, sendo preferida, em 1990, por 48,1% dos inquiridos na Bélgica, por 47,7% na França, por 59,3% na Alemanha, por 62,6% na Grã-Bretanha, por 55,4% na Holanda e por 43,2% em Espanha. A igualdade é considerada mais importante do que a liberdade apenas na Irlanda (com 52,1%), na Itália (com 43,6%) e em Espanha (com 43,2). (HARMANN L. & PETTERSON, T., 2003)

Então, segundo o pensamento de Levinàs, o mundo moderno lançou o Eu

para fora de si e o atropelou de forma avassaladora. Longe de seu habitat (vivência

interior) o Eu vagueia sem horizonte e acopla-se ao mundo exterior, enquanto este

toma as rédeas da vida do sujeito e violenta o seu Eu desnorteando o seu encontro

consigo mesmo (Heidegger) e especialmente com o Outro (Buber), lançando sua

subjetividade ao relento e dando um rumo de desencontro às relações, que na

modernidade perdem seu laço histórico. Assim, “o caráter único, sem gênero, das

situações e dos instantes, sua nua existência são o grande tema dos modernos. Por

seu lado, o eu, assim entregue ao ser, é lançado para fora de si, para os lugares de

um eterno exílio, perdeu seu domínio sobre si, é superado por seu próprio ser. Está

a mercê de acontecimentos que já o determinaram” (LEVINAS, 2004: 77).

Para Levinàs onde não há igualdade, há predominância de um sujeito sobre

o outro, situação corriqueira no capitalismo desenvolvido nos tempos modernos,

que ao promover-se a um suposto ideal a ser atingido, transforma as diversidades

em massificação onde o homem torna-se “mesmo”, ou seja, não há mais o meu ser

reflexivo e o outro reflexivo, com singularidades; todos são uma massa igual, sem

força para combater essa violência enquanto desmanche da subjetividade e

homogeneização da diversidade.

Este pensador trabalha as relações, a pluralidade dos seres e a ética

humana, onde o mais importante é a responsabilidade de um ser para com o outro.

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A subjetividade, o ser intenso, inteiro, vindo de uma quase morte pelo “nada”

heideggeriano, segundo Levinàs, tornou-se apenas um Eu consumista e predador

do Outro, aquele que é gerido apenas pelo conhecimento, deixando desnutrida a

alteridade. Abarcado pelo chamamento da racionalidade levada a efeito na

modernidade, o Eu profundo torna-se um eu egóico e dominador, esquecido da sua

condição primeira, segundo este filósofo, de homem ético e responsável pela

alteridade, esgueirando-se para a objetificação do sujeito, dando lugar a

massificação de muitos e a aquisição do poder por alguns, conforme as palavras do

próprio Levinas: “A relação com o ser, que se dá como Ontologia, consiste em

neutralizar o ente para o compreender ou captar. Não é, portanto, uma relação com

o outro como tal, mas redução do Outro ao Mesmo”. (LEVINAS, 2004: 33).

Entretanto, Levinàs tira o homem de representante unicamente da razão e o

vê como aquele capaz de viver sensivelmente, que concebe ao outro um lugar de

destaque, como constituinte do mundo, e como aquele capaz de irradiar-se pela

existência do outro como representante da condição humana, da ética.

A ética para Levinàs é o que faz a compreensão da humanidade porque

trabalha a sensibilidade para se captar a alteridade em cada rosto, este tão infinito

que transcende à sacralidade. Esse autor, que tem formação no judaísmo, entende

que quando se vive a ética, vive-se a sensibilidade da alteridade e nesse encontro

entre alteridades chega-se a Deus.

Esse pensador propõe, então, um olhar para a alteridade e

consequentemente uma reação à modernidade, que tem em si o individualismo

elevado a ponto de subjugar o outro em proveito próprio. Esse novo olhar levaria o

homem ao máximo da realização de sua humanidade, onde o outro não é um

trampolim para galgar degraus, mas um companheiro de jornada.

Em seu trabalho sobre a ética Levinàs traz o face a face, não aos moldes de

Buber, mas como o momento em que a riqueza do rosto do outro dá a noção de

infinito e sacralidade dos seres. Também, segundo Levinàs, a manifestação própria

de cada rosto, que não pode ser mesmificado por ser constituída sem moldes,

ocorre como resultado daquilo que cada um vivencia em seu interior e é, portanto,

única para cada ser; todos os rostos são distintos e cada um é infinito. Esse

invólucro especial e único, com o qual se estabelece a relação que dá sentido ao

mundo, também é instrumento pra o desenvolvimento da responsabilidade de um

ser para com o outro.

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Um rosto chama o Eu para sua humanidade, abre-lhe o infinito e o impede

de entrar na totalidade. É pelo rosto que o homem fica diante do outro, frente a

frente, é onde se revela como aquele que não pode ser aprisionado como ser infinito

que é pela finitude do Eu.

Também, segundo Levinàs, é importante que se compreenda que como

Outro não está compreendido somente aquele de quem se pode ver o rosto, mas

essa alteridade é expandida por toda a humanidade e a responsabilidade se

multiplica pela diversidade de seres, para além da ética social, abrangendo também

a solidariedade, que é o bem maior para uma convivência de harmonia entre todos

os homens.

É também o rosto do outro que me impele às minhas aspirações, aos meus

valores e é nele que me responsabilizo pela humanidade, já que apreendo nele a

fonte de captação da infinitude da alteridade. Essa responsabilidade, entretanto, não

demove o eu de sua necessidade egóica de usurpar o lugar do outro, de tirar-lhe o

espaço que lhe seria de direito e de se estabelecer como soberano levando o tu à

condição de oprimido.

Levinàs trabalha também com a consciência, que nos aproxima do outro e

nos permite olhá-lo como um ser com as nossas mesmas possibilidades e não há

como deixar de haver uma aproximação que se dá tanto por similaridade quando por

compreensão das singularidades. Um olhar consciente do rosto do outro e, portanto,

de nós mesmos, nos torna próximos e mutuamente responsáveis. É como se ao

olhar o rosto do outro captássemos a nós mesmos e isso nos faz abraçá-lo

internamente. Para essas pessoas concedemos a nossa entrega e quanto maior for

a familiaridade, maior será o amor que, se não for um amor para engrandecimento

do Eu, deixamos que a liberdade se expanda para que o outro se aproxime sempre

mais de si mesmo, pois esta compreensão é parte da responsabilidade que temos

pelo outro ser. Portanto, “o amor é o eu satisfeito pelo tu, captando em outrem a

justificação de seu ser. (LEVINAS, 2004: 43).

Segundo o pensamento de Levinàs, é preciso que o outro nos faça face

para que saibamos quem somos. A própria existência do outro é o nosso parâmetro

para que saibamos quem somos; ele nos reflete a nós mesmos e seu rosto é como

uma caverna onde nossas palavras ecoam dentro de nosso eu para tomarmos

consciência de quem somos. Sem o outro não temos referencias de nós mesmos e

sem elas somos folhas soltas no universo, solitários, perdidos nos próprios

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pensamentos, que sem o outro ficam sem destino, vagando como qualquer outro

animal. O cogito se perde em si mesmo sem os parâmetros que o outro nos faz ler,

pesando-nos a solidão da nossa própria existência. .

Dessa forma, diz Levinàs:

O outro, a exterioridade não significam necessariamente tirania e violência. Uma exterioridade sem violência é a exterioridade do discurso (...) Seu modo de ser e de se manifestar consistem em voltar sua face para mim, em ser rosto (...) Isolar um ser entre outros, isolar-se com ele no equívoco secreto do entre-nós, não assegura a exterioridade radical do Absoluto. Somente o testemunho irrecusável e severo que se insere “entre-nós”, tornando público, por sua palavra, nossa clandestinidade privada, mediador exigente entre o homem e o homem, está de frente, é tu. (LEVINAS, 2004: 45).

Diferentemente de Heidegger, para quem a morte (nada) é se chegar ao

autêntico de si mesmo e viver é desgarrar-se das relações com outrem, Levinàs

trabalha com a morte do corpo do outro como o canal através do qual o homem vive

o Tu em profundidade, onde a solidão do que é imutável cai-lhe sem que possa

impedir. Entretanto, esse fatalismo escancarado na morte do outro, não o leva à

angústia por sua própria morte. Esse vivenciar a morte do outro para Levinàs é mais

relevante para a humanidade no sentido da solidificação da responsabilidade da

relação com o outro, do que é a morte em vida pelo desabrochar do ser autêntico

heideggeriana.

Ao criticar o Ser-em-si que se apresenta na modernidade, voltado para seu

livre arbítrio, para seus desejos, para seus conceitos, para o seu poder, Levinàs

propõe um homem formado pelo respeito, pela responsabilidade, pela ética que

geraria um homem melhor, mais próximo de seu semelhante dando um novo sentido

ao que é ser humano.

Em seu livro intitulado Totalidade e Infinito, Levinàs expõe o homem em dois

de seus momentos vivenciais:

-Enquanto totalidade, onde o ser se faz absoluto, senhor de si,

independente, dono do conhecimento e da razão dominadora (eu penso, eu posso,

eu tenho, eu quero, eu faço), consumista, imediatista e egóico.

-Enquanto Infinito – onde o homem vive seu momento Outro, solidário,

participante da construção da humanidade, responsável por sua existência, voltado

para a alteridade, para solidariedade e para a ética, aberto em suas manifestações

infinitas e intraduzíveis para o outro.

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3 PARALELOS ENTRE AS TEORIAS

3.1 Husserl/Buber/Heidegger/Levinàs

As teorias desses quatro mestres da filosofia andam em paralelo por

tratarem do sujeito humano como aquele capaz de modificar sua existência a partir

da existência do outro e também de compreender a existência do outro a partir da

sua.

Esses pensadores trataram das relações humanas, ainda que por vezes

indiretamente, cada um dentro da singularidade do seu olhar, e deram a elas (as

relações) um valor de construção, voltado para a compreensão da amplitude

vivencial que o homem pode atingir pela mutualidade das relações que vive com seu

semelhante.

Enquanto Husserl fez uma abertura para um novo entendimento do homem

como ser subjetivo, traçando um caminho até a intersubjetividade, onde se processa

a conscientização da existência do outro como meu semelhante, Heidegger deslizou

pela interiorização como caminho para se atingir essa compreensão. Segundo esse

pensador a existência constituída pelo outro, mas individualizada como o espaço

onde o Ser agoniza por se manifestar, concebe por si só uma abertura cujo portão é

a tristeza que acarreta aqueles que se encontram com possibilidade de realizar o

seu verdadeiro Ser.

Husserl ampliou a visão das percepções sensoriais para a visão das

relações entre os seres, estes individualmente constituídos por suas representações

pessoais do mundo. Essa consciência da percepção subjetiva de cada indivíduo

levou o homem à compreensão de seu próprio processo relacional, ou seja, que é

pela reflexão sobre a importância do outro em sua própria constituição que ele se

percebe humano, sendo um igual dentro da totalidade universal.

Heidegger, entretanto, ainda que também tenha trabalhado a importância da

alteridade, percorreu um caminho solitário para essa compreensão.

Defende que para essa realização o homem faz uma suspensão de seus

interesses mundanos, das armadilhas do mundo objetivo, do cotidiano e volta-se

para seu interior. Nessa incursão que vai da tristeza para a angústia e desta ao

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estado interno que chamou de “nada”, o homem faz uma dolorosa reavaliação do

seu mundo, enquanto vai em vertiginosa queda interna ao encontro do seu Ser, que

lhe ascende a uma maior inteireza.

Especialmente nesse momento de sua teoria Heidegger se encontra

novamente com o pensamento de Husserl quando este colocou o momento de

suspensão de valores , conceitos e percepção como fundamental para que o homem

processe a ampliação de sua consciência e ressurja renovado.

Ainda que Heidegger trate dessa suspensão como caminho para que o

homem encontre o seu verdadeiro Ser, esse processo naturalmente o leva a uma

nova consciência, uma vez que ao retornar do dolorido estado de “nada”, ele estará

mais completo, mais consciente de sua humanidade e existência.

Levinàs, entretanto, traça um caminho totalmente voltado para alteridade,

onde o homem é responsável não somente por si mesmo, mas por toda a

humanidade. Para esse pensador o rosto do outro é como um espelho que nos

remete não só a ele como ser infinito em suas manifestações, mas também a nós

mesmos como reflexo que nos torna conscientes de nossa responsabilidade perante

a humanidade.

A diversidade de “outros” e a impossibilidade de tematização de cada rosto é

colocado por Levinàs, não só como uma riqueza própria do ser humano, mas

também essa impossibilidade de captar as suas manifestações o tornam alvo de

cobiça. Isso se explica, segundo Levinàs, devido a um desejo que o homem tem de

assimilar o significado do outro, o que tem despertado um eu predador de seu

semelhante, no sentido de dominá-lo.

Sem descartar a racionalidade como uma das bases da filosofia, esse autor

traça uma crítica ao Ser heideggeriano por considerar que o perfil do Eu racional e

voltado para si mesmo, como vem se desenhando no mundo moderno, está

desenvolvendo uma soberania que leva o homem ao egoísmo da posse e da sede

de poder que subjuga outro homem.

Apesar dessa sede de domínio, Levinàs trata o homem como aquele

responsável e capaz de promover a igualdade, trabalhando a pluralidade, as

relações e a ética que permitem que a justiça e o viver sensivelmente irradie-se pela

existência dos demais seres, o que elevaria o homem egóico a um lugar quase

sacral.

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Com o homem mais completo, mais voltado para o seu interior e

compreendendo a importância da alteridade para sua própria existência e, portanto,

mais pronto para compreender-se como ser relacional, chega-se à obra Eu e Tu de

Buber.

Com a frase “Torno-me eu na relação com o Tu” Buber mostra o teor de seu

pensamento, onde é através da profunda compreensão de que o outro está em mim

e eu estou nele que o homem torna-se um doador e um receptor do outro, onde as

relações se estabelecem como inerentes a ele, sem as quais não poderia viver a sua

plenitude como ser humano.

Essa recepção/doação ao outro tem sua origem já na concepção do homem,

mantendo-se como anseio durante toda a sua trajetória de vida. Esse anseio o leva

a procurar eternamente a proximidade com seu semelhante, a ponto de estabelecer

com ele um momento pleno de recepção, quando através do face-a-face, vivencia

uma profunda compreensão da presença do outro em sua formação existencial.

Intercambiando esses quatro momentos filosóficos, é possível, talvez não

afirmar, mas questionar se haveria as intensas relações buberianas se não

houvesse uma interiorização, uma compreensão do chamamento do Ser interno

como aquele que fará o homem mais inteiro, mais completo em sua humanidade,

como preconizou Heidegger. O Ser, entretanto, não se faria inteiro sem a

compreensão da alteridade responsável de Levinas e sem o alargamento da

percepção de que sua consciência é guarnecida pelo entendimento da consciência

do outro, de acordo com a intersubjetividade husserliana.

Assim, o pensamento desses quatro filósofos se entrelaçam, se

complementam, se enredam um no outro como uma rede de fios que formam o

desenho da humanidade dos seres, elaborando o descortinamento do homem

relacional e abrindo para ele o mundo da consciência (Husserl), o mundo interior

(Heidegger), o valor da alteridade (Levinàs) e o mundo da reciprocidade (Buber).

3.2 O Sonho de Buber

Entretanto, ainda que a reciprocidade buberiana seja o grande ideal para a

existência humana, onde o homem é totalmente capaz de receber a magia cósmica

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em sua vida terrena, há que se questionar a real possibilidade de se viver o outro

com tal intensidade no mundo pós-moderno. Caberia a dúvida sobre a possibilidade

nesta era onde tudo é efêmero, de uma relação Eu e Tu constituir-se plenamente

sem que se obscureça o outro enquanto alteridade.

Buber traçou talvez a condição que levaria o homem ao grande

descobrimento de sua humanidade, mas diante da carga egóica, da crescente

retomada da valorização empírica e, como bem disse Buber, dos efeitos

psicossociais tão alargados atualmente, quantos homens estariam prontos para a

gratuidade universal?

Existem homens perdidos no significado da relação Eu e Tu, dando a ela um

cunho de domínio no sentido de subtrair do outro a liberdade de Ser, sem

compreender que o Tu é um acréscimo para aquele que o consegue captar e

vivenciar sem a necessidade do eclipsar do seu Eu. Alteridade é aquela que

completa, que torna o homem mais humanizado e não aquela que o torna algoz e

tampouco escravo.

Segundo Husserl a singularidade da consciência é o grande diferencial

humano, uma vez que a partir dela o mundo pode ser compreendido não somente

como aquilo que me vem a partir de mim mesmo, mas também é onde lanço minha

intencionalidade e de onde retiro as ferramentas que me tornam melhor e maior.

Essa singularidade é o que me difere do meu igual, é o que me faz rico e único.

Assim, o encontro relacional pleno que, segundo Buber, é quando me torno

inteiro para receber o Tu e dele me constituir, não ofereceria nenhum risco de perda

da singularidade. Entretanto, não se pode deixar de mencionar que o homem é

também um ser fragilizado pelas carências e, portanto, dominador e também

dominável. Na ânsia de participar de um momento de entrega, poderá se equivocar

com o sentido desse momento e assim perder-se como ser pleno e singular.

Ainda que Buber não esteja tratando dos sentimentos do homem, que são

difusos por força de suas circunstâncias, mas de sua condição de receptor da graça

cósmica, não se pode negar que este momento é sutil e, portanto, em sua fraqueza

psicológica, os indivíduos fazem em entendimento errôneo da reciprocidade plena,

muitas vezes deixando-se arrebatar pelo sentimento de amor, de entrega cega e se

oferece em holocausto, levando o seu Eu à condição de escravidão, perdendo

assim a sua singularidade

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Por exemplo: Na obra Servidão Humana de W. Somerset Maugham há a

triste condição do jovem Philip Carey, que vivendo um processo de destruição do

seu Eu, portanto, perdendo o seu Ser, oferta-se à mulher que ama, sem

compreender a inversão que fez do sentido de relação plena. Em lugar de abrir-se

para receber o Tu que complementaria o seu ser tornando-o mais inteiro e mais

livre, ofereceu o seu Eu enfraquecido pelas carências psicológicas ao Eu egóico do

outro, esquecendo-se de sua singularidade e destruindo suas possibilidades como

recebedor da gratuidade universal.

Voltando a Heidegger, a compreensão da alteridade está ligada à abertura

que se faria a partir de profunda introspecção, de um estado de dolorosa quietude

em relação ao mundo material e aos prazeres mundanos, onde a audição se faria

surda aos seus apelos ao mesmo tempo em que se refinaria para captar o

nascimento do Ser-aí, da existência.

Assim, aquietar o espírito, segundo Heidegger a partir da angústia, poderia

ser um caminho para se chegar ao ser-aí e, portanto, ao face-a-face buberiano,

uma vez que para se estar nessa relação tão completa seria necessário que o

homem a desenvolvesse um novo olhar para o mundo e para a alteridade.

Porém, até mesmo essa dor está de certa forma mascarada pelos holofotes

dos chamamentos da modernidade. As luzes acenadas pelos novos valores como,

por exemplo, as relações efêmeras, famílias fragmentadas, são fatores considerados

como inerentes aos tempos modernos, e por isso distorcem as verdadeiras razões

da angústia, o que inviabiliza o aprofundamento interior necessário à plenitude das

relações Eu e Tu.

Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman existe uma fragilidade nas relações

pós-modernas, onde desfazer uma relação está muito mais fácil, considerando que

não há mais os laços que faziam a durabilidade do contato inter-humano. Partindo

dessa posição, pode-se dizer que o efêmero tomou o lugar dessa construção

duradoura, o lugar onde a história de cada um estava atrelada à história do outro,

num espaço interno provavelmente mais seguro, ainda que de menor liberdade

(BAUMAN, Z.: 2011)

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3.3 Como poderia a plasticidade perceptiva se adequar ao face-a-face

buberiano?

Devido à grande riqueza perceptiva do homem, existem muitos canais

abertos, todos recebendo e dando comandos, uns intencionais e outros

inconscientes, num movimento ímpar no que se refere a sua plasticidade perceptiva.

Essa percepção, entretanto, ainda que plástica, perde no pós-moderno a

sutileza aguda que a tornaria enriquecedora e escorrega para uma plasticidade

caótica e superficial.

No entanto, para estar-se apto a vivenciar o pensamento de Buber, seria

necessário um recolhimento psico-social, uma sutileza no viver, um desabrochar

interior natural em detrimento da relação superficial que vem se processando no

mundo objetivo.

Com o grande desnivelamento entre as potencialidades descritas em Buber

e os atos do homem moderno, não seria estranho duvidar da possibilidade

buberiana de se viver o face-a-face. Lembrando Levinàs, a multiplicidade dos rostos

representam o diversificado mundo interno do homem como infinito e impossível de

ser captado pelo outro. Seria possível então o Eu estar pleno com o Tu que é

infinito?

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4 FILOSOFIA CLÍNICA (Inversão ou Recíproca de Inversão?)

Antes de entrar nos itens “Inversão” e “Recíproca de Inversão”, que

compõem esta monografia, faço uma referência à Filosofia Clínica no sentido de

oferecer um panorama daquilo que a compõe enquanto terapia.

Como bem escreveu José Maurício de Carvalho, há séculos o homem se

dedica à investigação de como se processa sua existência, de como se constitui

como pessoa, mas somente a partir do surgimento da psicologia ele aproximou-se,

não da co-habitação como participante do universo, nem de como se processa essa

participação, pois essas áreas já vinham sendo estudadas pela filosofia, mas

adentrou nos estudos de seu comportamento, das personalidades, dos distúrbios

emocionais, enfim versou por caminhos que explicariam aspectos de sua existência.

(CARVALHO, J. M: 2005)

A filosofia clínica, entretanto, trabalha por um caminho diverso da psicologia,

no que se refere ao método, pois não se atém às tipificações ou as especificidades

de aspectos, mas sim adota como uma de suas bases de trabalho a fenomenologia

existencial, ou seja, a singularidade de cada existência, observando o mundo da

pessoa como é vivenciado por ela. Seu embasamento está vinculado aos caminhos

da filosofia, que se constitui pelo pensar a vida humana, e é na utilização dessa

visão, porém, atualizada pela fenomenologia contemporânea, onde cada pessoa

tece o seu significado de mundo, que a filosofia clínica se presentifica na relação

com o partilhante no sentido de auxiliar na minimização dos choques entre sua

estrutura de pensamento (EP) e o seu mundo vivencial, abrindo ao partilhante um

novo horizonte que lhe permita melhor sustentação para enfrentar os conflitos que

se lhe apresentam.

Através da historicidade, que trará o mundo vivencial do partilhante, das 6

(seis) categorias, que permitirão sua localização existencial , dos 30 (trinta) tópicos

de estrutura de pensamento (EP) que comporão seu modo de ser e de 32 sub-

modos que darão a direção de como a pessoa age diante das situações de sua

vida, a filosofia clínica estabelece sua metodologia de trabalho, ainda que esses

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parâmetros não sejam levados a efeito como um guia permanente, aplicáveis

linearmente a todos os partilhantes. Trata-se de um recolhimento de dados que

permite a concretização de uma ”investigação” da vida do partilhante, que se

reverterá na ajuda para a sua compreensão dos próprios conflitos e visualização de

novas formas de ele se colocar no mundo a partir de si mesmo.

Na elaboração desta monografia, além dos itens inversão e recíproca de

inversão, que são a sua base de construção, estão sendo tratados também os

tópicos “como o mundo lhe parece” e “o que acha de si mesmo”, uma vez que essa

constituição interfere grandemente nas relações e compõem a forma como as

pessoas se movem no mundo a partir de si mesmas e das interseções.

Assim, para melhor esclarecer o andamento desse capítulo, será seguido o

roteiro descrito abaixo, lembrando, porém, que uma pessoa é composta pelo

entrelaçamento de diversos tópicos da Estrutura de Pensamento, bem como age

sob vários itens da Tábua de Sub-modos e os itens abaixo discriminados são

apenas aqueles que estão mais diretamente relacionados ao tema deste trabalho,

que são as relações.

Roteiro:

4.1 Tópico 01 da Estrutura de Pensamento: “Como o mundo lhe parece”.

4.2 Tópico 02 da Estrutura de Pensamento: “O que acha de si mesmo”.

4.3 Tábua de Submodos: “Inversão e Recíproca de Inversão”

4.4 As relações

4.1 Tópico 1 - Como o mundo lhe parece (pela visão fenomenológica)

Esse tópico não trata do mundo objetivo, comum a todos, mas do mundo

existencial da pessoa, de como ela o representa para si mesma, como coloca aquilo

que percebe. Não há uma análise no sentido de saber a veracidade daquilo que o

partilhante traz, inclusive porque seria necessário um estudo sobre o que é a

verdade, mas cabe ao filósofo clínico captar o olhar do partilhante para o mundo,

qual o desenho que se formou para ele a partir de sua história, inclusive verificando

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se esse tópico tem relevância para a pessoa, se ele está ou não representado de

maneira a interferir em seus conflitos, ou seja, até que ponto há uma valoração

desse tópico para sua estrutura de pensamento (EP). Lembrando que o mundo do

partilhante é absolutamente singular e pertence exclusivamente a ele no sentido da

formação de sua singularidade.

Portanto, sendo o mundo suas representações, e levando-se em conta os

ensinamentos de Protágoras onde “o homem é a medida de todas as coisas”, cabe

ao filósofo clínico ter em primeiro plano o conhecimento de que há tantas

diversidades de mundo quanto houver de pessoas e que cada uma, dentro de sua

estrutura de pensamento, tecerá um bordado diverso, dentro de lógica própria.

Esta singularidade, por sua vez, nos remete ao tópico 2 (dois) da Estrutura

de Pensamento, que descreve qual a visão da pessoa sobre si mesma, conforme

abaixo:

4.2 Tópico 2 – O que acha de si mesmo

Este tópico demonstra como a pessoa se vê no mundo, o que pensa, o que

sente, como sente, enfim como entende a si mesma, quais as percepções de faz de

si, como se vê enquanto pessoa. Ao filósofo clínico, consciente que estará da

subjetividade do mundo interno de cada partilhante, caberá compreender que o

pensamento do partilhante sobre si mesmo está construído a partir de suas

representações, e a forma como interage com as pessoas está diretamente ligada a

elas, que por sua vez são constituídas daquilo que a pessoa viveu, daquilo que

abstraiu do mundo e das relações e que formaram sua historicidade, sua pessoa

enquanto ser subjetivo. Cada homem está na vida de maneira peculiar, tem o seu

jeito de lidar com as contradições do mundo e com suas próprias contradições, se

modificam ou se preservam de acordo com seu próprio entendimento do que seja

viver o mundo. Por exemplo, algumas pessoas se desestruturam e até mesmo se

submetem ao outro quando se relacionam enquanto outros se fortalecem ou mesmo

se tornam opressores; enfim cada ser é único e é com essa consciência que o

clínico faz o seu trabalho terapêutico.

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4.3 Submodos: Inversão” e “Recíproca de Inversão”

Esses itens podem ser tratados tanto na Estrutura de Pensamento, que

compõe o modo de pensar da pessoa, quanto na Tábua de submodos, que descreve

como a pessoa age em sua vida.

Como EP está relacionado à espacialidade, ou seja, a possibilidade que o

homem tem de se transportar mentalmente, de ocupar lugares imaginários onde não

necessariamente ele esteja fisicamente. Como disse José Maurício, através da

mente ele pode viver situações que atendam aos seus desejos ou fugir daquelas

que não deseja, tudo imaginariamente (CARVALHO, J. M.: 2005).Diferentemente de

todos os demais seres, o homem é capaz de se deslocar para aquele espaço

psicológico onde esteja o outro, inclusive para complementar a sua visão de mundo

a partir da visão de mundo do outro. Essa riqueza de potencialidade permite a ele

uma flexibilidade no espaço de sua existência.

Como submodos caracterizam se o partilhante está fazendo uso real, se

está levando a efeito essa alternativa para construir a sua vida, se ele de fato está

indo ao mundo do outro ou se está trazendo o outro ao seu mundo para constituir-

se. Diferentemente do que poderia parecer, não cabe ao profissional da clínica

modificar esse caminho encontrado pelo partilhante, cabe a ele somente auxiliá-lo a

compreender se esse caminho escolhido é aquele que o levará a solucionar os seus

possíveis conflitos, sem fazer para isso nenhuma interferência direta ou indireta no

sentido de modificar esse mundo.

Ambos os itens, Inversão e Recíproca de Inversão, estão atrelados às

relações, seja pelo fato de o partilhante ter a sua mente voltada para si mesmo como

acontece na Inversão, seja por sua mente está voltada para o outro como se dá na

Recíproca de Inversão. Em qualquer desses momentos o outro está presente, seja

pelo distanciamento, seja pela proximidade. São também caminhos para que o

filósofo clínico trabalhe no sentido de trazer o partilhante às suas próprias coisas ou

a levá-lo a um redimensionamento de suas perspectivas, a partir da percepção do

mundo do outro.

Para relacionar o significado de cada item acima exposto – Como o Mundo

lhe Parece, O Que Acha de Si Mesmo, Inversão e Recíproca de Inversão – dentro

da visão da Filosofia Clínica, utilizamos como base a leitura principal desta

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monografia, Eu e Tu de Buber, além de Ser e Tempo de Heidegger, Fenomenologia

de Husserl, Entre Nós e Totalidade e Infinito de Levinàs.

4.4 As Relações

De acordo com Martin Buber as relações se dão pela reciprocidade plena

entre dois seres, seja ele outro sujeito, Deus, ou mesmo um objeto. Entretanto, aqui

levamos a efeito mais propriamente as relações entre dois sujeitos, já que são as

relações humanas enquanto Inversão e Recíproca de Inversão o foco desta

monografia, para atender seu elo com a Filosofia Clínica.

O questionamento que temos a respeito do elo entre o Eu e o Tu buberiano

é sobre a viabilidade de se viver um momento tão profundo (face-a-face) no mundo

como está construído hoje.

Apesar de não se poder afirmar sua inviabilidade, e ser este um grande

potencial da humanidade, segundo posição de Buber, não é o que vem ocorrendo

neste momento de pós-modernidade, onde os valores que até então constituíram o

mundo escoam para fora da vida das novas gerações com tamanha velocidade que

não permitem que a tradição calque seu ensinamento histórico que lançaria o

homem para um crescimento não só tecnológico e cientifico, mas também

metafísico, para que pudesse alcançar também aquilo que, apesar de não ser

comprovado, poderia ser um caminho crescente em direção à relação plena

buberiana.

Essa efemeridade do mundo moderno, segundo pensamento de Levinàs,

não tem permitido que o homem olhe para o Outro vendo-o como o Tu que o

constitui e isso o tem enfraquecido para a vida, já que seu mais forte sentido de

humanidade está na relação com seu semelhante. Também pela inter-subjetividade

husserliana, é na suspensão de sua própria percepção que se abre o olhar à

percepção que o outro faz do mundo e que o fortalece enquanto ser relacional.

De acordo com Levinàs, ao passearmos pelo mundo do outro, dividindo com

ele nosso mundo e recebendo o seu mundo no nosso, teremos uma experiência de

aproximação muito profunda que nos trará grande modificação enquanto homens.

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Entretanto, a filosofia clínica não trabalha com essa possibilidade,

entendendo não haver necessidade de se adentrar o mundo o outro para que se dê

a compreensão do seu mundo e para se estabelecer com ele uma interseção.

Segundo Lucio Packter6 para que essa compreensão se faça presente, qualquer

elemento sensorial, ou ainda qualquer outro caminho poderá nos levar ao outro sem

que seja necessário adentrarmos o seu mundo (Caderno C).

Não podemos deixar de perceber a mudança que está ocorrendo nas

relações do mundo contemporâneo onde, apesar do grande número de casamentos,

por exemplo que, salvo alguma particularidade, significa a procura pelo amor do

outro, está paralelamente ocorrendo grande numero de divórcios, como pode ser

observado no artigo a seguir, o que faz supor estar havendo uma incompatibilidade

nos afetos e nas relações, de acordo com Levinnas. Para tanto, cabe o exemplo

abaixo, conforme dados divulgados pelo IBGE e divulgados por O Globo:

O número de divórcios no Brasil é o maior desde 1984. Taxa de divórcio atingiu seu maior valor, de 1,8 por mil habitantes em 2010. Segundo IBGE, mudança na legislação contribuiu para elevação. O fim da exigência de prazos para dissolução dos casamentos fez com que a taxa geral de divórcios atingisse, em 2010,o seu maior patamar desde 1984, quando foi iniciada a série histórica das Estatísticas do Registro Civil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2011).

O artigo acima, que é atual, já havia sido preconizado por Levinàs quando

esse defende que , ao contrário do respeito, que é uma relação entre iguais, o amor

se estabelece entre desiguais, e pode ser concluído, com base no encontro do

homem consigo mesmo heideggeriano e na mutualidade buberiano, que o ser

humano está procurando no outro aquilo que lhe falta internamente.

Está se formando um equívoco entre o amor pelo Tu advindo do respeito ao

outro que nos justifica, e a nossa necessidade do Tu advinda de carências

psicológicas. No lugar de buscar-se na perspectiva própria, conforme Heidegger,

para, mais inteiro, sensibilizar-se com o outro, o homem busca completar-se pela

perspectiva do outro, não da alteridade por quem é responsável (Levinàs) ou da

alteridade que completa sua existência (Buber), mas pela submissão ou pelo

domínio do outro, submergindo no caos e no aparente determinismo do cotidiano.

___________________

6 Lucio Packter – Criador da metodologia terapêutica denominada Filosofia Clínica.

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Como disse Levinàs : ” ... o eu, assim entregue ao ser, é lançado para fora

de si, para os lugares de um eterno exílio, perdeu seu domínio sobre si... Está a

mercê de acontecimentos que já o determinaram” (LEVINAS, 2004: 77)

...Esses pensadores trouxeram um nova perspectiva para que o homem se

conheça como um ser potencialmente humano e capaz de compreender não só a si

mesmo, mas também ao outro como seu complemento, não no sentido da

superficialidade, mas no sentido de similaridade existencial. Entretanto, a

modernidade o tem distanciado dessa perspectiva de alteridade complementadora, o

que o lança para um lugar cada vez mais distante da generosidade de Buber,

conforme estatísticas, por exemplo, de divórcios (IBGE acima).

Em lugar de interiorizar-se no sentido de tornar-se mais completo, de acordo

com Heidegger, o homem volta-se para si mesmo no sentido egóico, individualista,

opressor, de acordo com a percepção de Levinàs, para quem a responsabilidade

que cada um tem por todos está cedendo lugar ao cada um por si, onde as

manifestações dos rostos já nem são percebidas como infinito quase sacral. A

relação profunda tratada por Buber, onde o Eu assimila o Tu como parte de si, numa

compreensão plena do outro como aquele que realiza a sua humanidade , tem se

tornado alvo mais distante de ser atingido.

O que tem ocorrido na modernidade é o ser voltado para si mesmo –

“inversão”, o que, paradoxalmente, lhe tem causado grandes aflições já que,

distantes de sua condição primeira como ser humano, que é estar em relação com

seu par humano, transmuta a busca de compreender-se através do outro para uma

busca em tirar do outro o que lhe falta, impossibilitando sua condição de viver a paz

buberiana.

Não conseguir assimilar o outro, conforme Levinàs, torna o homem seu

próprio algoz e calçado pelo mundo moderno, onde o capitalismo incentiva a lei do

domínio, oprime aquele que o elevaria à plenitude buberinana.

A filosofia clínica tem por função, através dos caminhos traçados pelo

próprio partilhante, aproximá-lo daquilo que perturba sua alma e o impede de chegar

a uma boa convivência consigo mesmo.

Ao adentrar os tópicos “como o mundo lhe parece” e “o que acha de si

mesmo” em clínica, o partilhante estará descrevendo sua subjetividade e também o

que captou de suas circunstâncias de vida. Como os tópicos são móveis, enquanto

descreve a si mesmo (o que acha de si mesmo) e enquanto descreve o seu mundo

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representacional (como o mundo lhe parece), o partilhante irá se descobrindo, se

percebendo e refazendo por si só o seu caminho para uma vivência mais tranqüila.

Nem mesmo na recíproca de inversão, na qual o partilhante sai do seu

mundo e trabalha a si mesmo a partir do que capta do mundo do outro, tendo com

ele um intercurso que por vezes é solitário, não implica na relação Eu Tu buberiana.

Salvo casos raros, o partilhante quando procura a clínica encontra-se em processo

de sofrimento, grande parte das vezes, para viver as relações, já que o homem é um

ser gregário, que está sempre vendo a si em relação com o outro.

Assim, dentro da abrangência das circunstâncias do mundo moderno, está-

se revelando cada vez mais difícil a generosidade e reciprocidade buberianas e,

quem sabe, seja um dos motivos que tem levado o homem aos conflitos em relação

a sua existência.

Voltando à questão inicial – inversão ou recíproca de inversão? – nos

baseamos em Heidegger e em Buber para afirmar que os dois caminhos poderiam

se complementar para as relações.

Como seria possível ao homem estar em recíproca de inversão, no contexto

de Buber, se antes ele não vivenciou a inversão? Ou seja, como o homem poderia

estar plenamente voltado para o outro sem que tenha se voltado antes para dentro

de si mesmo no sentido de interiorizar-se, crescer, compreender a si e a alteridade e

então emergir dessa compreensão com a clareza de que o diálogo silencioso é o

caminho para a paz de Buber.

Sem separar-se do cotidiano, sem voltar-se para si mesmo, sem assenhorar-

se de seu próprio universo interno talvez o homem não se dê conta de que o outro,

além de possuir um universo individual, também é o seu complemento. Esse olhar

para o outro como aquele que lhe é igual, para além das singularidades, poderá

trazer como provável conseqüência a consciência do valor do diálogo, da

generosidade, da mutualidade e da humanidade como aquilo que iguala a todos em

uma mesma categoria ou gênero e lhe dá unidade.

A partir dessa ideia de similaridade, seria viável ao ser humano compartilhar

a relação plena, como preconiza Buber.

Entretanto, o mundo moderno tem se distanciado desse momento,

considerando que o cotidiano atual tem se desenvolvido em direção ao Eu Isso,

perdendo o mundo reflexivo o seu lugar como caminho para o encontro dialogal,

deixando à deriva o projeto de tornar-se pleno na unidade com o outro.

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5 INTERSEÇÃO ENTRE O PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS

Podemos dizer que há uma interseção entre os quatro pensamentos, na

medida em que todos tratam da relevância da alteridade para a formação existencial

do homem.

A intersubjetividade husserliana, a compreensão existencial heideggeriana, a

alteridade levinasiana e a plenitude das relações buberianas tornam transparente ao

homem sua formação a partir do outro, que por sua vez desempenha papel

fundamental no desenho existencial de cada ser humano.

Podemos concluir que para esses pensadores, não importa por quais

caminhos o homem ande, o valor da alteridade o acompanha, ainda que, por algum

viés de seu cotidiano não lhe pareça que tal esteja ocorrendo, ou seja, que ao cegar-

se pelas luzes do mundo material, deixe de aperceber-se da valoração do outro em

sua vida interna e externa.

Outro momento de interseção entre essas teorias é quando os filósofos

tratam, cada um a seu modo, da necessidade de se fazer a chamada “suspensão

dos juízos”. Todos eles trabalham com a ideia da necessidade de que o homem se

afaste do mundo material, do seu cotidiano, para que possa deixar aflorar a sua

humanidade.

O processo de Husserl dá-se quando o homem se afasta dos fatos

representados por sua própria percepção e volta-se para o significado do mundo

concebido por seu semelhante, quando terá oportunidade de dar maior flexibilidade

e largueza a sua própria consciência.

Já Heidegger coloca o homem em um momento especial de sua vida no qual

ele se desconstrói ao entrar em um estado interno que chamou de “nada” onde,

consumido pelo tédio da angústia quase mortal, entrega-se à dor afastando-se do

mundo objetivo para tornar-se inteiro, de onde traz a compreensão da alteridade em

sua constituição, bem como de si mesmo como constituinte do outro.

Levinàs, diferentemente de Heidegger, trabalha com o diálogo e foi um

ferrenho defensor da alteridade composta por cada rosto com suas infinitas

manifestações, pela responsabilidade de um sujeito para com o outro e pela ética

que mantém o homem em seu caráter mais próprio, a humanidade. Esse autor

também defende que o homem moderno é egóico e possuidor do outro, submetendo

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a relevância da alteridade a um plano egóico e centralizador, vivendo o momento

que a Filosofia Clínica define como inversão, onde o sujeito centra-se no seu próprio

mundo e não abre espaço para o outro em sua constituição existencial. A obra

denominada “Servidão Humana” acima citada traz os dois exemplos: O aprendiz de

artista Philip vive em recíproca de inversão, já que seu mundo se constitui do mundo

de sua amada, a ela se submetendo até às últimas instancias da servidão. Ela, em

contrapartida, egoisticamente domina aquele que a ama vivendo em inversão, já que

tem o seu mundo voltado para si mesma, sem observar o mundo amoroso de Philip.

Nessa obra Mildred, uma garçonete que Philip conhece em Londres, ao

pressentir o imenso amor que o jovem lhe dedica, aproveita-se para dominá-lo e

levá-lo a submissão, momento que o autor descreve como sendo um amor de

tormentas do qual Philip se ressentia amargamente pela sujeição em que ela

(Mildred) o mantinha. Estava prisioneiro e suspirava pela liberdade sem, entretanto,

conseguir voltar-se para si.

Enquanto isso, Buber, também dialogal, idealiza a relação Eu e Tu e dá

lugar a um homem adornado pela reciprocidade, pela generosidade e, portanto,

também voltado para o outro. No interior do homem buberiano não há lugar para os

encantamentos do mundo material, defendendo uma suspensão da superficialidade

para que se abra espaço para o momento do face-a-face, onde o Eu é capaz de

entregar-se a sua humanidade para receber a dádiva de viver o outro.

Somente algumas pessoas têm sido capazes de viver o face-a-face

buberiano, como por exemplo, Madre Tereza de Calcutá e Mahatma Gandhi, que

foram pessoas que compreenderam sua vida a partir do outro e viveram em

recíproca de inversão com toda a humanidade, pautando sua vida pela

compreensão do que é a harmonia e a paz a partir da generosidade.

Assim, especialmente Heidegger e Buber abrem o entendimento para a

compreensão dos tópicos Inversão e Recíproca de Inversão, ferramentas da filosofia

clínica para entendimento do homem voltado para si e voltado para o outro.

No mundo moderno, não se passa muito tempo sem que a mídia dê notícias

de um caso ilustrativo de inversão. Há alguns anos um crime passional, executado

por um grande artista popular, que após a separação da esposa, uma jornalista

também de sucesso, não conseguiu sair da inversão, ou seja, viveu um mundo

voltado apenas para si mesmo, desprezando a recíproca de inversão que

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provavelmente o teria tirado da condição de assassino, se a sua historicidade assim

permitisse.

Como esse, temos muitos exemplos de pessoas que vivem

fundamentalmente em inversão. Mas também não é incomum, pessoas que vivem

demasiadamente em recíproca de inversão, como o exemplo do jovem Philip Carey

da obra já citada. Esse homem, ao contrário do crime passional, vivia voltado

apenas para o mundo do outro, sem aperceber-se de si mesmo.

Entretanto, apesar de os exemplos acima servirem para ilustrar os itens

Recíproca e Recíproca de Inversão, e também para auxiliar no entendimento da

estrutura de pensamento entre Levinàs, Heidegger e Buber, não podemos deixar de

comentar que, pelo entendimento de Levinàs, o homem não exerce o pensamento

dos grandes filósofos, como eles o descreveram. Segundo esse autor, o mundo

chamado moderno tende a modificar os sentidos dados às potencialidades humanas

e vive pela cartilha do capitalismo, onde existe a usurpação dos direitos do

semelhante alastrando o mundo egóico.

Como exemplo, podemos dizer que ao descrever o mundo interior, o homem

voltado para si mesmo, Heidegger não traduziu o egoísmo, mas sim fez uma

reflexão reavaliativa sobre a validade de se viver a partir do cotidiano em detrimento

da busca interna. Tratou inclusive, da necessidade de se fazer uma suspensão no

mundo objetivo para que o autoconhecimento pudesse resplandecer a partir de um

aprofundamento interno.

Quanto a Buber, que tratou das relações da forma mais divinal possível

dentro da condição humana, onde um homem se faz a partir do outro, num diálogo

sereno e capaz de estabelecer a paz para a humanidade, tão grandioso é o seu

momento descrito como face-a-face, onde o homem fica frente ao outro com a

mesma integridade e com a mesma integração que tem consigo mesmo, também

não é vivido em nossa era como possibilidade a ser alcançada. Contrapondo sua

doação serena ao outro, o homem a substitui pela captação do eu do outro, tomando

para si sua alma e subjugando o seu semelhante à escravidão pelo domínio, como

fez Mildred no exemplo da referida obra Servidão Humana.

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5 CONCLUSÃO

O questionamento que deu origem a esta monografia foi referente ao

pensamento de Martin Buber, de que o homem recebe como dádiva do universo a

condição de viver uma relação plena com seu semelhante e que essa proximidade

máxima não afeta sua singularidade.

Diferentemente de Buber, Heidegger defende que o homem percorre um

caminho interno para encontrar-se a si mesmo e que é a partir desse encontro

consigo que encontra a compreensão do outro em sua vida, enquanto Levinàs trata

do homem com possibilidades de relação maiores do que aquela que exerce.

Fechando o quadrilátero com a fenomenologia husserliana, onde o homem

percebe-se através do outro, cujo caminho dá-se pela suspensão de seu juízo e pela

abertura de um olhar para a percepção do outro, temos posições sutilmente

diferentes, mas que estão unidas por um elo: O outro.

Ainda que tratado de forma diferente, a alteridade e as relações permeiam

as obras estudadas para esta monografia.

Diante do mundo moderno, como poderíamos fazer um encontro entre a

reciprocidade tecida por Buber e a gente de hoje?

Na verdade o homem tem se distanciado dessa generosidade, de acordo

com o entendimento de Levinàs, que descreve o ser humano com potencialidades

infinitas, mas perdido no emaranhado das novas descobertas.

Entendo que todos esses caminhos sejam possíveis, tanto a vivência do

mundo interior heideggeriano, como a mutualidade de Buber. Entretanto,

parafraseando Levinàs, o mundo moderno está usurpando a liberdade do outro em

proveito próprio, fazendo em seu rosto uma leitura que seja conveniente a seus

propósitos pessoais.

Se é possível vivermos a relação plena, conforme idealiza Buber, essa

imensa potencialidade não tem sido utilizada de forma generosa, mas sim como

mais uma ferramenta de domínio do outro.

Após adentrar essas obras, entendo que existiria sim a possibilidade de que

essa ideologia fosse exercida. Contudo, penso que anteriormente a esse momento

de tão grande entrega para a vida, seja necessário uma passagem pelo caminho

do filósofo Heidegger em Ser e Tempo, onde, através de uma incursão interna,

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repleta de dor e aprendizado, o homem estaria vivendo um momento só seu, de

aprofundamento e descoberta de seu ser – chamado pela Filosofia Clínica de

Inversão. Após fazer a compreensão da representação do Outro em sua vida, e

emergir de seu calabouço mais preparado para viver a Recíproca de Inversão, seria

possível ao homem pensar no seu mundo a partir do mundo do outro e assim

preparar-se para viver as relações em seu grau maior de proximidade, chamado

face-a-face por Buber.

Assim, respondendo ao nosso questionamento sobre a possível perda da

singularidade no face-a-face, cabe dizer que a grande competitividade dos tempos

modernos, o medo da perda para o outro, inclusive medo da perda da singularidade,

talvez tenha contribuído para afastar o homem da relação plena e o tornado, ainda

que singular, tão “mesmo”, unificado pela perda das relações e não pela diversidade

que as tornaria mais enriquecedoras.

Portanto, o face-a-face buberiano não levaria o homem a perder sua

singularidade, mas sim o faria encontrar um caminho maior para sua existência e

quem sabe o faria compreender, através do Outro, quem ele é.

O encontro Eu e Tu é um momento da humanidade reservado somente a

alguns homens. Isso se dá porque é necessário que o mesmos participem dessa

humanidade e não somente que a recebam displicentemente, como se fosse um

objeto colocado no mundo para nascer, crescer, dar frutos e morrer como os demais

animais ou gêneros, sem participar da construção de sua história.

Ao homem cabe uma vivência ímpar; ele é capaz de assenhorar-se de si

mesmo, de sua vida e da vida de seus semelhantes, de estar presente no mundo

com o peso e as benesses das capacidades que lhe são inerente e ter um olhar

intencional para aquilo que significa sua vivência. A esses homens a graça universal

se estende sem que necessariamente a procurem conscientemente, uma vez que ao

aperceber-se de sua própria natureza, de sua humanidade, e vivenciá-la com a

benignidade de um ser inteiro, estaria aberto para receber a benevolência cósmica

que lhe proporcionaria o encontro do Eu com o Tu.

Esse é um rico momento da vivência humana, no qual sua autonomia e sua

sobriedade em relação às vaidades psico-sociais deverão estar excepcionalmente

presentes, para que o seu Tu não se desvaneça na luzes mundanas.

Entretanto, são momentos especiais e raros, sendo os relacionamentos

instantâneos e fugazes aqueles que permeiam nossa vida cotidiana e que nos

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mantém, não em contato com o Tu, mas com sua coisificação, com a ilusão do tu e,

portanto, com a perda da parceria que poderia lhe tirar da melancolia.

Inafortunadamente, o homem aprendeu a conceber as relações somente a

partir da presença do outro, como se faz com os objetos, que estão aí mas não

interferem em nossa vida, a não ser por nossas próprias mãos, para nosso deleite e

teimam em não perceber que a riqueza do relacionamento com outro sujeito está

justamente no fato de recebermos em nossas vidas a sua interferência . Ao romper

nossa circunferência vivencial e redimensionar nossa história o outro nos amplia a

consciência e nos forma a partir da relação que se processa entre Eu e Tu, a

mutualidade onde cada um compõe e é composto pelo outro que lhe faz ser o que é.

Compondo o pensamento de Buber, abaixo transcrevo uma música que lhe

embalava o aprendizado sobre o outro, e que, segundo ele, traduzia seu

pensamento sobre as relações Eu e Tu.

Onde eu ando-Tu!

Onde paro-Tu!

Só Tu, outra vez Tu, sempre Tu!

Tu, Tu, Tu!

Quando estou bem-Tu!

E se a dor me vem-Tu!

Tu, Tu, Tu!

O céu-Tu, a terra-Tu!

Em cima-Tu, embaixo-Tu!

Em toda parte, onde quer que eu vá,

Só Tu, outra vez Tu, sempre Tu!

Tu, Tu, Tu!

Mas, como levar o homem em direção ao face-a-face buberiano?

Como conscientizá-lo de que a generosidade não só ampliaria sua condição

de ser humano, mas que esse viver recíproco é tão abundante que poderia

redimensionar o planeta como um todo?

Estaria Buber dando uma direção para mudar o curso da história? Há que se

pensar.

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