inquirição na justiça. estratégias jurídico-discursivas - virgínia colares soares f alves

219
digitais L e t r a s Teses e Dissertações originais em formato digital 1999 Programa de Pós-Graduação em Letras Inquirição na Justiça: estratégias lingüístico-discursivas C Virgínia olares Soares Figueirêdo Alves

Upload: carol-colombaroli

Post on 16-Dec-2015

34 views

Category:

Documents


13 download

DESCRIPTION

Livro sobre estratégias jurídico-discursivas de inquirição na justiça brasileira.

TRANSCRIPT

  • d i g i t a i sLetras Teses e Disser taes originais em formato digital

    1999

    Programa de Ps-Graduao em Letras

    Inquirio na Just

    ia:

    estratgias

    lingstico-discur

    sivas

    CVirgnia olares Soares

    Figueirdo Alves

  • Ficha Tcnica

    Coordenao do Projeto Letras DigitaisAngela Paiva Dionsio e Anco Mrcio Tenrio Vieira (orgs.)

    Consultoria Tcnica Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicao)

    Projeto Grfico e FinalizaoKarla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicao)

    Digitalizao dos OriginaisMaria Cndida Paiva Dionzio

    RevisoAngela Paiva Dionsio, Anco Mrcio Tenrio Vieira e Michelle Leonor da Silva

    ProduoPipa Comunicao

    Apoio TcnicoMichelle Leonor da Silva e Rebeca Fernandes Penha

    Apoio InstitucionalUniversidade Federal de PernambucoPrograma de Ps-Graduao em Letras

  • Apresentao

    Criar um acervo registrar uma histria. Criar um acervo digital dinamizar a histria. com essa perspectiva que a Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Letras, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco Mrcio Tenrio Vieira, criou, em novembro de 2006, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertaes. Esse projeto surgiu dentre as aes comemorativas dos 30 anos do PG Letras, programa que teve incio com cursos de Especializao em 1975. No segundo semestre de 1976, surgiu o Mestrado em Lingustica e Teoria da Literatura, que obteve credenciamento em 1980. Os cursos de Doutorado em Lingustica e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. relevante frisar que o Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPE, de longa tradio em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nordeste e Norte do Pas. Em dezembro de 2008, contava com 455 dissertaes e 110 teses defendidas.

    Diante de to grandioso acervo e do fato de apenas as pesquisas defendidas a partir de 2005 possuirem uma verso digital para consulta, os professores Angela Paiva Dionisio e Anco Mrcio Tenrio Vieira, autores do referido projeto, decidiram oferecer para a comunidade acadmica uma verso digital das teses e dissertaes produzidas ao longo destes 30 anos de histria. Criaram, ento, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertaes com os seguintes objetivos:

    (i) produzir um CD-ROM com as informaes fundamentais das 469 teses/dissertaes defendidas at dezembro de 2006 (autor, orientador, resumo, palavras-chave, data da defesa, rea de concentrao e nvel de titulao);

  • (ii) criar um Acervo Digital de Teses e Dissertaes do PG Letras, digitalizando todo o acervo originalmente constitudo apenas da verso impressa;

    (iii) criar o hotsite Letras Digitais: Teses e Dissertaes originais em formato

    digital, para publicizao das teses e dissertaes mediante autorizao dos

    autores;

    (iv) transportar para mdia eletrnica off-line as teses e dissertaes digitalizadas, para integrar o Acervo Digital de Teses e Dissertaes do PG Letras, disponvel para consulta na Sala de Leitura Csar Leal;(v) publicar em DVD coletneas com as teses e dissertaes digitalizados, organizadas por rea concentrao, por nvel de titulao, por orientao etc.

    O desenvolvimento do projeto prev aes de diversas ordens, tais como:

    (i) desencadernao das obras para procedimento alimentao automtica de escaner;(ii) tratamento tcnico descritivo em metadados;(iii) produo de Portable Document File (PDF);(iv) reviso do material digitalizado(v) procedimentos de reencadernao das obras aps digitalizao;(vi) diagramao e finalizao dos e-books;(vii) backup dos e-books em mdia externa (CD-ROM e DVD);(viii) desenvolvimento de rotinas para regularizao e/ou cesso de registro de Direitos Autorais.

    Os organizadores

  • 1999

    Copyright V irgnia Colares Soares Figueirdo Alves, 1999Reservados todos os direitos desta edio. Reproduo proibida, mesmo parcialmente,sem autorizao expressa do autor.

    In uirio n st

    ia: q

    a Ju

    e ratgia st

    s

    ling tico-discur

    sivass

    i aoares

    V rgnia Colres S

    F g ei lesi u rdo A v

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOPrograma de Pos-Gradua
  • INQUIRU;AO NA JUSTICA:ESTRATEGIAS LINGOiSTICO-DISCUSIVAS

    Tese apresentada ao colegiado do Programa dePos-Graduag80 em Letras e Linguistica - UFPE,sob a coordenag80 da Profa. Ora. Nelly Carvalho,para ser submetida a banca examinadora, em 7de dezembro de 1999, como um dos requisitospara obteng80 do titulo de doutorado emLingCJistica.

    Recife1995 - 1999

  • INQUIRICAO NA JUSTICA:ESTRATEGIAS L1NGOrSTICO-DISCUSIVAS

    DEFESA DE TESE :7 de dezembro de 1999

    Prof. Dr. Luiz Antonio Marcuschi(presidente)

    Recife1995 - 1999

  • Este estudo discute a nogao wittgensteineana de jogo de Iinguagem a partir daanalise de blocos seqUenciais de enunciados extra[dos de audiencias jur[dicasautenticas. A analise desses fragmentosidentifica estrategias Iingu[stico-discursivasna atividade social de inquirir na Justiga. Aborda-se 0 funcionamento estrategico apartir da nogao de atividade (Wittgenstein,1953), retomada pela etnometodologia,como episodio (Hymes,1962) e evento comunicativo (Saville-Troyke, 1982) e pelapragmatica como evento de fala (Gumperz, 1982') e tipo de atividade(Levinson,1978), numa perspectiva socio-pragmatica na qual 0 papel das relagoesinterpessoais e os contextos sociais imediatos interferem nos diversos processos deinferencia. Teoricos como Grice (1975), Searle (1975), Gumperz (1982), Levinson(1981), Streeck (1980), Brown (1986), Kasper (1981), Tannen (1985), Dascal (1986)e Koch (1998) sac discutidos para tratar a questao da produgao de sentido nainteragao. 0 tratamento da pergunta - resposta, estrutura da inquirigao,fundamenta-se nos estudos de Levinson (1989), Atkinson & Drew (1979), Danet etal (1976), Stenstron (1984), Marcuschi (1986), Moeschler (1986), Hintikka(1994),entre outros. Este trabalho demonstra 0 anacronismo da concepgao delingua, que opera com significados estaticos, apresentado na Iiteratura sobre ahermeneutica jurfdica. Assim como, aponta a falsa analogia da Iinguagem juridicacom Iinguagens artificiais, mostrando que 0 direito utiliza-se da lingua ordinaria,comum e natural, sendo as normas jur[dicas IingUisticamente formuladas e apratica forense estrategicamente articulada, num dos tantos vocabulariosprofissionais especializados.

  • This study discusses Wittgenstein's notion of language games starting by theanalysis of sequential blocks of utterances taken from authentic juridical audiences.The analysis of these fragments identifies linguistic and discursive strategiesoccurring at the social activity of inquiring at court. It focuses on the strategicperformance from the notion of activity (Wittgenstein,1953) revised byethnomethodology understood as episode (Hymes, 1962) and communicative act(Saville-Troike, 1982) and by pragmatics as speech event (Gumperz, 1982) andactivity types (Levinson, 1978), in a social and pragmatic perspective in which therole of interpersonal relations and the immediate social contexts interfere in theseveral processes of inference. To refer to the question of the production ofmeaning in the interaction, the analysis resorts to theorists such as Grice (1975),Searle (1975) Gumperz (1982), Levinson (1981), Streeck (1980), Brown (1986),Kasper (1981), Tannen (1985), Dascal (1986), and Koch (1998). The treatment ofquestion/answer, and the inquiring structure is drawn on Levinson (1989), Atkinson& Drew (1979), Danet et al (1976), Stenstr6n (1984), Marcllschi (1986), Moeschler(1986), Hintikka (1994), among others. This paper shows the anacronism of thelanguage concept that deals with static meanings presented in the literature ofjuridical hermeneutics. It also points out the false analogy of the juridical languagewith artificial languages showing that while law uses the common, natural, andordinary language, the juridical norms are linguistically formulated and the forensicpractice is strategically articulated in one among the many proffessional andspecialized vocabularies.

  • SUMARIO

    Resumo , ivAbstract. " , vSumario '., viIndice dos Quadros viifndice dos Fragmentos vi ii

    INTRODUCAo 01

    CAPITULO 1 - PERSPECTIVAS DA PRAGMATICA L1NGOfSTICA. 141.1. Jogo de linguagem 141.2. Estrategia Discursiva 261.3. Pergunta-resposta .431.4. Regras do jogo 60

    CAPITULO 2 - PRODUCAo DE SENTIDO NO DIRE!TO 682.1.Direito e LingQfstica: perspectivas de troca. 682.2. Notas sobre a interpreta

  • Quadro I - Tipos de tomada de depoimento 07

    Quadro II - Estrategias de inquirigao '" 107

    Quadro III -Inqui

  • Fragmento 1 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (23-30) 54

    Fragmento 2 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (35-43) 55

    Fragmento 3 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (44-47) 55

    Fragmento 4 - pergunta - resposta N 0501 F 04 B (51-66) 56

    Fragmento 5 - pergunta - resposta N 0601 F 04 B (251-259) 57

    Fragmento 6 - pergunta - resposta N 0201 F 02 A (45-49) 58

    Fragmento 7 - Formatayaodo corpus 106

    Fragmento 8 - Narrativa "A L6gica de um Alibi" 120-121

    Fragmento 9 - T6pico "ponto do onibus" 132

    Fragmento 10 - Troca de checagem 1 136

    Fragmento 11 - Troca de checagem 2 139

    Fragmento 12 - Trocas de checagem 3,4 e 5 140

    Fragmento 13 - Trocas de checagem 6 e 7 142

    Fragmento 14 - Troca de checagem 8 144

    Fragmento 15 - Unidade consignada 18 146

    Fragmento 16 - Unidade consignada 19 147

    Fragmento 17 - Unidade consignada 22 148

    Fragmento 18 - Unidade consignada 33 149

    Fragmento 19 - "A L6gica" 151

    Fragmento 20 - "Em jufzo" 152

    Fragmento 21 - "0 rev6Iver" 153

    Fragmenta 22 - "Quem e quem" 153-154

    Fragmenta 23 - "A canfissaa" 154-155

    Fragmento 24 - Unidade consignada 24 157

    Fragmento 25 - Descriyao da ci lada dialetica 160-161

    Fragmento 26 - Cilada dialetica "nao tinha ninguem 18" 168-169

    Fragmenta 27 - Cilada dialetica "fol um tiro s6" 171-172

    Fragmenta 28 - "Quantos gal pes deu na vftima?" 176

    Fragmento 29 - "Esqueci esse detalhe" 178-179

    Fragmento 30 - "Quantas disparos fez 0 acusado?" 182

  • _ Como uma concessao a minha pobre argucia,Lorde Darlimgton, rogo-lhe que me explique 0 que quer

    realmente dizer.

    _ Acho melhor nao faze-lo, Duquesa.Hoje em dial ser inteligivel e ser desmascarado."

    (. ..)(0 leque de Lady Windermere)

    Oscar Wilde (*Dublin, 1854 - t Paris, 1900)

  • INTRODUCAo

    1 Do autor, as principais obras que influenciam 0 pensamento jurfdico ocidental, SaD:KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de Joao Batista Machado. Coimbra:

    Armenio Amado, 1976.-------------------. A Justiga e 0 Direito Natural. Trad. de J. B. Machado. Coimbra:

    Armenio Amado,1979.-------------------, Die Illusion der Gerechtigkeit -Eine kritsche Untersuchung der Sozialphiiosophie Platons.

    Wien: Manzsche Verlag, 1985.

  • no uso da lingua no contexto jurfdico. 2 Os eventos de fala e de escrita constituem

    2 A fonte das scnten

  • Na dissertagao de mestrado, A decisao interpretativa da tala em

    depoimentos judiciais (Alves, 1992), aborda-se a questao do funcionamento da

    linguagem na Justiga, analisando aspectos da tessitura textual na construgao do

    documento da audiencia. Partiu-se da descrigao etnografica do evento "tomada

    de depoimento" pela inexistencia, no Brasil, de ;:esquisa que explicasse 0

    funcionamento discursivo e metodologia adequaclE:1para a segmentagao do

    evento citado. Tomado de emprestimo a Musica, c termo tessitura remete anogao de organizagao I textura. A ideia semantica de unidade, de encadeamento,

    de ligagao entre as partes de um todo constitui a etimologia da palavra. 0 seu

    uso pela Lingufstica de Texto nao e, portanto, uma mera inovagao terminologica,

    mas uma nogao que revela posturas teoricas assumidas pelos estudos do texto.

    Nossa analise (Alves, 1992) contempla as condigoes de interpretagao,

    pelo juiz, dos enunciados produzidos pelo depoente. A determinagao tipologica

    de tomadas de depoimento constitui um dos resultados da referida pesquisa,

    delimitando do is conjuntos basicos de transformagoes processadas na passagem

    do texto-depoimento (fala) para 0 texto-documento (escrita), a saber:

    transformac;oes organizacionais e transtormac;oes interpretativas. A

    classificagao das transformagoes processadas na passagem do texto-depoimento

    para 0 texto-documento considera a observancia ou inobservancia dos princfpios

    de fidelidade e essencialidade, fornecidos pela instituigao jurfdica, na medida em

    que em toda transformagao esta implfcito 0 processo de interpretagao, de

    reformulagao de um texto original mente produzido. 0 texto-documento e a

    editoragao monologada - uma versao em segunda geragao - de um texto

    produzido coletivamente - que nunca podera ser considerado um fae simile do

  • decisoes interpretativas.(cf. Alves, 1993f

    3 Em nosso trabalho utilizamos 0 termo 'transformagao' para designar processos de "tradugaointralingual" ou "retextualizagao". Jakobsan (1988:63-72) distingue tres maneiras de interpretar umsigna verbal ou especies de tradugao. Sao elas: (1) tradugao intralingual au reformulayao, queconsiste na interpretagao dos signos verbais por meio de outros signos da mesma lingua,utilizando Dutra palavra mais ou menos sin6nima ou recorrendo a um circunl6quio; (2) traduagaointerlingual ou tradugao propriamente dita, interpretayao para Dutra lingua; (3) traduc;c3ointersemi6tica ou transmutagao, que ocorre quando e feita a interpretagao dos signos verbais parmeia de sistemas de signos nao verba is.

  • e escrita, inexistem na tomada de depoimentos4.

    funcionamento da Justiga brasileira5. A analise de tomadas de depoimento

    4 Nossa analise e citada por Luiz Antonio Marcuschi, no capitulo 9. Da fala para a escrita, dolivro, 0 tratamento da oraiidade no ensino de lingua, no prelo.

    5 Nossa trabalho extrapola 0 restrito ambito dos encontros de Lingi.Hstica, tendo side apresentadaem encontros promovidos pela area juridica, tais como 0 Seminario de intercambio academicoentre a Programa de Pas - Graduagao em Direito da PUC de Sao Paulo e a Faculdade de Direitodo Recife da UFPE, em janeiro de 1996, onde a tematica tratada foi a semi6tica jurfdica e a 1aJornada Pernambucana de Semi6tica Juridica, promovida pela Faculdade de Ciencias Humanasde Pernambuco, coordenada pelo Prof. Jackson Borges e Prof. Joachim Sebastien, em margo de1998, entre outros. Assim como, temos participado das atividades cientlficas do Nucleo dePesquisa e Estudos Sociojurfdicos (NUPESJ) da UNICAP, desde 1994. Assumimos, em 1998. adisciplina Metodologia de Pesquisa Juridica (JUR 1016) na UNICAP.

  • (1), como esquematizado no Quadro I, a seguir7:

    6 Em todo a pais, as Assembleias Legislativas instauraram Comiss6es de Constituigao e Justiga.Em Pernambuco, tram ita na casa dos deputados um Projeto de Reestruturagao do PoderJUdiciario que tem gerado pohmica entre os poderes legislativo e judiciario em decorrencia das37 emend as apresentadas pelos deputados serem refutadas pelos 27 desembargadores doTribunal de Justiga, segundo 0 presidente do TJ Eterio Galvao. "Os pontos do projeto que maistem gerado polemica na Assembleia sac a extingao das varas de Assistencia Judiciaria,transformando-as em varas comuns; extingao de cargos de 47 taquigrafas e mais 40 juizessubstitutos; extingao das varas de menores do interior do Estado e transferencia das varas deentorpecentes para varas comuns, extinguinda assim as varas especializadas em droga". Assim,o Jornal do Commercia (21/10/1999) trata a materia sab 0 titulo: "Eterio nao convence osdeputados(sic) ASSEMBLEIAfJUOICIARIO Desembargador vai ao Legislativo explicar projeto derestruturagao do Judiciaria e e 'enfrentado' por Guilherme UchOa (deputado do PMOS)". No Brasil,as negociagoes / discussoes, divuigadas na grande imprensa, tem acontecido em clima acirradoentre os poderes, sendo evocadas a eficacia, a agilizag80, a modernizag80 do judiciario(apontando-se a implementagao de computadores como "SOIUg80", inclusive), a aproximagao dopovo etc., pelos representantes das varios segmentos politicos.

    7 0 termo 'consignag80', adotado nesta abordagem, e usado nos f6runs para designar 0 ate de 0juiz registar em documento, assentar, ditar ao escrevente 0 que deve constar nos autos dasdeclarag6es do depoente.

  • (1) P - R (A) ~C(2) PG - N ~ (1)

    Legenda:P PerguntaR RespostaA AvaliagaoC Consignagao~ leva a

    PG Pergunta genericaN Narrativa sem ini:i:HTupgao( ) Elemento facultEltivo- Adjacencia

  • nesta investigac;ao, analisar as estrategias de inquiri~ao, interpretar e explicar

    como elas se processam, como funcionam as jagas de linguagem, na inquiric;ao

    judicial, em situac;6es autenticas de usa.

    Na literatura jurldica, a tomada de depoimento de tipo do esquema (2) (cf.

    Quadro I) e constantemente recomendada (cf. Souza, 1971: 79), com base em

    criterios que sistematizamos da seguinte forma, preservando algumas citac;6es do

    autor, entre aspas:

    (a) cognitivos - referem-se a "mem6ria" e aos esquemas mentais do depoente:"imagens que ele havia coordenado";

    (b) discursivos : "0 sistema de perguntas e res pastas mutila a integridade da

    narrac;ao";

    (c) 16gicos: concernem a hierarquia das proposic;6es "... se desassociem imagens

    que havia coordenado"; "... deixar de parte alguma minudencia";

    (d) jurldicos: "minima differentia facti magna differentia juris".

    Entretanto, nas observac;6es de campo, ha uma preferencia pelo

    questionario, esquema (1). E posslvel inferir que (1) e a forma canonica de tamar

    depoimentos porque, mesmo quando e adotado a tipo (2), ha uma retomada do

    esquema (1). Nesta estrutura, a juiz faz perguntas, a depoente responde, a

    avaliac;ao na maioria das vezes, e a pr6pria consignac;ao, as momentos do

    questionario sao subsequentes a consignac;ao. No tipo (2), entretanto, a juiz faz apergunta generica, como, par exemplo, - " a senhor assistiu a esse crime? "- e

    deixa 0 depoente fazer uma narrativa sem interrupc;ao. Durante a narrativa, a juiz

    anota t6picos que retoma, um par um, no momenta seguinte da inquiriC;ao, de

    estrutura (1). A estrutura (1) corresponde a inquiriC;ao, propriamente, au"quesitac;ao" como denominam as operadores jurfdicos (ct. Quadro I).

  • que "ao tomar 0 depoimento verbal, 0 juiz pode aquilatar, de maneira mais

    segura, da verdade do que esta sendo dito, observando, pelas reticencias, pela

    seguranGa, pela dubiedade e ate mesmo pelas expressoes fision6micas de quem

    depoe, a sinceridade, a pureza de tais depoimentos" (Levenhagem, 1981 :25). A

    citagao contem, no mfnimo, uma vagueza conceitual enl relagao ao termo 'verbal'

    que, como sabemos, tanto pode se referir a um dej':::{)imento oral como a um

    depoimento escrito, pois ambos sac verba is. EstQ r'f.~comendagao da pratica

    jurfdica baseia-se, talvez, no senso comum ou "bom" sensa; imagina-se que a

    "pureza", "manifesta

  • segue os moldes da dissertac;ao de mestrado (Alves, 1992). 0 estudo esta

    dividido em quatro capftulos e as conclusoes.

    o capitulo 1 apresenta e discute as noc;oes de: (a) jogo de linguagem,tratando a noc;ao wittgensteineana de jogos de Iinguagem como multiplas

    condic;oes empfricas das praticas possfveis da linguagem; (b) estrategia

    discursiva, como uma atividade especffica que pressupoe a inserc;ao e a ac;ao do

    homem numa comunidade lingufstica, apresentando algumas abordagens sobre a

    inferencia na interac;ao, (c) pergunta-resposta - aborda a sequencia P-R (A),

    especificando os pressupostos te6ricos e opc;oes metodol6gicas adotadas nesta

    investigac;ao e (d) regras do jOgO, tratando as possibilidades de produc;ao de

    sentidos em func;ao do tipo de inquiric;ao, prop6sito e matriz de ganhos do jogo. 0

    funcionamento dos textos, nos eventos sociais, observa regras de finidoras, mas,

    sac as regras estrategicas que dao conta de sequencias maiores de lances do

    jogo, delineando-o de maneira global.

    o capitulo 2 expoe alguns pressupostos da interpretac;ao jurfdica, dando

    indicac;oes da concepc;ao de lingua que permeia a literatura sobre a

    hermeneutica jurfdica. A noc;ao de cIaritas, na literatura jurfdica, pressupoe a

    existencia de um sentido literal, sendo a interpretac;ao jurfdica uma "tecnica"

    para desvenda-Io ou, como afirmam alguns, desvela-Io, na busca da "verdade".

    Estabelecemos analogia entre tais abordagens e crenc;as metaffsicas oriundas da

    dicotomia "mundo das ideias" - "mundo das coisas" do platonismo. Como na

    semiologia de St~. Agostinho, essas abordagens operam com uma semantica

    ingenua (Dascal, 1989) que relaciona "palavras I coisas", num processo de

    etiquetagem automatico. Pais a semantica ingenua supoe a existencia objetiva e

    estanque das "significac;oes", incluindo 0 "conteudo" das afirmac;oes, teorias,

  • normas de conduta, etc. A interpretagao, nessa perspectiva, prescinde 0 uso que

    se faz da lingua na vida diaria, acreditando que a interpreta~ao correta e

    imediatamente acessivel a qualquer pessoa que domine a tecnica e as regras

    rigidas da lingua. Nessa condigoes, a interpretagao se obtem pela aplicagao

    16gico-algoritmica de regras, a maneira tarskiana.Destacamos que apesar da utilizagao exaustiva do latim - "lingua morta" -

    nos brocardos jurfdicos, a linguagem jurfdica utiliza a lingua comum e natural

    (objeto de estudo da linguistica) e nao "lInguas artificiais ou formais", tais como

    os sinais da matematica, da 16gica, da quimica ou da ffsica que constr6em

    sistemas de signos pr6prios. Qualquer abordagem que, trate a linguagem juridica

    como "Iinguagem artificial da ciencia do Direito" esta estabelecendo uma falsa

    analogia. As normas juridicas sac linguisticamente formuladas e a linguagem

    jurfdica mais um dos vocabularios profissionais especializados.

    Acreditamos, ainda, que algumas consequencias da atividade lingufstica

    de inquirir tem suas origens no contato academico com tais postulados.

    Apresentamos aproximagoes entre 0 direito e a lingUistica em outros paises,

    apontando perspectivas de troca entre os dois dominios do conhecimento,

    postulando a existencia de um objeto de estudo especffico que justifica a agao

    interdisciplinar.

    o capitulo 3 delineia a metodologia, apresentando 0 modelo detranscrigao, a formatagao do corpus e a estrutura do evento que denominamos

    tomada de depoimento. A proposta deste trabalho, em sua concepgao, constr6i

    seu metodo de estudo: elaborando conceitos (nomeando as estrategias

    linguistico-discursivas), propondo recortes discursivos (na forma de fragmentos)

    a partir de dados lingu[sticos brutos coletados na Justiga, adaptando a

  • formatagao consagrada pela analise da conversagao as necessidades do

    trabalho e elaborando procedimentos pr6prios de analise.

    No capitulo 4, analisamos os blocos sequenciais que identificamos como

    estrategias de inquirigao. 0 evento comunicativo a que chamamos "tomada de

    depoimento" tem estrutura interativa complexa na sua realizagao. Para fins de

    analise, consideramos como estrategias estruturais (:Ie:;, evento, os dois modelos

    de audiencia fornecidos pela literatura juridica, corne, descreve Souza (1971), que

    sac os consagrados pela pratica forense brasileira. Sendo assim, propomo-nos a

    trabalhar dois grandes conjuntos de estrategias: (a) estruturais e (b)

    processuais. Nossa analise, divide-se em cinco partes de acordo com as cinco

    estrategias linguistico-discursivas apresentadas neste trabalho, ou seja, (a)

    deixar produzir uma narrativa; (b) rechecagem nos momentos (i) e (ii); (c)

    rechecagem nos momentos (iii) e (iv); (d) deponTlentos reiterados; (e) cilada

    dialetica. Como nucleo de nossa discussao assumimos a nogao wittgensteineana

    de jogo de linguagem. Sendo assim, a analise interpretativa incorpora os

    postulados te6ricos, ja apresentados, tentando dar conta de cada atividade

    linguistico-discursiva em cada estrategia identificada no corpus, caso a caso. As

    denominagoes das estrategias consideram a pr6pria atividade em curso, tendo

    side 0 termo 'cilada dialetica', incorporado aqui, cunhado por um dos juizes.

    As conclusoes retomam aspectos centrais da analise na forma de

    resultados basicos. Assim como, sugere aplicagoes desta investigagao para 0

    ensino nos cursos juridicos e sinaliza possibilidades para outras investigagoes na

    linha de pesquisa do discurso juridico, visando um dominio interdisciplinar.

  • CAPITULO 1

    PERSPECTIVAS DA PRAGMATICA LINGOfSTICA

    8 Kempson (1980: 22-32) aponta algumas dessas abordagens da significagao: (1) teoriasfundadas na concepg8o extensionafista que reune teorias que supoem homogeneidade na relagaopalavra/objeto (Russel, 1902; Davidson, 1967); (2) teorias imagfsticas que explanam a naturezado significado em fungao da imagem no cerebra do falante (ou do ouvinte), como supoe Souza(1971); (3) teorias a partir da ideia de conceito , sendo que "coloca-se apenas no lugar do termoproblematico significado 0 termo igualmente opaco conceito" (p.27) que Sapir (1921: 13)denominou "capsula conveniente do pensamento" e Saussure tratou 0 resultado do valor doconceito no sistema da lingua; (4) teoria componencial que requer a analise nao empfrica darelac;;ao palavra/conceito e estabelece relayao entre a palavra e complexos de significado - osprimitivos semanticos - a partir de marcadores semanticos (Katz, 1972); e por af vaL

  • "Na cultura contemporaneal quando se lan
  • "pais pode parecer como se, em logica, falassemos de umalinguagem ideal. Como se a nossa 16gica fosse uma 16gica, parassim dizer, para a vazio.( ...) e como se fosse necessaria urn 16gicopara mostrar finalmente aos homens que aparencia deve ter umafrase correta." (Wittgenstein [1953], 1996: I 81)

  • "A linguagem deve servir para 0 entendimento de urn construtorA com urn ajudante B. A executa a constru
  • "vVittgenstein nao arenas destruiu 0 conceito de lingua ideal,construido pelos fi16sofos l6gicos, mas sua analise faz pairar umaduvida sobre a consistencia do conceito de 'lingua', realidadeautonoma e unitaria, tal como a construiram os lingiiistas,particularmente desde a gramatica comparada do seculo XIX."11

    questoes: " 'Que e uma pergunta?' _ E a constata~ao de que nao sei tal e tal coisa,

    11 0 uso moderno do termo 'Pragmatica', entretanto, e atribufdo a Charles Morris (1938) quedelimitou sintaxe, semantica e pragmatica, distinguindo-a do pragmatismo - uma combinag3o de16gica, epistemologia e etica do 16gico americano Charles Sanders Peirce. (cf. Ogden & Richards,1976: 279-289).

  • "Imagine urn jogo de linguagem no qual B informa a A,respondendo a uma pergunta deste, 0 mimero de lajotas ou cubosde urn monte, ou as cores e formas das pedras espalhadas aqui eali. _ Tal inforrna
  • 12 A nOCfaode "ato de iinguagem" em Wittgenstein nao equivale a nog80 de "ato de fala" deAusti n. (cf. nota 14 e item 2.3)

  • ProgrllID9> de P6s-Grfl.(11lit\Q!i.t,> 21ern Le,tras e Ut1i4:d",dul;,

    PiPEsequencias que ocorrem antes e que Ihe servem de "pistas contextualizadoras",

    14 Ao postular que os atos ilocucionarios de fala sao unidades culturais indissoluveis dos fatosinstitucionais de cada comunidade, a teoria dos atos de fala (introduzida por Austin (1962) e

    sistematizada por Searle (1969)) apresenta, tambem, a possibilidade do ato ilocucionario serincorporado pela semantica e pertencer a lingiHstica e os atos perlocucionarios pertencerem aoutros dominios do conhecimento. A pragmatic a fragmentada gerou tres tendencias de estudo dosatos de fala: os pragmaticistas, os semanticistas e os complementaristas. A vertente dospragmaticistas elegeu 0 ato de fala como unidade pragmatica, entretanto, a maioria das analisesadotou frases idealizadas como unidade padrao, nunca dados empiricos em seus contextos derealizaQ80.

  • literai da forma lingufstica.15

    15 Fillmore (1966) afirma que todo enunciado assertive (ou declarativo) tem uma pressuposi

  • perguntar, contar, tagarelar pertencem a hist6ria de nossa natureza assim como

    andar, comer, beber, jogar"; trata-se, portanto, de uma faculdade, uma

    capacidade humana, 0 indivfduo que compreende e capaz de fazer coisasespecfficas. A nogao de estrategia como atividade especffica que pressupoe

    como fundamento a insergao e agao do homem numa comunidade lingufstica tem

    sua origem na nogao de jogos de linguagem de Wittgenstein, baseada na

    possibilidade de mudanga de conceitos e significados a partir da fungao que as

    textos assumem na comunidade.

    A importancia da filosofia wittgensteineana e apontada par Parret (1988),

    que ve nela um dos marcos te6ricos nos estudos da linguagem. 0 autor discute

    as nogoes de regularidade, regra e estrategia a partir de consideragoes

    epistemol6gicas de tres paradigmas que abrangem as tendencias da teorizagao

    contemporanea: Saussure, Chomsky e Wittgenstein, rEispectivamente. 0 autor

    trata dos pontos de vista de cada tea ria, a natureza das regras e a modo como

    cada teoria encarou a funcionamento da linguagem na produgao de sentido. Da

    abordagem estrutural de Saussure e de sua metodologia dicotomizante consagra-

    se a metafora econ6mica centrada na nogao de valor que prioriza as

    regularidades da fala para descrever a lingua, sacrificando as variagoes

    (temporais, individuais e contextuais). Na teoria lingUfstica de Chomsky, as

    nogoes de gramatica e regra sao nucleares e a metafora biol6gico-ffsica gerou

    leis interiorizantes a partir de tres mecanismos explicativos: abstragao,

    matematiza

  • adotou a metafora social, fundada na nog80 de comunidade (estar "em

    conex80"); nessa perspectiva, as regras san estrategias exteriorizadas e

    pertencem ao senso comum de uma comunidade lingOfstica. A nog80

    wittgensteineana de comunidade refere-se ao modo de agir comum aos seus

    membros, ao carater convencional e publico da Iin~Ju8gem, em contraposigao a

    nogao de "Iinguagem privada" associada a inten(~:~tcJa intuig80 e percepgao

    individuais.

    A aproximagao entre Filosofia e LingOfstica intensifica-se, neste seculo, a

    partir de Wittgenstein. Muitos fil6sofos reconhecem que muitos dos problemas

    "filos6ficos" apresentados como sistemas metaffsicos e outras tantas afirmagoes

    sobre a natureza das coisas eram resultado da projegao ilegftima de regras

    segundo as quais elaboraram suas frases, quando falavam sobre 0 mundo. Ou

    seja, a revis80 que se faz, hoje, na filosofia p6s-wittgensteineana e terapeutica

    (uma auto-compreensao da filosofia), no sentido de mostrar que aparentes

    enigmas filos6ficos e varios problemas considerados fundamentais da existencia

    humana san 0 resultado da Ifngua mal empregada. Tanto e que, quando 0

    equfvoco Iingufstico e apontado (na questao, no enunciado do problema ou na

    proposigao) 0 questionamento fiios6fico mostra-se sem significado estrito e sua

    solugao nem e possivel, nem necessaria, do ponto de vista filos6fico (cf. Robins,

    1981: 365).

    Para a LingOistica, as questoes de senti do , antes restritas a adigao de um

    sentido estrutural a um sentido lexical (cf. Kempson, 1980), ganharam impulso

    com a possibilidade de considerar a praxis no processo de compreensao.

    Blikstein (1995), tomando como ponto de partida 0 filme de Werner Herzog: Jeder

    fUr sich und Gott gegen aile (1974) (0 enIgma de Kaspar Hauser), concebe a

  • praxis como a fabricaQc30 da realidade. A /inguagem primitiva ou e/ucidaQc3o

    ortensiva (... "Santo Agostinho descreve 0 aprendizado da linguagem humana

    como se a crian

  • A ideia de jogo de linguagem, portanto, ao corresponder a: (1) "Iimitagao

    das escolhas, impostas a atividade do jogador pelas regras" e (2) "carater nao

    rigorosamente determinante dessas regras, que possibilitam escolher entre varias

    taticas e, eventualmente, determinar a melhor tatica caso por caso (que assegure

    sucesso ou 0 melhor resultado do J. UogO))"16,restringe as possibilidades de

    produgao de sentido, pois se um texto nao tem um unico sentido (deslocamentos

    poeticos, ambiguidade, polissemia, etc ...), tambem nao tem todos os sentidos ad

    infinitum, remetendo a analise ao funcionamento estrategico de discursos em

    situagoes autEmticas de interagao.

    o termo 'estrategia', de origem grega, consta nos dicionarios como "arte

    militar de planejar e executar movimentos e opera

  • " A defini
  • que por definic;ao, a intencionalidade subjacente nao pode ser aberta17. Os

    17 Parret (1988: 55) remete para 0 trabalho de Vincent e Cartelfrenchi (1981) 'On the art ofdeception: how to lie while saying the thruth'. In: H. Parret & M. Sbisa and J. Verschuren (eds.),pp. 749-77. (conforme bibliografia em Parret (1988: 253).

    18 "A razao pela qual eu pensava que 0 pensamento e a fala eram uma 56 e mesma coisa agoratornou-se clara. 0 pensamento com efeito e uma especie de linguagem." (Wittgenstein (Carnets:12 de set. de 1916) apud Auroux, 1998:59)

  • atividade em questao. De que maneira as propriedades estruturais de uma

    atividade restringem a contribuic;ao verbal que pode se realizar atraves dela? - e

    a questao central do autor. Os princfpios basicos sac encontrados nas

    abordagens do estudo da inferencia no discurso, apresentadas pelo autor:

    (1) 0 princfpio de cooperac;ao (Grice, 1975) permeia a interac;ao nas diferentes

    situac;oes e os pressupostos gerais sac tao fortes que as aparentes violac;oes

    aumentam as inferencias que poderao preserva-Io;

    (2) nas abordagens de Gordon & Lakoff (1975), Heringer (1972), Fraser (1975),

    a forc;a i1ocut6ria indireta produz inferencias de regras especfficas para

    formular expressoes indiretas de tipos particulares propostos. Entretanto,

    Searle (1975) e Brown & Levinson (1978) sugerem que esses princfpios

    especfficos podem ser reduzidos aos princfpios mais gerais de Grice (1975);

    (3) na inteligencia artificial, 0 estudo de Charniak (1972) destaca a enfase ao

    uso macic;o de conhecimento factual sobre 0 mundo como premissas para

    gerar inferencias, aproximando-se da ideia minskeneana de "frame";

    (4) as abordagens etnometodol6gicas da analise da conversac;ao, especial mente

    as de Sacks, Schegloff & Jefferson (1974), Turner (1974) e Schegloff (1984),

    cuja enfase recai na informac;ao estrutural sobre a organizac;ao conversacionai

    e na maneira como cada informac;ao predispoe os participantes a verem os

    enunciados como preenchendo certas func;oes em decorrencia de suas

    localizac;oes estruturais. Ha inferencias decorrentes da pr6pria estrutura da

    conversac;ao e do papel que cada enunciado desempenha naqueia situac;ao

    conversacional.

    o recurso a estrategias de varias naturezas, em nfveis hierarquicos

    diferentes, no processo de compreensao, tem side bastante discutido nos ultimos

  • anos, tanto por linguistas quanto por psic610gos. Podemos destacar os seguintes

    estudos: modelos de compreensao (Clark & Haviland, 1977; van Dijk & Kintsch,

    1983; van Dijk, 1992); processos de inferemcia (Sacks, 1985; Shank et ai, 1982);

    uso estrategico no processo de aprendizagem (KirbY,1984); polidez (Brown &

    Levinson (1978), Davidson, 1984); relagoes interpessoais (Goffman, 1959, 1983);

    argumentagao (Koch, 1984); efeitos da mudanga de t6pico (Jefferson, 1972);

    abertura conversacional (Schiffrin, 1977); solicitagao de aplauso (Atkinson, 1982);

    identificagao referencial (Marcuschi, 1994).

    o funcionamento estrategico do discurso, entretanto, e uma via de mao

    dupla na interagao. as te6ricos tem privilegiado as estrategias de compreensao

    em detrimento das de produgao, tratando, assim, 0 processamento textual de

    maneira unilateral. Para Van Dijk (1992: 31), que adverte para 0 processo

    construtivo do conhecimento, a diferenga fundamental entre estrategias de

    produg80 e de compreens80 reside na direg80 do mapeamento: 0 ouvinte e 0

    locutor tem acesso a diferentes tipos de conhecimento; consequentemente, a

    natureza das estrategias relevantes e tambem diferente. A principal tarefa do

    locutor e a construg80 da macroestrutura textual - plano semantico do discurso-

    , composto de elementos do conhecimento geral, elementos do modele

    situacional que inclui 0 modele do ouvinte (seu conhecimento, motivagoes, agoes

    passadas e intengoes) e um modele do contexto comunicativo. Esse macroplano

    possibilita, portanto, a execug80 da base textual de maneira estrategica (niveis

    local e linear), de modo que 0 processamento inferencial decorre de: escolhas

    entre informagoes implfcitas e explfcitas; estabelecimento de sinalizagao da

    coerencia local; formulagao de estruturas de superffcie (dados semanticos,

    pragmaticos e contextuals) enquanto "inputs" controladores. Nao confundir com

  • as abordagens que adotam 0 modelo de input - processamento - armazenagem -

    output (herdado da informatica), que devem ser vistos com cautela na area da

    interpretagao humana. Apesar de ser bastante objetivo na computagao (e

    adotado pelas teorias da comunicagao de massa), podem levar a resultados

    equivocados, visto que um especialista sabe muito bem como 0 input e

    armazenado na memoria do computador, mas nos ainda nao temos tanta

    objetividade nas nossas teorias acerca do processamento cognitivo da linguagem

    do ser humano. 0 indivfduo nao codifical decodifical codifica mensagens como

    um operador de codigo Morse, num ate automatico. As analises IingOfstico-

    discursivas do processamento cognitivo sac interpretativas e realizam - se a

    partir de dados empfricos em situagoes autenticas de interagao.

    Koch (1998:26-34) discute atividades e estrategias de processamento

    textual como a mobilizagao "on-line" dos diversos sistemas de conhecimento, que

    para efeito de exposigao, divide-as em: (a) estrategias cognitivas; (b) estrategias

    socio-interacionais e (c) estrategias textuais ou textualizadoras.

    As estrategias cognitivas (a) "consistem em hip6teses operacionais

    eficazes sobre a estrutura eo significado de urn fragmento de texto ou de urn texto

    inteiro" (p. 29), tendo a fungao de permitir ou facilitar 0 processamento textual,

    quer em termos de produgao, quer em termos de compreensao. Sao estrategias

    de uso do conhecimento que resultam tanto das caracterfsticas textuais e do

    contexto, como das caracterfsticas dos usuarios da lingua: seus objetivos,

    convicgoes, crengas, opinioes e atitudes, conhecimentos de mundo (de tipo

    episodico ou conhecimento mais geral e abstrato, representado na memoria

    semantica ou enciclopedica) "0 que torna possivel, no momento da compreensao,

    reconstruir nao somente 0 sentido intencionado pelo produtor do texto, mas

  • on n de P6" - G T:'\(l uay~O 32Jl. rogTaD1 '" '" .

    ern Letras e LinguistlC@,UYPE

    tambem outros sentidos, nao previstos ou mesmo nao desejados pelo produtor"

  • fala de atribuigao de identidade social; sendo 0 primeira usado para reverter,

    numa dada situagao, uma posigao desfavoravel ou subordinada, pelo apelo a

    uma outra identidade, visando assegurar 0 contrale da situagao, na

    negociagao dos papeis sociais. "Voce nao passa de ..." e suas variantes e

    considerado por Penna, tambem, como rito social usado para demarcar

    espagos, direitos e deveres; sendo "Voce sabe COI'V' quem esta falando?", no

    pracessamento da estrategia de negocia~ao, urr! lito social auto-atributivo e

    "Voce nao passa de ..." uma atribuigao dirigida ao interlocutor, um caso de

    alter-atribuigao.

    As estrategias textuais ou textualizadoras (c) consistem na selegao de

    diferentes formas de organizagao dos elementos lingOfsticos no texto, tendo em

    vista a produgao de sentidos. Koch distingue:

    (1) estrategias de organiza~ao da informa~~ao, que dizem respeito a

    organizagao do material lingOfstico na superffcie textual (estrutura

    informacional dado I novo e articulagao tema-rema);

    (2) estrategias de formula~ao: (a) insen;ao que intraduz explicagoes ou

    justificativas; apresenta ilustragoes ou exemplos; intraduz atenuagoes,

    ressalvas, avaliag6es; faz comentarios metaformuiativos com a fungao

    de organizar 0 mundo textual; ou despertar ou manter 0 interesse dos

    interlocutores pela insergao de questoes retoricas (recurso persuasivo);

    ou criar uma atmosfera de cumplicidade ou intimidade (b) reformulac;oes

    retoricas que se realizam atraves de repetigoes, parafraseamentos para

    reforgar a argumentag2lo ou para facilitar a compreensao pela

    desaceleragao do ritmo de fala ou reformulac;oes saneadoras que

    ocorrem sob a forma de corregoes au reparas, repetigoes e parafrases

  • com a fungao de solucionar dificuldades de compreensao (auto ou

    heterocondicionada) imediatarnente apos a verbalizagao de um

    segmento.

    (3) estrategias de referenciac;ao ou (re)ativagao de referentes realiza-se

    pela remissao anaforica ou cataforica, form,mdo-se cadeias coesivas ao

    longo do texto. A remissao efetua-se por rrli;:dode recursos de ordem

    "gramatical" ou de natureza lexical (sin{;;nIlTlos, hiper6nimos, nomes

    genericos, descrigoes definidas, reiteragao de um mesmo grupo nominal

    ou por meio da elipse). Para Koch, a partir de "pistas" expressas na

    superffcie textual, pode-se inferir 0 todo de algumas partes, um conjunto

    de um ou mais subconjuntos, conhecimentos que fazem parte de um

    mesmo "frame" ou "script.

    (4) estrategias de "balanceamento" do explicito/implicito que

    estabelecem relagoes entre informagoes textualmente expressas e

    conhecimentos previos, pressupostos ou partilhados. Sobre os

    conhecimentos partilhados, Marcuschi adverte que, na vida diaria, nos

    orientamos na suposigao de que, semanticamente, nossas

    representagoes sac comuns. "Ernbora tida como pacifica, essa no~ao e

    ainda obscura e nao pass a de suposi~ao de partilhamento". Marcuschi

    (1994: 06)

    Marcuschi (1985: 03-16) distingue inferEJncias de pressuposigoes que

    preenchem as lacunas dos textos, em decorrencia do "princfpio de economia

    lingu[stica", inserindo elos de ligac;8.o. Para 0 autor (corroborando sugestao de

    Brown e Yule (1983:257)), "a restaura

  • "Reservo portanto, 0 termo inferencia apenas para os casos em queas rela
  • ESQUEMA GERAL CAS INFERE:i;,!CIAS

    (A) INFERENCIAS LOGICAS- dedutivas {baseadas sobretudo nas rela

  • "A analogia e a correla
  • 'motiva
  • sentido numa abordagem ecletica, contemplando a semantica dos enquadres

    (frame semantics), a teoria dos atos de fala, a teoria das implicaturas

    conversacionais (maximas de Grice), a teoria dos conjuntos vagos, abordagens

    da comunica

  • Programs, de P Cll' ~, G l' I'1tlll n ~~;,t 40em tetra!; ~ LHigu1s!lcli;

    Uillpergunta (IV), no nfvel ret6rico, identifica mudangas de registro sociolingu[stico

  • iceberg), onde a relevancia nao e monolltica e as contextualizagoes sac

    organizadas de maneira progressiva e hierarquizada, permitindo uma

    compreensao em perspectiva. No apice da piramide, estao as regras gramaticais,

    o fragmento de lingua em seu co-texto (incluindo as relagoes deiticas e

    anaf6ricas). Nos estagios intermediarios, estao a fungao proposicional que

    contextualiza 0 referente e a condigao ilocut6ria que contextualiza as intengoes

    acionais (situagoes que determinam a significanc:ia). Na base da piramide,

    finalmente, esta a contextualizagao mais fundamental, que consiste no carater

    comunitario como um valor com suas maximas derivadas. Tanto a "cebola

    semantica" como a "piramide" aproximam-se da ideia wittgensteineana de

    representaqao panoramica que consiste justamente em "ver as conexoes" das

    articula~6es intermediarias. (cf. (Wittgenstein [1953], 1996: I 122)

    Adam (1990: 51-106), por sua vez, propoe pianos de organizagao do texto

    em: cadeias, espagos semanticos, blocos textuais, perfodo, dimensao

    pragmatico-configuracional, numa abordagem tambem hierarquisada.

    (1) cadeias (plano do enunciado) nas quais ocorre a progress80 textual,

    continuidade e organizagao do sistema referencial/seqOencial;

    (2) espa~os semanticos (plano da enunciagao) onde a organizag8o da

    polifonia gera os sentidos interpretaveis dentro de quadros possfveis. Os textos

    tem marcas visfveis de atribuigao de proposigoes ao enunciador/locutor, tais

    como: citag80 de fala, verbos dicendi (afirmar, postular, pregar, dizer, verbos de

    opiniao, etc ...);

    (3) segmenta~ao de blocos textuais visfveis/perceptiveis; na fala, situa-se

    no eixo do tempo (pausas, hesitagoes); na escrita, tem base no espago, na

  • pontuagao, na paragrafagao, na disposigao grafica na organizagao da folha de

    papel;

    (4) periodo (especie de empacotamento proposicional) que organiza 0

    ritmo sintatico do texto, elementos da pontuagao, conectores e organizadores de

    perfodos;

    (5) estrutura sequencial que compreende: (a) texto: unidade constitufda

    de varias sequencias, (b) proposi~ao: (constituinte) unidade semantica mfnima e

    (c) sequencia: unidade constitutiva do texto, como pacotes de texto. Para 0

    autor, um texto e uma unidade constitufda de sequencias que sac constitufdas

    de macroproposigoes, que sac constitufdas de proPOSigOIi:1S;

    (6) dimensao pragmatico-configuracional que compreende a analise de

    configuragoes do todo textual, a partir de uma fung8o, que emerge no texto na

    seguinte configurag8o: (1) componente semantico-referencial (conteudo); (2)

    componente enunciativo-discursivo (enuncia~ao) e (3) componente

    argumentativo - pragmatico.

    Como se ve, a revisao de literatura desta amostra do conjunto da

    teorizagao sabre estrategia discursiva (ou de processamento textual), no seu

    bojo, traz a essencia dos fundamentos filos6ficos postos por Wittgenstein, em

    Investigac;oes, com a ideia de jogo de Iinguagem (cf. item 1.1).

    A analise estrategica do funcionamento lingufstico-discursivo das

    inquirigoes judiciais verificara, a partir da observag8o da reelaborag8o feita pelo

    juiz daquilo que foi dito pelo depoente, 0 funcionamento da produg8o de sentido,

    as camadas da significag80 onde incidem as interpretagoes na interag80 e outros

  • estrangeira.21

    21 A descrig8o, segmentag80 e modelo analltico para 0 evento tomada de depoimento, propostopor Alves (1992), foi adotado por Jose de Ribamar Mendes Bezerra, em sua dissertagao demestrado: "Existe inquirigao acusativa na linguagem do poder judiciario?", defendida em 1996, naUniversidade Federal de Alagoas.

  • ponto da segunda parte do mesmo par" (tradug80 livre). Os autores, presos ao

    modelo estruturalista, constr6em um sistema abstrato, uma regra prescritiva para

    explicar como as pessoas produzem perguntas e respostas; pretendo predizer

    como as pessoas reais, na vida diaria, conversam. 0 desenvolvimento da analise

    da conversag80 demonstra que tal rigidez n80 se aplica ao que acontece na

    pratica, pois 0 usa subverte esta regra, as pessoas falam em sobreposig80,

    transgridem outras regras, nem sempre esperando que 0 outro pare de falar.

    o instrumental te6rico para os estudos da interag80 fornece algunsmodelos para a analise do par adjacente pergunta e resposta - P-R. Os estudos

    do discurso jurldico, de uma maneira geral, elegeram 0 par P-R, como objeto de

    estudo. Esta parece ser uma escolha "natural", visto que as interagoes de

    negociag80 da ordem social realizam-se, na sua maioria, em situagoes interativas

    de inquirig80. Portanto, a seqOencialidade, a pOSig80 e a localizag80 de

    elementos lingOlsticos orientam os estudos empfricos de estrategias recorrentes

    na interrelag80 pergunta-resposta.

    Atkinson & Drew (1979) realizam uma analise detalhada a respeito da

    organizag80 dos turnos de tala no contexto jurldico, a partir do texto classico de

    Sacks, Shegloff e Jefferson (1974) para a conversag80 cotidiana. A analise, no

    contexto jurldico, aponta duas caracterlsticas que distinguem a interag80 na corte

    da conversagao informal:

    (a) a ordenag80 dos turnos de fala e fixa e predeterminada;

    (b) 0 tipo de turno e fixe e predeterminado.

    Neste quadro, portanto, elaborar perguntas e uma atividade restrita a parte que

    conduz a interag80, fenomeno que caracteriza uma assimetria interativa; a

  • interagao na Justiga se caracteriza par regras institucionalizadas, ritualfsticas,

    predeterminadas e, em princfpio, fixas.

    Ducrot (1977:17-19), inspirado na nogao de implicatura conversacional de

    Grice, configura as condigoes de existencia do ata da enuncia

  • usa assimetrico nas interaf;oes interpessoais. Nesse contexto, as papeis sao

    rigidamente definidos: a juiz pergunta, a depoente responde.

    Danet et 81 (1976), tomando como unidade de analise a sequencia

    pergunta-resposta e como orientaf;ao te6rica as atos da fala (Austin,1970;

    Searle,1969; e Fraser, 1976), tem como objetivo uma texionomia das perguntas e

    do grau de coercitividade das mesmas. Os autores codif~caram vinte e seis tipos

    de pergunta e res posta na corte, concluindo qUE, a coercitividade realiza-se

    atraves de seis tipos basicos de pergunta:

    (1) Entona~ao: "Entao voce fez x ?"

    (2) AmbigUidade ilocuciomiria: "Voce pode nos contar ..."

    (3) Perguntas fechadas, cuja resposta deve ser sim au nao:

    "Voce foi para casa depois que deixou a trabalho?"

    (4) Utiliza~ao de marcadores interrogativos~ como: que, quem, onde,

    quando e por que: "0 que voce fez quando ele pegou a arma?"

    (5) Declarativas que pedem confirma

  • Iimitada que reLine proposigoes de natureza prescritiva. Ha um certo consenso

    entre as pesquisadores que trabalham com a discurso jurfdico, no que diz

    respeito aos modelos analfticos para interagoes cotidianas; para eles, tais

    modelos nao podem ser aplicados automaticamente, sem levar em conta as

    especificidades do evento comunicativo e, consequentemente, a tipo de texto

    produzido.

    o par pergunta e resposta, uma das sequencias conversacionais maiscomuns, e abordado em varios modelos de analise na literatura; porem, ha muita

    circularidade nas definigoes e subjetividade na classificagao dos elementos do

    par. No geral, as definigoes, do ponto de vista funcional, assemelham-se a dada

    par Stenstrom (1984:263), que define uma pergunta (P) como um enunciado que

    pode solicitar uma res posta (R) e R como um enunciado coerentemente

    produzido par solicitagao de P; e a "follow - up" (traduzido como avaliagao- A)

    (F), como uma reagao a resposta- R. A autora considera que, nas interagoes, a

    pessoa que elabora uma pergunta frequentemente demonstra a que pensa au

    espera da resposta - como par exemplo se concorda au discorda, se esta

    surpreso, etc. - au, par outro lado, reconhece a receptividade da informagao com

    A literatura, em geral, trata a pergunta (P) do ponto de vista da: iniciativa I

    reagao, precisao I imprecisao, clareza I obscuridade, completude I incompletude,

    diretividade, representatividade, importancia au relevancia e contextualidade.

    Esses atributos s6 podem ser avaliados a partir da relagao P-R. Par outro lado,

    as respostas (R), no funcionamento da linguagem, pod em ser classificadas em:

    (a) reportagem dos fatos au informagoes, (b) previsoes, (c) opinioes au

  • reportagem de opinioes, (d) requerimento de informac;oes, (e) rejeic;ao ou

    negac;ao, (f) promessas, (g) requerimento de esclarecimento, etc ..

    A perspectiva tradicional, portanto, centra as observac;oes no aspecto

    proposicional / informacional, tomando a pergunta (P) como uma solicitac;ao para

    suprir uma informac;ao e a resposta (R) como 0 E:-1nunciadoque prove esta

    informac;ao. A pergunta e vista como "indaga

  • (8) (P-R) sendo P com modalizador: "por acaso ..."

    (9) (P-R) sendo Puma constelagao de questoes

    o autor considera que as perguntas do tipo (4) podem restringir as alternativasde (R), mas ha a possibilidade de variagoes, como por exemplo a preferencia

    pelas (R) elfpticas, nas quais 0 interlocutor, no caso cir;\s (R) afirmativas, repete 0

    verba ou outro elemento central da pergunta.

    Para atender as especificidades dos dados cuietados em situagoes de

    inquirigao judicial, para esta investigagao, acrescentamos ao modele acima 0

    tipo: (10) (P-R) sendo P na forma (a) ou (b), com alternativas predeterminadas,

    por ser muito encontrado no corpus.

    A analise funcional considera que a P impoe restrigoes a R; ora de

    natureza ilocucionaria, ora de natureza discursiva, ou ate mesmo de natureza

    semantica. A forma de apresentagao de P fornece indicagoes sobre 0 que 0

    inquiridor espera da R. Em proporgoes menores, a R pode restringir a

    possibilidade de progressao tematica nas trocas interativas subsequentes.

    Abordando as relagoes entre perguntas e respostas, Moeschler (1986:

    246-252) apresenta um modelo alternativo de discurso conversacional

    baseado no principio funcional-composicional, no qual as tracas (T) SEW

    compostas de constituintes que tem relagoes i1ocucionarias e os lances (L) sac

    compostos de constituintes que tem relagoes interativas (trocas (T), lances (L) e

    atos (A)). 0 modele preve relagoes funcionais de do is tipos: a) ilocucionarias e b)

    interativas. Os constituintes, por sua vez, podem ser: (a) diretor (primario), que

    produz 0 significado ilocucionario do lance e (b) subordinado (adicional), que sac

    opcionais e podem ser eliminados. 0 modelo e apresentado em um esquema

  • "Mas como posso decidir 0 que e um tra
  • 22 Traduzido para 0 portugues como "graga" (Jose Carlos Bruni). Em comunicagao pessoal, 0Prof. Karl-Heinz Efken (UNICAP), como falante nativo, diz que a palavra alema witz foi muitousada nos textos de Freud. Na obra de Freud, witz foi traduzida por "chiste" que equivale a: ditogracioso, piada, pilMria, brincadeira, gracejo. Acreditamos que, em Wittgenstein, refere-se aspossibilidades de deslocamento de sentido que a lingua oferece, pois, "brincar" e fazer de conta,deslocar de urn universe simb61ico para outro.

  • 23 A no
  • 23.

    24.

    25.

    26.

    27. -J-

    28.

    29.

    30.

    sabia quem mato (.) 0 comentario era que 0 corpo tava la no chao(.) todo

    mundo dizendo que aquele cabra trabalhava numa horta 0 que morreu (.)

    agora se:: /

    que 0 depoente nao assistiu it pnitica do

    crime relatado na den uncia (.) somente ao

    35. - J-

    36.

    24 No tratamento do material oral, optamos pelo modele de transcrigao da Analise daConversagao proposto pelo projeto NURC (Norma Urbana Culta) da Universidade Federal dePernambuco. Ver notagoes para transcriyao, em anexo. As falas em negrito, afastadas damargem a direita, constituem 0 ditado que 0 juiz faz ao escrevente - aquilo que constara nosautos do proc8sso judicial.

  • 37.

    38.

    39.

    40.

    41.

    42.

    43.

    Fragmento 2

    A linha 40 e um requerimento de esclarecimento do lugar onde a vitimatrabalhava. Nesse caso, 0 proprio juiz interrompe a consigna

  • 52.

    53. -0-

    54. -J-

    55. -0-

    56. -J-

    57.

    58. -J-

    59. -0-

    60.

    61. -J-

    62.

    acusados)?

    eu vim sabe agora

    quando? hoje?

    hoje

    CONSIGNANDO))

    que so I

    virando-se para 0 depoente quando foi? agc)ra?

    agora mesmo que to vendo (.) agora!

    0 acusado estava presente na sala de audii>ncw.)

    CONSIGNANDO)

    que 0 depoente somente veio a saber (..)

    que aut/autl a auto ria do crime (.) esta

    sendo atribuida aos acusados (.) ap6s

    chegar nesta audiencia com a leitura da

    pronunl da demincia

    64.

    65.

    66.

    Fragmento 4

    o fragmento 4 tem 0 prop6sito de esclarecer rela

  • acompanhado da unidade de tempo que toma como referemcia 0 momenta da

    tomada de depoimento - 'agora' - usado na linha 53 pela depoente. A resposta

    esclarece que 0 tempo da tomada de conhecimento dos autores do crime se

    refere ao momenta da enunciaC;ao.

    Os tres exemplos acima SaD tracas de checagem iniciadas a partir de

    pedidos de esclarecimento do juiz. As raras perguntas do depoente, permitidas

    pelo juiz, tambem ocorrem nesse tipo de troca; entretanto, assumem a func;ao

    interativa de interrupc;ao ao evento, considerando que seu papel e responder as

    perguntas. As perguntas do depoente foram agrupadas em dois tipos: (1)

    esclarecimento metalingUistico e (2) esclarecimento de pergunta.

    Na linha 255 (fragmento 5) ha um pedido de esclarecimento

    metalingUistico para 0 item lexical 'vftima' da pergunta do juiz (linha 251). As

    palavras 'vftima' e 'acusado' sao, frequentemente, substitufdas pelas locuc;6es

    substantivas: '0 que morreu' e '0 que matou', respectivamente, como no uso da

    251. -Def-

    252. -1-

    253. -D-254. -J-255. -D-256. -J-257. -D-258. -J-259. -D-Fragmento 5

    excelencia se: a: vitirna bebia frequenternente?

    sabe se a vitirna bebia (.) frequenternente ?

    nao sinha

    bebia ou nao ')

    o que rnata')

    o que rnorreu

    o que rnorreu ?

    se era urn hornern acosturnado a viver [ ernbriagado?

    [ bebia (.) bebia

  • Na linha 254, a JUIZ, provavelmente toma como ambfgua a resposta da

    depoente: "nao sinha" (Iinha 253), no contexto, tanto pode ser responsiva ao fato

    da vftima nao beber ou nao beber frequentemente, quanta pode ser uma res posta

    referente ao (des)conhecimento da depoente sabre a assunto, correspondendo

    "nao sinha" a nao sei se a vftima bebia freqOentemente, desconheqo 0 fato.

    Nessas circunstancias, a juiz busca identificar qual das respostas deveria ser

    interpretada para sua indagac;ao inicial. S6 na Iinha 255, a depoente sinaliza que

    a problema e outro, de natureza lingufstica, pois a depoente desconhece 0 item

    lexical 'vftima'. A perspectiva wittgensteineana de jogo de linguagem exige que se

    identifique a prop6sito, pois a funcionamento estrategico escapa ao

    aprisionamento as regras. Qual a prop6sito do juiz responder a pergunta da

    depoente, numa situac;ao na qual ela s6 deveria respondE~ras suas perguntas?

    No exemplo seguinte, ha um esclarecimento de pergunta (fragmento 6),

    a linha 47 assinala a infcio de uma troca de checagem. Aparentemente, a

    depoente nao compreendeu a pergunta do juiz e pede esclarecimento.

    Entretanto, tanto a pergunta das linhas 45 e 46, assim como a reformulac;ao

    (Iinhas 48 e 49) sao coercitivas, na medida em que podem restringir as

    alternativas de resposta; como analisaram Danet et al (1976), citados

    anteriormente.

    (0201 ( F 02 A: 45-49)

    45. - J - quem foi que achou mim (.) a vitima 0 gmpo que estava com a vitima

    46. ou como foi ? ((virando-se para D))

    47. - 0 - como assim'l

    48. - J - quem foi que achou mim tivesse/ que 0 Cicran/ ((vitima)) 0 Fulano

    49. ((acusado) bateu com a/ bateu na garrafa?

    Fragmento 6

  • A pergunta do juiz e sobre "quem" (qual a pessoa ou pessoas) ante a

    assen;ao de que: "alguem" (quem?) "adlou ruim tivessel que 0 Cicranl ((vltima))

    o Fulano ((acusado)) bateu com a! bateu na garrafa?", qualquer que seja a

    res posta requer a manutengao do pressuposto de que a agao de 'achar ruim"

    ocorreu. Esta informagao contida na pergunta nao hcwia side dada pela depoente

    em seus enunciados anteriores. Nesse caso, (I (;;![i"iunciado interrogativo do

    depoente "como assim?" (Iinha 47), pode evidenciar !.,Hila estrategia discursiva em

    decorrencia da tensao provocada par pontos de vista divergentes entre as

    interlocutores que, no contexto, nao devem ser enunciados. 0 enunciado do

    depoente pode assumir 0 sentido de: "0 que 0 senhor quer saber com esta

    pergunta?" Na adesao ou discordancia ao que esta sendo perguntado, a

    elaboragao de um enunciado interrogativo pode representar, simplesmente, um

    preenchimento de pausa para reorganizagao de j(jeias au uma estrategia para

    escapar de responder a pergunta indesejada.

    A inquirigao judicial privilegia a pergunta-resposta unilateralmente - 0 juiz

    pergunta, a depoente responde. as epis6dios ern juiz permite ao depoente

    alguns turnos na forma de pergunta na superflcie textual, constitui um

    procedimento estrategico no nlvel discursivo da interagao, Considerando que

    problemas de compreensao decorrentes de desconhecimento do lexico (cf.

    fragmento 5) poderiam gerar problemas de referenciagao que prejudicariam 0

    andamento da inquirigao, assim como a pr6pria progressao t6pica seria

    interrompida caso a pergunta do fragmento 6 (Iinha 47) nao tivesse side feita,

    sendo a pergunta do juiz reformulada. Nao ha, portanto, quebra da assimetria

    interativa, a juiz permanece na administragao dos turnos, prevalecendo a lei da

    relac;8.o hierarquica entre as interloGutores, posta por Ducror (1977) nas leis do

  • 25 Jaakko Hintikka, autor de vasta obra, e professor da Universidade de Boston. Auroux (1998:444 - 446) assinala na hist6ria da filosofia da Iinguagem as seguintes publicagoes: Models ofmodalities (1969), The intetions of intentionality and other models for modality (1975) e Languageand information (1983). Destacam-se, ainda, Kowledge and the known (1974) e The game ofLanguage (1983).

  • depende da identificac;ao dos oraculos nos quais 0 argumentador confia: que

    outras fontes (oraculos) podem estar disponfveis? Para Hintikka, 0 termo oraculo

    e objeto de comparac;ao analftico e nao metaf6rico, como pode sugerir. Usa -se 0

    oraculo para todo e qualquer argumento, pois, avaliar a estrategia do

    argumentador consiste em identificar as fontes de informac;6es que estavam

    disponfveis e qual a informac;ao fornecida pelo oraculo, a partir dos diferentes

    lances executados pelo argumentador para representar 0 argumento (assea;ao x)

    no quadro do modele interrogativo.

    Hintikka remete a S6crates cujo metodo consistia em deixar que seu

    interlocutor fizesse descobertas fazendo perguntas adequadamente

    selecionadas. "Tenho isso em comum com as parteiras: sou esteril de sabedoria; e

    aquilo que ha anos muitos censuram em mim, que interrogo os outros, mas nunca

    respondo por mim porque nao tenho pensamentos sabios a expor, e censura justa"

    (Platao, Teaethetus: 15c apud Abbagnano, 1998: 637). A maieutica socratica

    compara-se com a arte das parteiras porque consiste em "dar a luz"conhecimentos existentes ou que se formam na mente dos discfpulos pela

    formulac;ao de perguntas instigantes.

    o modele interrogativo de Hintikka considera todo 0 raciocfnio eargumentac;ao como uma sequencia de perguntas-respostas, intercaladas por

    inferencias 16gicas (dedutivas). A fidelidade ao "modelo" socratico e atestada pela

    luz que lanc;a sobre a natureza do elenchus (refutac;ao). 0 S6crates de Platao,

    com a ironia de sua pretensa ignorancia, restringe perguntas do tipo sim-nao

    para que 0 interlocutor desenvolva suas hip6teses sobre 0 questionamento da

    pergunta. A estrategia dos jogos interrogativos tem continuidade, na tradic;ao

    filos6fica, na transic;ao operada por Arist6teles para a 16gica formal, a partir

  • desses jogos. Hintikka (1994:75) afirma, ainda, que a ideia da 16gica de

    perguntas e respostas ocupa uma legiao de fil6sofos alem dos jogos

    interrogativos praticados na Academia de Platao, os jogos obligationes medievais

    dos escolasticos, Bacon, Kant, Collingwood, Hans-Georg Gadamer e Larry

    Laudan, nao sendo nada de novo na hist6ria dos E:!studosdo raciocfnio. Para 0

    autor, a demora na teoriza980 sistematica de seu rr1c:::I'G/ointerrogativo (que ainda

    progride) deve-se as restri90es (de primeira orden'! e epistemica) assumidas nas

    regras de forma9ao de nossas (dele) 16gicas habituais. Fica claro que Hintikka e

    um seguidor de Wittgenstein, pois, no fundo, ouve-se a segunda tese da obra

    Investigar;oes Filos6ficas sobre 0 metodo filos6fico das 16gicas analfticas,

    gerando revisoes "terapeuticas" no pensar filos6fico. Hintikka propoe, entao, uma

    16gica epistemica nao-rfgida26 de perguntas e respostas para minimizar as

    restri90es impostas por padroes "Iogicamente" possfveis de dependencia e

    independencia entre quantificadores e operadores epistemicos, para as

    diferentes especies de argumenta9ao.

    Hintikka distingue regras definidoras de regras estrategicas, na perspectiva

    wittigensteineana de jogo, para tratar 0 carater restritivo e 0 carater nao

    rigorosamente determinante dessas regras, que precisam ser compreendidas na

    totalidade do jogo, possibilitando escolher entre varias estrategias, a que melhor

    se adequa ao carater do jogo, caso-a-caso (cf. Wittgenstein (1953], 1996: I 562-

    568). "Assirn, as regras definidoras de urn jogo indicarn-nos 0 que significa jogar

    urn jogo, ao passo que as regras estrategicas nos indicarn 0 que significa jogar urn

  • Nessa linha de raciocfnio, Hintikka (1994:79-82) exemplifica com 0 caso da

    chamada falacia da argumentagao ad hominem que consiste em "pressionar um

    homem com as conseqiiencias retiradas dos seus pr6prios prindpios ou

    admissoes", citando John Locke. 0 que 0 autor discute e 0 carater da interdigao

    ao uso da argumentagao ad hominem (consideradD urn erro de raciocfnio) em

    termos absolutos, sem mencionar consideragoes estl'"i:::\tr:~gicas,tais como:

    (1) tipo de inquiri~ao: 0 elenchus socratico 6xarninava as consequemcias

    retiradas da resposta do interlocutor. 0 autor cita 0 exemplo contemporaneo

    da policia norte-americana que ao ler os direitos do preso afirma que tudo que

    for dito podera ser usado contra ele, 0 que pode parecer contraditorio. Assim

    como, numa discussao, quando temos a intengao de fazer com que alguem

    mude de opiniao atraves do nosso argumento, devemos fundamenta-Io nas

    suas respostas as nossas questoes;

    (2) estabelecimento da verdade: e uma ma estrategia acreditar em todos os

    oracu/os, principalmente quando se busca a verdade cientffica, pois, he fontes

    e fontes de pesquisa. Num tribunal, as confissoes podem ser usadas contra

    nos, mas, mesmo assim, a Justiga nao as aceita em seu valor nominal, procura

    ouvir outros oraculos; daf decorrendo a estrategia de acareagao;

    (3) estrutura de ganhos do jogo: 0 erro em argumentar ad hominem pode ser

    de natureza estrategica, depende da estrutura de ganho de cada jogo, sendo

    impossivel definir regras rfgidas e inalteraveis para todos os jogos;

    (4) 0 ponto, 0 prop6sito, 0 objetivo do jogo: quando 0 objetivo primario eprocurar a verdade, nao e relevante refutar a posigao da outra pessoa.

    Entretanto, quando 0 que importa e derrubar um oponente, deve-se

  • argumentar. Portanto, 0 ponto, 0 prop6sito, 0 objetivo devem ser considerados

    tanto no que se refere ao argumento, quanta ao jogo como um todo.

    No modele interrogativo, proposto por Hintikka, a avaliac;ao de uma

    determinada asserc;ao resulta do reconhecimento da regra de inferEmcia que da

    origem a asserc;ao. Parte do princlpio que nenhuma informac;ao e nova no ambitodo argumento, nem se encontra simplesmente la. A pro posta para avaliac;ao do

    argumento consiste em questionar: de onde vem? a asserc;ao veicula

    informac;ao? e uma informac;ao parcial ou totalmente nova? procede das

    asserc;6es anteriores? 0 oraculo (fonte de informac;ao) definira a confiabilidade

    do argumento. 0 modele interrogativo, portanto, usa a pergunta como objeto

    analftico de comparac;ao, sendo passo de inferencia 16gica para qualquer

    argumento.

    Essa /6gica epistemica nao-rfgida de perguntas e respostas inclui

    considerac;6es estrategicas nao previstas pelo conjunto de regras mecanicas de

    inferencia das 16gicas de primeira ordem, propiciando um deslocamento na

    perspectiva de tratamento da argumentac;ao. As outras 16gicas partem de

    assunc;6es restritivas, fundadas em padr6es "Iogicamente" posslveis de

    dependencia I independencia entre quantificadores e operadores epistemicos,

    preocupando-se com 0 aspecto formal do passo a passo do raciocfnio. Enquanto,

    o modelo nao-rfgido de perguntas e respostas considera 0 pensamento

    estrategico em sequencias maiores, dando conta de aspectos holfsticos em

    func;ao da matriz de ganhos no desempenho do jogo como um todo. As 16gicas

    formais (inspiradas em Arist6teles, ou, mais recentemente, em Frege) constr6em

    e usam suas Iinguagens artificiais para raciocinar, ao pas so que a 16gica de

    pergunta e resposta. desde a maieutica socratica, desenvolve processos de

  • inferencia a partir da propria lingua ordinaria para raciocinar, como propoe

    Wittgenstein (cf. item 1.1).

    Hintikka apresenta um exemplo de Sherlok Holmes como perito em fazer

    perguntas aparentemente sem senti do e afirmar ter alcangado a trama dos crimes

    e encontrado as solugoes atraves da "Iogica" e da "cledugao". Elementar? Nao,

    para qualquer manual de logica tradicional, pensarnento critico, tratado de

    argumentagao e toda a parafernalia de produtos qU(~:a :ndustria editorial langa no

    mercado academico, todos os anos. 0 exemplo trazido do lendario personagem

    construfdo por Doyle (1952) e 0 caso do desaparecimento do campeao cavalo de

    corrida Silver Blase e 0 provavel assassinato do treinador, tambem, encarregado

    do estabulo que foi encontrado num pantano, morto por uma pancada na cabega.

    o cenario da ficgao de Doyle (1952) e um lugarejo da Inglaterra, por volta de

    1890. 0 inspetor, ja estava quase desistindo de apontar um culpado entre os

    varios suspeitos, ate a chegada de Sherlock Holmes. 0 inusitado no

    interrogatorio de Holmes e que nao fazia perguntas sobre 0 episodio imediato,

    fazia perguntas que escapavam ao pensamento "Iogico". Chegando la, ao tentar

    esclarecer 0 desaparecimento do cavalo, 0 detetive pergunta a um pastor das

    proximidades: "algumas de suas ovelhas comegou recentemente a coxear?"

    Como uma pergunta que nem se relaciona ao cavalo desaparecido, nem ao

    treinador, nem ao assassino desconhecido, nem ao provavel ladrao de cavalos

    pode ser relevante ao caso? 0 inspetor local, que ja havia interrogado quase

    toda a populagao da redondeza, pergunta a Sherlock Holmes: "_ Ha alguma

    coisa para a qual deseje chamar a minha aten

  • ~l'ogl'ali.a (k PClS- 0 r~; '1 Uti. vA ki~m Letms e LinguistiCl\

    YFPEconhecimento dos depoimentos reunidos

  • experiEmcia, faz inferencias avaJiativas - "hip6teses de relevancia" - provindas de

    conhecimentos gerais (cf. Warren (1979) apud Marcuschi, 1985:06, item 1.2) e

    nao restrito aos elementos predeterminados pelas regras de inferencia das

    16gicas analfticas (apriorfsticas), nas quais elementos novos (como 0 cao) nao

    poderiam ser acrescentados.

    Hintikka (1994) propoe que as regras definidoras estabelecem os lances

    que podem ser realizados e definidos nas situagoes e como as regras sac

    aplicadas lance-a-Iance, antes do jogo comegar. As regras estrategicas, por sua

    vez, dao conta de sequencias maiores de lances, preocupando-se com toda a

    hist6ria que pode desenrolar-se quando 0 jogo e jogado, de maneira global. Asregras estrategicas dao conta de aspectos do desempenho do jogo e do modo

    como os ganhos do jogo e determinado.Esta analise das estrategias na justiga (cf. Cap. 4) sinaliza que a pr6pria

    inquirigao e um modo de argumentar, tal como 0 metoda da maieutica socratica.

    As perguntas no jogo de inquirir nem sempre sac feitas para obter informagoes

    imediatas nas respostas solicitadas, antes, visam ganhos futuros no andamento

    da interagao.

  • CAPITULO 2

    DIREITO E PRODUCAO DE SENTIDO

    Evidentemente, abordamos 0 assunto como aspirante a linguista,

    ignorante em Oireito. Benveniste (1989:220) comenta i/( ... ) serao propostas a

    aten

  • estudo da linguagem no ambito do direito, restringe-se a hermeneutica jUridica, adespeito dos estudiosos declararem a necessidade de uma nova hermeneutica

    contribuindo para sanar a crise no ensino jurfdico e na pratica forense.

    A literatura jurfdica, no Brasil, sinaliza maior abertura dos estudos jurfdicos

    aos questionamentos da Sociologia, Antropologia, Historia, Ciencia Polltica,

    Economia, Psicologia, Biologia (principal mente, para as quest6es de pradugao de

    vidas em laboratorio, como a clonagem), Informatica, etc. A Filosofia, nem se fala,

    ja que 0 pensamento jurfdico confunde-se com 0 pensamento filosofico, na

    historia da humanidade. Mas, e a LingOfstica? A apraximagao e inevitavel e

    iminente, mas, como toda traca requer ajustes nos aparatos teoricos dos do is

    dominios do conhecimento que constroem maneiras distintas de tratar seus

    objetos de estudo. A LingOfstica, mais intensamente nessa ultima metade de

    seculo, buscou sistematizar seus estudos a partir da descrigao de dados

    empfricos; enquanto 0 Direito consolida-se pela reflexao, predominantemente,

    normativa e prescritiva do dever ser em fungao do conjunto de regras (normas e

    leis) que regulam 0 comportamento dos homens entre si, pois, apesar do Direito

    ocupar-se da tecnica da coexistencia humana, em sociedade, nao ha tradigao de

    estudos fundamentados em dados autenticos coletados na realidade desta

    sociedade.

    Na decada de 1970, nos Estados Unidos, Inglaterra, Suecia, Alemanha e

    Israel, varios estudos questionavam 0 uso da linguagem em contextos

    institucionais e 0 abuso no uso da linguagem pelos detentores do poder, no

    exercfcio de suas atividades prafissionais, denominando-se plain language

    moviment ao conjunto desses estudos. Eram abordagens sociolingOfsticas que

    enfatizavam a questao da assimetria onde se defendia 0 direito do cidadao

  • 291). Provavelmente 0 texto "fundador" de Harris (1963)27 e sua tradugao para 0

    jurfdica -0 "juridiques" - como uma especie de situagao de diglossia28,

    27 Concordamos com Possenti (1993:24) quando desconsidera a abordagem de Harris noconjunto dos que disputam a primazia da analise do discurso "...sequer considerarei propostascomo a de Harris, porque discurso so faz sentido para mim enquanto significativo."

    28 0 termo diglossia foi cunhado para distinguir situac;oes em que uma das duas Ifnguas emsitua

  • base te6rica a sociolingufstica variacionista. Sob influEmcia dos analistas do

    discurso, Wodak (1980) e (1985), McGaughey & Stiles (1983), Woodbury (1984)

    e O'Barr & Conley (1985) apontavam a interferencia das perguntas feitas pela

    corte nas decis6es judiciais, afirmando que 0 'discurso' determinava os resultados

    da corte, pois controla a projec;ao dos papeis e revela: classe social, salario,

    respeitabilidade, responsabilidade e credibilidade das partes envolvidas no

    processo.

    No estudo das transformac;6es do depoimento (oral) em documento

    (escrito) - nosso objeto de estudo em Alves (1992) - fizemos um esboc;o que

    distingue duas tendencias de estudo do discurso jurfdico (OJ): (a) os que

    contemplam a linguagem 'da' Justic;a e (b) os que analisam 0 funcionamento da

    linguagem 'na' Justic;a. as primeiros sac de natureza lexicografica e

    sociolingufstica, preocupando-se com a significac;ao especffica que as palavras

    adquirem no ambito da Justic;a - 0 "juridiques"- e relac;6es inter-sociais. as

    estudos do tipo (b) tentam dar conta de dados lingufsticos coletados na Justic;a

    como unidades pragmaticas, nas quais a interac;ao entre os indivfduos, 0

    contexto situacional e a func;ao comunicativa integram 0 processo de produc;ao

    de sentido.

    o termo discurso jurfdico (OJ), herdado da sociologia, contempla 0 espac;oinstitucional em que se produzem textos falados e escritos. As abordagens que

    tratam 0 funcionamento da linguagem "na" Justic;a (b) tentam dar conta de

    processos de organizac;ao, desenvolvimento e compreensao de textos em

    situac;6es empfricas. Atkinson & Drew (1979) descreveram propriedades

    estruturais e sequencias de interac;ao na corte, numa perspectiva

    etnometodol6gica. Nofsinger (1983) defende que a coerencia textuai prescinde

  • da interac;ao simetrica, como na corte as estruturas de participac;ao dos

    interlocutores sac assimetricas, pois, quem define a interac;ao e 0 magistrado,

    para 0 autor, na corte nao pode haver coerencia. Discordamos da concepc;ao de

    coerencia adotada pelo autor, certamente, a coerencia e um processo

    cooperativo entre produtor e receptor em func;ao do princfpio de interpretac;ao do

    texto; entretanto mesmo em situac;oes assimetricas, ()corre coerencia como um

    processo cognitivo.

    o termo LingOfstica Forense vem sendo institufdo para denominar as

    tecnicas concernentes as provas de natureza lingOfstica apresentas a corte e a

    cooperac;ao dos lingOistas como especialistas, como peritos no esclarecimento de

    materiais verbais. No Brasil, vez por outra, perfcias tecnicas sac solicitadas aos

    institutos de para identificar vozes em grav8c;oes com utilizaC;80 de

    espect6grafos dos laborat6rios de fonologia. Gibbons (1994) dedica a terceira

    parte do livro Language and the law a LingOfstica Forense. 0 autor enumera dois

    modelos de classificac;ao das evidencias IingOfsticas (1) que considera 0 canal no

    qual a prova esta constitulda: lingua falada (fala, escuta); lingua escrita (redac;ao,

    leitura) e (2) que contempla os nfveis da linguagem: grafo-fOnicos; lexical;

    gramatical; discursivo.

    No ambito da lingOfstica forense, alguns pesquisadores sac convidados

    para prestar depoimento, sob juramento, apresentando suas analises, tendo

    como objetivo esclarecer a corte a natureza lingOlstica das provas apresentadas

    pelo FBI norte-americano quando produz provas que desagradam a opiniao

    publica e desafiam advogados a encontrar subsidios tecnicos para derruba-Ios

    ante 0 juri popular. Estudos desse tipo tern sua relevancia para a Justi9a como,

    no caso, os realizados por Shuy (1981) e (1982) utilizando, como unidade de

  • analise 0 t6pico discursivo, separou e mostrou ao juri "quem disse 0 que a

    quem sobre que t6picos". 0 FBI havia construfdo provas, a partir de gravac;6es

    de interac;6es entre seus agentes e 0 acusado. Tais provas, extrafdas das

    gravac;6es, recorriam a estrategias discursivas que distorciam enunciados

    utilizando-se de supergeneralizac;6es de sentido e amissae do contexto

    comunicativo para incriminar 0 acusado. A analise de Shuy convenceu ao juri de

    que 0 acusado apenas respondia aos t6picos introduzidos pelo agente do FBI. 0

    lingOista mostrou que nao havia intencionalidade nas asserc;6es atribufdas ao

    indivfduo e, em alguns casos, ele nao dissera 0 que afirmavam haver dito. 0

    testemunho de Shuy, sob juramento, foi decisivo na absolvic;ao do acusado.

    Gumperz (1982) (b) tambem compareceu a corte, sob juramento, para provar a

    inocencia de um medico filipino envolvido num caso de erro medico de grande

    repercussao e divulgac;ao da imprensa. 0 pesquisador levou a corte uma analise

    contrastiva entre 0 tagalog, lingua materna do medico, e 0 ingles americano. A

    partir da gravac;ao integral do depoimento do filipino, Gumperz assinala as

    marcas lingOfsticas nas quais ha influencia da estrutura da lingua nativa do

    acusado, no estabelecimento da referencia, e assinala que ha estrategias de

    persuasao na interac;ao entre 0 medico e 0 agente do FBI.

    A aplicac;ao da LingOfstica em situac;6es de julgamento reflete 0 discurso

    de busca de modernizac;ao da justic;a, a contemporaneidade dos "crimes verbais"

    numa sociedade "semiotizada" ao extremo, tratada nos estudos de Bourdieu,

    Foucault, Pecheux e outros que discutem as quest6es das trocas simb61icas na

    economia capitalista que transforma 0 discurso em coisa, reificando-o, numa

  • 29 Inspirados em Karl Marx: "A magia consiste simplesmente em que, na forma de mercadoria,devolvem-se aos homens, como espelho, as caracteristicas sociais de seu pr6prio trabalho,transformadas em caracteristicas objetivas dos produtos desse trabalho, na forma depropriedades socia is naturais das coisas produzidas; portanto a mercadoria espelha tambem arelagao social entre produtores e trabalho global, como relagao social de coisas existentes forados pr6prios produtos. Por meio desse quid pro quo os produtos do trabalho tornam-se

    mercadorias, coisas sensivelmente supra-sensiveis, isto e, socials" (Das kapital, I 4) apudAbbagnano (1998: 841)

  • principalmente, 0 Direito. Referindo-se as contribuic;oes da lingufstica forense,

    Hutton enumera obstaculos de tres tipos:

    (1) Conceitos te6ricos dos linguistas, e seus postulados centrais enquanto

    disciplina, construindo metalinguagens particulares: (a) fornecendo evidencias

    a corte, (b) produzindo e observando transcric;oE;!Se (c) identificando vozes

    individuais, constituem um discurso especializ.E:.(;;Onas idealizac;oes dos

    linguistas e abstrac;oes que as linguistas [';:;::-rl feito fora do atual

    "comportamento da linguagem." Hutton afirma que os linguistas propoem

    transcric;oes como tendo peso equivalente aos materiais orais produzidos na

    corte, sob questionaveis assunc;oes de que as cortes operam interpretando

    quotas de fala ou lendo transcric;oes. A objec;ao e de que a analise linguistica

    nao da conta da significac;ao de um enunciado particular numa ocasiao

    particular, pois 0 aparato te6rico (abstrato e idealizado) academico nao tem

    competencia para tal. as linguistas, segundo a autor, nao podem aplicar suas

    categorias de gramatica e discurso a vida real, sua especializac;ao academica

    nao os habilita para resolver problemas interpretativos fora de seus

    laborat6rios lingufsticos.

    (2) Lingufstica nao e ciencia na mesma proporc;ao que a Qufmica. 0 autor

    introduz sua argumentac;ao tomando como ponto de partida a fato de que "0

    linguista pode objetar que a analise 1ingi.iistica e, nesse caso, semelhante it

    analise quirnica." A despeito de que nenhum linguista que trabalhe na

    perspectiva pragmatica cometeria tal barbaridade, 0 autor, fundamentando-se

    na filosofia cartesiana da ciencia, esforc;a-se em demonstrar que, aexemplo da

    qufmica, a lingOfstica nao e uma ciencia experimental, nao trabalha com

    invariantes, seu metodo nao tern a propnedade da repetlbilidade. nem e

  • "As intui
  • que a troca e a circula
  • 31 "Neither lawyers nor linguistis have a monopoiy of the truth, and both could !earn from eachother, and benefit from the chance to examine each other's presupposition about language".

  • 2.2. NOTAS SOBRE A INTERPRETA~AO JURiOICA

    32 Saussure, Searle, Grice, entre outros, compararam 0 sistema da lingua com 0 jogo de xadrez.Saussure usou a metMora do jogo para distinguir aspectos externos (pe

  • 35 0 autor refere-se, provavelmente, a hip6tese Sapir,E & Whorf, BL de isomorfismo entrelingua e cultura; retomada por Levi-Strauss por supor que ha homologia entre lingua, cultura eciviliza9aa, a prop6sita das teses de N.Marr que estabelecem correspondencia entre a evolu9aodas estruturas socia is e 0 tipo de lingua. (Dubois, 1978:354-355) Benveniste (1989:93-104) trata aquestao afirmando que a sociedade 56 se sustenta pelo uso camum da lingua, distinguindo a

    saciol6gica como uma rela9ao de encaixe que reifica, da rela9ao semiol6gica como uma rela9aode interpretancia que calaca lingua e sociedade em dependencia mutua, senda a lingua a sistemainterpretante da sacidade. Na elabara9aa de sua teoria sobre a semialagia da lingua, 0 mesma

    autor afirma: "a lingua torna passivel a saciedade" (Benveniste (1989: 63).

  • 36 a autor limita-se a enumerar os tipos de descri9ao, que apenas reproduzimos, sem, sequer,Gomenta-Io~.

  • justificat6ria, constituindo a ideologia da interpretaq80 cujo objetivo seria a

    elaborac;ao de uma teoria que formulasse todas as diretrizes que resolvesse

    todos as problemas axiol6gicos da interpretac;ao; lamenta 0 autor que ainda

    nao tenha side formulada tal teoria. Sendo assim, considera-se, na "nossa

    cultura jurfdica", que quando uma decisao interpretativa torna-se inevitavel,

    esta deva ser justificavel (e nesse sentido, racional), 0 interprete deve apontar

    as diretrizes de sua decisao, ponderando os criterios para as avaliac;oes e

    apresentando as fontes ou materiais de interpretac;ao.

    Ainda, segundo Arnaud (1999), as avaliac;oes da interpreta~ao juridica:

    (a) contribuem para determinar se 0 texto nao esta claro na situac;ao dada; (b)

    servem de base para fazer escolhas entre as diretrizes de interpretac;ao e (c) sac

    as vezes necessarias para utilizar as diretrizes formuladas com 0 auxflio de

    termos estimativos. Dentre as varias tipologias de interpretac;ao, 0 autor apenas

    enumera as seguintes como as mais frequentemente utilizadas nos tratados de

    interpretac;ao, quanta a:

    (a)diretrizes: (interpretac;ao sistemica; interpretac;ao lingufstica

    interpretac;ao funcionai);

    (b) posic;ao institucionai dos interpretes:(1) interpreta~ao autentica - que

    emana do criador da norma interpretada; (2) interpreta~ao legal - dada

    por uma autoridade cujas decisoes ex lege sac dotadas de validade

    para os outros; sendo considerada como interpreta~ao autentica, na

    terminologia de Keisen37; (3) interpreta~ao operativa - feita durante a

  • curso da aplicaC;80 do direito; (4) interpreta~ao doutrimiria - feita pela

    ciencia jurfdica;

    (c) fontes, metodos ou autoridades: hist6rica, 16gica, teleol6gica,

    gramatical, sistemica;

    (d) objeto da interpretaC;80: direito escrito (constitucional, direito penal,

    civil, administrativo, internacional publico), costumes, atos jurfdicos,

    ac6rd80s, etc ... ;

    (e) faculdades postas em pratica: interpretaC;80 como funC;80 do

    conhecimento ou interpretaC;80 como funC;80 da vontade. Arnaud

    comenta que, segundo Kelsen, a interpretaC;80 como funC;80 do

    conhecimento e a interpretaC;80 doutrinaria que consiste em determinar

    todos os sentidos possfveis do texto, enquanto a interpretaC;80 como

    funC;80 da vontade e a interpretaC;80 8utentica aquela pela qual a

    autoridade investida de poder de interpretar faz uma escolha entre os

    sentidos possfveis. Para Kelsen, apenas a interpretaC;80 autentica e

    criadora;

    (f) qualificaC;80 dos resultados: interpretaC;80 literal (interpretatio litteralis);

    interpretaC;80 extensiva (interpretatio extensiva); interpretaC;80 restritiva

    (interp