iniciação à teologia - stanley grenz & roger olson

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  • Ao mesmo tempo em que os cristos tm o desejo de compreender mais profundamente Deus e seus caminhos, boa parte deles nutre certo preconceito em relao teologia. Muitos a consideram tema distante, restrito aos meios intelectuais e sem nenhuma aplicao vida prtica. No entanto, ela essencial para a vida e a sade da Igreja. Afinal, a teologia pode ser definida, de forma simples, como o conhecimento de Deus.

    Em Iniciao teologia, Granz e Olson desfazem vrio.s equvocos comuns relativos ao estudo da teologia e revelam os inmeros beneficios proporcionados pelo conhecimento teolgico.

    Este um livro acessvel e agradvel, de fcil compreenso e ideal para estudantes, grupos de estudos e para todos os que desejam cumprir o mandamento de Jesus, "Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu corao, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento".

    'I Stanley J. Grenz [ 1950-20051, mestre em Divindades e doutor em Teologia, foi professor de teologia e tica no Carey Theological College e no Regent College, ambos em Vancouver, Canad. Autor de vrios livros, entre eles Dicionrio de teologia e A busca da moral. publicados pela Editora Vida.

    Roger E. Olson, mestre e doutor em Cincias da Religio, pro

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    fessor de teologia no Bethel College, em st. Paul, Minnesota, EUA. tambm autor de Histria da teologia crist e Histria das controvrsias na teologia crist, publicados pela Editora Vida.

    ISBN 85 - 73 6 7 -9 7 1-9

    I9117 88 5 7 3 116 7 9 7 1 7

    C8tegori8, FORMACAo TEOLOGICA, Area hlslrico-slstem"c~ I Inttoduca teologia

    ~ Vida ACADEMICA

    www.vldaacedemlc . net

  • Ao mesmo tempo em que os cristos tm o desejo de compre :J ender mais profundamente Deus e seus caminhos, boa perte n w'

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    stanley J. Grenz [1950-20051, mestre em Divlndedcs I' IlmJ11JI em Teologia, foi professor de teologia e tice no Cereu Thr.nlu gical College e no Regent College, ambos em Vem U" W I, \J'I iir

    ::JCanad. Autor de vrios livros, entre eles Oicionl!Jrlo dI'" ft~(JI(/tJI r0le

    e A busca da moral, publicados pela Editore Vide. Cl ro ::J N JIORoger E. 0150n, mestre e doutor em Cincies de Relll,Jll'ItJ, " ;o ofessor de teologia no Bethel College, em St. Peul. Mlnru~'u l l ", 10

    EUA. tambm autor de Hstra da teologll!J cris/~ r HI'1fculf!J tJ o ~ ;:n o ::Jcontrovrsias na teologia crist, publicados pele Editore VlrJ"

    I SBN 85 - 7 367- 97 1 -9

    9"7 8 8 5 7 3 116 7 9 7 1 7 I VIda

    Iniciao

    teologia

    Um convite ao estudo acerca de Deus e de sua rel.ao com o ser humano

    Stanley Grenz &. Reger Olsen

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    STANLEYJ. GRENZ & ROGER E. OLSON

    Iniciao Teologia um convite ao estudo acerca de Deus e de sua

    relao com o ser humano

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    Traduo WemerFuchs

    3Jl impresso

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    Vida ACi\PtMICA

  • 1111-)1996, de Stan1e:y J. Grenz &; Roger R Olsoo tmlo original Who Neet Thco!ogy! edio public;da por INTF,I{VAIt'ilTY PR~:SS, (Dowuers Grove, Illinol5, EUA)

    Todos os dirtitoJ eu! /{fJgUd pOftuguew. reservados por l:!.aitaJ'a Vida

    PIlOaJlDAA REl'R(lDl;A POR QUAl!>QUf.R MJ..:lO$, SALVO E.M DRFVl:'3 CITAES, C"OM JNDICA.\.o DA FONTE.

    Tod.ts as dues blhlcas foram extradas da NrJlM Vendo [ntertf.l1oual (NVI).

    ~~2001, puhlcada por EdilOt

  • Sumrio

    9lNrRODlIO

    13 UM Todo cristo telogo

    DOl$ Nem todas as teologias so iguais 25

    TRJ!.'; Definio de teologia 41

    Q!lATl\O Defesa da teologia 57

    CINCO Tarefas e tradies da teologia 77

    SEIS As ferramentas do telogo 97

    SETE. Construindo uma teologia contextualizada 113

    orro Aplicando a teologia prpria vida 129

    NOVE Um convite para abraar a teologia 145

  • Introduo-

    Muitos cristos hoje no apenas esto desinfonnados acerca da teologia fundamental, corno parecem hostilz-la. O que leria provocado essa assustadora falta de Interesse e, muitas vezes, a flagrante averso que se vert/ica entre o povo cristo em geral, estudantes e at mesmo pa

  • 10

    em ltimo lugar entre as cinco qualificaes mais importantes para um bom pastor.] Ao mesmo tempo, muitos telogos e pastores conclamaram os cri.1:os a uma renovada reflexo teolgica. Consideramos esse alvo louvvel, c, se for alcanado, aumcntar a credibilidade do cristianismo neste mundo quc busca re,'P0stas . perguntas mai. importantes da vida.

    A deciso de escrevermos este livro emergiu do des~o mtuo de ver reavivado o saudvel interesse pela reflexo teolgica entre o povo de Deu. Nosso temor que o cristianismo venha a tomar-se mera "religio popular", relegada a esferas de total subjetividade e esvaziada de credibilidade perante a opinio pblica. E assim ser, a menos que os cristos, ordenados ou no, abracem a viso em prol de um sistema de crenas intelectualmente satisfatrio. Preocupa-nos igualmente que cristos carentes de alfabetizao e de argda teolgicas sejam atirados para l c para c por qualquer vento de doutrina que perpasse esta o.lltura dominada pela mdia. Dos pregadores de televiso s sees de religio das livrarias populares, os mais estranhos tipos de doutrinas - "outros evangelhos" - esto sendo promovidos e aceitos por cristos despreparados para julg-los.

    Temos esperana e oramos para que os leitores possam adquirir uma viso favorvel s teologia com a leiiUra deste livro. No estamos propondo que se tomem telogos "profissionais" como ns, tampouco que concordem com tudo que temos a dizer. Mas desejamos que se tomem "sal e luz" num mundo que desesperadamente carece de cristos perspicazes e bem preparados.

    Decidimos dedicar este livro a um homem que admramos, o dr. Ralph Powell, que lecionou teologia sistemtica no North American Baptlst Seminary, em Sioux Falls, Dakota do Sul, por mais de 25 anos. Ambos fomos inlluendados por sua combinao de profunda espiril.ualidade e rigor intelectual Para mim (Roger),

    1 Chrstianity Today, 24/10/1994, p. 75.

    lNfRODUAo 11

    o dr. Powell foi a pessoa que diretamente incutiu o interesse real pela teologia.Jamais esquecerei o primeiro dia de aula, em que o ouvi refutar com sua voz estrondosa a objeo de um estudante leitura obrigatria da Dogmtica de EmI Bnmner: "Isso coisa grandiosa!". Concordei com ele, e minha admirao aumentou por causa de seu amor "coisa" teolgica encorpada.

    Eu (Staoley) fui o sucessor do dr. Powell na cadeira de teologia do NABS quando ele se aposentou. No foi esse, porm, nossO nico nem nosso primeiro contato. O dr. Powell foi um amigo a vida inteira, desde que meu pai se tornou pastor de Ralph, quando eu tinha dois anos de idade!

    Com orgulho dedicamos Iniciao teologia a nosso pastor, mentor pedaggico e amigo dr. Ralph Powell.

  • UM Todo cristo telogo

    Um influente cristo, professor de Bblia e pregador de rdio, ironizou: "Feliz o cristo que nunca se encontrou com um telogo!". Que ele qus dizer? No so poucos os mal-entendidos, esteretipos, mitos e falsas impresses que cercam a teologia at mesmo nas comtmidades crists. Na realidade, parece haver um preconceito crescente contra a teologia e os telogos em alguns crculos cristos.

    Todo telogo sabe disso e sente-se frustrado com essa concepo negativa. Numa manh de dOIlIlgo, eu (Roger) cheguei a uma igreja para falar a uma classe de escola dominical de adultos sobre o tpico ''Teologia do sculo xx" e recebi uma carta annima enviada ao endereo da igreja, mas dirigida a mim. O remetente vira o anncio da srie de palestras na coluna da igreja no jornal da cidade e escreveu duas pginas com fortissimas objees. Lanava imprecaes contra a teologia, dando a entender que ela no passa de um substituto precrio ao relacionamento pessoal com Deus!

    TELOGOS ANNIMOS A impressionante ironia das afirmaes do professor de Bblia e da diatribe do autor da carta esta: ambos so telogos - cada um sua maneira! Teologia qualquer reflexo sobre as questes essenciais da vida que aponte para Deus. Por conseqncia, tanto o professor quanto o missivista so telogos. Ns os chamaremos "telogos annimos", porque, como a maioria das pessoas, no se do conta de que o so.

    I

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    Ningum que reflita sobre as perguntas cruciais da vida escapa de fazer teologia. E qualquer um que reflita sobre as questes fundamentais da vida- incluindo perguntas sobre Deus e nossa relao com ele - telogo.

    Umajovem, sentada em meu escritrio, compartilhava seus sonhos e aspiraes. Depois de alguns estudos bblicos e Cl.U"SOS teolgicos, interessara-se em explorar melhor as questes acerca de Deus, da salvao e da vida crist. Numa guinada crucial da conversa, ela fitou-me com algum receio nos olhos e disse: "Sabe, acho que gostaria de ser teloga - se conseguir chegar l!".

    Descobri por trs do medo uma concepo errnea, que faz do telogo urna criatura temvel, preocupada apenas em elaborar pensamentos profundos e perturbadores, incompreensveis maioria das pessoas. Minha resposta tentava aliviar aquela ansiedade. Disse-lhe: "Voc j uma teloga!". Expliquei-lhe que ela poderia ser chamada por Deus para fazer carreira por essa trilha da existncia crist - refletir sobre as questes cruciais da vida, inclusive sobre Deus -, mas que atender ou no a esse chamado no mudaria sua condio de teloga.

    Cresce entre os cristos a concepo errnea de que existe um grande abismo entre "cristos comuns" e "telogos". Para alguns, a percepo desse abismo gera medo; para outros, suspeita e ressentimento. nosso propsito fechar o vo e mostrar que cada pessoa - especialmente o cristo - um telogo e que o profissional da teologia simplesmente o cristo vocacionado para fazer o que de certa maneira fazem os demais cristos: pensar e ensinar acerca de Deus.

    Ao longo deste livro, portanto, tentaremos mostrar duas

    coisas. Primeira: a teologia inevitvel ao cristo que pensa, e a diferena entre telogos profissionais ou no apenas de posio, no de qualidade. Segunda: profissionais ou no, os telogos (todos os cristos que pensam, independentemente da denominao) precisam uns dos outros. Telogos profissionais existem para servir comunidade de f, no para ditar-lhe as crenas ou para domin-Ia intelectualmente. Os telogos leigos precisam

    TODO CRISTO ~ TELOGO 15

    dos profis-sionais, pois estes fomecem queles as ferramentas para o estudo da Bblia, a perspectiva histrica e a articulao sistemtica, meios que lhes permitem aprimorar a prtica da teologia.

    O termo "teologia" formado pelacombinao de duas palavras gregas: theos, que significa "Deus", e logos, que significa "razo", "sabedoria" ou "pensaII1ento". Portanto, "teologia" significa literalmente "pensamento de Deus" ou "raciocinar sobre Deus". Alguns dicionrios, de modo mais formal e especifico, a definem como "a cincia de Deus". Nessa acepo, porm, "cincia" significa simplesmente "reflexo sobre algo". Logo, no nvel mais bsico, "teologia" qualquer pensamento que reflita ou contemple a realidade de Deus - at mesmo o debate sobre ele.

    Deus est presente em todas as questes bsicas da vida. Sempre e em todo lugar que algum reflete sobre os grandes porqus da vida, h pelo menos uma reflexo indireta acerca de Deus ou direcionada a ele. Deus o horizonte de toda indagao humana. Isso significa que, de forma surpreendente, at mesmo autores populares, compositores, novelistas, poetas e as mentes criativas da cultura popular atuam como telogos.

    Um exemplo eminente o famoso cineasta e ator Woody Allen. Alguns de seus fihnes esto centrados na psicologia Muitos deles, porm, do o mesmo iratamento teolOgia. Em Crimes e pecados, Allen explora a grande pergunta, repetidas vezes levantada pelo salmista: "Por que os maus prosperam e os integros sofrem?". Embora no ocorra com freqncia a pergunta explcita acerca de Deus nesse fihne, o tema "Deus" est implcito na pergunta aflitiva "Por qu?". Por qu? Obviamente porque, no existindo Deus, a pergunta deixa de ser aflitiva! Por que afligir-se com algo que pode ser simplesmente uma lei natural- a assim chamada sobrevivncia dos mais aptos? "Por que os maus prosperam e os integros sofrem?" somente ser uma pergunta aflitiva se Deus for o horizonte derradeiro da existncia humana. Em ltima anlise, portanto, a pergunta uma indagao acerca de Deus: "Por que Deus permite que essas coisas aconteam?".

  • 16

    Woody Allen e outros telogos annimos da culturd popular levantam a questo, muitas vezes de modo swpreendente e proveitoso.

    TEOLocrA DE COSMOVISO Em determinado momento davida, todapessoa tem de defrontar e debater-se com questes que apontam para a pergunta fundamental acerca de Deus. Reconheamos que nem todos a fomlUlam explicitamente. No obstante, at mesmo onde ignorado ou negado, Deus continua sendo o ltimo horiwnte _ pano de fundo e alvo - em relao ao qual surgem e para o qual apontam todas as perguntas fundamentais da vida. Nesse sentido, toda pessoa reflexiva um telogo.

    Um modo de o niciante captar a uuiversalidade da teologia, portanto, v-la como a indagao e a reflexo sobre as perguntas fundamentais da vida. Arthur Holmes, professor de filosofia da Universidade de Wheaton, rotula essa teologia mais elementar e universal "teologia de cosmoviso" (viso de mundo). Ou seja, desde tempos imemortas, pessoas comuns, homens e mulheres nas ruas e no mercado, bem como pensadores profissionais em suas torres de marfim, refletem sobre certas perguntas permanentes da vida.

    Em momentos menos meditativos, tais perguntas Ialvez soem tolas para muitos de ns. Por exemplo, um filsofo moderno rugumenta que a pergm1la mais importante de todas : "Por que existe algo, ao invs de no exstr nada?". Contudo, at mesmo essa pergunta aparentemente abstrata e rrespondivel possui certa atrao, por ser simplesmente a expresso maior da indagao mais commn, que todo ser reflexivo levanta vez por outra: "Por que estou aqui?". Outras perguntas ClUctais da vida so: "Que devo fuzer comminhaexistnda?"; "QlIe verdadeinunente 'viver bem'?"; "Sel que existe algo aps a morte?".

    A mais importante dentre as perguntas fundamentais da vida aquela acerca de Deus, porque para ela apontam para as

    TODO CRISTO TELOGO 17

    demais. Se existe Deus - o Criador "do cu e da terra" -, f'..nto todas as outras interrogaes adquirem significado novo e obtm eventuais respostas, que de outro modo conduziriam somente a becos sem sada.

    A teolOgia de cosmoviso (viso de mundo) comum a todas as pessoas que pensarn, porque indagar das questes fundamentais da vida faz parte da existncia humana. Isso poderta ser em si mesmo um indicativo de que existe Algum alm de ns. .

    TEOWGIA CRIST Que diremos, porm, sobre a teologia crist? Iria alm da teologia de sentido vago e genrico mencionada acima? Ela de fato faz isso. Como definir, ento, de forma apropriada, a teologia crist? Uma definio de longa data "f em busca de entendimento". A despeito das interpretaes equivocadas, a teologia crist no diz: "Entenda e depois creia". Pelo contrrio, procura entender com o intelecto o que o corao - o cerne do carter de uma pessoa - j cr e com o qual est comprometido.

    E.'lSa definio de teologia remonta no mnimo ao grande telogo medieval Anselmo de Canturia. Anselmo foi monge, telogo, filsofo e arcebil.po de Cannlria nO sculo xu. Ele fmoso por fOInllllar o que muitos supem ser a prova racional perfeitadaexistnciade DelL~ - o chamado argumento ontolgico, cuja inteno demonstrar, acima de qualquer dvida possve~ que Deus precisa existir, com base na definio de Deus como o Ser, maior que o qual ningum pode ser concebido".

    Por causa de seus escritos, Anselmo conquistou a reputao imerecida de ser umrdConalista radical- algum que se recusava a crer em qualquer coisa que no pudesse ser provada. Na realidade, Anselmo escreveu a maioria de suas grandes obras, incluindo as verses do argumento ontolgico acerca da existncia de Deus, em forma de orao! Numa dessas oraes, deixou absolutamenle claro que no estava tentando provar a

  • 18

    existncia de Deus para crer, mas porque j tinha f. Seu lema et"d: Credo ut inteJligam - "Creio para poder entender".

    A f em busca de entendimento, portanto, um modo diferente de expressar o ceme da teologia em Anselmo. Iniciamos com a f, que em ltima anlise mll misterioso presente da graa. No entanto, isso no significa que a pessoa no exera nenhum papel. Mas a f mais que simplesmente optar por acreditar em algo e com certeza mais que um substituto precrio a bons argumentos. F ser cativado por algum - Algum! _. que convoque e reivindique nossa vida.

    deste modo que a vida crist comea: com graa e f, no com a razo. A razo pode exercer um papel e ser um instrumento no chamado de Deus, no entanto ningum se tomar clisto simplesmente por chegar ao fim de uma corrente puramente humana de argumentos e concluir: "Bem, penso que se quero ser racional tenho de acreditar em Deus e em Jesus Cristo". No, a gnese do cri~anismo autntico pode conter um processo racional, mas no pode ser reduzida a isso. F o elemento misterioso que implica convico pessoal, discernimento a partir de outra posio e corao transfonnado, que se inclina para Deus de maneira nova.

    LIGANDO A TEOWGIA DE COSMOVISO TEOLOGIA CRIST

    Como conectar esses dois tipos de teologia - a que prpria dos que pensam (ou teolOgia de viso de mundo) e a que commll a todos os cristos? Parece que as questes fundamentais da vida servem como sinais ou pistas de transcendncia. Ou seja, apontam para cima, para algo ou algum atrs da existncia finita da criaJ:ura. Podemos denominar "a busca da humanidade por Deus" o processo e a prtica de refletir sobre as perguntas mais impoffi'l1ltes da vida. uma procura universal que se mosirar sempre frustrada, a menos que essa busca se torne "Deus procurando pela humanidade".

    TODO CRISTO TELOGO 19

    Os cristos acreditam que foi exatamente isso que aconteceu na histria narrada pela Bblia. Deus comeou a enviar respostas s indagaes hmnanas por intenndio de eventos histricos, grupos de pessoas, profetas, meusagens inspiradas e finalmente pela vinda de Deus em pessoa para conviver com os seres hmnanos. Os cristos crem que a namiva bblica responde s perguntas fundamentais (Iavida. Receblas e reconhec1as como Palavrade Deus, todavia, sli.o obras dagraade Deus e decorrncia da f. Por fun, reconhecer a Deus no somente uma descoberta Illosfica, embora a pessoa possa se abrir primeiro a Deus e sua palavra, reconhecendo a correlao entre as respostas ali encontradas e a~ perguntas fundamentais e perenes da vida.

    Este o motivo por que a teologia crist superior teologia de cosmoviso: a primeira completa e consuma a segunda. O cristo, portanto, no apenas um telogo limitado reflexo sobre as perguntas cruciais (Ia vida, como Woody Allen, e sim algum capaz de refletir sobre o significado da Palavra de Deus e sobre como ela ilumina a vida, conferindo sentido e propsito existncia.

    A f crist autntica leva-nos a gravitar em torno do entendimento desse Deus que reivindicou nossa vida parasi. E, meruda que procura entender o significado da f para responder s perguntas extremas davidaou simplesmente s questes bsicas sobre o relacionamento com Deus, o cri~to j fuz teologia.

    Logo, voc um telogo cristo. Talvez nunca tenha pensado desse modo, por considerdT a teologia misteriosa ou Inesmo perigosa. Muitos cristos julgam elToneamente que a teologia COIlSiste em interrogm a Deus ou em questionar a autoridade da Biblia e da concluem que a teologia uma ameaa f. Talvez voc tenha sofrido com esse equvoco ou conhea algum que sofreu. Talvez voc tenha sido advertido por um cristo bemintencionado a tornar CUidado com o estudo da teologia "porque ela pode destrutr sua f".

    As advertncias desestinllllantes partem da famlia e dos amigos. Alguns de nossos mentores espirituais tentaram nos

  • 20

    dissuadir do estudo da teologia impelidos pelo preconceiro profundamente aI'l"dgado que a considera substituto da f. &tamos felizes por haver superado essas objees, porque para ns a teolOgia [oi e continua sendo o eslDdo libertador e enriquecedor que nos aproxima cada vez mais de Deus.

    NvEIS DE TEOLOGIA NA PRTICA At aql afinnamos que todo ser humano te610go e que todo cristo ou deveria ser telogo cristo. A forma como definimos teologia, telogo e telogo cristo pode dar a entender que embaralhamos as cartas a favor de nosso argumenro. Mas no manipulamos as palavras. Pelo contrtio, tentamos mostrar que h nveiS distintos de teologia. Todo cristo pode ser telogo, mas nem por isso as teologias se tomam igUais. Analisaremos os dIferentes tipos e nveis de teolOgia no prximo captulo, mas por ora far bem antecipar algo dessa discusso.

    Para esclarecer o pressuposto de que toda pessoa telogo, recOlreremos a algumas analogias. Voc acreditariase dissssemos que rodo cidado quimico? Cientista poltico? Psiclogo? Matemtico? Qualquer um que cozinhe utilizando receitas , em certo sentido, qlmicO. Sem conhedmenro rudimentar - pelo menos intuitivo - de substncias, medidas, combinaes e efeitos de temperaturas, jamais comeguirlamos cozinhar nada.

    Cozinhar, portanro, talvez a forma mais bsica de quimica leiga hnagine agora o cozinheiro amador que decida melhorar suas habilidades para satisfazer o pa1adar dos convidados com delicias da culintia O caminho mais seguro e acertado fazer um curso e ler alguns livros. O cozinhero toma-se chefe de cozinha desenvolvendo suas habilidades e seu conhedmento de quroica Obviamente iSso ainda est mlto distante da cincia quimica tal como estudada e praticada nos laboratrios

    TODO CRIS'T O TELOGO 21

    Qlml.quer cidado que participe de umaassemblia da ddade, de uma reunio com a direo da escola OU da conveno de seu partido cientista poltico. Suponhamos que o eleitor instruido decida candidatar-se ao conselho escolar. No processo, ele necessariamente afiar seu conhedmenlo e sua habilidade par... a prtica da cinda poltica. Talvez leia bons livros sobre teoria poltica e dai desenvolva a filosofia da polis ("comundade"). Sem dvida, sso est muiro longe da disciplina altamente terica e s vezes especulativa tal como ensinada nas unversidades. No obstante,hc.ontinuidade real entre o envolvimento do participante infonnado acerca de poltica partidtia e as teorias do cientista poltico.

    Aualogias idnticas podem ser estabeleddas nas reas da psicologia e da matemtica. De algum modo, cada um de ns psiclogo amador. Mas sempre que algum decide ir alm da interpretao intuitiva de sonhos e investigar o funcionamento do subconsciente, ele caminha emdireo cinda dapsicologia. Conrolarum talo de cheques constitui-5e uma fOllna rudimentar de matemtica, embora haja obviamente guas bem mais profundas a serem atravessadas por quem optar por ela.

    Suponha que voc ouviu um cozinheiro amador queixar-5e da cinda fonual da quroica por no ser possvel pratic-la exaustivamente na cozinha, por demandar ferramentas

    especiali7~as, vocabultio e conceiros em geral encontrados apenas em laboratrios bem eqlpados e bibliotecas: "Feliz o cozinheiro que nunca se enconrou com um quroico!". Absurdo? Sem dvida

    Imagine que voc escutou o delegado de uma conveno poltica do bairro queixar-se dos dentistas polticos pelo furo de

    ~'Uas teorias serem dificeis de entende.r e "tirarem a vitalidade da poltica". Suponha que o intrprete leigo de sonhos reclanle dos psiclogos por serem to intelectuais, OU imagine o caixa de banco criticando a matemtica por ser abstrata 'fodos esses

    unversitrios! No obstante, h certa continldade entre a prtica absurdos podem aconlec

  • 22

    ser \UU cozinheiro melhor se conhecesse um pouco mais de qumica e equipasse melhor sua cozinha" ou: "Lidar com dinheiro pode ser mai~ divertido que a matemtica, mas sem ela voc prejudicar os clientes ou o banco".

    Nosso argumento bvio: "Pelo fato de crerem em Deus e acreditarem que ele se relaciona com eles de diversas maneiras (pela Palavra, pela graa, pela f, pela orao etc.), os cristos furiam bem em aprofundar-se no significado de Deus e em tentar conhec lo da fonnamais completa possvel, com todas as foras de seu llCr - tanto com a mente quanto com o corao. Deveriam reconhecer que so telogos leigos e valorizar a ajuda recehida da teologia fonnal. bvio que, como telogos profissionais, admitimos que o verdadeiro motivo de nossa profisso ajudar cristos ordenados ou no a aumentar sua compreenso acerca de Deus. A continuidade e a correlao deveriam substitoir a hostilidade, o medo ou a suspeita entre telogos leigos e profissionais. Na descoberta da verdade acerca de Deus e de seu relacionamento conosco eles so interdependentes e trazem beneficios mn ao outro.

    O ttulo deste livro poderia ser: Quem precisa de teologia? A resposta que elaboramos de ponta a ponta semelhante que poderia aparecer num livro anlogo intitulado Quem precisa de qumica?, direcionado a cozinheiros e donas de casa. Podemos imaginar outro livro, Quem precisa de psicologia?, destinado a pessoas que buscam compreender a si mesmas. Quem precisa de matemtica? poderia ser \UU bom livro para caixas de banco, escriturrios e contadores. A resposta pergunta expressa no ttulo de cada livro seria a mesma: todo o mundo! Cada uma dessas obras provavelmente salientaria que todo leitor j quimico ou psiclogo ou matemtico em algum nvel. E provvel que os leitores respondessem com entusiasmo a essa

    TODO CRISTO rELOGO 23

    voc j ou ser um telogo profissional- nem todos devem s10. nosso desejo, porm, que, ao perceber que telogo, voc resista s alegaes, mesmo as provenientes de cristos devotos, que tentam convcnc-lo de que a teologia nocivaou simplesmente um devaneio ou ainda uma ameaa verdadeira f.

    Agora, porm, Iransportamo-nos da teologiaemsentido mais geral para a teolOgia em "sua melhor [onna". O que se pretende ao discorrer sobre diferentes tipos e Ilveis de teologia e sustentar que nem todas as teologias so i!,>uas? Essas so as questes sobre aq quais nos debruaremos em seguida.

    declarao. Nossa esperana que voc responda entusiasticamente 1

    declarao de que j telogo - e que at mesmo ela o atinja como um choque. Obviamente, no pretendemos aflnnar que

  • DOIS Nem todas as teologias

    so iguais

    A personagem Linus, de Peanuts*, sempre tendendo reflexo teolgica, est em p ao lado da cama, examinando as mos entrelaadas como numa orao. Qllando sua lnnli Lucy se aproxima, ele anuncia: .

    - Acho que fiz uma descoberta teolgica. Lucy pergunta com curiosidade, enquanto Linus continua

    estudando as prprias mos: -Oque ? Deixando-a nitidamente desconcertada, ele responde com

    sinceridade: - Se voc apontar as mos para baixo, receber o conb:rlo

    daquilo pelo que est orando! Um stucero estudante universitrio estava sentado do outro

    lado de minhaesclivaninba, borbotando protestos contra a critica que eu (Roger) fizera de seu artigo teolgico: "Trabalhei duro nisso e estudei esse assunto na Bblia mais minuciosamente que qualquer outro! Na realidade, pesquisei vrios anos o que a Bblia diz sobre isso, desde que um evangelista pregou sobre o tema num reiiro enquanto eu estava no ensino mdio. Como voc pode desqual.6car assim meu trabalho?" .

    Peanuts o nome de uma hlstria em quadrinhos criada em 1950 por Charle, M Schulz (1922-2000), que mostra o cotidiano de wn grupo de crianas na fuixa dos 5- anos de idade intcragindo com seus problemas como I!e fossem arlulros. As outras penlonagens principais so: Charlie Brown, Snoopy, Lucy, Scbroeder, SaIly, Mareie, Peppermlnt e o passarinho Woodstoek. (N. do E.)

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    Eu lhe dera nota suficiente para passar - mas no a que ele ansiosamente esperava. Percebia sua aguda decepo e simpatizava com ele, mas no pude evitar o sentrnento de fruslrao por sua falta de conhecimento teolgico ao fim de dois semestres de CIrrSO.

    O estudante, corno muitos cristos, acreditava que toda teologia consiste (ou deveria consistir) no estudo detalhado da Bblia, em que comparamos e contrastamos passagens numa espcie de mtodo de senso comum. Seu trabalho era uma obra magna de vinte pginas sobre seu assunto favorito - a concepo do apstolo Paulo acerca da natureza htunana. Em po quente para ele o fato de termos "corpo", "alma", "esplrtto", "corao" e "carne". Infelizmente, ele havia rejeitado meus argumentos e apelos para que fizesse uso de comentrios, livros de contedo terminolgico que explicassem as nuanas dos significados nos idiomas originais e fontes para elucidar o fundo cultural e religioso em que Paulo empregara os termos. Em vez disso, ele simplesmente optou por confiar na prpria intuio, lirnitando-se a ler a verso bblica adotada por sua igreja de origem. No tinha conscindados conceitos sugestionados que aduzia aos tennos e rejeitava qualquer noo que lhes pudesse conferir Significado diferente das concepes superficiais a que se habituara.

    :Francamente, o Ir.ilialho era uma baguna. Ignorando sculos de estudo meticuloso sobre a teologia de Paulo, ele tentara saltar por cima de tudo e entrar na cabea de Paulo (ou na mente do Esplrtto Santo!) apoiado apenas na intuio e numa precria traduo dos escritos de Paulo. O resuliado foi uma dissertao pouco racional sobre a antropologia de Paulo. Camo tantos que tentam interpretar os conceitos paulinos sem qualquer ajuda cientfica, ele igualou "corpo" e "carne", elaborando uma antropologia quao;e idntica dos oponentes de Paulo, na igreja primitiva!

    Sua considerao final deixou transparecer os verdadeiros sentrnentos que nutria contra mim, O temido telogo profissional

    NEM 'fODAS AS TEOLOGIAS SO lGUArS 27

    e erudito da Bblia: "Quem voc para dizer que minha interpretao da antropologia de Paulo est errada? JI.1nha Bblia clara e simples, e tudo que vocs exegetas fazem complic-la e tom-la inacessvel compreenso de pessoas comuns. Pois bem, prefiro meu enfuque popular sua perspe(:tiva acadmica". Com esse ltrno protesto, retirowe de meu gabinete, e nunca mais o vi.

    Toda pessoa engajada num estudo pessoal ou que pratique uma disciplina precisa refletir sempre mais profundamente sobre o que est estudando. Por isso voc e os demais cristos precisa de teologia, porque, sendo uma pessoa que pensa e que pelo menos ocasionalmente reflete sobre as questes cruciais da vida e um cristo que busca entender e aplicar a Palavra de Deus, voc faz teologia. A teologia no , corno muitos presumem injustamente, uma espcie de conhecimento esotrico acessvel apenas a uns poucos intelectuais superiores. simplesmente te em busca de entendimento. E, se cristos comuns buscam respostas a perguntas que naturalmente brotam da f, j esto fazendo teologia.

    No entanto, estamos conscientes de que mtttos leitores perspicazes concordam com nosso argumento at aqtt e, no obstante, tm srias reservas quanto necessidade ou ao valor da teologia e dos telogos profissionais. Se todo cristo telogo e faz teologia, qnal a utilidade dos telogos profissionais? E estes, que se especializam na matria e so pagos para pesquisar e ensinar, no estariam dificultando a compreenso dos cristos comuns, que professam urna f lnais simples?

    Mais adiante, trataremos dessas e de outras objees comuns teologia formal e profissional. Por ora, examinare.rnos esse problema. No basta simplesmente salientar que todo cristo telogo, quando existem vrios tipos e rtveis de teolOgia. Mllitos dos cristos que se opem teologia entendem o termo de forma bem diferente da reflexo usnal e singela sobre a f crist.

    Est implicito nessa objeo o que chamamos mentalidade populsta em relao ao cristianismo e teolOgia. Populista

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    significa "do povo". Com freqncia, o tenno li Uqado na poltica para designar atiludes negativas de polticos proJl.s.sionais e dos poderosos. Na teologia, a expresso pode significar uma atilude negativa frente aos que possuem conhecimento especializado e percia no entendimento da f crist. A mentalidade populista diz: "Por que as teologias no podem ser todas guais? Quem precisa de teologia e de telogos profissionais? Se todo crsto telogo, qual a rd2.o de os doutores escreverem obras e mais obras e ensaios teolgicos que tm como propsito ensinar uma disciplina que todos j conhecem?".

    Ao apanhar este livro, voc provavelmente j sabia que o ttulo na realidade significa: "QJ!em precisade algo mais fomlal, reflexivo e si.stemtico que a teologia comum, leiga, com que todos os cristos se comprometem?". Antes de prosseguinnos explicando e defendendo a teolOgia fonnal e reflexiva, porm, precisamos delinear os diferentes Iveis de teologia, relacionandoos em nmero o maior possvel. H muitos segmentos e Iveis teolgicos. Alguns so bons e teis, outros so perigosos.

    CRISTIANISMO REFLEXIVO

    Podemos imaginar os vrios tipos de investigao teolgica como dispostos num amplo leque de reflexes. Por reflexo entendemos o pensamento fonnalzado o uso da mente na organizao dos pensanlentos e crenas, visando orden-los de fonna coerente entre si e tentando identificar e excluir contradies flagrantes, para obter a certeza de que h boas razes para interpretar a f crist do modo como fazemos. A reflexo, portanto, envolve certa dose de pensamento crtico, pois questiona as nossas fonnas de pel1Samento, a razo por que cremos e o nosso comportamento. Normalmente exige o exercicio da lgica (embora rudimentar) e alguma conscincia histrica (cincia de fontes histricas e do desenvolvinlento das idtas), bem como certa dose de objetividade para com as crenas e prticas que esposamos.

    N RM TODAS AS TEOLOGiAS SO IGUAIS 29

    o leitor pode estar pensando: "Por que a reflexo deveria fazer parte do crisllanismo? Afinal, no se presume que os cristos creiam como cranas e simplesmente concordem, mediante a f cega, com o que lhes prescreve a Palavra de Deus?". Acima definimos teologia como f em busca de entendimento. E quando citamos a reflexo referimo-nos ao esforo inteleclual, que se iIcia com a certeza acerca de Deus e sua Palavra e tenta descobrtr o que realmente est subentendido no crer e no viver. A teologia de lato admite a possibilidade de tennos crido incorreta ou incompletamente. Nem Deus nem sua Palavra podem estar errados, mas com certeza pode haver equivocos de nossa parte na interpretao e aplicao das Escrituras. A reflexo imprescindvel a qualquer processo de amadurecimento de idias.

    O filsofo aieniense Scrates defendia este lema; "A vida no examinada no vale a pena ser vivida". Com "vida no examinada" ele se referia ao viver sem reflexo - viver momento aps momento sem questionar o que cremos ou o modo como nos comportamos. Declaramos que, de certo modo, "a f no examinada (no refletida) no vale a pena ser vivida". Em outras palavras, parte do processo de amadurecimento na f crist consiste em examinar - de forma crtica - nossa crena e estilo de vida, bem como de outras pessoas. Isso, conludo, no significa pr de lado os compromissos de f durante o processo. No podemos refletir sobre o vcuo! A reflexo pode ser expressa pelo simples gesto de reclinarmos para trs - ou de entrarmos numa biblioteca a fim de examinar nossos valores e comportamentos seCWldrios luz de nossas crenas e valores centrais. "Ser que so consistentes? Existe uma inteireza integridade no que creio e em como vivo minha vida?" Esse o comeo da f reflexiva.

    As teologias, portanto, esteodem-se num amplo leque de reflexo. Numa extremidade est o que chamaremos "teolOgia popular", e na outra, o seu oposto: a "teologia acadmica". No espao entre ambas siluam-se vrios Iveis de teologia - algumas

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    menos reflexvas quanto ao enfoque na f crist, outras mais. Mais prxima do centro que a teologia popular est a teologia leiga, e a mais central de todas a teologia ministerial. Movendonos mais para a outra extremidade do leque, encontramos a teologia profissional e finalmente - na extremidade oposta teologia popular situa-se a teologia acadmica.

    teologia teologia teologia teologia teologia

    -popular leiga minlsterJaI profISsional acadmica

    TEOLOGIA POPULAR

    Q.te teologia popular? Empregamos o termo para descrever a crena no-refletida, baseada na f cega e em alguma ebpcie de tradio. No pretendemos com esse rtulo criticar af singela dos santos que nunca foranl instrudos em teologia fonnal. Conhecemos autnticos servos de Deus que vivem a vida crist de maneira profunda, mas no tm habilidade para articular suas crenas ou analis-las de fonua critica. Pelo contrrio, empreganlos o termo para identificar a teologia que rejeita a reflexo critica e entusiasticamente abraa a aceitao sinlplista da tradio toformal de crenas e prticas, fonnada primordialmente por clichs e lendas.

    A teologia popular pode ser encontrada em todas as denomJ. naes e com grande freqncta entre pessoas que se considerara crists (ou pelo menos afinnam crer em Deus), mas no so membros de nenhuma denominao ou igreja. De modo geral, a teologia popular rejeita qualquer reflexo na esfera religiosa. A devoo espiritual profunda e a reflexo intelectual so consideradas antitticas na teologia popular.

    A maioria dos adeptos da teologia popular jamais a consideraria "teologia". Contudo, em nossa acepo ampla do tenno, assim a definimos, porque contm respostas s pergunias fundamentais sobre a vida e busca elaborar um arcabouo para a crena e a vivncia da f crist. A teolOgia popular muiias

    NEM TODAS AS TEOLOGIAS SO IGUAIS 31

    vezes intensamente experimental e pragmtica - ou seja -, os critrios para a verdadeira crena so os sentimentos e os resultados. Ela se materializa e se peIPetua por meio de "frases de pra-choque" crists: refros, clichs e lendas.

    Na dcada de 1950, uma cano popular crist transmitia a seguinte mensagem: Se esinu sonhando, deixe-me continuar sonhando!". Um ctico dissera ao autor, cristo devoto, que sua f no passava de um castelo no ar. A resposta veio no titulo da cano. Na dcada de 1960, em que supostos telogos cristos proclamavam a "morte de Deus", apareceu um adesivo popular que declarava: "Meu Deus no est morto. Lamento pelo seu!".

    Nas dcadas de 1970 e 1980, milhares de jovens cristos usavam a frase "Nosso Deus umDeuspodcroso!" parasintetizar sua crena, e muitos cristos comearam a assistir aos televa:ngelistas em vez de comparecer igreja. Os teleV'd11gelistas e seus convidados relatavam hi.trias sensacionalistas com pouca substncia e nenhumacomprovao. Essas narrativas populares, no entanto, fizeram sucesso e alastraram-se como incndio pelas congregaes dispersas. Uma dessas "evan-gelendas" anunctava a descoberta do inferno por cientistas russos que tentavam cavar um buraco at o centro da terra. Outras "evangelendas" davam "sustentao" crena crist e nelas muitos cristos fixavam sua f: Triogulo das Bermudas, anjos que pedem carona ou a descobertado diaperdido de]osu graas ajuda de sofisticados equipamentos astronmicos.

    A caracteristica principal da teologia popular o apego a tradies orais sem suhstncia, bem como a recusa em medi-las por qualquer parmetro (bases para crer). Sinlplesmente elas so cridas porque soam espiriluais ou porque so comunicadas por algum considerado espiri!nal ou que transmite umasensao espiritual. Q.talquer tentativa de cxamin-las objetivamente evitada e muitas vezes quaJjficada como "carnal".

    Um exemplo contemporneo de teologia popular a onda de interesse por anjos. Entre em qualquer livraria - secular OU religiosa - e encontrar dezenas de livros sobre anjos e outros

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    seres sobrenaturais. Quase sempre a base dos regislros pura teologia popular- histrias inverificveis de enconlros com anjos que levam a concluses sobre os atributos desses seres. Alguns desses livros at mesmo encorajam o leitor a estabelecer contato com "seu anjo interior".

    A teologia popular fica evidente quando algum adota o que infonnado e defendido nesses livros (e tambm nos programas de televiso, sermes, fitas de udio e de vdeo, e assim por diante) sem razo melhor que a de soar espiritual ou trazer algum conforto. E resistem a qualquer comentrio corretivo ou cauteloso com algo do tipo: "No me confi.mda.J tomei minha deciso". A teologia popular, portanto, a crena nfurrefletida que se deleita com sentimentos subjetivos produzidos por clichs ou lendas e recusa submeter-se a exame. Em termos gerais, sente-se bastante conforivel com sua inconsistncia interior e com a crena noquestionada em histrias sensacionalistas e em frases de efeito os principais meios pelos quais comunicada.

    A teologia popular, por seu confonnismo, tmprpria para a maioria dos cristos. Ela estimula a ingenuidade, a espiritualidade forada e respostas simplistas aos dificeis dilemas com que deparam os seguidores deJesus Cristo neste mundo predominantemente secular e pago. Retarda o crescimento e embota a influncia do cristianismo no mundo. Alm disso, muitas vezes dificil distinguir a teologia popular crist das respostas enlatadas e sorrisos postios exibidos pelos membros de seitas que mascateiam de porta em porta suas "novas revelaes".

    Teria a teologia popular algum valor para a f reflexiva? Poderia ela ser uma fonte para os telogos leigos e profissionais? Embora a teologia popular no seja adequada como patamar para cristos que pensam e procuram articular suas crenas, reconhecemos que telogos leigos, ministeriais e profissionais podem aprender sobre os anseios do corao das pessoas. As lendas e clichs que vcejam a teologia popular revelam as necessidades, indagaes e anseios espirituais das massas. No

    NEM TODAS AS TEOLOGIAS SO IGUAIS 33

    devemos ignor-los, pelo contrrio, nosso dever recorrer a eles a fim identificar os recursos de que dispe a f reflexiva para atend-los e dar-lhes respostas.

    TEOLOGIA LEIGA

    A teologia leiga representa, quanto ao Ivel de reflexo, um passo acima e alm da teologia popular. Na realidade, se a reflexo caracteriza a diferena entre a teologia popular e a teologia leiga, a ltima pode ser descrita como o avano radical em relao primeira! A teolOgia leiga surge quando o cristo comum comea a questionar os clichs e lendas simplistas da teologia popular. Ela emerge quando o cristo escava profundamente os recursos de sua f, reUIndo mente e corao na sincera tentativa de examinar e entender essa f. A teologia leiga pode carecer das sofisticadas ferramentas dos idiomas bblicos e da conscincia lgica e histrica, porm busca, com os recursos de que dispe, integrar as crenas crists num todo bem fundamentado e coerente, questionando tradies infundadas e eliminando flagrantes contradies.

    Um exemplo de teolOgia leiga ocorreu quando um cristo comum comeou a refletir sobre as palavras cantadas no culto. Ele notou que o lder do louvor escolhia hinos que pareciam discrepantes entre si e contradiziam os sermes. No domingo de rIsses, o pregador convdado proferiu um sermo de avivamento sobre o tminente retomo de Jesus Cristo e a necessidade de evangelizar o mundo a fim de prepar-lo para sua chegada. O quadro retratado pelo evangelista era sombrio - o mundo em crescente escurido, pecado e erro. Ento Cristo chegaria para derrotar os inimigos do Reino e dar iIcio ao glorioso reinado de mil anos com seus santos na terra!

    O leigo reconheceu a viso defendida de forma geral por sua denominao e at sabia o termo teolgico para ela - prmilenarismo. hnediatamente aps o sermo, o lder do culto convidou a congregao a ficar de p e cantar o hino final: We 've

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    a story to teH to lhe naiiell1S [Temos rnna hisIria pala contar s naes!. Pela primeira Ve7. aquele cristo relletiu sobre as palavras do hino luz do sermo e descobriu rnna grave inconsistncia. A cano sugere que o Reino milenar de Cdsto chegar gradualmente pelo evangelismo e pela ao social: " ... e a escurido se tomar alvorada, e a alvorada, meio-dia brilhante, e o grande Reino de Cristo vir sobre a terra, Reino de amOr e luz". "Isso ps-milenalismd', concluiu.

    Aps o culto, aproX11l0lHle de um membro daequipe pastoral e educadamente perguntou se ele havia notado a discrepnda. Foi repelido com uma resposta que classiflcava aquela rE'JIexo como nociva ao "esplrlto de adorao" - teologta popular!

    A igreja precisa de mais telogos leigos como o homem dessa histria! Cristos que pensam podem ajudar a igreja a "rever suas aes" e a apresentar a si mesma e ao mundo uma face consistente, de uma organ.izao que sabe o que cr e por que razo cr no que proclama. Lamentavelmente, porm, a prpria teologia leiga, apesar de singela e respeitosa, tratru:la pelos que preferem a teologia popular como evidncia de diminuio da espiritualidade. Mareao desenCOI"

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    circulos nrnna floresta CSCtlI'a, tentando descobrir o caminho de sada guiado por rnna pequena vela. De repente apareceu rnn telogo e apagou-a. Evidentemente, a vela da parbola representa a teologia popular, e o que assopra a vela, o telogo profissional!

    De nossa parte, mudariamos a parbola. Um homem vagava pela floresta, e escurecia. Infelizmente, o pobre homem simplesmente ficava andando em circulos porque usava apenas uma lanterna fraca para enxergar o caminho. Ento apareceu rnn telogo e forneceu novas baterias para a lanterna, alm de lhe mostrar a direo que o tiraria da floresta. Para ajudar o ser hmnano que andava em circulos, o telogo teve de fazer rnna anlise das baterias que fraquejavam!

    Os telogos profissionais s vezes tm a sensao de que alguns cristos investiram tanto na teologia popular que preferem que ningum lhes mostre quo intil ela para respondf'.I aos dificeis questionamentos levantados contra a f crist neste mundo em progressivo escurecimento. Talvez os telogos profissionais no consigam ajudar os que tetrnanl em viver a vida crist apenas com o auxilio precrio da teologia popular, mas sua principal tarefa ou contribuio reside em servir aos telogos leigos e ministros - ensinando pastores em seruinrios, faculdades e universidades ligadas a igrejas e escrevendo livros e artigos para ajudar telogos leigos e ruinisteriais em suas jornadas de reflexo. Em sua melhor expresso, a teologia profissional exerce o papel de serva, e no o papel senhoril. Ou seja, o telogo profissional serve comunidade crist ajudando pessoas a pensar como Crtsto, a fim de que possam ser mais eficazes no testemtmho e no sel"'io, tanto na igreja quanto no mundo.

    TEOLOGIA ACADMICA Na extremidade do leque - alm da teologia profissional e totalmente oposta teologia popular -, est a teologia acadmica.

    NEM TODAS AS TEOLOGIA5 HO IGUAl::; 37

    aItanlente especulativa, quase filosfica e visa sobretudo a outros telogos. Nem sempre est ligada igreja e pouca relao tE'm com a vida crist autntica.

    Os telogos profissionais podem beneficiar-se com o estudo da teologia acadruica, e normalmente exige-se deles que a estudem at o ponto de obterem seus titulos, contudo a igreja e os cristos individuais que lutam no mundo real pouco lucram com ela. Considerando que o telogo acadruico se dedica intensamente reflexo, ele pode leV'dr essa reflexo, que rnn coisa boa, longe demais, separandoa da f e buscando o entendimento em proveito prprio. Em sua pior verso, a teologia acadmica segue o lema"Acreditarei somente no que posso entender", o que bem diferente da "f em busca do entendimento".

    O romancista contemporneo]ohn Updike escreveu rnn romance inteiro sobre os conflitos entre a1gwnas das teologia desClitas acima. A personagem principal de Roger's vell/ion

    '

    Roger Lambert, professor de meia-idade que leciona histria da teologia muna escola teolgica da Nova Inglaterra. J:>le tipifica O telogo acadruico mais interessado no que pensa sobre DelL~ que no prprio Deus! Logo no inicio da histria, encontra lun jovem e sincero telogo popular - que estuda informtica na mesma escola - empenhado em provar a existncia de Deus por meio de programas de computador e sem nenhum interesse pela teolOgia formal, acadruica. Seus encontros e interaes proporcionam um interessante - mas no necessariamente edificante! - estudo de caso sobre os exrrcmos do leque da reflexo teolgica. Muito antagonismo para com a teologia emerge do equivoco de dois homens que professam lados opostos da teologia o estudante refratrio ao pensamento crtico que demoniza a reflexo, equiparando-a ao

    j New York: Ballantinc Books, 1986.

  • 38

    pecado da dvida, e o professor arrogante e indiferente que despreza as dvidas e preocupaes dos cristos comuns.

    TEOLOGIAS INTERDEPENDENTES

    A teologia popular e a teologia acadmica possuem pouco valor - exceto quando se escreve a narrativa repleta de tenses e conflitos situada numa escola universitria de teologia. Na realidade, elas s vezes oferecem perigo tarefa de examinar, entender e articular a f crist. A~ teologias situadas no espaos entre esses extremos so todas necessrias e benficas e de fato se entrelaam. Telogos ministeriais devem usar as ferramentas e mtodos dos telogos profissionais para instmir e aprimorar os telogos leigos, a fim de que estejam preparados para justificar sua esperana aos que dela lhes pedirem conta (IPe 3.15).

    A igreja crist e cristos que individualmente buscam crescer na f precisam de teologia leiga, ministelial e profissional. Evidentemente nem todo cristo precisa tomar-se telogo profissional. Porm, cristos leigos que buscam aumentar a compreenso de sua f e crescer acima da teologia popular precisam da ajuda de telogos ministeriais, que por sua vez utilizam as ferramenta~, o treinamento e as descobertas de telogos profissionais. Telogos profissionais precisam da comunidade de cristos leigos conduzida por ministros como contexto para pensar e refletir criticamente. Seu propsito servir a essa congregao - at mesmo quando seu servio no for plenamente entendido ou apreciado.

    Por isso, quando dizemos que "nem todas as teologias so iguais" no queremos d:ter que a teologia profissional seja melhor que a ministerial ou que a teologia ministerial seja melhor que a leiga. Na verdade, estamos afirmando que as trs so preferveis teologia popular. So igualmente valiosaq entre si, embora envolvam nveis diferentes de habilidade na reflexo sobre a f crist e seu significado, so nveis interdependentes, e as linhas de comunicao entre eles preClsam de fortalecimento. Sem a

    NEM, TODAb AS TEOLOGIAS SO IGUAIS 39

    teologia ministerial e profissional, a teologia leiga com dema

  • TRS Definio de teologia

    Charlie Brown est sentado diante da barraca de "prontosocorro psiquitrico" de Lucy quando a "doutora" declara com eloqncia:

    - A vida, Charlie Brown, como urna espreguiadeira - Como o qu? exclama ele. Lucy explica: Voc alguma vez j esteve num navio de cruzeiro? Os

    passageiros desdobram as cadeiras de lona para que possam sentar-se ao sol.

    Apontando para sua esquerda, continuou: _ Algumas pessoas posicionam suas cadeiras na direo da

    parte traseira do navio para que possam ver por onde passaram. Gesticulando em seguida na direo oposta, ela diz: _ Outras colocam as cadeiras viradas para a proa. Querem

    ver para onde esto indo! Terminada a explicao, Lucy volta-se para o "paciente"

    sentado na banqueta e dispara: No cruzeiro da vida, Charlie Brown, para que direo

    est voltada sua espreguiadeira? O rapaz pensa por um momento e ento responde: - Nunca fui capaz de desdobrar uma. Toda vez que h uma reflexo sria sobre as questes

    fundamentais da vida, como a indagao sobre a direo para a qual est voltada sua espreguiadeira, seus proponentes esto se engajando em teologia Sob essa perspectiva, todos - Lucy, Charlie Brown, voc, eu e cada um de nossos amigos e vizinhos

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    - somos telogos. Por que isso ocorre? Por que as perguntas mais profundas da humanidade levam teolOgia? Porque, no final das contas, as perguntas fundamentais da vida conduzem para alm da vida. Como j observamos, essas questes giram em tomo da indagao acerca de Deus.

    As pessoas ingressam no mbito da teologia sempre que levantam tais perguntas. s vezes, porm, suas indagaes so mais abertas e conscientemente teolgicas. Sem dvida, voc j se perguntou: "Existe realmente um Deus? Com que ele se parece?". Ou: ''Por que Deus pennite o mal?". So todas perguntas teolgicas. A teologia aprofunda questes gerais como essas.

    No entanto, a teologia no se Jimita ao genrico. Cada um de ns j se perguntou em alguma ocasio: "Ser que Deus est interessado em mim?Ele me ama?". Ou: "Como posso encontrar a Deus?". Essas perguntas essencialmente pessoais tambm se situam no mbito teolgico.

    A teolOgia busca respostas para perguntas gerais e pessoais sobre Deus e sobre o sentido, o propsito e a verdade definitivos. Essa definio, porm, parcial e, devido ao seu carter genrico, totalmente inadequada para descrever a diSciplina (a cincia ou o estudo formal) da teologia. Por isso, busquemos uma definio mais precisa.

    QUE TEOLOGIA? Quando deparamos com uma nova palavra, em geral til procurar sua definio no dicionrio. Reflita sobre a definio simples e direta do dicionrio para "teolOgia": "Cincia ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relaes com o homem e com o universo". 1

    Nossa primeira reao, ao ler isso, bem poderia ser: "O dicionrio faz a teologia soar de modo to estril! Ser que isso tudo que diz respeito teologia?". Apesar da aparente

    lDctionro Houaiss da lngua portuguesa, Rio de janeiro: Objetiva, p.2696.

    DEFINIO DE TEOLOGIA 43

    esterilidade, a definio do dicionrio de fato apresenta a dimenso central da teologia. Como explicamos no primeiro captulo, a palavra vem de dois termos gregos, theos ("Deus") e lagos ("palavra", "ensino", "estudo"). Sob essa perspectiva, teologia significa" o ensino referente a Deus" ou "o estudo sobre Deus". Essa definio surpreendentemente semelhante do dicionrio.

    Em sentido amplo, teologia a tentativa de penetrar abaixo da supemcie da vida e alcanar o entendimento mais profundo acerca de Deus. A teologia busca entender o Ser supremo, sua natureza e seu relacionamento com o mundo. Ela responde a perguntas como: "Como Deus? Como Deus nos trata? Que faz Deus? E prope questes como: Ser que tudo Deus? Ou ser Deus distinto do universo e de seus processos?".

    Como cincia que busca compreender a Deus, a teolOgia uma disciplina intelectual antiga e respeitada. Durante sculos, os filsofos tatearam procura de respostas sobre a exi

  • 44

    que estudam e escrevem sobre teologia tendem a subdividir sua investigao em vrias crenas bsicas ou tpicos interligados. So estes os focos teolgicos centrais:

    Deus (a teologia propriamente dita); a humanidade e o uIverso criado (antropologia); Jesus e a salvao que ele trouxe (cristologia); o Esprito Santo e as obras do Esprito em ns e no

    mundo (pneumatologia); a igreja como a comunho de discpulos de Cristo

    ( eclesiologia); a consumao ou concluso do programa de Deus para

    a criao (escatologia). A boa teologia comea analisando esses tpicos confonne

    eles so noticiados pela f emJesus que a revelao de Deus.

    POR QUE TEOLOGIA? Um dos objetivos centrais da teologia entender e descrever o que cremos como cristos, o que sustentamos como verdadeiro com base na f emJesus Cristo. Desde o primeiro sculo, a igreja afuma a importncia da teologia para sua misso. E os cristos definem a teologia conforme o papel que ela desempenha na tarefa da igreja. Engajamo-nos na reflexo teolgica porque a teologia nos ajuda a ser discpulos de Cristo e podemos entend-la de acordo com a ajuda que ela est deSignada a prestar.

    Q.Ial a fimo da teologia na vida do discpulo? O que a boa teologia realiza? Podemos responder numa nica frase: a boa teologia ajuda os cristos porque a1icera sua vida sobre verdade crist biblicamente orientada.

    Para entender isso, consideremos um dos principais aspectos do ambiente em que hoje vivemos. Este um mundo pluralista em que cada pessoa bombardeada continuamente com afirmaes sobre o que supostamente seja a verdade. Surge um coro dissonante de vozes, cada qual alegando oferecer a

    DEFINIO DE TEOLOGIA 45

    melhor crena e convidando os ouvintes a abraar a "verdade" que proclama.

    Confimdidos por to grande nmero "verdades" que lhe vm ao encontro, muitos embarcam numa odissia espiritual e intelectual. E, no percurso dessa viagem de descobrimento, oscilam de uma crena para outra, dependendo do que esteja na moda. Ontem talvez tenha sido a Meditao Transcendental. Hoje, a espiritualidade da Nova Era. Amanh, o que lhes ser apresentado? Seja l o que for, com certeza esses "peregrinos" adotaro.

    A desafortunada srie de televiso Amazing grace [Maravilhosa graa], que foi ao ar em 1995 e teve curta durao, incorpora esse esprito. Apesar de emprestar o nome do grandioso hino evanglico, o programa apresentava a ministra Hanna Miller, que no era nem protestante nem catlica. Como os espectadores podiam esperar, o "chamado" de Hanna para seu indefinido ministrio ocorreu de modo nada tradicional, pois seguiu-se a um divrcio, um vcio em medicamentos controlados e uma experincia de proximidade da morte. Como mais uma vez os espectadores podiam esperar, o programa desprezava quaisquer vnculos religiosos especficos que Hanna pudesse representar, substituindo-os pelo enfoque numa espiritualidade genrica.

    Embora fosse uma personagem ficticia - produto da psique de algum roteirista -, Hanna se ajustava ao perfil da atriz principal, Patty Duke. Leiam o relato de Duke sobre sua peregrinao espiritual: "Nasci numa famlia catlica romana. Fui adepta da Cincia Crist. Pesquisei o budismo. Estudei para me converter ao judasmo. Penso que vocs podem ver nisso uma tendncia. Por isso no to estranho para mim acabar fazendo uma pregadora na televiso. Estou to perdida quanto todos os outros. E estou to 'encontrada' quanto todos os outros". 2

    and Grit, Vancouver Sun IV Times, 31/5/1955, p. 4.

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    Maravilhosa graa espelha o etos de hoje. Para muitos, est ultrapassada a procura pela verdade contida numa nica e verdadeira religio. O que est "na onda" a busca pela espritualidade. E essa busca, alegam, pode conduzir a uma variedade de tradies religiosas, cada qual oferecendo algumas descobertas. Seu conselho? Lembre-se apenas de que nenhuma religio tem a resposta definitiva. Cada expresso religiosa no mais que uma estao ao longo do caminho. Logo, mova-se com os novos tempos de uma onda religiosa para a seguinte! . O desejo de no ser arrastado pelos ventos de novas doutrinas

    que sopram no campo das idias deveria conduzir o cristo teologia. E, neste contexto de cosmovises concorrentes, a teologia crist segue o objetivo de articular a verdade crist. Ela instrui o seguidor de Jesus sobre o que inerente ao ensino especificamente cristo sobre Deus e o mundo. A medida que entendem o que caracteriza a verdadeira f (ortodoxia), conseguem detectar e rejeitar falsos ensinamentos (heresias). Alicerando-nos sobre a verdade, a teologia contribui para que nos tomemos discpulos maduros de nosso Senhor, consolidados na f, no mais "jogados para c e para l por todo vento de doutrina" (Ef 4.14). Por essa razo, a teologia o sustento da vida crist.

    No entanto, ela de fato traz em si mesma certo "perigo". Requer que examinemos nossas crenas luz da verdade crist biblicamente orientada. Ao faz-lo, exerce a funo crtica (que abordaremos no captulo cinco). A medida que testa suas crenas, voc descobrir que certas coisas que presumia como verdades no se coadunam com o ensino saudvel. O estudo teolgico o levar a descartar crenas incorretas h muito abraadas. Esse aspecto da teologia na verdade fortalece sua f, ao invs de destru-la.

    Crenas crists slidas, em contrapartida, resistiro ao teste da reflexo crtica. Depois que "passarem pelo exame", comearemos a abra-las at com maior convico. Outras crenas sero aguadas e depuradas pelo estudo da teologia. A medida que

    DEFINIO DE TEOLOGIA 47

    entendermos essas convices com maior preciso, nossa f ser fortalecida, porque saberemos afirm-las com maior certeza.

    Tomemos como exemplo o ensino cristo de que Deus trino - Pai, Filho e &prito Santo. Talvez essa doutrina seja pouco mais que um enigma para voc: de algum modo misterioso, Deus um e trs. Voc afirma essa doutrina no por fora de convico nem por ter sido gerada pelo entendimento, e sim porque "cristo" faz-lo. Alm do mais, talvez sua concepo do Deus trino se apie na idia de um Deus unificado, por exemplo, em suas oraes, que rotineiramente so dirigidas a "Deus". O estudo teolgico pode lev-lo a descobrir uma riqueza maior nessa doutrina tradicional. Pode abrir seus olhos para ver que o Deus uno no outro seno o Pai, o Filho e o &prito Santo - trs pessoas distintas com papis distintos unidas pelo amor recproco.

    Quando a teologia faz a sua parte, a doutrina da Trindade doutrina que voc abraava fracamente - toma-se uma convico finne. Ento voc entende que a declarao "Deus amor" est ineludivelmente ligada ao ensinamento de que Deus Pai, Filho e Esprito e percebe como a concepo crist intelectualmente sublime e incomparavelmente superior a qualquer sistema de doutrina oferecido por outra religio. Nunca mais voc ter medo de enfrentar os "evangelistas" que batem sua porta com um evangelho diferente e nunca mais recear que sua f na doutrina do Deus trino, ensinada pela igreja ao longo dos sculos, seja abalada Assim, poder gloriar-se em Deus e na prpria Trindade.

    assim que a teologia funciona. E, medida que refletem mais e substituem crenas errneas por convices corretas e proporo que testam crenas vlidas, porm imprecisas e imaturas, os cristos tomam-se mais finnes na f e mais seguros no que crem. No entanto, a obra fundamental da boa teologia no pra aqui.

    A teologia alicera a vivncia crist. Por causa da ligao com os qus e porqus das crenas, muitos cristos consideram a teologia urna disciplina meramente intelectual. Que teolOgia? Para alguns, a teologia consiste em debates ridos sobre tpicos

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    doutrinrios sem importncia, imposSveis de serem conhecidos na sua totalidade ou smplesmente absurdos. Os telogos cismam em assuntos inteis como: "Ser que Deus capaz de fazer uma pedra to pesada que ele prprio no consiga erguer?". Ou: "Quantos anjos conseguem ficar em p na cabea de um alfinete?". Disputam uns com os outros sobre pontos doutrinrios potencialmente perigosos como: "Ser que Deus predestinou o eleito salvao e o condenado perdio antes de criar o mundo?". Para muitos cristos, o debate teolgico desse tipo e, por conseguinte, a teologia e os telogos em geral- s fazem tolher sua tarefa mais importante, a saber, compartilhar o evangelho com os perdidos. Declaram que, no final das contas, irrelevante se o condenado "no pode" ou "no quer" responder boa notcia. O fato lamentvel que o perdido simplesmente "no responde".

    Esse ponto de vista parcialmente correto. Os telogos de fato parecem muitas vezes discutir questinculas inconseqentes. Mas, apesar de prescindir do debate acadmico, a boa teologia no pra nele. Os bons telogos debatem porque sua preocupao principal a vida. Q:terem chegar verdade, desejando no apenas pensar corretamente, mas viver de modo correto. Eles se engajam teologia no apenas para acumular conhecimento, mas tambm para obter sabedoria. Em conseqncia, a boa teologia traz o aspecto terico, acadmico e intelectual da f crist a vivncia crist. Desse modo, toma-se imensamente prtica - talvez o empenho mais prtico com que possamos nos comprometer!

    Na hiptese de voc estar se perguntando como uma disciplina mental pode vir a ser prtica, observe que vrias conexes proporcionam teologia essa dimenso prtica, ligada vida. Primeiro, a teologia prtica porque inseparvel do aspecto mais prtico da vida crist seu ponto inicial, o maravilhoso fenmeno que denominamos "converso".

    Para entender isso, perguntemos o que para muitos crentes a pergunta central da f: "Q:te significa ser cristo?". A respo~

    DEFINIO DE TEOLOG1A 49

    "O cristo a pessoa que foi convertida:'. Voc e eu afirmamos que somos cristos porque encontramos Deus em Cristo, de modo que nossas vidas foram, esto sendo e sero transformadas radicalmente. E esse encontro nos situa numanova comunidade, o povo de Deus, a comunho dos discipulos de Cristo.

    Essa mudana ocorre quando ouvimos o evangelho e cremos nele. Porm, que o evangelho exatamente? Muitos cristos por certo concordam que no corao da boa-novareside a histria bblica da ao redentora de Deus a favor da humanidade pecadora. Deus providenciou o caminho da salvao. E todos os cristos do-se conta de que para "invocar o nome do Senhor" (Rm 10.13), preciso ouvir a histria da salvao.

    Levemos nosso questionamento um passo adiante. Ser que a histria por si mesma suficiente para conduzir algum a Cristo? No estaria faltando algo? Com certeza! Para crer no evangelho, no basta ouvir a histria, necessrio entender seu significado. No suficiente ouvir que Cristo morreu e tomou a subir ao cu - os fatos brutos da histria por si s no levam ao corao da mensagem. O ser humano precisa tomar conhecimento do porqu da morte e ressurreio deJesus. Tem de compreender que Deus, por intermdio de Cristo, agiu a favor da humanidade.

    A questo que a histria bblica sempre vem revestida de uma interpretao que informa o significado dos eventos narrados. Assim se apresenta o evangelho, no Novo Testamento. Os apstolos e evangelistas no se limitam a relatar meros detalhes da vida, morte e ressurreio deJesus. A histria contada no contexto de seu significado: Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo mesmo, para citar a interpretao de Paulo (2Co 5.19). Do mesmo modo, a declarao do evangelho sempre vem revestida de teologia. E no algo adicional ao evangelho. parte essencial da boa-nova.

    A boa teologia, portanto, apura nossa compreenso acerca

    do evangelho. Ajuda-nos a esclarecer o significado da histria,

    em que Deus age por meio de Cristo. E faz isso de tal forma que

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    hoje podemos anllllciar o evangelho de modo inteligivel a todo o mlllldo. Mais ainda, a teologia seNe ao processo de converso. Auxilia na divulgao do evangelho, tomando-o acessvel a quem desejar conhecer o Deus que em Cristo oferece a todos a salvao.

    Contudo, isso no esgota o vnculo da teologia com a converso. Depois que entrega a vda a Cristo, a pessoa naturalmente sente desejo de conhecer mais profundamente o Deus que agiu para salv-las e as introduziu na comunho com ele e com os outros cristos. A teologia atende a esse anseio, permtindo uma concepo mais clara da pessoa de Deus pelas informaes de que dispe acerca do autor e objeto da f crist. Nessa busca, os cristos indagam: "Quem somos ns? Por que a situao humana exige a obra redentora de Cristo? Qlem Jesus e como ele se relaciona com Deus? Como a morte deJesus pode nos salvar? Qual o papel do Esprito Santo na obra do Deus trino? Qle quer dizer, afinal, a f? Que significa fazer parte do povo redimido? Para onde Deus nos est levando?". Depois que nos tomamos crentes, natural que desejemos saber essas coisas. Por conseguinte, a f - ou converso leva espontaneamente teologia.

    Alm disso, o propsito da teologia no acaba na converso. Ela tem em vsta um seglllldo alvo prtico: oferecer orientao para a vivncia crist. Para percebermos isso, importante segur outra linha de reflexo que comea com a pergunta: "Qle a vda crist?". fcil responder a essa questo. presumvel que o cristo defina a vda crist da perspectiva do "discipulado", declarando que ela a tentativa de viver como segudor de Jesus.

    No entanto, que signfica "seguir a Jesus"? Embora as defines possam divergir nesse ponto, o cristo h de concordar em que seguir a Jesus est de algum modo ligado com vver o "cristianismo", sempre consciente de que somos "pequenos Cristos", como sugere o nome "cristo". Tambm aceitar que ser cristo implica lealdade a Jesus. Ns, cristos, tentamos "vvenciar" nossa confisso de fidelidade a Cristo. Essa resposta, porm, demanda ainda outra declarao crucial. A despeito de

    DEFINIO DE TEOLOGIA 51

    tudo o mais que possa acarretar, a lealdade a Cristo requer a vvncia - ou vso de mlllldo - de conformdade com o conjllllto de crenas moldadas pela histria de Jesus, narrada nos evangelhos.

    Quando dizemos "crenas" ou "vso de mlllldo", novamente entramos na esfera da teologia, porque esta analisa o sistema cristo de crenas - ou sua cosmovso. Prope uma vso singular de toda a realidade tal como emerge da histria de Jesus de Nazar. A teologia, porm, no se limita a ordenar uma srie de afirmaes ou proposies que acreditamos verdadeiras. Ela no se limita a grandes afirmaes teolgicas "Deus amor" ou "Cristo plenamente Deus e plenamente humano", por exemplo -, embora tais declaraes sejam um aspecto importante de sua funo.

    boa teologia vai alm de estabelecer verdades. Analisa o Significado de nossas crenas ou profisses de f para tudo na vda A teologia levanta perglllltas como: "Quais as implicaes da doutrina da Trindade para o modo como oramos?". Ou: "Que relao tem a doutrina da humanidade plena de Jesus com a maneira como me comporto na segllllda-feira de manh?".

    Ao elaborar essas questes a teologia proporciona ao crente a orientao de que precisa paravver como discpulo de Cristo. evdente que o cristo tambm se engaja na teologia, a fim de que possa adquirir maior entendimento - at mesmo sistemtico - de sua f. Mas esse no o propsito final da teologia. Ela sempre faz diferena no modo de vda do cristo e igualmente o motiva. Depois que aprende mais sobre Deus e seu relacionamento com o mlllldo, o discpulo de Cristo impelido a amar mais a Deus. E, medida que passa a amar mais a Deus, deseja servi-lo melhor. A boa teolOgia desloca-se da cabea at o corao e, finalmente, at a mo.

    Para ver como isso funciona, consideremos outra vez a triunidade de Deus. Ao examinar a doutrina da Trindade, descobrimos que por toda a eternidade o Pai ama o FIlho, e o Filho retribui o amor ao Pai. Isso, no entanto, no mera

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    teorizao intelectual. Aprendemos tambm que, como Filho, Jesus revela como devemos responder aDeus. Deus o Pai amado que nos criou a fim de que lhe retribuamos esse amor. Nesse ponto, intervm o Esprito Santo. Quando a pessoa renasce, o Esprito vem habitar nela, atraindo-a para a gloriosa relao que o Pai e o Filho compartilham, porque o Esprito a faz conhecer a Deus como seu amoroso Pai celestial (GI4.6), exatamente como Jesus o conhecia.

    As implicaes dessa constatao so imensas. A doutrina daTrindade ajuda o cristo a entender como comparecer perante Deus em orao: orando ao Pai em nome do Filho e pelo impulso do Esprito. De modo anlogo, a doutrina da Trindade oferece uma perspectiva completamente nova sobre quem so os fiis e por que esto aqui: so filhos do Pai celestial, e seu propsito viver para louvar ao seu Criador e Redentor. Conhecer a dinmica da converso luz dos relacionamentos eternos entre Pai, Filho e Esprito Santo faz emanar do corao do crente o amor que se traduz em servio voluntrio. Pense apenas no grande privilgio que voc tem: o Esprito o conduz ao glorioso relacionamento que o Filho desfruta com o Pai. Como deixar de amar e servir ao Deus to gracioso?

    "Quem precisa de teologia?", perguntamos. A resposta clara: todos. A teolOgia visa explicitar e articular a doutrina crist, mas seu objetivo mais amplo. O crLc;;tO engaja-se reflexo teolgica para que sua vida possa ser transformada. Cumpre reflexo teolgica nutrir a espiritualidade santificada e o discipulado obediente. De futo, a boa teologia toma o crente mais forte, mais bem-informado e, por conseqncia, mais produtivo como seguidor de Cristo. Por isso, faz-se necessrio um acrscimo nossa definio de teologia. TeolOgia crist a reflexo e organizao das crenas referentes a Deus e o mundo partilhadas pelos seguidores de Cristo com a 1Jnalidade da vivncia crist.

    A teologia agradvel a Deus. Ocupamo-nos da teologia porque a reflexo teolgica alicera nossa vida na verdade crist

    DEFINIO DE TEOLOGIA 53

    biblicamente orientada. Ela fomenta a maturidade para que possamos ser crentes estveis na areia inconstante de nossos dias e fomenta a sabedoria para que possamos viver como discpulos.

    At aqui concentramos nossa discusso nos crentes. Definimos a teologia sob a tica dos efeitos da reflexo teolgica em ns - portanto, uma definio antropocntrica (centrada nos seres humanos). Entretanto, a teologia antropocntrica insuficiente. Jamais ousariamos engajar-nos teologia apenas pelo que ela pode fazer por ns, sem importar quo til ou importante isso possa ser. Por natureza, a teologia tem de levar o cristo a alar o olhar para alm e acima de si mesmo atitude prpria de quem habitado pelo Esprito - e concentrarse no Deus trino. A teologia deve ser teocntrica ...:. centrada em Deus. Em decorrncia disso, nossa teologia precisa mover-se para alm de ns mesmos, como seres humanos e cristos, e encontrar lugar de repouso em Deus. Com que se pareceria, ento, a definio teocntrica da teolOgia?J construmos a ligao entre teologia e discipulado. Precisamos agora reforar essa conexo, porque essa a pista para teologia teocntrica.

    O prprio Jesus convidou os discpulos a se ocuparem com teologia. O Mestre lembrou aos seus seguidores a antiga ordem de amar a Deus com o entendimento (Mt 22.37; Mc 12.30; Lc 10.27). E Paulo reitera a advertncia do Senhor, mencionando a importncia de "levar cativo todo pensamento, para tom-lo obediente a Cristo" (2Co 10.5). Essas declaraes das Escrituras deixam bem claro que a vida no discipulado abrange tudo.

    A maioria dos cristos h de concordar que o discipulado envolve atitude, vontade, emoes, intuio e ao. Como cristos, percebemos que nos cabe servir a Deus em todas essas dimenses de nosso ser. Contudo, o ponto em que s vezes tropeamos com relao mente. O discipulado, porm, abarca igualmente a vida da mente (Mt 22.37). Cristo quer ser Senhor de nossas mentes (2Co 10.5).

    A primeira providncia interligar o senhorio de Cristo sobre a mente com a chamada vida das idias. Jesus deseja que

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    seu povo descarte ~q13 pensamentos maus, libidinosos ou , ',"::

    egocntricos (v., p. ex.,Mt 5.27-30), porm isso s arranha a superficie. Pensamentos especficos so apenas sintomas da realidade mais profrrnda. Subjacentes a eles esto convices centrais a estrutura de crenas, a cosmoviso - que governa no apenas as idias, mas tambm a vida por inteiro. O discipulado permite que Cristo seja Senhor sobre elas e implica adotar as principais convices expostas na vida de Jesus, o Senhor. Por isso, os cristos cantam: "Que a mente de Cristo Salvador, viva em mim a cada dia ...".

    A reflexo teolgica constitui o aspecto crucial na disciplina da mente. Quando algum busca respostas s grandes perguntas acerca do sistema de crenas cristo, ele se dedica tarefa de confOImar suas convices com a verdade divina.

    Como esse processo pode levar teologia teocntrica? Uma das respostas parece bvia: convices sagradas levam ao viver consagrado, e o viver consagrado glorifica a Deus. Por isso o alvo final da reflexo teolgica que Deus seja glorificado na vida dos que crem, pela maneira em que vivem e por aquilo que fazem.

    No entanto, a resposta penetra ainda mais frrndo. A boa teologia permite que Deus seja glorificado at mesmo na mente do cristo. A reflexo teolgica leva a pensar corretamente sobre Deus, bem como sobre ns mesmos e o mundo como criao subordinada a Deus. Isso agradvel a Deus. Na realidade, at mesmo a busca pela verdade, quando estimulada pelo desejo de obedecer a Deus em todos os aspectos da vida, agrada a ele.

    Em vista disso, como seguidor obediente de Cristo preocupado em honrar a Deus com a mente -, o cristo pode alegremente oferecer sua vida e suas descobertas teolgicas a Deus como ato de adorao. A boa teologia um dos veculos pelos quais o crente pode amar a Deus com a mente.

    A teologia, porm, ainda faz mais que incrementar a glorificao a Deus. Ela atua do mesmo modo na comunidade crist, expressando-se em todos os aspectos da vida eclesistica.

    DEFINIO J)E TEOLOGIA 55

    De fonna significativa, molda a adorao coletiva. Encama-se na msica cantada e executada, nas palavras faladas, nos atos simblicos e at na estrutura da celebrao. A boa teologia conduz boa adorao, e a boa adorao enaltece a Deus.

    Tomamos a perguntar: "Quem precisa de teologia?". De fonna direta, voc e eu precisamos. E precisamos dela juntos. De modo especial, no entanto, Deus quem precisa dela. A rigor, Deus no precisa de teologia no sentido restrito, porque o Deus trino completo no mbito da vida divina e eterna. Porm precisa dela por opo. Deus decidiu habitar no meio dos louvores de seu povo (SI 22.3). Isso significa que o Deus eterno e trino consente em "habitar" na boa teologia,: porque esse empenho humano aparentemente insignificante enaltece e glorifica a Deus.

    Expostos todos esses argumentos, podemos agora fornecer a definio mais completa da boa teologia: "Teologia crist refletir sobre a vida e as crenas centradas em Deus, que os cristos compartilham como seguidores de Jesus Cristo, e articullas, com o propsito de glorificar a Deus em tudo que os cristos so e fazem". Soli Deo gloria

    1\11

  • QUATRO

    Defesa da teologia --

    E.t (Stanley) havia trabalhado trs anos na Northwest Church como diretor da mocidade enquanto cursava o seminrio e estava me preparando para fazer ps-graduao na Alemanha. Um dia, um amado inno abordou-me com esta advertncia: "No deixe aquele professor de teologia destruir sua f!". Meu amigo estava preocupado, acreditando que qualquer interesse adicional pela teologia fosse abalar minhas convices e amortecer meu zelo em servir a Deus.

    Talvez o aviso de meu amigo expresse exatamente o que voc est pensando: "Em vista dos perigos que o estudo formal da teologia pode acarretar, quem realmente precisa de teologia?". Se for essa sua preocupao, voc no est s. At mesmo lderes e educadores cristos j expressaram inquietao semelhante sobre a teologia como disciplina formal.

    Q}1ando a Bethany College, na Virgnia Ocidental, iniciou suas atividades como instituio educacional crist no sculo XIX, seu fundador, cristo avivado, fez constar nos estatutos que nela jamais haveria uma cadeira de teologia e que seu principal manual de ensino seria sempre a Bblia. l Chegando ou no ao ponto de banir por escrito a teologia, muitas escolas bblicas e

    Existem dvidas sobre as razes precisas dessa determinao nos estatutos da constituio da faculdade de Bethany College. possvel que o fundador tenha decidido pela proibio para sempre, de uma cadeira de teologia, a fim de evitar conflitos entre igreja e Estado. Isso, no entanto, parece questionvel tanto pelo fato de que a faculdade seria privada, e no pblica, tendo em vista que pela caracterstica de ter a Biblia como principal manual de ensino.

    I

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    instituies crists de ensino superior impediram tambm o estudo srio e refletido da teologia em seus cuniculos.

    De onde vem essa averso teologia entre os cristos? J aludimos a isso com alguns detalhes e destacamos algumas de suas origens e esteios: antiintelectualismo, teologia popular, religio experimental subjetiva, teologia acadmica rida, falta de repercusso prtica dos conceitos teolgicos e interao precria entre leigos, pastores e telogos profissionais.

    Sem dvida o estudo teolgico pode ser hostil f, porm o antdoto contra a m teologia no teologia alguma. a boa teologia. Ao contrrio do que alguns sugerem, no existem crentes imunes teologia, porque todos so telogos. Por isso a pergunta no : "Queremos ser telogos?", e sim: "Queremos ser bons telogos?".

    Pode parecer desnecessrio outro captulo dedicado defesa da teologia, sendo que j o fizemos em captulos anteriores. Acreditamos, porm, haver razes para uma pausa aqui - aps a definio da teologia - a fim de defend-Ia outra vez, com mais profundidade.

    Talvez voc esteja um pouco confuso quanto ao motivo de a teologia ser to controvertida. Mas a razo se toma explcita to logo recuamos um passo e refletimos por um momento sobre a situao. H vrios conceitos e nveis de teologia. At aqui deixamos bastante claro o que entendemos por teologia pelo menos em seus contornos bsicos. Igualmente esclarecemos que acreditamos na legitimidade de pelo menos trs nveis na prtica da teologia: leiga, ministerial e profissional.

    Se combinarmos a definio de teologia desenvolvida no captulo trs com o tipo rotulado "teologia leiga" (ou at mesmo com a denOminada "teolOgia ministerial") no captulo dois e deixarmos assim, talvez haja pouca objeo teologia. A controvrsia acontece quando leigos, pastores e telogos profissionais - que praticam a teologia descrita nos captulos anteriores, com algumas extenses - se encontram. No estamos com isso mudando a definio apresentada no captulo trs, mas

    DEFESA DA TEOLOGIA 59

    sugerindo que ela enseja atividades contestadas por muitos pastores e cristos "comuns".

    E quais seriam essas atividades, capazes de suscitar objees disciplina que no mais inquestionvel? No final do captulo trs, apresentamos nossa definio de teologia: ''TeolOgia crist refletir

    "

    sobre a vida e as crenas centradas em Deus, que os cristos compartilham como seguidores deJesus Cristo, e articul-Ias, com o propsito de glorificar a Deus em tudo que os cristos so e fazem".

    Q.Iem contestaria uma definio aparentemente to incua? primeiravista, a reflexo e a articulao so necessrias. Porm, to logo comeamos a sondar a profundeza das palavras "refletir" e "articular", colidimos com elementos da teologia profissional contra os quais muitos cristos tm objees.

    As ramificaes da reflexo e articulao das crenas fundamentais sobre Deus e o mundo, que tomam a teologia controvertida, tero de aguardar as explicaes do captulo cinco ("Tarefas e tradies da teologia"), em que descrevemos mais profundamente a atividade teolgica Antes, porm, precisamos defender o que ali denominamos "tarefas da teologia", mostrando as implicaes da teologia profissional e por que ela importante, necessria e valiosa Faremos isso com o acrscimo de alguns pontos nossa definio de teologia, construindo sobre o captulo anterior e antecipando o prximo. Na seqncia, explicaremos por que as objees a essa acepo erram o alvo.

    POR QUE A TEOLOGIA CONTROVERTIDA? A definio direta e aparentemente simples de teologia, apresentada no final do captulo anterior e repetida acima, na realidade no to simples nem direta. O que, de fato, implica "refletir sobre" e "articular" crenas fundamentais sobre Deus e o mundo? Subentendida na definio est a idia de que podemos refletir sobre essas crenas e orden-las de modo diferente. Ningum faz teologia no vcuo, comeando do zero.

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    A teologia leiga, ministerial ou profissional- comea sempre pelo conjunto de crenas que analisado de modo critico e construtivo quanto sua legitimidade e articulado de forma inteligvel para a cultura contempornea Essas tarefas que envolvem critica e construo sero o assunto da maior parte do prximo captulo.

    O trabalho do telogo profissional consiste em examinar de modo critico e dar nova forma a crenas j consagradas e isso que os pe em dificuldades com bons cristos. Vejamos um exemplo, j mencionado no captulo anterior.

    Os cristos sempre defenderam a doutrina da Trindade.J os cristos do primeiro sculo concebiam o relacionamento de Deus com o gnero humano pela intermediao do Logos do Pai ou a Palavra - e do Esprito. Essa crena, no entanto, continuou incipiente - no foi desenvolvida nem articulada durante sculos. Grande nmero de analogias e ensinamentos equivocados cresceram ao seu redor entre os cristos do Imprio Romano. Gradualmente (para encurtar a histria, muito longa e complexa), os telogos comearam a estud-la, recorrendo iluminao de fontes crists (textos bblicos e ensinos apostlicos), da experincia religiosa (orao e adorao) e da cultura da poca (filosofia grega). Eles analisaram as vrias formas pelas quais os cristos expressavam essa crena ft.mdamental.

    Seria mea-verdade afirmar que a tarefa de proceder critica das idias populares acerca da divindade e construir com base nelas uma doutrina como a da Trindade tomou a teologia controvertida! Na realidade, Constantino, primeiro imperador romano cristo, que era leigo, a princpio incentivou a busca pela definio apropriada da doutrina, mas depois se voltou contra Atansio, que era telogo, o qual lutou por ela, a fim de defend-Ia dos hereges, recusando-se a fazer concesses que a teriam destndo.

    Desde a infncia do cristianismo a teologia exerce um papel controverso devido funo de criticar e articular crenas ft.mdamentais. No exemplo da Trindade, Atansio foi exilado

    DEFESA DA TEOLOGIA 61

    cinco vezes, por ordem de algum imperador, pelo futo de discordar da incluso de uma pequenssima letra equivalente ao "i" - na palavra grega referente unidade de Jesus com Deus: homoousios. Os oponentes do Credo nceno que definira a unidade deJesus com Deus usando esse termo, que significa "de mesma substncia", queriam alter-lo para homoiousios - "de substncia semelhante" -, sugerindo que Jesus era semidivino, e no "verdadeiramente Deus".

    A recusa de Atansio foi criticada por alguns historiadores, que o acusaram de rasgar o Imprio Romano ao meio por causa de uma letra Para eles, a controvrsia e o papel do telogo Atansio nesse episdio so o maior exemplo de que a teologia se ocupa de questinculas! Ao longo dos sculos, porm, a maioria dos cristos reconheceria que todas as coisas relacionadas com o evangelho dependem da unidade entre Jesus e Deus sua "divindade", Por isso hoje aplaudem a firmeza de Atansio em se recusar a mudar um pequeno "i". Sem a tenacidade desse telogo, no teriamos a doutrina da Trindade nem seu beneficio prtico para a orao e a adorao, conforme explicado no captulo trs.

    No entanto, como do conhecimento de qualquer estudante de histria da igreja, h uma poro de exemplos opostos ao de Atansio - em que os esforos da teologia foram realmente gastos em questinculas. Um exemplo notrio, embora provavelmente apcrifo, vem da Constantinoplado sculo xv. Enquanto os portes dacidade eram derrubados pelos exrcitos muulmanos decididos a destruir o ltimo vestgio do Imprio Romano cristo, telogos ortodoxos orientais e lideres reunidos em sesso na catedral de SantaSofia debatiam acerca da quantidade de ~os que poderiam danar na cabea de um alfinete.

    Estamos com isso tentando dizer que nossa definio de teologia suficiente para explicar o que e faz a teologia profissional, mas no exaustiva. Um antigo provrbio diz que "o Diabo est nos detalhes", Para os antagonistas da teologia, o perigo surge quando os telogos profissionais comeam a

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    I elaborar os detalhes do exame critico e construtivo das crenas. Contudo, at mesmo esses detalhes so necessrios e valiosos quando mantidos nos limites apropriados. A reflexo sobre crenas contraditrias defendidas por cristos exige critica, pois nem todas podem ser verdadeiras. Militas brotam do pensamento tendencioso, e outras so simplesmente identificadas como falsas ou inadequadas luz do estudo mais detalhado das Escrituras.

    Dar forma a crenas crists implica formulaes para a f e a tentativa de situar cada doutrina numa totalidade sistemtica, coerente com as demais crenas crists. A nica alternativa a esse controvertido processo retornar teologia popular, em que se cr em