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Informativo 884-STF (14/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 884-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: RE 919793 AgR-ED-EDv/RS; ADC 42/DF; ADI 3239/DF. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL COMUNICAÇÃO SOCIAL É inconstitucional o art. 25 da Lei 12.485/2017. DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES PÚBLICOS Decisão que concede a gratificação de 13,23% viola a SV 37. DIREITO PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento. MANDADO DE SEGURANÇA Início do prazo decadencial do MS em caso de ato praticado em processo administrativo do qual o interessado seja parte. DIREITO PENAL LEI MARIA DA PENNHA Impossibilidade de pena restritiva de direitos em caso de contravenção penal envolvendo violência doméstica contra a mulher. DIREITO PROCESSUAL PENAL INDULTO O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa se o condenado parcelou este valor para ter direito à progressão de regime.

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Informativo 884-STF (14/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 884-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: RE 919793 AgR-ED-EDv/RS; ADC 42/DF; ADI 3239/DF.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

COMUNICAÇÃO SOCIAL É inconstitucional o art. 25 da Lei 12.485/2017.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Decisão que concede a gratificação de 13,23% viola a SV 37.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento. MANDADO DE SEGURANÇA Início do prazo decadencial do MS em caso de ato praticado em processo administrativo do qual o interessado seja

parte.

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENNHA Impossibilidade de pena restritiva de direitos em caso de contravenção penal envolvendo violência doméstica contra

a mulher.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

INDULTO O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa se o condenado parcelou este valor para ter

direito à progressão de regime.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

COMUNICAÇÃO SOCIAL É inconstitucional o art. 25 da Lei 12.485/2017

A Lei nº 12.485/2011 dispõe sobre a “comunicação audiovisual de acesso condicionado”, mais conhecida como “TV por assinatura”. Trata-se do marco regulatório da TV por assinatura no Brasil.

Foram ajuizadas ações diretas de inconstitucionalidade impugnando esta lei.

O STF decidiu que apenas um dos dispositivos da Lei é inconstitucional: o art. 25. Os demais são válidos.

O art. 25 prevê a impossibilidade de oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira.

O STF julgou inconstitucional este art. 25 por violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, “caput”). Esse princípio exige que o tratamento diferenciado entre os indivíduos seja acompanhado de causas jurídicas suficientes para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preserve um pequeno espaço de discricionariedade legislativa, é sempre passível de aferição judicial por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

O art. 25 da lei proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras e não apenas preferência percentual, sem prazo para ter fim e despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade, sendo, portanto, inconstitucional.

STF. Plenário. ADI 4747/DF, ADI 4756/DF, ADI 4923/DF e ADI 4679/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/11/2017 (Info 884).

Lei nº 12.485/2011 A Lei nº 12.485/2011 dispõe sobre a “comunicação audiovisual de acesso condicionado”, mais conhecida como “TV por assinatura”. A Lei nº 12.485/2011 instituiu um novo marco regulatório da TV por assinatura no Brasil. Foram ajuizadas quatro ações diretas de inconstitucionalidade impugnando 23 artigos desta Lei, alegando tanto vícios formais como materiais. O STF decidiu que apenas um dos dispositivos da Lei é inconstitucional: o art. 25. Os demais são válidos. O tema é muito extenso e repleto de detalhes técnicos. Irei aqui fazer um apanhado geral dos principais aspectos jurídicos enfrentados pelo STF. Inexistência de vício de iniciativa O projeto que deu origem à Lei nº 12.485/2011 foi de iniciativa parlamentar. Os autores alegavam vício de iniciativa argumentando que, em diversos trechos da Lei, tratou-se de matérias que seriam de iniciativa privativa do Presidente da República. Seria o caso dos arts. 9º, parágrafo único, 10, 12, 13, 15, 19, §3º, 21, 22, 25, § 1º e 42. O STF não concordou com o argumento. A Lei nº 12.485/2011 trata sobre telecomunicações, matéria de competência privativa da União (art. 22, IV, da CF/88). O referido diploma regulamenta dispositivos da Constituição relacionados com “Comunicação Social” e “Ordem Social”, assuntos que não são de iniciativa privativa do Presidente da República.

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Mesmo quando trata sobre a ANCINE (Agência Nacional do Cinema), a Lei não cria novas atribuições para esta autarquia. A Lei apenas promove a adaptação das regras que estabelecem a competência da referida agência para regular e fiscalizar as atividades de comunicação audiovisual, contidas no art. 7º da MP 2.228-1/2001, às hipóteses em que a prestação dessas atividades ocorre por meio do serviço de acesso condicionado. Com efeito, a citada medida provisória, ao criar a Ancine, lhe atribui, dentre outras missões, a de “fiscalizar o cumprimento da legislação referente à atividade cinematográfica e videofonográfica nacional e estrangeira nos diversos segmentos de mercados”. Portanto, o que a Lei nº 12.485/2011 faz é exatamente o cumprimento das atribuições da ANCINE, sem a criação de nenhum órgão ou ministério, o que aí sim seria de iniciativa do Presidente da República (art. 61). Restrições à propriedade cruzada (art. 5º, caput e §1º) e vedação à verticalização da cadeia de valor do audiovisual (art. 6º, I e II) A Lei nº 12.485/2011 estabeleceu restrições à propriedade cruzada (crossownership) entre os setores de telecomunicações e de radiodifusão (art. 5º, caput e §1º). Em palavras simples, a “propriedade cruzada” ocorre quando um grupo empresarial é proprietário de mais de um tipo de veículo de comunicação (jornal, TV, rádio etc.). Veja o texto da Lei sobre este ponto:

Art. 5º O controle ou a titularidade de participação superior a 50% (cinquenta por cento) do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços. § 1º O controle ou a titularidade de participação superior a 30% (trinta por cento) do capital total e votante de concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e de produtoras e programadoras com sede no Brasil não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços.

Além disso, a lei proibiu a verticalização da cadeia de valor (art. 6º, I e II), separando as atividades de produção de conteúdo e de transmissão do produto ao consumidor final. Em uma análise superficial, isso consiste na proibição de que as distribuidoras produzam conteúdos para sua própria veiculação. Quem produz o conteúdo não pode ser a mesma empresa que distribui. Confira a lei:

Art. 6º As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, bem como suas controladas, controladoras ou coligadas, não poderão, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação no serviço de acesso condicionado ou no serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens: I - adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional; e II - contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais. Parágrafo único. As restrições de que trata este artigo não se aplicam quando a aquisição ou a contratação se destinar exclusivamente à produção de peças publicitárias.

O STF entendeu que esses dispositivos são constitucionais porque estão de acordo com as normas constitucionais antitruste previstas nos arts. 173, § 4º, e 220, § 5º e que são voltadas a coibir o abuso do poder econômico, e a evitar concentração excessiva dos mercados. Além disso, tais normas permitem combater os males dos regimes de monopólio e oligopólio. No setor audiovisual presta-se também a promover a diversificação do conteúdo produzido, impedindo que o mercado se feche e asfixie a produção de novas manifestações.

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Assim, as normas impugnadas pretendem realizar, de forma mediata, a dimensão objetiva do direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, no que tem destaque o papel promocional do Estado no combate à concentração do poder comunicativo. Extensão dos poderes normativos conferidos à ANCINE (art. 9º, parágrafo único; art. 21 e art. 22) O parágrafo único do art. 9º da Lei prevê o seguinte:

Art. 9º (...) Parágrafo único. As atividades de programação e de empacotamento serão objeto de regulação e fiscalização pela Agência Nacional do Cinema - Ancine no âmbito das competências atribuídas a ela pela Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001.

Um dos autores da ADI alegava que esse dispositivo representaria “inconstitucional delegação do poder de legislar e, logo, abuso do poder legislativo por parte do Congresso Nacional”, uma vez que determinou que as atividades de programação e de empacotamento serão objeto de regulação e fiscalização pela ANCINE sem, no entanto, fixar balizas objetivas para o exercício da competência regulatória pela autoridade administrativa. Esse mesmo vício atingiria os arts. 21 e 22. O STF, contudo, não concordou com o argumento. A moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica, ou formal-axiológica, chancela a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis, capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração. No caso concreto, as normas impugnadas, apesar de conferirem autoridade normativa à ANCINE, estão acompanhadas por parâmetros aptos a conformar a conduta de todas as autoridades do Estado envolvidas na disciplina do setor audiovisual, o que impede que qualquer delas se transforme em órgão titular de um pretenso poder regulatório absoluto. A autoridade normativa das agências reguladoras não representa uma crise da legalidade. Trata-se, isto sim, da superação de uma forma oitocentista (e totalizante) de enxergá-la. Restrição à participação de estrangeiros nas atividades de programação e empacotamento de conteúdo audiovisual de acesso condicionado (art. 10, caput e §1º) Confira o que diz o art. 10 e seu § 1º:

Art. 10. A gestão, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção inerentes à programação e ao empacotamento são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos. § 1º As programadoras e empacotadoras deverão depositar e manter atualizada, na Ancine, relação com a identificação dos profissionais de que trata o caput deste artigo, os documentos e atos societários, inclusive os referentes à escolha dos dirigentes e gestores em exercício, das pessoas físicas e jurídicas envolvidas na sua cadeia de controle, cujas informações deverão ficar disponíveis ao conhecimento público, inclusive pela rede mundial de computadores, excetuadas as consideradas confidenciais pela legislação e regulamentação, cabendo à Agência zelar pelo sigilo destas.

Os autores alegavam que essa previsão viola o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput) entre brasileiros e estrangeiros e representa injustificada restrição à liberdade profissional de não-nacionais no Brasil. O STF não concordou. Não existe na Constituição Federal nenhum dispositivo que proíba expressamente a distinção entre brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que ocorre com brasileiros natos e naturalizados, para a qual há explícita previsão constitucional sobre as hipóteses em que é possível tratamento diferenciado.

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Obviamente, isso não significa que toda e qualquer discriminação entre brasileiro e estrangeiro será permitida. No entanto, a distinção será legítima caso exista uma razão constitucional suficiente que justifique a diferenciação. No caso, o art. 10, “caput” e § 1º, da lei referida, ao restringir a gestão, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e de direção — inerentes à programação e ao empacotamento —, a brasileiros natos e naturalizados há mais de dez anos, representou típica intervenção legislativa evolutiva do comando constitucional encartado no art. 222, § 2º, da CF/88. Isso é condizente com os vetores axiológicos que informam, em âmbito constitucional, a atividade de comunicação de massa, entre os quais a preservação da soberania e identidades nacionais, o pluralismo informativo e a igualdade entre os prestadores de serviço, a despeito da tecnologia utilizada na atividade. Veja o que diz a CF/88:

Art. 222 (...) § 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.

Exigência de prévio credenciamento junto à ANCINE para exercício das atividades de programação e empacotamento (art. 12); dever de prestação de informações solicitadas pela agência para fins de fiscalização do cumprimento das obrigações de programação, empacotamento e publicidade (art. 13); e vedação à distribuição de conteúdo empacotado por empresa não credenciada pela ANCINE (art. 31, caput, §§ 1º e 2º) Esses artigos estabelecem: a) a exigência de prévio credenciamento junto à ANCINE para exercício das atividades de programação e empacotamento; b) o dever de prestação de informações solicitadas pela agência para fins de fiscalização do cumprimento das obrigações de programação, empacotamento e publicidade; e c) a vedação à distribuição de conteúdo empacotado por empresa não credenciada pela ANCINE. Confira o que diz a Lei:

Art. 12. O exercício das atividades de programação e empacotamento é condicionado a credenciamento perante a Ancine. Parágrafo único. A Ancine deverá se pronunciar sobre a solicitação do credenciamento no prazo de até 30 (trinta) dias e, em não havendo manifestação contrária da Ancine nesse período, o credenciamento será considerado válido.

Art. 13. As programadoras e empacotadoras credenciadas pela Ancine deverão prestar as informações solicitadas pela Agência para efeito de fiscalização do cumprimento das obrigações de programação, empacotamento e publicidade. Parágrafo único. Para efeito de aferição das restrições de capital de que trata esta Lei, além das informações previstas no caput, as programadoras deverão apresentar a documentação relativa à composição do seu capital total e votante, cabendo à Ancine zelar pelo sigilo das informações consideradas confidenciais pela legislação e regulamentação.

Art. 31. As prestadoras do serviço de acesso condicionado somente poderão distribuir conteúdos empacotados por empresa regularmente credenciada pela Ancine, observado o § 2º do art. 4º desta Lei. § 1º As prestadoras do serviço de acesso condicionado deverão tornar pública a empacotadora do pacote por ela distribuído. § 2º A distribuidora não poderá ofertar aos assinantes pacotes que estiverem em desacordo com esta Lei.

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Não há inconstitucionalidade em tais dispositivos. Em realidade, trata-se de exercício típico do poder de polícia preventivo do Estado, ou mesmo do chamado direito administrativo ordenador. O poder de polícia administrativa manifesta-se tanto preventiva quanto repressivamente, traduzindo-se ora no consentimento prévio para o exercício regular de certas liberdades, ora na sanção aplicada ao particular em razão do descumprimento de regras materiais aplicáveis à atividade regulada. Em qualquer caso, a ingerência estatal, fiscalizatória e punitiva, é garantia da efetividade da disciplina jurídica aplicável. Os arts. 12 e 13 simplesmente fixam deveres instrumentais de colaboração das empresas para fins de permitir a atividade fiscalizatória da ANCINE quanto ao cumprimento das novas obrigações materiais a que estão sujeitos todos os agentes do mercado audiovisual. Já o art. 31, “caput”, §§ 1º e 2º consubstancia estratégia do legislador para conduzir as empacotadoras ao credenciamento exigido pela nova disciplina normativa, bem como induzir o cumprimento das respectivas cotas de conteúdo nacional. Cotas de conteúdo nacional (arts. 16, 17, 18, 19, 20, 23) Esses dispositivos estabelecem cotas de conteúdo nacional. Os artigos impugnados instituem três obrigações fundamentais: a) veiculação mínima de conteúdo brasileiro nos canais de TV por assinatura (art. 16); b) existência de um número também mínimo de canais brasileiros nos pacotes ofertados aos assinantes (art. 17) e c) disponibilização de, pelo menos, um canal alternativo de jornalismo sempre que, no pacote vendido, houver canal de programação gerado por programadora brasileira que possua majoritariamente conteúdos jornalísticos no horário nobre (art. 18). Os arts. 19, 20, 23 se limitam a fixar regras instrumentais que detalham a incidência e aplicação daqueles três primeiros artigos. O STF entendeu que não há inconstitucionalidade. A legitimidade constitucional de toda intervenção do Estado sobre a esfera jurídica do particular está condicionada à existência de uma finalidade lícita que a motive, bem como ao respeito ao postulado da proporcionalidade. As referidas normas, ao fixarem cotas de conteúdo nacional para canais e pacotes de TV por assinatura, promovem a cultura brasileira e estimulam a produção independente, dando concretude ao art. 221 da CF/88 e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Tempo máximo de publicidade comercial (art. 24) O art. 24 estabelece um tempo máximo de publicidade:

Art. 24. O tempo máximo destinado à publicidade comercial em cada canal de programação deverá ser igual ao limite estabelecido para o serviço de radiodifusão de sons e imagens. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica aos canais de que trata o art. 32 desta Lei e aos canais exclusivos de publicidade comercial, de vendas e de infomerciais.

Não há vício nesta previsão. A citada norma encontra-se em harmonia com o dever constitucional de proteção do consumidor (art. 170, V, da CF/88), haja vista o histórico quadro registrado pela ANATEL de reclamação de assinantes quanto ao volume de publicidade na grade de programação dos canais pagos.

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Outorga do serviço de distribuição do SeAC por autorização administrativa sem necessidade de prévia licitação (art. 29) O art. 29 da Lei nº 12.485/2011 estabelece a possibilidade de outorga do serviço de distribuição de acesso condicionado por autorização administrativa, sem necessidade de prévia licitação:

Art. 29. A atividade de distribuição por meio do serviço de acesso condicionado é livre para empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, sendo regida pelas disposições previstas nesta Lei, na Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997, e na regulamentação editada pela Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel.

Alegava-se que essa previsão seria inconstitucional por violar o dever de licitar. O STF não concordou com o argumento. O dever constitucional de licitar, previsto no art. 37, XXI, da CF/88, somente incide nas hipóteses em que o acesso de particulares a alguma situação jurídica de vantagem relacionada ao Poder Público não pudesse ser universalizada. Não se pode cogitar a possibilidade de realizar licitação quando a contratação pública não caracteriza escolha da Administração e todo cidadão pode ter acesso ao bem pretendido. Ademais, no campo das telecomunicações, a Constituição prevê que a outorga do serviço ocorre mediante simples autorização, como previsto no art. 21, XI, da CF/88. Assim, o art. 29 viabiliza que a atividade de distribuição de serviço de acesso condicionado seja outorgada mediante autorização administrativa, sem necessidade de prévio procedimento licitatório. Isso se justifica diante da nova e abrangente definição desse serviço de acesso condicionado previsto no art. 2º da lei, apta a abarcar todas as possíveis plataformas tecnológicas existentes, e não apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência, bem como diante da qualificação privada recebida pela atividade no novo marco regulatório da comunicação audiovisual. Disponibilização gratuita às prestadoras do SeAC de canais de sinal aberto pelas empresas de radiodifusão de sons e imagens (art. 32) O art. 32 da Lei prevê que a prestadora do serviço de acesso condicionado (SeAC) deverá oferecer uma lista de canais gratuitos, dentre eles: canal da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do STF, canal universitário, entre outros. Um dos autores da ADI alegava que essa previsão violaria a livre iniciativa e o direito de propriedade intelectual. O STF não concordou. A previsão legal representa uma escolha legislativa possível dentro de seu espaço legítimo de conformação. A Constituição não define um formato negocial rígido para distribuição da programação de geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens. Cabe ao legislador ordinário disciplinar a matéria e rever suas opções sempre que entender necessário. Esse modelo de exigir que sejam disponibilizados alguns canais gratuitos e obrigatórios existe também na TV aberta. O que fez a Lei do SeAC foi apenas replicar, no âmbito do serviço de acesso condicionado, essa lógica vigente na televisão aberta. Com isso, pretende assegurar que também o consumidor dos serviços de TV por assinatura tenha acesso gratuito ao conteúdo aberto. Possibilidade de cancelamento do registro de agente econômico perante a ANCINE em razão de descumprimento das obrigações criadas pela Lei nº 12.485/2011 (art. 36) O art. 36 da Lei nº 12.485/2011 permite o cancelamento do registro de agente econômico perante a ANCINE, por descumprimento de obrigações legais:

Art. 36. A empresa no exercício das atividades de programação ou empacotamento da comunicação audiovisual de acesso condicionado que descumprir quaisquer das obrigações

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dispostas nesta Lei sujeitar-se-á às seguintes sanções aplicáveis pela Ancine, sem prejuízo de outras previstas em lei, inclusive as de natureza civil e penal: I - advertência; II - multa, inclusive diária; III - suspensão temporária do credenciamento; IV - cancelamento do credenciamento.

Não há que se falar em inconstitucionalidade. Essa previsão tem por objetivo garantir a eficácia das normas jurídicas aplicáveis ao setor. Regime jurídico de transição (art. 37, §§ 1º, 5º, 6º, 7º e 11) Tais dispositivos preveem regras de transição criadas pela Lei nº 12.485/2011 para disciplinar a migração dos antigos regimes de exploração da TV por assinatura para o novo serviço de acesso condicionado (SeAC). O art. 37, §§ 1º e 5º, ao vedar o pagamento de indenização aos antigos prestadores dos serviços, em virtude das novas obrigações não previstas no ato de outorga original, não viola qualquer previsão constitucional. Isso porque, em um cenário regulatório e contratual marcado pela liberdade de preços, descabe cogitar de qualquer indenização pela criação de novas obrigações legais, desde que constitucionalmente válidas. É que eventuais aumentos de custos que possam surgir em razão dessa transição obrigatória deverão ser administrados exclusivamente pelas próprias empresas, que podem, inclusive, repassá-los aos consumidores, bem como retê-los em definitivo. É, assim, impertinente a invocação, no âmbito privado, do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, regra essa que se aplica aos contratos administrativos. Único dispositivo julgado inconstitucional: art. 25 O art. 25 prevê a impossibilidade de oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira:

Art. 25. Os programadores não poderão ofertar canais que contenham publicidade de serviços e produtos em língua portuguesa, legendada em português ou de qualquer forma direcionada ao público brasileiro, com veiculação contratada no exterior, senão por meio de agência de publicidade nacional. § 1º A Ancine fiscalizará o disposto no caput e oficiará à Anatel e à Secretaria da Receita Federal do Brasil em caso de seu descumprimento. § 2º A Anatel oficiará às distribuidoras sobre os canais de programação em desacordo com o disposto no § 1º, cabendo a elas a cessação da distribuição desses canais após o recebimento da comunicação.

O autor da ADI alegou que esse art. 25 cria uma “reserva de mercado em favor de agências de publicidade nacional”, caracterizando “uma inconstitucional discriminação à atividade de empresas de capital estrangeiro no Brasil, não prevista na Constituição”. O STF concordou com o argumento e julgou inconstitucional o dispositivo por violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, “caput”), núcleo elementar de qualquer regime republicano e democrático. Esse princípio, regra de ônus argumentativo, exige que o tratamento diferenciado entre os indivíduos seja acompanhado de causas jurídicas suficientes para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preserve um pequeno espaço de discricionariedade legislativa, é sempre passível de aferição judicial por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição. O art. 25 da lei proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa

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exclusividade em proveito das empresas brasileiras e não apenas preferência percentual, sem prazo para ter fim e despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade, sendo, portanto, inconstitucional. Em suma:

A Lei nº 12.485/2011 dispõe sobre a “comunicação audiovisual de acesso condicionado”, mais conhecida como “TV por assinatura”. Trata-se do marco regulatório da TV por assinatura no Brasil. Foram ajuizadas ações diretas de inconstitucionalidade impugnando esta lei. O STF decidiu que apenas um dos dispositivos da Lei é inconstitucional: o art. 25. Os demais são válidos. O art. 25 prevê a impossibilidade de oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira. O STF julgou inconstitucional este art. 25 por violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, “caput”). Esse princípio exige que o tratamento diferenciado entre os indivíduos seja acompanhado de causas jurídicas suficientes para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preserve um pequeno espaço de discricionariedade legislativa, é sempre passível de aferição judicial por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição. O art. 25 da lei proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras e não apenas preferência percentual, sem prazo para ter fim e despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade, sendo, portanto, inconstitucional. STF. Plenário. ADI 4747/DF, ADI 4756/DF, ADI 4923/DF e ADI 4679/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/11/2017 (Info 884).

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Decisão que concede a gratificação de 13,23% viola a SV 37

A decisão judicial que concede a servidor público a gratificação de 13,32% prevista na Lei nº 10.698/2003 afronta a súmula vinculante 37, mesmo que o julgador fundamente sua decisão no art. 37, X, da CF/88 e no art. 6º da Lei nº 13.317/2016.

STF. 1ª Turma. Rcl 25927 AgR/SE e Rcl 24965 AgR/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/10/2017 (Info 884).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, servidor público federal do Poder Judiciário, ajuizou ação contra a União alegando que a Lei nº 10.698/2003 concedeu reajuste de 13,23% para diversos servidores, mas ele não foi incluído. Afirma que essa Lei nº 10.698/2003 foi uma forma encontrada pela União de fazer, de modo dissimulado, a revisão geral anual prevista no art. 37, X, da CF/88, mas sem incluir os servidores do Judiciário. Logo, teria havido violação ao art. 37, X por ter sido concedida uma revisão geral anual com índices diferenciados. Veja o que diz a CF/88:

Art. 37 (...)

Informativo comentado

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X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

O juiz e o Tribunal julgaram procedente o pedido de João. O argumento invocado na decisão foi o art. 37, X, da CF/88 e o art. 6º da Lei nº 13.317/2016:

Art. 6º A vantagem pecuniária individual, instituída pela Lei nº 10.698, de 2 de julho de 2003, e outras parcelas que tenham por origem a citada vantagem concedidas por decisão administrativa ou judicial, ainda que decorrente de sentença transitada ou não em julgado, incidentes sobre os cargos efetivos e em comissão de que trata esta Lei, ficam absorvidas a partir da implementação dos novos valores constantes dos Anexos I e III desta Lei.

A União não se conformou e ajuizou reclamação ao STF alegando que a decisão viola a SV 37:

Súmula vinculante 37-STF: Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.

João refutou os argumentos da União alegando que o Tribunal não concedeu os 13,23% com fundamento na isonomia. O que decidiu o STF? O STF julgou procedente a reclamação. Para o Supremo, o objetivo do juiz e do Tribunal, ao fundamentar a decisão com base no art. 37, X, da CF/88 e no art. 6º da Lei nº 13.317/2016, foi apenas o de tentar afastar a incidência da SV 37. No entanto, o raciocínio adotado pelo Tribunal, em última análise, é fundamentado na igualdade, razão pela qual se aplica a proibição da súmula vinculante. Em suma:

A decisão judicial que concede a servidor público a gratificação de 13,23% prevista na Lei nº 10.698/2003 afronta a súmula vinculante 37, mesmo que o julgador fundamente sua decisão no art. 37, X, da CF/88 e no art. 6º da Lei nº 13.317/2016. STF. 1ª Turma. Rcl 25927 AgR/SE e Rcl 24965 AgR/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/10/2017 (Info 884).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento

Imagine que 30 pessoas, em litisconsórcio ativo facultativo, propuseram uma ação ordinária contra determinada autarquia estadual. Desse modo, 30 pessoas que poderiam litigar individualmente contra a ré decidiram se unir e contratar um só advogado para propor a ação conjuntamente. A ação foi julgada procedente, condenando a entidade a pagar "XX" reais ao grupo de 30 pessoas. Na mesma sentença, a autarquia foi condenada a pagar R$ 600 mil reais de honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado dos autores que trabalhou no processo. O advogado dos autores, quando for cobrar seus honorários advocatícios, terá que executar o valor total (R$ 600 mil) ou poderá dividir a cobrança de acordo com a fração que

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cabia a cada um dos clientes (ex: eram 30 autores na ação; logo, ele poderá ingressar com 30 execuções cobrando R$ 20 mil em cada)?

SIM. É legítima a execução de honorários sucumbenciais proporcional à respectiva fração de cada um dos substituídos processuais em "ação coletiva" contra a Fazenda Pública (STF. 1ª Turma. RE 919269 AgR/RS, RE 913544 AgR/RS e RE 913568 AgR/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 15/12/2015. Info 812).

NÃO. Não é possível fracionar o crédito de honorários advocatícios em litisconsórcio ativo facultativo simples em execução contra a Fazenda Pública por frustrar o regime do precatório (STF. 2ª Turma. RE 1038035 AgR/RS, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 7/11/2017. Info 884). É a corrente que prevalece.

STF. 2ª Turma. RE 1038035 AgR/RS, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 7/11/2017 (Info 884).

Imagine a seguinte situação hipotética: 30 pessoas, em litisconsórcio ativo facultativo, propuseram uma ação ordinária contra determinada autarquia estadual. Desse modo, 30 pessoas que poderiam litigar individualmente contra a ré decidiram se unir e contratar um só advogado para propor a ação conjuntamente. A ação foi julgada procedente, condenando a entidade a pagar "XX" reais ao grupo de 30 pessoas. Na mesma sentença, a autarquia foi condenada a pagar R$ 600 mil reais de honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado dos autores que trabalhou no processo. O advogado dos autores, quando for cobrar seus honorários advocatícios, terá que executar o valor total (R$ 600 mil) ou poderá dividir a cobrança de acordo com a fração que cabia a cada um dos clientes (ex: eram 30 autores na ação; logo, ele poderá ingressar com 30 execuções cobrando R$ 20 mil em cada)?

O STF está dividido sobre o tema:

1ª Turma: SIM 2ª Turma: NÃO

É legítima a execução de honorários sucumbenciais proporcional à respectiva fração de cada um dos substituídos processuais em "ação coletiva" contra a Fazenda Pública. STF. 1ª Turma. RE 919269 AgR/RS, RE 913544 AgR/RS e RE 913568 AgR/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 15/12/2015 (Info 812). Dessa forma, o advogado poderá ingressar com 30 execuções cobrando R$ 20 mil em cada. Isso, para ele, será mais vantajoso no caso concreto porque se ele cobrasse o valor total teria que entrar na fila dos precatórios (art. 100, caput, da CF/88). Como o valor de cada crédito agora é de R$ 20 mil, ele poderá receber a quantia por requisição de pequeno valor (art. 100, § 3º, da CF/88), de modo muito mais rápido. A 1ª Turma afirmou que o sistema processual possibilita a concentração das demandas por meio de ações conjuntas como uma forma de se buscar

Não é possível fracionar o crédito de honorários advocatícios em litisconsórcio ativo facultativo simples em execução contra a Fazenda Pública por frustrar o regime do precatório. STF. 2ª Turma. RE 949383 AgR/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016 (Info 826). STF. 2ª Turma. RE 1038035 AgR/RS, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 7/11/2017 (Info 884). A 2ª Turma do STF afirmou que, na situação dos autos, a parte recorrente pretendia promover a execução dos honorários advocatícios, não apenas de forma autônoma do débito principal, mas também de forma fracionada, levando-se em conta o número de litisconsortes ativos. No entanto, como a verba honorária pertence a um mesmo titular, seu pagamento de forma fracionada, por requisição de pequeno valor (RPV), encontra óbice no art. 100, § 8º, da CF/88.

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a eficiência da jurisdição. Logo, seria totalmente contraproducente (prejudicial) exigir que a execução dessas demandas ficasse vinculada ao todo, proibindo a execução facultativa e individualizada das partes substituídas no processo original. Isso levaria ao enfraquecimento do movimento de coletivização das demandas de massa e provavelmente geraria proliferação de processos, pois nada impediria que os advogados fracionassem os litisconsórcios facultativos para depois executarem os honorários de forma proporcional ao valor principal de cada cliente. O julgado acima fala em "ação coletiva" e "substituídos". Estas expressões foram literalmente empregadas na notícia do julgado contida no informativo 812. Por essa razão, para fins de concurso, a frase pode ser cobrada exatamente desse modo. No entanto, devo fazer um alerta: o caso concreto, em minha opinião, não havia uma "ação coletiva", mas sim uma ação individual com vários litisconsortes ativos. Esclareço esse ponto para que você não estranhe se ler essa diferenciação em algum livro ou para que saiba responder caso seja feita uma pergunta na prova com base na doutrina. Veja o que dizem Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: "O exercício conjunto da ação por pessoas distintas não configura uma ação coletiva. O cúmulo de diversos sujeitos em um dos pólos da relação processual apenas daria lugar a um litisconsórcio (...) O litisconsórcio representa apenas (...) a possibilidade de união de litigantes, ativa ou passivamente, na defesa de seus direitos subjetivos individuais." (Curso de Direito Processual Civil. Vol. 4, Salvador: Juspodivm, 2013, p. 32).

Em acréscimo, o Ministro Teori Zavascki afirmou que a existência de litisconsórcio facultativo não pode ser utilizada para justificar a legitimidade do fracionamento da execução dos honorários advocatícios sucumbencias se a condenação à verba honorária no título executivo for global, ou seja, se buscar remunerar o trabalho em conjunto prestado aos litisconsortes. O fato de o valor da condenação previsto no título executivo judicial (sentença) abranger, na realidade, diversos créditos, de titularidade de diferentes litisconsortes, não tem o condão de transformar a verba honorária em múltiplos créditos devidos a um mesmo advogado, de modo a justificar sua execução de forma fracionada. Em outras palavras, o fato de terem sido vários autores e de cada um deles ter direito a uma parte na condenação não faz com que o valor dos honorários também possa ser dividido. Isso porque o titular do crédito de honorários é um só. Além disso, os honorários advocatícios gozam de autonomia em relação ao crédito principal, e com ele não se confunde. Esta é a corrente que prevalece no STF, havendo até mesmo decisão da 1ª Turma no mesmo sentido: STF. 1ª Turma. RE 502656 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 25/11/2014. Penso que esta posição é que irá prevalecer ao final quando o Plenário enfrentar o tema.

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MANDADO DE SEGURANÇA Início do prazo decadencial do MS em caso de ato praticado em processo administrativo do qual o interessado seja parte

Se no curso de um processo administrativo federal é praticado ato contrário aos interesses da parte, o prazo de 120 dias para impetração de mandado de segurança somente se inicia quando a parte for intimada diretamente, na forma do § 3º do art. 26 da Lei nº 9.784/99.

O termo inicial para a formalização de mandado de segurança pressupõe a ciência do impetrante, nos termos dos arts. 3º e 26 da Lei nº 9.784/99, quando o ato impugnado surgir no âmbito de processo administrativo do qual seja parte.

Ex: o Ministro da Justiça negou o pedido de anistia política formulado por João; esta decisão foi publicada no Diário Oficial; o prazo para o MS não se iniciou nesta data; isso porque, como há um processo administrativo, seria necessária a intimação do interessado, na forma do art. 26, § 3º da Lei nº 9.784/99; somente a partir daí se inicia o prazo decadencial do MS.

STF. 1ª Turma. RMS 32487/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/11/2017 (Info 884).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi vítima de perseguição política praticada pelo governo federal durante a época da ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Ele era cabo da Aeronáutica e, por ser considerado “subversivo” pelo regime militar, foi expulso das Forças Armadas. Diante disso, João ingressou com pedido requerendo a anistia política e o pagamento da reparação econômica prevista no art. 8º do ADCT da CF/88. Os pedidos de anistia política são analisados pela "Comissão de Anistia", órgão do Ministério da Justiça em um processo administrativo. Após a Comissão de Anistia elaborar o parecer sobre o pedido, este é encaminhado ao Ministro da Justiça, que é a autoridade competente para decidir sobre a anistia. Suponhamos que o Ministro da Justiça negou o pedido de João. Esta negativa foi formalizada por meio de Portaria publicada em março de 2010 no Diário Oficial. Em 2012, João impetrou mandado de segurança contra o ato do Ministro da Justiça. A União alegou que houve decadência, considerando que já se passou o prazo de 120 dias do mandado de segurança, conforme determina o art. 23 da Lei nº 12.016/2009:

Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

A alegação da União está correta? Houve decadência? NÃO. O impetrante integrou relação processual administrativa em curso no Ministério da Justiça, junto à Comissão de Anistia. Em outras palavras, a decisão foi tomada em um processo administrativo no qual o impetrante era parte. Assim, conforme prevê a Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo federal), o interessado deveria ter sido intimado da decisão por via postal com AR, por telegrama ou por qualquer outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. Somente em caso de ele não ser localizado, é que a intimação poderia ter ocorrido por publicação oficial. Confira o texto da Lei:

Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: (...)

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II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. (...) § 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. § 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial. § 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.

Assim, para que tivesse se iniciado o prazo do MS, seria necessário que o interessado tivesse sido intimado corretamente, na forma do § 3º do art. 26 da Lei nº 9.784/99. Em suma:

Se no curso de um processo administrativo federal é praticado ato contrário aos interesses da parte, o prazo de 120 dias para impetração de mandado de segurança somente se inicia quando a parte for intimada diretamente, na forma do § 3º do art. 26 da Lei nº 9.784/99. O termo inicial para a formalização de mandado de segurança pressupõe a ciência do impetrante, nos termos dos arts. 3º e 26 da Lei nº 9.784/99, quando o ato impugnado surgir no âmbito de processo administrativo do qual seja parte. STF. 1ª Turma. RMS 32487/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/11/2017 (Info 884).

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENHA Impossibilidade de pena restritiva de direitos em caso de contravenção penal

envolvendo violência doméstica contra a mulher

Importante!!!

Cabe substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de contravenção penal envolvendo violência doméstica contra a mulher?

NÃO. Posição majoritária do STF e Súmula 588 do STJ.

SIM. Existe um precedente da 2ª Turma do STF (HC 131160, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 18/10/2016).

STF. 1ª Turma. HC 137888/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 31/10/2017 (Info 884).

Penas restritivas de direitos O Código Penal prevê que, em determinadas situações, em se tratando de pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade, pode ser esta reprimenda substituída por uma ou duas penas restritivas de direito.

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Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos? Estão previstos no art. 44 do CP e podem ser assim resumidos:

1º requisito (objetivo): Natureza do crime e

quantum da pena

2º requisito (subjetivo): Não ser reincidente

em crime doloso

3º requisito (subjetivo): A substituição seja

indicada e suficiente

a) Se for crime doloso: • a pena aplicada deve ser igual ou inferior a 4 anos; • o crime deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa. b) Se for crime culposo: pode haver a substituição qualquer que seja a pena aplicada.

Regra: para ter direito, o réu não pode ser reincidente em crime doloso. Exceção: se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias, indicarem que essa substituição seja suficiente (Princípio da suficiência da resposta alternativa ao delito).

Veja a redação do art. 44:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Se o réu pratica um crime com violência ou grave ameaça, mas se trata de uma infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima de 2 anos), ele terá direito à substituição da pena? A doutrina majoritária afirma que sim. Se o agente for condenado por uma infração penal de menor potencial ofensivo, sua pena privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva de direitos mesmo que tenha sido cometida com violência ou grave ameaça. Trata-se de exceção ao inciso I do art. 44 do CP. O argumento utilizado pela doutrina é o de que a Lei nº 9.099/95 (que é posterior ao Código Penal) previu uma série de medidas despenalizadoras para as infrações penais de menor potencial ofensivo (exs: transação penal e composição civil). Logo, seria irrazoável e contrário ao espírito da lei não permitir a aplicação de penas restritivas de direito para tais infrações consideradas de menor gravidade. Quantas penas restritivas de direito o réu terá que cumprir:

Se a pessoa for condenada a...

Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão: Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de prisão:

A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) multa OU b) 1 pena restritiva de direito

A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) 1 pena restritiva de direito + multa OU b) 2 penas restritivas de direito.

Discussão sobre a aplicação das penas restritivas para infrações praticadas no âmbito da violência doméstica O art. 17 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) prevê o seguinte:

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Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Veja, portanto, que esse dispositivo proíbe que o juiz aplique as seguintes penas restritivas de direitos à pessoa que praticou violência doméstica e familiar contra a mulher: • Pena de "cesta básica"; • Quaisquer espécies de prestação pecuniária (art. 45, §§ 1º e 2º); • Pagamento isolado de multa (art. 44, § 2º do CP). Diante disso, alguns doutrinadores sustentaram a tese de que o art. 17, ao proibir apenas esses tipos de penas, teria, a contrario sensu, permitido que fossem aplicadas outras espécies de penas restritivas de direitos. Essa interpretação foi aceita pela jurisprudência? É possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico? NÃO. A jurisprudência entende que não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição consolidada:

Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

E o art. 17 da Lei nº 11.340/2006? A interpretação que prevaleceu foi a seguinte: além das sanções previstas no art. 17, são proibidas quaisquer penas restritivas para os condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso porque o art. 44, I, do CP veda penas restritivas de direito em caso de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido:

(...) Embora a Lei nº 11.340/2006 não vede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, obstando apenas a imposição de prestação pecuniária e o pagamento isolado de multa, o art. 44, I, do CP proíbe a conversão da pena corporal em restritiva de direitos quando o crime for cometido com violência à pessoa (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1521993/RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 04/08/2016.

Vale ressaltar que a Lei nº 9.099/95 não se aplica para os delitos praticados com violência doméstica contra a mulher, por força do art. 41 da Lei nº 11.340/2006:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

IMPORTANTE. O STF concorda com o teor da súmula 588 do STJ? Em parte. Em caso de CRIMES praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico: o STF possui o mesmo entendimento do STJ e afirma que não cabe a substituição por penas restritivas de direitos. Nesse sentido:

Não é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado pela prática do crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico (art. 129, § 9º do CP).

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A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pressupõe, entre outras coisas, que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça (art. 44, I, do CP). STF. 2ª Turma. HC 129446/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/10/2015 (Info 804).

Em caso de CONTRAVENÇÕES PENAIS praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico há uma discordância. Ex: imagine que o marido pratica vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais) contra a sua esposa; ele poderá ser beneficiado com pena restritiva de direitos? • STJ e 1ª Turma do STF: NÃO. Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos tanto no caso de crime como contravenção penal praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. É o teor da Súmula 588-STJ. A 1ª Turma do STF também comunga do mesmo entendimento: HC 137888/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 31/10/2017. • 2ª Turma STF: SIM. Afirma que é possível a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos moldes previstos no art. 17 da Lei Maria da Penha, aos condenados pela prática de contravenção penal. Isso porque a contravenção penal não está na proibição contida no inciso I do art. 44 do CP, que fala apenas em crime. Logo, não existe proibição no ordenamento jurídico para a aplicação de pena restritiva de direitos em caso de contravenções. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 131160, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 18/10/2016. Relembre o que diz o inciso I do Código Penal:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

O STJ e a 1ª Turma do STF fazem, portanto, uma ampliação do inciso I do art. 44 do CP para abranger também os casos de contravenção penal praticados com violência ou grave ameaça (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1607382/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/09/2016). A 2ª Turma do STF não admite essa ampliação e trabalha com o texto literal do art. 44, I, do CP.

Resumindo: É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de crimes ou contravenções praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico? 1) Crime: NÃO. Posição tanto do STJ como do STF. 2) Contravenção penal: • 2ª Turma do STF: entende que é possível a substituição. • 1ª Turma do STF e STJ: afirmam que também não é permitida a substituição.

Em concursos, se o enunciado não estiver fazendo qualquer distinção, fiquem com a posição exposta na súmula e que também é adotada pela 1ª Turma do STF.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

INDULTO O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa se o condenado

parcelou este valor para ter direito à progressão de regime

O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado.

O acordo de pagamento parcelado da sanção pecuniária deve ser rigorosamente cumprido sob pena de descumprimento de decisão judicial, violação ao princípio da isonomia e da boa-fé objetiva.

STF. Plenário. EP 11 IndCom-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/11/2017 (Info 884).

Anistia, graça e indulto: - são formas de renúncia do Estado ao seu direito de punir; - classificam-se como causas de extinção da punibilidade (art. 107, II, CP); - a anistia, a graça e o indulto são concedidas pelo Poder Legislativo (no primeiro caso) ou pelo Poder Executivo (nos dois últimos), mas somente geram a extinção da punibilidade com a decisão judicial; - podem atingir crimes de ação penal pública ou privada.

ANISTIA GRAÇA (ou indulto individual)

INDULTO (ou indulto coletivo)

É um benefício concedido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República (art. 48, VIII, CF/88), por meio do qual se “perdoa” a prática de um fato criminoso. Normalmente, incide sobre crimes políticos, mas também pode abranger outras espécies de delito.

Concedidos por Decreto do Presidente da República. Apagam o efeito executório da condenação. A atribuição para conceder pode ser delegada ao(s):

Procurador Geral da República;

Advogado Geral da União;

Ministros de Estado.

É concedida por meio de uma lei federal ordinária.

Concedidos por meio de um Decreto.

Pode ser concedida:

antes do trânsito em julgado (anistia própria);

depois do trânsito em julgado (anistia imprópria).

Tradicionalmente, a doutrina afirma que tais benefícios só podem ser concedidos após o trânsito em julgado da condenação. Esse entendimento, no entanto, está cada dia mais superado, considerando que o indulto natalino, por exemplo, permite que seja concedido o benefício desde que tenha havido o trânsito em julgado para a acusação ou quando o MP recorreu, mas não para agravar a pena imposta (art. 5º, I e II, do Decreto 7.873/2012).

Classificação a) Propriamente dita: quando concedida antes da condenação. b) Impropriamente dita: quando concedida após a condenação.

Classificação a) Pleno: quando extingue totalmente a pena. b) Parcial: quando somente diminui ou substitui a pena (comutação). a) Incondicionado: quando não impõe qualquer condição.

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a) Irrestrita: quando atinge indistintamente todos os autores do fato punível. b) Restrita: quando exige condição pessoal do autor do fato punível. Ex.: exige primariedade.

a) Incondicionada: não se exige condição para a sua concessão. b) Condicionada: exige-se condição para a sua concessão. Ex.: reparação do dano.

a) Comum: atinge crimes comuns. b)Especial: atinge crimes políticos.

b) Condicionado: quando impõe condição para sua concessão. a) Restrito: exige condições pessoais do agente. Ex.: exige primariedade. b) Irrestrito: quando não exige condições pessoais do agente.

Extingue os efeitos penais (principais e secundários) do crime. Os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.

Só extinguem o efeito principal do crime (a pena). Os efeitos penais secundários e os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.

O réu condenado que foi anistiado, se cometer novo crime, não será reincidente.

O réu condenado que foi beneficiado por graça ou indulto, se cometer novo crime, será reincidente.

É um benefício coletivo que, por referir-se somente a fatos, atinge apenas os que o cometeram.

É um benefício individual (com destinatário certo). Depende de pedido do sentenciado.

É um benefício coletivo (sem destinatário certo). É concedido de ofício (não depende de provocação).

Vale ressaltar que a concessão do indulto está inserida no exercício do poder discricionário do Presidente da República (STF. ADI 2.795-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa). Indulto natalino É bastante comum o Presidente da República editar um Decreto, no final de todos os anos, concedendo indulto. Esse Decreto é conhecido como “indulto natalino”. No Decreto de indulto já constam todas as condições para a concessão do benefício. Caso o apenado atenda a esses requisitos, o juiz das execuções deve reconhecer o direito, extinguindo a pena pelo indulto. Imagine agora a seguinte situação: João foi condenado a 5 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 200 dias-multa. Após algum tempo, ele progrediu para o regime aberto, com base no preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos, entre os quais o compromisso do pagamento da multa, por meio de parcelamento acordado com a Fazenda Nacional. Assim, ele estava no regime aberto e pagando, parceladamente, todos os meses, a multa. Foi aí que o Presidente da República editou um Decreto concedendo indulto natalino. João atendeu aos requisitos e, em razão disso, o magistrado declarou extinta a pena privativa de liberdade imposta a ele. O julgador, contudo, manteve a exigência do pagamento da multa. A defesa recorreu contra a decisão alegando que no Decreto de indulto havia previsão expressa de que o indulto alcançava também a pena de multa. Veja o artigo do Decreto:

Art. 7º O indulto ou a comutação da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos alcança a pena de multa aplicada cumulativamente. Parágrafo único. A inadimplência da pena de multa cumulada com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos não impede a declaração do indulto ou da comutação de penas.

Informativo comentado

Informativo 884-STF (14/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

A tese da defesa foi acolhida pelo STF? NÃO.

O indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado. STF. Plenário. EP 11 IndCom-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/11/2017 (Info 884).

O réu voluntariamente aderiu ao parcelamento para que pudesse ter direito à progressão de regime, que só pode ocorrer com o pagamento integral da multa ou com o compromisso de seu pagamento parcelado. Nesse caso, não se aplica integralmente o decreto de indulto, que extingue todas as penas, inclusive a de multa, pois, para que se obtivesse a progressão, houve a substituição da pena pecuniária pelo compromisso de pagamento parcelado. A automática concessão do indulto da multa a condenado que tenha condições econômicas de quitá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio ou de sua família, constituiria, em última análise, injustificável descumprimento de decisão judicial e indesejável tratamento privilegiado em relação àqueles sentenciados que tempestivamente pagaram a sanção pecuniária. A liberalidade contida no parágrafo único do art. 7º do Decreto Presidencial somente deve ser admitida na hipótese em que a defesa comprovar a extrema carência econômica do condenado, que sequer tenha tido condições de firmar compromisso de parcelamento do débito. Essa interpretação mais restritiva leva em consideração: (i) o fato de que a pena de multa, embora convertida em dívida de valor, não perdeu o seu caráter de sanção criminal e o seu injustificado inadimplemento interfere no gozo dos benefícios da execução penal (como, por exemplo, na progressão de regime); (ii) o caráter essencialmente igualitário que permeia a concessão, pelo Presidente da República, da clemência estatal.

OUTRAS INFORMAÇÕES

CLIPPING DA R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 30 de outubro a 10 de novembro de 2017

REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 828.040 – DF RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. TEORI ZAVASCKI REDATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRABALHISTA. NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR DE REPARAR DANOS

A EMPREGADO, DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO. ARTIGO 7º, XXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 985.392 - RS RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. REPERCUSSÃO GERAL. RECONHECIMENTO. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. 3.

CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. LEGITIMIDADE PARA POSTULAR PERANTE O STF E O

STJ. 4. PRELIMINARES. ARGUMENTOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NÃO CONSIDERADOS PELO STJ, E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO

CONHECIDOS. A FALTA DE PREQUESTIONAMENTO E A INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DECORRERIAM DA RECUSA DO

TRIBUNAL EM CONHECER DAS RAZÕES DO MPE. A LEGITIMIDADE DO MPE DEPENDE DA INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS SOBRE O

MINISTÉRIO PÚBLICO ART. 127, § 1º, E ART. 128, ART. 129, CF. QUESTÃO QUE PRESCINDE DA APRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. PRELIMINARES

REJEITADAS. 5. REPERCUSSÃO GERAL. A AVALIAÇÃO DA LEGITIMIDADE DOS MINISTÉRIOS PÚBLICOS DOS ESTADOS PARA PLEITEAR PERANTE O STF E

O STJ É RELEVANTE DOS PONTOS DE VISTA POLÍTICO, JURÍDICO E SOCIAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. 6. LEGITIMIDADE DE MPE PARA

POSTULAR NO STF E NO STJ. OS MINISTÉRIOS PÚBLICOS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS PODEM POSTULAR DIRETAMENTE

NO STF E NO STJ, EM RECURSOS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO ORIUNDOS DE PROCESSOS NOS QUAIS O RAMO ESTADUAL TEM ATRIBUIÇÃO PARA

ATUAR. PRECEDENTES. 7. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF NO SENTIDO DA LEGITIMIDADE DO MPE. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

PRECEDENTES: RCL 7.358, REL. MIN. ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, J. 24.2.2011; MS 28.827, REL. MIN. CÁRMEN LÚCIA, 1ª TURMA, J. 28.8.2012;

Informativo comentado

Informativo 884-STF (14/11/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

RE-QO 593.727, REL. MIN. CEZAR PELUSO, REDATOR PARA ACÓRDÃO MIN. GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO J. 21.6.2012; ARE-ED-SEGUNDOS

859.251, DE MINHA RELATORIA, TRIBUNAL PLENO, J. 22.10.2015. 8. FIXAÇÃO DE TESE: OS MINISTÉRIOS PÚBLICOS DOS ESTADOS E DO DISTRITO

FEDERAL TÊM LEGITIMIDADE PARA PROPOR E ATUAR EM RECURSOS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS EM TRÂMITE NO STF E

NO STJ, ORIUNDOS DE PROCESSOS DE SUA ATRIBUIÇÃO, SEM PREJUÍZO DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 9. CASO CONCRETO.

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PARA OFERECER RAZÕES E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS

CORPUS AFASTADA PELO STJ. CASSAÇÃO DA DECISÃO. 10. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETORNO

DOS AUTOS AO STJ, PARA QUE PROSSIGA NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS, CONSIDERANDO AS RAZÕES DO MPRS. REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.058.333 – PR RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA.

CANDIDATA GESTANTE. DIREITO À REMARCAÇÃO SEM PREVISÃO EDITALÍCIA. TEMA 335 DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 630.733. INAPLICABILIDADE.

DIREITO À IGUALDADE, À DIGNIDADE HUMANA E À LIBERDADE REPRODUTIVA. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA EFICIÊNCIA NO CONCURSO

PÚBLICO. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 30 DE OUTUBRO A 10 DE NOVEMBRO DE 2017

Lei nº 13.505, de 8.11.2017 - Acrescenta dispositivos à Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da

Penha), para dispor sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento

policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino.

Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 215, p. 1, em 9.11.2017.