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Informativo 897-STF (18/04/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 897-STF Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUNAL DE CONTAS Competência do TCU para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil somente quanto aos recursos oriundos do Banco do Brasil. ORDEM ECONÔMICA Lei estadual pode conceder meia-entrada em eventos culturais e desportivos para menores de 21 anos. DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Crimes tributários e o limite de 20 mil reais. FURTO Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto. DIREITO PROCESSUAL PENAL RECURSOS Tempestividade do recurso interposto antes da decisão recorrida ter sido publicada. HABEAS CORPUS Relator pode determinar, de forma discricionária, que HC seja julgado pelo Plenário do STF (e não pela Turma). A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus impetrado anteriormente fique prejudicado. EXECUÇÃO PENAL Impossibilidade de transferência do apenado para outro Estado da Federação sob a alegação de que estaria recebendo tratamento privilegiado. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUNAL DE CONTAS Competência do TCU para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil somente quanto aos recursos oriundos do Banco do Brasil Não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos próprios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a terceiros, eis que a FBB não integra o rol de entidades obrigadas a prestar contas àquela Corte de Contas, nos termos do art. 71, II, da CF.

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Informativo 897-STF (18/04/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 897-STF

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUNAL DE CONTAS Competência do TCU para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil somente quanto aos recursos oriundos do Banco do

Brasil. ORDEM ECONÔMICA Lei estadual pode conceder meia-entrada em eventos culturais e desportivos para menores de 21 anos.

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Crimes tributários e o limite de 20 mil reais. FURTO Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

RECURSOS Tempestividade do recurso interposto antes da decisão recorrida ter sido publicada. HABEAS CORPUS Relator pode determinar, de forma discricionária, que HC seja julgado pelo Plenário do STF (e não pela Turma). A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus impetrado anteriormente fique

prejudicado. EXECUÇÃO PENAL Impossibilidade de transferência do apenado para outro Estado da Federação sob a alegação de que estaria

recebendo tratamento privilegiado.

DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUNAL DE CONTAS Competência do TCU para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil

somente quanto aos recursos oriundos do Banco do Brasil

Não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos próprios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a terceiros, eis que a FBB não integra o rol de entidades obrigadas a prestar contas àquela Corte de Contas, nos termos do art. 71, II, da CF.

Informativo comentado

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A FBB é uma pessoa jurídica de direito privado não integrante da Administração Pública. Assim, a FBB não necessita se submeter aos ditames da gestão pública quando repassar recursos próprios a terceiros por meio de convênios.

Por outro lado, quando a FBB recebe recursos provenientes do Banco do Brasil — sociedade de economia mista que sofre a incidência dos princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, — ficará sujeita à fiscalização do TCU. Isso porque, neste caso, tais recursos, como são provenientes do BB, têm caráter público.

STF. 2ª Turma. MS 32703/DF, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Fundação Banco do Brasil O Banco do Brasil (BB) é uma sociedade de economia mista federal. Em 1986, o Banco do Brasil instituiu uma fundação privada, denominada “Fundação Banco do Brasil” (FBB). A FBB persegue finalidades privadas. Ela não desempenha função exclusiva da Administração. Não exerce atribuição pública. Seus objetivos estão listados no art. 2º do seu Estatuto Social, destacando-se: “a promoção, apoio, incentivo e patrocínio de ações no domínio educacional, cultural, social, filantrópico, recreativo/esportivo, de fomento a atividades de pesquisa científico-tecnológica e assistência a comunidades urbano-rurais.” A FBB apoia, com dinheiro, projetos sociais voltados ao desenvolvimento sustentável, à inclusão socioprodutiva e à reaplicação de tecnologia social. São transferidos recursos para instituições sem fins lucrativos por meio da celebração de convênios ou contratos. O TCU tem competência para fiscalizar o Banco do Brasil? SIM. O Banco do Brasil integra a Administração Pública federal indireta e, portanto, está sujeito à fiscalização do TCU, nos termos do art. 71, II, da CF/88:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

O TCU tem competência para fiscalizar a Fundação Banco do Brasil? Em regra, não deveria ter. Isso porque como se trata de uma fundação de caráter privado, em regra, ela não está sujeita à fiscalização do TCU nem se submete aos princípios e à legislação aplicáveis à Administração Pública. Como fundação de direito privado, a FBB está, em regra, submetida apenas à fiscalização do Ministério Público estadual, nos termos do art. 66 do Código Civil:

Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.

Quando a FBB for transferir dinheiro para alguma entidade social, de pesquisa etc., precisará observar os princípios que regem a Administração Pública (ex: a Lei nº 8.666/93)? Essa transferência está sujeita à fiscalização do TCU? Depende. É necessário analisar a natureza jurídica do recurso transferido pela FBB (se são recursos públicos ou eminentemente privados) para que se possa aferir, com exatidão, a necessidade de submissão aos princípios norteadores da gestão pública e, consequentemente, ao crivo do controle externo.

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A situação é, portanto, a seguinte: • se os recursos que a FBB estiver transferindo para terceiros forem provenientes do Banco do Brasil ou de alguma outra entidade do poder público (o BB transferiu esses recursos para a FBB e agora a FBB está repassando para terceiros): haverá fiscalização do TCU. Isso porque, neste caso, tais recursos, como são provenientes do BB, têm caráter público. • se os valores que a FBB estiver transferindo forem “recursos próprios” (excluídas as dotações que recebe do Banco do Brasil): não haverá fiscalização do TCU porque a FBB não é uma entidade da Administração Pública. Logo, se são recursos eminentemente seus (recursos próprios), a verba é privada. A FBB não poderia ser considerada como uma fundação instituída e mantida “pelo Poder Público federal”, atraindo sempre a fiscalização do TCU com base no art. 71, II, da CF/88? NÃO. Isso porque o STF entende que o Banco do Brasil, apesar de integrar a Administração Pública federal, não pode ser considerado como “poder público”:

O Banco do Brasil, entidade da Administração Indireta dotada de personalidade jurídica de direito privado, voltada à exploração de atividade econômica em sentido estrito, não pode ser concebida como poder público. STF. Plenário. MS 24427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 24/11/06.

Logo, a FBB consiste em entidade privada não instituída pelo poder público. Em suma:

Não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos próprios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a terceiros, eis que a FBB não integra o rol de entidades obrigadas a prestar contas àquela Corte de Contas, nos termos do art. 71, II, da CF. A FBB é uma pessoa jurídica de direito privado não integrante da Administração Pública. Assim, a FBB não necessita se submeter aos ditames da gestão pública quando repassar recursos próprios a terceiros por meio de convênios. Por outro lado, quando a FBB recebe recursos provenientes do Banco do Brasil — sociedade de economia mista que sofre a incidência dos princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, — ficará sujeita à fiscalização do TCU. Isso porque, neste caso, tais recursos, como são provenientes do BB, têm caráter público. STF. 2ª Turma. MS 32703/DF, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

ORDEM ECONÔMICA Lei estadual pode conceder meia-entrada em eventos

culturais e desportivos para menores de 21 anos

É constitucional lei estadual que concede o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade.

STF. Plenário. ADI 2163/RJ, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 12/4/2018 (Info 897).

A situação concreta foi a seguinte: A Lei nº 3364/2000, do Estado do Rio de Janeiro, assegura o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade (Lei da Meia Entrada).

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Em 2006, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) ajuizou ADI contra essa Lei afirmando que ela seria formal e materialmente inconstitucional. O STF concordou com os argumentos do autor? Essa Lei é inconstitucional? NÃO. Formalmente constitucional Sob o prisma formal, o STF considerou constitucional a lei impugnada, uma vez que tanto a União quanto os Estados-membros e o Distrito Federal podem atuar sobre o domínio econômico, por possuírem competência concorrente para legislar sobre direito econômico, nos termos do art. 24, I, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

Ademais, diante da inexistência de lei federal sobre a matéria, o ente exerceu a competência legislativa plena para atender às suas peculiaridades:

Art. 24 (...) § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Materialmente constitucional A constitucionalidade material também foi reconhecida. A Constituição elenca os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil em seus arts. 1º e 3º. No entanto, para a realização desses fundamentos e objetivos, é necessária a atuação do Estado sobre o domínio econômico. Se de um lado a CF/88 assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado que adote providências para garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (arts. 23, V; 205; 208; 215 e 217, § 3º, da CF/88). Na composição entre esses princípios e regras, há de ser preservado o interesse da coletividade. Esse critério etário, ou seja, conceder meia-entrada para todo mundo que for menor que 21 anos, é válido? SIM. A lei é constitucional porque facilita o acesso dos jovens à cultura, à educação e a atividades desportivas. “Entendo que essa é uma lei evidente e eminentemente inclusiva. Tem como alvo o jovem que tradicionalmente não flui dessas regalias. O jovem excluído do sistema educacional”, disse o então Ministro Joaquim Barbosa, que participou do julgamento. O Ministro Ricardo Lewandowski defendeu que, nesse caso, é legítima a intervenção do Estado no domínio econômico. “Aqui me parece que o legislador estadual foi generoso porque ele quer também dar acesso ao lazer e à cultura aos jovens em geral, mesmo aqueles que não tiveram o privilégio de ter ido à escola ou que possam ir à escola. São aqueles jovens que trabalham, que não têm lazer, não têm cultura”. Em suma:

É constitucional lei estadual que concede o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade. STF. Plenário. ADI 2163/RJ, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 12/4/2018 (Info 897).

Outro precedente no mesmo sentido envolvendo uma Lei do Estado de São Paulo:

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(...) 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. STF. Plenário. ADI 1950, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 03/11/2005.

Leis federais posteriores Depois que esta Lei do Estado do Rio de Janeiro foi publicada (2000), o Congresso Nacional editou duas leis que tratam sobre meia-entrada em eventos culturais e desportivos. Lei nº 12.933/2013 Concede meia-entrada em espetáculos artístico-culturais e esportivos a: a) Estudantes (educação infantil, ensino fundamental, médio e superior, inclusive especialização, mestrado e doutorado); b) Pessoas com deficiência, inclusive seu acompanhante quando necessário (ex: um cego que vai ao cinema acompanhado de uma pessoa para ler as legendas para ele; nesse caso, ambos terão direito à meia-entrada); c) Jovens de 15 a 29 anos de idade de baixa renda, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e cuja renda familiar mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos; d) Idosos, ou seja, pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (art. 23 da Lei 10.741/2003). Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude) Assegura o direito à meia-entrada em eventos educativos, esportivos, de lazer e entretenimento: • aos estudantes; e • aos jovens de famílias de baixa renda (a família deve estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico e ter renda mensal de até 2 salários mínimos).

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DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Crimes tributários e o limite de 20 mil reais

Qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários e descaminho?

20 mil reais (tanto para o STF como para o STJ)

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo).

STF. 1ª Turma. HC 127173, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, julgado em 21/03/2017.

Cuidado. Neste informativo 897, a 1ª Turma do STF afirmou que esse parâmetro de 20 mil reais não poderia produzir efeitos penais em virtude do princípio da independência das instâncias: Asseverou que a lei que disciplina o executivo fiscal não repercute no campo penal. Tal entendimento, com maior razão, deve ser adotado em relação à portaria do Ministério da Fazenda.

STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Este precedente, contudo, não é a posição majoritária, não sendo recomendável a sua adoção em provas.

O princípio da insignificância pode ser aplicado no caso de crimes tributários e no descaminho? SIM. É plenamente possível que incida o princípio da insignificância tanto nos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90 como também no caso do descaminho (art. 334 do CP). O descaminho é também considerado um crime contra a ordem tributária, apesar de estar previsto no art. 334 do Código Penal e não na Lei nº 8.137/90. Existe algum limite máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos crimes tributários? SIM. A jurisprudência criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou não o princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o valor dos tributos que deixaram de ser pagos. E qual é, então, o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários? 20 mil reais. Assim, se o montante do tributo que deixou de ser pago for igual ou inferior a 20 mil reais, não há crime tributário (incluindo descaminho), aplicando-se o princípio da insignificância. Qual é o parâmetro para se adotar esse valor? Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”

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Em outros termos, essa Portaria determina que, até o valor de 20 mil reais, os débitos inscritos como Dívida Ativa da União não serão executados. Com base nisso, a jurisprudência construiu o seguinte raciocínio: ora, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário. Se a própria “vítima” não irá cobrar o valor, não faz sentido aplicar o direito penal contra o autor desse fato. Vale lembrar que o direito penal é a ultima ratio. Se a Administração Pública entende que, em razão do valor, não vale a pena movimentar a máquina judiciária para cobrar a quantia, com maior razão também não se deve iniciar uma ação penal para punir o agente. Esse valor de 20 mil reais é adotado tanto pelo STF como pelo STJ? SIM.

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo).

O princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STF. 1ª Turma. HC 127173, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 21/03/2017. STF. 2ª Turma. HC 136843, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 08/08/2017.

Até aqui, tudo bem. Qual foi, no entanto, a última “polêmica” sobre o tema? Foi divulgado no Informativo 897 um julgado no qual a 1ª Turma do STF afirmou que não se deve aplicar o limite de 20 mil reais (valor fixado na Portaria 75/2012). Segundo o Min. Marco Aurélio, relator deste julgado, o princípio da insignificância nos crimes tributários não deve ter nenhuma relação com a quantia que a Administração Pública considera como sendo de pequeno valor para ajuizar a execução fiscal. Para o Ministro, “a lei que disciplina o executivo fiscal não repercute no campo penal. Tal entendimento, com maior razão, deve ser adotado em relação à portaria do Ministério da Fazenda.” O art. 935 do Código Civil estabelece o princípio da independência das esferas civil, penal e administrativa, de forma que a repercussão no âmbito penal se dá apenas quando decisão proferida em processo-crime declarar a inexistência do fato ou da autoria. STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897). Diante disso, muitos leitores indagaram: o que fazer agora? Houve mudança de entendimento do STF? O STF deixou de aplicar o limite de 20 mil reais da Portaria 75/2012? NÃO. De fato, este julgado (HC 128063) vai contra aquilo que o STF vinha decidindo há anos sobre o tema. Isso não significa, contudo, que o STF tenha mudado de posição. O que houve, no presente caso, foi uma decisão isolada decorrente de uma ausência temporária de dois Ministros na Turma. Vamos explicar com calma. A 1ª Turma é composta por 5 Ministros:

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Princípio da insignificância e crimes tributários Como julgam os Ministros da 1ª Turma do STF?

Ministro Adota o critério de R$ 20 mil?

Precedente

Roberto Barroso SIM STF. 1ª Turma. HC 127173, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 21/03/2017.

Luiz Fux SIM STF. 1ª Turma. HC 118067, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/03/2014.

Rosa Weber SIM STF. 1ª Turma. HC 136984, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/10/2016.

Marco Aurélio NÃO STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

A. de Moraes NÃO STF. 1ª Turma. HC 128063, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Desse modo, 3 Ministros adotam o critério de R$ 20 mil contra 2 que não o acolhem. No dia do julgamento do HC 128063, estavam ausentes os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux. Logo, 2 Ministros (Marco Aurélio e Alexandre de Moraes) votaram contra a insignificância e uma Ministra (Rosa Weber) manifestou-se favoravelmente. Se houvesse a presença de mais um Ministro, o resultado teria sido diferente e o HC seria concedido ao réu (seja pelo empate, seja pelo placar de 3x2). Assim, não se pode dizer, pelo menos não por enquanto, que tenha havido uma mudança de entendimento do STF. O que ocorreu foi uma decisão contrária à jurisprudência da Corte, em razão da ausência episódica de dois Ministros. Lamenta-se apenas pela segurança jurídica e pelo réu, que deu “azar” e teve seu habeas corpus julgado em um dia no qual dois Ministros favoráveis à tese estavam justificadamente ausentes. Se o processo tivesse sido apreciado um dia antes ou depois, talvez o resultado fosse completamente diferente.

FURTO Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto

A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a tipificação do crime de furto.

STF. 1ª Turma. HC 111278/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.

Se o agente praticou uma conduta que é descrita na lei como crime, mas o meio que ele escolheu para praticar o delito é ineficaz, ele deverá responder pelo delito? Ex.: João, pretendendo matar Pedro, pega uma arma que viu na gaveta e efetua disparos contra a vítima; o que João não sabia é que a arma tinha balas de festim, razão pela qual Pedro não morreu. O agente responderá por tentativa de homicídio? Se o agente praticou uma conduta que é descrita na lei como crime, mas o objeto material (a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta) é inexistente, ele deverá responder pelo delito? Ex.: João pretende matar Pedro; ele avista seu inimigo deitado no sofá e, pensando que este estivesse dormindo, dispara

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diversos tiros nele; o que João não sabia é que Pedro havia morrido 15 minutos antes, de parada cardíaca; João atirou, portanto, em um cadáver, em um corpo sem vida. Logo, não foram os tiros que mataram Pedro. O agente responderá por tentativa de homicídio? Para discutir as perguntas acima, os estudiosos do Direito Penal desenvolveram algumas teorias tratando sobre o “crime impossível”. Vejamos: 1) TEORIA SUBJETIVA. Os que defendem a teoria subjetiva afirmam que não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente ineficazes ou impróprios. Para que haja crime, basta que a pessoa tenha agido com vontade de praticar a infração penal. Tendo o agente agido com vontade, configura-se a tentativa de crime mesmo que o meio seja ineficaz ou o objeto seja impróprio. É chamada de subjetiva porque, para essa teoria, o que importa é o elemento subjetivo. Assim, o agente é punido pela sua intenção delituosa, mesmo que, no caso concreto, não tenha colocado nenhum bem em situação de perigo. 2) TEORIAS OBJETIVAS. Os que defendem essa teoria afirmam que não se pode analisar apenas o elemento subjetivo para saber se houve crime. É indispensável examinar se está presente o elemento objetivo. Diz-se que há elemento objetivo quando a tentativa tinha possibilidade de gerar perigo de lesão para o bem jurídico. Se a tentativa não gera perigo de lesão, ela é inidônea. A inidoneidade pode ser: a) absoluta (aquela conduta jamais conseguiria fazer com que o crime se consumasse); ou b) relativa (a conduta poderia ter consumado o delito, o que somente não ocorreu em razão de circunstâncias estranhas à vontade do agente). A teoria objetiva se subdivide em: 2.1) OBJETIVA PURA: para esta corrente, não haverá crime se a tentativa for inidônea (não importa se inidoneidade absoluta ou relativa). Enfim, em caso de inidoneidade, não interessa saber se ela é absoluta ou relativa, não haverá crime. 2.2) OBJETIVA TEMPERADA: esta segunda corrente faz a seguinte distinção: Se os meios ou objetos forem relativamente inidôneos, haverá crime tentado. Se os meios ou objetos forem absolutamente inidôneos, haverá crime impossível.

Qual foi a teoria adotada pelo Brasil? A teoria OBJETIVA TEMPERADA. Veja o que diz o art. 17 do CP:

Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

Ineficácia absoluta do meio Ocorre quando o meio empregado jamais poderia levar à consumação do crime. Trata-se de um meio absolutamente ineficaz para aquele crime. Ex1: uma pessoa diz que vai fazer uma feitiçaria para que a outra morra. Não há crime de ameaça por absoluta ineficácia do meio. É crime impossível. Ex.2: tentar fazer uso de documento falso com uma falsificação muito grosseira. Impropriedade absoluta do objeto A palavra objeto, aqui, significa a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa. Diz-se que há impropriedade absoluta do objeto quando ele não existe antes do início da execução ou lhe falta alguma qualidade imprescindível para configurar-se a infração. Ex.1: João quer matar Pedro, razão pela qual invade seu quarto e, pensando que a vítima está dormindo, nela desfere três tiros. Ocorre que Pedro não estava dormindo, mas sim morto, vítima de um ataque cardíaco. Dessa forma, João atirou em um morto. Logo, trata-se de crime impossível, porque o objeto era absolutamente inidôneo. Ex.2: a mulher, acreditando equivocadamente que está grávida, toma medicamento abortivo.

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Ineficácia ou impropriedade relativas = crime tentado Como no Brasil adotamos a teoria objetiva temperada, se a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto forem relativas, haverá crime tentado. Qual é a natureza jurídica do crime impossível? Trata-se de excludente de tipicidade. Nesse sentido: (Juiz Federal TRF1 2013 CESPE) O crime impossível constitui causa de exclusão da tipicidade (CERTO). Imagine agora a seguinte situação hipotética: João ingressa em um supermercado e, na seção de eletrônicos, subtrai para si um celular que estava na prateleira. Ele não percebeu, contudo, que acima deste setor havia uma câmera por meio da qual o segurança do estabelecimento monitorava os consumidores, tendo este percebido a conduta de João. Quando estava na saída do supermercado com o celular no bolso, João foi parado pelo segurança do estabelecimento, que lhe deu voz de prisão e chamou a PM, que o levou até a Delegacia de Polícia. João foi denunciado pela prática de tentativa de furto. A defesa alegou a tese do crime impossível por ineficácia absoluta do meio: como existia uma câmera acima da prateleira, não haveria nenhuma chance de o réu conseguir furtar o objeto sem ser visto. O cometimento do crime seria impossível porque o meio por ele escolhido (furtar um celular que era vigiado por uma câmera) foi absolutamente ineficaz. A tese da defesa é aceita pela jurisprudência? O simples fato de o estabelecimento contar com sistema de segurança ou vigilância eletrônica (câmera) já é suficiente para caracterizar o crime impossível? NÃO. A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial. No caso de furto praticado no interior de estabelecimento comercial (supermercado, p. ex.) equipado com câmeras e segurança, a jurisprudência entende que, embora esses mecanismos de vigilância tenham por objetivo evitar a ocorrência de furtos, sua eficiência apenas MINIMIZA as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto (por completo), a ocorrência de furtos nestes locais. Existem muitas variáveis que podem fazer com que, mesmo havendo o equipamento, ainda assim o agente tenha êxito na conduta. Exs.: o equipamento pode falhar, o vigilante pode estar desatento e não ter visto a câmera no momento da subtração, o agente pode sair rapidamente da loja sem que haja tempo de ser parado etc. É certo que, na maioria dos casos, o agente não conseguirá consumar a subtração do produto por causa das câmeras; no entanto, sempre haverá o risco de que, mesmo com todos esses cuidados, o crime aconteça. Desse modo, concluindo: na hipótese aqui analisada, não podemos falar em ABSOLUTA ineficácia do meio. O que se tem, no caso, é a inidoneidade RELATIVA do meio. Em outras palavras, o meio escolhido pelo agente é relativamente ineficaz, visto que existe sim uma possibilidade (ainda que pequena) de o delito se consumar. Sendo assim, se a ineficácia do meio deu-se apenas de forma relativa, não é possível o reconhecimento do instituto do crime impossível, previsto no art. 17 do CP. Resumindo:

A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a tipificação do crime de furto. STF. 1ª Turma. HC 111278/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Essa é a posição sumulada do STJ:

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Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

RECURSOS Tempestividade do recurso interposto antes da decisão recorrida ter sido publicada

Não é extemporâneo recurso interposto antes da publicação do acórdão.

Sob o ângulo da oportunidade, a publicação do acórdão impugnado é elemento neutro, podendo a parte, ciente da decisão proferida, protocolar o recurso.

Assim por exemplo, admite-se a interposição de embargos declaratórios oferecidos antes da publicação do acórdão embargado e dentro do prazo recursal.

STF. 1ª Turma. HC 113826, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Tempestividade Para que um recurso seja conhecido, é indispensável que ele preencha requisitos intrínsecos e extrínsecos. Um dos requisitos extrínsecos de todo e qualquer recurso é a tempestividade. Tempestividade significa que o recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. Todo recurso tem um prazo e, se a parte o interpõe após este prazo, o recurso não será conhecido por intempestividade. Imagine o seguinte exemplo hipotético: João foi condenado a 8 anos de reclusão. A defesa interpôs apelação, tendo o TJ mantido a sentença. Contra o acórdão, foi manejado recurso especial ao STJ. A 6ª Turma do STJ negou provimento ao recurso especial. Antes de o acórdão do REsp ser publicado no Diário de Justiça, o advogado de João foi até o STJ, leu a decisão, preparou embargos de declaração e deu entrada no recurso. Os embargos de declaração opostos são tempestivos? SIM.

Não é extemporâneo recurso interposto antes da publicação do acórdão. Sob o ângulo da oportunidade, a publicação do acórdão impugnado é elemento neutro, podendo a parte, ciente da decisão proferida, protocolar o recurso. STF. 1ª Turma. HC 113826, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Admite-se a interposição de embargos declaratórios oferecidos antes da publicação do acórdão embargado e dentro do prazo recursal. Se a parte tomar conhecimento do teor do acórdão antes de sua publicação e entender haver omissão, contradição ou obscuridade, pode embargar imediatamente. Não há nada que impeça isso. Não se pode dizer que o recurso é prematuro porque o prazo começa a correr da data de intimação da parte, e a presença do advogado, a manifestar conhecimento do acórdão, supre a intimação. Assim, se a parte se sentir preparada para recorrer antecipadamente, pode fazê-lo.

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Recurso intempestivo é aquele interposto após o decurso do prazo. STF. Plenário. AI 703269 AgR-ED-ED-EDv-ED/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/3/2015 (Info 776).

Novo CPC O CPC/2015 reforça essa conclusão do STF ao trazer a seguinte regra:

Art. 218 (...) § 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.

HABEAS CORPUS Relator pode determinar, de forma discricionária, que HC seja julgado

pelo Plenário do STF (e não pela Turma)

Importante!!!

A competência para julgar determinados habeas corpus é de uma das duas Turmas do STF (e não do Plenário). Ex: HC contra decisão do STJ, em regra, é de competência de uma das Turmas do STF.

O Ministro Relator do HC no STF, em vez de submetê-lo à Turma, pode levá-lo para ser julgado pelo Plenário?

SIM. Essa possibilidade encontra-se prevista no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF.

Para fazer isso, o Relator precisa fundamentar essa remessa? É necessário que o Relator apresente uma justificativa para que o caso seja levado ao Plenário?

NÃO. É possível a remessa de habeas corpus ao Plenário do STF, pelo relator, de forma discricionária, com fundamento no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF.

STF. Plenário. HC 143333/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11 e 12/4/2018 (Info 897).

O STF é formado por quais órgãos? • Plenário (composto pelos 11 Ministros); • 1ª e 2ª Turmas (com 5 Ministros, cada); • Presidente do STF (que também é considerado um órgão); De quem é a competência para julgar habeas corpus impetrado contra decisão do STJ? De uma das Turmas do STF (art. 9º, I, “a”, RISTF). Imagine agora a seguinte situação: O réu impetra um habeas corpus contra decisão do STJ. O habeas corpus é distribuído para um Relator no STF. Em regra, este Relator deveria levar o HC para ser julgado pela Turma. O Relator decide, no entanto, levar o HC para ser julgado pelo Plenário do STF. Isso é possível? O Ministro Relator do HC no STF, em vez de submetê-lo à Turma, pode levá-lo para ser julgado pelo Plenário? SIM. Essa possibilidade encontra-se prevista no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RI/STF):

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Art. 6º Também compete ao Plenário: (...) II – julgar: c) os habeas corpus remetidos ao seu julgamento pelo Relator;

Art. 21. São atribuições do Relator: (...) XI – remeter habeas corpus ou recurso de habeas corpus ao julgamento do Plenário;

Para fazer isso, o Relator precisa fundamentar essa remessa? É necessário que o Relator apresente uma justificativa para que o caso seja levado ao Plenário? NÃO. Segundo decidiu o STF:

É possível a remessa de habeas corpus ao Plenário do STF, pelo relator, de forma discricionária, com fundamento no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF. STF. Plenário. HC 143333/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11 e 12/4/2018 (Info 897).

Importante destacar que a decisão do Relator que remete o habeas corpus para ser julgado pelo Plenário é irrecorrível, nos termos do art. 305 do RI/STF.

Previsão no RI/STF, que tem força de lei Essa possibilidade discricionária está prevista, como vimos, no art. 21, XI, do RI/STF, que não exige a apresentação de qualquer justificativa. Vale ressaltar que a Constituição Federal atribui aos Tribunais a elaboração de seus regimentos internos (art. 96, I, “a”) e estes são “normas de idêntica categoria que as leis”. Assim, em caso de conflito da lei com o regimento interno, esta aparente antinomia não se resolve mediante o critério da categoria normativa ou da hierarquia, mas sim pelo critério da substância regulada (ADI 1.105 MC, DJU de 24/04/2001). Veja o Texto Constitucional:

Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

Princípio do juízo natural O STF afirmou que essa afetação ao Plenário não viola o princípio do juízo natural considerando que o Plenário do STF é que seria, em tese, o órgão naturalmente competente para julgar todas as causas da Corte, havendo essa divisão em Turmas apenas para se conseguir manter uma funcionalidade. Como ressalta o Min. Fachin: “O STF encontra, em sua composição Plenária, a unidade sinérgica à qual incumbe, por excelência, a guarda da Constituição e o exercício integral de sua competência. Embora, regimentalmente, sejam admitidas e legítimas diversas atuações fracionárias e unipessoais, é no colegiado maior que a missão constitucional da Corte resta exercitada em sua inteireza.” Ficaram vencidos Vencidos, no ponto, os Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, os quais ressaltaram a necessidade de que o deslocamento de processos ao Plenário se dê motivadamente, na forma do art. 93, IX, da Constituição Federal.

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HABEAS CORPUS A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus impetrado anteriormente fique prejudicado

A superveniência de sentença condenatória que mantém a prisão preventiva prejudica a análise do habeas corpus que havia sido impetrado contra o título originário da custódia.

Se, após o habeas corpus ser impetrado contra a prisão preventiva, o juiz ou Tribunal prolata sentença/acórdão condenatório e mantém a prisão anteriormente decretada, haverá uma alteração do título prisional e, portanto, o habeas corpus impetrado contra prisão antes do julgamento não deverá ser conhecido.

STF. Plenário. HC 143333/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11 e 12/4/2018 (Info 897).

Imagine a seguinte situação hipotética: João estava preso preventivamente e impetrou habeas corpus contra esta prisão. Antes que o writ fosse julgado, o juiz condenou o paciente a 8 anos de reclusão, mantendo a prisão cautelar na sentença. Diante disso, indaga-se: o habeas corpus que havia sido impetrado anteriormente fica prejudicado? A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus que estava aguardando ser julgado fique prejudicado? Havia divergência entre as duas Turmas do STF. A 1ª Turma respondia que SIM (haveria prejuízo). A 2ª Turma, por outro lado, entendia que NÃO. O Plenário do STF apreciou o tema e decidiu que o habeas corpus fica prejudicado:

A superveniência de sentença condenatória que mantém a prisão preventiva prejudica a análise do habeas corpus que havia sido impetrado contra o título originário da custódia. Se, após o habeas corpus ser impetrado contra a prisão preventiva, o juiz ou Tribunal prolata sentença/acórdão condenatório e mantém a prisão anteriormente decretada, haverá uma alteração do título prisional e, portanto, o habeas corpus impetrado contra prisão antes do julgamento não deverá ser conhecido. STF. Plenário. HC 143333/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11 e 12/4/2018 (Info 897).

A superveniência da sentença produz uma realidade processual de maior amplitude em relação à considerada no momento da formalização da impetração. A sentença impõe uma alteração do campo argumentativo, exigindo-se que o exame das questões articuladas pelo impetrante opere-se à luz de um espectro processual não coincidente com o inicialmente impugnado. Decisão apertada Vale ressaltar que ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que entendiam que o habeas corpus deve ser conhecido em tais casos. Assim, a decisão acima foi alcançada por apertada maioria. Diante disso, não é possível afirmar, com certeza, que a 2ª Turma irá obedecer este entendimento em casos futuros.

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Possibilidade de concessão de HC de ofício O tema acima tem importância teórica, mas pouca relevância prática. Isso porque o fato de o Tribunal reconhecer que o habeas corpus não deve ser conhecido, não impede que seja concedida a ordem de ofício. Em outras palavras, o Tribunal reconhece que o writ impetrado está prejudicado (não deve ser conhecido) e, apesar disso, pode determinar, de ofício, a liberdade do paciente se verificar que existe ilegalidade flagrante ou teratologia.

EXECUÇÃO PENAL Impossibilidade de transferência do apenado para outro Estado da Federação

sob a alegação de que estaria recebendo tratamento privilegiado

É inviável a remoção de apenado para outro Estado com fundamento em suposto tratamento privilegiado. Apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas poderiam legitimar essa medida.

STF. 2ª Turma. HC 152.720/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

A situação concreta foi a seguinte: Sérgio Cabral, ex-Governador do Rio de Janeiro, estava preso em um presídio na capital fluminense. O Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba e o Juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em decisão conjunta, determinaram a transferência de Cabral para uma unidade prisional de Curitiba (PR), sob o argumento de que o réu estaria gozando de regalias indevidas no presídio do Rio de Janeiro. A defesa de Cabral impetrou habeas corpus contra esta decisão. No writ, o impetrante alegou que as supostas regalias não ocorreram e que o paciente deveria permanecer preso na unidade prisional do Rio de Janeiro a fim de ficar próximo de seus familiares. O habeas corpus impetrado foi acolhido pelo STF? SIM. O STF decidiu que:

É inviável a remoção de apenado para outro Estado com fundamento em suposto tratamento privilegiado. Apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas poderiam legitimar essa medida. STF. 2ª Turma. HC 152.720/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/4/2018 (Info 897).

Violação ao devido processo legal Antes de ter sido determinada a remoção do apenado, ele deveria ter sido ouvido, não havendo razões para se negar o contraditório prévio neste caso considerando que a transferência não era urgente. Houve, portanto, violação do art. 282, § 3º do CPP:

Art. 282 (...) § 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

Além disso, a decisão judicial foi tomada sem que tenha sido sequer instaurado procedimento disciplinar para apurar o comportamento carcerário do réu. Desse modo, para o STF, não houve respeito ao devido processo legal e a garantia do contraditório, previstos no art. 5º, LIV e LV, da CF/88.

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Uso de algemas O Min. Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que Sérgio Cabral foi exibido às câmeras de televisão algemado por pés e mãos, durante o transporte, a despeito de sua aparente passividade, o que teria violado a Súmula Vinculante 11. O uso infundado de algemas é causa de “nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere”, nos termos do enunciado sumular. Ou seja, tal irregularidade seria suficiente para invalidar a transferência. Assistência da família ao preso Vale ressaltar que é permanência do custodiado no Estado onde residem seus familiares está de acordo com a Constituição Federal, que assegura ao preso o direito à assistência da família:

Art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

No mesmo sentido é a Lei de Execuções Penais:

Art. 103. Cada comarca terá, pelo menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.

Assim, apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas autorizariam uma transferência para outra unidade da federação. Precedentes do STJ O STJ também entende que “a transferência para distante localidade, com afastamento do preso de sua família, exige especial motivação.” (STJ. 6ª Turma. RHC 93.825/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/04/2018).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Por gerir recursos púbicos, a Fundação Banco do Brasil deve ser submetida aos princípios da

Administração Pública e, portanto, à fiscalização do TCU. ( ) 2) É constitucional lei estadual que concede o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de

diversões, praças desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade. ( ) 3) A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a tipificação

do crime de furto. ( ) 4) (Procurador BACEN/2013 CESPE) A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial

exclui a possibilidade de consumação de crime patrimonial, dada a caracterização de crime impossível ante a ineficácia absoluta do meio empregado. ( )

5) É extemporâneo recurso interposto antes da publicação do acórdão. ( ) 6) É possível a remessa de habeas corpus ao Plenário do STF, pelo relator, desde que de forma motivada. ( ) 7) É inviável a remoção de apenado para outro Estado com fundamento em suposto tratamento

privilegiado. Apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas poderiam legitimar essa medida. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. E 5. E 6. E 7. C

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OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio

eletrônico*

Em curso Finalizados

Pleno 11.4.2018 12.4.2017 8 21 53

1ª Turma 10.4.2018 — 0 49 81

2ª Turma 10.4.2018 — 0 7 75

* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 6 a 12 de abril de 2018.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 9 A 13 DE ABRIL DE 2018

Lei Complementar nº 162, de 6.4.2018- Institui o Programa Especial de Regularização Tributária das

Microempresas e Empresas de Pequeno Porte optantes pelo Simples Nacional (Pert-SN). Publicada no DOU,

Seção 1, Edição n° 67, p.1, em 9.4.2018

Lei nº 13.650, de 11.4.2018- Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, na área de saúde, de que trata o art. 4º da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009; e altera as Leis nº s 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.429, de 2 de junho de 1992. Publicada no DOU, Seção 1, Edição n° 70, p.2, em 12.4.2018

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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