instituições e governo espanhol no brasil 1580-1640

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  • 7/21/2019 Instituies e governo espanhol no Brasil 1580-1640

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    Instituies e governo espanhol no Brasil

    1580-1640

    *

    Roseli Santaella Stella

    2000

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    memria do meu av

    Juan Cuesta Santaella que,

    na minha mocidade,

    ao contar histrias da Espanha,

    aguou-me o desejo de conhecer a verdade.

    Maria Jos e Manoel,

    ao Gennaro,

    Sandro, Daniella e Lauana

    pelas horas dirias que os privei

    da dedicao de filha, esposa e me.

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    INTRODUO

    ........................................

    Ouvido tinha aos fados que viria

    U~a gente fortssima de EspanhaPelo mar alto, a qual sujeitaria

    Da ndia tudo quanto Dris banha,

    E com novas vitrias venceria

    A fama antiga, ou sua ou fosse estranha,

    Altamente lhe di perder a glria,

    De que Nisa celebra inda a memria.

    ........................................

    Luiz Vaz de CamesOs Lusadas (Canto Primeiro, verso 31)

    A historiografia consagrou idias a respeito da unio ibrica que precisam serrevistas mediante interpretao documental, fato incomum na cincia histrica.

    Face aos pressupostos consagrados e ao conhecimento que se tem sobre a concepodo Estado espanhol durante os sculos XVI e XVII, naturalmente surgem as indagaesa serem argidas nesta tese: o Brasil tornou-se espanhol durante o perodo dos Filipesou permaneceu portugus como quer a historiografia tradicional? Neste quadro, comoteriam se comportado os reis da Espanha no exerccio do poder real sobre a Colnia

    lusa? Como se dava a conduo dos assuntos brasileiros no contexto da administraofilipina? Como se integraram os organismos hispano-portugueses para a deliberaosobre temas coloniais?

    Estas questes norteiam nosso exame do perodo filipino, pois o objetivo do presenteestudo verificar se o governo do Brasil entre 1580 e 1640 foi conduzido por diretrizesespanholas ou portuguesas. Ou seja, constatar se houve ingerncia filipina na conduodo governo colonial.

    O grande problema a ser vencido ser trabalhar o governo filipino fragmentado porperiodizao a partir dos sucessivos Filipes. Por isso, optamos por no dividir a

    abordagem em reinados, pois a substituio de um Monarca por outro, em 1598 e 1621,no significou a interrupo da linha de conduta do processo decisrio e nem impediu aconcretizao de medidas tomadas pelos reis anteriores. Entretanto, como o processo deao rgia nem sempre retilneo, agrupamos os acontecimentos que mereceram maiorateno governamental.

    Vrias questes sobre o perodo, de ordem econmica, poltica e administrativa,encontram-se sem respostas. Os poucos trabalhos existentes no atingem o corpo dedecises dirigidas ao Brasil como parte integrante do imprio espanhol.

    Aqueles que abordam o perodo filipino, no geral tratam das incurses estrangeiras,

    da ocupao territorial, da ao do Santo Ofcio e de alguns aspectos comerciais, semcontudo verificar quem norteava o rumo das deliberaes durante aqueles sessenta anos.

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    Nesse sentido, em 1923, Max Fleiuss adiantou-se na interpretao do governo dosFilipes ao afirmar que Portugal havia perdido a soberania, sem no entanto perder anacionalidade1.

    Anos mais tarde, A. Fernanda Pacca de A. Wright, ao abordar os traos gerais dessa

    fase no Brasil, sugeriu que certas medidas tomadas indicavam mudanas na orientaoda colonizao e da penetrao. Em vista disso questionou:

    Quais os motivos de todos esses acontecimentos? Norma "poltica" espanholapara o Brasil ou simples ausncia de uma poltica colonial, propriamente dita,para o Brasil e por isso capaz de impedir o natural desenvolvimento dapenetrao e da expanso partindo dos pontos iniciais de colonizao?2

    At ento, costumava-se aceitar idias de que no tocante ao Brasil no houvemudanas, salvo aquelas decorrentes das incurses estrangeiras e da ocupaoterritorial. Isso porque se acredita, at hoje, que o juramento feito por Filipe II s Cortes

    reunidas na vila de Tomar, em abril de 1581, garantiu a continuidade da ao lusa noReino e nos territrios anexados. Tanto que para o Brasil s vieram governadoresportugueses, o que refora a idia da aparente ausncia da Espanha na histria polticabrasileira da poca.

    Aceitar que o juramento de Tomar foi cumprido risca em seus vrios aspectosdenuncia, mais que ingenuidade, o esquecimento de fenmenos sociais e outros fatoscuja contextualizao abrange grandes dimenses:

    .o sentimento luso com a sucesso espanhola exacerbou-se no Sebastianismocomo crena no retorno de D. Sebastio. Influenciando as atitudes mentais da culturae o pensamento filosfico-poltico, manifestou-se na literatura e na histria;

    .o maior xito da poltica Filipina foi a consecuo da unidade ibrica, fruto dosenlaces matrimoniais que desde o sculo XV Portugal e Castela vinham realizando.A unidade no trouxe apenas um reino a mais para a Espanha, mas o segundo maiorimprio colonial do tempo;

    .na Espanha do sculo XVI, o conceito de realeza e de Estado era indissocivel dopoder derivado da autoridade real como instncia superior aos interesses particulares.

    No conjunto dessas circunstncias o Brasil deve ser situado para a anlise da aofilipina.

    De um modo geral, os estudos existentes dando nfase aos episdios marcantesocorridos em nosso territrio, bem como aqueles que abordam em Portugal a fase pr-filipina, os movimentos anti-espanhis e a fase pr e ps-revolucionria da restauraono definem se houve supremacia espanhola na conduo do governo metropolitano ecolonial.

    1. Cf. Max Fleiuss.Histria Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1923, p.49.

    2. Cf. Antonia Fernanda Pacca de Almeida Wright. O Brasil no Perodo dos Filipes (1580-1640). In:Srgio Buarque de Holanda. Histria Geral da Civilizao Brasileira . So Paulo, Difuso Europia do

    Livro, 1963, t.I, v.1, p.180-181.

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    Um balano dos trabalhos relativos unio ibrica demonstra, sem sombra dvida,que esto longe de serem satisfatrios. Estudos sobre as relaes entre o poder central eos ncleos coloniais so mais raros ainda.

    Manuel Bustos Rodriguez, ao discorrer sobre a historiografia dessa fase, aponta trs

    temas principais a que espanhis e portugueses dedicaram-se at a dcada de oitenta.So eles: os antecedentes da unio e suas implicaes, o exame do reinado de Filipe II eo desenvolvimento da crise que culminou com a restaurao do trono3. Entretanto, a

    partir de 1980, estudos desenvolvidos por historiadores de ambos os pases permitiramalcanar avanos na interpretao do perodo.

    As pesquisas levadas a cabo na Espanha por Santiago Luxn y Melndez4e FernandoJess Bouza lvarez5, e por Antnio M. Hespanha 6e Antnio de Oliveira7em Portugal,lanaram luz sobre aspectos polticos reveladores do governo dos reis da Espanha.Provavelmente uma constatao de Joaquim Verssimo Serro chamou-lhes a ateno:

    Por motivos que radicam ancestrais sentimentos e que tm levado a ignorar oproblema nas suas linhas fundamentais, pode afirmar-se que a poca filipinacontinua a ser a mais ignorada da histria portuguesa. Basta dizer que oexcelente manancial do Arquivo de Simancas est quase todo por aproveitar ...8.

    Por aproveitar encontrava-se tambm em 1960, quando A. Fernanda Pacca de A.Wright apontou o mesmo arquivo espanhol como o grande depositrio de documentosinditos desse perodo pouco conhecido9.

    A maior parte da documentao compulsada nesse arquivo refere-se ao Conselho dePortugal criado em 1581. Este rgo foi o mediador das relaes entre a Corte e o Reinoluso, constituindo-se no principal instrumento da ao rgia. Por isso nossas pesquisas

    basearam-se em seu manancial, pois esta fonte perene revela a maneira pela qualprocessavam-se as deliberaes para dirigir todo o imprio portugus.

    3. Cf. Manuel Bustos Rodriguez. Los Historiadores Espaoles y Portugueses ante la Unidad

    Peninsular. Gades. Revista del Colegio Universitario de Filosofia y Letras de Cadiz, Cadiz, 1983, n.11,p.161-181.

    4. Cf. Santiago Luxn y Melndez,La Revolucin de 1640 en Portugal. Sus Fundamentos Sociales y

    sus Caracteres Nacionales. El Consejo de Portugal: 1580-1640. Tese de Doutorado apresentada Universidad Complutense de Madrid, 1988.

    5. Cf. Fernando Jess Bouza lvarez.Portugal en la Monarquia Hispnica (1580-1640): Filipe II, lasCortes de Tomar y la Gnesis del Portugal Catlico. Tese de Doutorado apresentada UniversidadComplutense de Madrid, 1986.

    6. Cf. Antnio M. Hespanha. Vsperas del Leviatn. Instituciones y Poder Poltico (Portugal, SigloXVII). Madrid, Taurus Humanidades, 1989.

    7. Cf. Antnio de Oliveira. Poder e Oposio Poltica em Portugal no Perodo Filipino (1580-1640) .Lisboa, Difel, 1990.

    8. Cf. Joaquim Verssimo Serro. Histria de Portugal: Governo dos Reis Espanhis (1580-1640) .Lisboa, Editorial Verbo, 1979, v.IV, p.4.

    9. Cf. Antonia Fernanda Pacca de Almeida Wright. O Brasil no Perodo dos Filipes (1580-1640),p.176.

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    A falta de estudos estruturais sobre os fundamentos do perodo filipino no Brasil fezcom que o tema ficasse margem da historiografia em geral, o que nos levou a anlisede textos originais. Estes poderiam ser considerados superados, caso pudssemos contarcom obras recentes e at mesmo clssicas, que dificilmente perdem o seu valor deatualidade.

    Para atingir a meta proposta inicialmente, a conjuntura organizacional na qual oBrasil foi inserido ser examinada atravs da reconstruo da estrutura poltico-administrativa de ambos os imprios.

    A relao orgnica poder indicar o grau de participao institucional no processodecisrio das matrias referentes ao Brasil. Tais matrias sero consideradas na medidaem que demonstrem a inter-relao administrativa que dever, por sua vez, indicar a

    preponderncia de certos rgos.

    As notcias a respeito do Brasil chegadas ao conhecimento dos monarcas espanhis

    merecero destaque, pois segundo ressalta Manuel Fernndez lvarez, todo Estadosempre careceu de informaes, "a fim de afirmar-se tanto no interior onde aspira a umpoder irresistvel, como no exterior, onde trata de alcanar o maior grau decompetncia possvel."10

    Delimitado o escopo do presente trabalho, abordaremos os fundamentos polticos einstitucionais nos quais se encontrava assentada a monarquia espanhola no momento dasucesso lusa. Com isso pretendemos demonstrar como o Brasil foi inserido no impriofilipino.

    Os antecedentes histricos da unio peninsular, bem como o exame dos interesses deFilipe II com relao ao Brasil, devero apontar o grau de importncia da fatiaamericana que lhe faltava para tornar absoluto o seu poder em terras do novo mundo.

    Nortearo o estudo o contexto poltico-econmico e o papel geopoltico representadopelo Brasil na manuteno do imprio colonial espanhol, tendo como base as matriasbrasileiras. A anlise das expectativas espanholas referentes ao Brasil no conjunto daobra colonizadora em continente americano dar fundamento ao exame institucional.

    O horizonte de nossas preocupaes ser a anlise das relaes entre a monarquiafilipina, Portugal e o Brasil, de tal maneira que nos permita em ltima anlisecomprovar se durante a unio peninsular a Colnia foi norteada por diretrizes polticasespanholas.

    No se perdendo de vista o objetivo enunciado, optamos por um enfoqueinstitucional para estabelecer os fundamentos da deciso poltica sobre os assuntos

    brasileiros no escalo do poder central.

    Procederemos tambm ao exame das relaes do Conselho de Portugal, no conjuntodos organismos que formavam o emaranhado da tecitura poltica do Estado, paradetectar o exerccio do poder e a elaborao das decises polticas.

    10

    . Cf. Manuel Fernndez lvarez. Los Instrumentos del Estado en el Exterior. In: Ramn MenndezPidal (fund.). Historia de Espaa: el Siglo XVI, Economia, Sociedad, Instituciones. Madrid, Espasa-Calpe, 1989, t.XIX, parte 3, p.689.

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    Nosso intento ser o esclarecimento das relaes entre o poder central e o poder dePortugal metropolitano com a Colnia, e como se deu o governo espanhol no Brasilatravs das aes dos Filipes entre 1580 e 1640.

    Na abordagem da conjuntura poltica do perodo, recorreremos ainda s obras

    literrias para ilustrar o momento em que o Brasil se encontrava sob a gide de umimprio em ascenso, para algumas dcadas depois conhecer a decadncia. Cervantes,atravs de Dom Quixote, expressa o desengano diante dessa realidade.

    Longe de constituir-se na abordagem global do governo dos Filipes da Espanha noBrasil, este trabalho fruto do nosso interesse em conhecer a realidade poltica do

    perodo. E no pretende esgotar a possibilidade de novas interpretaes e pesquisas.

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    ABREVIATURAS E SMBOLOS UTILIZADOS

    AGI = Arquivo Geral de ndias, Sevilha.

    AGS = Arquivo Geral de Simancas, Valhadoli.CH = Audincia de Charcas.

    DOC = documento.

    f = folha.

    K = indica documentos da Secretaria de Estado transferidos para Frana, ondeforam catalogados recebendo este sinal que foi conservado.

    LEG = legajo (mao de manuscritos no encadernados).

    LIV = livro.

    MPD = Mapas, Planos e Desenhos.

    ms(s) = manuscrito(s).

    p = pgina.

    ps = pgina seguinte.

    r = rosto.

    SD = sem data no original.

    SE = Secretaria de Estado.

    SI = sem indicao de pgina ou documento.

    SP = Secretarias Provinciais.

    v = verso.

    \ / = indica adio de dado.

    / / = indica espao em branco no original.

    # = indica 1 pgina sem numerao no livro ou no legajo.

    ? = dvida no campo

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    SIGNIFICADO EM PORTUGUS DAS ABREVIATURAS EPALAVRAS COM TIL

    A transcrio dos sinais grficos empregados neste trabalho no est de acordo com

    as normas paleogrficas, porque no foi possvel adaptar o processador de textoutilizado.

    No caso do til, este no se encontra sobre a vogal ou consoante. Acha-se depois,exceto no caso do a e do o.

    No caso do ponto, este no se acha sob a vogal ou consoante. Encontra-se antes.

    algu, allgu = alguma

    andare~ = andarem

    art.a= artilharia

    be~ = bem

    cesste = cessante

    chceler = chanceler

    c = com

    cceder = conceder

    ccedidos = concedidos

    cde = conde

    cons.o= conselho

    cprehenda = compreenda

    cquista = conquista

    cquistados = conquistados

    cselho = conselho

    csigo = consigo

    cvenir = convenir, convir

    cveniere = convierD.o= Diogo

    D.te= Duarte

    descende~tes = descendentes

    descubriere~ = descobrirem

    desp.o= despacho

    despache~ = despachem

    de~tro = dentro

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    dez.e= dezembro

    dh = dicho, dito

    Elduq~ = o duque

    enquto = enquanto

    ente~da = entenda

    est = esto

    estrgeiros = estrangeiros

    estuviere~ = estiverem

    faze~da = fazenda

    fran.co= Francisco

    g.e= guarde

    Govero r= Governador

    govern.res= governadores

    grde = grande

    grmo = Gernimo

    have~do = havendo

    home~s = homens

    houvere~ = houverem

    hu~ = hum, um

    hu = huma, uma

    ite~ = item

    jurame~to = juramento

    lic.a= licena

    m.tas= muitas

    m.to, mto = muito

    mda = manda

    Mag.d= Majestade

    matg, m.t= majestade

    navegue~ = naveguem

    necess.o= necessrio

    neg.os= negcios

    nenhu = nenhuma

    p., pa= para

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    porq = porque

    primeirame~te = primeiramente

    q, q~ = que

    qualq~r = qualquer

    respder = responder

    Rivo= Rivero

    S.os= senhorios

    S.M., S.Mag.de= Sua Majestade

    S.res= senhores

    serv.o= servio

    Sr., Sor = senhor

    stdo = estando

    sup.ca= suplica

    superynte~dencia = superintendncia

    supp.te= suplicante

    tambe~ = tambm

    toctes = tocantes

    viere~ = vierem

    vine~ = virem

    Vmd, Vm.d, V.Magde, VMagde, V.Mg.de, V.M. = Vossa Majestade

    V.S.a= Vossa Senhoria

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    CAPTULO 1

    O PODER REAL ESPANHOL E A INSERO DO BRASIL NO

    IMPRIO DOS FILIPESA ao dos Filipes deve ser entendida dentro de um processo de concepo do poder

    que remonta aos Reis Catlicos no sculo XV. Tal processo era impulsionado pelasnovas circunstncias advindas principalmente das guerras, da reconquista e dacolonizao principiante.

    Neste perodo, a sociedade europia expressava seu carter dinmico erevolucionrio atravs das cincias, das tcnicas, do comrcio, do crdito, da filosofia,da arte e da poesia. Assistia-se maior mobilidade social, ao desenvolvimento dascidades e alterao nas relaes de trabalho e na circulao das riquezas.

    A ordem demogrfica, econmica e poltica sofria mudanas decorrentes dadisponibilidade de novos produtos e de novas esperanas.

    A grande conquista americana fazia renascer e alimentar expectativas entre a realeza,o clero, a nobreza, a burguesia e os estratos inferiores da sociedade, sem exceo.

    Tal avano inquietava o Estado, fazendo com que este procurasse aperfeioar osmecanismos existentes e buscar outros mais, de modo a manter e ampliar o poder e ocontrole sobre a justia, a f, os bens, os homens e a administrao. Com o respaldo deum exrcito fiel e um nmero crescente de burocratas, especialmente conselheiros esecretrios, o Estado deixava de ser uma unio de reinos para constituir-se em um corpo

    poltico organizado.

    A excitao dos homens que viveram este processo renovador se faz perceptvel notexto renascentista, tomado como exemplo, que reflete o carter do homem que iriaincorporar-se obra do Estado:

    Nuestro nimo y entendimiento nunca se satisface de cosa deste mundo,nunca se harta, nunca se contenta, siempre est hambriento, siempre desabrido,siempre descontento, continuamente desea ms, espera ms, procura ms. Y deaqu proviene que nunca haze sino inquirir, investigar, ymaginar y pensar cosasnuevas, inauditas y nunca vistas, y en la inquisicin, invencin y conoscimientodellas, se macera y aflige, hasta que al fin, acertando o errando, cayendo otropezando, o como mejor puede, halla y alcanza lo que quiera.1

    expanso do imprio espanhol somava-se a habilidade dos monarcas em governar,ao conciliar interesses antagnicos por natureza, embora idnticos quanto ao fim.

    1. Citado por Jos Antonio Maraval. La poca del Renascimiento. In: Francisco Rico (org.). Historia

    y Crtica de la Literatura Espaola. Barcelona, Crtica, 1980, v.II, p.53. Para anlise do universoconceitual dos aventureiros e viajantes na era dos descobrimentos vide Adone Agnolin. O Sonho Indiano:

    Uma Metfora Inicitica na Literatura de Viagem dos Sculos XV e XVI. Revista do NcleoInterdisciplinar do Imaginrio e Memria , So Paulo, 1996, n.3, p. 181-201; Guillermo Giucci. Viajantesdo Maravilhoso: O Novo Mundo.So Paulo, Companhia das Letras, 1922).

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    A atuao dos Reis Catlicos2 foi guiada pela concepo da origem divina do poderreal, segundo a qual a figura do rei era considerada sagrada e inviolvel. A respeito do

    poder de Fernando e Isabel na organizao poltica da monarquia, J. H. Elliott bastanteexplcito ao apontar que no mais alto nvel "se achava o poder Real, cuja extensovariava de um Estado a outro segundo as leis de cada um deles."3O autor acrescenta

    que o conceito de realeza dos Reis Catlicos consolidou seu prprio poder ehomogeneizou gradativamente a estrutura governamental da monarquia4. Tanto queFernando foi um dos modelos utilizados por Maquiavel para perfilar o seu "Prncipe",ao qual se referiu como "quasi principe nuovo"5.

    Em meados do sculo XVI, o Estado espanhol constitua-se em um conjunto deterritrios subordinados ao poder de um soberano comum. Cada qual apresentavacultura e, por vezes, etnia diversa, sendo regido por suas prprias leis. O monarcacentralizava o poder atravs dos rgos criados para atend-lo na conduo do governocentral e de seus vrios territrios, variando esse aspecto conforme atuava o valido,

    figura tpica da poca, a partir de Filipe III. O valido ou privado era o homem deconfiana do rei, com o qual dividia as responsabilidades. Assumindo boa parte dastarefas, atenuava as preocupaes do monarca quanto ao governo; no exerccio de suasfunes, era natural que partilhasse do poder real.

    Com relao monarquia lusitana, Antnio M. Hespanha, profundo conhecedor dasinstituies polticas modernas, nota que, apesar dos avanos historiogrficos, no sograndes as inovaes para o entendimento da centralizao do poder em Portugal, bemcomo a sua cronologia 1. O prprio Hespanha aponta algumas questes ainda nodevidamente estudadas que, no entanto, so decisivas para o julgamento dos centros de

    poder poltico. So elas: a autonomia municipal, o poder senhorial, o desenvolvimento

    dos oficiais rgios, a evoluo dos setores do aparato administrativo, a existncia ou node rgos perifricos da administrao real, as relaes entre os rgos da administraocentral e os poderes perifricos e o regime que seguia os recursos interpostos contra osatos do poder2.

    Em contraposio, os pesquisadores espanhis muito tm se dedicado ao estudo dosistema e da centralizao do poder do Estado moderno, entre os quais destaca-seToms y Valiente. Este autor, ao examinar o quadro institucional frente ao poder

    poltico do Estado absolutista nos sculos XVI e XVII, salienta que as instituiesprprias dos reinos que compunham a monarquia atuavam em cada territrio com

    2. Tem-se uma boa sntese do governo dos Reis Catlicos em John Lynch. Espaa Bajo los Austrias -

    Imperio y Absolutismo (1516-1598). Barcelona, Pennsula, 1982, v.I, p.9-55.

    3. Cf. J. H. Elliott.La Espaa Imperial: 1469-1716, Barcelona, Vicens-Vives, 1984, p.85.

    4. Cf. op. cit., p.86-87.

    5. Nicols Maquiavelo. Il Prncipe e Discorsi. Milano, Faltrinelli, 1960, cap.XXI, p.89. Vide ainterpretao da concepo de Maquiavel sobre o poder de um soberano, em George H. Sabine. Historiade la Teoria Poltica. 7.ed., Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1976, p.249-264.

    1. Cf. Antnio M. Hespanha. Vsperas del Leviatn - Instituciones y Poder Poltico (Portugal, Siglo

    XVII). Madrid, Taurus Humanidades, 1989, p.29.2. Cf. op. cit., p.30-31.

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    diferente grau de autonomia. Acima dessas instituies encontravam-se outrasorganizadas em torno do rei3, que por sua vez representava a instncia suprema do

    poder. Isto significa que abaixo do monarca havia diversas instncias submetidas, emltima resoluo, a sua vontade soberana 4.

    Diante deste contexto, a discusso em torno da ao dos Filipes no Brasil mostra-seprecipitada, se antes de faz-la no situarmos o Brasil na estrutura de governo damonarquia hispnica do sculo XVI.

    Ao unir-se de fato Coroa filipina em 1581, Portugal no s incorporou-se aoconjunto de reinos e conquistas dependentes de um monarca comum, como tambm

    passou a ser um elemento integrante do modelo de organizao poltico-administrativoespanhol, conhecido pelas designaes10: sinodal, polissinodal, polissindica e

    polissinodial. Isto quer dizer que os territrios que compunham a monarquia eramconduzidos por meio de Conselhos, Juntas e Tribunais. Ausente dos reinos, o rei sefazia representar por um vice-rei ou por governadores. As demais instituies atuantes

    mantinham-se preservadas.

    A partir dos Reis Catlicos, Jose A. Escudero11 assinala que os Conselhosmultiplicaram-se com a criao de novos rgos ou com o desdobramento dosexistentes, frente s divises de competncia e s necessidades at ento inditas.

    O autor distingue dois tipos de colegiados, um dos quais se ordenava pelo princpiode competncia territorial. Um exemplo o Conselho de Arago12, criado em 1494, porFernando Catlico. Na verdade, o monarca restabelecera a Cria Regis, um Conselhodos reis aragoneses medievais. Fernando, absorvido pelos problemas castelhanos, fazia-se representar em Arago por um vice-rei e vinculava-se ao Reino, atravs do Conselho

    aragons. O outro tipo de colegiado apontado por Escudero o que apresentavacompetncias mais especficas. Neste caso, o Conselho de Estado criado por Carlos Vem 1526 serve como exemplo.

    J. Mercader Riba13observa que o carter pessoal do governo dos Reis Catlicos fezcom que o Conselho Real, a Chancelaria e os secretrios se convertessem em

    3. Cf. Francisco Toms y Valiente. Los Validos en la Monarquia Espaola del Siglo XVII. Madrid,

    Siglo XXI, 1990, p.37.4. Cf. op. cit., p.38.

    10. Antnio M. Hespanha utiliza o termo sinodal e polissinodal, vide Vsperas del Leviatn..., p.223;Antonio Domngues Ortiz usa o termo polissindico, vide El Antiguo Rgimen, Los Reys Catlicos y losAustrias. In: Miguel Artola (dir.). Historia de Espaa. Madrid, Alianza Editorial, 1988, v.3, p.104;Santiago Luxn y Melndez emprega a designao polissinodial, vide La Revolucin de 1640 enPortugal: sus Fundamentos Sociales y sus Caracteres Nacionales. El Consejo de Portugal 1580-1640.Tese de Doutorado apresentada na Universidade Complutense de Madri, 1988, p.41.

    11. Cf. Jose A. Escudero. Las Origenes del Consejo de Ministros en Espaa, La Junta Suprema deEstado. Madrid, Nacional, 1979, v.I, p.20-21.

    12. Consideraes sobre o Conselho de Arago baseadas em J. H. Elliott,La Espaa Imperial, p.84.

    13. Cf. J. Mercader Riba. Los Secretarios Reales en la Histora de la Administracin espaola.Hispania , Madrid, 1971, n.117, p.161-162.

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    verdadeiros colaboradores de Fernando e Isabel. O Conselho Real ou de Castela foi oembrio dos demais Conselhos da Coroa.

    O processo nacionalizador por que passaram os pases da Europa ocidental, nasegunda metade do sculo XV, marcou de tal forma os reinos de Castela e Arago, que

    a capitulao de Granada, em 1492, no pde esmorecer a saga que movia a obrahispnica na pennsula. Ento, surge a grande proeza americana catalisando os sonhosque aps a reconquista, no dizer de Braudel "empurra a Espanha para Portugal e parao Atlntico, numa aventura martima ainda mais gigantesca do que a do campo fechadomediterrneo."14

    Carlos V sucede o rei Fernando, cujos desgnios marcariam o destino de seussucessores. Logo aps ocupar o trono surge a Reforma Luterana, provocando em toda aEuropa, como sabido, uma verdadeira revoluo social, poltica e religiosa. As novasidias subitamente se expandem da Alemanha Sua, Sucia e Dinamarca e, algumtempo depois, atingem a Inglaterra e a Frana, ameaando transformar os princpios

    fundamentais da sociedade existente.

    Enrgico defensor da f, Carlos V, Sacro Imperador Romano Germnico, tentaconter o movimento empreendendo incessante luta no campo das idias e das armas.Seu carter cosmopolita, os ideais humanistas da Monarquia Universal e a dimenso doseu imprio lhe conferiam uma viso poltica europia e transcontinental.

    Carlos V era filho de Juana e Filipe I, tendo como avs paternos Maximiliano I, daustria e Maria de Borgonha. Seus avs maternos eram os Reis Catlicos. Por via desucesso os bens patrimoniais que Carlos V recebeu iam se agregando uns aos outros,desde o norte da frica at a Amrica que comeava a ser desbravada. Sobre os seus

    domnios saltava a cobia dos inimigos, tanto maior quanto mais indefeso, disperso eextenso se encontrasse esse imprio. Casado com Isabel de Portugal, filha do rei D.Manuel, o Venturoso, deste matrimnio nasceu em Valhadoli, corao de Castela, a 21de maio de 1527, o futuro Rei da Espanha. A Filipe II estava reservado o fruto dos bemsucedidos enlaces dinsticos, em grande parte j herdado por seu pai.

    O imprio de Filipe II compunha-se principalmente pelo patrimnio dinstico dosramos Habsburgo-borgonhs e Castelhano-aragons e pelas conquistas levadas a cabo

    por seu pai e por ele prprio. Alguns anos antes da unio das Coroas, achavam-se sob oseu domnio os territrios do reino de Castela e Arago, ou seja, toda a PennsulaIbrica exceto Portugal, Ilhas Baleares, Sardenha, Npoles, Siclia, Milo, IlhasCanrias, Penhom de Velez, Melilha, Oro, Mostagamem, Filipinas e os territriosamericanos dos vice-reinos de Nova Espanha, de Nova Granada e do Peru, alm doCaribe.

    Seguindo o exemplo de Carlos V, Filipe II assumiu a defesa do catolicismo contra osmuulmanos e contra os partidrios da Reforma, tentando conservar a integridade da fe do imprio. Ainda que tomasse enrgicas medidas para conter o avano do

    protestantismo, seus esforos eram funestos diante dos progressos flamengos.

    14. Cf. Fernand Braudel. O Mediterrneo e o Mundo Mediterrneo . Lisboa, Martins Fontes, 1984,

    v.II, p.545.

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    Auxiliados pela Frana, Inglaterra e Alemanha, os Pases Baixos sustentaram guerracontra o Monarca catlico que, aparentemente, s terminou com a independncia dasfuturas Provncias Unidas. Enquanto a Espanha perdia preciosas possesses,renovavam-se os interesses com os ricos e florescentes territrios que seriamincorporados ao Estado.

    A Filipe II, exaltado nos versos do poeta Luis Franco15, coube aglutinar ao imprioespanhol os bens da Coroa lusa, concretizando o ideal de unir a pennsula que Portugale Castela vinham perseguindo desde o sculo XV:

    ...............................................Planta de Manuel que permanece,para gloria de dios omnipotente,hijo eres de su hija que aun florece.

    A ti conviene por ser Rey potente,mas amado, y temido de los Reyes

    por fuerte, por Catholico y clemente.16...............................................

    A unio de Portugal aos domnios de Filipe II no trouxe apenas um reino a maispara a Espanha, mas o maior imprio que at ento um monarca europeu havia herdado.Aps ser reconhecido em Portugal como legtimo sucessor do Cardeal D. Henrique, oReino luso e patrimnios colocavam-se sob o seu cetro. Filipe II agora imperava emtoda a pennsula e nas ilhas atlnticas - Madeira, Aores e Cabo Verde; nas possesses efeitorias africanas nas terras de Marrocos - Ceuta, Tanger e Mazago; na costa da Guin- de Arguim (Mauritnia atual) at Serra Leoa; no golfo da Guin - Mina, Ilha do

    Prncipe, Ano Bom e So Tom, alm de Angola e Congo; na costa oriental da frica -Loureno Marques, Inhambane, Sofala, Quelimane, Sena, Tete, Moambique e Etipia.No oriente, as principais conquistas e feitorias tuteladas por Filipe II encontravam-se naArbia, Prsia, ndia Ocidental, China, Insulndia, na pennsula de Mlaca, Sumatra,Molucas e Indonsia. O Brasil, adicionado aos seus domnios, constitua a parcelacontinental que faltava para que Filipe II fosse o nico soberano desde o sudoeste daAmrica do Norte at o extremo-sul americano.

    Os tesouros da Amrica que comearam a encher os cofres espanhis,principalmente a partir de 1545, supostamente seriam agora mais facilmente protegidos,j que a imensa poro atlntica do continente colocava-se sob a tutela filipina. A

    privilegiada posio geogrfica do Brasil, se guarnecida, talvez esfacelasse as investidasde franceses e ingleses contra as reservas mineralgicas encontradas em Potos. Almdisso, a frota naval espanhola contaria com os portos atlnticos de que Portugaldispunha, inclusive no Brasil, bem como com os conhecimentos nuticos dosexperientes marinheiros lusos, que a Espanha deixou de reunir por estar empenhada naunificao dos reinos e defesa do Mediterrneo.

    15. Cf. AGS, SE 398, n.165, SI.16. Cf. op. cit., versos 18 e 19.

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    Aos fatores de interesse com relao fatia americana somava-se a oportunidade defrear o contrabando entre as colnias luso-espanholas e a ao dos peruleiros naAmrica. V-se que esta tarefa constitua, no sculo XVI, esforo rduo e quase intil.Analogamente, o Brasil representa, ainda nos dias atuais, um paraso para os traficantesinternacionais. O controle insuficiente da enorme fronteira brasileira com o Peru,

    Colmbia e Chile propicia a entrada de narcticos, depois escoados pelos portosbrasileiros.

    As maiores somas em minrios desviadas da Torre do Ouro, em Sevilha, eramperdidas pelos galees espanhis para os algozes piratas. Os prprios sditos da Coroatambm alteravam o destino dos minerais americanos. Em abril de 154017, LuisSarmyento, embaixador espanhol em Portugal, dava avisos sobre a venda de muito ouroe prata em Lisboa, trazidos do Peru por pessoas que os capites das naus deixavamdesembarcar nos Aores. Do arquiplago seguiam para Portugal, sem entrar em Sevilha,encobrindo assim os preciosos produtos da terra trazidos sem registro. Pizarro e seus

    homens eram acusados de igual procedimento. Passados alguns meses, Sarmyentoinformava18saber-se em Portugal que o Rei da Frana mandara ao Brasil todos quantosquisessem ir para buscar a malagueta e tudo o que pudessem levar. O informantetambm rogava que o Conselho das ndias tomasse conhecimento do fato "porque esvien que lo sepan"19.

    Qual a expectativa que tal notcia poderia causar no Conselho? A produo damalagueta no Brasil era insignificante, de maneira que a sua introduo no mercadoeuropeu no oferecia danos aos negociantes de Granada e Catalunha, ento integradosno comrcio de especiarias e drogas20. Tratava-se de alertar que os franceses poderiamrondar as riquezas americanas atravs do Brasil, tanto que o Conselho das ndias deveria

    estar ciente, pois se tratava de um rgo encarregado das matrias referentes Amrica.

    Entre os documentos do Conselho do Estado espanhol encontra-se a cpia de umacarta de 155621, contendo informaes sobre as fortalezas de franceses no Rio deJaneiro, para quem os nativos extraam pau-brasil, pimenta e algodo. O autor damissiva apontava a distncia do Rio da Prata com relao ao Rio de Janeiro e SoVicente, e fazia algumas observaes referentes fortificao desta ltima capitania:

    segun la hechura y lavor destas mas me parecen torres quadradas y de buen muroq~ casas ni fortalizas teran de quadro quarenta pies y al derredor de si algunascasas de madera donde se recogen los que tratan, ...22.

    17. Cf. AGS, SE 372, n.67, carta de 11/04/1540.

    18. Cf. AGS, SE 372, n.35 e 36, carta de 03/10/1540.

    19. Cf. ms. cit., idem.

    20. Vide a excelente sntese sobre a malagueta escrita por Vitorino Magalhes Godinho. OsDescobrimentos e a Economia Mundial. Lisboa, Editorial Presena, 1985, v.II, p.145-157.

    21. Cf. AGS, SE 378, n.59, 07/10/1556.22. Cf. ms. cit., idem.

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    De So Vicente, estreitava-se o contato com as terras de Castela. Andres deMontalvo23, castelhano, estava na capitania vicentina desde 1565, portando proviso deFilipe II para passar ao Paraguai onde ocuparia um cargo. Quatro anos depois, enviavaao Conselho das ndias explicaes com o testemunho de destacadas autoridades dacapitania brasileira, isentando-se de culpa por no ter chegado ao seu destino para

    cumprir sua misso.

    Montalvo dizia no ter ido ao Paraguai, embora tivesse tentado por terra e por mar,pois os ndios fiis aos portugueses estavam em guerra com os charitos, ndios amigosdos espanhis. Contava que os primeiros tomaram dos charitos as cartas que osmoradores castelhanos escreveram a Filipe II, as quais continham relatos de suasnecessidades e pedido de socorro, alm da inteno de passarem por So Vicente e daseguirem para a Espanha. Entretanto, os que j haviam tentado no conseguiram, poisos ndios guerreiros tinham os castelhanos como mortais inimigos, dada a ligao dosmesmos com os charitos.

    O documento lavrado pelo escrivo Vasco Perez de Mota, em Santos, na casa docapito Jorge Ferrera, ouvidor da capitania, inclua o testemunho deste ltimo, o deSymon Machado escrivo da Fazenda, o de Ruy Nunez de Acosta, almoxarife daFazenda, e o do vigrio Gonzalo Monteiro, ouvidor eclesistico da vila de Santos. Ovigrio afirmava que era pblico e notrio o fato de os castelhanos tentarem chegar aessa capitania e que s no conseguiram devido guerra24. Ele no apontava outrosobstculos capazes de tolher os moradores do Paraguai de atingirem So Vicente, nemmesmo Andres de Montalvo escondia do Conselho das ndias os contatos entre osvizinhos portugueses e castelhanos.

    Os relatos referentes ao Brasil continuaram chegando Corte espanhola partindo dediversas fontes. Em 1579, durante o perodo de negociaes visando a sucesso lusa,Antonio Viegas25deu preciosas informaes ao Duque de Ossuna, um dos enviados deFilipe II a Portugal. Sua "relao" sobre o Brasil chegou ao conhecimento do Conselhode Estado, tanto que se acha guardada no Arquivo de Simancas entre a documentaoque compe o acervo deste Conselho.

    Viegas comentou a pouca fora que havia na Bahia para defender a barra e otamanho das naus capazes de nela entrar. Descreveu a situao geogrfica da capitaniade Itamarac, apontando a distncia existente entre o Rio So Francisco e o cabo deSanto Agostinho e as condies fluviais e porturias para a navegao. Em seu relato,

    Antonio Viegas deteve-se principalmente capitania de Pernambuco, da qual dizia:

    23. Cf. AGI, Charcas 78, 21/06/1569, p.33r-56v. Sobre vias de comunicao entre o Paraguai e Brasil

    vide algumas consideraes de Teresa Caedo-Argelles Fabrega. La Provincia de Corrientes en losSiglos XVI y XVII. Un Modelo de Colonizacin en el Alto Paran. Madrid, Consejo Superior deInvestigaciones Cientficas, 1988, p.62).

    24. Cf. ms. cit., p.36v-37r.25. Cf. AGS, SE 406, n.111, 16/12/1579.

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    quem tiver Ferno buquo alem de ter hu tamanha forsa tera comoda edesenpedida a conquista das mais capitanias ...26.

    Os detalhes contidos no seu texto, caso fossem parar nas mos de inimigos,possibilitariam com maior preciso traar planos estratgicos de ataque contra a

    afortunada capitania. Certamente no era essa a sua inteno. Mais parece que o seuobjetivo era fazer ver a Filipe II, atravs de seu enviado em Portugal, a vulnerabilidadeda costa do Brasil comparada capacidade de defesa de Pernambuco. Dizia ele havernessa capitania trs mil homens portugueses e quarenta mil escravos do gentio da terra emais ou menos igual nmero da Guin. Os capites de Pernambuco, em caso de ataque,ao primeiro sinal poderiam pr na praia, em questo de uma hora, vinte mil homens,quinhentos dos quais a cavalo, e dois mil portugueses, fora outros quatrocentos homensa cargo do capito da vizinha Vila de Igarau.

    Viegas completou sua informao descrevendo a entrada da capitania onde havia um

    aRecife de pedrra E penedio que bota ao mar mea llegoa. E no tem mais quehu barra ou emtrada que tera de largo doze brasas. E de allto En baxa mais 23palmos de fundo desta barra esta hum baluarrte que defende a capitania cemdeixar entrar cousa allgu que nom afunde com 40 pesas darrtelharia de bronze(...) desta barra que he ho porto ha vila que se chama Olinda ha hu legoa

    pequena de praia entre o mar E hum Rio por onde os bateis levo ha carga dosnavios a vila.27

    Sebastio Pagano28, no seu artigo que trata das relaes do Brasil com a Coroaespanhola ao tempo dos Filipes, citando "Portugal Restaurado" do Conde de Ericeira,afirma ter Filipe II negociado a posse do Brasil com a Duquesa de Bragana, uma dasenvolvidas no pleito sucessrio, para que desistisse dos seus direitos sobre a Coroa

    portuguesa. O autor conclui que "Filipe II no se dera conta do que valia o Brasil, e smais tarde, tomando conhecimento do seu valor que tratou de defender a colnia"29.

    A igual concluso no podemos chegar, pois no encontramos qualquer provadocumental mencionando esta negociao base de troca. Por outro lado, a julgar pelasnotcias que a administrao central espanhola tinha do Brasil, temos fortes razes paraacreditar que Filipe II interessava-se, mais do que se pode pensar, pela poro que lhefaltava para compor a rede de controle sobre o novo continente.

    Antes de qualquer prognstico, no se pode desprezar as riquezas conhecidas do soloe as que se pensava existirem no sub-solo brasileiro. O filo mineral encontrado no

    vice-reino do Peru no estava totalmente descoberto e talvez seguisse em direo aoBrasil. O acar e a madeira brasileira eram produtos de grande valor e aceitao nomercado europeu.

    26. Cf. ms. cit., idem.

    27. Idem.

    28. Cf. Sebastio Pagano. O Brasil e suas Relaes com a Cora da Espanha ao Tempo dos Felipes

    (1580-1640). Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, 1961, v.LIX, p.227.29. Cf. op. cit., p.228.

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    Hanry Lapeyre30, ao examinar os registros das alfndegas de Filipe II, observa que opau-brasil entrava em Castela pela fronteira portuguesa de Badajs e que, nos anos de1570 e 1571, vrias alfndegas acusaram sua passagem, entre as quais a de Cheles,Albuquerque, Vila Nova de Fresno, Torregamones, Cidade Rodrigo e Puebla deSanabria. Os portos de Sevilha, Jerez, Corunha e Mlaga tambm receberam a madeira

    brasileira.

    H que se considerar tambm, antes de qualquer avaliao, as informaes e asiniciativas dos sditos espanhis para defender a colnia a partir de 158131.

    A questo era aguardar a ocasio oportuna para Filipe II fazer-se legitimar rei emPortugal, tomando sutilmente as rdeas do governo sem alterar a estruturaadministrativa do Reino32preservando a aparente autonomia lusa.

    Os interesses da Espanha sobre o Reino vizinho, no entanto, no restringiam-seapenas s conquistas portuguesas alm-mar. Nesse sentido, Moris Barreto, citado pelo

    Marqus de Quintanar33

    , destaca que a unio com Portugal representou para a Espanhao incremento das foras militares com a adio do contingente portugus e a defesa desua costa ocidental.

    Nicols Garcia Tapia34, ao analisar as obras de engenharia hidrulica durante orenascimento espanhol, comenta que Maximiliano de ustria35, durante o breve perodoem que foi regente da Espanha, de 1548 a 1551, pretendia aproximar Castela dePortugal atravs da rede fluvial da pennsula. Porque interesses defensivos e comerciaisestavam em jogo, Filipe II tentou fazer a navegao do rio Tejo at Lisboa, estendendo-a a outros rios da Espanha.

    Juan Helguera Quijada36observa que, na dcada de 1580, desenvolveram-se projetosde navegao fluvial, buscando viabilizar o comrcio exterior de Castela por meio dorio Douro, uma vez que desapareciam os obstculos polticos existentes at ento. Oengenheiro real Juan Bautista Antonelli, em 1581, apresenta a Filipe II sua "Memriasobre a Navegao dos Rios da Espanha", na qual estava includo o projeto de fazernavegvel o Douro e algum de seus principais afluentes. Segundo o plano, seriam

    30. Cf. Henry Lapeyre. El Comercio Exterior de Castilla a Traves de las Aduanas de Felipe II.

    Valladolid, Universidad de Valladolid, 1981, p.153.

    31

    . Vide infra captulo 4, as aes de Diego Flores de Valdez no Brasil.32. Por Reino designava-se Portugal e por Corte, Madri. Utilizamos os vocbulos na acepo

    encontrada nos documentos da poca.

    33. Citao no prlogo do trabalho de Antonio Sardinha. La Alianza Peninsular. Segovia, Imp. de elAdelantado, 1939, p.XLI.

    34. Cf. Nicols Garcia Tapia. Ingenieria y Arquitectura en el Renacimiento Espaol. Valladolid,Universidad de Valladolid, 1990, p.451.

    35. Maximiliano II, de Habsburgo, era sobrinho de Carlos V, casando-se com Maria, filha deste, em1548. Neste mesmo ano, na condio de regente desde 1543, Filipe II deixou a pennsula para empreenderuma viagem de reconhecimento de sua herana europia. Enquanto esteve ausente, sua irm Maria eMaximiliano ficaram como regentes da Espanha.

    36. Cf. Juan Helguera Quijada. Aproximacin a la Historia del Canal de Castilha. In: Juan HelgueraQuijada et alii.El Canal de Castilla . Valladolid, Junta de Castilla y Len, 1988, p.17.

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    ligadas por via fluvial as localidades mais importantes da regio, convertendo a cidadelusa do Porto em um porto natural de Castela. O autor constata que durante o governode Filipe III tambm ocorreram iniciativas para fazer navegvel o rio Pisuerga, um dosafluentes do rio Douro, semelhana dos planos de Maximiliano e dos tcnicosalemes. Entretanto, em ambos os casos, as tentativas no tiveram xito.

    O sistema polissindico comportava a insero de um ou vrios Conselhos estrutura do Estado espanhol, na medida em que se produziam novas conquistas. Dessaforma, o rei era assistido por representantes das vrias possesses, j que a amplitude doimprio lhe impedia de nelas estar presente com freqncia.

    Segundo Elliott, o sistema de Conselhos da monarquia espanhola no sculo XVIcontava com os Conselhos territoriais de Castela, ndias, Arago, Itlia, Portugal,Flandres e com os seguintes Conselhos assessores e ministeriais: Estado, Guerra,Inquisio, Ordens Militares, Cruzada e Fazenda37.

    Com exceo do Conselho de Portugal, Itlia e Flandres, podemos considerar que osdemais Conselhos defendiam estritamente os interesses espanhis, sendo estesoriginariamente castelhanos-aragoneses.

    O Conselho de Portugal, criado em 1581, no representava uma sada original pararemediar a ausncia do Monarca no Reino anexado aos domnios de Castela. Ahabilidosa articulao poltica, engendrada por ocasio das negociaes que cercaram asucesso lusa a partir de 157838, encontrou na criao do Conselho de Portugal umamedida eficaz de conciliao que, ao mesmo tempo, no feria os princpios da Coroa

    portuguesa demonstrados em circunstncias semelhantes, como em 149839. Por outrolado, ia de encontro ao sistema polissindico empregado por Castela h cerca de um

    sculo.Alm desses fatores de ordem prtica, h que se considerar que este sistema

    favorecia os interesses e a ao dos monarcas espanhis. Nesse sentido, Antnio M.Hespanha40 atenta para o fato de que o poder decisrio do rei fortalecia-se graas composio heterognea dos vrios Conselhos. Estes, formados por letrados, nobres,eclesisticos e oficiais de carreira, no apresentavam unidade de desempenho e direo.O mesmo acontecia graas competncia restrita dos vice-reis ou governadores dePortugal, que remetiam a Madri as matrias mais importantes. Tal fortalecimentotambm se beneficiava com a ausncia de discusses, pois o monarca decidia atravsdas consultas. Por haver ainda freqentes conflitos de competncia, as instituies seapresentavam divididas, prevalecendo a vontade real. Francisco Toms y Valiente41

    37. Cf. J. H. Elliott.La Espaa Imperial, p.181.

    38. Vide infra captulo 2, as aes diplomticas espanholas a partir de 1578.

    39. Vide infra captulo 2, o ensaio de unio das coroas em 1498.

    40. Cf. Antnio M. Hespanha. Visperas del Leviatn..., p.224-226; Portugal y la Poltica de Olivares.Ensayo de Anlises Estructural. In: J. H. Elliott e Angel Garcia Sanz (coord.). La Espaa del CondeDuque de Olivares. Valladolid, Universidad de Valladolid, 1990, p.633.

    41. Francisco Toms y Valiente. El Gobierno de la Monarquia y la Administracin de los Reinos en laEspaa del Siglo XVII. In: Ramn Menndez Pidal (fun.). Historia de Espaa. Madrid, Espasa-Calpe,

    1982. t.XXV, p.84.

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    se pode concluir que, neste caso, os interesses espanhis guiaram o processo decisriodo Conselho e do Monarca, em detrimento dos benefcios esperados pelo Governadordo Brasil e conselheiros portugueses. evidente tambm a atuao filipina direta sobreas matrias brasileiras.

    O Conselho de Portugal foi o principal instrumento com o qual a monarquiaespanhola integrou o Reino vizinho e suas conquistas ao aparato poltico-administrativodo imprio. Atravs dele, o Brasil e os demais patrimnios da Coroa lusa foraminseridos na estrutura do Estado espanhol, posto que o mesmo era um rgointermedirio entre o rei e as demais instituies portuguesas, se observarmos taisrelaes sob a tica de ser ele um instrumento mais da vontade dos Filipes do que dogoverno portugus.

    O aparato institucional organizado em torno de Filipe II inclua ainda os secretrios,o exrcito e as Juntas. Estas ltimas eram colegiados criados nas ocasies em quesurgiam situaes inesperadas para tratar de assuntos particulares e urgentes. Tal foi o

    caso, entre outras, da Junta Grande organizada em 1586, cuja incumbncia era acaptao de recursos econmicos destinados Invencvel Armada48. Esta Junta drenavaos cofres da Espanha para a investida contra a Inglaterra, com o objetivo poltico desanar pela guerra o grave problema da pirataria inglesa sobre os tesouros espanhis daAmrica. A este aparato Toms y Valiente49 acrescenta os embaixadores, ressalvandoque, embora os mesmos no residissem na Corte, dependiam diretamente do rei,representando o Estado diante de outros Estados. Quanto ao exrcito, este ltimoaspecto vale como analogia.

    Igual suporte institucional encontra-se na esfera do poder central no sculo XVII,

    com o acrscimo dos validos, destacando-se, dentre estes, o Duque de Lerma e oConde-Duque de Olivares, favoritos de Filipe III e Filipe IV, respectivamente50.

    48. Cf. John Lynch. Espaa Bajo los Austrias, v.I, p.258. Sobre as Juntas criadas no perodo filipino

    para tratar de assuntos emergenciais portugueses, vide infra captulo 9. Merece especial ateno asconsideraes sobre a Junta Grande apresentadas por Pablo Fernndez Albaladejo em Fragmentos deMonarqua.Madrid, Alianza Universidad, 1992, p.138-139.

    49. Cf. Francisco Toms y Valiente.El Gobierno de la Monarquia ..., p.84.

    50. A bibliografia sobre o governo de Filipe III, Filipe IV e seus validos bastante ampla. Cabedestacar algumas obras sugestivas: Gregorio Maran. El Conde-Duque de Olivares. La Pasin deMandar. Madrid, Espasa-Calpe, 1936; ________ .El Conde-Duque de Olivares. 18.ed., Madrid, Espasa-Calpe, 1990; Francisco Toms y Valiente. Los Validos en la Monarqua Espaola del Siglo XVII. 2.ed.,Madrid, Siglo Veintiuno de Espaa, 1990; J. H. Elliott y Angel Garcia Sanz (org.).La Espaa del CondeDuque de Olivares. Valladolid, Universidad de Valladolid, 1990; Jose Alcal-Zamora y Queipo de Llano.Iniciativa, Desaciertos y Posibilismo en la Poltica Exterior Espaola Bajo Felipe III. Estudios de HistoriaModerna , Zaragoza, 1976, p.191-223; ________ .Razn y Crisis de la Politica Exterior de Espaa en elReinado de Felipe IV. Madrid, Fundacin Universitaria Espaola, 1977; Ramn Menndez Pidal (fund.).Historia de Espaa: la Espaa de Felipe III, la Polt ica Interior y los Problemas Internacionales.Madrid, Espasa-Calpe, 1983, t.XXIV; ________ . Historia de Espaa: la Espaa de Felipe IV. Madrid,Espasa-Calpe, 1982, t.XXV; R. A. Stradling. Felipe IV y el Gobierno de Espaa, 1621-1665 . Madrid,

    Ctedra, 1989; Antonio Domnguez Ortiz. Poltica y Hacienda de Felipe IV. Madrid, Editorial deDerecho Financero, 1960; ________ . Guerra Economica y Comercio Estranjero en el Reinado de FelipeIV.Hispania, Madrid, v.LXXXIX, 1963, p.71-110.

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    A gradativa concentrao do poder nas mos do Monarca e a ampliao do mbito deatuao do Estado impulsionavam o desenvolvimento de um exrcito fiel e disciplinadoe a formao de um corpo de secretrios leais. Assessorando o rei no campoadministrativo e judicial, os secretrios deveriam integrar-se s demais instituies e

    pessoas responsveis pela conduo da monarquia.

    Com a expanso do imprio, era inevitvel a proliferao de funcionrios. J. H.Elliott bem sintetiza o crescimento da oficialidade diante dos compromissos do Estado.Segundo ele,

    o Governo necessitava de secretrios para redatar os regulamentos, escrivespara transcrev-los e uma multido de oficiais menores para assegurar o seucumprimento, junto com ministros de outro nvel para assegurar-se de que os

    primeiros haviam cumprido com sua incumbncia.51

    Eram vrios os documentos que regulavam a vida do vasto imprio, no qual surgiam

    tanto problemas inauditos como outros habituais e de fcil resoluo.O fortalecimento da monarquia apoiava-se essencialmente na eficincia do rei

    legislador e na fidelidade dos rgos e pessoas que o serviam e executavam a vontadereal.

    A Corte aglutinava o grande aparato poltico-administrativo formado pelosConselhos e secretrios.

    Sintetizando o governo da monarquia espanhola nos sculos XVI e XVII, MiguelMartnez Robles52 distingue duas etapas delimitadas que, em linhas gerais, coincidemcom cada sculo. A primeira etapa, no sculo XVI, apoiou-se essencialmente no rei, nos

    Conselhos e nos secretrios. Na segunda fase, no sculo XVII, houve a ascendncia dovalido, cuja influncia era superior dos Conselhos e dos secretrios de Estado. Nestafase tambm os secretrios de Despacho Universal deram os primeiros passos, aindaque o seu delineamento institucional no fosse bem definido. Considerado comohistoriador dos secretrios de Estado e de Despacho53, Antonio Jos Escudero54

    distingue estes funcionrios, considerando-os a terceira pea decisria do mecanismoestatal, precedida hierarquicamente pelos Conselhos e pelo rei.

    Os vrios Conselhos tinham os seus prprios secretrios reais. A princpio foramchamados de secretrios do rei, embora no tivessem, necessariamente, acesso direto aomonarca, nem com ele despachassem. Cabia ao secretrio privado ou particular a tarefa

    51. Cf. J. H. Elliott.Espaa y su Mundo 1500-1700 .Madrid, Alianza, 1990, p.37.

    52. Cf. Miguel Martnez Robles. Los Oficiales de las Secretarias de la Corte Bajo los Austrias e losBorbones, 1517-1812. Madrid, Instituto Nacional de Administracin Pblica, 1987, p.35.

    53. Cf. Pedro Molas Ribalta. La Historia Social de la Administracin Espanhola. Historia Social de laAdministracin - Estudios sobre los Siglos XVII-XVIII, Institucin Mila y Fontanals, Barcelona, 1980,p.15.

    54. A obra mais completa de Jose Antonio Escudero sobre esses funcionrios intitula-se LosSecretarios de Estado y de Despacho: 1474-1724. Madrid, Instituto de Estudios Administrativos, 1969,

    4v.

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    de assessorar o rei e executar a sua vontade, podendo ou no encontrar-se na estruturaadministrativa dos Conselhos55.

    A partir da criao do Conselho de Estado, os chamados secretrios de Estado eramtambm secretrios particulares do rei. Isto porque os Conselhos Supremos de Estado e

    Guerra eram presididos pelo monarca que, freqentemente, no participava das sesses.O secretrio de Estado apresentava os diversos temas a serem discutidos, anotava ospareceres e comunicava ao rei o que havia sido tratado nas reunies, atuando como seusecretrio particular. Ainda que no Conselho ocupasse, teoricamente, uma posiosecundria, o fato de ser porta-voz do soberano conferia-lhe ares de fiscal do rei56.

    A partir de Filipe III, o valido assumiu o papel mais importante do secretrio deEstado, que era o despacho "a boca" com o rei. Consistia em reunir-se com o monarca

    para informar-lhe sobre os diversos assuntos e consultas que aguardavam resposta esoluo. O que o rei decidisse gerava um trabalho subseguinte. Sua vontade deveria sertransladada para os papis, alm de serem notificados os organismos ou pessoas

    envolvidas na matria. Os validos absorveram dos secretrios de Estado a faculdade decomunicar-se verbalmente com o monarca e poder gozar de sua confiana. Porm, noassumiram as tarefas burocrticas que a funo exigia. Para remediar o vazio produzidoentre o ncleo decisrio e o executivo, foi criado o secretrio do Despacho Universal57.

    Este novo funcionrio dava curso aos documentos, bilhetes e cartas, desde o rei e osvalidos at o complexo orgnico no qual se encontravam as Secretarias dos Conselhos58.

    O valido continuou despachando verbalmente com o monarca, o que tambm exigiaa tarefa prvia de elaborao de uma sntese das matrias ou das consultas dosConselhos, na qual baseavam-se para despachar com o rei.

    Note-se que a administrao central espanhola no sofria alteraes quando um novoreino era anexado aos domnios da Coroa. Pelo contrrio, o Estado estava preparado

    para expandir-se. Era necessrio apenas que o reino agregado se adaptasse estrutura dogoverno espanhol, j organizado para receber uma pluralidade deles. Segundo Luis Dezdel Corral, os reinos "poderiam justapor-se por unio pessoal sob um mesmo regente,

    sem integrar-se ou reintegrar-se coroa"59.

    55. Estas consideraes e as seguintes baseiam-se na sntese do corpo de secretrios apresentada por

    Jose Antonio Escudero emLas Origenes del Consejo de Ministros en Espaa ..., p.22-26.

    56. Cf. op. cit., p.23-24.

    57. Cf. op. cit., p.25-26.

    58. Cf. J. Mercader Riba.Los Secretarios Reales en la Historia de la Administracin Espaola , p.169.

    59. Luis Dez del Corral. El Pensamiento Poltico Europeu y la Monarqua de Espaa. Madrid,Alianza Editorial, 1983, p.12.

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    CAPTULO 2

    O PLEITO SUCESSRIO: SUCESSOS E INFORTNIOS

    Quando em 4 de agosto de 1578 D. Sebastio perdeu a vida na batalha de Alccer-Quibir, em Marrocos, era chegado o fim do perodo das grandezas lusas conquistadas a

    partir da tomada de Ceuta em 1415. Com a morte do jovem Rei, sem herdeiros, ocardeal D. Henrique, seu tio-av, passou a governar o vasto imprio. Portugalconheceria uma fase em que a fora do poder e do destino, de certa forma j traado

    pelos monarcas antecessores, fez de Filipe II um dos candidatos sucesso do tronoaps a morte do Rei ancio. Um pretendente masculino, de origem portuguesa, teriasido soberano de Castela e Arago, caso as tentativas de unio entre a famlia real lusa ea castelhana tivessem sido frutferas em 1471, 1479, 1496 e 15001.

    No sculo XVI, tais ensaios prosseguiram entre ambas as dinastias e, desta feita,resultaram frutferos. Carlos V casou-se em 1526 com Isabel, filha primognita do reiD. Manuel. Deste enlace nasceu Filipe II, que veio a contrair npcias em 1543 com D.Maria Manuela, primeira filha de D. Joo III. Aps dar luz uma criana enferma, D.Maria faleceu sem que as chances sobre o trono recassem na pessoa do seu filho, o

    prncipe D. Carlos. Coube a Juana, irm de Filipe II, casar-se em 1552 com o prncipeD. Joo, herdeiro do trono, tendo como nico filho varo, D. Sebastio.

    Nove dias aps o trgico fim de D. Sebastio, Filipe II recebeu no Palcio doEscorial informaes sobre o sucedido. Este fato repercutiu no Reino vizinho, e como aexpresso literria sempre tem estreitas relaes com as experincias vividas, o infelizepisdio no poderia deixar de inspirar alguns dos extraordinrios poetas espanhis doSculo de Ouro.

    Lope de Vega (1562-1635) escreveu sua apologia chamada "A La Prdida Del ReyDon Sebastin"2, motivado pela tragdia do jovem Rei:

    !Oh!, nunca fueras, frica desierta,en medio de los Trpicos fundadani por el frtil Nilo coronadate viera el alba, creando el sol despierta.

    Nunca tu arena inculta descubierta

    se viere de cristiana planta honrada,ni abriera en ti la portuguesa espadaa tantos males tan sangrienta puerta.

    Perdise en ti la major noblezade Lusitania una florida parte

    perdise su corona y su riqueza,

    1. Cf. A. H. de Oliveira Marques. Histria de Portugal. Lisboa, Palas Editores, 1984, v.II, p.145.

    Sobre as bodas reais entre Espanha e Portugal vide Joaquim Verssimo Serro. Portugal en el Mundo.

    Madrid, Mapfre, 1992, p.149-153.2. Cf. Luis Rosales.Poesia Espaola del Siglo de Oro . Navarra, Salvat, 1972, p.107.

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    pues t, que no mirabas su estandarte,sobre l los pies, levantes la cabeza,ceida en torno del laurel de Marte.

    Fernando de Herrera (1534-1597) conseguiu decantar a fatalidade que debilitou o

    Reino luso, em seu poema tambm intitulado "Por La Prdida Del Rey Don Sebastin"3

    :Voz de dolor y canto de gemido

    y espritu de miedo envuelto en ira,hagan principio acerbo a la memoriade aquel da fatal aborrecido,que Lusitania msera suspira,desnuda de valor, falta de gloria,

    y la llorosa historiaassombre con horror funesto y tristedesde el frico Atlante y seno ardiente

    hasta do el mar de otro color se viste,y do el lmite rojo de oriente.y todas sus vencidas gentes fierasven tremolar de Cristo las banderas.

    Ay de los que pasaron, confiadosen sus caballos y en la muchedumbrede sus carros, en ti, Libia desierta,

    y en su vigor y fuerzas engaadosno alzaron su esperanza a aquella cumbrede eterna luz, mas con soberbia cierta

    se ofrecieron la inciertavictoria, y sin volver a Dios sus ojos,con yerto cuello y corazn ufano

    slo atendieron siempre a los despojos!;y el Santo de Israel abri su mano,y los dej, y cay en despeaderoel carro, y el caballo y caballero.Vino el da cruel, el da llenode indignacin, de ira y furor, que pusoen soledad y en un profundo llanto

    de gente, y de placer el reino ajeno.El cielo no alumbr, qued confusoel nuevo sol, presagio de mal tanto,

    y con terrible espantoel Seor visit sobre sus males,

    para humillar los fuertes arrogantes,y levant los brbaros no igualesque, con osados pechos y constantes,no busquen oro, mas con hierro airado

    3. Cf. Asuncin Rallo Gruss.Miscelneas del Siglo de Oro . Madrid, Fascculos Planeta, 1983, p.51.

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    la ofensa venguen y el error culpado................................................

    Finalmente, o direito de um monarca castelhano sobre o trono portugus eraindiscutvel e a unio h muito tempo desejada. Para conquistar os setores influentes da

    populao lusitana, diplomaticamente iniciou-se uma campanha.Duas Juntas foram constitudas para coordenar a negociao. Uma delas atuava em

    Madri. Era formada por Joo de Silva, embaixador em Portugal, e por Gabriel de Zayas,secretrio do Rei e encarregado dos negcios portugueses quando da morte de D.Sebastio4. A outra, instalada em Portugal, compunha-se do espanhol Duque de Ossunae do nobre portugus aliado de Filipe II, D. Cristvo de Moura, futuro Marqus deCastel Rodrigo. Estes, porm, como bem lembra Jos Maria de Queirz Velloso, noeram os nicos agentes do Monarca em Portugal. Havia uma rede de nobres lusos naqual D. Henrique se debatia 5. Para defender os interesses da Coroa, o Cardeal Reinomeou o secretrio Miguel de Moura e o mordomo-mor Francisco de S6.

    Para conseguir a adeso dos sditos portugueses, no foram poucos os oferecimentosde ddivas. Conforme constata Maria Emelina Martn Acosta 7, Filipe II usou os fundosda Casa de Contratao de Sevilha para cobrir os custos da disputa pelo trono luso. OMonarca contou ainda com a ajuda econmica do Duque de Toscana e respectivainfluncia para obter crditos junto a financeiros toscanos. Em Sevilha, certaimportncia foi arrecadada e algum dinheiro do banqueiro Pedro de Morga foi enviado

    para a Corte. At mesmo os grandes homens de negcios, como os Fugger e LorenzoSpnola, financiaram Filipe II para lograr a Coroa portuguesa.

    Para atuar de maneira legal, os enviados de Filipe II valeram-se das prprias

    orientaes que D. Manuel - o Venturoso -, av materno do Rei espanhol, deixou a seufilho D. Miguel, no final do sculo XV, caso o prncipe sucedesse aos tronos ibricos.

    4. Cf. Santiago Luxn y Melndez.La Revolucin de 1640 en Portugal: sus Fundamentos Sociales ysus Caracteres Nacionales. El Consejo de Portugal: 1580-1640. Tese de Doutorado apresentada naUniversidade Complutense de Madrid, 1988, p.43. Vide a participao de D. Joo de Silva no pleitosucessrio em Fernando Jess Bouza lvarez. Corte es Decepcin. Don Juan de Silva, Conde dePortalegre. In: Jos Martnez Milln (dir.). La Corte de Felipe II. Madrid, Alianza Universidad, 1994,

    p.451-502.

    5. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. O Cardeal-Rei D. Henrique. Revista Biblos, Coimbra, 1930,v.VI, n.9-10, p.526. Vide o caso de D. Jernimo Osrio, bispo do Algarve, favorvel a Filipe II emSebastio Tavares de Pinho. D. Jernimo Osrio e a Crise Sucessria de 1580. Actas do CongressoInternacional Humanismo Portugus na poca dos Descobrimentos, Coimbra, 1993, p.305-331.

    6. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. A Dominao Filipina. Revista Biblos, Coimbra, 1930, v.VI,n.7-8, p.394.

    7. Cf. Maria Emelina Martn Acosta. El Dinero Americano y la Polt ica del Imperio. Madrid,MAPFRE, 1992, p.141.

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    Aps D. Miguel ter sido jurado herdeiro dos Reinos catlicos por Fernando e Isabel,seus avs maternos, D. Manuel conferiu a Portugal uma carta de privilgios apresentadas Cortes reunidas em 14988.

    Na carta, o Rei declarava como Portugal deveria ser governado de modo a garantir a

    autonomia portuguesa, se houvesse a unio das trs Coroas. A agregao pretendidapelos Reis Catlicos no ocorreu, pois com a idade de dois anos o Prncipe viria afalecer.

    Segundo Queirz Velloso9, D. Cristvo de Moura obteve duas cpias autnticas dacarta de privilgios de D. Manuel, hoje encontradas no arquivo de Simancas. Uma delaslhe foi entregue pelo guarda-mor da Torre do Tombo, Dr. Antnio de Castilho, e a outra

    pelo procurador de Lisboa, Afonso de Albuquerque, esta extrada do arquivo da CmaraMunicipal da cidade.

    O documento, redatado por Antonio Perez e confirmado por Filipe II em 24 de maio

    de 157910

    , fundamentou vrios dos vinte e cinco captulos do memorial de graas emercs que o Rei concederia a Portugal quando fosse jurado senhor dele11.

    O captulo seis da carta de D. Manuel importa por discorrer particularmente sobre oque seria o Conselho de Portugal. Este rgo foi o instrumento pelo qual o Reino luso esuas colnias foram inseridas na administrao central espanhola.

    Abaixo, transcrevemos i p s i s - v e r b i sparte do aludido captulo:

    Item q~ quoando El dh primcipe mi hijo o cada uno de sus herederosestuvieren en castilla o en arraguon o on qualquiera otra parte de los dhs reynosy S.os dellos o adonde quiera que sea fuera de portugal, Siempre traigua conSiguo Chancilor mayor y desembarguadores de peticiones y Escrivan de puridady escrivanes de camara y algun Veedor de la hazienda y escrivano della q~ Sean

    portugueses paraq~ por Ellos y con Ellos Se depachen todos los neg.os deportugal En los quales alla Se uviere de entender ...12.

    Comparado ao captulo quinze do memorial de Filipe II, exposto a seguir, estecaptulo no deixa dvida quanto s pequenas adaptaes feitas para que o Conselho dePortugal fosse restaurado pelo Monarca espanhol, segundo os desejos do prprio rei D.Manuel um sculo antes:

    \15/ Iten que estando su Mag.d o sus sucesores fuera de Porgual enqualquiera parte que sea, trairan siempre consigo una persona eclesiastica, y un

    secretario, y un chaniller mayor, y dos desembargadores de palaio, los qualesse llamaron consejo de Portugal, para que por ellos y con ellos se despachen

    8. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. A Dominao Filipina, p.392; Leopold von Ranke. A Aquisio

    de Portugal.In: Srgio Buarque de Holanda (org.).L. von Ranke: Histria. So Paulo, tica, 1979, texto5, p.129.

    9. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. A Dominao Filipina, idem.

    10. Cf. Santiago Luxn y Melndez.La Revolucin de 1640 ..., p.44-45.

    11. Cf. AGS, SE 416, n.203, cpia enviada a Madri com carta do Duque de Ossuna, de 20 de maro de

    1580.12. Cf. AGS, SE 405, n.71, 18/01/1499.

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    todos los negocios del mismo Reyno, y tan bien andaran en la corte dosscrivanos de hazienda, y dos de camara para lo que fuere neesario en susofficios ...13.

    H que se notar que a composio do Conselho foi alterada pela adio de doiselementos indispensveis monarquia espanhola no sculo XVI: um eclesistico, dadoos princpios catlicos que guiavam a monarquia, e um secretrio, funcionrio

    burocrtico inerente ao desenvolvimento do Estado em fase de organizao. O escrivoda puridade, segundo A. H. de Oliveira Marques14e C. R. Boxer15, deixou de existir noreinado de D. Sebastio. Este funcionrio era o secretrio do rei e desempenhava o

    papel de primeiro ministro ou valido. Encarregava-se de escrever as cartas secretas, ouseja, as cartas no patentes16. No Conselho de Portugal sua figura seria restabelecidacom o nome de secretrio.

    A reao portuguesa sucesso espanhola foi to diversa quanto a gama deinteresses nela envolvidos.

    O Monarca espanhol contou com parte do clero a seu favor, pois sendo confessodefensor do catolicismo poderia oferecer grande apoio para promover a causa dosmilitantes religiosos. Quanto ao caso especfico dos inacianos, segundo comentaSerafim Leite17, o padre geral Everardo Mercuriano, impelido pelos agentes espanhis,

    passou expressas determinaes para que os jesutas portugueses se mantivessemneutros na disputa pelo trono. No entanto, nem todos acataram a ordem superior. Anosmais tarde, o padre Manuel Sequeira, vice provincial da Companhia de Jesus, queixava-se da m vontade de Filipe II com relao aos religiosos. Atribua esta atitude ao fato deque, apesar do apoio oficial recebido pelo Monarca, chegava ao seu conhecimento que"vrios Padres no escondiam aos seculares as suas opinies favorveis ao Prior doCrato"18, um dos pretendentes Coroa.

    A burquesia, por sua vez, vislumbrava as possveis vantagens de um novo mercado,tanto por abastecer como para abastec-la.

    Pagando o resgate dos nobres feitos prisioneiros em Marrocos, Filipe II comprava oapoio de muitas famlias portuguesas. H que se lembrar, ainda, que no momento damorte de D. Sebastio havia uma profunda tendncia para a disseminao da f crist,depois acirrada com os efeitos de Alccer-Quibir sobre a nobreza lusitana. Esta havia

    perdido seus entes queridos na companhia de D. Sebastio agora transformado emMessias.

    13. Cf. AGS, SE 416, n.203, 20/03/1580.

    14. Cf. A. H. de Oliveira Marques.Histria de Portugal, v.II, p.108.

    15. Charles Ralf Boxer. Salvador de S e a Luta Pelo Brasil e Angola: 1602-1686. So Paulo, EDUSP,1973, p.357.

    16.Ordenaes Filipinas. Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1985, liv.1, t.74, pargrafo 2, nota1, p.169.

    17. Cf. Serafim Leite, S. J. Histria da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa, Portuglia, 1938, t.I,

    Livro Primeiro, nota 3, p. 137.18. Cf. op. cit., p.137.

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    Vitorino Magalhes Godinho explica com felicidade os interesses que levaram osgrupos dominantes portugueses a se tornarem pr-filipistas:

    A economia imperial portuguesa bascula assim para a rbita espanhola, poisest em jogo a preciosa prata das Amricas, condicionante de todos aquelescircuitos e o lucrativo trfico de escravos, que os mercadores portugueses quevo cada vez mais fornecer s ndias de Castela, e isto at a Restaurao. Desdeos tempos que precedem a unio dinstica, e graas a ela, os portuguesesinfiltram-se por toda a parte no imprio espanhol quer s escondidas querlegalmente. Essas exigncias econmicas, conjugando-se com a evoluocultural-ideolgica e social, levam as camadas dirigentes portuguesas a entregara coroa a Filipe II ...19.

    Discorrendo sobre a camada inferior anti-filipista, o povo propriamente dito, o autornota que o empobrecimento e o declnio dos camponeses e artfices portugueses, desdeo final do sculo XIV impediu-os de encontrar apoio da mdia burguesia. Isto porque os

    bens sucedidos temem as convulses sociais.

    Fernand Braudel entende que entregou-se Portugal Coroa espanhola, "para ter atripla proteo do dinheiro, dos exrcitos, das frotas de Filipe II e, por este triplo meio,reforar a sua conquista no oceano ndico." 20

    Ainda que tais fatores despertassem mltiplos interesses, nem por isso a totalidadedos sditos portugueses deixou-se levar pelo Rei da Espanha.

    Os favores dispensados nobreza, ao clero e burguesia ainda no eram suficientespara conquistar a simpatia dos elementos mais privilegiados. Por outro lado, os menosfavorecidos achavam-se margem dos benefcios. Alm disso, estes ltimos noestavam familiarizados com o processo de castelhanizao que afetava as classes maisabastadas h algum tempo.

    A partir do sculo XV, a maioria dos homens cultos escrevia ou falava o castelhano.Gil Vicente, Cames e o poeta Pero de Andrade escreveram parte de suas obras nesseidioma. Jernimo Corte Real redigiu totalmente em castelhano a "Austrada", poemapico dedicado vitria de D. Joo de Astria na batalha de Lepanto. Nas universidadesespanholas era grande o nmero de estudantes portugueses, enquanto que em Portugalencontravam-se professores espanhis.

    Nem por isso se pode afirmar que a Espanha, em menor grau, no tenha sofridoinfluncias da cultura portuguesa. As obras artsticas evidenciam as relaes culturais

    entre os Reinos Ibricos.

    No decurso da Idade Mdia, do Renascimento e principalmente durante a unio dasCoroas, intensificou-se o intercmbio na pennsula. Considervel nmero de

    portugueses estabeleceram-se principalmente na Extremadura, por toda Castela-velha,Sevilha e Madri. O escultor Manuel Pereira, nascido no Porto, enriqueceu o patrimnioartstico castelhano. Por sua vez, o arquiteto Juan de Herrera, clebre por suas grandes

    19. Cf. Vitorino Magalhes Godinho. Os Descobrimentos e a Economia Mundial. Lisboa, Presena,

    1983, v.IV, p.218.

    20. Cf. Fernand Braudel. O Mediterrneo e o Mundo Mediterrneo. Lisboa, Martins Fontes, 1983, v.I,p.608.

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    obras, entre as quais o Escorial, estando em Lisboa entre 1581 e 1583, envolveu comseus conhecimentos os homens que faziam a arquitetura no Pas21.

    Fernando Jess Bouza lvarez22 observa que mesmo antes da unio das Coroas amonarquia catlica abriu o caminho da "grandeza castelhana" a muitos nobres

    portugueses. Famlias destacadas em Castela, como a do Duque de Ossuna e a do Condede Valncia, entre muitas outras, eram de origem portuguesa. A comparao quanto aostatus e aos haveres dos nobres que permaneceram em Portugal com aqueles que foramviver em Castela, os quais achavam-se melhor favorecidos, era um argumento paraconvencer os indivduos mais relutantes, pois na condio de vassalos de Filipe II nada

    perderiam com a unio23.

    Dentre todos os aspirantes ao trono, era o neto espanhol de D. Manuel o detentor demaior poder para fazer-se aclamar Rei e dispensar favores aos sditos. Os demais

    pretendentes, seus primos, o Duque de Sabia, o Prncipe de Parma, a Duquesa deBragana e D. Antonio, prior do Crato, encontravam-se em desvantagem.

    Catarina de Mdicis era outra descendente, porm, seu parentesco muito distanteanulava qualquer pretenso24.

    D. Garcia Sarmiento de Sotomayor, aristocrata galego com quem Filipe II secorrespondia, teceu o seguinte comentrio a respeito da disputa ao trono sob o ponto devista da Coroa espanhola:

    La sucesin de los reynos de la Corona de Portugal pertenece al Cathlico reyDon Phelipe, nuestro seor, justa y derechamente, por estar en grado ms

    propinquo respecto del rey don Enrique, su to, y ser el varn legtimo y mayorde das que todos los que concurren en un mismo grado, en el qual no se puedeadmitir al duque de Sabya, porque es menor que S.M., ni el Sr. Don Antonio

    porque (aunque fuera legtimo) tambin es menor, ni la duquesa de Bragana porser hembra, ni menos Raynuncio Farnsio, hijo del prncipe de Parma, porqueest en grado ms remoto 25.

    O Prior do Crato era o mais fervoroso candidato, porm depunha contra ele o fato deser filho ilegtimo do Infante D. Luiz, com a israelita26Violante Gomez, o que explicaas inclinaes dos judeus ao partido de D. Antonio27.

    21. Cf. Nelson Correia Borges. Artistas e Artfices Espanhis em Portugal Durante o Barroco e o

    Rococ - Pontos dos conhecimentos. In: Jess M. Caamao (coord.). Relaciones Artsticas EntrePortugal y Espaa. Valladolid, Junta de Castilla y Len/Consejera de Educacin y Cultura, 1986, p.71-72.

    22. Cf. Fernando Jess Bouza lvarez. Portugal en la Monarquia Hispnica (1580-1640): Filipe II,las Cortes de Tomar y la Gnesis del Portugal Catlico. Tese de Doutorado apresentada na UniversidadeComplutense de Madrid, 1986, p.488.

    23. Cf. op. cit., nota 30, p.535.

    24. Cf. Eduardo Ibarra y Rodrguez.Espaa Bajo los Austrias. Barcelona, Labor, 1935, p.224.

    25. Apud Juan Regl Campistol. Contribucin al Estudio de la Anexin de Portugal a la Corona deEspaa en 1580 (La Correspondencia Cruzada Entre Felipe II y el Aristocrata Gallego Dom GarciaSarmiento de Sotomayor).Hispania, Madrid, 1961, n.21, p.24-25.

    26. Cf. Jos Gonalves Salvador. Os Cristos-novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro(1530-1680).So Paulo, EDUSP, 1976, p.4.

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    No havia apenas laos tnicos unindo-os ao pretenso Rei bastardo, mas uma forteaverso aos Habsburgos. Naturalmente, tal atitude de alguns hebreus resultara das

    perseguies sofridas nos reinos espanhis, razo pela qual parte deles instalou-se noReino luso a partir da segunda metade do sculo XV.

    Em Portugal, o repdio para com os hebreus no se manifestou como na Espanha. NaIdade Mdia este foi o primeiro Reino da Europa a reconhecer os direitos dos judeus28.Enquanto a estavam livres da vigilncia do Tribunal inquisidor criado na primeirametade do sculo XVI, os critos novos em Castela, a partir de 1483 passaram a serseguidos pelo Santo Ofcio, dada a suspeita de terem retomado sua antiga crena29.

    Em 1492, Fernando e Isabel ordenaram que os judeus declarados fossem expulsos deseus reinos no prazo de quatro anos. Segundo Elliott30, apesar dos nmeros seremimprecisos, calcula-se que entre cento e vinte mil e cento e cinquenta mil judeus ecristos novos abandonaram o pas aps esta data.

    Como do conhecimento geral, em Portugal participavam eles dos empreendimentosmartimos, comerciais e da colonizao das novas conquistas. Duas eram aspossibilidades que se lhes apresentavam no momento sucessrio. Por um lado, a uniodas Coroas poderia propiciar-lhes atividades lucrativas com os domnios de Castela, e

    por outro, o apoio D. Antonio possivelmente favorecesse a conexo internacional dejudeus e conversos que buscavam maior comodidade para o trfico intercontinental31.Alguns anos depois ficaram evidentes as relaes entre os cristos novos residentes noBrasil e os judeus portugueses de Rouen, segundo informao oficial vinda de Paris 32.

    D. Antonio, falecido em Paris no ano de 1595, deixava seu filho D. Manuel paracontinuar a trama contra os monarcas espanhis, tentando "tomar pie"no Brasil33.

    A ofensiva de paz de Filipe II baseava-se no seu direito hereditrio ao trono. Eduardod'Oliveira Frana, observa que

    ao se formar o reino de Portugal o princpio da hereditariedade, j vencedor nosculo XII estava consagrado (...) Esse princpio se consolidar a partir doinstante em que se reconhecer aos Reis o direito de designar os sucessores portestamento, que sempre contemplava o filho mais velho ...34.

    27. Cf. op. cit., p.159.

    28. Cf. Anita Novinsky. Os Cristos Novos na Bahia: 1624-1654. So Paulo, EDUSP, 1972, p.24.29. Cf. J. H. Elliott.La Espaa Imperial: 1469-1716. Barcelona, Vicens-Vives, 1984, p.110-111.

    30. Cf. op. cit., p.113.

    31. Cf. Roseli Santaella Stella. Atuao dos Cristos Novos no Brasil Durante o Domnio Espanhol.Trabalho apresentado no 1o. Congresso Internacional sobre a Inquisio, na Faculdade de Filosofia eLetras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 1987, p.6 da cpia original (trabalho indito).

    32. AGS, SE K1460, 16/05/1606, n.68 (66-107).

    33. AGS, SE K1604, 23/10/1601, n.85-144, B87-81; SE K1426, 17/11/1601, SI; SE K1451,22/12/1601, SI; SE 2636, 31/12/1601, SI; SE K1426, 21/11/1602, f.37-89.

    34. Cf. Eduardo d'Oliveira Frana. O Poder Real em Portugal e as Origens do Absolutismo.Boletim deHistria da Civilizao Antiga e Medieval da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras, Universidade de

    So Paulo , So Paulo, 1946, t.LXVIII, n.6, p.220.

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    O autor acrescenta que a sucesso testamental punha fim s dvidas que aprimogenitura pudesse causar, pois "a legitimidade, talvez por influncia da Igreja, erarequisito num tempo em que todos os prncipes que se prezavam tinham o cuidado debrindar a fidalguia de seu pas com bastardos." 35

    Mesmo diante das circunstncias que cercavam o problema sucessrio, com aprobabilidade de um bastardo empunhar o cetro luso, o Cardeal-rei no proclamou emseu testamento nenhum herdeiro entre os pretendentes ao trono:

    E por q~ o tempo q~ fao este testamento no tenho decemdemte q~dereitamate aja de socceder na Coroa destes reynos, tenho mando requerer osmeus sobrinhos, q~ algum direito podem pretemder en e esta (sic.) este Caso dasoccesso posto em justia por tamto no declaro aqui agoura quem me a desocceder, sera quem conforme a dereyto aver de ser esse declaro por meu erdeiroE soccessor, salvo si antes de minha morte nomear pessoa q~ este direito tiver. E

    portanto mando a todas as pessoas de qualqeur calidade estado e condio q~sejam deste meus reynos e senhorios q~ logo como for nomeada a tal pessoa por

    mi, ou pellos Juizes para iso deputados a reconheo por erdeiro, e legtimosoccesor, E como atal lhe obedeo, E lhe dem o menaije e vasallaije q~ soobrigados ...36.

    O texto prova cabal de que D. Henrique no se inclinava a favor de Filipe II, tantoque conclamava disputa do trono todos os sobrinhos com algum direito sucesso.At a sua morte ocorrida em 31 de janeiro de 1580, no nomeou sobrinho algum. Seassim tivesse feito em seu testamento, a legitimidade de qualquer um dos herdeiroslusos talvez aplacasse os nimos e as intenes do pretendente espanhol. Por essa razo possvel explicar-se a conhecida copla popular reservada memria do Cardeal-rei:

    Viva el Rei Dom Henriquenos infermos muitos annos,pois deixou em testamentoPortugal aos castelhanos.37

    Cabia Junta diplomtica enviada a Portugal por Filipe II convencer D. Henrique alegitim-lo rei, diante de promessas de benefcios que a unio das Coroas poderia trazere do compromisso de conceder aos sditos vrias mercs, graas e privilgios tal qualdesejou D. Manuel. Se houve qualquer entendimento verbal entre o Cardeal e a Junta, omesmo no se tornou pblico38.

    Alm do vago testamento, D. Henrique teve pequena participao no pleitosucessrio, eximindo-se da responsabilidade pela ascenso de Filipe ao trono portugus.Este foi um dos fatores que facilitaram a concretizao dos planos do Monarcaespanhol.

    35. Cf. op. cit., p.222.

    36. Cf. AGS, SE 416, f.165, \1579-1580/. Clausula del testamento del Ser.morey D Henrriq.

    37. Cf. Citado por Alfonso Danvila.Felipe II y la Sucesin de Portugal. Madrid, Espasa-Calpe, 1956,

    p.212.38. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. A Dominao Filipina, p.12.

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    Em 1579 e 1580, as Cortes foram convocadas para discutir o problema da sucesso39.Em tais casos poderiam interferir

    quando o trono era considerado vacante por ausncia de herceiro hbil, paraescolher o sucessor, ou por ocasio de incapacidade do herdeiro legtimo, paradesignar a regncia.40

    A partir do sculo XV, as Cortes passaram a participar dos autos de legitimao deherdeiros ao trono, atravs de um cerimonial, "prevenindo futuras contestaes, por um

    processo em que coincidiam os dois princpios - o da hereditariedade e o doconsentimento expresso da nao." 41

    No primeiro encontro realizado em Lisboa, de 1 de abril a 1 de junho de 1579, forameleitos quinze fidalgos e vinte e quatro letrados. Dentre eles o cardeal D. Henriqueescolheu respectivamente cinco governadores para conduzir os negcios do imprio eonze juzes que comporiam um tribunal encarregado da sucesso. Os eleitos nos dois

    casos atuariam aps o falecimento de D. Henrique e at que a questo fosse resolvida.Durante o segundo encontro dos Trs Estados reunidos em Almerim-Santarm de 11

    de janeiro a 15 de maro de 1580, a sucesso foi debatida ocorrendo pronunciamentocontrrio Filipe II. Aos juzes escolhidos por D. Henrique para decidir sobre aaclamao do futuro monarca pouco restava.

    Com a morte do Rei ancio, dias aps ter incio esta reunio, houve a breve regnciados Governadores, durando at a aclamao do novo soberano. Convocado o Conselhode Estado, chegou-se concluso de que "s os Trs Estados tinham poderes paraescolher e jurar o herdeiro da Coroa." 42

    A esperana do Rei espanhol de entrar em Portugal pacificamente havia acabado.To logo teve notcias do falecimento de D. Henrique e da postura adotada pelas Cortesno segundo encontro, ordenou em fevereiro de 1580 a mobilizao de tropas castelhanas

    para entrar no reino cobiado43. No ms seguinte escreveu a D. Catarina, duquesa deBragana, pedindo que o recebesse e o jurasse Rei. Esta atitude serviria como exemploaos demais sditos44. Em resposta a Duquesa proclamava o seu direito ao trono por ser

    portuguesa, neta de D. Manuel; mesmo sendo fmea, legitimamente poderia reinar emPortugal45.

    39. Cf. A. H. de Oliveira Marques.Histria de Portugal, p.154.

    40. Cf. Eduardo d'Oliveira Frana. O Poder Real em Portugal... , p.224.

    41. Cf. op. cit., 226.

    42. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. O Interrogno dos Governadores e o Breve Reinado de D.Antonio . Lisboa, Academia Portuguesa de Histria, 1963, v.3, p.112.

    43. Cf. Geoffrey Parker.Felipe II. Madrid, Alianza Editorial, 1985, p.176.

    44. Cf. Jos Maria de Queirz Velloso. O Interrogno dos Governadores ..., p.61.45. Cf. op. cit., p.62.

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    D. Catarina manteve sua pretenso at que Filipe II entrasse no Reino aniquilandoseu sonho. Sessenta anos depois D. Joo IV, um dos seus descendentes, restabeleceriaseus direitos sobre a Coroa lusa.

    Reconhecendo a gravidade da situao, Filipe II preparava-se para instalar-se na

    fronteira portuguesa, chegando a Badajs em 27 de maio46

    . Na Galcia, o exrcitoreuniu-se sob o mando do Conde de Benavente. No sul as tropas foram comandadaspelo Duque de Alba, D. Fernando lvarez de Toledo, nomeado capito geral.

    O cardeal Granvela advertiu o Rei para que pessoalmente fosse a Portugal sem perdade tempo, pois alguns nobres portugueses comandados por D. Antonio estavam se

    preparando para rechaar a investida espanhola47.

    Antes disso, em princpios de abril, Francisco Barreto, vedor da Fazenda ao tempo deD. Sebastio, partiu para Roma com a misso de buscar auxlio junto ao papa GregrioXIII48. Apesar da simpatia em prol da causa portuguesa, o Pontfice no dispunha de

    argumentos e nem de trunfos capazes de dissuadir o Monarca catlico do propsito deapoderar-se do trono pela fora.

    Em carta aos Governadores em 6 de junho de 1580, Filipe II exigiu que oproclamassem Rei49. Entretanto, a 18 do mesmo ms, um grupo das Cortes proclamouD. Antonio50. Seguiram-se adeses a seu favor em vrias cidades, como Santarm,Lisboa e Setbal.

    Isabel da Inglaterra, Catarina de Mdicis e seu filho Henrique III da Frana apoiavamo Prior do Crato que lhes prometia benefcios comerciais com as florescentes colnias.

    Na Inglaterra apresentaram-se para auxili-lo muitos marinheiros de reputao,destacando-se o temvel Francis Drake. Na Frana, sob a inspeo da Rainha Me,foram preparados os homens solicitados por D. Antonio para acompanharem os tambmaudaciosos conde de Brisac e Filipe Strozzi, este ltimo italiano de nascimento e primode Catarina51.

    Em julho de 1580, os Governadores deram seu manifesto acatando Filipe II como reide Portugal52. Haveria ainda que aplacar os nimos do Prior do Crato e de seusseguidores, entre eles alguns procuradores do povo nas Cortes.

    Aps atacar o Castelo de Setbal, as tropas castelhanas iam submetendo os redutosanti-filipistas. Em Cascais, no ms de agosto, o Duque de Alba venceu a guarnio

    portuguesa enforcando o comandante dela, D. Diogo de