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INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA IEP Curso de Pós-graduação stricto sensu Programa de Mestrado Profissional em Educação em Diabetes Jacqueline do Carmo Reis APLICAÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA ELABORAÇÃO DO AUTOCUIDADO COM OS PÉS ENTRE SUJEITOS COM DIABETES REFERENCIADOS EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE Belo Horizonte 2015

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INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA – IEP

Curso de Pós-graduação stricto sensu

Programa de Mestrado Profissional em Educação em Diabetes

Jacqueline do Carmo Reis

APLICAÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA

ELABORAÇÃO DO AUTOCUIDADO COM OS PÉS ENTRE SUJEITOS

COM DIABETES REFERENCIADOS EM UMA UNIDADE BÁSICA DE

SAÚDE

Belo Horizonte

2015

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Jacqueline do Carmo Reis

APLICAÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA

ELABORAÇÃO DO AUTOCUIDADO COM OS PÉS ENTRE SUJEITOS

COM DIABETES REFERENCIADOS EM UMA UNIDADE BÁSICA DE

SAÚDE

Dissertação apresentada ao programa de pós–

graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa – IEP,

do Grupo Santa Casa de Belo Horizonte, como

requisito parcial para a obtenção do título de mestre

em Educação em Diabetes.

Orientação: Profª. Drª. Maria Regina Calsolari

Pereira de Souza

Coorientação: Dr. Rafael Prodoscimi Bacelar

Belo Horizonte

2015

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FOLHA DE APROVAÇÃO

APLICAÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA ELABORAÇÃO

DO AUTOCUIDADO COM OS PÉS ENTRE SUJEITOS COM DIABETES

REFERENCIADOS EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE

___________________________________________________________________

Aluna: Jacqueline do Carmo Reis

___________________________________________________________________

Profª. Orientadora: Maria Regina Calsolari Pereira de Souza

11 de setembro de 2015.

Data

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________________________

Prof. Dr. José Augusto Nogueira Machado

___________________________________________________________________

Profª. Dra. Heloisa de Carvalho Torres

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Dedico este trabalho a minha querida irmã Gi, amiga e

companheira das horas alegres e difíceis, que, no início

deste projeto, me alertou: “Jacque, a dissertação é

como uma escada; suba um degrau de cada vez”. Agora,

precisarei fazer uso deste ensinamento em minha vida;

como degraus a subir, terei que viver um dia de cada

vez sem sua doce presença ...

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AGRADECIMENTOS

Aos meus filhos Pedro e Artur, pela doce convivência diária, e ao William, meu

amado companheiro de todos os momentos, pelos elogios e pela paciência em ler

cuidadosamente este trabalho, todas as vezes que eu precisava de um norte.

A minha família, em especial, minha mãe, irmãos e irmãs, pela oportunidade de

tantos “aprendimentos”, que me conduziram a observar e respeitar meus

pacientes na sua completude, como sujeitos sociais que sempre merecerão todo o

meu respeito e cuidado. Lôro, sua sensibilidade está marcada nas transcrições...

Ju, valeram as dicas... Grazi, obrigada pela ajuda...

A minha orientadora, Profª. Drª. Maria Regina Calsolari, por acreditar e apoiar

minha proposta de pesquisa desde o primeiro momento, pelo carinho com que

sempre me recebeu e pelos valiosos aprendizados.

Ao meu coorientador, Prof. Dr. Rafael Prodoscimi Bacelar, pelo auxílio cuidadoso

neste percurso e por ter possibilitado que eu mergulhasse na área da Psicologia

Social. Sem você não teria coragem de tamanha aventura.

Aos colegas de mestrado, pelos cafés que tornaram este período mais prazeroso.

Às agentes comunitárias de saúde, Natália, Cida e Lúcia, parceiras de sempre,

por me acompanharem durante as entrevistas realizadas nos domicílios dos

pacientes. Muito obrigada!

À Unidade Básica de Saúde Angola, por disponibilizar o cadastro dos pacientes

diabéticos e por me proporcionar momentos ricos de trabalho em equipe.

Um agradecimento mais que especial aos portadores de diabetes participantes

do estudo, pelo carinho que me receberam em suas casas. Sua contribuição foi

imprescindível para que eu pudesse compreender um pouco deste viver e cuidar

do diabetes.

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Aprendimentos

“O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs.

E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.

Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite! Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles — esse pessoal.

Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala.

Sócrates falava que as expressões mais eróticas são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca”.

(Manuel de Barros, [19--?])

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RESUMO

Este estudo qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais, teve

como objetivo compreender as crenças que permeiam as práticas de autocuidado

com os pés, realizadas por pacientes diabéticos. A alta prevalência de amputações

decorrentes do diabetes no Brasil e no mundo revela a importância de produzir

conhecimentos consistentes para o seu enfrentamento. A Teoria das

Representações Sociais foi utilizada como base para descrever e explicar os

sentidos e significados atribuídos às crenças dos sujeitos, visto que, dentro da

sociedade existe uma diversidade de pensamentos e ideias que determinam as

formas de elaboração do cuidado em saúde. Fizeram parte da amostra 31 sujeitos

cadastrados na farmácia de uma Unidade Básica de Saúde localizada no município

de Betim/MG. Realizou-se a coleta de dados utilizando dois instrumentos, sendo o

primeiro estruturado e destinado à caracterização da amostra, contendo dados

demográficos, socioeconômicos e clínicos, e o segundo, uma entrevista aberta

destinada à compreensão das crenças relacionadas ao autocuidado com os pés. As

entrevistas foram encerradas no momento da saturação dos dados. Utilizou-se a

análise de conteúdo temática categorial para a interpretação dos dados abstraídos

das entrevistas. Concluiu-se neste estudo que os indivíduos acometidos com o

diabetes desenvolvem formas personalizadas e legítimas de autocuidado com os

pés determinadas por suas crenças. As formas como o adoecido representa os

problemas que acometem seus pés são ancoradas e objetivadas em suas relações

sociais e experiências de vida, sendo compartilhadas a fim de construir uma

realidade comum. Os sujeitos do estudo reinterpretam as alterações que o diabetes

provoca nos seus pés a partir de imagens construídas e da memória, na busca de

uma familiarização com a doença, para moldar suas ações de autocuidado com os

pés. Este estudo contribui para reflexões sobre a importância dos educadores em

diabetes conhecerem os valores e crenças dos adoecidos, a fim de proporem ações

de educação em saúde compartilhadas com os mesmos e compatíveis com a

realidade sociocultural destes sujeitos.

Palavras-chave: Diabetes, Crenças, Representações sociais, Autocuidado com

os pés.

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ABSTRACT

This qualitative study is based on the Theory of Social Representations, and has the

objective to understand the beliefs that permeate self-care practices of the feet of

diabetic patients. The high prevalence of amputations caused by diabetes in Brazil

and in the world shows the importance of producing consistent expertise to address

the problem. The Theory of Social Representations was used as a basis to describe

and explain the meanings attributed to the beliefs of the subjects, since in society

there is a diversity of thoughts and ideas that determine the forms of development of

health care. The sample included 31 subjects registered in the pharmacy of a

community health care unit in the city of Betim, MG. Data collection was carried out

using two instruments. The first is structured and characterized for the sample

containing demographic, socioeconomic and clinical aspects. The second is an open

interview whose objective was the understanding of beliefs related to self-care with

the feet. Interviews were closed at the time of data saturation. The thematic content

analysis to interpret the abstract data from the interviews was used. It was concluded

in this study that individuals affected with diabetes develop customized and legitimate

forms of self-care with the feet determined by their beliefs. The ways in which the

diabetics face the problems that affect their feet are anchored by and objectified in

their social relationships and life experiences which are shared in order to build a

common reality. The subjects of the study reinterpret the changes that diabetes

causes in their feet from constructed images and memory. Their search for a

familiarization with the disease shapes their self-care actions with their feet. This

study contributes to reflections on the importance of diabetes educators knowing the

values and beliefs of the sick to propose health educational actions to be shared with

diabetics and compatible with their socio-cultural reality.

Keywords: Diabetes, Beliefs, Social representations, Self-Care with the feet.

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LISTA DE FIGURA

Figura 1: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo o tratamento realizado.

Figura 2: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo os fatores de risco e HAS

referida.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos participantes segundo sexo e tipo de DM.

Tabela 2: Anos de escolaridade, renda familiar e número de pessoas no domicílio.

Tabela 3: Situação de moradia dos sujeitos da amostra.

Tabela 4: Faixa etária e estado civil dos sujeitos da amostra.

Tabela 5: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo o tempo de doença.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Categoria e subcategorias das implicações do DM nos pés.

Quadro 2: Categoria e subcategorias das práticas de autocuidado.

Quadro 3: Categoria e subcategorias da influência do contexto sociocultural no

cuidado.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACS – Agente Comunitário de Saúde

ADA – American Diabetes Association

DCV –Doença Cardiovascular

DAP - Doença Arterial Periférica

DM - Diabetes Mellitus

EACS – Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde

ESF – Estratégia de Saúde da Família

NPD - Neuropatia Periférica Diabética

PUC Minas - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

SBD – Sociedade Brasileira de Diabetes

SUS - Sistema Único de Saúde

TRS -Teoria das Representações Sociais

UBS - Unidade Básica de Saúde

VIGITEL - Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por

Inquérito Telefônico

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................13

2 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................17

2.1 O panorama do diabetes no Brasil e no mundo..............................................17

2.2 O diabetes e as complicações dos pés............................................................18

2.3 Crenças: conceitos e reflexões.........................................................................19

2.4 A teoria das Representações Sociais e o fenômeno da compreensão das

crenças......................................................................................................................22

2.5 Empowerment e o autocuidado........................................................................25

2.6 A educação em saúde e a construção da autonomia do sujeito para o

cuidado com os pés.................................................................................................26

3 OBJETIVO DA PESQUISA....................................................................................30

Objetivo Geral...........................................................................................................30

Objetivos Específicos..............................................................................................30

4 METODOLOGIA....................................................................................................31

4.1 Tipo de estudo....................................................................................................31

4.2 A Teoria das Representações Sociais como método.....................................32

4.3 Local do estudo..................................................................................................33

4.4 População do estudo.........................................................................................35

4.5 Estratégias para coleta dos dados – procedimentos.....................................35

4.6 Tratamento dos dados...................................................................................... 38

4.7 Aspectos éticos e legais....................................................................................40

4.8 Estratégias de divulgação e Resultados..........................................................40

5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO.....................................41

5.1 Contexto demográfico, social e epidemiológico dos sujeitos da pesquisa 41

5.2 A análise qualitativa: sentidos e significados do autocuidado com os pés48

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5.2.1 O diabetes e suas implicações nos pés............................................................48

5.2.1.1 As percepções das alterações nos pés..........................................................49

5.2.1.2 O fantasma da amputação.............................................................................53

5.2.1.3 A ferida que não sara.....................................................................................56

5.2.2 As práticas de autocuidado com os pés............................................................57

5.2.2.1 A higiene.........................................................................................................58

5.2.2.2 Lixar os pés....................................................................................................60

5.2.2.3 Secar os pés...................................................................................................62

5.2.2.4 A hidratação...................................................................................................63

5.2.2.5 O calçado.......................................................................................................64

5.2.3. A influência do contexto sociocultural no cuidado............................................65

5.2.3.1. O uso de receitas caseiras... plantas que curam..........................................66

5.2.3.2. A fé religiosa..................................................................................................69

5.2.4 As interpretações causais das complicações nos pés advindas do diabetes...70

5.2.5 A distância entre conhecimento e comportamento...........................................73

6 CONCLUSÃO.........................................................................................................75

REFERÊNCIAS..........................................................................................................76

APÊNDICES

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13

1 INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis constituem um grave problema de saúde

pública e são responsáveis por mortes prematuras em todo o mundo. Ao se analisar

a importância do diabetes neste cenário, verifica-se o impacto negativo desta

doença na qualidade de vida de seus portadores e o alto custo que representa para

as famílias e para o sistema de saúde, sendo que, no decorrer de um ano, entre

2,5% e 15% do orçamento de saúde de um país são destinados ao seu

enfrentamento.1 Além disto, devido a sua natureza crônica, muitos de seus

portadores apresentam incapacidade para o trabalho ou limitações para o exercício

profissional.1

Dados atuais da International Diabetes Federation2 mostram que o DM atinge

milhares de pessoas, tendo status de epidemia mundial, com estimativa de 387

milhões de portadores no mundo, em 2014, e projeção de 592 milhões, em 2035. A

cada 7 segundos, uma pessoa morre em decorrência do DM no mundo. Segundo a

Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD),1 atualizando os dados encontrados no

CENSO-IBGE – 2010 da população brasileira, o número estimado de diabéticos no

Brasil é de 12.054.827 indivíduos. Este número vem crescendo devido ao aumento e

envelhecimento da população, hábitos de vida inadequados e maior sobrevida dos

pacientes com DM.1

O Diabetes Mellitus (DM) caracteriza-se por "um grupo heterogêneo de distúrbios

metabólicos que apresenta em comum a hiperglicemia, a qual é o resultado de

defeitos na ação da insulina, na sua secreção ou em ambas."1 Embora desencadeie

várias complicações crônicas, as alterações que ocorrem nos pés de seus

portadores estão entre as mais temidas pelos pacientes e representam um problema

econômico e social significativo devido à mutilação que provocam, o que requer

ações de encorajamento e apoio para o autocuidado. Estima-se que 25% dos

pacientes com DM terão alguma ulceração ao longo da vida e que a cada minuto

aconteçam duas amputações no mundo decorrentes deste agravo.1 Segundo

Coelho,3 a taxa de amputação dos membros inferiores pode ter uma redução

relevante, se estratégias de orientação sobre o bom controle glicêmico e o cuidado

com os pés forem adotados pelos profissionais de saúde e incorporados pelos seus

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pacientes. Neste sentido, conhecer como as pessoas vivenciam as práticas de

autocuidado com os pés torna-se um fator fundamental para a elaboração de

programas de educação em saúde que favoreçam a construção compartilhada do

projeto terapêutico.

O trabalho como professora de uma disciplina de estágio em Saúde Coletiva do

curso de Fisioterapia, orientando alunos durante os atendimentos individuais e

coletivos ofertados às pessoas com Diabetes em uma Unidade Básica de Saúde

(UBS), provocou-me inquietações e indagações sobre a prática de autocuidado com

os pés realizada por estes pacientes e conduziu-me à elaboração desta proposta de

pesquisa. Durante anos de trabalho na atenção primária à saúde, deparei-me por

diversas ocasiões com relatos que demonstravam a influência das crenças e

saberes populares no autocuidado com os pés e na percepção dos pacientes sobre

o DM. Falas como “uso babosa para tratar minha ferida”, “ouvi falar que enterrar o

pé na terra ajuda a ferida sarar”, “o diabetes come os pés da gente”, “meu pé está

igual uma lixa”, “o sangue de quem tem diabetes fica grosso” ou “os remédios não

adiantam nada, melhor é benzeção” são alguns dos relatos que escutei e que

exteriorizaram a forte influência do contexto histórico e sociocultural na percepção

dos problemas vivenciados por estes sujeitos e consequentemente na elaboração do

cuidado com os pés. Conforme descrito por Barsaglini,4 o processo de vivência da

doença obriga o adoecido a desenvolver formas personalizadas de pensar e lidar

com sua condição, envolvendo fatores de ordem simbólica e das experiências prévia

e atual, pessoal e de outros indivíduos.

Entre os agravos mais prevalentes na rotina dos serviços de atenção primária à

saúde encontra-se o diabetes, sendo imprescindível a adoção de estratégias para o

seu enfrentamento. Ações multidisciplinares preventivas e curativas, individuais e

coletivas, devem ser desenvolvidas pela equipe de saúde, sendo o cuidado com os

pés destes pacientes o principal foco de ação da Fisioterapia. Durante este percurso

na UBS, observei que as orientações repassadas pelos profissionais do serviço,

quando realizadas, eram normatizadas, verticais e não compartilhadas com os

indivíduos, negligenciando a forma como estes interpretavam e transformavam a

informação recebida em práticas de autocuidado.

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Como prática transversal, que envolve toda a equipe multidisciplinar, a educação em

saúde representa um dispositivo essencial para a prevenção e o controle das

complicações crônicas do diabetes. Novas práticas e novos saberes sobre o cuidado

com os pés de pacientes diabéticos, que sejam construídos a partir do

reconhecimento de suas crenças sobre o autocuidado, são indicados por este

estudo como fundamentais para a adesão às orientações repassadas pelos

profissionais de saúde.

Este estudo analisou a construção da experiência do autocuidado, focando as

explicações sobre as percepções das alterações ocorridas nos pés, suas causas e

as formas dos adoecidos gerenciarem esses problemas, dando-lhes significados e

sentidos, a fim de torná-los familiares e passíveis de enfrentamento. Para tanto,

utilizou-se a Teoria das Representações Sociais (TRS) como recurso metodológico,

por permitir categorizar estes fenômenos, compreender e interpretar as ideias

populares sobre o autocuidado com os pés. Segundo Moscovici,5 a pesquisa em

Representações Sociais “permite descrever mais claramente o contexto em que a

pessoa é levada a reagir a um estímulo particular e a explicar, mais acuradamente,

suas respostas subsequentes”. Enquanto uma condição crônica, o DM requer o

desenvolvimento longitudinal de formas de enfrentamento para as consequências

indesejadas do viver com este agravo. Para tanto, o indivíduo lança mão de um

repertório de ações baseadas em suas vivências, em sua forma de entender a

doença e em seu contexto sociocultural. Percebe-se que essas formas de interpretar

e gerenciar a doença não são estáticas e podem ser redefinidas, sendo passíveis de

mudança com o tempo.

Considerando essas questões, a opção pelas entrevistas abertas e pela pesquisa

qualitativa fundamenta-se na possiblidade que esta metodologia oferece ao

pesquisador de compreender, em níveis aprofundados, o problema estudado na

perspectiva do sujeito. Além disso, a pesquisa qualitativa busca entender o contexto

social e cultural onde o fenômeno ocorre, preocupando-se com seus significados e

processos.6

A investigação proposta é pertinente devido à importância epidemiológica do

diabetes no quadro sanitário brasileiro e à escassez de pesquisas qualitativas sobre

o cuidado com os pés destes pacientes. Pouco se tem estudado a respeito de como

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estes estão entendendo, elaborando e se apropriando das mensagens e saberes

transmitidos pela equipe de saúde acerca do cuidado com os pés. A importância

deste trabalho fundamenta-se também no entendimento de que a pesquisa das

representações sociais das crenças que permeiam as práticas de autocuidado com

os pés pode contribuir para uma reflexão acerca das práticas de educação em

saúde verticais e desvinculadas do contexto sociocultural dos pacientes,

estabelecidas pelos profissionais de saúde, apontando a importância de práticas de

educação que considerem o indivíduo na sua subjetividade e diversidade.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O panorama do diabetes no Brasil e no mundo

Importantes transformações no perfil epidemiológico global surgiram a partir da

segunda metade do século XX, período no qual ocorreu um aumento da prevalência

de doenças crônicas não transmissíveis e uma redução nas taxas de

morbimortalidade por doenças parasitárias e infectocontagiosas. Seguindo a

tendência mundial, este processo de transição epidemiológica foi observado no

Brasil a partir das últimas décadas do século passado. Vale ressaltar que as

importantes diversidades regionais decorrentes das diferenças socioeconômicas e

de acesso aos serviços de saúde no Brasil resultam em um "modelo polarizado de

transição."7 Outro processo que tem produzido importantes mudanças no perfil das

doenças ocorrentes na população brasileira é a transição demográfica, com

aumento progressivo na expectativa de vida e consequente aumento na proporção

de idosos.7 Dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças

Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)8 evidenciam que o DM aumenta de

acordo com a idade da população: 21,6% dos brasileiros com mais de 65 anos

referiram ter o diabetes, enquanto entre as pessoas na faixa etária entre 18 e 24

anos, apenas 0,6% apontaram a doença. O mesmo levantamento apontou que, na

população brasileira com idade superior a 18 anos, a prevalência de diabetes

autorreferida aumentou de 5,3% para 5,6%, entre 2006 e 2011.8 Neste contexto, o

Diabetes Mellitus aparece como um grave problema de saúde pública no Brasil e no

mundo, sendo responsável por mudanças profundas na vida dos indivíduos

acometidos e por alto índice de morbimortalidade.

O Diabetes Mellitus é uma doença crônica que se configura como uma epidemia

mundial, atingindo todas as classes socioeconômicas, levando o indivíduo

acometido à incapacidade para realização de suas atividades de vida diária e ao

comprometimento da qualidade de vida.1 Estilos de vida pouco saudáveis como

sedentarismo, dieta inadequada e obesidade respondem pelo aumento da incidência

e prevalência do diabetes em todo o mundo. No Brasil, o envelhecimento da

população e a urbanização crescente também contribuem para este cenário.10

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O DM caracteriza-se por "um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que

apresenta em comum a hiperglicemia, a qual é o resultado de defeitos na ação da

insulina, na sua secreção ou em ambas."1 Segundo a American Diabetes

Association (ADA),11 o DM possui quatro formas clássicas com a seguinte

classificação: DM tipo 1, DM tipo 2, DM gestacional e tipos específicos de DM

devido a outras causas. As modificações positivas do estilo de vida, tais como dieta

balanceada rica em fibras, redução do peso corporal e atividade física, podem

reduzir o risco de Diabetes Mellitus, em até 58%, nos indivíduos pré-diabéticos.12

O Diabetes, junto com a Hipertensão Arterial, figura como principal causa de morte e

de hospitalizações no país, acarretando altos custos para o sistema de saúde. Além

disso, pessoas portadoras de diabetes apresentam um risco de amputação dos pés

15 vezes maior quando comparadas com não diabéticos. O pé diabético responde

pela principal causa de amputações de membros inferiores, sendo responsável por

50% das amputações não traumáticas no país.13

2.2 O diabetes e as complicações dos pés

A abordagem do membro inferior do paciente diabético pressupõe uma análise

conceitual dos principais acometimentos patológicos encontrados nos pés destes

indivíduos. A Neuropatia Periférica Diabética (NPD) é o fator mais importante para o

surgimento de úlceras nos pés de seus portadores e apresenta duas formas

principais, a Polineuropatia Sensoriomotora Simétrica e a Neuropatia Autonômica,

sendo definida como “o distúrbio neurológico demonstrável clinicamente ou por

métodos laboratoriais em pacientes diabéticos, excluindo-se outras causas de

neuropatia.”1

Segundo posicionamento da ADA11, todos os pacientes devem ser rastreados para

neuropatia periférica diabética, obedecendo o seguinte critério: a partir do

diagnóstico, para pacientes com diabetes tipo 2, e 5 anos após o diagnóstico, para

diabetes tipo 1, pelo menos uma vez por ano. Este rastreamento pode ser feito por

meio de testes clínicos simples, tais como um monofilamento de 10 g, a inspeção e

avaliação dos pulsos dos pés para rastreamento de Doença Arterial Periférica

(DAP). O controle glicêmico rígido é a única estratégia eficaz mostrada para prevenir

ou retardar o desenvolvimento de NPD e as metas glicêmicas são uma glicemia de

jejum entre 70 – 130 mg/dl e glicemia pós-prandial, abaixo de 180 mg/dL.11

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19

“Pé Diabético” é a complicação nos pés advinda do mau controle glicêmico, podendo

levar a amputações, sendo, por isso, uma das complicações mais devastadoras e

temidas entre os adoecidos. A prevenção de danos depende, principalmente, dos

hábitos e cuidados diários do portador. O Consenso Internacional sobre Pé

Diabético14 define o Pé Diabético como “infecção, ulceração e/ou destruição de

tecidos moles associados a alterações neurológicas e vários graus de DAP nos

membros inferiores”. Segundo este mesmo documento, 40-70% de todas as

amputações não traumáticas de membros inferiores no mundo são realizadas entre

pacientes diabéticos, 85% das amputações são precedidas de úlceras e 89% das

úlceras têm um componente neuropático.14

Além do dano emocional, o pé diabético gera um grande impacto socioeconômico,

gerando gastos com tratamentos, hospitalizações, incapacidade física e restrições

para atividades e participação social.13 Apesar do impacto que as complicações do

“pé diabético” causam na saúde e qualidade de vida dos pacientes, os profissionais

de saúde, em sua rotina de trabalho, deparam com a dificuldade de adesão dos

indivíduos acometidos ao comportamento de autocuidado com os pés em sua vida

diária.9

2.3 Crenças: conceitos e reflexões

O conceito de crenças vem sendo objeto de estudos em várias disciplinas, como

filosofia, antropologia, sociologia, psicologia social e educação. Com o intuito de

compreender o significado das crenças, este estudo focará no discurso teórico de

dois importantes filósofos americanos fundadores do pragmatismo, Charles S.

Peirce e John Dewey.

O estudo de Barcelos15 apresentou o conceito de crenças proposto por Charles S.

Peirce, definindo crenças como “ideias que se alojam na mente das pessoas como

hábitos, costumes, tradições, maneiras folclóricas e populares de pensar”.

Peirce,16 no célebre estudo “A fixação da crença”, concebeu que existem estados de

espírito, como o da dúvida e o da crença, e que é possível a transição de um estado

para o outro, quando se mantém o objeto de pensamento. “Sabemos quando é do

nosso desejo duvidar ou crer.”17

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20

Segundo o pensamento Peirciano,16 existe uma diferença prática entre a dúvida e a

crença: "as nossas crenças guiam os nossos desejos e moldam as nossas ações",

enquanto a dúvida “é um estado de desconforto e insatisfação do qual lutamos para

nos libertar e passar ao estado de crença.”16 Existe uma certa irritação na dúvida

que direciona a uma batalha para alcançar a crença e este incômodo só tem fim

quando cessa a dúvida.

O sentimento de crença é uma indicação mais ou menos segura de se encontrar estabelecido na nossa natureza algum hábito que determinará as nossas ações. A dúvida nunca tem tal efeito.

16

A teoria Peirciana16 ressalta o anseio de que as nossas crenças possam criar hábitos

que guiarão as nossas ações de forma a satisfazer o nosso desejo; e esta reflexão

nos fará rejeitar qualquer crença que não assegure este resultado. Para o autor, “é

mais vantajoso ter a mente cheia com visões agradáveis e encorajadoras,

independente da sua verdade”, ou seja, temos um “impulso em aceitar as

conclusões, sejam elas verdadeiras ou não”. O homem julga satisfatório manter-se

fiel a sua crença e deixar de acreditar trará uma perda da paz de espírito, pois, a

crença mantém sua calma, mesmo que ela seja enganadora. Ele aprende a ”olhar

com desprezo e ódio tudo o que possa perturbá-la.”16 Para que me submeter ao

perigo se me encontro em segurança? Para ilustrar esta afirmação, o autor dá o

exemplo do avestruz, que enterra a cabeça na areia quando se vê em situação de

perigo e, dissimulando, diz a si mesmo que o perigo não existe.16

Na tentativa de explicar as bases do comportamento humano, Peirce16 avança, ao

constatar que algumas pessoas passam a vida de olhos fechados para tudo o que

poderia levar a uma mudança nas suas opiniões. Ele classifica esta atitude como um

método de fixação da crença denominado método da tenacidade. Na prática, haverá

grande dificuldade de sua sustentação, pois o impulso social estará contra ele e,

com o tempo, as opiniões dos outros homens abalarão a confiança na sua crença.16

A concepção de que o sentimento ou o pensamento de um homem pode ser equivalente ao nosso sentimento ou pensamento, mostra que podemos influenciar as opiniões uns dos outros, de forma que a crença pode se fixar tanto a nível individual como coletivo.

16

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21

John Dewer,18 outro importante filósofo que discorreu sobre crenças, mostra em

seus escritos como estas podem guiar nossas ações quando as aceitamos como

verdadeiras. Sua teoria esclarece que, se problematizarmos as crenças, podemos

criar dúvidas e gerar novas crenças futuras.

Crenças abrangem todas as matérias de que não temos conhecimento seguro, mas em que confiamos o bastante para nelas basear a nossa ação; e, igualmente, as matérias que aceitamos como verdadeiras, como conhecimento, suscetíveis, todavia, de futuras indagações.

18

A base da teoria deweyana sobre o conhecimento estabelece diferentes maneiras

de pensar e, dentre estas, o sentido de pensamento correspondente a crença.

Dewey18 define a melhor forma de pensar como “pensamento reflexivo”, ou seja,

aquele que abrange um estado de dúvida que origina o ato de pensar, “um ato de

pesquisa, procura, inquirição, para encontrar material que resolva a dúvida,

assente e esclareça a perplexidade.”18 Já a crença é descrita como um sentido de

pensamento mais restrito, não sendo lícito concluir se esta é bem fundada ou não.

É uma ideia que colheu de outros e que aceita por ser corrente, não por tê-la examinado, não por tê-la tomado como parte ativa na sua conquista e elaboração (pouca ou nenhuma razão apresenta para pensar como pensa).

18

Segundo Dewey,18 o “pensamento da crença” desenvolve-se inconscientemente e

é colhido de “fontes obscuras tornando-se parte de nossa guarnição mental”, sendo

responsáveis por ele a “tradição, a instrução e a imitação”. Todas estas dependem

de alguma forma de autoridade, ou atendem nossa vontade ou coincidem com

alguma forte emoção relacionada a nossa vida, causando-nos um legítimo prazer.18

Para reiterar sua visão de crença como uma forma mais primitiva de pensamento,

Dewey descreve que a crença não é construída a partir de uma atividade mental

pessoal, como ocorre no “pensamento reflexivo”, sendo isenta de observação

criteriosa, coleta e análise de provas, podendo basear-se apenas naquilo que

vemos. Já o pensamento reflexivo faz “um ativo, prolongado e cuidadoso exame de

toda crença ou espécie hipotética de conhecimento, exame efetuado à luz dos

argumentos que a apoiam e das conclusões a que chega.”18

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22

Afirmando sua natureza dinâmica, o autor descreve que o pensamento da crença

pode produzir um pensamento reflexivo, porém, “para firmar uma crença em sólida

base de evidência e raciocínio, é necessário um esforço consciente e voluntário.”18

Em outra linha de pensamento, a diferença entre crença, passível de

ressignificação, e fé, uma verdade inabalável e imutável inspirada por Deus, é

abordada. O pensamento clássico de Montaigne, distinguindo a fé (verdade divina)

da crença (verdade humana), é apresentado no estudo de Birchal.19 Neste estudo,

o autor analisa a noção de fé e o ceticismo em Montaigne, confrontando-a com as

ideias de razão e de crença. Cabe aqui destacar a visão da esfera humana da

crença, distinguindo-a da fé:

As convicções de cada um, como ele mostra em tantos casos, mudam com o tempo e ao sabor dos interesses: elas têm uma origem humana e passional.

19

Este autor descreve as crenças como ações humanas permeadas por discursos e

costumes, passíveis de mudanças com o tempo e pautadas por interesses

individuais ou coletivos. Em sua definição, crença é "o resultado do domínio da

experiência, constituindo-se de convicções não fundadas racionalmente e que

modelam a conduta cotidiana."19

Para Ferreira,20 crença significa “forma de assentimento que é objetivamente

insuficiente, embora subjetivamente se imponha com grande evidência; aquilo em

que se crê; convicção íntima."

Olhando para a rede de significados atribuídos às crenças pelos vários autores

citados, é possível observar a complexidade que envolve este conceito. No

entanto, a maioria destes acredita que as crenças são construtos socioculturais que

guiam nossas ações, são dinâmicas, repassadas entre as gerações e fruto de

nossas experiências humanas e interações com o mundo.

2.4 A Teoria das Representações Sociais e o fenômeno da compreensão das crenças

O conceito de "Teoria das Representações Sociais" foi introduzido na Psicologia

Social por Serge Moscovici, em 1961, para tratar a relação entre a estrutura social

e o sujeito. Em seu primeiro trabalho científico sobre representações sociais,

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23

denominado La psychanalyse, sonimage, sonpublic, o autor descreve as crenças

dos diversos setores da sociedade francesa sobre a psicanálise, um novo tipo de

conhecimento científico e de práticas profissionais que difundia naquele período.21

Naquela época, Moscovici já buscava a explicação das crenças utilizando a TRS e

avançou aos estudos de Durkheim sobre representações coletivas, quando, ao

preferir o termo social, enfatiza a qualidade dinâmica das representações. Outra

importante contribuição para a apreensão da teoria vem sendo dada por Jodelet,22

definindo as representações sociais como “uma forma de conhecimento

socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui

para a construção de uma realidade a um conjunto social”.

Moscovici5 mostrou que nossas crenças podem ser formadas fora da psicologia

cognitiva, como um fenômeno social construído a partir de tensionamentos

decorrentes da variação e diversidade de ideias dentro da sociedade moderna.5

Segundo o autor, nestes pontos de tensão há uma falta de sentido, um ponto onde

o não familiar aparece.

(...) do mesmo modo que a natureza detesta o vácuo, assim também a cultura detesta a ausência de sentido, colocando em ação algum tipo de trabalho representacional para familiarizar o não familiar, e assim estabelecer um sentido de estabilidade.

5

A TRS vem sendo empregada em diversos estudos sobre crenças. Ela contribuiu

para a compreensão de fenômenos sociais, tais como ideias populares sobre

saúde e doença.5 Para o autor, as pesquisas em representações sociais fazem

uma tentativa de descrever o contexto em que a pessoa é levada a reagir a um

estímulo e explicar suas respostas subsequentes.5 As representações sociais

circulam no mundo cotidiano do senso comum e nossas crenças são construídas

exatamente neste contexto sociocultural e histórico, sendo, portanto,

representações sociais de uma determinada sociedade. "Nossas reações aos

acontecimentos, nossas respostas aos estímulos, estão relacionadas a

determinada definição, comum a todos os membros de uma comunidade à qual

nós pertencemos."5

O sujeito estabelece uma relação com a estrutura social em que vive, imprimindo

sentido as suas experiências e lançando mão de um repertório de ações no

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24

cuidado em saúde baseadas em suas crenças. A percepção deste fenômeno, por

parte dos profissionais de saúde, é essencial para a proposição de práticas

educativas coerentes com a cultura, emoções e vivências de seus pacientes, o que

favorecerá o envolvimento destes com as orientações repassadas. Nesta direção,

Stuhler,21 em sua tese de doutoramento sobre representações sociais e adesão ao

tratamento do DM tipo 2, discorreu sobre crenças enquanto representações sociais

que modelam nossos comportamentos de saúde e discutiu a influência

determinante do discurso médico na adesão ao tratamento:

Uma vez que as representações e práticas estão estritamente ligadas, determinando não só comportamentos distintos, como também, atitudes específicas diante do problema de saúde, os sentidos que o indivíduo atribui a sua condição crônica bem como ao discurso médico sobre a mesma podem determinar a adesão ao tratamento.

21

Uma vez que os pacientes lançam mão de suas crenças para guiar seus

comportamentos em saúde, precisamos desvelar o seu núcleo figurativo a fim de

ressignificá-las e, a partir daí, enfatizar, não o processo de transmissão de

conhecimento, mas a ampliação de espaços de interação cultural para a

construção compartilhada do conhecimento em saúde necessário para a superação

dos problemas encontrados.23

Moscovici5 descreve dois mecanismos de pensamento baseados na memória das

pessoas e em conclusões passadas, que serão utilizados neste estudo para a

compreensão das crenças em saúde e das condutas de cuidado com os pés

adotadas pelos sujeitos. O primeiro mecanismo, denominado ancoragem, tenta

transformar ideias estranhas e perturbadoras em categorias comuns e familiares,

classificando e dando nome às coisas. O segundo mecanismo, denominado

objetivação, visa reproduzir um conceito em uma imagem, isto é, “transforma algo

abstrato em algo quase concreto” a fim de transferir o que está na mente em algo

que exista no mundo.5 Estes mecanismos transferem o não familiar a nossa esfera

particular para sermos capazes de compará-lo e interpretá-lo, para depois

reproduzi-lo entre as coisas que podemos ver e tocar e, consequentemente,

controlar.5

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25

2.5 Empowerment e o autocuidado

Refletir sobre o autocuidado, na perspectiva da mobilização de indivíduos e grupos

para a aquisição de habilidades e participação na tomada de decisões sobre os

problemas de saúde vivenciados, nos remete ao conceito de empowerment. Esta

categoria prioriza resgatar o sujeito como protagonista do próprio cuidado e

distribuir o poder entre os atores sociais.24

Anderson e Funnel25 apresentaram a importância da abordagem do empowerment

para ajudar os pacientes diabéticos no autocuidado relacionado ao peso, nutrição e

atividade física. Os autores conceituaram empowerment como "um processo

destinado a facilitar a mudança de comportamento autodirigida".

Em outro estudo, os autores26 discutiram sobre a importância da mudança do

paradigma de atenção às condições agudas, onde os profissionais de saúde

assumem toda a responsabilidade pelo cuidado do paciente, para o sistema de

auto-gestão do cuidado, fundamental para o enfrentamento das condições

crônicas. Nesta abordagem, os profissionais de saúde tomam uma postura

colaborativa, empoderando seus pacientes diabéticos através de informação,

experiência e apoio, para que eles decidam sobre o próprio cuidado com base em

suas prioridades de saúde e alcancem seus objetivos.26

Na tentativa de clarificar a terminologia empowerment e buscando refletir sobre os

seus múltiplos sentidos e consequências na produção de sujeitos autônomos no

cuidado com a própria saúde, Carvalho27 destaca a existência de duas abordagens

principais do empowerment: o enfoque psicológico e o enfoque comunitário. O

primeiro enfoque é conceituado como um processo que tem como objetivo

possibilitar que os indivíduos tenham "um sentimento de maior controle sobre a

própria vida". O enfoque comunitário "busca destacar a ideia da saúde como um

processo e uma resultante de lutas de coletivos sociais por seus direitos."28 Estes

estudos exploram o potencial do empoderamento para a transformação das

práticas individuais, comunitárias e de profissionais em saúde visando o controle

sobre os determinantes do processo saúde-doença.

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26

Feste e Anderson29 definiram empowerment como "um processo educativo

projetado para ajudar os pacientes a desenvolver os conhecimentos, habilidades,

atitudes e grau de autoconhecimento necessários para efetivamente assumirem a

responsabilidade por suas decisões relacionadas com a saúde". A compreensão de

como esses objetivos elencados pelos autores acima podem ser apreendidos pelo

paciente, a ponto de implicar em mudanças de comportamento e determinar uma

postura ativa acerca do cuidado com a sua saúde, requer conhecer os sentidos e

significados atribuídos a este cuidado.30

Reconhecendo que a pessoa com DM ou seus familiares são responsáveis por

99% dos cuidados diários necessários ao tratamento, o empoderamento destes

sujeitos para o autocuidado consiste no maior desafio dos profissionais de saúde.12

2.6 A educação em saúde e a construção da autonomia do sujeito para o cuidado com os pés

Vários estudos têm demonstrado que “programas de educação para o cuidado com

os pés, incluindo educação terapêutica, exame regular dos pés e classificação do

risco, podem reduzir a ocorrência das lesões nos pés em até 50% dos pacientes.”13

Partindo desse pressuposto, a construção de conhecimentos que favoreçam a

autonomia das pessoas torna-se elemento facilitador para a aquisição de

habilidades e desenvolvimento de estratégias favoráveis ao cuidado preventivo.31

Pacientes com diabetes e pé de alto risco de lesão devem ser educados sobre

seus fatores de risco e gestão adequada, visando a vigilância dos problemas

iniciais nos pés. Aqueles com dificuldades visuais, limitações físicas que impedem

o movimento ou problemas cognitivos que possam prejudicar sua capacidade de

autocuidado necessitarão de outras pessoas, como membros da família, para

ajudar nos seus cuidados diários.11

Para alcançarmos resultados significativos na prevenção de lesões nos pés em

pacientes diabéticos, é fundamental mantê-los conscientes sobre a importância da

adesão aos cuidados diários. Não obstante, precisamos desenvolver propostas de

educação em saúde compatíveis com a realidade sociocultural dos indivíduos e

que partam de suas reais necessidades.32

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27

Faria parte de qualquer processo terapêutico todo esforço voltado para aumentar a capacidade de autonomia do paciente, para melhorar seu entendimento do próprio corpo, da sua doença, de suas relações com o meio social e, em consequência, da capacidade de cada um em instituir normas que lhe ampliem as possibilidades de sobrevivência e qualidade de vida.

33

Diversos autores descrevem em seus estudos as recomendações indicadas aos

cuidados com os pés para pacientes diabéticos, tais como: o uso de sapatos

adequados, proibindo calçados apertados, de bico fino e sandálias abertas,

cuidados diários com a higiene dos pés, secagem cuidadosa dos pés,

principalmente entre os dedos, uso de creme hidratante na perna e nos pés,

proibição da retirada de cutícula e do uso de lixas, não andar descalço, dentro

outros.13-14; 34

Encontra-se bem estabelecido na literatura a probabilidade de prevenção da

maioria dos problemas que ocorrem nos pés de pacientes diabéticos, a partir da

participação dos indivíduos nos cuidados diários. A dificuldade de adesão a

comportamentos preventivos por parte dos diabéticos, mesmo após receberem

orientações dos profissionais de saúde sobre os cuidados, reflete a distância entre

receber a informação e incorporá-la a sua rotina.35

Nas ações de educação em saúde, evidenciamos que, de forma implícita ou

explícita, o poder do conhecimento científico dos profissionais obstaculizam a

experiência e o saber dos pacientes, privando-os da autonomia pelo cuidado36.

Segundo Freire,37 uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em

experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em

experiências respeitosas da liberdade.

A visão técnica e mecanicista adotada pelos profissionais de saúde frente aos

processos de adoecimento reflete no distanciamento existente entre aqueles e

seus pacientes. Vale ressaltar que esta lacuna fica evidente quando, na fala dos

adoecidos, aparece uma valorização de questões mais simbólicas de sua doença,

que refletem seu contexto social, cultural e familiar. Já na prática clínica dos

profissionais de saúde, perpetua uma atuação embasada em mecanismos

fisiopatológicos, centrada em procedimentos reducionistas cientificamente

comprovados.38

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28

Se para os profissionais predomina uma preocupação técnica com o controle do nível de glicose dentro de padrões de referência e o seguimento das prescrições médicas e dietéticas, os adoecidos valorizam mais questões práticas e simbólicas referidas aos contextos culturais, sociais e familiares, que os incitam a promover ajustes nos padrões das prescrições que viabilizem o sentir-se física e moralmente bem em relação ao adoecimento.

4

As práticas de educação em saúde precisam superar o fosso cultural existente

entre as instituições de saúde e a população, reconhecendo a diversidade e a

heterogeneidade das classes populares.38 A implantação de práticas de educação

em saúde que superem esta barreira pode favorecer o surgimento de novos

padrões de enfrentamento dos problemas de saúde marcados pela integração

entre o saber técnico e o saber popular, levando os sujeitos a apropriação dos

cuidados.

Os diversos grupos constroem seu conhecimento em saúde/doença a partir da

inscrição social e cultural dos seus sujeitos, ou seja, em experiências empíricas.

Portanto, ações voltadas para o autocuidado com os pés de pacientes diabéticos

precisam considerar suas crenças baseadas no saber popular para que ocorra uma

elaboração daquilo que será incorporado no processo de aprendizagem.39 Coelho,

Silva e Padilha,3 em seu estudo sobre representações sociais do pé diabético,

concluiu que:

(...) não basta somente investirmos em desenvolver mais conhecimentos sobre a doença, mas é preciso incluir a compreensão do que é viver com essa doença para podermos criar propostas de educação em saúde que tenham como protagonistas as pessoas e não a doença.

3

Segundo Xavier, Bittar e Ataíde,39 estratégias de educação em saúde que seguem

a abordagem positivista e reducionista do ser humano, considerando o cliente

como "folhas em branco", sem concepções e crenças sobre seu problema,

construídas durante toda uma história de vida, apresentam graves limitações para

a superação da baixa adesão às orientações repassadas.

Segundo Siqueira, Barbosa, Brasil, Oliveira e Andraus,40 apesar de rejeitadas pela

ciência, práticas populares de saúde são repassadas entre as gerações, são

ligadas a tradições e costumes e continuam sendo adotadas pela população.

Desde a antiguidade, o ser humano busca alternativas diversas na tentativa de

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29

eliminar seus males físicos ou psíquicos e as ações de saúde estão relacionadas

ao contexto sociocultural vigente em cada momento histórico. Na atualidade,

mesmo com todo o avanço tecnológico e a globalização da informação em saúde,

o saber popular continua influenciando as ações de cura e prevenção realizadas

pelas populações.

Na rotina dos serviços de saúde, a utilização de práticas populares para o cuidado

adotadas pelos pacientes, tais como chás, simpatias, benzeção e fitoterápicos, são

rotineiras. Portanto, faz-se necessário o conhecimento da cultura em que os

adoecidos estão inseridos, suas crenças e valores, para uma maior efetividade das

ações de saúde voltadas para o autocuidado.39

A postura do profissional frente a estas práticas pode constranger ou viabilizar a

interação com seu paciente. Segundo Silveira e Ribeiro,41 é necessário um novo

cenário que faça a “integração do cuidado e da aprendizagem na qual

desenvolvam-se ações de saúde adequadas e compatíveis com e para o homem

na sua totalidade e que aproximem os atores envolvidos”. Profissionais de saúde e

pacientes fazem parte de grupos socioculturais distintos, portanto apresentam

valores e concepções em relação a doença e tratamento próprios e diferenciados.42

A compreensão dos sentidos e significados atribuídos ao autocuidado com os pés

de pessoas com diabetes pode constituir-se como elemento facilitador para a

reestruturação das práticas de educação em saúde que favoreçam a autonomia

dos pacientes, visto que "o autocuidado requer mais do que simplesmente a

apreensão do conhecimento técnico, legal e normativo" e passa pela percepção do

sujeito considerando sua trajetória de vida, os significados e os sentidos atribuídos

a sua doença.43

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30

3 OBJETIVO DA PESQUISA

Objetivo Geral

Compreender as crenças que permeiam as práticas de autocuidado com os pés em

pacientes diabéticos.

Objetivos Específicos

Identificar os sentidos e significados atribuídos ao cuidado com os pés pelos

pacientes diabéticos.

Identificar as práticas de autocuidado com os pés realizadas pelos pacientes

diabéticos acompanhados na UBS Angola.

Compreender como as crenças podem influenciar na adesão à prática do

autocuidado com os pés orientada pelos profissionais de saúde da UBS

Angola.

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31

4 METODOLOGIA

4.1 Tipo de estudo

O desenvolvimento desta investigação privilegia o uso da abordagem qualitativa

fundamentada na Teoria das Representações Sociais como proposta de

instrumentalização, por permitir o desvelamento de um amplo espectro de

fenômenos sociais e a compreensão das experiências do processo de

adoecimento, bem como dos cuidados vividos e narrados pelos sujeitos da

pesquisa.

O estudo qualitativo mostra-se adequado à pesquisa em questão, ante a sua

finalidade de compreender as crenças, pois permite desvelar a representatividade

dos significados de fenômenos, vivências, ideias e sentimentos que modelam a

vida das pessoas com diabetes nos termos que os adoecidos trazem para estes.

Analisando a importância da pesquisa qualitativa para o aprimoramento das

práticas em saúde, Turato44 afirma que:

Nos settings da saúde em particular, conhecer as significações dos fenômenos do processo saúde-doença é essencial para realizar as seguintes coisas: melhorar a qualidade da relação profissional-paciente-família-instituição; promover maior adesão de pacientes e da população frente a tratamentos ministrados individualmente e de medidas implementadas coletivamente; entender mais profundamente certos sentimentos, ideias e comportamentos dos doentes, assim como de seus familiares e mesmo da equipe profissional de saúde.

44

Torna-se indispensável, assim, saber o que os fenômenos da doença e da vida em

geral representam para a vida das pessoas, pois, em torno do que as coisas

significam, as pessoas organizarão de certo modo suas vidas, incluindo seus

próprios cuidados com a saúde.44

Para Minayo e Minayo,45 os estudos na área da saúde que buscam captar o

”significado e a intencionalidade” inerentes aos atos, às relações e às estruturas

sociais devem usar as metodologias qualitativas como recurso. A mesma autora,

em seus estudos sobre pesquisas sociais e saúde, aponta a seguinte definição

para métodos qualitativos:

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32

Método que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam.

46

A pesquisa qualitativa pode responder a questões específicas do processo de

elaboração do autocuidado com os pés, dando significação para tal fenômeno,

além de permitir conhecer a fundo as vivências do indivíduo acometido com a

doença, seu contexto histórico e cultural, bem como que representações essas

pessoas têm de suas experiências de vida. Tais questões são fundamentais para a

compreensão da adesão ou não adesão ao autocuidado com os pés realizado

pelos sujeitos com diabetes e, ao dar voz aos sujeitos da pesquisa, as mesmas não

poderiam ser quantificadas.

4.2 A Teoria das Representações Sociais como método

Para atender aos objetivos desta pesquisa, estudos sobre representações sociais

darão o aporte teórico necessário à compreensão das construções das crenças dos

sujeitos, dando-as significados e sentidos. Teóricos da representação social partem

do princípio que a explicação da enfermidade se dá não só como experiência, mas

também como significados relativos a doença e seu enfrentamento que variam nos

diferentes grupos sociais4. Para Hunt e Arar (apud Barsaglini),30 tais explicações

envolvem processos que não obedecem a um padrão rígido, não são únicas nem

definitivas e são temporais. Outra observação pertinente feita por Minayo6 e que

reforça a adequação da teoria ao tema da pesquisa refere-se à compreensão de

que as representações sociais de saúde e doença incorporam crenças sobre o

corpo, a vida, a morte e as experiências de vida como substrato de sua construção.

Segundo Serge Moscovici,5 psicólogo social que propôs a Teoria das

Representações Sociais e cuja concepção norteará este estudo, o objetivo de

estudos sobre representações sociais é tornar familiar algo não familiar, de forma

que sejam comunicáveis e descritas através de técnicas metodológicas, sendo

portanto uma ferramenta eficaz para compreender como as crenças modelam os

comportamentos dos indivíduos. Para Turato,44 “os significados que as ‘coisas’

ganham passam também a ser partilhados culturalmente e assim organizam o

grupo social em torno destas representações e simbolismos”.

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33

As Representações Sociais auxiliam na compreensão das estratégias de

autocuidado adotadas frente a uma condição crônica, levando-nos a apreender

crenças e normas construídas para o seu enfrentamento. Em sua tese de

doutoramento, Sales47 considera a Teoria das Representações Sociais uma base

teórica sólida para os estudos individual e social da prática do cuidado em saúde. É

no contexto histórico e social que as pessoas constroem suas representações

acerca do cuidado e fundamentam suas práticas e atitudes.

Arruda48 também propõe uma interpretação sobre a importância da Teoria das

Representações Sociais para o estudo das questões relativas à saúde, visto que a

saúde, enquanto um fato cultural incontornável que não se desenvolve de forma

isolada no organismo do indivíduo, torna-se objeto de interesse das ciências

sociais e humanas. Para a autora, o entendimento da saúde fora dos espaços

especializados e vinculada ao meio define a relevância sociológica do estudo das

representações sociais do processo saúde-doença.

4.3 Local do estudo

O cenário de captação dos participantes da pesquisa foi a área de abrangência de

uma unidade de atenção primária à saúde, popularmente conhecida na região por

“Posto do Angola”. Inaugurada no ano de 1976 e localizada no Município de

Betim/Minas Gerais, a UBS atende um território composto por 18 bairros e possui

uma população estimada de 42.500 habitantes. As condições de saneamento

básico na região podem ser consideradas boas, visto que 98% dos domicílios têm

lixo coletado e água tratada, bem como 79,4% das casas possuem rede de

esgoto.49

A escolha dessa unidade de saúde como local de referência para realização deste

estudo foi motivada por apresentar uma área de abrangência composta por muitos

bairros com diferenças socioculturais e econômicas marcantes, sendo

representativa da realidade do município de Betim. Além disso, a UBS Angola tem

um grande número de usuários diabéticos referenciados, sendo o local de trabalho

da pesquisadora com estes pacientes e ponto de partida para suas observações.

No período da coleta de dados, a unidade contava com um quadro formado por

121 servidores, entre agentes de higienização, técnicos de saúde, profissionais de

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nível superior e Agentes Comunitários de Saúde (ACS), além de estagiários dos

cursos de Medicina, Enfermagem e Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais (PUC Minas), prestando uma diversidade de atendimentos e

programas de atenção primária à saúde, dentre eles o programa HIPERDIA.1

No ano de 2013, foi implantado o Programa de Saúde da Família e, no início da

coleta de dados, havia 5 equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) atuando

na UBS Angola, compostas de um médico generalista, um enfermeiro, dois

auxiliares de enfermagem e de três a quatro agentes comunitários de saúde. No

momento do estudo, não havia nenhum programa de educação em diabetes

sistematizado destinado aos usuários da UBS, desenvolvendo-se apenas ações

isoladas de alguns profissionais do serviço. Normalmente, as orientações eram

repassadas durante as consultas médicas ou de enfermagem e, ainda, em ações

educativas esporádicas realizadas pelos estagiários que atuavam na unidade.

Situada em um bairro tradicional de Betim, com uma população idosa prevalente, a

UBS Angola, através de sua equipe de saúde, lida com expressiva frequência de

morbidade e mortalidade decorrentes de doenças crônicas não transmissíveis

atribuídas ao envelhecimento da população, dentre elas, o diabetes. A par desse

cenário, as mudanças comportamentais da sociedade contemporânea associadas

aos estilos de vida, especialmente aos padrões alimentares e ao sedentarismo,

agravam o quadro epidemiológico. Segundo o Relatório Anual de Gestão da

Secretaria Municipal de Saúde de Betim (SMS),50 ano de 2012, a UBS Angola

possui 19.676 usuários cadastrados e 23.136 usuários estimados pelos dados da

Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS). Dados retirados da Ficha

A2, regularmente preenchida e atualizada pelos Agentes Comunitários de Saúde,

mostram 502 usuários portadores de Diabetes Mellitus (DM) cadastrados na área

de abrangência da UBS Angola. No cadastro da farmácia, nessa mesma unidade

de saúde, aparecem 409 usuários diabéticos, dos quais 278 fazem a retirada

1O Hiperdia destina-se ao cadastramento e acompanhamento de portadores de hipertensão arterial

e/ou diabetes mellitus atendidos na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde – SUS, permitindo gerar informação para aquisição, dispensação e distribuição de medicamentos de forma regular e sistemática a todos os pacientes cadastrados. O sistema envia dados para o Cartão Nacional de Saúde, funcionalidade que garante a identificação única do usuário do Sistema Único de Saúde – SUS (DATASUS, 2015). 2A Ficha A é preenchida nas primeiras visitas que o Agente Comunitário de Saúde (ACS) faz às

famílias de sua comunidade. As informações recolhidas permitem à equipe de saúde conhecer as condições de vida das pessoas da sua área de abrangência e melhor planejar suas intervenções.

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regular de insulina no setor. Vale ressaltar que a UBS Angola encontra-se com

áreas descobertas pela EACS e alguns domicílios não foram cadastrados devido à

recusa dos moradores em receber os ACS; portanto, esses dados referentes à

população adscrita estão subestimados.

4.4 População do estudo

A amostra inicial deste estudo foi composta por 278 portadores de diabetes mellitus

tipo 1 ou tipo 2 cadastrados na farmácia da UBS Angola e que estavam fazendo a

retirada regular de insulina no setor, no mês de dezembro de 2014. A partir de uma

planilha contendo nomes e contatos dos usuários em uso de insulina,

disponibilizada pela farmacêutica responsável da unidade, foram selecionados,

aleatoriamente, na amostra inicial, indivíduos de ambos os sexos, maiores de 18

anos e que se encontravam em condições psicológicas favoráveis para responder

às questões que nortearam o estudo. A amostra final do estudo foi composta por

31 indivíduos e o critério de saturação dos dados foi utilizado para encerrar as

entrevistas, ou seja, aquela foi considerada suficiente quando todas as categorias

estudadas estavam saturadas com os dados e as relações entre elas bem

estabelecidas. A amostragem por saturação é amplamente utilizada em

investigações qualitativas, sendo citada em vários estudos sobre amostragem

intencional. Ela permite nortear a finalização da coleta a partir de sucessivas

análises dos dados das entrevistas já realizadas, não interrompendo a busca

"enquanto novas explicações, significados ou visões de mundo" sobre o tema

estudado estiverem surgindo.51

Não foram considerados como critérios de inclusão religião, renda e nível de

escolaridade.

Entendendo que o paciente deve ser orientado, desde o primeiro contato com os

profissionais de saúde, sobre o risco de lesões nos pés e sobre o autocuidado

necessário para sua prevenção, o tempo de doença não foi considerado como

critério de exclusão para o estudo.

4.5 Estratégias para coleta dos dados – procedimentos

O levantamento das informações necessárias para esta pesquisa foi realizado

utilizando-se dois roteiros de entrevistas, elaborados pela própria pesquisadora. O

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primeiro foi destinado à caracterização da amostra, contendo questões fechadas

sobre o perfil demográfico e os diagnósticos social e epidemiológico da população

estudada (Apêndice A). O segundo roteiro continha questões abertas destinadas à

compreensão das crenças relacionadas ao autocuidado com os pés realizado pelos

pacientes com DM tipo 1 e DM tipo 2, apreendidas através dos relatos sobre o

conhecimento dos problemas que podem surgir nos pés de pessoas com diabetes

e suas causas, consequências do não cuidado com os pés e formas de cuidado

adotadas, bem como os motivos que levam as pessoas a não adotarem

comportamentos preventivos (Apêndice B).

A coleta de dados deu-se no período entre dezembro/2014 a março/2015 e foi

realizada, integralmente, pela própria pesquisadora, acompanhada por ACS. As

entrevistas ocorreram nos domicílios dos pacientes, o que propiciou situações de

contato mais informais, favorecendo um discurso mais livre e espontâneo por parte

dos entrevistados. Sair do ambiente árido da unidade de saúde, marcado pela

relação de hierarquia e diferenciação entre profissionais e usuários, fez florescer

contatos e alianças mais igualitárias, com valorização das circunstâncias

encontradas no domicílio e dos saberes dos sujeitos da pesquisa. Mesmo diante de

tais constatações, reconhece-se que as relações de poder, em maior ou menor

intensidade, estarão sempre presentes nos encontros entre pacientes e

profissionais de saúde.

Durante as visitas, a valorização dos profissionais de saúde pela população foi

demonstrada pela simpatia e receptividade dispensadas pelos entrevistados à

pesquisadora e às ACS, bem como pelo interesse daqueles em responder às

perguntas e contribuir com o estudo. Além do mais, a presença das ACS também

contribuiu para o contato, já que as mesmas possuem vínculos bem estabelecidos

com a população, não tendo havido, portanto, nenhuma recusa em concederem

seu tempo para as entrevistas e participarem da pesquisa.

Durante as entrevistas, buscou-se apreender como os adoecidos vivenciam e

analisam o autocuidado realizado com os pés, iniciando-se a análise ainda no

campo. Nessa direção, compartilha-se com as ideias de Gibbs,52 no sentido de que

o pesquisador deve ser sensível às perspectivas do entrevistado:

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Um compromisso fundamental da pesquisa qualitativa é ver as coisas pelos olhos dos entrevistados e participantes, o que envolve um compromisso com a observação de eventos, ações, normas e valores, entre outros, da perspectiva das pessoas estudadas.

52

Com a determinação de buscar ampliar a intercomunicação entre os sujeitos da

pesquisa, os entrevistados puderam expressar seu interesse em saber mais sobre

os cuidados e os problemas relacionados aos pés. Diante dessa aproximação,

aproveitou-se a oportunidade da visita e, após o término das entrevistas, procurou-

se elucidar os problemas observados. Nesse contexto de interação cooperativa

entre os sujeitos, entrevistador e entrevistado vivenciaram momentos de trocas

verbais e não verbais, pois, ao mesmo tempo que se coletavam as informações

necessárias para a apreensão do trabalho, oferecia-se ao sujeito entrevistado a

oportunidade de refletir sobre sua doença e o cuidado que estava realizando com

seus pés. Duarte,53 em seu estudo sobre o uso de entrevistas em pesquisas

qualitativas, reflete sobre essa troca: “quando realizamos uma entrevista, atuamos

como mediadores para o sujeito apreender sua própria situação de outro ângulo,

conduzimos o outro a se voltar sobre si próprio; incitamo-lo a procurar relações e a

organizá-las.”

A entrevista semiestruturada permite aos participantes mais chances de usarem

suas próprias palavras e uma melhor apreensão dos significados da fala dos

sujeitos pelo pesquisador, além de proporcionar questionamentos ricos e

importantes para a análise. Segundo Duarte,53 “entrevistas são fundamentais

quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas

classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados,

em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados”. A autora

destaca também que entrevistas bem realizadas permitem ao pesquisador fazer

um mergulho profundo coletando indícios dos modos como cada sujeito percebe e

significa a sua realidade, o que seria mais difícil obter com outros instrumentos de

coleta de dados.53

As entrevistas abertas foram gravadas no aplicativo para Android, Voice Recorder

Rabbit, e transcritas na íntegra para uma leitura e análise posterior cuidadosa.

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38

4.6 Tratamento dos dados

Com o objetivo de compreender as crenças a partir dos relatos dos sujeitos e na

busca de uma coerência teórico-metodológica, o tratamento dos dados foi realizado

através da técnica de análise de conteúdo e seguiram as etapas propostas por

Bardin:54 pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Segundo

este mesmo autor, a técnica de análise de conteúdo é definida como:

(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relevantes às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

54

Em seus estudos sobre pesquisa qualitativa, Minayo46 definiu as análises de

conteúdo como “... técnicas de pesquisa que permitem tornar replicáveis e válidas

interferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de

procedimentos especializados e científicos”.

Na busca de tratar os dados com o devido rigor metodológico e explorar

potencialmente o material coletado em campo, o primeiro passo da pesquisadora

foi realizar uma leitura criteriosa das entrevistas, buscando a retomada das

hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa. Apesar de ser uma tarefa exaustiva,

essa leitura também proporcionou momentos de leveza e prazer, pois permitiu o

mergulho no instigante universo cultural retratado. Esse contato intenso com o

material de campo permitiu uma aproximação dos sujeitos da pesquisa e um

desvelamento de nuances que passaram despercebidas durante a entrevista.

Buscou-se nesse momento de análise inicial registrar as primeiras impressões,

abrindo espaço para novas indagações sobre o objeto do estudo.

Reconhecendo que a transcrição nunca é completamente precisa, voltou-se à

gravação, a fim de se recuperarem aspectos não verbais da entrevista

eventualmente perdidos durante o trabalho de transcrição. Após a realização de

sucessivas escutas, foi possível reproduzir as lacunas presentes na fala dos

sujeitos e obter uma visão mais fiel do mundo do entrevistado.

Minayo46 entende que nessa fase de pré-análise, momento em que o pesquisador

deve realizar uma leitura flutuante do material, é necessário deixar-se impregnar

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pelo seu conteúdo. A autora ainda sugere algumas normas para garantir a validade

qualitativa, que se procurou seguir durante essa etapa: exaustividade

(contemplação dos aspectos previstos no estudo), representatividade (conter as

características essenciais do universo pretendido), homogeneidade (critérios

precisos quanto ao tema e às técnicas empregadas) e pertinência (que o material

analisado seja adequado para responder aos objetivos do trabalho).46

Na etapa de exploração, foi realizada uma leitura transversal do material textual

coletado, buscando no discurso dos participantes sua forma de significar o

autocuidado com os pés. Esse recorte em unidade de sentido levou à organização

de 5 categorias centrais de análise e 10 subcategorias, que possibilitaram o

isolamento dos elementos mais importantes relacionados à compreensão das

práticas de autocuidado realizadas pelos indivíduos da amostra.

Durante a construção das categorias/subcategorias de análise e sua interpretação,

especial atenção foi dada ao referencial teórico/metodológico para que as

hipóteses prévias e a subjetividade da pesquisadora não interferisse no processo

de investigação, apesar de se reconhecer que, sendo parte do universo descrito,

esta também o estaria refletindo. Geraldo Romanelli (apud Duarte)53 identifica

estas preocupações e afirma a presença da subjetividade do pesquisador como

parte inerente do processo de investigação e discorre sobre como podemos

controlá-la:

A subjetividade, elemento constitutivo da alteridade presente na relação

entre sujeitos, não pode ser expulsa, nem evitada, mas deve ser admitida e explicitada e, assim, controlada pelos recursos teóricos e metodológicos do pesquisador, vale dizer, da experiência que ele, lentamente, vai adquirindo no trabalho de campo.

53

Na fase de tratamento dos resultados ou de análise final, foi realizada a

interpretação do material, buscando desvelar a lógica interna dos sujeitos

entrevistados sobre o autocuidado realizado com os pés, relacionando-a com o

quadro teórico da TRS.

Vale ressaltar que, para manter o anonimato dos entrevistados, as falas foram

identificadas de acordo com a ordem cronológica de sua realização, como E1,

E2....

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4.7 Aspectos éticos e legais

Após o recebimento da carta de anuência da Secretaria Municipal de Saúde de

Betim, o projeto foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do

Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Belo Horizonte e obteve

aprovação sob o nº 805.523/2014. Obedecendo aos preceitos éticos e legais de

pesquisa com seres humanos, foi solicitada aos sujeitos da pesquisa a assinatura

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C). A coleta de dados

deu-se após a aprovação pelo CEP e todos os participantes da pesquisa foram,

antes da assinatura do termo, devidamente informados do objetivo da pesquisa, de

como seriam os procedimentos para a coleta dos dados e de qual seria o destino

final das informações que eles forneceram. Também lhes foi assegurado o direito

de desistir a qualquer momento da participação, caso as entrevistas lhes

estivessem causando algum dano ou incômodo. A garantia do anonimato também

foi assegurada aos participantes.

4.8 Estratégias de divulgação e Resultados

A proposta deste estudo insere-se na área da sociologia e saúde e pode contribuir

para a implementação de práticas de autocuidado com os pés mais adequadas aos

valores culturais da população, indicando metodologias educativas mais

apropriadas para a adesão dos pacientes. Os resultados deste estudo serão

repassados à Secretaria Municipal de Saúde de Betim e compartilhados com os

demais profissionais da UBS Angola. Além disso, seus resultados serão

submetidos à publicação em revistas científicas especializadas.

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41

5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Contextos demográfico, social e epidemiológico dos sujeitos da pesquisa

Para análise dos dados demográfico, social e epidemiológico dos sujeitos da

pesquisa, serão realizadas análises descritivas das variáveis, apresentando o

número absoluto e as porcentagens.

Participaram do estudo 31 indivíduos portadores de DM, sendo que 6,5% delas

apresentavam o tipo 1 da doença e 93,5%, o tipo 2. O sexo feminino foi prevalente

na amostra, com 22 pessoas, e o sexo masculino representou 9 indivíduos. A

tabela 1 apresenta o delineamento da amostra por tipo de DM e sexo.

Tabela 1: Distribuição dos participantes segundo sexo e tipo de DM.

Sexo Tipo 1 (n=2)

Tipo 2 (n=29)

Total (n=31)

Feminino Masculino

2

0

20 22 (70,9%)

9 9 (29,1%)

Total 2 (6,4%) 29 (93,6%) 31(100%)

Segundo dados do Ministério da Saúde,13 as mulheres apresentam uma maior

proporção de DM no país, apesar de nos últimos anos ter havido um aumento de

casos entre os homens brasileiros. Estudos internacionais sobre a prevalência

global evidenciam um maior número de casos entre os homens e esta diferença

deverá aumentar significativamente até o ano de 2035.55 O mesmo documento

mostra que o Diabetes tipo 2 representa de 85% a 95% de todos os casos,

podendo ser responsável por um percentual ainda maior em países com baixa

renda e entre pessoas com baixa escolaridade. Fatores de risco relacionados às

condições materiais e sociais a que as pessoas são submetidas estão associados

a esse cenário. Essa relação entre DM e condição socioeconômica, apesar de não

ser objetivo deste estudo e a amostra não ser estatisticamente viável para esta

análise, pode ser observada durante as visitas aos domicílios dos indivíduos, onde

a maioria das famílias viviam em casas simples, com precariedade de recursos e

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renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos (77,4%). O nível de escolaridade

encontrado também foi baixo, sendo que 67,8% das pessoas entrevistadas não

completaram o ensino fundamental. Dados do Ministério da Saúde13 indicam que

7,5% das pessoas que têm até 8 anos de estudo possuem diabetes, contra 3,7%

das pessoas com mais de 12 anos de estudo. A tabela 2 apresenta a distribuição

da escolaridade, da renda familiar e do número de pessoas no domicílio entre os

sujeitos do estudo.

Tabela 2: Anos de escolaridade, renda familiar e número de pessoas no domicílio.

Variáveis Sujeitos da amostra (n=31)

Escolaridade

Analfabeto Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo Ensino superior incompleto Ensino superior completo

4 (12,9%) 17 (54,9%)

5 (16,2%) 1 (3,2%) 1 (3,2%) 1 (3,2%) 2 (6,4%)

Renda familiar

1 a 2 salários mínimos 3 a 4 5 a 6 6 a 7 Mais de 7 salários mínimos

24 (77,4%)

5 (16,2%) 1 (3,2%) 0 (0%) 1 (3,2%)

Número de pessoas no domicílio 1 pessoa 2 a 4 pessoas 5 a 7 pessoas Mais de 8 pessoas

3 (9,6%) 23 (74,2%)

5 (16,2%) 0 (0%)

Observa-se na tabela 3 que, apesar da baixa renda familiar e das moradias

simples, evidenciando as condições sociais precárias e injustas em que ainda vive

boa parte da nossa população, a maioria quase absoluta dos sujeitos entrevistados

morava em casa própria, muitas vezes dividindo o lote com outras pessoas da

família, sendo este índice correspondente a 96,7% dos indivíduos.

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Tabela 3: Situação de moradia dos sujeitos da amostra.

Moradia Sujeitos da amostra (n=31)

Própria Alugada Cedida

30 (96,7%) 1 (3,3%) 0 (0%)

Dados da população mundial mostram que, devido ao aumento da expectativa de

vida nos países em desenvolvimento, tem ocorrido um incremento na prevalência

do DM nas faixas etárias mais avançadas. Estima-se que até o ano de 2030 o

número de ocorrências duplicará em indivíduos acima de 65 anos.55 A maior

sobrevida de pacientes com DM também vem contribuindo com este cenário1. No

Brasil, dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas

por Inquérito Telefônico8 também mostrou que o DM aumenta de acordo com a

idade da população: “21,6% dos brasileiros com mais de 65 anos referiram a

doença, um índice bem maior do que entre as pessoas na faixa etária entre 18 e 24

anos, em que apenas 0,6% são pessoas com diabetes”.

Crescente proporção de indivíduos acometidos em grupos etários mais jovens

também vem ocorrendo nos últimos anos devido a estilos de vida pouco saudáveis,

levando ao aumento crescente da prevalência da obesidade e do sedentarismo.

Este aumento do número de casos em indivíduos mais jovens é maior nos países

em desenvolvimento.1

A tabela 4 mostra a distribuição etária e o estado civil da população do estudo,

onde 55,9% dos sujeitos possuem mais de 61 anos de idade, comprovando a

relação entre DM tipo 2 e envelhecimento. Não se pode deixar de destacar a

presença de uma relevante proporção de pessoas na amostra abaixo desta faixa

etária, evidenciando a tendência do surgimento mais precoce da doença

relacionado ao estilo de vida pouco saudável e à crescente urbanização.

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Tabela 4: Faixa etária e estado civil dos sujeitos da amostra.

Variáveis Sujeitos da amostra (n=31)

Faixa etária

18 a 28 29 a 39 40 a 50 51 a 61 61 a 71 > 71

2 (6,4%) 1 (3,2%) 2 (6,4%) 9 (29,1%)

10 (32,2%) 7 (22,7%)

Estado civil Casado Solteiro Separado Viúvo

17 (54,7%) 2 (6,4%) 5 (16,2%) 7 (22,7%)

A história natural do DM tipo 1 e tipo 2 é marcada pelo aparecimento de

complicações crônicas, ou seja, relacionadas ao tempo de doença. A retinopatia, a

nefropatia, a neuropatia diabética e as doenças cardiovasculares são exemplos

destes agravos.13

Estudos mostram que quanto maior o tempo de DM maior é a probabilidade de

desenvolver as complicações nos pés. O tempo de doença superior a 10 anos é

considerado como um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de

úlceras nos pés dos pacientes diabéticos.1 A tabela 5 mostra a distribuição dos

sujeitos da amostra segundo o tempo de doença. Vale ressaltar que este tempo

refere-se ao momento de descoberta da doença pelos sujeitos e, tendo o DM tipo 2

um início insidioso, muitas vezes a suspeita é feita pela presença de uma

complicação tardia, podendo a pessoa passar anos desconhecendo ser portadora

do diabetes. Tal fato denota a importância das equipes de saúde estarem atentas

para que o diagnóstico de DM não seja feito apenas após a presença de sintomas,

suspeitando-se de sua presença em pacientes que apresentem hábitos alimentares

não saudáveis, sedentarismo e obesidade, independente da idade.13

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45

Tabela 5: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo o tempo de doença.

Variáveis Sujeitos da amostra (n=31)

Tempo de doença

1 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 15 anos Mais de 15 anos

5 (16,2%) 6 (19,4%) 5 (16,2%)

15 (48,2%)

O tratamento das pessoas com DM deve ser realizado de acordo com as

necessidades gerais previstas no cuidado, incluindo o apoio para mudança de

estilo de vida, o controle metabólico e a prevenção das complicações crônicas13. O

tratamento não medicamentoso consiste em manter uma alimentação adequada e

atividade física regular, evitar o fumo e o excesso de álcool e estabelecer metas de

controle de peso. Além da terapia não farmacológica, o tratamento do DM tipo 1

exige sempre a administração de insulina e o tipo 2 é complementado com

antidiabético oral e, eventualmente, a insulina pode ser necessária.13

Vivendo em situações especiais, muitas vezes de enorme carência, as pessoas

entrevistadas não tinham condições de frequentar uma academia e nem de ter

acesso a programas públicos de atividade física feitos sob supervisão profissional

específica. Além disso, não estavam bem orientadas sobre a importância da

caminhada e de outros exercícios que poderiam ser feitos em ruas e praças,

próximas a suas casas. Evidenciou-se que a atividade física não era representada

como parte importante para o tratamento do DM sendo, portanto, negligenciada

pela maioria dos sujeitos deste estudo.

Durante as visitas aos sujeitos, em seus domicílios, também se pode constatar a

dureza das múltiplas raízes que implicam na alimentação inadequada da

população. Além da falta de informação especializada sobre uma alimentação

saudável e de questões culturais, a opção por alimentos mais calóricos e

gordurosos passava também por critérios financeiros e pela busca de maior

sensação de saciedade. Estudos mostram que uma dieta adequada é fundamental

na prevenção, no tratamento e no gerenciamento de doenças crônicas modificáveis

pela dieta, podendo propiciar uma redução de 2% na hemoglobina glicada de

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46

pacientes diabéticos e tendo melhores resultados em pacientes recém

diagnosticados.56

Com relação ao tratamento medicamentoso, todos os sujeitos da amostra estavam

cadastrados na farmácia da UBS Angola como usuários de insulina, porém uma

pessoa informou que havia abandonado o uso por conta própria e afirmou não

estar fazendo nenhum tratamento para o DM. Esta pessoa relatou não acreditar

que o DM tivesse possibilidade de controle e que a sua saúde “estava nas mãos de

Deus”. Os antidiabéticos orais, que são mais bem aceitos pelos pacientes quando

comparados a insulina, estavam sendo usados por 22 indivíduos. Tais

medicamentos “constituem-se na primeira escolha para o tratamento do DM tipo 2

não responsivo a medidas não farmacológicas isoladas.”13 As barreiras para a

aceitação da insulina podem ser vistas no relato a seguir:

“E essa insulina que acaba com a gente, meu deus do céu! A gente fica com os braço tudo picado! Os meus braço fica tudo assim, inchado. Eu tomava na barriga, aí minha barriga deu um caroção assim e eu tenho ainda até hoje. Já tem quase um ano que eu tenho esse caroço aqui na barriga! Aí os médico falaram que é por causa da insulina que tomava aqui. Então me foi empoçando, empoçando... e deu. Criou um caroço grosso na minha barriga. Então agora eu não tomo na barriga mais não. Eu tô tomando no braço. É mais assim, né, molinho, né. E por de trás num da para tomar, meus menino num gosta de aplicar em mim, eu mesmo tenho que aplicar, tem que ser na frente”. (E20)

A análise da figura 1 mostra a inadequação do tratamento realizado pelos sujeitos

da amostra, principalmente no que se refere à terapia não farmacológica, onde

apenas 3 sujeitos relataram fazer atividade física e somente 9 afirmaram fazer a

dieta regularmente. Durante o trabalho de campo, foi-se percebendo que as

pessoas, nas suas formas de significar e compreender sua doença, não entendiam

a dieta e a atividade física como parte do tratamento do DM e acreditavam que

apenas os medicamentos seriam suficientes para manter a glicose em níveis

normais. Rocha32, em sua tese de doutoramento, também mostrou que os

adoecidos com DM acreditavam que bastava tomar um remédio e que logo

estariam curados.

Você tem que tomar os remédio direitinho, né? Isto que resolve... o que resolve mesmo é a insulina. Se você tomar os remédio, você tem uma vida normal. (E20)

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47

Figura 1: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo o tratamento realizado.

O rastreamento dos fatores de risco associados ao agravamento das complicações

do DM também foi alvo da análise descritiva da amostra. Existem evidências bem

estabelecidas na literatura dos benefícios da atividade física na prevenção e no

manejo deste agravo. O exercício atua de forma específica sobre a resistência

insulínica e indivíduos fisicamente ativos possuem menor nível de insulina

circulante e melhor ação nos receptores de membrana. Além disso, o exercício

também atua sobre outros fatores de comorbidade, como a hipertensão, a

obesidade e a dislipidemia, diminuindo o risco da doença cardiovascular (DCV),

além de reduzir a necessidade de uso de hipoglicemiantes orais e de melhorar a

qualidade de vida.1

Outro fator de risco importante, que frequentemente se associa ao DM, é a

hipertensão arterial (HAS), sendo que a presença das duas doenças na população

geral é da ordem de 50%, o que requer o manejo das duas patologias num mesmo

paciente57. O tratamento da HAS é especialmente importante nos pacientes

diabéticos, tanto para a prevenção da DCV quanto para minimizar a progressão da

nefropatia e da retinopatia diabética.1

7

12

7

2

1

1

1

0 2 4 6 8 10 12 14

Insulina

Agente oral + insulina

Agente oral + insulina + dieta

Agente oral + insulina + Ativ.Física

Agente oral + insulina + Ativ.Física + dieta

Insulina + dieta

Nenhum tratamento

Sujeitos da amostra

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A figura 2 mostra o elevado grau de sedentarismo entre os participantes da

amostra, onde 28 indivíduos não realizavam exercícios físicos, e confirma a

associação entre DM e HAS na faixa de 67,7% das pessoas apresentando as duas

doenças. Os fatores de risco álcool e fumo não foram significativos na amostra

estudada.

Figura 2: Distribuição dos sujeitos da amostra segundo os fatores de risco e HAS referida.

Nota-se que os dados sociodemográficos e epidemiológicos obtidos na amostra

coletada correspondem ao perfil de pacientes diabéticos encontrados no Brasil. 8

5.2 A análise qualitativa: sentidos e significados do autocuidado com os pés

5.2.1 O diabetes e suas implicações nos pés

Durante a fase de análise qualitativa dos dados, foram identificadas as categorias

temáticas relacionadas ao autocuidado com os pés que emergiram da fala dos

sujeitos. As representações sociais dos pés e das práticas direcionadas ao seu

cuidado, construídas nas interações sociais presentes nas circunstâncias de vida

cotidianas dos sujeitos entrevistados, criaram imagens, hábitos e recordações que

foram sendo agrupadas em categorias de análise. Dessa forma, explorando o

corpus da pesquisa, a primeira categoria que emergiu relaciona-se ao diabetes e

suas implicações nos pés e abrangeu três subcategorias, conforme quadro abaixo:

28

3

1

21

0 10 20 30

Sedentarismo

Fumo

Etilismo

HAS

Sujeitos da amostra

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49

Quadro 1: Categoria e subcategorias das implicações do DM nos pés.

À medida que se avançou na análise do material coletado, percebeu-se a forte

significação que as pessoas entrevistadas faziam do diabetes como uma doença

do pé. O fato de o DM provocar várias manifestações clínicas nos pés fez com que

a doença fosse reconhecida dessa forma. Coelho, Silva e Padilha,3 em seu estudo

sobre representação social do pé diabético, mostrou que os pés apareciam como a

parte do corpo que mais preocupava os adoecidos ao se lembrarem do DM.

Percebe-se no relato abaixo que esta representação da doença estava ancorada

na percepção das complicações que poderiam surgir em seus pés e principalmente

na ameaça e no medo constante de uma amputação.

Ah, o que eu sei é que não pode deixar ferir, não pode ter frieira, não pode deixar rachar, porque a diabetes que eu tenho vem dos pé, né. (E30)

Segundo Moscovici,5 para transformar o não familiar em familiar, colocamos em

prática os mecanismos de ancoragem e objetivação. Tais mecanismos serão

percebidos nas falas dos sujeitos da pesquisa em todas as categorias de análise e

são utilizados por estes a fim de dar uma feição mais familiar ao diabetes.

5.2.1.1 As percepções das alterações nos pés

Nas representações que os sujeitos fizeram acerca dos problemas que poderiam

surgir em seus pés, notou-se o entendimento de que a doença teria um efeito

destruidor sobre a sua estrutura normal. Tal percepção mescla elementos da

própria realidade física dos sintomas e sinais vivenciados, quando os sujeitos falam

da dor, do ressecamento e da dormência nos pés, como também evidencia

elementos do conhecimento socialmente construído e compartilhado, quando um

sujeito entrevistado, tentando descrever mais claramente os problemas que o

diabetes causa nos pés, relata que o “osso cai e moi a carne”. Nessas falas,

CATEGORIA SUBCATEGORIAS

1

O diabetes e suas implicações nos pés

As percepções das alterações nos pés

O fantasma da amputação

A ferida que não sara...

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50

percebemos a presença do mecanismo de ancoragem, que, segundo Moscovici,5

trata-se de ancorar ideias estranhas e reduzi-las a imagens comuns, colocando-as

em um contexto familiar.

O pé fica dormente, né. Tem hora que a gente tem de parar... Cai osso e moi a carne. A gente num vê o chinelo, num sente...O havaiana cai do pé e a gente não vê. (E5)

Costuma a ferida tomar conta do pé inteiro, né? As vezes dá uma feridinha, a gente não olha, não importa, porque a gente acha que o pé é mais sem importância... Agente acha, né? Mais sem importância... Tem dia que eu tô com meu pé doendo, sem mais nem menos, eu tô andando e mancando porque o pé tá doendo. É falta de circulação. Porque não circula, o sangue fica grosso. (E10)

Porque os pé... eu sinto muita dor nas pernas, sabe. Muita dor no pé também. Tem dia que meu pé está doendo assim, sem mais sem menos ele esta doendo. Dói assim quando eu vou pisá. (E10)

Porque geralmente, como eles fala, a pele, os pé fica tudo ressecado. E até que realmente é verdade, né? (E6)

Entre as complicações crônicas do DM, a neuropatia diabética (ND) pode causar

sinais e sintomas motores, sensitivos e autonômicos, dentre eles, dor,

ressecamento dos pés, perda de movimento articular e de sensibilidade. A ND está

presente em 50% dos pacientes com DM2 acima de 60 anos e é também o

principal fator para o surgimento de úlceras nos pés.1

A percepção dessas alterações causadas pela neuropatia é concebida a partir de

interpretações adquiridas através da memória e de imagens que buscam uma

familiarização com a doença. O ato de representação é uma forma de tornar o

incomum em comum, o desconhecido em conhecido, fazendo a pessoa se acertar

com o não familiar, a fim de organizar sua comunicação e conduta5. Sendo assim,

é possível no relato a seguir visualizar esta tentativa de compreensão e

familiarização com os sintomas nos pés, onde o ressecamento da pele é objetivado

como uma terra seca. O mecanismo de objetivação visa “transferir aquilo que está

na mente em algo que exista no mundo físico.”5

Essa falta de água, essa secura nos pé... parece que a gente é uma terra seca, né. Ocê vai bebeno água, bebeno água... quanto mais cê toma água mais cê quer água. (E8)

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51

Em outra fala, o mesmo sujeito objetiva a fissura como uma cratera que vai abrindo

no pé. Dessa maneira, ele fala da lesão conforme a representação que faz daquilo

que vê. Neste processo de construção do conhecimento sobre a doença, ele

consegue dar uma forma mais comum para a fissura que encontra em seu pé e

explicá-la mais acuradamente. Tal mecanismo também o ajudará na elaboração de

atitudes que serão adotadas diante desta condição de saúde. Segundo Moscovici,5

as imagens e hábitos que aprendemos, as recordações que preservamos e as

nossas categorias culturais se juntam para fazer as coisas como as vemos.

Porque eu conheço gente que tem os pé rachado, ressecado desse jeito, mas num passa um creme porque diz que num adianta. Mas se você num usar, vai ficar cada dia pior, né? Aí vai abrindo aquela cratera no pé... Então tem que cuidar, a gente tem que ir tentando... alguma coisa tem que da certo pra melhorar. (E8)

Neste outro relato, o sujeito objetiva a consequência da falta de circulação que

acomete os pés, relatando que estes ficam como uma pedra. Assim, ele a reproduz

em algo que se pode ver e tocar; transferindo-a a uma esfera familiar, é capaz de

interpretá-la:

Pode dá aquele... quando o sangue não circula mais, como é que chama? Nos pés que... os pé incha, custuma ele ficar inté parecendo uma pedra... como é que chama quando o sangue não circula mais? (E27)

De forma semelhante, outros informantes buscaram objetivar as alterações que

foram surgindo em seus corpos com o decorrer da doença, sendo o ressecamento

nos pés um dos aspectos mais amplamente citados. Quando os ramos do sistema

nervoso autônomo, que inervam as glândulas sudoríparas, são lesados nas

pessoas afetadas pelo DM, elas suam menos, a pele fica seca e altamente

propensa a rachaduras e fissuras.58

Tentando transformar o ressecamento que acometia seus pés, algo abstrato na

visão dos adoecidos, em algo concreto e palpável, os indivíduos lançaram mão de

coisas que existiam em seu mundo real, tais como lixa e escama. O mecanismo de

objetivação presente nesses relatos possibilita que o ressecamento nos pés,

decorrente da neuropatia autonômica diabética, seja passível de interpretação e

consequentemente de controle por parte do sujeito.

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...depois daí uns dois dias que eu comi, meu pé se torna, parece...uma escama, ele escama tudo nos calcanhar por baixo, não por cima, por baixo dos pé. (E14)

É porque os pé junta uma lixa assim, né, e fica arranhando... ele vira uma lixa. (E15)

Nesse sentido, é possível perceber como os sujeitos buscam dar sentido e

significado a sua doença embasados em suas experiências de vida, ou seja,

naquilo que lhe é palpável e conhecido. Este fato mostra a força inquestionável das

representações, pois elas têm o peso de sua história, costumes e conteúdo

cumulativo e o invisível é inevitavelmente mais difícil de superar do que o visível.5

Em outro relato, a hipersensibilidade nos pés, decorrente da neuropatia, é

significada como uma pele fina e sensível. Segundo as diretrizes da SBD1, a

neuropatia pode ser detectada precocemente no DM2, muitas vezes desde o

diagnóstico, e, após cinco anos ou mais de doença, no DM1. Na tentativa de

elaborar uma explicação para o fato de não suportar o contato do seu pé com o

chão, este sujeito dá sentido a sua sensação objetivado na percepção de que sua

pele era muito fina, apesar de se saber que, devido à hiperqueratose e ao

ressecamento, a pele da sola dos pés de pessoas com DM tendem a ser mais

grossas e, neste sujeito, conforme se pode constatar durante a entrevista, havia

crostas e fissuras nos pés, com pontos de pressão e hiperqueratose:

Parece que a sola do meu pé é bem fina, não sei porque... num guento colocar o pé no chão. Eu num guento não. (E10)

Em muitas situações, as pessoas constroem seus modos de pensamento a partir

de fragmentos das teorias científicas repassadas pelos profissionais de saúde.

Estas informações, na maioria das vezes mal compreendidas pelos pacientes, são

reinterpretadas para legitimar o seu comportamento em saúde. Segundo

Moscovici,5 as representações refletem um conhecimento anterior e quebram as

amarras da informação presente. O depoimento a seguir mostra a interpretação

que o sujeito faz da explicação que recebeu da médica sobre sua ferida. Fica claro

como ele tenta ancorar situações que lhe são estranhas, no caso, a secreção que

inexplicavelmente escorria da lesão, em algo compreensível, normal e esperado.

No seu modo de interpretar a informação recebida, seria como se a secreção

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53

viesse limpando e retirando a ferida por dentro, sendo isto necessário e parte do

processo natural de cura da lesão:

...Mas essa secreção ela (a médica) diz que é normal. Agora eu não sei porque que é normal...deve ser porque vai arrancando a ferida por dentro, né? Deve ser arrancando, né?(E7)

Lacroix e Assal, citados por Rocha,32 ao comentarem em seu estudo as

experiências de sujeitos com DM, relataram “as dificuldades destes em

compreender a linguagem técnica utilizada por alguns profissionais nos programas

educativos.”

5.2.1.2 O fantasma da amputação

“As formas de pensar, vivenciar e lidar com o diabetes não são unívocas ou

absolutas podendo variar devido a mediadores como a classe social, a ocupação, o

estágio da vida, a idade, o grupo étnico, o gênero e outros.”30 Entretanto, o impacto

do aspecto mutilador que a amputação provoca nas pessoas com diabetes fez com

que, quando solicitados a se expressarem sobre os problemas que poderiam surgir

nos seus pés, todos os indivíduos deste estudo demonstrassem em suas falas o

medo, a ansiedade e a preocupação que tinham com este evento. Coelho, Silva e

Padilha3 constataram em seu estudo que o DM era representado como uma

ameaça de perder o pé e até a vida.

Estudos internacionais mostram que os portadores de DM têm quinze vezes mais

chances de sofrerem uma amputação do membro inferior quando comparados aos

não diabéticos, sendo o DM responsável por metade das amputações não

traumáticas no mundo.55 Esta alta prevalência faz com que o fato seja conhecido

até por pessoas leigas no assunto e esteja bem difundido na sociedade. No grupo

estudado, não havia pessoas com sequelas de amputação, porém todos os

participantes conheciam algum caso de amputação decorrente do DM, não sendo,

portanto, infundado o medo que demonstravam quando falavam do problema.

Nota-se nos relatos abaixo, carregados de hesitação ao se referirem à amputação,

o impacto emocional que a possibilidade de perda de partes do corpo como

consequência do DM causa em seus portadores. As pausas que faziam antes de

falarem a palavra “amputação” e as informações corporais transmitidas enquanto

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relatavam os casos que conheciam impressionavam pela angústia que passavam e

mostravam o peso que o fantasma desta mutilação tem no viver com o diabetes.

Eles objetivavam a perda de membros em suas falas através de imagens de um

corpo disforme, incompleto e sem identidade. A possibilidade de ter um membro

amputado representava tornar-se um ser imperfeito e incapaz.

Uai, ficar pior né, da um...uma doença, tem até que ... como é que fala? Amputar a perna, né? Muita gente corta os pé, corta os dedo... Deus me livre! Eu morro de medo. (E2)

Eu já ouvi falar sim. Já teve até uma conhecida, que trabalhava na escola, que não podia ter corte. E devido a isso, ela perdeu... Teve que... amputar dedo, depois o pé e inté a perna. Mas eu não vi. E ela tinha diabetes. (E3)

Então, eu tenho medo de machucar, porque igual eu estou falando pra você, graças a deus eu machuco e num instantinho cicatriza tudo. Mas eu tenho medo de... ser uma coisa mais... né. Amputação. (E6)

E... igual no caso dos pé, né. No caso, acontece com várias pessoas... até dentro da própria família mesmo aconteceu. Pessoa que machucou o pé e teve que... quase perdeu o pé. Ficou muito tempo internado lá na UAI, tirando aquelas parte debaixo ali... Entendeu? Até uma peça dela. Ela é diabética. (E6)

Ah, é muito triste, né... a pessoa, né... coitado! Ele num calça chinelo porque tem vergonha do pé. Sempre calça, sempre um sapatinho fechado. (E19)

Se a pessoa não cuidar costuma até... é...amputar, né, os dedo... E é uma feridinha assim, se num cuidar, vira ferida séria e acaba amputando os pé. (E27)

Já conheci uma pessoa.... Conheci mas já morreu. É... cortou o dedo, depois cortou a metade do pé, depois...amputou aqui, e aqui...ele morreu... (E29)

Estudos mostram que os pacientes que são submetidos a uma amputação em nível

menor têm maior risco de uma amputação subsequente; portanto um programa de

vigilância do coto remanescente e do membro contra lateral torna-se crucial para a

prevenção de futuras amputações.14

Não obstante, foi comum os informantes perceberem a amputação como um

processo contínuo e recorrente. Esta percepção estava ancorada na imagem

comum de pessoas que começaram amputando um dedo e terminaram perdendo

todo o membro. Segundo Moscovici,5 ancorar é classificar as coisas utilizando

paradigmas para comparar uma ideia que nos intriga e perturba, pois, quando não

somos capazes de avaliar algo ou descrevê-lo a nós mesmos ou a outras pessoas,

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55

não poderemos imaginá-lo ou representá-lo. Observa-se que, para estes sujeitos, ir

perdendo partes do corpo seria ter alterada toda uma existência e estar fadado a

viver na incompletude de um corpo faltando pedaços. Estas pessoas vivem o temor

constante de portarem uma doença devastadora que pode levar a amputações

recorrentes:

Meu pai perdeu os pé por conta disso, sabe... Então meu pai era assim, homem que bebia demais, sabe. Quando ele descobriu que ele tinha diabetes ele já tava praticamente no fim. Ele começou a cortar os dedo do pé, cortou dedo, cortou peito do pé, cortou pé todo, cortou meia canela, cortou até o joelho e foi cortando... até chegar em cima... (E14)

...que tem uns que corta a perna, uns corta o dedo, corta, corta, vai cortando... Eu num sei porque, esse problema de diabetes...eu num entendo nada. (E23)

Óia, dá aquele tipo de grangrena nos pé, então vai... então tem que cortar, e corta como! Dá no dedo, corta o dedo, depois aquele vai alastrando... alastra pra caramba, e vai cortando até no joelho. (E25)

Já ouvi falar do problema do diabetes, cortou dedo, assim sempre vai cortando os pedacinhos... questão do problema do diabetes. (E26)

Eu já ouvi falar que isso é perigoso e pode até cortar os pé, né. Desde que um amigo meu deu um problema, aí que teve que cortar os pé. Teve um amigo meu que teve cortar os dedo, foi cortando... A minha família, na verdade é uns três... três dos meus tio teve que amputar. É cortar a perna mesmo, cortar as perna mesmo, morreu sem perna mesmo. Um morreu com uma só, o outro teve que cortar as duas por causa do diabetes, por causa desse problema que dá assim no pé, e aquilo vai alastrando mesmo. (E28)

...se a gente não cuidar pode até vir a cortar, né. Tirar os dedo, ou os pé mesmo, né. Igual o meu irmão mesmo tinha. Ele começou no dedo, aí tirou o dedo, aí de repente passou prá perna, aí teve que cortar a perna também. Até tem uns dois meses e pouco que ele morreu. E foi assim, nessa situação, foi muito difícil... Então como se diz, eu estou com esse negócio, mas eu já estou vendo o negócio encaminhado, né. Aí eu peço a Deus prá me por para dormir antes de chegar lá. (E31)

Nas entrelinhas do relato abaixo, a palavra “ocultaram” foi utilizada para se referir à

amputação sofrida por algumas pessoas. Um membro oculto é algo não revelado,

não visto, e, portanto, presente apenas no imaginário das pessoas, sendo

esperado que elas o signifiquem a uma imagem do mundo real. O exemplo mostra

como é difícil nomear e representar algo tão ameaçador e ocultá-lo, talvez, seja a

melhor forma de enfrentamento encontrada por este sujeito. Segundo Peirce,16

algumas pessoas podem passar a vida mantendo fora do seu campo de visão tudo

que poderia lhes representar alguma ameaça e seria uma impertinência egoísta

achar que seu comportamento é irracional. O esforço para manter a amputação

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“oculta” e longe do que os olhos veem pode ser percebido no depoimento abaixo.

Evitar a palavra amputação mostra o peso que esta tem entre os adoecidos:

Sei que tem muitas pessoa que perde o pé, exclusive igual minha cunhada deu assim um machucado debaixo do pé dela, no dedão. Até hoje num sarou ainda... E ela ia amputar os dedo e ela é diabete. E aí, até umas bolas roxa assim por cima dos pé, sabe, num pode estourar. Aquelas bola roxa num pode estourar. Tem gente que já ocultaram, né, a perna , o pé...É lá da onde eu fiquei internada em Belo Horizonte. Tinha uma dona lá que tinha ocultado a perna por conta da diabete. (E30)

5.2.1.3 A ferida que não sara...

O conhecimento científico mostra que a probabilidade de cicatrização de uma

úlcera em um pé diabético é menor do que na população geral e esta pode ser

estimada utilizando-se testes vasculares não invasivos, tal como a palpação dos

pulsos da artéria tibial posterior e da artéria pediosa. A doença arterial obstrutiva

(DAOP) é o fator mais importante relacionado à evolução de uma úlcera no pé e já

está presente em 10% dos pacientes recém diagnosticados.1

As explicações causais para a dificuldade de cicatrização das feridas em pessoas

diabéticas elaboradas pelos sujeitos da pesquisa abrangiam diferentes ordens e

desenvolveram-se a partir do resgate das experiências de vida, da bagagem de

conhecimento e das crenças que guiavam seus entendimentos. Segundo

Moscovici,5 as representações circulam e se cristalizam por meio da fala, dos

gestos e dos encontros que acontecem em nosso cotidiano, portanto, pode-se

argumentar que a dificuldade de cicatrização de feridas era uma representação já

cristalizada entre os sujeitos da pesquisa.

Como no caso das amputações, o medo que as pessoas tinham de machucarem o

pé e a ferida não cicatrizar foi recorrente entre os entrevistados. Tal representação

estava ancorada tanto no saber científico repassado pelos profissionais de saúde

durante os atendimentos, que explicam aos pacientes a dificuldade de cicatrização

embasados na DAOP, quanto nas próprias experiências de vida destes sujeitos.

Era evidente que machucar os pés significava, para eles, estarem sujeitos a viver o

resto de suas vidas com uma ferida aberta que não cicatrizaria, ou, pior ainda,

evoluírem para a amputação. Tal percepção estava fortemente ancorada nos

diversos casos concretos de parentes e amigos diabéticos que vivenciaram a

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dificuldade de cicatrização de ferimentos e, muitas vezes, na própria experiência

vivida com suas lesões:

Pode acontecer que a unha pode lascar e ficar grande. E ela pode lascar e pode dar ferida no dedo. É difícil de cuidar, né? Porque diabetes não sara, não cicatriza as coisas fáceis. (E10)

A gente não tem muita facilidade para cicatrizar os machucado. Não sei, acho que é devido a isso, devido a cicatrização, né. A gente quase num cicatriza. (E11)

Surgir o machucado, né? Que num tem cura porque a pessoa..., é difícil sarar aquele machucado. Pelo menos eu já vi várias pessoa quando aquele machucado que fica crônico. Ele não sara, dá pra amputar perna mesmo, ele num sara, pessoa que não cuida, o doutor explicou... (E17)

O cuidado mesmo que eu as vezes procuro ter realmente é de não machucar. Dá medo de machucar e demorar cicatrizar a ferida ali ou corte que seja, a moça do posto me explicou. (E26)

Ah, isso aí na minha opinião , começa aquela frieirinha, vai coçando e o trem vai inflamando e num tem remédio que cura aquilo não, sô. (E28)

Óia, cê deixar bem limpinho, né. Num machucar, num deixar machucar, ter muito cuidado, né? Prá qualquer lesãozinha, né. Porque se tiver, conforme a lesão, num sara, né. Uma na minha mãe mesmo num sarou coitada. (E31)

5.2.2 As práticas de autocuidado com os pés

Para discutir as práticas de autocuidado que as pessoas realizam com seus pés e

suas representações sociais, torna-se imprescindível resgatar as experiências, os

valores e as crenças que orientam as atitudes desses sujeitos. Para tanto, é

necessário reconhecer que o conhecimento que guiará a ação dos pacientes é

sempre produzido através da interação deles com o mundo. Discutindo a maneira

como as pessoas tratam, distribuem e representam seu conhecimento, Moscovici5

conclui que: “o conhecimento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e

interagem do mundo, onde os interesses humanos, necessidades e desejos

encontram expressão, satisfação ou frustação.”

A dificuldade que os pacientes têm de abstrair sentidos das orientações de

autocuidado que são repassadas pelos profissionais de saúde e de incorporá-las

em sua rotina pode estar repousada no imenso fosso cultural existente nessa

relação, onde um lado não compreende a lógica e as atitudes do outro38. Talvez

esta seja a grande pergunta que devemos fazer antes de iniciar um grupo de

orientações sobre o autocuidado com os pés: estamos abertos para compreender a

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lógica que guia as ações de cuidado dos nossos pacientes? Pensando nisto, nossa

primeira tarefa como educadores em saúde deve ser mergulhar no mundo da

cultura destes sujeitos, lugar onde o conhecimento é gerado e transformado em

formas diferenciadas de cuidado. Temos necessariamente de nos entender e

dialogar, se quisermos transformar nossas orientações em atitudes concretas de

autocuidado em saúde.

Para tentar desvelar este universo cultural, onde as representações do cuidado se

cristalizam, e compreender as crenças que o guia, uma das perguntas que

nortearam este estudo foi: quais os cuidados diários que você realiza com seus

pés? A partir daí, emergiu a categoria de análise central deste estudo, onde os

sujeitos relatam as práticas de autocuidado realizadas com os pés. Esta categoria

foi desmembrada em subcategorias, de acordo com a frequência e o peso que

estas tiveram no corpus do material coletado e são demonstradas no quadro 2:

Quadro 2: Categoria e subcategorias das práticas de autocuidado

Estas subcategorias representam as práticas de autocuidado mais relatadas pelos

sujeitos do estudo, além do uso de receitas e plantas caseiras que serão discutidas

adiante, em um tópico à parte.

5.2.2.1 A higiene

A propagação do senso comum acerca da higiene como forma de autocuidado em

saúde criou entre os sujeitos da pesquisa uma visão de mundo, onde pés limpos

seriam, a princípio, pés livres de problemas decorrentes do DM. Segundo Rosa,59

“a modernidade disciplinou o homem fazendo com que ele aceitasse e buscasse os

CATEGORIA SUBCATEGORIAS

2

As práticas de autocuidado

A higiene

Lixar os pés

Secar os pés

A hidratação

O calçado

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59

ideais de beleza, limpeza e de ordem” e, nesse sentido, a sujeira poderia

representar para os pacientes uma desordem ou perigo a sua saúde. Constata-se

que os sujeitos da pesquisa têm representações próprias do que seja o

autocuidado e manter os pés limpos representa um elemento que pode lhes

garantir segurança com relação ao risco iminente de lesões. Embora no discurso

era propagada a ideia de que a higiene tinha um sentido marcante entre os sujeitos

do estudo, na prática isso nem sempre ocorria. Observou-se durante as visitas que

muitos deles estavam com os pés sujos e, enquanto falavam dos cuidados que

tinham com a higiene, tentavam justificar porque não estavam com os pés limpos

naquele momento. Esta constatação contrapõe a importância dada à limpeza dos

pés durante as falas e é fato que as condições de higiene que encontramos em

nossos pacientes nem sempre são favoráveis:

Limpar, né. Fazer as unha, lavar bem lavado, passar creme também, Hoje eu tô desse jeito, eu estava lavando lá fora, aí está sujo, mais é isso. (E17)

Cada cultura e cada sociedade possuem uma representação para a sujeira e para

a limpeza que são determinadas pelo contexto histórico e social. Nesse sentido, a

valorização da higiene pode estar ancorada também em práticas recontadas na

própria história do Brasil, onde os portugueses se intrigavam com o hábito dos

nativos se banharem por diversas vezes ao dia. Diante desse costume, repassado

por gerações e gerações, essa herança cultural dos povos indígenas de se

manterem limpos pode estar presente também nas práticas de cuidado em saúde,

visto que os comportamentos individuais estão subordinados a simbologias social e

historicamente construídas. Nesse caminho, Moscovici5 discorre que “todos os

nossos discursos, nossas crenças, nossas representações provêm de muitos

outros discursos e muitas outras representações elaboradas muito antes de nós e

derivadas dela”.

É preciso salientar que lavar os pés diariamente é uma orientação repassada pelos

profissionais de saúde aos pacientes diabéticos, embasada no conhecimento

científico difundido a partir do século XX pelos médicos higienistas. Podemos

perceber aqui que diferentes significados podem ser atribuídos à importância dada

à higiene pelos sujeitos da pesquisa, sendo que a incorporação do conhecimento

científico pelos pacientes também influencia esse comportamento.

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60

Vale ressaltar que a preocupação com a higiene isolada das outras orientações de

cuidado não garantirá os recursos necessários para prevenção das complicações e

lesões nos pés. As narrativas dos sujeitos nos trazem informações acerca da

elaboração das práticas de higiene como, por exemplo, o uso de buchas e

sabugos, produtos naturais muitas vezes encontrados nos seus próprios quintais e

que fazem parte de sua cultura, bem assim sua representação enquanto prática

essencial para garantir a saúde:

No caso é o seguinte: eu tô fazendo um serviço, por exemplo. Depois que eu faço o serviço, eu trato de tirar aquela areia que ficou entre os dedo, na sola do pé, tudo direitinho. Meto o sabuco, mais a bucha lá e limpo direitinho, enxugo bem enxugadinho, né? (E1)

Olha, primeiro lugar eu acho que é a higiene. A pessoa tem que ter higiene de toda parte do corpo. No caso da sujeira mesmo, eu acho que atrapalha em qualquer parte. (E6)

...tem que estar sempre ali, né, orientada a fazer é... é a higienização adequada dos pés, que é bem limpo os pés... (E14)

A limpeza e higiene, né... tomar um banho também, faz muita falta no corpo da gente, né? E continuar prá rente a vida. (E18)

Higiene, né. Uai, deixar sempre limpo, né. É importante né, é essencial. Eu uso... lavo com bucha... (E30)

Nesse contexto de valorização da higiene, a narrativa abaixo nos traz informações

sobre o uso do álcool como recurso para garantir a limpeza de ferimentos. O álcool

possui propriedades microbicidas, reconhecidamente eficazes para eliminar os

germes, que são bem difundidas pelos meios de comunicação e, portanto, bem

cristalizadas em nossa cultura. Apesar de não ser indicado jogar álcool diretamente

sobre uma lesão aberta e de se saber que o álcool ressecaria ainda mais a pele, a

representação que esse paciente fazia do seu poder desinfetante determinou a

ação de cuidado com a ferida por ele elaborada:

Essa ferida eu fui lavando, lavando, passando remédio mesmo, metiolate, álcool, isso que eu passei. Passava, lavava, lavava normal e depois vinha com álcool e jogava em cima. Prá desinfetar. (E16)

5.2.2.2 Lixar os pés

O hábito de lixar os pés, enquanto representação social do cuidado, revela uma

prática comum entre as mulheres, que o veem como uma forma de se livrarem da

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pele grossa e áspera localizada na sola dos pés e está ligado a um padrão de

higiene e beleza. Tal hábito, apesar de corriqueiro nos domicílios e entre os

serviços de pedicures, pode causar lesões nos pés de pessoas com DM,

principalmente entre aquelas que têm alteração de sensibilidade decorrente da

neuropatia diabética, sendo, portanto, contraindicada a sua prática.

Durante as entrevistas, foi possível perceber a valorização dada a essa ação,

entendida pelos pacientes como uma importante forma de cuidado com os pés.

Muitos indivíduos mantinham lixas de alumínio dentro dos banheiros e faziam o seu

uso regular durante o banho; entretanto o Consenso Internacional do Pé

Diabético14 recomenda a remoção de calos e crostas apenas com a ajuda de um

profissional de saúde treinado. É comum a presença de calos nos pés em pontos

de pressão e fricção e, geralmente, estes estão associados ao uso de calçados

inadequados, podendo ocorrer o desenvolvimento de ulcerações, se não tratados

adequadamente.

Partindo dessas ideias, é possível ver nas falas dos sujeitos como eles

representam e propagam os conceitos de pés bem cuidados relacionados a

padrões estéticos difundidos e estabelecidos na sociedade. As representações

sociais do cuidado com os pés aparecem como elementos relacionados à vaidade

e que reforçam a autoestima, visto que, ter pés bonitos e com boa aparência, livre

de calos e crostas, indicaria para eles, também, ter pés saudáveis e livres de

complicações do DM, justificando a sua ação:

Eu vou na manicure toda semana, fazer a unha. Toda semana, um cuidado que eu tenho, é manter minhas unhas aparadas. Lixar bem os pés também é importante. (E3)

Eu esfrego, mas eu passo a lixa... creme as vezes, né. (E6)

Eu lavo e passo aquela pedra de vez em quando. É... Pra lixar os pé. E lavo lavadinho, bem entre o meus dedos. (E7)

Ah, eu uso produtos, né. Próprios para fazer a unha, lixa... Quando vou tomar banho eu lixo o pé também. Já é um costume na hora de tomar banho de passar a lixa. Tem a de madeira, de alumínio e tem a pedra que já fica num lugar no banheiro, né? (E11)

Uso essa lixa é... igual lixa de parede que é colada num cabinho. Porque ele dá muita crosta, aí eu passo creme e quando molha eu sinto aquela crosta grossa. Aí eu lixo e sai. O pé fica bonito! (E13)

Eu ponho de molho na água. Eu ponho a água na vasilha e a água oxigenada e ponho os pé de molho. Depois lixo. (E14)

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Eu só lixo e passo... passo coiso e pronto. (E15)

Eu lixo o pé... Uai, tem que tirar aquelas pele grossa, né? Senão fica feio! (E17)

A narrativa do sujeito abaixo nos mostra uma tentativa extrema de se livrar das

incômodas e feias calosidades. A crença de que usar gilete para cortar calos

deixaria os pés livres das indesejáveis crostas, bem cuidados, esteticamente mais

bonitos e saudáveis levou este paciente a adotar uma prática altamente

contraindicada. Na sua representação, esta seria uma forma adequada de

autocuidado com os pés e, segundo Dewey,18 apesar de não termos conhecimento

seguro de nossas crenças, confiamos nelas o bastante para basear a nossa ação.

Fica muito ressecado e num é creme que faz ele hidratar rapidamente, não. Junta uma crosta! Às vezes chego até pegar a gilete e raspar um pouco das crosta que dá... E quando tem muito eu ponho a gilete no aparelho e vou tirando um pouquinho assim e depois eu passo a pedra lixa. Mas hoje, ainda está assim porque essa semana eu dei uma limpada nele. Mais aqui, óia, junta uma crosta branca dura mesmo, assim às vezes nem lixa com a pedra consegue limpar um pouco. Aí eu pego a gilete, ponho no aparelho e vou tirando pouquinho. (E26)

5.2.2.3 Secar os pés

Há bastante evidência de que secar bem os pés após o banho, principalmente

entre os dedos, pode prevenir lesões decorrentes de infecções fúngicas. Tal

orientação consta das estratégias de cuidado para a prevenção de úlceras nos pés

de pessoas com DM do Ministério da Saúde.13 A presença de micose interdigital é

potencializada pelo hábito de não secar os pés após o banho e pode levar até

mesmo à amputação em pacientes com DM, sendo necessárias ações educativas

que os empoderem e orientem sobre a importância deste cuidado.

Apesar de ser uma ação de cuidado fundamental para pessoas com DM, apenas 7

indivíduos do estudo mencionaram o ato de secar os pés após o banho, o que

demonstra que esta não é uma crença corrente e aceita como verdadeira e

importante para o cuidado com os pés. Segundo Moscovici,5 a representação

iguala uma imagem a uma ideia e, para a maioria dos sujeitos da pesquisa, a

imagem da lesão entre os dedos não está associada à ideia de que deixar de secar

entre os dedos pode favorecer uma ulceração. Poucos indivíduos ancoraram a

ideia de secar os pés como uma forma importante de autocuidado, sendo

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necessário criar-se uma dúvida em relação a essa conduta, instigando um

pensamento reflexivo que possa gerar crenças futuras sobre a relação entre secar

os pés e prevenir lesões entre os dedos, conforme observado nos relatos dos

pacientes abaixo, que adotavam essa prática:

Ela (a médica) falou comigo assim, que eu tinha que tomar muito cuidado com os pé. Que eu tinha que lavar os pé, secar bem seco. Porque os pé molhado, se eu não secar direito dentro dele assim, dá ferida. (E10)

Eu após o banho, eu além de enxugar bem entre os dedo, enxugar bem os pé, eu passo um creme... (E14)

Procuro secar porque eu tenho medo de dar ferida, ter aquela frieira... e medo de abrir mais, é só isso que eu faço. (E19)

Óia que eu cuido é o seguinte: na hora que eu termino o banho, toda vez que eu molho o pé, eu enxugo e uso entre meus dedo pra enxugar, papel higiênico. Eu vi fazer uma vez. Põe entre meus dedo que seca, ajuda a secar. (E25)

Sim, cuidado é não ficar com os pé molhado, secar direitinho depois do banho e mesmo na chuva assim. As vezes, andando na chuva, chegou enxugou tudo direitinho, não tem problema. (E28)

5.2.2.4 A hidratação

Dentre os problemas associados à neuropatia diabética, o ressecamento dos pés é

um dos mais frequentes e percebidos pelos pacientes. Essa constatação justifica o

fato de a hidratação ser uma preocupação marcante entre os sujeitos da pesquisa.

O estímulo ao autocuidado deve fazer parte das ações de prevenção de úlceras

nos pés realizadas pelos profissionais de saúde, sendo fundamental a orientação

para a hidratação diária com cremes, exceto entre os dedos.

Conforme dito anteriormente, o controle glicêmico rigoroso é o principal fator para a

prevenção da neuropatia diabética. Esta, após instalada, necessitará de cuidado

intensivo da equipe de saúde, compartilhado com o paciente, para a prevenção de

danos secundários. O Ministério da Saúde13 recomenda que seja realizada uma

inspecção cuidadosa da pele dos pacientes com DM, visando identificar possíveis

fatores de risco para lesões, incluindo, dentre outros, observar a presença de pele

ressecada e/ou descamativa.

Apesar de não seguirem, à risca, as recomendações do uso de hidratante nos pés,

diariamente, os informantes mostravam a percepção da necessidade de seu uso,

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construída na própria vivência com o DM. Para tanto, eles lançavam mão de

recursos caseiros familiares para garantir a hidratação e que faziam parte de seus

universos consensuais, constituídos “principalmente na conversação informal e na

vida cotidiana.”48

Uê! Eu tava passando aquele negócio que me arrumaram lá. E também já tá acabando, né. Passo sebo. (E5)

Aí eu passo o creme e põe o papel filme, daí ele amanhece mais... a pele hidratada. Se eu ficar muitos dia sem fazer isso, ele trinca todinho aqui, ó! Cê pode ver, aqui tá tudo trincado. (E16)

As vezes eu usei um creme caseiro, até minha cumadre fez. É dez melhoral, glicerina e um creme branco, né. Foi bom, afinou bem os pé. (E19)

É só passar assim... um sebinho de carneiro. (E23)

Uai, o que eu tô cuidando agora ultimamente é chegar de tarde eu tenho que lavar ele bem lavadinho... secar e passar aquele óleo de semente de uva. Aquele óleo é uma beleza para mim, cê precisa de ver que bom que é. Aí passo aquele óleo, esfrego ele bastante e daí um pouquinho eu calço uma meia. Aí eu durmo tranquilo. (E31)

5.2.2.5 O calçado

Quando solicitados a falarem sobre o calçado ideal para pessoas com DM, a

maioria das pessoas mencionou o fato de que este não poderia machucar os pés e,

portanto, usava calçados abertos para evitar lesões. É interessante ressaltar que o

uso do chinelo havaianas era visto por eles como uma ótima opção, pois eram

confortáveis e não machucavam os pés. Essa constatação contrapõe-se a todas as

orientações sobre o calçado recomendado para pessoas com DM, que deve ser

fechado, de couro macio e flexível, com forração interna passível de absorver o

suor, largura e altura suficientes para acomodar os dedos e sem costuras internas.1

É fato que, devido à perda da sensibilidade protetora, o trauma repetitivo causado

por um sapato apertado ou por fatores extrínsecos, como um trauma externo, pode

não ser percebido pela pessoa com DM e levar à formação de úlceras, sendo

imprescindível o uso de calçados fechados e confortáveis para a prevenção de

lesões nos pés desses pacientes.

Analisando as representações dos sujeitos, observa-se que a escolha do calçado

ideal abrangia significados que estavam associados apenas ao conforto e não

havia a percepção da importância do uso de calçados fechados para a proteção

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contra traumas provocados por agentes externos. O fato de muitos deles usarem,

preferencialmente, chinelos havaianas e rasteirinhas estava ancorado na crença de

que estes não poderiam machucar seus pés e, portanto, eles estariam livres de

lesões. É justamente a favor daquilo que é contraindicado, ou seja, o uso de

calçados abertos, que os sujeitos da pesquisa concentram suas representações

sobre o calçado ideal:

Ah, sempre um carçado que num incomode, principalmente aqui nas ponta do dedo. Eu num carço mais um carçado que prenda o meu dedo aqui, tem que ser aberto nos dedo para num incomodar.(E8)

É, é, rasteirinha sandália. Chinela havaiana eu uso, pra num machucar. (E16)

É só o chinelo que eu posso calçar, é só desse aqui que eu gosto mais (mostrou o chinelo havaiana no pé). Às vezes eu sinto queimando os pé, aí então eu gosto mais é desse aqui. (E20)

Usar chinelo e manter o pé limpo, é o que sei é isso, né. Na minha cabeça é o melhor. (E20)

Uso só, só chinela... pra num machucar. Só domingo, as vezes, eu calço um sapato pra ir na igreja, mas...(E21)

Eu acho que andar descalço dentro de casa tem o problema da friagem, né. É... Eu estou de chinelo agora, então eu nunca tiro chinelo do pé. Sempre de chinelo e eu não tiro. (E22)

Ah, num preocupo muito com calçado não, gosto de rasteirinha. Adoro rasteirinha, filha. Sandália e olhe lá de vez em quando! Só ponho sapato fechado quando vou viajar. (E30)

5.2.3. A influência do contexto sociocultural no cuidado

As práticas populares em saúde e as crenças religiosas são alternativas utilizadas

desde os tempos remotos pelas sociedades humanas, com o intuito de

desenvolverem a saúde física e buscarem um estado de bem-estar. Estas são,

geralmente, construídas nos âmbitos social e familiar, sendo vistas pelos sujeitos

como soluções ou respostas para os problemas de saúde vivenciados.

Analisando o conjunto das representações do cuidado elaboradas pelos sujeitos do

estudo, observa-se a forte presença de práticas não convencionais de saúde, como

o uso de chás e receitas caseiras, além da crença no poder de intercessão do

divino para a resolução dos seus problemas de saúde. O peso dessas

representações nos relatos dos sujeitos do estudo levaram à construção de duas

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subcategorias analíticas, que serão abordadas separadamente, conforme quadro

abaixo:

Quadro 3: Categoria e subcategorias da influência do contexto sociocultural no cuidado

Acredita-se que esse contexto reflete como os indivíduos e os grupos constroem

seu conhecimento em saúde e determinam a sua forma de enfrentamento

embasados no saber popular e que estes nunca estarão desligados de sua

inscrição social.

5.2.3.1. O uso de receitas caseiras... plantas que curam.

Apesar de, muitas vezes, serem rejeitadas pelos profissionais de saúde e pela

ciência, as práticas populares continuam sendo adotadas pela população para o

enfrentamento dos seus problemas de saúde. As pessoas do estudo buscavam-

nas para darem suporte as suas necessidades de controle do DM e,

consequentemente, protegerem seus pés de complicações, sem se preocuparem,

no entanto, com a cientificidade dos recursos utilizados.

Segundo Moscovici,5 o desenvolvimento da ciência colocou o saber popular e do

senso comum disposto em um polo separado e oposto ao saber científico, criando

formas diferentes de conhecimento e comunicação, cada uma gerando seu próprio

universo. O autor relata que as representações sociais constroem-se mais

frequentemente na esfera do senso comum, no conhecimento do cotidiano, embora

as duas esferas sejam complementares e não totalmente estanques. Moscovici5

defende a necessidade de reconhecer a legitimidade do universo consensual

(saber popular), que não deve ser denegrido enquanto um saber ingênuo e

inconsistente e, sim, ser visto como uma forma importante e significativa de

elaboração de práticas, dando uma identidade social ao que antes não era

identificado. Na mesma direção, Jodelet22 coloca a relevância do senso comum

CATEGORIA SUBCATEGORIAS 3

A influência do contexto sociocultural no cuidado

O uso de receitas caseiras... plantas que curam

A fé religiosa

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devido a sua importância na vida social das pessoas, direcionando práticas e

construindo uma realidade comum.

Os sujeitos do estudo, quando solicitados a falarem sobre o uso de chás ou

receitas caseiras para o cuidado com o DM e problemas apresentados nos pés,

foram quase unânimes em relatar que acreditavam na sua eficácia. As condutas

adotadas incluíam chás caseiros, banhos e alimentos naturais e baseavam-se em

crenças e experiências adquiridas ao longo da vida, que foram repassadas entre as

gerações. O uso de plantas estava ancorado na ideia de que se tratava de um

remédio natural, eficaz e saudável e estava respaldado pela tradição familiar:

...eu já tomei vários tipos de raiz, né? Tomo muito é a própria insulina que é plantada natural, tem uma insulina que é planta. Já comi uma mandioca... não é mandioca não, é batata que vende no supermercado. Já tomei é... Ah, são várias folha que o povo vão falando pra gente, aquela outra verdura que põe na água, verdura não é.......berinjela. (E11)

Eu faço tudo que eu vejo, o que eles fala que é bom eu tomo. Eu tomo chá da folha de insulina mesmo, chá da pata de vaca, aí você pode ir ali dentro que eu tenho uma vasilha cheia de chá ali, que já fiz hoje da pata de vaca, tudo natural. Aprendi com a minha mãe. (E17)

Ah, eu já tomei chá para baixar a glicose. Jalo, aquela fruta roxa... Jalão num é? Já tomei chá de unha de vaca... (E30)

Olha, eu usei muito tempo, até minha irmã coitada, ela preocupou muito com a gente. Aí, virava e mexia, qualquer chá que ela sabia que era bom ela trazia. Faz Maria, e bebe! Aí eu fiz muito tempo. Mas eu prometi pra ela...eu vou tomar esses trem tudo que você está mandando..... Um foi um tal de.... tem vários... é um... que tem um saquinho que veio vários tipos de plantas. Tem um tal de Pau Tenente, berinjela... Ah, eu sei que é umas cinco qualidade de folhas. Eu já vi e veio tudo misturado num saquinho, você já ouviu falar nele? Chá da vida? Esse remédio chama chá da vida. É ótimo. (E31)

Neste relato o sujeito compara o medicamento com veneno e enfatiza a visão das

raízes como natural e, portanto, benéficas para a sua saúde:

Mas as raízes é quase a mesma coisa dos remédios, tem um tempo também que vai determinar que você vai começar a sentir a melhora. Eu acredito que ajuda muito e depois, fora como diz o outro, os veneno que a gente toma... e é mais natural mesmo do que esses remédios de farmácia, laboratório, que tem muito produto químico. Então, acredito que ajuda sim basta, a pessoa acreditar e fazer uso direitinho que ajuda. (E26)

Observa-se que circulava entre os entrevistados concepções e práticas populares

que se diferenciavam do modelo biomédico dominante, podendo, em alguns casos,

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conflitar com princípios científicos do cuidado com o DM, conforme visto neste

relato, onde o sujeito afirma ser melhor tomar chá do que os remédios. Pode-se

perceber, aqui, a representação que ele faz da planta, como natural, familiar e

impregnada de afetividade, portanto só podendo fazer bem para a sua saúde. Já o

medicamento, por não vir da natureza e não estar ancorado em tais sentimentos, é

visto como algo prejudicial, agressivo ao corpo e que poderia provocar mais efeitos

colaterais:

Ah, tem tanta coisa! Tanta erva me falaram... é pau doce, tem uma árvore que chama pau doce, é bão. A casca do pé do cajú também é bão, já usei. Babosa... tem muitas coisa que as vezes num vem a cabeça agora. É... carqueja mesmo é bão pra... tudo que é amargoso as pessoa fala que é bão pra diabete. O meu marido é que gosta muito das erva, ele tem até uns livro aí que sempre a gente óia as erva pra que é bão, pra que não é. Aí, de vez em quando eu uso. Eu gosto de tomar chá com o meu marido, as vezes eu prefiro mais tomar o chá do que os comprimidos, porque os comprimidos deus me livre, né? Os comprimidos me fazem mal. (E26)

O fato do diabetes ser visto pelas pessoas como uma doença que deixa o sangue

doce pode estar associado à representação que faziam de que tomar chás de

plantas amargas ajudaria no controle da doença e, consequentemente, evitaria

complicações nos pés:

Chá eu gosto muito, de boldo, eu gosto de carqueja, eu até tenho na geladeira aí. A jurubeba era a fruta que eu comia. Você conhece Jaqueline? Não? Ela dá numa árvore, nuns cachos, parecendo ervilha... Diminui a glicose, quando eu comia diminuía. Porque ela amarga demais, demais, até trava aqui, ó. (E16)

Óia, já usei, a pata de vaca, e vários... é... tem um outro que eu num me arrecordo o nome... E mais a alimentação, né. É... como é que chama aquela coisa, é... brinjela, chá de brinjela. E, pata de vaca, e faço uso muito de jiló, coisa amarga... É bão, é bão, tudo que amarga é bão, quebra o doce. (E25)

Uma vez eles falaram assim que você usar o chá de carqueja de manhã, aquela que dá uma folha cumprida lá no caminho da barragem, eu ia lá buscar, que ajudava bem... Ía lá na barragem buscar... A gente ia lá e buscava e trazia e fervia o chá e esfriava. Aí, ia tomando... ele só fazia muita fome. Tomar coisa amargosa é bom pro diabetes... (E28)

No que concerne às práticas de cuidado baseadas em medidas domésticas

direcionadas especificamente para o cuidado com os pés, os participantes do

estudo representaram-nas em torno do uso de produtos farmacêuticos, plantas e

sebo de carneiro, ancorados na ideia de que estes teriam efeitos hidratantes,

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analgésicos e cicatrizantes, mostrando que, na vida diária, as pessoas constroem

formas diversas de enfrentamento dos problemas de saúde apresentados,

pautados nas suas crenças, que são ancoradas no saber popular:

Dez comprimidos de melhoral amassadinho, com meia medida de água oxigenada e meia de glicerina. Aí minha mãe também usava, né. Passava nos pé quando tinha umas rachadura, até ficar mais fininho. Eu já passei isso também. (E3)

Onde ela comprou eu não sei não. É sebo de carneiro, com alecrim, andiropa, arnica e aloe vera. Parece que ele tem canfora. É esse aí que ela comprou ontem... eu já usei. Dá uma aliviada boa no pé, muito boa mesmo, parece que entra nos poro da gente. Esse gel aqui, dá uma aliviada boa. (E8)

Eu já fiz produto caseiro que eu usava, agora eu num uso mais. Amassar um melhoral e por dentro do... como é que fala.....água oxigenada, volume 40, e deixar ele oito dias ali, de molho. Depois começar a passar nos pé, nos rachado, né? Aí educa, né. (E14)

Numa época, essa unha aqui ó, ela...esse cantinho aqui, ó, ela infeccionava, infeccionava... e eu colocava o pé com um pouco de água, vinagre e sal, na água de molho. (E16)

5.2.3.2. A fé religiosa

Analisando o conjunto das representações dos sujeitos do estudo, observa-se que

a fé religiosa também tem um forte valor simbólico no cuidado com o DM, fazendo

reduzir a sensação de perda do controle sobre a doença e fortalecendo o indivíduo

para o seu enfrentamento.

A religião ocupa um espaço importante na vida das pessoas e a fé religiosa pode

ajudá-las, dando sentidos e significados para as situações vividas diante de uma

ameaça a sua saúde. Faltando capacidade para explicar e dominar o DM, uma

doença que não tem cura e causa grande morbidade, as representações sociais do

cuidado ancorada na fé religiosa podem fazer mais que interpretar as situações

vividas com a doença. A fé tem uma força curativa própria e ajuda os acometidos a

terem esperança e otimismo em relação ao tratamento e à cura dos diversos

problemas que devem ser diariamente enfrentados pelos doentes crônicos. A

crença em uma entidade superior, que, por intermédio de uma pastora, teria sido

capaz de melhorar a sua saúde e, até mesmo, de retirar o “veneno” que estaria

causando os sinais e sintomas que apareciam em sua perna, pode ser percebida

nos relatos abaixo:

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... Na perna. Desse machucado aqui. Tem até um sinal, tá vendo? Aí deu esse sinal aqui e foi um tempão. Aí ficou vermelho, tudo vermelho assim, deu uns carocinhos, aí passou pra essa perna daqui e ficava queimando. Queimava mesmo! Vinha até aqui. Parece que tem até umas mancha. Aí eu peguei, fui numa pastora lá, tem uns 15, 20 dias mais ou menos. Aí ela orou pra mim, passou uma toalha assim, mandou passar, a menina, uma tolha assim. Aí foi no outro dia, o veneno foi acabando, acabando... (E20)

Eu gostei muito da pastora, sabe, eu... nossa senhora! Minhas perna só vivia inchada, eu só vivia com a perna inchada minha filha, você precisava de ver, disinchou minhas perna e eu fico o dia inteiro agora andando. (E20)

Esta outra narrativa mostra o sujeito colocando nas mãos de Deus a cura de uma

ferida aberta há mais de três anos. Ancorada na fé, o poder de Deus figura aqui

como um recurso que faria seu martírio terminar. Ele acredita que, agora, com a

força de Deus, seu mal chegará ao fim:

Igual aqui (mostrou uma ferida na perna), tá sarando, tá acabando de sarar agora, olha aqui! Isso aqui foi tudo ralado, né? Tá sarando. Mas já tem ano, mais de três anos... e graças a Deus agora chegou ao final, já sarou. (E1)

Neste outro caso, o sujeito buscou um centro espírita para benzer e ajudar no controle da doença:

Benzer já. Porque minha mãe era dona de centro espírita. Inclusive, depois que eu descobri que tinha diabetes, não demorou muito tempo e ela morreu. (E6)

5.2.4 As interpretações causais das complicações nos pés advindas do diabetes

Os sujeitos do estudo buscavam inferências causais para os problemas que

acometiam seus pés, criando teorias que expressavam suas maneiras de pensar e

compreender o diabetes. Tais teorias interpretativas fizeram emergir esta categoria

de análise, impregnada de relatos que tentam transformar algo estranho e

perturbador, como o ressecamento, a dor, as fissuras, a perda de sensibilidade,

dentre outros sinais e sintomas percebidos nos pés, em algo que poderia ser

classificado, explicado e nomeado por eles.

A busca da causalidade era fundamental para a concretização das ações de

autocuidado que eles elaboravam. Isso daria o suporte necessário para os sujeitos

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interpretarem e intervirem sobre os problemas que surgiam nos seus pés com o

decorrer da doença.

As tentativas de explicação da causa da DAP, que compromete a circulação nos

membros inferiores de pacientes diabéticos, resultaram na compreensão de que o

“sangue grosso” seria o causador da dificuldade de circulação sanguínea nos pés.

Segundo Barsaglini,4 pessoas com DM buscam nomear e localizar os problemas

vivenciados no corpo, a fim de torná-los concretos, evocando saberes biomédicos

e do senso comum. Para imprimir concretude ao problema vivenciado nos pés, os

sujeitos do estudo buscaram, neste caso, o conhecimento do senso comum, onde

a consistência do sangue seria alterada pelo fato deste estar cheio de açúcar e isto

levaria à dificuldade de circulação sanguínea:

Ah, o sangue vai engrossando muito, né... Fica pouca circulação, né, daí vem as ferida que num cicatriza, e aí as vezes tem que amputar.(E9)

Eu já pus na ideia que deve ser falta de circulação, né. O sangue fica muito grosso. O sangue do diabetes é muito grosso! Então ele num corre assim igual uma pessoa normal nas veia. Assim igual uma pessoa que num tem diabetes. Quem num tem diabetes o sangue é ralo, né. E o nosso sangue, como, é diabético, ele é doce. Então ele tem açúcar, ele fica grosso! E ele ficando grosso, ele num corre em todas as veia, assim tranquilo, né? Igual uma pessoa que não tem diabetes, não corre não... (E10)

É comum entre pessoas com DM a utilização do termo “sangue sujo” ou “sangue

ruim” para explicar a causa de vários problemas associados à doença. Segundo

Duarte,60 o sangue traz em suas representações dimensões morais e físicas que

irão explicar a sua qualidade, através de expressões como “sangue fraco” e

“sangue ruim”. Para o autor, esta representação pode tanto explicitar o fato do

indivíduo se reconhecer como pertencente a uma família portadora de um sangue

ruim ou enfatizar o fato do sujeito ter um sangue contaminado ou “estragado” pela

doença. São nesses sentidos, de reconhecerem a hereditariedade do DM e o fato

de estarem “contaminados” por uma doença que prejudica o sangue, que se

entende que se dava a apropriação dos termos sangue sujo e sangue ruim como

causas dos problemas nos pés:

Ah, como diz o outro, as vezes eu acho que depende da pessoa, porque na minha diabetes, no meu caso assim, eu machuquei o meu pé várias vezes já e não tive problema, cicatrizou rapidinho. Então, às vezes eu acho pode ser do problema da diabetes, as vezes já acho que num é...

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tem que acreditar no que o povo fala, tem uns que tem o sangue mais ruim, mas sujo, outros mais limpo, sei lá. (E26)

Sei informar você que o sangue ruim é genérico na família, é. Meu avô morreu também sobre esse problema, mas ele juntou um câncer também sabe. E é uma coisa passou para a outra e num teve jeito. Mas os meus tios tem morrido sobre isso mesmo, diabetes. (E28)

Nesta interpretação causal sobre as lesões nos pés, o adoecido representou o DM

como uma doença que, aos poucos, ia comendo não somente os pés, mas todo o

corpo:

O diabetes vai comendo né, tipo aí comendo, né. Se você não tomar remédio , vai comendo , vai crescendo ferida, né. Não só nos pés, mas pode até no corpo todo, né? Criar feridas... (E20).

Neste outro relato, o sujeito também tenta dar causalidade para a ferida no pé e

para a dificuldade de cicatrização:

Ah, pensar... eu sempre fico imaginado assim, será que é porque é uma doença que inflama, abre um buraquinho e o trem vai abrindo toda vida... não sei porque que dá. (E19)

É possível observar nestes relatos, muitas vezes recorrentes, tentando explicar a

causalidade dos problemas que surgem nos pés, como as pessoas falam entre si e

organizam discursos diversos, seguindo suas crenças, ancoradas no ambiente

físico, social e histórico.

Um paciente entrevistado atribuiu o desenvolvimento do DM como causalidade da

Hanseníase. Esta representação pode ser explicada pelo fato das sintomatologias

nos pés, em ambas as doenças, serem parecidas, além do fato de Betim ser uma

região endêmica e abrigar uma importante colônia de hansenianos, sendo,

portanto, a hanseníase muito conhecida pela população local:

Uai, é por conta dependendo... depende é do diabete mesmo, né. Que eu num entendo da diabete... se é por conta de alguma coisa no sangue... não sei se o diabete se torna, por exemplo, aquela doença que eles falam... aqueles lá da daquela coisa lá perto de Igarapé... aquela outra doença, de lepra. (E21)

Observa-se neste relatos, que tentam explicar a causalidade dos problemas

vivenciados nos pés, a permanência de lacunas entre o conhecimento científico e o

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conhecimento popular, que baseia-se nas experiências e vivências repassadas

entre gerações, vinculadas com o lugar e o tempo onde os fenômenos ocorrem.

5.2.5 A distância entre conhecimento e comportamento

A concepção positivista na qual a educação em saúde é realizada através de

“práticas impositivas e prescritivas de comportamentos ideais desvinculados da

realidade e distantes dos sujeitos sociais”23 tem favorecido a baixa adesão dos

pacientes às orientações repassadas pelos profissionais de saúde. Afirma-se que

as estratégias de educação para o autocuidado em saúde devem resgatar a cultura

popular e mobilizar a autonomia dos sujeitos, a fim de empoderá-los para as

mudanças necessárias. González e Lorig, citados por Rocha,32 afirmam que “o

respeito a diferentes crenças e práticas pode garantir a efetividade de um programa

educativo.”

A reflexão crítica sobre os motivos que levam os pacientes a não seguirem as

orientações, apesar de terem acesso ao conhecimento científico por meio dos

serviços de saúde e da mídia, representa uma ferramenta que pode propiciar um

início de mudança na elaboração de estratégias educativas. Para Freire,37 “ensinar

não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria

produção ou a sua construção”.

O uso de estratégias educativas autoritárias, que visam transmitir o conhecimento

médico científico sobre o DM do alto de sua superioridade ante o saber popular,

repercute na baixa adesão dos sujeitos deste estudo às orientações impostas. É

possível ver nos relatos que os pacientes tinham a informação científica para

realizar o autocuidado necessário, porém as barreiras culturais existentes entre

eles e seus educadores não favoreciam a sua internalização, continuando suas

ações baseados em suas crenças e experiências de vida.

O médico falou: usa a meia que sua perna é sensível e sua ferida não vai abrir, mas entra aqui e sai ali – uma galhofa. Eu vou usar a meia desse jeito assim, para ela sair pregada no machucado? Começa a dá cabecinha de prego, começa a dá uma coceirinha eu corro e ponho a meia. Aí melhora e eu tiro.(E7)

Olha. É como eu te falei. Mandava usar o calçado fechado, uma meia de algodão, né. Para evitar problema. Eu num uso por que eu num dou conta mesmo. E fazer a dieta direito. Quem da conta, né? Fazer é bom. Vive melhor! (E9)

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Aí ela (a médica) falou comigo assim: a Sra. seca, seca o pé, a Sra. leva para o banheiro duas toalha, toalha pequena para secar o pé. A Sra não vai secar o pé com a mesma tolha que a Sra. seca o corpo. Leva duas toalhas pequena para secar entre os dedos, seca o pé bem seco. Eu não faço isso não.(E10)

...Ah, eu nunca ouvi falar não. Quer dizer já sim, eu tô mentindo, já ouvi falar sobre o calçado correto... É quando você vai numa poeira, né, você tem que estar protegendo os calcanhar, né. Mas eu num ligo para isso não. (E30)

Barsaglini,4 observando a adesão de pacientes diabéticos às orientações médicas

sobre a dieta, concluiu que:

“O gerenciamento, enquanto ações empreendidas para “controlar” o diabetes e viver tão normalmente quanto possível, ao invés de total concordância e aderência às prescrições médicas centradas na dieta, no uso de medicamentos e na mudança de estilo de vida, é efetivado mediante “ajustes” que o adoecido faz sobre as recomendações médicas.”

Nesse mesmo sentido, o relato do sujeito abaixo sobre como orientaria um amigo

com DM mostra como o mesmo não aderiu às orientações médicas e a efetivação

do cuidado não foi garantida, apesar da informação recebida:

Uai, eu orientaria igual a médica me explicou. Eu que não faço, mas ela me explicou direitinho. Ela falou assim que o diabético não pode cortar a unha...., Ela diz que num pode deixar a unha crescer porque, no deixar a unha crescer, aí entra bactéria, né. Nós ficamos pisando por todo lugar, varrendo o quintal, fazendo uma coisa ou outra, aí penetra ali dentro da unha. Com a terra ali dentro da unha forma bactéria, faz ferida, né. E ferida leva o dedo a ficar ruim. (E10)

Enfim, reconhecer a diversidade e heterogeneidade social favorece a ampliação

dos canais de interação e de negociação das ações de autocuidado em saúde

elaboradas pelos sujeitos, permitindo uma interlocução respeitosa entre o saber

popular e o saber científico.

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6 CONCLUSÃO

O estudo mostrou-se oportuno para a compreensão das funções que as crenças

exercem nas experiências de aprendizagem, que guiam as ações de cuidado com

os pés elaboradas e praticadas pelos indivíduos com DM. Para tanto, utilizou-se a

Teoria das Representações Sociais como aporte teórico, por permitir conhecer o

entendimento popular sobre saúde e doença, tornando-o inteligível como forma de

prática de autocuidado em saúde. Ao identificar as representações sociais que

permeiam as práticas de autocuidado com os pés elaboradas pelos sujeitos do

estudo, foi possível compreender os contextos histórico, social e cultural que os

levava a agir diante da sua condição crônica e do seu tratamento.

O diabetes é uma doença crônica, cujo controle necessita de uma gestão diária do

adoecido. Percebeu-se que a representação do autocuidado com os pés dos

sujeitos do estudo manifestou uma forte influência do ambiente social,

evidenciando o uso de chás e receitas caseiras, a crença religiosa e outras receitas

de família. Assim, no senso comum, os sujeitos do estudo criavam maneiras

próprias de compreender a doença e suas implicações nos pés, definindo suas

ações de cuidado guiados por suas crenças.

É importante salientar que as crenças não são estáticas, sendo passíveis de

mudança com o tempo. Para a construção de novas crenças, compartilhadas com

o saber científico, é preciso levar os pacientes a fazerem uma reflexão crítica sobre

suas formas de entendimento da doença e de elaboração do cuidado, assimilando

que estas estão relacionadas ao local onde viveram, a sua cultura e as suas

experiências, recordações e costumes. Problematizando as crenças, é possível

mostrar que estas não são aceitas e seguidas por todos, conseguindo-se, talvez, a

construção de um espaço oportuno para que ocorra uma mudança e adesão a

novas práticas de cuidado com o diabetes.

A representação do diabetes como “a doença do pé” está ancorada no impacto que

a ameaça de uma amputação causa nas vidas dos sujeitos deste estudo. Estes

demonstraram em suas falas o medo, a ansiedade e a preocupação que tinham

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com o evento, porém isso não repercutia em maior adesão às orientações de

cuidado com os pés repassadas pelos profissionais de saúde.

Foi possível observar neste estudo que existe uma grande distância entre receber

uma informação sobre as devidas formas de cuidado e incorporá-la como atitudes.

Nesse contexto, visualiza-se que a dificuldade para se conseguir a adesão às

orientações repassadas reporta a importância de se levar em conta, na

implementação de programas educativos, as crenças e os valores em que

repousam as formas de cuidado elaboradas pelas pessoas com DM. Para tanto,

torna-se imprescindível a criação de vínculos entre os profissionais de saúde e o

fazer e pensar cotidianos dos pacientes com DM. As evidências oferecidas por este

estudo revelam que as crenças estão na base das escolhas realizadas pelas

pessoas com diabetes e, portanto, é preciso superar o fosso cultural existente entre

estes e seus educadores.

Pesquisas futuras devem propor estratégias de educação em saúde para pessoas

com DM que considerem as vivências e ações do adoecido, suas interpretações

sobre essas vivências e o contexto sociocultural que as determina. É necessário

desenvolver propostas de educação para o autocuidado com os pés que favoreçam

a integração sociocultural dos sujeitos envolvidos e que não privilegiem o

aperfeiçoamento de técnicas impositivas de difusão de conhecimento e de

mudança de comportamento que desqualifiquem o saber popular.

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APÊNDICE

Apêndice A

Instrumento para entrevista de avaliação dos perfis demográfico, diagnóstico social e epidemiológico

Nome :_____________________________________________________ Questionário número: ____________ Faixa etária: ( ) 18 a 28 ( ) 29 a 39 ( ) 40 a 50 ( ) 51 a 61 ( ) 61 a 71 ( ) > 71 Sexo: ( ) M ( ) F Estado civil: ( ) Solteiro ( ) Casado ( ) Separado ( ) Viúvo Renda: ( ) 1 a 2 salários mínimos ( ) 3 a 4 ( ) 5 a 6 ( ) 6 a 7 ( ) mais de 7 salários mínimos Escolaridade: ( ) Analfabeto ( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino médio completo ( ) Ensino superior incompleto ( ) Ensino superior completo

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Número de pessoas no domicílio: ( ) 1 ( ) 2 a 4 pessoas ( ) 5 a 7 pessoas ( ) mais de 8 pessoas Situação de moradia: ( ) própria ( ) alugada ( ) cedida ( ) outro:___________________ Tempo de doença: ___________________ Tipo de diabetes: ( ) Tipo 1 ( ) Tipo 2 ( ) Diabetes gestacional ( ) Outros tipos Tratamento realizado (pode haver mais de uma resposta): ( ) Nenhum ( ) Hipoglicemiantes orais ( ) Insulina ( ) Dieta ( ) Atividade física Fatores de risco e doenças concomitantes referidas(pode haver mais de uma resposta): ( ) Fumante ( ) Elitista ( ) Sedentário ( ) HAS ( ) outras____________________

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Apêndice B

Roteiro de entrevista aberta

1- Conte-me o que você sabe sobre os problemas que podem surgir nos pés de pessoas portadoras de diabetes? 2 - Em sua opinião, o que causa estes problemas? 3 - Você realiza cuidados diários com seus pés? Se sim, explique como realiza. Se não, fale o porquê. 4 - O que você acha que pode acontecer se você não cuidar dos seus pés? 5 - Você acredita que o uso de medicamentos pode evitar o surgimento de lesões nos pés? 6 - Quais os cuidados podem prevenir o surgimento de lesões nos pés de diabéticos? 7 - Em sua opinião, qual a importância do autocuidado para a prevenção de lesões nos pés? 8 - Você faz ou já fez uso de alguma receita caseira, chás ou benzeção para tratar de algum problema relacionado ao seu pé? 9 – Como você orientaria um paciente diabético sobre o cuidado com os pés?

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Apêndice C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está convidado para participar da Pesquisa “Crenças que permeiam a prática do autocuidado com os pés em pacientes diabéticos: um estudo qualitativo”, sob a responsabilidade da pesquisadora Jacqueline do Carmo Reis. Este estudo pretende compreender as crenças que permeiam as práticas de autocuidado com os pés em pacientes diabéticos e, caso aceite participar, você estará contribuindo para a indicação de novas práticas de educação em saúde para o autocuidado com os pés destes pacientes, construídas a partir de suas crenças. Sua participação é voluntária e se dará por meio de: ( ) Responder às entrevistas estruturadas e semiestruturadas (estas entrevistas serão gravadas). ( ) Participar de um encontro em grupo coordenado pela pesquisadora. Mesmo após consentir sua participação, o Sr(a). tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados, independentemente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. O Sr(a). não precisa responder a qualquer pergunta, se sentir que ela é muito pessoal ou algum desconforto em falar. O(a) Sr(a). não terá nenhuma despesa e também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados em revistas especializadas e dissertação de tese de mestrado, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Para qualquer outra informação, o(a) Sr(a). poderá entrar em contato com a pesquisadora no endereço de e-mail [email protected], pelos telefones (31) 35312897 e (31) 97012897, ou poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/IEP, na Rua Domingos Vieira, 519, Santa Efigênia, Belo Horizonte (MG), telefone (31) 32388838. Consentimento Pós–Informação Eu,___________________________________________________________, fui informado sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha colaboração, tendo entendido a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, ciente de que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com cada um de nós. ____________________________________ Data: ___/ ____/ _____ Assinatura do participante _____________________________________ Impressão do dedo polegar Assinatura da pesquisadora responsável Caso não saiba assinar