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Informativo 658-STJ (08/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 658-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Se o indivíduo possui contra si uma condenação criminal transitada em julgado, ele não poderá ser vigilante, mesmo que já tenha cumprido a pena há mais de 5 anos. DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO No MP/SP existia a figura do estágio em prorrogação, ou seja, um estágio exercido por bacharéis em Direito; aqueles que exerceram esse estágio podem computar esse tempo como atividade jurídica para fins de pontuação em concurso público. DESAPROPRIAÇÃO O prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é, em regra, de 10 anos; excepcionalmente, será de 15 anos caso de comprove que não foram feitas obras ou serviços públicos no local. ENFITEUSE O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do DL 9.760/46 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas. DIREITO AMBIENTAL INFRAÇÃO AMBIENTAL O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria. DIREITO CIVIL BEM DE FAMÍLIA O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra- se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. RESPONSABILIDADE CIVIL A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICAS COMERCIAIS É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo.

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Page 1: Informativo comentado: Informativo 658-STJ...exercício de atividade jurídica na prova de títulos em concurso público. STJ. 1ª Turma. RMS 54.554-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria,

Informativo 658-STJ (08/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 658-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ▪ Se o indivíduo possui contra si uma condenação criminal transitada em julgado, ele não poderá ser vigilante, mesmo

que já tenha cumprido a pena há mais de 5 anos.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO ▪ No MP/SP existia a figura do estágio em prorrogação, ou seja, um estágio exercido por bacharéis em Direito; aqueles

que exerceram esse estágio podem computar esse tempo como atividade jurídica para fins de pontuação em concurso público.

DESAPROPRIAÇÃO ▪ O prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é, em regra, de 10 anos; excepcionalmente, será

de 15 anos caso de comprove que não foram feitas obras ou serviços públicos no local. ENFITEUSE ▪ O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do DL 9.760/46 é a data

em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas. DIREITO AMBIENTAL

INFRAÇÃO AMBIENTAL ▪ O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de autorização, legitima a

apreensão de toda a mercadoria.

DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA ▪ O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-

se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. RESPONSABILIDADE CIVIL ▪ A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar

indenização por danos morais e materiais.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS COMERCIAIS ▪ É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em

contrato padrão de consumo.

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DIREITO EMPRESARIAL

PATENTE ▪ Os “privilégios do agricultor”, previstos no art. 10 da Lei nº 9.456/97, não se aplicam para o caso de processo de

inserção do gene na semente da soja. TÍTULOS DE CRÉDITO ▪ É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ADOÇÃO ▪ A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta e

pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

IRDR ▪ Não cabe a instauração de IRDR se, quando a parte requereu o incidente, o Tribunal já havia julgado o mérito do

recurso e estava pendente agora apenas os embargos de declaração contra a decisão. REMESSA NECESSÁRIA ▪ É dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável

da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil 1.000 salários mínimos. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO ▪ Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de

processos sobrestados em razão de recursos repetitivos (art. 1.037, I, do CPC/2015).

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO ▪ A dívida de corrida táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos

delitos patrimoniais.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

MULTA POR ABANDONO DO PROCESSO (ART. 265 DO CPP) ▪ Existe divergência no STJ se a conduta do advogado ou Defensor Público de abandonar o plenário do Júri pode

configurar abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP. ▪ O fato de o juiz aplicar a multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público não viola a

autonomia da OAB e da Defensoria Pública. ▪ A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada

pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva.

DIREITO TRIBUTÁRIO

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO ▪ É ilegal a pena de perdimento do veículo pela locadora que não teve participação no crime de contrabando e/ou

descaminho. IMPOSTO DE RENDA ▪ Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência e esse entendimento não está sujeito à modulação de efeitos.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Se o indivíduo possui contra si uma condenação criminal transitada em julgado, ele não poderá

ser vigilante, mesmo que já tenha cumprido a pena há mais de 5 anos

Viola o princípio da presunção de inocência o impedimento de participação ou registro de curso de formação ou reciclagem de vigilante, por ter sido verificada a existência de inquérito ou ação penal não transitada em julgado.

Assim, não havendo sentença condenatória transitada em julgado, o simples fato de existir um processo penal em andamento não pode ser considerada antecedente criminal para o fim de impedir que o vigilante se matricule no curso de reciclagem.

STJ. 2ª Turma. REsp 1597088/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2017.

A existência de condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante por ausência de idoneidade moral.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.666.294-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/09/2019 (Info 658).

Vigilante A profissão de vigilante, por envolver o uso de arma de fogo, é fiscalizada pela Polícia Federal, sendo regida pela Lei nº 7.102/93. Confira:

Art. 10. São considerados como segurança privada as atividades desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade de: I - proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas; II - realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga. (...) § 2º As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança, vigilância e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas privadas, além das hipóteses previstas nos incisos do caput deste artigo, poderão se prestar ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas; a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e residências; a entidades sem fins lucrativos; e órgãos e empresas públicas.

Art. 15. Vigilante, para os efeitos desta lei, é o empregado contratado para a execução das atividades definidas nos incisos I e II do caput e §§ 2º, 3º e 4º do art. 10.

Requisitos para ser vigilante O art. 16 da Lei nº 7.102/93 lista uma série de requisitos indispensáveis ao exercício da profissão de vigilante:

Art. 16. Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos: I - ser brasileiro; II - ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos; III - ter instrução correspondente à quarta série do primeiro grau; IV - ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei; V - ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico; VI - não ter antecedentes criminais registrados; e VII - estar quite com as obrigações eleitorais e militares.

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Desse modo, o inciso VI do art. 16 da Lei nº 7.102/93 exige como requisito para o exercício da profissão de vigilante a inexistência de antecedentes criminais. Primeira pergunta: se o indivíduo possui contra si um inquérito policial ou uma ação penal sem trânsito em julgado, ele poderá ser vigilante? SIM. O STJ entende que:

Viola o princípio da presunção de inocência o impedimento de participação ou registro de curso de formação ou reciclagem de vigilante, por ter sido verificada a existência de inquérito ou ação penal não transitada em julgado. Assim, não havendo sentença condenatória transitada em julgado, o simples fato de existir um processo penal em andamento não pode ser considerada antecedente criminal para o fim de impedir que o vigilante se matricule no curso de reciclagem. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1071931/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 19/09/2017. STJ. 2ª Turma. REsp 1597088/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2017.

Assim, a orientação do STJ é no sentido de que, não havendo sentença condenatória transitada em julgado, a existência de processo em andamento não pode ser considerada antecedente criminal a obstar a matrícula em curso de reciclagem para vigilante, em respeito ao princípio da presunção de inocência. Se o indivíduo possui contra si uma condenação criminal transitada em julgado, ele poderá ser vigilante? NÃO.

A existência de condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante por ausência de idoneidade moral. STJ. 2ª Turma. REsp 1.666.294-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/09/2019 (Info 658).

Ele estará impedido de ser vigilante mesmo que já tenha cumprido a pena? SIM. A condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante, ainda que a pena tenha sido integralmente cumprida. Ele estará impedido de ser vigilante mesmo que já tenham se passado mais de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena (art. 64, I, do CP)? SIM. O art. 64, I, do CP prevê o seguinte:

Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

O STJ entende que, mesmo que ultrapassado o lapso temporal de 5 anos mencionado no art. 64, I, do CP, a condenação anterior transitada em julgado é considerada como maus antecedentes. Isso porque o STJ adota o chamado “sistema da perpetuidade” para essa prática. O que é esse sistema da perpetuidade? Mesmo ultrapassado o lapso temporal de 5 anos, a condenação anterior transitada em julgado pode ser considerada como maus antecedentes. É a posição do STJ.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO No MP/SP existia a figura do estágio em prorrogação, ou seja, um estágio exercido por bacharéis

em Direito; aqueles que exerceram esse estágio podem computar esse tempo como atividade jurídica para fins de pontuação em concurso público

A atividade denominada estágio em prorrogação do Ministério Público do Estado de São Paulo deve ser considerada privativa de bacharel em Direito para fins de atribuição de pontos pelo exercício de atividade jurídica na prova de títulos em concurso público.

STJ. 1ª Turma. RMS 54.554-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 01/10/2019 (Info 658).

Imagine a seguinte situação hipotética: João prestou concurso para “cartório” (serventias notariais e registrais) no Estado de São Paulo. Ele foi aprovado em todas as etapas do certame. Chegou, então, a fase de títulos. O edital previa a seguinte regra:

7. TÍTULOS 7.1. O exame de títulos valerá, no máximo, 10 (dez) pontos, com peso 2 (dois), observado o seguinte: I - exercício da advocacia ou de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do edital do concurso (2,0)

João juntou certidão do Ministério Público do Estado de São Paulo atestando que ele desempenhou, naquela instituição, de 2010 a 2013, estágio prorrogado após a colação de grau. A comissão examinadora do concurso não concedeu pontuação por este título sob o argumento de que estágio não é atividade privativa de bacharel em Direito e que, portanto, não se enquadra no item 7.1 do edital. João impetrou mandado de segurança que chegou até o STJ? A prorrogação de estágio do Ministério Público do Estado de São Paulo pode ser considerada atividade privativa de bacharel de Direito para fins de atribuição de pontos na prova de títulos do concurso? SIM. A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 734/93) previa, até 2016, o seguinte:

Artigo 76. Os estagiários, auxiliares do Ministério Público, após credenciamento pelo Conselho Superior do Ministério Público, serão designados pelo Procurador-Geral de Justiça para o exercício de suas funções por período não superior a três anos. Parágrafo único - O período referido no 'caput' deste artigo poderá ser prorrogado por mais três anos a partir da conclusão do curso de Bacharelado em Direito, mediante manifestação favorável do órgão perante ao qual o estagiário presta serviços, ouvida a Corregedoria-Geral do Ministério Público, aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Obs: esse parágrafo único foi revogado pela Lei complementar paulista nº 1.278/2016. Assim, a época em que João atuou como estagiário no Ministério Público do Estado de São Paulo, havia a figura da prorrogação do estágio, que obedecia às seguintes regras: a) era exercício de função pública, ainda que transitória (LC 734/93, art. 77);

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b) havia a obrigatoriedade de apresentação de documento comprobatório da colação de grau referente à conclusão do curso de Bacharelado em Direito (LC 734/93, art. 76); c) a jornada de trabalho e a remuneração eram superiores às dos demais estagiários (LC 734/93); d) o tempo de prorrogação do estágio, após a conclusão do curso de Bacharelado em Direito, era considerado como atividade jurídica (LC 734/93, art. 90); e e) era proibido o exercício da advocacia, de atividade privada incompatível com a condição funcional ou o desempenho de qualquer cargo, emprego ou função pública (LC 734/93, art. 92, V e VI). Vê-se, portanto, que, sob a denominação de “estágio em prorrogação”, criou-se uma função anômala, totalmente fora das regras previstas para o exercício de estágio ou de cargo público. Estágio em prorrogação foi revogado porque considerado irregular pelo CNMP Vale ressaltar que essa figura do estágio em prorrogação foi considerada irregular pelo CNMP, que determinou ao MP/SP que o extinguisse porque não era compatível com a Lei federal nº 11.788/2008 e com a Resolução nº 42/2009-CNMP. Antes de extinguir, o MP/SP chegou a impetrar mandado de segurança no STF contra a determinação do CNMP. Na decisão que apreciou o pedido de liminar, o Min. Luiz Fux reconheceu que o estágio somente deve ser realizado durante o curso e que, portanto, é irregular a figura do estágio em prorrogação. Apesar disso, o Ministro manteve a validade dos contratos de estágios já celebrados, considerando que a sua rescisão representaria uma violação “à confiança dos estagiários que, de boa-fé e com base na lei, celebraram contratos com o Ministério Público e criaram a expectativa legítima de cumprir estágios mesmo após a graduação” (STF. Decisão monocrática. MS 30687 MC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04/08/2011). Algum tempo depois, foi editada a LC paulista nº 1.278/2016, que acabou com o estágio em prorrogação. Pessoas tinham a legítima confiança de que o tempo de estágio em prorrogação seria válido como atividade jurídica João e as demais pessoas que fizeram esse estágio em prorrogação tinham a legítima confiança de que o tempo de serviço seria considerado como atividade jurídica, razão pela qual não podem ser, agora, punidos com a desconsideração desse tempo. Vale ressaltar, por fim, que a jurisprudência, primando pelo livre e amplo acesso a cargos e empregos públicos, tem admitido relativa flexibilização da exigência de comprovação de atividade jurídica quando do exercício de cargo não privativo de bacharel em Direito. Em outras palavras, a jurisprudência tem admitido que o tempo em que o indivíduo exerceu cargo não-privativo de bacharel em Direito seja considerado como atividade jurídica, desde que fique demonstrado que ele desempenhava funções de natureza eminentemente jurídica. Em suma:

A atividade denominada estágio em prorrogação do Ministério Público do Estado de São Paulo deve ser considerada privativa de bacharel em Direito para fins de atribuição de pontos pelo exercício de atividade jurídica na prova de títulos em concurso público. STJ. 1ª Turma. RMS 54.554-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 01/10/2019 (Info 658).

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DESAPROPRIAÇÃO O prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é, em regra, de 10 anos;

excepcionalmente, será de 15 anos caso de comprove que não foram feitas obras ou serviços públicos no local

Importante!!!

Qual é o prazo da ação de desapropriação indireta?

Regra: 10 anos (art. 1.238, parágrafo único, do CC/2002).

Exceção: o prazo será de 15 anos se ficar comprovada a inexistência de obras ou serviços públicos no local.

Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é de 10 anos porque existe uma presunção relativa de que o Poder Público realizou obras ou serviços públicos no local. Admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso a parte interessada comprove, concreta e devidamente, que não foram feitas obras ou serviços no local, afastando a presunção legal.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/06/2019 (Info 658).

Obs: a súmula 119 do STJ está superada (Súmula 119-STJ: A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos).

Em que consiste a desapropriação indireta? A desapropriação indireta ocorre quando o Estado (Poder Público) se apropria do bem de um particular sem observar as formalidades previstas em lei para a desapropriação, dentre as quais a declaração indicativa de seu interesse e a indenização prévia. Trata-se de um verdadeiro esbulho possessório praticado pelo Poder Público. A desapropriação indireta é também chamada de apossamento administrativo. O que a pessoa pode fazer caso tenha sofrido uma desapropriação indireta? • Se o bem expropriado ainda não está sendo utilizado em nenhuma finalidade pública: pode ser proposta uma ação possessória com o objetivo de que a pessoa mantenha ou retome a posse do bem. • Se o bem expropriado já está afetado a uma finalidade pública: considera-se que houve fato consumado e somente restará ao particular ajuizar uma “ação de desapropriação indireta” a fim de ser indenizado. Nesse sentido é o art. 35 do Decreto-Lei 3.365/41:

Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Ação de desapropriação indireta A ação de desapropriação indireta é uma ação de indenização proposta contra o Poder Público pelo fato de ele ter se apossado do bem pertencente a particular sem cumprir as formalidades legais previstas para os casos de desapropriação. Trata-se, portanto, de uma ação condenatória objetivando a indenização por perdas e danos. Também é chamada de “ação expropriatória indireta” ou “ação de ressarcimento de danos causados por apossamento administrativo”. Qual é o prazo da ação de desapropriação indireta? • No CC-1916: era de 20 anos. • No CC-2002: em regra, é de 10 anos (excepcionalmente, pode ser de 15 anos).

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Qual é o fundamento jurídico para esse prazo? Segundo o STJ, a ação de desapropriação indireta possui natureza real e pode ser proposta pelo particular prejudicado enquanto não tiver transcorrido o prazo para que o Poder Público adquira a propriedade do bem por meio da usucapião. Em outras palavras, como não há um prazo específico previsto na legislação, o STJ entendeu que deveria ser aplicado, por analogia, o prazo da usucapião extraordinária. Assim, enquanto não tiver passado o prazo para que o Estado adquira o imóvel por força de usucapião, o particular poderá buscar a indenização decorrente do ato ilícito de apossamento administrativo. E qual é o prazo de usucapião extraordinária? No CC-1916: era de 20 anos (art. 550). No CC-2002: 15 ou 10 anos (art. 1.238). Veja a redação do caput do art. 1.238 do CC:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

No entanto, este prazo da usucapião extraordinária passa a ser de 10 anos se o possuidor tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo no local. É o que diz o parágrafo único do art. 1.238:

Art. 1.238 (...) Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Como na desapropriação indireta pressupõe-se que o Poder Público tenha realizado obras no local ou tenha dado ao imóvel uma utilidade pública ou de interesse social, entende-se que a situação se enquadraria no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil, de sorte que o prazo para a usucapião seria, em regra, de 10 anos. Logo, atualmente, o prazo prescricional aplicável às expropriatórias indiretas passou a ser de 10 anos, com fundamento analógico no parágrafo único do art. 1.238 do CC. Vale ressaltar, no entanto, que, se o autor provar que o Poder Público não realizou obras ou serviços públicos no local, esse prazo prescricional sobe para 15 anos. Resumindo:

Prazo da ação de desapropriação

indireta

É o mesmo prazo da usucapião extraordinária. Enquanto não tiver passado o prazo da usucapião extraordinária, o particular pode ajuizar a ação de desapropriação indireta.

No Código Civil de 1916: era de 20 anos

No Código Civil de 2002: depende • Se foram feitas obras ou serviços públicos no local: 10 anos. • Se não foram feitas: 15 anos.

Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é de 10 anos porque existe uma presunção relativa de que o Poder Público realizou obras ou serviços públicos no local. Admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso a parte interessada comprove, concreta e devidamente, que não foram feitas obras ou serviços no local, afastando a presunção legal. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/06/2019 (Info 658).

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Informativo 658-STJ (08/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Cuidado com a súmula 119 do STJ A redação desse enunciado é a seguinte:

Súmula 119-STJ: A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos.

A súmula 119 do STJ foi editada em 1994 e não está mais em vigor, considerando que utilizava como parâmetro o Código Civil de 1916. Atualmente, a ação de desapropriação indireta prescreve, em regra, em 10 anos (se não foram feitas obras ou serviços no local: prescreve em 15 anos). O que acontece se o prazo prescricional iniciou na vigência do CC/1916 e se estendeu para o CC/2002? Nesse caso, deverá ser aplicada a regra de direito intertemporal prevista no art. 2.028 do CC/2002:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Interpretando esse art. 2.028 do CC. Continua sendo o prazo do CC-1916: • quando ele foi reduzido pelo CC-2002, e • se, na data da entrada em vigor do CC-2002, já tinha transcorrido mais da metade do tempo estabelecido no CC-1916. Exemplo: A pretensão de indenização por desapropriação indireta prescrevia em 20 anos no CC/1916. No CC/2002 prescreve em 10 anos. Se uma pessoa sofreu o desapossamento administrativo em 1991, em 2003 (data em que entrou em vigor o CC), já havia se passado 12 anos. Logo, prevalece o prazo do CC/1916 e esta vítima só terá mais 8 anos para ajuizar a ação. Se a pessoa sofreu o desapossamento em 1994, em 2003 havia se passado apenas 9 anos. Logo, será aplicado o novo prazo do CC/2002 (de 10 anos). A partir de 11/01/2003 (data da entrada em vigor do CC/2002) iniciará o prazo de 10 anos para que a vítima ajuíze a ação. E se o CC-2002 aumentou o prazo? Nesse caso, aplica-se o do CC/2002. Assim, quanto às ações propostas após o CC-2002, deve-se analisar o seguinte: i) Se entre a data do apossamento e a entrada em vigor do CC-2002 já havia se passado mais de 10 anos: o prazo prescricional continua sendo o de 20 anos; ii) Se entre a data do apossamento e a entrada em vigor do CC-2002 havia se passado menos que 10 anos: o prazo prescricional será agora o do novo Código Civil: 10 anos.

ENFITEUSE O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do

DL 9.760/46 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas

O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760/46 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas.

E quando a União tem essa ciência efetiva? Quando ocorre a comunicação à SPU.

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A comunicação à Secretaria de Patrimônio da União - SPU é o momento em que a União toma conhecimento da alienação, sendo irrelevante a data em que emitida a Declaração de Operação Imobiliária (DOI).

STJ. 2ª Turma. REsp 1.765.707-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2019 (Info 658).

O que são terrenos de marinha? Terrenos de marinha são “todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417). Os terrenos de marinha são bens da União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada” de navios mercantes ou de guerra). Enfiteuse (ou aforamento) José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1311) explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento), que funciona, em síntese, da seguinte forma: • a União (senhorio direto) transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil; • o particular (enfiteuta) passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou pensão. O particular (enfiteuta) pode transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce sobre o bem? SIM. Tome-se o seguinte exemplo: João reside em uma casa localizada dentro de um terreno de marinha, possuindo, portanto, apenas o domínio útil sobre o bem e pagando, anualmente, o foro. Ocorre que ele quer se mudar. Diante disso, poderá “vender” o domínio útil para outra pessoa. A pessoa que transferir o domínio útil do imóvel terá que pagar algum valor para a União? SIM. A legislação estabelece que a pessoa, antes de efetuar a transferência, deverá pagar 5% do valor do domínio útil à União. Assim, em nosso exemplo, João terá que recolher em favor da União 5% do valor do domínio útil de sua casa pelo simples fato de ela estar localizada em terreno de marinha. Esse valor é chamado de laudêmio e seu pagamento está previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87:

Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

Transação deve ser comunicada à Secretaria do Patrimônio da União Para a concretização da transferência do aforamento, além do recolhimento prévio do laudêmio, a transação precisa ser comunicada ao Serviço do Patrimônio da União – SPU (atualmente denominado de Secretaria do Patrimônio da União). Assim, o adquirente deverá requerer, no prazo de 60 dias, a transferência da enfiteuse para o seu nome, conforme determina o art. 116 do Decreto-Lei 9.760/46:

Art. 116. Efetuada a transação e transcrito o título no Registro de Imóveis, o adquirente, exibindo os documentos comprobatórios, deverá requerer, no prazo de 60 (sessenta) dias, que para o seu nome se transfiram as obrigações enfitêuticas.

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§ 1º A transferência das obrigações será feita mediante averbação, no órgão local do S.P.U., do título de aquisição devidamente transcrito no Registro de Imóveis, ou, em caso de transmissão parcial do terreno, mediante têrmo. (...)

O § 2º do art. 116 prevê uma multa para o caso de o adquirente não requerer essa transferência:

§ 2º O adquirente estará sujeito à multa de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o valor do terreno, caso não requeira a transferência no prazo estabelecido no caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

Qual é o prazo prescricional para que a União cobre essa multa caso ela não seja paga? 5 anos. Qual é o termo inicial deste prazo prescricional: o dia em que foi lavrada a escritura de alienação ou a data em que a União efetivamente tomou conhecimento da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas? A data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência.

O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas. STJ. 2ª Turma. REsp 1.765.707-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/08/2019 (Info 658).

E quando a União tem essa ciência efetiva? Quando ocorre a comunicação à SPU. A transferência de aforamento somente ocorre após a averbação, no órgão local da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, do título de aquisição já registrado no Registro de Imóveis. A comunicação à Secretaria de Patrimônio da União – SPU é o momento em que a União toma conhecimento da alienação, sendo irrelevante o dia em que foi lavrada a escritura ou a data em que foi emitida a Declaração de Operação Imobiliária (DOI) – documentos emitidos pelos cartórios à Receita Federal informando a transação imobiliária.

DIREITO AMBIENTAL

INFRAÇÃO AMBIENTAL O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de

autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria

Importante!!!

A empresa “Alta Vista Ltda.” estava transportando toras de madeira quando foi parada em uma fiscalização do IBAMA. Os servidores da autarquia ambiental constataram que a empresa estava transportando madeiras serradas em desacordo com a nota fiscal e com a licença de transporte que possuía. A empresa estava transportando 4.000 m3 de madeira a mais do que estava autorizada. Isso significa que ela estava transportando cerca de 10% a mais da carga que poderia. A legislação ambiental prevê a lavratura de auto de infração e a apreensão da

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carga. Indaga-se: deverá ser apreendida a carga toda (todas as madeiras) ou apenas aquelas que excederam a autorização prevista na guia de transporte?

A carga inteira. A gravidade da conduta de quem transporta madeira em descompasso com a respectiva guia de autorização não se calcula com base apenas no quantitativo em excesso. Essa infração compromete a eficácia de todo o sistema de proteção ambiental. Logo, a medida de apreensão deve compreender a totalidade da mercadoria transportada.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.784.755-MT, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 17/09/2019 (Info 658).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “Alta Vista Ltda.” estava transportando toras de madeira quando foi parada em uma fiscalização do IBAMA. Os servidores da autarquia ambiental constataram que a empresa estava transportando madeiras serradas em desacordo com a nota fiscal e com a licença de transporte que possuía. A empresa estava transportando 4.000 m3 de madeira a mais do que estava autorizada. Isso significa que ela estava transportando cerca de 10% a mais da carga que poderia. Os fiscais lavraram auto de infração e fizeram a apreensão de toda a carga. Mandado de segurança A empresa impetrou mandado de segurança, na Justiça Federal de 1ª instância, contra o ato. Alegou que a apreensão de toda a carga violou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e pediu a liberação da madeira que estava devidamente autorizada pela guia de transporte, devendo ser mantida a apreensão apenas do excedente. A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com o pedido da empresa? NÃO. Apreensão da madeira é medida prevista na Lei nº 9.605/98 O art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98 tipifica como crime a conduta de transportar madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal sem a devida licença por parte da autoridade competente:

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.

Essa conduta também caracteriza infração administrativa, nos termos do art. 70 da Lei:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

A Lei determina a apreensão da madeira (produto da flora) nesses casos:

Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. (...)

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§ 3º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (...) IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

Apreensão de toda a madeira é medida para desestimular novas infrações Para o STJ, não é possível reduzir a apreensão da madeira apenas ao quantitativo de carga que excedeu a autorização da guia de transporte porque isso: • caracterizaria medida não prevista na lei; e • representaria em providência contrária aos objetivos das leis de proteção ao meio ambiente. A medida de apreensão da totalidade da carga transportada consiste em importante mecanismo para a tutela do meio ambiente, em razão do efeito dissuasório imediato que produz sobre o infrator ou aquele que contribuiu para a prática da conduta ilícita. Isso porque a apreensão de bens gera, ainda que provisoriamente, a descapitalização da parte envolvida no ilícito, evita a reiteração da prática, facilita a recuperação do dano e, ainda, contribui para a garantia do resultado prático do processo administrativo. Seria, portanto, uma forma de desestimular que a empresa cometa novas infrações ambientais. Critérios de proporcionalidade e razoabilidade não podem ser analisados sob um aspecto puramente econômico Os critérios de proporcionalidade e razoabilidade para a aplicação da sanção ambiental encontram-se frequentemente associados à comparação entre o valor econômico do instrumento utilizado no ilícito e à extensão do dano ambiental. Sob esse contexto, uma singela diferença entre as quantidades autorizadas na guia de transporte e aquelas efetivamente transportadas deveria acarretar penalidades mais brandas por parte da autoridade competente. Contudo, tal raciocínio desconsidera a potencialidade danosa da conduta sob uma perspectiva global, isto é, sob a ótica da eficácia da lei ambiental e da implementação da política de defesa do meio ambiente. O modelo de ponderação proposto por Alexy não legitima a utilização exclusiva do conhecido “bom senso” diante da casuística. A aplicação da proporcionalidade deve avaliar os princípios supostamente conflitantes; a intensidade da intervenção de um mandamento principiológico em detrimento do outro; e a importância dos direitos fundamentais justificadores da intervenção. Ultimadas essas providências, é possível a definição dos valores que deverão prevalecer no caso específico. Ponderação deverá levar em consideração a especial proteção jurídica conferida pela Constituição ao meio ambiente Tratando-se de infração ambiental, a aplicação da técnica de ponderação deve ter como premissa a especial proteção jurídica conferida pela Constituição Federal ao tema, a exemplo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como a conscientização de que o fundamento da livre iniciativa, previsto no art. 170 da Carta Magna, tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna, e também deve obediência ao princípio de defesa do meio ambiente. Na situação em debate, tem-se, de um lado, a proteção do patrimônio daquele flagrado com quantidade de madeira em descompasso com a autorizada e, de outro, a magnitude dos direitos e interesses difusos em matéria ambiental, bem como a própria efetividade da legislação de proteção ao meio ambiente. Diante desse cenário, não há dúvida de que eventual interesse na liberação da quantidade de madeira

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autorizada na guia de transporte deve ceder em função da gravidade da lesão consistente no desrespeito aos limites previamente estipulados pela autoridade competente. A gravidade da conduta de quem transporta madeira em descompasso com a respectiva guia de autorização não se calcula com base apenas no quantitativo em excesso. Essa infração compromete a eficácia de todo o sistema de proteção ambiental. Logo, a medida de apreensão deve compreender a totalidade da mercadoria transportada, apenando-se a conduta praticada pelo infrator e não apenas o objeto dela resultante Em suma:

O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria. STJ. 2ª Turma. REsp 1.784.755-MT, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 17/09/2019 (Info 658).

DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel

residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família

Importante!!!

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.

Ex: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma. A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. O imóvel onde João reside poderá ser penhorado para pagar a dívida, sendo essa uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Fundamento: art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90.

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

Espécies de bem de família No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família: a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil); b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90). Bem de família legal O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).

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Proteção conferida ao bem de família legal O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/90. Imagine a seguinte situação hipotética: João comprou uma casa antiga para reformar e passar a morar ali com a família. Ele contratou a empresa FB Engenharia para fazer a reforma. Vale ressaltar que o terreno é de propriedade de João, que se comprometeu, mediante contrato específico de empreitada global, a saldar a dívida contraída para a construção de sua moradia com recursos próprios, porém, mediante pagamento parcelado. A empresa terminou o serviço e João passou a residir no local. Ocorre que ele não pagou as últimas parcelas do contrato com a empresa e ficou devendo o valor de R$ 40 mil, materializado em notas promissórias. Diante disso, a empresa ajuizou execução de título extrajudicial contra João e o juiz determinou a penhora do imóvel onde o devedor reside. João apresentou exceção de pré-executividade alegando que o imóvel é bem de família e, portanto, impenhorável. A empresa contra argumentou afirmando que a dívida em questão se amolda à exceção legal prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

A questão chegou até o STJ. A penhora sobre o imóvel foi mantida? O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção de imóvel residencial pode ser considerada uma exceção legal à regra de impenhorabilidade do bem de família? SIM. Empreitada Empreitada é o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) se obriga, pessoalmente ou por meio de terceiros, sem subordinação ou dependência, porém mediante instruções, a realizar/executar certa obra para a outra (proprietário, comitente, dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, percebendo remuneração global ou proporcional ao trabalho executado. Modalidades Conforme o art. 610 do Código Civil, a empreitada pode ser de duas modalidades:

EMPREITADA

a) de mão de obra (também denominada de empreitada de lavor ou simples)

b) mista

O empreiteiro contribui somente com o seu trabalho, isto é, com a mão de obra, ficando os materiais sob responsabilidade do proprietário da edificação.

A empreitada mista compreende a mão de obra e o fornecimento de materiais pelo próprio empreiteiro.

Os riscos inerentes à execução da obra são assumidos pelo dono (art. 612 do CC).

Os riscos da execução recaem sobre esse último até a entrega efetiva da obra (art. 611).

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Operação de crédito com a construtora Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem: • Operação de crédito em sentido estrito (stricto sensu): decorrente de uma operação na qual a financiadora (ex: banco), mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para o financiado (ex: consumidor) a fim de que essa possa fazer a obra ou adquirir o imóvel; • Operação de crédito em sentido amplo: nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Não se trata de interpretação extensiva Vale ressaltar que essa conclusão não representa uma interpretação extensiva das exceções legais descritas no art. 3º. Na verdade, há o perfeito enquadramento (subsunção) da situação à hipótese prevista na lei. Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro. Em suma:

O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

Por favor, não confunda: Não é possível a penhora do bem de família para pagamento de despesas com a compra de materiais de construção, ainda que utilizados pelo devedor para a construção do imóvel onde reside:

A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, é taxativa, não permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida pelo referenciado diploma legal. STJ. 4ª Turma. AgRg no Ag 888.313/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 24/06/2008.

RESPONSABILIDADE CIVIL A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais

Importante!!!

O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).

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Trata-se daquilo que, nos Estados Unidos, ficou conhecido como “sham litigation” (litigância simulada), ou seja, a “ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.” (CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=13665&n=voc%C3%AA-sabe-o-que-%C3%A9-sham-litigation?)

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Pedro disputam, há cerca de 39 anos, uma grande Fazenda. Nesse período, Pedro já propôs quase 10 ações judiciais contra João questionando a posse e propriedade do imóvel. Todas as ações foram julgadas improcedentes e restou demonstrado que as demandas eram desprovidas de fundamentação idônea. Depois disso, João ajuizou ação de reparação de danos materiais e morais contra Pedro, alegando que o réu praticou contra ele “atos de assédio processual” que teriam, por consequência, privado o autor, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que é herdeiro. O pedido de João encontra amparo no ordenamento jurídico? É possível, em tese, reconhecer a prática de ato ilícito em um caso semelhante a esse? SIM. O abuso do direito de ação ou do direito de defesa pode configurar o chamado “assédio processual”, configurando ato ilícito. Vamos entender. Abuso de direito A figura do abuso de direito é mais conhecida e estudada no Brasil sob a perspectiva do direito material e, sobretudo, no âmbito do direito privado. O instituto é definido pelo art. 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Vale ressaltar, no entanto, que, embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. Nem todo abuso do direito de ação está tipificado nos arts. 77 a 81 do CPC/2015 Quando se fala em punição por ato abusivo no processo judicial, imediatamente se pensa nos arts. 77 a 81 do CPC/2015, que tratam sobre os deveres e as responsabilidades das partes por dano processual. Ocorre que não se pode afirmar que todas as descomposturas, chicanas e tramoias processuais estão apenas ali elencadas. Sham litigation É no direito anglo-saxão, mais especificamente nos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que encontramos fundamentos sólidos para se coibir o abusivo exercício do direito de peticionar e de demandar. Trata-se da proibição daquilo que se convencionou chamar de sham litigation. Mas o que é o sham litigation? “Prática conhecida nos Estados Unidos, a expressão Sham Litigation pode ser compreendida como ‘litigância simulada’. Trata-se de ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário, que não

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possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.” (CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=13665&n=voc%C3%AA-sabe-o-que-%C3%A9-sham-litigation? Acesso em 04/12/2019) Na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, podemos encontrar precedentes dizendo que se a parte ingressa com inúmeros processos infundados e repetitivos, isso é um forte indício de abuso de direito, razão pela qual essa conduta não está albergada pela imunidade constitucional ao direito de peticionar (California Motor Transport Co. v. Trucking Unlimited, 404 U.S. 508, 1972). Vale ressaltar que a doutrina da sham litigation se formou e consolidou com mais força no âmbito do direito concorrencial. A despeito disso, o raciocínio ali construído pode ser utilizado para se reconhecer e se reprimir também o abuso do direito de ação. Abuso do direito de ação é excepcional É importante, ressaltar, contudo, que o reconhecimento do eventual abuso do direito de ação deve ser sempre excepcional. Isso porque o acesso à justiça é um direito fundamental intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito. Logo, esse abuso deve ser reconhecido apenas quando isso estiver caracterizado estreme de dúvidas, ou seja, de forma muito explícita, sem contradições. Em suma:

O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICAS COMERCIAIS É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica

contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo

É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, pois, além de violar os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, a própria legislação já prevê mecanismos de punição daquele que incorre em mora.

Caso concreto: o Ministério Público ajuizou ACP contra determinada empresa de comércio varejista afirmando que o contrato de adesão que ela celebra com os consumidores seria abusivo por não conter uma cláusula penal prevendo multa para a empresa em caso de atraso na entrega dos produtos. Assim, na ação, o Parquet pediu que a empresa fosse condenada a incluir em seu contrato um prazo para cumprimento de entrega do produto e a previsão de multa moratória de 2% sobre o valor da venda para a hipótese de atraso. O STJ não concordou com o pedido do MP.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.656.182-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/09/2019 (Info 658).

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Imagine a seguinte situação hipotética: O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra determinada empresa de comércio varejista afirmando que o contrato de adesão que ela celebra com os consumidores seria abusivo por não conter uma cláusula penal prevendo multa para a empresa em caso de atraso na entrega dos produtos. Assim, na ação, o MP pediu que a empresa fosse condenada a incluir em seu contrato um prazo para cumprimento de entrega do produto e a previsão de multa moratória de 2% sobre o valor da venda para a hipótese de atraso. A questão chegou até o STJ por meio de recurso especial. O STJ concordou com o pedido formulado pelo MP? É possível que o Judiciário determine a inclusão de cláusula contratual prevendo multa moratória em contratos de consumo? NÃO.

É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo. STJ. 2ª Seção. REsp 1.656.182-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/09/2019 (Info 658).

No direito do consumidor, existe uma relativização da liberdade contratual É fato que um dos objetivos do CDC é reequilibrar as relações de consumo, reconhecendo a posição de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor. Para fazer esse equilíbrio, a legislação prevê diversas regras que tratam sobre a nulidade de cláusulas em contratos de consumo. Como exemplo, podemos citar o art. 51 do CDC, que dispõe: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:”. Pode-se dizer que existe, portanto, uma relativização da liberdade contratual no âmbito das relações de consumo. Assim, nas relações de consumo, o princípio do pacta sunt servanda é aplicado até o momento em que se detecta a presença de alguma cláusula abusiva ao consumidor. Se isso for percebido, essa cláusula deverá ser reconhecida como nula. Relativização não significa a sua extinção Deve-se ter em mente, no entanto, que a relativização desse princípio não significa sua extinção. Dessa forma, enquanto não houver abusos, fornecedores e consumidores possuem uma grande margem de liberdade para a celebração do contrato. Situação não se amolda a nenhuma das hipóteses do art. 51 O art. 51 do CDC traz um rol aberto de cláusulas abusivas. Apesar disso, o fato de o contrato desta empresa não prever expressamente uma cláusula penal para o caso de ela atrasar na entrega do produto não configura, em princípio, abusividade. Legislação prevê que o vendedor deve cumprir sua obrigação, sob pena de multa O vendedor do produto está obrigado a prestar seu serviço no tempo, lugar e forma contratados, e, acaso incorra em mora, deverá responder pelos respectivos prejuízos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado. Isso já está previsto nos arts. 394 e 395 do Código Civil. A ausência dessa previsão no contrato não exime o fornecedor dessa obrigação legal. Assim, a 3ª Turma do STJ concluiu que é indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, pois, além de violar os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, a própria legislação já prevê mecanismos de punição daquele que incorre em mora.

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DIREITO EMPRESARIAL

PATENTE Os “privilégios do agricultor”, previstos no art. 10 da Lei nº 9.456/97,

não se aplicam para o caso de processo de inserção do gene na semente da soja

As limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei nº 9.456/97 - aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares - não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.610.728-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/10/2019 (Tema IAC 4) (Info 658).

O que é uma cultivar? Uma “cultivar” ocorre quando uma pessoa (física ou jurídica) consegue obter uma variedade cultivada de planta por meio de técnicas de melhoramento genético. Veja o conceito legal de cultivar:

Lei nº 9.456/97: Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei: (...) IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;

O que é proteção de cultivares? Proteção de Cultivares é uma forma de propriedade intelectual pela qual os melhoristas de plantas podem proteger suas novas cultivares, obtendo determinados direitos exclusivos sobre elas. Para você entender melhor: • o autor de uma invenção ou modelo de utilidade tem o direito de obter uma patente protegendo seus direitos na forma da Lei nº 9.279/96; • o autor de uma cultivar (chamado de “melhorista”) também tem o direito de ser resguardado pelo seu trabalho de pesquisa e, para isso, existe a proteção de cultivares, disciplinada pela Lei nº 9.456/97. Se você se interessar em aprofundar, no site do Ministério da Agricultura existe uma seção de perguntas e respostas sobre o tema (http://www.agricultura.gov.br/). Veremos abaixo algumas outras informações que serão necessárias para entendermos o julgado. Qual é o objetivo da Proteção de Cultivares? O melhoramento de plantas exige habilidade e conhecimentos específicos. Assim, para fazer o melhoramento de uma planta, é necessário um grande investimento de recursos para a aquisição de instalações apropriadas (com estufas, casas de vegetação etc.), de equipamentos de laboratório, além da contratação de mão-de-obra qualificada com a participação de uma equipe multidisciplinar de profissionais. Além disso, em regra, leva-se muito tempo para se conseguir obter uma nova cultivar. Para se ter uma ideia, o melhoramento de uma cultivar de arroz ou feijão leva, em média, de 8 a 12 anos de pesquisas, testes, aprovações etc.

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Desse modo, é imprescindível garantir que a pessoa que se dispõe a fazer esses investimentos possa, durante certo tempo, ter o direito de explorar, com exclusividade, essa “invenção” (rectius: cultivar). Se o melhorista não tivesse esse direito, ele não se sentiria estimulado a investir tempo e dinheiro nessas pesquisas porque, mesmo que conseguisse desenvolver uma melhoria, não teria retorno econômico, já que outras pessoas poderiam facilmente reproduzi-la sem lhe pagar nada em troca. As cultivares são importantes para melhorar a produtividade dos cultivos, fazendo com que se consiga produzir mais alimentos, com um menor custo, de forma que mais pessoas possam comer pagando menos por isso. Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97) Pensando nisso, com o objetivo de estimular os estudos, pesquisas e melhorias no campo, o Governo editou a Lei de Proteção de Cultivares – LPC (Lei nº 9.456/97). Quem é o órgão responsável pela Proteção de Cultivares no Brasil? O órgão competente para a aplicação da Lei de Proteção de Cultivares (LPC) é o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Quais os critérios para uma cultivar ser protegida? Os requisitos necessários para uma cultivar ser protegida no Brasil são: a) ser produto de melhoramento genético; b) ser de uma espécie passível de proteção no Brasil; c) não haver sido oferecida à venda ou comercializada no exterior há mais de 4 anos, ou há mais de 6 anos, no caso de videiras ou árvores; d) não haver sido oferecida à venda ou comercializada no Brasil há mais de 12 meses; e) possuir denominação apropriada; f) ser claramente distinta das demais cultivares existentes; g) ser homogênea; e h) ser estável. Quanto tempo dura a proteção de uma cultivar? • 18 anos para cultivares de espécies arbóreas e videiras; e • 15 anos para as demais espécies.

Esses prazos são contados a partir da concessão do Certificado Provisório de Proteção. Certificado de Proteção de Cultivar Cumpridos os requisitos previstos na LPC, o requerente receberá um Certificado de Proteção de Cultivar, que garante ao titular os direitos sobre o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta pelo prazo legal. Durante esse prazo, a produção com finalidade comercial, o oferecimento à venda ou a comercialização do material de propagação da cultivar (tais como sementes, mudas, tubérculos, estacas, brotos) dependem de autorização prévia do titular do certificado. Veja a redação do art. 9º da LPC:

Art. 9º A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de proteção, a produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a comercialização, do material de propagação da cultivar, sem sua autorização.

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Cuidado com os microorganismos transgênicos Vimos acima que a proteção da propriedade intelectual sobre variedades vegetais (cultivares) é regulada pela Lei nº 9.456/97. Existe, contudo, uma situação que confunde muitas pessoas: o caso dos microorganismos transgênicos. O art. 18, III, da Lei nº 9.279/96 admite a patente de microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade: • novidade; • atividade inventiva e • aplicação industrial. Assim, os microrganismos transgênicos constituem os “únicos elementos constitutivos de seres vivos que, pela lei brasileira, serão objeto de patente contendo reivindicação de produto” (BARBOSA, Pedro M. N. e BARBOSA, Denis Borges. O Código da Propriedade Industrial conforme os Tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, vol. I, p. 259). Desse modo, os processos e produtos biotecnológicos (microrganismos transgênicos) são protegidos pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). Imagine agora a seguinte situação adaptada: A empresa Monsanto desenvolveu, por meio de melhoramentos genéticos, uma semente de soja tolerante a herbicidas, tendo denominado de “Roundup Ready” (soja RR). O sindicato de produtores rurais ajuizou ação coletiva contra a Monsanto, com o objetivo de que o Poder Judiciário declarasse que os sojicultores brasileiros (produtores de soja) têm o direito de... • reservar sementes transgênicas da soja Roundup Ready (soja RR) para replantio; • vender a produção como alimento ou como matéria-prima; e • quanto aos pequenos produtores rurais, de doar ou trocar as sementes reservadas. Tudo isso sem ter que pagar royalties, taxa tecnológica ou indenização para a Monsanto. Privilégio do agricultor Para o sindicato, a prática dessas condutas independe do pagamento de qualquer valor à Monsanto porque se enquadra naquilo que é chamado de “privilégio do agricultor”. O privilégio do agricultor é uma exceção à Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97), ou seja, confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial, à variedade vegetal protegida. Os chamados privilégios do agricultor estão previstos no art. 10 da Lei nº 9.456/97:

Art. 10. Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que: I - reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em estabelecimento de terceiros cuja posse detenha; II - usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio, exceto para fins reprodutivos; III - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica; IV - sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou troca, exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas de financiamento ou de apoio a pequenos produtores rurais, conduzidos por órgãos públicos ou organizações não-governamentais, autorizados pelo Poder Público. V - multiplica, distribui, troca ou comercializa sementes, mudas e outros materiais propagativos no âmbito do disposto no art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, na qualidade de agricultores familiares ou por empreendimentos familiares que se enquadrem nos critérios da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018)

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Contestação A Monsanto contestou o pedido afirmando que ela tem o direito de cobrar pela utilização da “Roundup Ready” e que essa cobrança não ocorre por força da Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97) e sim por conta da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), considerando que o produto da soja RR está protegido, específica e comprovadamente, por meio de patentes devidamente expedidas pelo INPI, devendo, assim, ser respeitados os direitos de seus titulares previstos na lei de regência. Em palavras mais simples, a Monsanto alegou que a “Roundup Ready”, além de ser uma cultivar, também é um produto objeto de patente, o que foi conferido pelo INPI. Logo, mesmo que se invoque o privilégio do agricultor (art. 10 da Lei nº 9.456/97), a Monsanto ainda poderia cobrar os valores por força da patente concedida com base na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). A questão chegou até o STJ. Como o tema é complexo, vamos verificar com muita calma o que foi decidido. Primeira pergunta: em tese, é possível conferir proteção simultânea - pelos institutos da patente de invenção (Lei nº 9.279/96) e da proteção de cultivares (Lei nº 9.456/97) a um mesmo produto? É possível a chamada dupla proteção? NÃO. Patentes e proteção de cultivares são dois institutos que protegem direitos de propriedade intelectual. No entanto, são institutos distintos, que não se confundem e que protegem bens intangíveis distintos. O art. 2º da Lei nº 9.456/97 proíbe a chamada “dupla proteção”, ou seja, proíbe que uma mesma variedade vegetal seja protegida simultaneamente por patente e por direito de proteção de cultivares. Veja:

Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País.

Essa proibição de dupla proteção decorre, inclusive, de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse sentido, cite-se o artigo 2, 1, da Convenção internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais (Decreto nº 3.109/99), que diz:

1. Cada Estado da União pode reconhecer o direito do obtentor previsto pela presente Convenção, mediante a outorga de um título especial de proteção ou de uma patente. Porém, um Estado da União, cuja legislação nacional admite a proteção em ambas as formas, deverá aplicar apenas uma delas a um mesmo gênero ou a uma mesma espécie botânica.

Assim, “a proteção de uma variedade de planta por cultivar exclui a proteção do mesmo objeto por patente” (BARBOSA, Denis Borges. Tratado de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 234). No caso da “Roundup Ready”, a patente não está protegendo a variedade vegetal, mas sim o processo de inserção do gene na semente da soja No caso em julgamento, o STJ deu razão à Monsanto porque entendeu que não estamos diante da dupla proteção, considerando que a patente não foi concedida em relação à soja (variedade vegetal). A patente concedida diz respeito à tecnologia que a Monsanto desenvolveu para inserir o gene na semente de soja. Assim, a patente de que goza a Monsanto não protege a variedade vegetal, mas sim o processo de inserção e o próprio gene inoculado na semente de soja. As plantas e os animais superiores não podem ser objeto de patente no Brasil. No entanto, as tecnologias relacionadas à manipulação genética envolvendo microorganismos podem sim ser patenteadas, sendo esse o caso da Roundup Ready.

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Princípio da exaustão Segundo o art. 43, IV, da Lei nº 9.279/96, as pessoas podem usar o produto patenteado que haja sido introduzido licitamente no comércio por seu próprio detentor ou por seu licenciado. É a positivação do que se convencionou chamar de “princípio da exaustão”. Isso significa que se o titular da patente auferiu benefício econômico vendendo ou autorizando a venda do produto, ele não pode impedir que a pessoa que o adquiriu licitamente utilize o produto, salvo se o adquirente estiver utilizando o produto para competir com o titular da patente. Assim, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem. Princípio da exaustão não se aplica quando o produto patenteado seja utilizado para multiplicação ou propagação de matéria viva Vale ressaltar, contudo, que a parte final do inciso VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser “utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”:

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. (...) Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica: (...) VI - a terceiros que, no caso de patentes relacionadas com matéria viva, utilizem, ponham em circulação ou comercializem um produto patenteado que haja sido introduzido licitamente no comércio pelo detentor da patente ou por detentor de licença, desde que o produto patenteado não seja utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa.

Logo, os agricultores representados pelo sindicato não possuem o direito de reservar o produto da soja RR (que contém tecnologia patenteada pela Monsanto) para replantio e posterior comercialização, também não podendo doar ou trocar essas sementes, considerando que isso violaria a parte final do inciso VI do art. 43 da LPI. O “privilégio do agricultor” previsto na LPC não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial. Tese fixada pelo STJ:

As limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei nº 9.456/97 - aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares - não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais. STJ. 2ª Seção. REsp 1.610.728-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/10/2019 (Tema IAC 4) (Info 658).

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TÍTULOS DE CRÉDITO É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito

Importante!!!

O cheque é um título de crédito. Logo, submete-se aos princípios da literalidade, da abstração, da autonomia das obrigações cambiais.

Uma das decorrências da autonomia é o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85):

Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

Assim, em regra, o emitente do cheque não pode invocar exceções pessoais contra o terceiro de boa-fé que recebeu o título. Ex: o emitente não pode deixar de pagar ao terceiro de boa-fé que recebeu o cheque por endosso alegando que o endossatário (destinatário original do cheque) não cumpriu sua obrigação contratual.

Essa regra, contudo, não se aplica no caso de cheque prescrito.

É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito. Isso porque se o cheque está prescrito, ele perde as suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Assim, como o cheque prescrito perde a autonomia, não se aplica mais o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé previsto no art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

NOÇÕES GERAIS SOBRE CHEQUE

O que é o cheque? O cheque é... - uma ordem de pagamento à vista - que é dada pelo emitente do cheque - em favor do indivíduo que consta como beneficiário no cheque (ou seu portador) - ordem essa que deve ser cumprida por um banco - que tem a obrigação de pagar a quantia escrita na cártula - em razão de o emitente do cheque ter fundos (dinheiro) depositados naquela instituição financeira. “Trata-se de uma ordem de pagamento, na medida em que seu criador não promete efetuar pessoalmente o pagamento, mas promete que terceiro irá efetuar esse pagamento. Esse terceiro deverá ser um banco, no qual o criador do cheque deverá ter fundos disponíveis. À luz desses fundos, o banco efetuará o pagamento das ordens que lhe forem sendo apresentadas, vale dizer, o cheque se tornará exigível sempre no momento em que for apresentado ao sacado (vencimento sempre à vista).” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Vol. 2. São Paulo: Atlas, 2011, p. 218). Personagens a) emitente (sacador): aquele que dá a ordem de pagamento; b) sacado: aquele que recebe a ordem de pagamento (o banco); c) beneficiário (tomador, portador): é o favorecido da ordem de pagamento, ou seja, aquele que tem o direito de receber o valor escrito no cheque. Título executivo

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O cheque é título executivo extrajudicial (art. 784, I, do CPC 2015). Assim, se não for pago, o portador do cheque poderá ajuizar ação de execução contra o emitente e eventuais codevedores (endossantes, avalistas). Essa ação de execução é conhecida como “ação cambial”. O que é o chamado “prazo de apresentação do cheque”? É o prazo de que dispõe o portador do cheque para apresentá-lo ao banco sacado, a fim de receber o valor determinado na cártula. Ex: João passa um cheque de 2 mil reais para Eduardo. O prazo de apresentação é o tempo que Eduardo tem para levar o cheque ao banco e receber o valor. O prazo de apresentação começa a ser contado da data da emissão do cheque. De quanto é o prazo de apresentação?

30 dias Se o cheque é da mesma praça do pagamento (município onde foi assinado é o município da

agência pagadora).

60 dias Se o cheque for de praça diferente

(município onde foi assinado é diferente do município da agência pagadora).

O prazo será de 30 dias se o local da emissão do cheque (preenchido pelo emitente) for o mesmo lugar do pagamento (local da agência pagadora impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o cheque é da mesma praça (mesmo município). Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo (SP), o emitente datou e assinou São Paulo (SP) como local da emissão.

O prazo será de 60 dias se o local da emissão do cheque (preenchido pelo emitente) for diferente do lugar do pagamento (local da agência pagadora impressa no cheque). Nesse caso, diz-se que o cheque é de outra praça. Ex: em um cheque de uma agência de São Paulo (SP), o emitente datou e assinou Manaus (AM) como local da emissão.

Se o beneficiário apresenta o cheque ao banco mesmo após esse prazo, haverá pagamento? SIM, mesmo após o fim do prazo de apresentação, o cheque pode ser apresentado para pagamento ao sacado, desde que não esteja prescrito. Então para que serve esse prazo de apresentação? A doutrina aponta três finalidades: 1) O fim do prazo de apresentação é o termo inicial do prazo prescricional da execução do cheque. 2) Só é possível executar o endossante do cheque se ele foi apresentado para pagamento dentro do

prazo legal. Se ele foi apresentado após o prazo, o beneficiário perde o direito de executar os codevedores. Poderá continuar executando o emitente do cheque e seus avalistas. Súmula 600-STF: Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária.

3) O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil ou não comprovar a recusa de pagamento perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de

apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável (art. 47, § 3º, da Lei n. 7.357/85).

Qual é o prazo prescricional para a execução do cheque? 6 meses, contados do fim do prazo de apresentação do cheque. Atente-se que o prazo prescricional somente se inicia quando termina o prazo de apresentação, e não da sua efetiva apresentação ao banco sacado. Logo, os seis meses iniciam-se com o fim do prazo de 30 dias (mesma praça) ou com o término do prazo de 60 dias (se de praças diferentes). Mesmo estando o cheque prescrito, ainda assim será possível a sua cobrança?

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SIM. Com o fim do prazo de prescrição, o beneficiário não poderá mais executar o cheque. Diz-se que o cheque perdeu sua força executiva. No entanto, mesmo assim, o beneficiário poderá cobrar o valor desse cheque por outros meios, quais sejam: 1) Ação de enriquecimento sem causa (“ação de locupletamento”): prevista no art. 61 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85). Essa ação tem o prazo de 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva. 2) Ação de cobrança (ação causal): prevista no art. 62 da Lei do Cheque. O prazo é de 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, CC. 3) Ação monitória. Desse modo, estando o cheque prescrito (sem força executiva), ele poderá ser cobrado do emitente por meio de ação monitória? SIM. O beneficiário do cheque poderá ajuizar uma ação monitória para cobrar do emitente o valor consignado na cártula. Existe até uma súmula que menciona isso: Súmula 299-STJ: É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito. Características do cheque enquanto título de crédito O cheque é um título de crédito. Logo, submete-se aos princípios da literalidade, da abstração, da autonomia das obrigações cambiais e da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé. a) Literalidade: os direitos resultantes do título são válidos pelo que nele se contém, mostrando-se ineficazes, do ponto de vista cambiário, escritos (como a quitação, o aval e o endosso) que não estejam na própria cártula. Existe uma frase que espelha este princípio: “O que não está escrito no título não existe no mundo cambiário”. b) Autonomia: o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser atrapalhado por conta de relações jurídicas anteriores entre o devedor e antigos possuidores do título. Assim, o possuidor de boa-fé do título de crédito não tem nada a ver com o fato de o título ter vícios ou defeitos anteriores. Se ele é o atual possuidor e está de boa-fé, tem direito ao crédito (obs: existem algumas exceções ao princípio da autonomia, que não interessam no momento). c) Abstração: os títulos de crédito, quando circulam, ficam desvinculados da relação que lhe deu origem. Ex: João comprou um notebook de Ricardo, entregando-lhe uma nota promissória. Ricardo endossou a nota promissória para Rui. Ricardo acabou nunca levando o computador para João. Rui (que estava de boa-fé) poderá cobrar de João o crédito constante da nota promissória e o fato do contrato não ter sido cumprido não poderá ser invocado para evitar que João pague o débito. Isso porque, como o título circulou, ele já não tem mais nenhuma vinculação com o negócio jurídico que lhe deu origem. Os princípios acima elencados têm por objetivo conferir segurança jurídica ao tráfego comercial e à circulação do crédito. Se a pessoa que recebeu um título de crédito (aparentemente válido) pudesse ficar sem o dinheiro por força de vícios anteriores ou por conta de uma quitação que não consta na cártula, isso geraria um enorme risco ao portador, o que desestimularia as pessoas a aceitarem títulos de crédito. OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO PESSOAL AO PORTADOR DE CHEQUE PRESCRITO

Imagine a seguinte situação hipotética: Maria contratou João para fazer os móveis de sua casa. Ficou combinado que Maria iria pagar R$ 10 mil em 5 cheques “pré-datados” (pós-datados) de R$ 2 mil, que deveriam ser descontados um em cada mês. João não entregou os móveis e sumiu, razão pela qual Maria determinou ao banco a sustação dos cheques, nos termos do art. 36 da Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque):

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Art. 36. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.

Ação monitória proposta por terceiro de boa-fé O que fez João? Repassou os cheques, como forma de pagamento, para Pedro. Assim, Pedro adquiriu, de boa-fé, os cheques de João por meio de endosso. Pedro tentou sacar os cheques, mas não conseguiu recebê-los em virtude de estarem sustados. Diante disso, Pedro procurou um advogado para saber sobre seus direitos. O advogado verificou que Pedro demorou muito para agir e, portanto, os cheques já estavam prescritos. Mesmo assim, o advogado disse que tinha uma solução: Pedro poderia ajuizar uma ação monitória contra Maria, a emitente dos cheques. Assim, Pedro, portador das cártulas já prescritas, ingressou com ação monitória contra Maria. Contestação Maria contestou a demanda alegando que os cheques foram emitidos para pagamento de um serviço que não foi realizado. Assim, como a parte contratada não cumpriu sua obrigação, ela afirmou que tem o direito de sustar os cheques e não pagar a quantia que está ali prevista. O que Maria alegou foi aquilo que, em direito cambiário, é chamado de “exceção pessoal”. Abrindo um parêntese para explicar o que são “exceções pessoais” Juridicamente, um dos sentidos da palavra “exceção” é o de defesa. Assim, o termo “exceção” pode ser utilizado como sinônimo de defesa em alguns casos. Em direito cambiário, quando falamos em “exceções pessoais”, estamos querendo dizer que são defesas que a pessoa que emitiu o título de crédito possui em relação àquele em favor de quem foi emitido o título de crédito. Ex: Pedro quer comprar um celular de Mário e emite uma nota promissória. A origem da nota promissória é a compra e venda (trata-se da causa subjacente/causa debendi). O celular apresenta vício e, por isso, Pedro não paga o valor da nota promissória e devolve o celular. Se Mário executar essa nota promissória, Pedro poderá invocar, como exceção pessoal, que a causa subjacente não se concretizou. Trata-se de uma exceção pessoal do emitente em relação ao beneficiário do título. As exceções pessoais podem ser invocadas (alegadas) pelo emitente para deixar de pagar o beneficiário do título. No entanto, em regra, as exceções pessoais não podem ser utilizadas contra pessoas de boa-fé que receberam o título. Isso está previsto no art. 916 do Código Civil:

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

Assim, se Mário já havia passado a nota promissória para Juliana, uma terceira pessoa, e ela estava de boa-fé, Juliana poderá executar o título cobrando o valor de Pedro. Este, coitado, ficará com o celular quebrado e terá que pagar o valor do título para Juliana. Obviamente que, depois, Pedro poderá tentar cobrar de Mário aquilo que foi pago. No entanto, repito, não poderá invocar contra Juliana sua exceção pessoal porque o título circulou e agora encontra-se com alguém considerado terceiro de boa-fé. Fechando o parêntese e voltando ao caso concreto: Pedro contra argumentou dizendo que Maria não pode invocar essa exceção pessoal porque o cheque é um título de crédito e ele (Pedro) é terceiro de boa-fé.

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Logo, deve ser aplicado ao caso concreto, o princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85):

Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

Quem tem razão neste caso: Pedro ou Maria? Maria. De fato, o cheque, por ser um título de crédito, é regido pelo princípio da autonomia. Uma das decorrências da autonomia é o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85). Justamente por conta disso, a jurisprudência afirma que o devedor somente pode opor ao portador do cheque exceções fundadas na relação pessoal com o próprio portador ou em aspectos formais e materiais do título, a não ser que constatada a má-fé deste. Logo, se não for caracterizada a ma-fé do portador, deve ser preservada a autonomia do título cambial. Peculiaridade do caso: os cheques já estavam prescritos No caso concreto, os cheques que embasaram o ajuizamento da ação monitória já estavam prescritos. Vimos acima que, mesmo o cheque estando prescrito, ele pode ser cobrado. No entanto, se o cheque está prescrito, ele perde as suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Assim, como o cheque prescrito perdeu a autonomia, não se aplica mais o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, previsto no art. 25 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85). Na prática, isso significa que o réu da ação monitória – que está sendo cobrado pelo cheque prescrito – poderá sim opor exceções pessoais, ou seja, argumentos de defesa baseados na relação pessoal que ele (devedor) tinha com o destinatário do cheque, ainda que esse cheque agora esteja sendo cobrado por um terceiro de boa-fé. Em suma:

É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

Por favor, não confunda com esse julgado:

Cheque sustado pode ser levado a protesto por endossatário terceiro de boa-fé. É possível o protesto de cheque, por endossatário terceiro de boa-fé, após o decurso do prazo de apresentação, mas antes da expiração do prazo para ação cambial de execução, ainda que, em momento anterior, o título tenha sido sustado pelo emitente em razão do inadimplemento do negócio jurídico subjacente à emissão da cártula. STJ. 4ª Turma. REsp 1124709-TO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/6/2013 (Info 528).

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ECA

ADOÇÃO A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA,

não é absoluta e pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade

Importante!!!

Segundo o § 3º do art. 42, do ECA, o adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.

Assim, a diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção. Vale ressaltar, no entanto, que esse parâmetro legal pode ser flexibilizado à luz do princípio da socioafetividade.

A adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.

Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

Conceito de adoção Adoção é um ato jurídico em sentido estrito, que depende sempre de uma decisão judicial constitutiva, por meio do qual se cria um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho(a) ou de mãe e filho(a) e cujos efeitos são exatamente os mesmos decorrentes de uma filiação biológica. Regime jurídico A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pelo ECA. No que tange à adoção de pessoas maiores de 18 anos, o Código Civil prevê o seguinte:

Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

Como o Código Civil não trata atualmente quase nada sobre o tema, a adoção de pessoas maiores de 18 anos também acaba observando as regras trazidas pelo ECA. Capacidade para adotar Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil. Segundo o § 3º do art. 42, do ECA, o adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho do que o adotando. Ex.: se o adotando tiver 4 anos, o adotante deverá ter, no mínimo, 20 anos.

Art. 42 (...) § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

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Esse requisito do § 3º do art. 42 do ECA é absoluto ou pode ser relativizado? Pode ser relativizado.

A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

No caso concreto julgado pelo STJ, o padrasto queria adotar a sua enteada, com quem convivia há muitos anos como sua filha. Ocorre que o padrasto é apenas 15 anos e 9 meses mais velho que a sua enteada. Em razão disso, o juiz não aceitou o pedido de adoção. A questão chegou até o STJ, que deu provimento ao recurso para admitir a adoção. Realmente, a diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA). No entanto, a adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção. No caso concreto, o adotante e a adotada conviviam juntos como pai e filha há muitos anos.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

IRDR Não cabe a instauração de IRDR se, quando a parte requereu o incidente, o Tribunal já havia julgado

o mérito do recurso e estava pendente agora apenas os embargos de declaração contra a decisão

Não caberá a instauração de IRDR se já encerrado o julgamento de mérito do recurso ou da ação originária, mesmo que pendente de julgamento embargos de declaração.

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.470.017-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR)

Ideia geral do IRDR É muito comum, na prática, que um determinado tema jurídico esteja sendo discutido simultaneamente em centenas ou milhares de processos. No passado, esses processos eram julgados individualmente, o que gerava enormes custos e o risco de decisões diferentes para uma mesma controvérsia jurídica. Pensando nisso, o CPC/2015 criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Assim, quando o juiz, o relator no Tribunal, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo também se repete em inúmeros outros, será possível pedir a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Isso significa que todos os processos que tratam sobre aquele assunto ficarão suspensos até que o Tribunal defina a tese jurídica e, em seguida, ela será aplicada para todos esses feitos que se encontravam sobrestados. Isso gera eficiência e minimiza o risco de decisões diferentes para situações semelhantes.

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Essa sistemática já não era prevista para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos? Os arts. 543-B e 543-C do CPC/1973 previam uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tivessem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041. Desse modo, existe sim uma sistemática parecida para o procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto. Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE). Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial/extraordinário. Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central. Se o Ministro do STJ ou do STF, ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (art. 1.037 do CPC/2015). Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II). O STJ/STF irá julgar o recurso especial/extraordinário que foi submetido ao regime de recurso repetitivo e definirá a tese jurídica para aquela controvérsia. Essa tese jurídica será aplicada para todos recursos que ficaram suspensos nos TJ’s ou TRF’s. Desse modo, o IRDR é parecido sim com a sistemática do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. No entanto, no caso dos recursos repetitivos, exige-se que a questão já tenha chegado ao STJ ou STF por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. O IRDR, por sua vez, pode ser instaurado antes de o tema chegar aos Tribunais Superiores. Conforme se extrai da exposição de motivos do CPC/2015, o novo instituto – que é inspirado no direito alemão – foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores relativamente aos recursos repetitivos. Requisitos para a instauração de IRDR (art. 976) É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: 1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e 2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Há ainda um pressuposto negativo previsto no § 4º do art. 976, que é a inexistência de afetação de recurso repetitivo pelos tribunais superiores no âmbito de sua respectiva competência para a definição de tese sobre a questão de direito objeto do IRDR:

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

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Legitimidade para requerer a instauração (art. 977) O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou relator, por meio de ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. Competência Em regra, o IRDR será julgado pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal. É possível, no entanto, que seja instaurado um IRDR diretamente no STJ nos casos de: • competência recursal ordinária (art. 105, II, da CF/88); e de • competência originária (art. 105, I, da CF/88). Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ:

O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC. STJ. Corte Especial. AgInt na Pet 11.838/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/08/2019.

Logo, não cabe IRDR no STJ caso este Tribunal esteja apreciando um recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Isso porque, neste caso, já existe um outro mecanismo que cumpre essa função, qual seja, o recurso especial repetitivo (art. 976, § 4º do CPC). Falando agora da competência interna, o IRDR será julgado pelo órgão do Tribunal que for responsável pela uniformização de jurisprudência, segundo as regras do regimento interno. Ex: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a competência para julgar o IRDR é da Câmara de Uniformização (art. 18, I, do RITJDFT). Esse órgão colegiado incumbido de julgar o IRDR e fixar a tese jurídica será também competente para julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente. Incidente deverá ser bem divulgado para permitir participação de interessados (art. 979) A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao CNJ para inclusão no cadastro. Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados. Incabível o incidente se o STF ou STJ já tiver afetado o tema para julgamento como recurso especial ou extraordinário repetitivo

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É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. Procedimento 1) Pedido de instauração Se o juiz, o relator, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo que está em 1ª ou 2ª instâncias também se repete em inúmeros outros processos, ele poderá pedir ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. 2) Juízo de admissibilidade (art. 981) Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976: • efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e • risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. 3) Se o incidente não for admitido Se o IRDR não foi admitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade, isso não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado. 4) Se o incidente for admitido (art. 982) Se o Tribunal admitir o processamento do IRDR, o relator: I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias; III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. Cessa a suspensão se o incidente for julgado e, contra essa decisão, não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário. 5) Possibilidade de suspensão nacional dos processos Visando à garantia da segurança jurídica, a parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá requerer, ao STF ou ao STJ, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer essa suspensão nacional. 6) Desistência ou abandono do processo Depois que o IRDR for suscitado, ainda que a parte desista ou abandone o processo que deu causa ao incidente, este IRDR terá o seu mérito apreciado. Para isso, o Ministério Público deverá assumir a titularidade em caso de desistência ou de abandono. 7) Oitiva de partes, interessados e do MP (art. 983)

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O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia que, no prazo comum de 15 dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida. Em seguida, deverá ser ouvido o Ministério Público, também no prazo de 15 dias. Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente. 8) Audiência pública Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria. 9) Data para julgamento Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. 10) Prazo para julgamento O incidente será julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980). Se o IRDR não for julgado neste prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário. 11) Ordem no julgamento (art. 984) No julgamento do incidente, deverá ser observada a seguinte ordem: I - o relator fará a exposição do objeto do incidente; II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente: a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos; b) os demais interessados, no prazo de 30 minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 dias de antecedência. Obs.: considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado. Necessidade de análise de todos os argumentos: segundo o § 2º do art. 984, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários. 12) Custas Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas. Tese jurídica (art. 985) Julgado o incidente, será definida uma tese jurídica, que será aplicada: I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. Tese jurídica envolvendo serviço concedido, permitido ou autorizado Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, § 2º).

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Descumprimento da tese jurídica Não observada a tese fixada no IRDR, caberá reclamação (985, § 1º). Revisão da tese jurídica fixada (art. 986) É possível a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Essa revisão deverá ser feita pelo mesmo tribunal que fixou a tese, de ofício ou mediante requerimento do MP ou da Defensoria Pública. Recurso contra o julgamento do IRDR (art. 987) Do julgamento do mérito do incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, conforme seja caso de matéria constitucional ou infraconstitucional. Atenção: o recurso tem efeito suspensivo. No caso de recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou o IRDR, fica presumida a repercussão geral da questão constitucional. Decisão do STF ou STJ que julgou o recurso contra o julgamento do IRDR Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. NÃO CABE IRDR SE O RECURSO JÁ FOI JULGADO

A situação concreta foi a seguinte: O Estado de São Paulo ajuizou execução fiscal contra a empresa COSAN S/A. A devedora foi citada e apresentou, em juízo, seguro-garantia. Como o débito tributário estava garantido, o juiz determinou que o Estado retirasse o nome da empresa do CADIN Estadual (cadastro dos devedores do Fisco). O Estado interpôs agravo de instrumento. O TJ/SP deu provimento ao agravo, decidindo que o nome da devedora só poderia sair do CADIN Estadual se tivesse havido a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Ocorre que as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão previstas no art. 151 do CTN e nelas não se inclui o mero oferecimento de seguro-garantia. Diante disso, a empresa tomou duas providências: • opôs embargos de declaração contra o acórdão; • requereu a instauração do IRDR a fim de fazer prevalecer a tese jurídica de que pode ser determinada a retirada do nome do devedor do CADIN Estadual quando ele apresentar garantia idônea (como o seguro-garantia). O processamento deste IRDR foi admitido? NÃO.

Não cabe a instauração de IRDR se já foi encerrado o julgamento de mérito do recurso ou da ação originária, mesmo que pendente de julgamento embargos de declaração. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.470.017-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 15/10/2019 (Info 658).

Para se admitir o cabimento do IRDR, é necessário que ainda esteja pendente de julgamento, no tribunal, um recurso ou uma ação originária. Se já foi encerrado o julgamento do mérito do recurso, não caberá mais a instauração do IRDR, senão em outra causa pendente, porém não mais naquela que já foi julgada. Nesse sentido, é o enunciado 344 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal”. No mesmo sentido, é a lição da doutrina:

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“Caberá o IRDR, se estiver pendente de julgamento no tribunal uma apelação, um agravo de instrumento, uma ação rescisória, um mandado de segurança, enfim, uma causa recursal ou originária. Se já encerrado o julgamento, não cabe mais o IRDR. Os interessados poderão suscitar o IRDR em outra causa pendente, mas não naquela que já foi julgada.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 625).

No caso concreto, o agravo de instrumento não poderia mais ser considerado como apto à formação do IRDR, considerando que não havia mais pendência do agravo para fins de admissibilidade do incidente. Isso porque o que pendia era apenas o julgamento dos embargos declaratórios, que possuem caráter meramente integrativo. A oposição dos embargos de declaração permite, em regra, apenas a integração do julgado. Mesmo que não se tenha pronunciamento definitivo do tribunal e ainda que haja a possibilidade de atribuição de efeitos infringentes, é certo que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e apenas interrompem o prazo para a interposição dos recursos cabíveis. A pendência do julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão do agravo de instrumento revela um momento processual em que já houve quase que o esgotamento da apreciação do mérito. Trata-se de momento inadequado para a formação do precedente do IRDR. Inserido no microssistema de formação concentrada de precedente obrigatório (arts. 489, § 1º, 984, § 2º, e 1.038, § 3º, CPC/2015), o IRDR extrai sua legitimidade jurídica não apenas de simples previsão legal. Afastando-se de um mero processo de partes (destinado à decisão de um conflito singular), ostenta natureza de processo objetivo, em que legitimados adequados previstos em lei requerem a instauração de incidente cuja função precípua é permitir um ambiente de pluralização do debate, em que sejam isonomicamente enfrentados todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida; bem como seja ampliado e qualificado o contraditório, com possibilidade de audiências públicas e participação de amicus curiae (arts. 138, 927, § 2º, 983, 1.038, I e II, do CPC/2015). Tendo em vista a concepção dinâmica do contraditório como efetiva oportunidade de influenciar a decisão no procedimento (arts. 10 e 489, § 1º, do CPC/2015), o diferimento da análise da seleção da causa e admissibilidade do IRDR para o momento dos embargos de declaração importaria prejuízo à paridade argumentativa processual, considerando que esse desequilíbrio inicial certamente arriscaria a isonômica distribuição do ônus argumentativo a ser desenvolvido, mesmo que os argumentos fossem pretensamente esgotados durante o curso do incidente.

TUTELA ANTECIPADA A contestação tem força de impedir a estabilização da tutela antecipada antecedente (art. 303

do CPC) ou somente a interposição de recurso, conforme prevê a redação do art. 304?

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A contestação tem força de impedir a estabilização da tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC)?

1ª corrente: NÃO. Apenas a interposição de agravo de instrumento contra a decisão antecipatória dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente é que se revela capaz de impedir a estabilização, nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.797.365-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 03/10/2019 (Info 658).

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2ª corrente: SIM. A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver nenhum tipo de impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização. Apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. O caput do art. 304 do CPC disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info 639).

Tutela provisória A tutela antecipada no CPC/2015 é tratada no Livro V (arts. 294 a 311), que é denominado de “Da Tutela Provisória”. Tutela provisória é aquela concedida antes da tutela definitiva, em caráter provisório, com base em uma cognição sumária. A tutela provisória será sempre substituída por uma tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou modificará. Ex: João ingressa com ação pedindo o fornecimento de determinado medicamento. O juiz profere decisão interlocutória determinando que o Estado conceda o remédio. Foi concedida, portanto, a tutela provisória com base em cognição sumária. Ao final, o juiz profere sentença confirmando que a pessoa tem o direito de receber o medicamento do Poder Público. Logo, nessa sentença, foi concedida a tutela definitiva, que confirmou a tutela provisória. Espécies de tutela provisória A TUTELA PROVISÓRIA é o gênero do qual decorrem duas espécies: 1) Tutela provisória de urgência; 2) Tutela provisória de evidência. Veja o que diz o CPC/2015:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Classificação das tutelas provisórias de URGÊNCIA O CPC/2015 prevê duas classificações das tutelas provisórias de urgência: 1) Cautelar e antecipada; 2) Antecedente e incidental.

Art. 294 (...) Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Quanto à satisfatividade Em uma primeira classificação, a tutela provisória de URGÊNCIA divide-se em: 1.1) ANTECIPADA (satisfativa): o órgão julgador antecipa aquele direito ou bem da vida que o autor espera conseguir ao final do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que o autor precisa dos valores para sobreviver, determina que o réu entregue a quantia pleiteada enquanto se aguarda o desfecho do processo.

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1.2) CAUTELAR: o órgão julgador confere uma medida para assegurar aquele direito ou bem da vida que o requerente espera obter ao fim do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que há receio de que o réu se desfaça de seu patrimônio, determina o arresto dos bens do requerido. Veja a explicação de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

(...) A satisfatividade é o critério mais útil para distinguir a tutela antecipada da cautelar. As duas são provisórias e podem ter requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência ou evidência. Mas somente a primeira tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final. Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas determina uma medida protetiva assecurativa, que preserva o direito do autor, em risco pela demora no processo. Tanto a tutela antecipada quanto a cautelar podem ser úteis para afastar uma situação de perigo de prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Mas diferem quanto à maneira pela qual alcançam esse resultado: enquanto a primeira afasta o perigo atendendo ao que foi postulado, a segunda o afasta tomando alguma providência de proteção. Imagine-se, por exemplo, que o autor corra um grave risco de não receber determinado valor. A tutela satisfativa lhe concederá a possibilidade de, desde logo, promover a execução do valor, em caráter provisório, alcançando-se os efeitos almejados, que normalmente só seriam obtidos com a sentença condenatória. Já por meio de tutela cautelar, o autor pode arrestar bens do devedor, preservando-os em mãos de um depositário para, quando obtiver sentença condenatória e não houver recurso com efeito suspensivo, poder executar a quantia que lhe é devida. A tutela cautelar não antecipa os efeitos da sentença, mas determina uma providência que protege o provimento, cujos efeitos serão alcançados ao final.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 721-722).

Quanto ao momento de sua concessão Além disso, a tutela provisória de URGÊNCIA também pode ser: 2.1) INCIDENTAL: é aquela que é deferida no curso do processo. A tutela incidental pode ser cautelar ou antecipada. 2.2) ANTECEDENTE: é aquela “formulada antes que o pedido principal tenha sido apresentado ou, ao menos, antes que ele tenha sido apresentado com a argumentação completa.” (ob. cit., p. 727). A tutela antecedente também pode ser cautelar ou antecipada. Tutela antecipada requerida em caráter antecedente O art. 303 do CPC autoriza que o autor requeira a tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente:

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Exemplo de pedido de tutela antecipada antecedente: João entregou à empresa BFB um carro Fiat/Pálio como parte do pagamento na aquisição de um novo automóvel. A empresa revendeu o veículo para Pedro. Ocorre que, passados diversos meses, o Fiat/Pálio continua em nome de João, que recebeu notificações de multas e também a cobrança de IPVA relativas a este carro.

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Diante disso, João formulou pedido de tutela antecipada de caráter antecedente em desfavor de BFB alegando, em síntese, que a empresa descumpriu o contrato firmado, considerando que deveria ter passado o carro para o seu nome e depois revendido para outra pessoa, providência que não foi realizada. O juiz deferiu o pedido de tutela antecipada, determinando que a requerida procedesse à transferência do veículo para a sua titularidade no prazo de dez dias, sob pena de multa diária. Qual é o procedimento após a concessão da tutela antecipada do art. 303? O CPC determina que, após ser concedida a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, deverão ser adotadas as seguintes providências: 1) o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; 2) o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334; 3) não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335. E se o juiz não tivesse concedido a tutela antecipada do art. 303? Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará que o autor faça a emenda da petição inicial em até 5 dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 6º). É como se o juiz dissesse o seguinte: não acho que existam elementos para a concessão da tutela antecipada antecedente. Por isso, indefiro o pedido. No entanto, se o autor quiser, ainda podemos seguir em frente para analisar com mais calma o pedido. Para isso, é necessário que ele faça a emenda da inicial e peça o prosseguimento do feito. Vale ressaltar que, tanto no caso de deferimento ou indeferimento da tutela antecipada do art. 303, o prosseguimento do feito será no mesmo processo. Não se forma um novo processo. A providência que se exige é o aditamento da petição inicial, mas o processo será o mesmo. Voltando ao exemplo dado: Como vimos, o juiz concedeu a tutela antecipada em favor de João. A empresa BFB, após ser intimada para cumprir a decisão concessiva da tutela antecipada, apresentou contestação, na qual requereu expressamente a revogação da tutela antecipada afirmando que não tem condições de passar para o seu nome, uma vez que os documentos do carro estão com o adquirente Pedro. Após a contestação, o juiz decidiu revogar a tutela antecipada que ele havia concedido. Alegação de que a tutela antecipada já estava estabilizada O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão do juiz argumentando que não seria possível a reconsideração do deferimento da tutela antecipada. Isso porque essa tutela já estaria estabilizada, considerando que o réu não interpôs recurso contra a decisão que a concedeu. Em outras palavras, o autor afirmou o seguinte: assim que o magistrado concedeu a tutela antecipada antecedente do art. 303 do CPC, o requerido deveria ter interposto recurso contra essa decisão (agravo de instrumento – art. 1.015, I, do CPC). Como não o fez, houve a estabilização da tutela antecipada e o processo deve ser simplesmente extinto. O argumento do autor foi baseado na redação do caput e do § 1º do art. 304 do CPC:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

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§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

Essa é uma das grandes novidades trazidas pelo CPC/2015, ou seja, a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. Assim, segundo o art. 304, não havendo recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. Discussão quanto ao instrumento processual que é capaz de impedir a estabilização da tutela antecipada Apesar de o art. 304 do CPC falar que a tutela antecipada torna-se estável se não houver recurso contra a decisão, parte da jurisprudência defende que a palavra “recurso” deve ser interpretada em sentido amplo, abrangendo outros meios de impugnação. De outro lado, há quem defenda que a interpretação deve ser realmente literal. A discussão jurídica é, portanto, a seguinte:

A CONTESTAÇÃO TEM FORÇA DE IMPEDIR A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE (ART. 303 DO CPC)?

NÃO SIM

Apenas a interposição de agravo de instrumento contra a decisão antecipatória dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente é que se revela capaz de impedir a estabilização.

A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver nenhum tipo de impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização.

Posição que adota a interpretação literal do art. 304 do CPC. A redação do art. 304 do CPC é muito clara ao dizer que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.” O projeto de lei do CPC usava o termo “impugnação” no art. 304 (expressão que é mais ampla e abrangeria medida impugnativa não recursal). Ocorre que essa expressão foi substituída pela palavra “recurso” durante a tramitação.

Apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. O caput do art. 304 do CPC disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada.

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Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. São, portanto, institutos inconfundíveis. A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado, que é o agravo de instrumento (art. 1.015, I).

Essa corrente tem por objetivo também desestimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando os Tribunais. Isso porque se o objetivo do requerido é apenas dizer que pretende o prosseguimento do feito, bastaria uma simples manifestação afirmando possuir interesse na sentença de mérito. Além disso, mesmo que se adotasse uma interpretação literal do caput do art. 304, essa exegese seria “inócua”. Isso porque o requerido poderia ajuizar a ação autônoma prevista no § 2º do art. 304 do CPC: Art. 304 (...) § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.797.365-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 03/10/2019 (Info 658).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info 639). É a posição também da doutrina majoritária.

Para finalizar a explicação, veja outro exemplo de tutela antecipada antecedente: Manoel descobre que seu nome está no SERASA por uma dívida que já está paga. Vale ressaltar que Manoel possui outras duas anotações no SERASA por débitos que realmente existem e estão em aberto. Assim, no total, ele possui três inscrições, sendo que apenas essa terceira é indevida. Diante desse cenário, Manoel pode pedir a retirada de seu nome do SERASA, mas não terá direito à indenização (Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.). Manoel vai até o escritório do SERASA e formula requerimento administrativo pedindo a retirada de seu nome quanto a esta terceira inscrição, explicando que já foi paga. O SERASA, por sua vez, responde dizendo que somente com ordem judicial poderá excluir o nome do requerente. Neste caso, Manoel poderá ingressar com um pedido de tutela antecipada antecedente, na forma do art. 303 do CPC, requerendo a retirada de seu nome com relação a essa terceira anotação. Imaginemos que o juiz conceda a antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, determinando que o SERASA exclua o nome do autor. Manoel ficará satisfeito, não havendo necessidade de se prosseguir com o processo em busca de uma tutela final. O SERASA, por sua vez, também não terá interesse em recorrer da decisão, tampouco de prosseguir no litígio com o autor, pois apenas precisava de uma “autorização” judicial para retirar o nome do autor do respectivo cadastro, sendo desnecessário, para ele, a discussão acerca do débito que originou o registro negativo. Nesse caso, o processo será extinto, sem resolução de mérito, e a decisão concessiva da tutela antecipada se estabilizará.

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REMESSA NECESSÁRIA É dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo

valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil 1.000 salários mínimos

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Após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, é dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos.

A Súmula 490-STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos processos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.735.097-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

As ações previdenciárias, mesmo nas hipóteses em que reconhecido o direito do segurado à percepção de benefício no valor do teto máximo previdenciário, não alcançarão valor superior a 1.000 salários mínimos.

Assim, não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e, invariavelmente, não alcançará valor superior a 1.000 salários mínimos.

STJ. 1ª Turma. REsp 1844937/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 12/11/2019.

Noções gerais sobre o reexame necessário O chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição obrigatório” é um instituto previsto no art. 496 do CPC/2015 e em algumas leis esparsas:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. § 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. § 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.

Deixa eu explicar melhor: - Se a sentença proferida pelo juiz de 1ª instância: a) for contra a Fazenda Pública; ou b) julgar procedentes os embargos do devedor na execução fiscal (o que também é uma sentença contra a Fazenda Pública); - Essa sentença deverá ser, obrigatoriamente, reexaminada pelo Tribunal de 2º grau (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal); - Mesmo que a Fazenda Pública não recorra; - E, enquanto não for realizado o reexame necessário, não haverá trânsito em julgado. Obs: o reexame necessário não possui natureza jurídica de recurso. Desse modo, é tecnicamente incorreto denominar este instituto de “recurso ex officio”, “recurso de ofício” ou “recurso obrigatório”.

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Exceções ao reexame necessário O CPC prevê, em dois parágrafos, situações em que, mesmo a sentença se enquadrando nos incisos do art. 496, não haverá a obrigatoriedade do reexame necessário:

Art. 496 (...) § 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de tribunal superior; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Súmula 490 do STJ Em 2012, ou seja, antes do CPC/2015, o STJ editou a seguinte súmula tratando sobre remessa necessária:

Súmula 490-STJ: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a 60 salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.

Qual era o sentido dessa súmula? O CPC/1973 tratava do reexame necessário no art. 475. O § 2º possuía uma regra dispensando o reexame necessário:

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo (ou seja, não se aplica o reexame necessário) sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (...)

A exceção prevista no § 2º do art. 475 do CPC/1973 exigia dois requisitos: a) primeiro, que a condenação ou o direito controvertido tivesse valor certo; e b) segundo, que o respectivo montante não excedesse 60 salários mínimos. Como o § 2º do art. 475 exigia que a condenação tivesse “valor certo”, o que o STJ falou: se a sentença é ilíquida, ela não tem valor certo e, portanto, não se enquadra nesta exceção. Logo, o STJ disse o seguinte: se a sentença for ilíquida (não tiver valor certo), haverá reexame necessário mesmo que o valor da condenação seja inferior a 60 salários-mínimos. Daí surgiu a súmula 490. Com o CPC/2015, o entendimento da súmula 490 continuou valendo? Vamos comparar as redações dos dispositivos:

CPC/1973 CPC/2015

Art. 475 (...) § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for

Art. 496 (...)

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de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I — 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II — 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III — 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

Perceba que as redações são parecidas, sendo que a grande novidade do CPC/2015 foi ter ampliado o limite de 60 salários-mínimos para 1.000, 500 ou 100 salários-mínimos, a depender do ente federativo condenado. Vale ressaltar, ainda, que a redação do § 3º do art. 496 foi ainda mais enfática em dizer que a condenação tem que ser em valor líquido (ou seja, a sentença tem que ser líquida). Por essa razão, em minha opinião, a súmula 490 do STJ permaneceria válida com o CPC/2015. No entanto, agora, o valor que o CPC/2015 prevê como limite para dispensa da remessa necessária não é mais 60 salários-mínimos. Assim, na minha opinião, a súmula permaneceria válida, mas deveria ser lida da seguinte forma: “A dispensa de reexame necessário, nos casos do § 3º do art. 496, do CPC/2015, não se aplica a sentenças ilíquidas.” Vale ressaltar que existem julgados do STJ aplicando o entendimento da súmula 490 mesmo após o CPC/2015. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1819960/AP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 27/08/2019. A 1ª Turma do STJ, contudo, criou uma espécie de exceção à súmula 490, ou seja, uma hipótese na qual este enunciado não deve ser aplicado: os processos previdenciários envolvendo o INSS. Veja abaixo. Imagine a seguinte situação hipotética: O Juiz Federal, no procedimento ordinário, condenou o INSS “a conceder ao autor o benefício de aposentadoria especial desde o requerimento administrativo, ocorrido em 06/11/2019, ou seja, sete meses antes da propositura da presente ação.” O magistrado condenou o INSS também a pagar as prestações atrasadas, isto é, desde a data do requerimento administrativo. Nem o autor nem o INSS apelaram contra essa condenação. O Diretor da vara certificou, então, o trânsito em julgado. Foi, então, que o INSS peticionou nos autos afirmando que não houve o trânsito em julgado, considerando que o Juiz deveria ter remetido o processo ao TRF a fim de proporcionar o julgamento da remessa necessária, nos termos do § 1º do art. 496 do CPC/2015. O autor se contrapôs ao pedido do INSS afirmando o seguinte: - a sentença não disse de quanto será o valor da aposentadoria, devendo isso ser calculado administrativamente pelo INSS; - no entanto, ainda que o valor da aposentadoria seja o máximo permitido (“teto” do regime geral), esse valor será de R$ 5.839,45; - como só estão atrasados 7 meses, ainda que se some todas essas parcelas com mais juros e correção monetária, o valor ficará ainda muito abaixo de 1.000 salários-mínimos;

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- o art. 496, § 3º, inciso I, do CPC/2015 afirma que não haverá remessa necessária quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para as autarquias da União (como é o caso do INSS); - logo, não cabe reexame necessário. O Juiz acolheu essa argumentação do autor. O INSS recorreu afirmando que a sentença proferida foi ilíquida. Desse modo, sendo ilíquida, cabe reexame necessário mesmo que o possível valor seja inferior a 1.000 salários-mínimos. O INSS pediu que o STJ reconhecesse que se aplica aqui o raciocínio da Súmula 490. O STJ concordou com a tese do autor ou do INSS? Do autor. O STJ afirmou que apesar da “aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS.” Assim, para o STJ, a Súmula 490-STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos processos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015. Em suma:

Após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, é dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. STJ. 1ª Turma. REsp 1.735.097-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

Veja alguns trechos da ementa:

(...) 4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 5. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/15, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). 6. A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos Tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. 7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. 8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. 9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos (...) STJ. 1ª Turma. REsp 1735097/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/10/2019.

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O STJ afirmou que a Súmula 490 do STJ está superada para todos os casos? NÃO. A decisão explicada refere-se apenas aos processos envolvendo benefícios previdenciários. Desse modo, não se pode, pelo menos ainda, afirmar que o STJ desconsiderou a súmula para todos os casos. Constou na ementa: “(...) 4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos.”

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o

requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos (art. 1.037, I, do CPC/2015)

Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos.

Fundamento: art. 1.037, I, do CPC/2015:

Art. 1.037 (...)

§ 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput.

§ 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.

§ 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá:

I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau;

II - agravo interno, se a decisão for de relator.

Obs: no CPC/1973, a decisão que determinava o sobrestamento dos recursos extraordinários e recursos especiais repetitivos não selecionados como paradigmas era irrecorrível.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos. Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC 1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041. Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto.

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Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos. Remessa de dois ou mais para o STJ ou STF Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE). Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Nesse sentido:

Art. 1.036 (...) § 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

Demais recursos ficam sobrestados na origem Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central. Ministro do STJ ou STF poderá escolher outros recursos representativos diferentes daqueles enviados pelo TJ/TRF A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º). O Ministro relator do STJ ou STF também poderá selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. Afetação Se o Ministro do STJ ou do STF, ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, ele irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Veja o que diz o caput do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. (...) Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação (...).

Confira também a previsão do Regimento Interno do STJ:

Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o recurso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno.

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Suspensão dos processos que tratem sobre o tema Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II). Ex: o Ministro Relator no STJ recebe um recurso repetitivo discutindo qual a norma aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial na previdência complementar. Ele percebe que esse mesmo tema está sendo discutido em centenas de outros processos que já estão no STJ e nos Tribunais de Justiça. Diante disso, ele irá: • proferir uma decisão determinando a afetação desse tema (o que significa isso: vamos discutir com profundidade o assunto e definir uma tese); • determinar que, enquanto não se define esse tema afetado, os demais processos deverão ficar sobrestados (suspensos). Por que é necessária essa suspensão? Porque seria improdutivo que tais processos continuassem tramitando antes de uma definição segura sobre o tema. Depois que o STJ/STF julgar o recurso especial/extraordinário afetado, a tese que for definida irá ser aplicada a todos os recursos que ficaram suspensos. Logo, é mais produtivo aguardar com o processo suspenso e já aplicar no processo a tese fixada. Imagine agora a seguinte situação hipotética: O STJ está recebendo milhares de recursos especiais discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. Diante disso, o Ministro do STJ, percebendo que essa matéria possui interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, proferiu decisão determinando a afetação do tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Além disso, o Ministro determinou o sobrestamento de todos os processos pendentes que tratem sobre a legalidade da tarifa bancária “X”:

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; (...)

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância João ajuizou ação contra o Banco BV questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente. Ocorre que o Juiz foi informado de que o Ministro do STJ determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo João e o Banco BV. João, contudo, não concordou e ingressou com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele a ser julgado pelo STJ. Assim, para João haveria um distinguishing (uma distinção) e, portanto, o processo não deveria ficar suspenso. Existe previsão legal para esse pedido formulado pela parte?

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SIM. Esse requerimento está previsto no § 9º do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.037 (...) § 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput. § 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.

A quem é dirigido esse requerimento? • Se o processo sobrestado estiver em primeiro grau: ao juiz; • Se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem: ao relator. • Se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem (TJ/TRF): ao relator do acórdão recorrido (Desembargador Relator no TJ/TRF); • Se for sobrestado um recurso especial ou recurso extraordinário que já está no STF/STJ: o pedido será dirigido ao Ministro Relator no STF ou STJ.

Logo, em nosso exemplo, o pedido de João foi corretamente dirigido ao juiz da causa. Oitiva da outra parte A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias. Assim, o juiz deverá intimar o Banco para se manifestar sobre o requerimento do autor. Se for reconhecido o distinguishing: Se ficar reconhecido que existe, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo. Se o recurso especial ou extraordinário estiver sobrestado na origem (no TJ ou TRF), o Desembargador Relator deverá comunicar a decisão ao Presidente ou ao Vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo STF ou STJ. Se NÃO for reconhecido o distinguishing: O processo continua sobrestado. Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção? SIM. Caberá: • agravo de instrumento: se a decisão for do juiz de 1ª instância; • agravo interno: se a decisão for do relator.

É o que prevê o § 13 do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.037 (...) § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; II - agravo interno, se a decisão for de relator.

Em nosso exemplo, se João ou o Banco não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento:

Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

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DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO A dívida de corrida de táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel

para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais

Importante!!!

A dívida de corrida táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais.

Ex: João pegou um táxi. Ao final da corrida, ele saiu do carro e disse que não iria pagar a corrida. O motorista também saiu do veículo e foi tentar segurá-lo para que ele não fugisse sem quitar o débito. João puxou, então, uma faca e desferiu um golpe no taxista, que morreu no local.

O agente não praticou roubo com resultado morte (art. 157, § 3º, II, do CP). Isso porque não houve, no contexto delitivo, nenhuma subtração ou tentativa de subtração de coisa alheia móvel, o que afasta a conduta de roubo qualificado pelo resultado, composto pelo verbo “subtrair” e pelo complemento “coisa alheia móvel”. O agente se negou a efetuar o pagamento da corrida de táxi e desferiu um golpe de faca no motorista, sem (tentar) subtrair objeto algum, de modo a excluir o animus furandi. Não se pode equiparar “dívida de transporte” com a “coisa alheia móvel” prevista no tipo do art. 157 do Código Penal, sob pena de violação dos princípios da tipicidade e da legalidade estrita, que regem a aplicação da lei penal.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.757.543-RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 658).

Imagine a seguinte situação hipotética: João pegou um táxi. Ao final da corrida, ele saiu do carro e disse que não iria pagar a corrida. O motorista também saiu do veículo e foi tentar segurá-lo para que ele não fugisse sem quitar o débito. João puxou, então, uma faca e desferiu um golpe no taxista, que morreu no local. O Ministério Público denunciou João pela prática de roubo seguido do resultado morte, delito tipificado no art. 157, § 2º, II, do CP:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 3º Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.

O STJ concordou com a tipificação dada pelo MP? NÃO. O STJ entendeu que não houve, no contexto delitivo, nenhuma subtração ou tentativa de subtração de coisa alheia móvel, o que afasta a conduta de roubo qualificado pelo resultado, composto pelo verbo “subtrair” e pelo complemento “coisa alheia móvel”. O agente se negou a efetuar o pagamento da corrida de táxi e desferiu um golpe de faca no motorista, sem (tentar) subtrair objeto algum, de modo a excluir o animus furandi.

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Não se pode equiparar “dívida de transporte” com a “coisa alheia móvel” prevista no tipo do art. 157 do Código Penal, sob pena de violação dos princípios da tipicidade e da legalidade estrita, que regem a aplicação da lei penal. A doutrina conceitua “coisa” como “tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes", apontando como imprescindível, ainda, algum valor econômico” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016). Assim, parece evidente que, embora a dívida do réu para com o motorista tenha, obviamente, valor econômico, não se trata de “coisa”, ao menos para fins de definição jurídica exigida para a correta tipificação da conduta. Em suma:

A dívida de corrida de táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais. STJ. 6ª Turma. REsp 1.757.543-RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 658).

Se não foi roubo, qual a conduta praticada pelo agente? O STJ não disse. Penso, contudo, que se trata de homicídio qualificado.

ASSÉDIO SEXUAL O crime de assédio sexual pode ser caracterizado entre professor e aluno

O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, no entanto pode também ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos.

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Caso concreto: o réu, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre suas notas, teria afirmado que ela precisava de dois pontos para alcançar a média necessária e, nesse momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.759.135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

Imagine a seguinte situação hipotética: O professor, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre suas notas, teria afirmado que ela precisava de dois pontos para alcançar a média necessária e, nesse momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios. O agente foi denunciado pela prática do crime de assédio sexual previsto no art. 216-A do CP:

Assédio sexual Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

A defesa alegou que o professor não é superior hierárquico em relação à aluna nem tem ascendência sobre ela decorrente de emprego, cargo ou função. Logo, não se enquadraria nas elementares do tipo penal.

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A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, no entanto pode também ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos. STJ. 6ª Turma. REsp 1.759.135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual - dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal - para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. É óbvio que existe uma “ascendência” neste caso, em virtude da “função” desempenhada pelo professor considerando que o docente tem a atribuição e o poder de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. É necessário fazer uma interpretação teleológica do texto legal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

MULTA POR ABANDONO DO PROCESSO (ART. 265 DO CPP) Existe divergência no STJ se a conduta do advogado ou Defensor Público de abandonar o

plenário do Júri pode configurar abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP

O fato de o juiz aplicar a multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público não viola a autonomia da OAB e da Defensoria Pública

A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP,

deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva

A conduta do advogado ou Defensor Público de abandonar o plenário do Júri (como estratégia de defesa) pode configurar abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP?

• SIM. A 5ª Turma do STJ tem rechaçado a postura de abandonar o plenário do Júri como tática da defesa, considerando se tratar de conduta que configura, sim, abandono processual, apto, portanto, a atrair a aplicação da multa do art. 265 do CPP.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

• NÃO. Não constitui a hipótese do art. 265 do Código de Processo Penal o abandono de ato processual pelo defensor do réu se este permaneceu na causa, tendo, inclusive, atuado nos atos subsequentes.

STJ. 6ª Turma. RMS 51.511/SP, Rel. Acd. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/08/2017.

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O fato de o juiz aplicar a multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público viola a autonomia da OAB e da Defensoria Pública, que têm a competência legal de impor sanções contra infrações disciplinares de seus membros?

NÃO. A punição do advogado, nos termos do art. 265 do CPP, não entra em conflito com sanções aplicáveis pelos órgãos a que estão vinculados os causídicos, uma vez que estas têm caráter administrativo, e a multa do Código de Processo Penal tem caráter processual.

As instâncias judicial-penal e administrativa são independentes.

Além disso, o próprio texto da norma ressalva a possibilidade de aplicação de outras sanções.

O reconhecimento de que os advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública exercem funções essenciais à Justiça não lhes outorga imunidade absoluta.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva

O Defensor Público atua institucionalmente, não sendo razoável responsabilizá-lo pessoalmente se atuou em sua condição de agente presentante do órgão da Defensoria Pública.

Assim, as sanções aplicadas aos seus membros, nesse contexto, devem ser suportadas pela instituição, sem prejuízo de eventual ação regressiva, acaso verificado excesso nos parâmetros ordinários de atuação profissional, com abuso do direito de defesa.

STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

Imagine a seguinte situação hipotética: No dia 15/03 seria realizado, no plenário do júri, o julgamento de Pedro, acusado de homicídio qualificado. Pedro estava sendo assistido juridicamente pela Defensoria Pública. Quem atuava mais diretamente no seu caso era o Defensor Público João. Ao ser aberta a sessão do júri, João formulou requerimento à Juíza-Presidente pedindo o adiamento do júri considerando que uma das testemunhas arroladas pela defesa não compareceu. A magistrada indeferiu o pedido sob o argumento de que essa testemunha foi arrolada sem o caráter de imprescindibilidade. Logo, não seria o caso de adiamento, nos termos do art. 461 do CPP:

Art. 461. O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização.

Diante disso, o Defensor Público, alegando que houve cerceamento de defesa, decidiu abandonar o plenário do Júri. Como o réu ficou sem defesa técnica, a Juíza proferiu decisão remarcando a sessão do júri e aplicando, contra o Defensor Público, multa de 10 salários-mínimos, por abandono do processo, nos termos do art. 265 do CPP:

Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

O Defensor Público-Geral impetrou, no TJ, mandado de segurança. O TJ manteve a decisão e houve a interposição de recurso ao STJ.

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Vamos analisar alguns aspectos jurídicos deste interessante tema. Em primeiro lugar, cumpre perguntar: o art. 265 do CPP é compatível com o contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente? SIM.

O STJ firmou entendimento pela constitucionalidade do art. 265 do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, mas representa, isto sim, estrita observância do regramento legal. O não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP. STJ. 5ª Turma. AgInt no RMS 58.366/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 19/03/2019.

A conduta do advogado ou Defensor Público de abandonar o plenário do Júri (como estratégia de defesa) pode configurar abandono do processo, ensejando a multa do art. 265 do CPP?

ABANDONO DO JÚRI PODE CONFIGURAR ABANDONO DO PROCESSO (ART. 265 DO CPP)?

SIM NÃO

A 5ª Turma do STJ tem rechaçado a postura de abandonar o plenário do Júri como tática da defesa, considerando se tratar de conduta que configura, sim, abandono processual, apto, portanto, a atrair a aplicação da multa do art. 265 do CPP. STJ. 5ª Turma. Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

Não constitui a hipótese do art. 265 do Código de Processo Penal o abandono de ato processual pelo defensor do réu se este permaneceu na causa, tendo, inclusive, atuado nos atos subsequentes. STJ. 6ª Turma. RMS 51.511/SP, Rel. Acd. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/08/2017.

O fato de o juiz aplicar a multa prevista no art. 265 do CPP contra o advogado ou Defensor Público viola a autonomia da OAB e da Defensoria Pública, que têm a competência legal de impor sanções contra infrações disciplinares de seus membros? NÃO.

A punição do advogado, nos termos do art. 265 do CPP, não entra em conflito com sanções aplicáveis pelos órgãos a que estão vinculados os causídicos, uma vez que estas têm caráter administrativo, e a multa do Código de Processo Penal tem caráter processual. As instâncias judicial-penal e administrativa são independentes. Além disso, o próprio texto da norma ressalva a possibilidade de aplicação de outras sanções. O reconhecimento de que os advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública exercem funções essenciais à Justiça não lhes outorga imunidade absoluta. STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

No caso concreto, a justificativa apresentada pelo Defensor Público para abandonar o júri é legítima? NÃO.

O abandono do Tribunal do Júri se deu em virtude de alegado cerceamento de defesa, uma vez que a Magistrada indeferiu o pedido de adiamento da sessão, em razão do não comparecimento de testemunha, e indeferiu o pedido de oitiva de testemunha referida. Contudo, como é de conhecimento, o art. 461, caput, do CPP dispõe que o julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido sua intimação com cláusula de imprescindibilidade, o que não era o caso.

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Da mesma forma, o art. 400, § 1º, do CPP autoriza o juiz a indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Nesse contexto, estando devidamente fundamentado o indeferimento do pleito da defesa, nos estritos termos da lei, considerou-se que a justificativa apresentada pelo Defensor Público não revela motivo imperioso para abandono do Plenário do Júri. Existem meios processuais próprios para que a defesa possa se insurgir contra o indeferimento de seus pleitos, motivo pelo qual não se pode considerar como legítima a conduta praticada. STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

A multa do art. 265 do CPP deve ser aplicada contra o Defensor Público ou contra a Defensoria Pública? Contra a Defensoria Pública. O Defensor Público atua institucionalmente, não sendo razoável responsabilizá-lo pessoalmente se atuou em sua condição de agente presentante do órgão da Defensoria Pública. Assim, as sanções aplicadas aos seus membros, nesse contexto, devem ser suportadas pela instituição, sem prejuízo de eventual ação regressiva, acaso verificado excesso nos parâmetros ordinários de atuação profissional, com abuso do direito de defesa:

A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva. STJ. 5ª Turma. RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/08/2019 (Info 658).

DIREITO TRIBUTÁRIO

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO É ilegal a pena de perdimento do veículo pela locadora que

não teve participação no crime de contrabando e/ou descaminho

Importante!!!

Em regra, a empresa que aluga veículos não pode sofrer a pena de perdimento em razão de contrabando ou descaminho praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria.

O fato de a locadora não ter investigado os “antecedentes” do cliente não pode ser usado como argumento para se concluir pela responsabilidade da empresa.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.817.179-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/09/2019 (Info 658).

CUIDADO. Existem julgados do STJ afirmando que a pena de perdimento pode ser aplicada a veículos sujeitos a leasing ou alienação fiduciária:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é dominante no sentido de permitir a aplicação da sanção de perdimento de veículo automotor objeto de alienação fiduciária ou arrendamento mercantil (leasing), independentemente da valoração sobre a boa-fé do credor fiduciário ou arrendante.

A aplicação da aludida sanção administrativa não possui o condão de anular os respectivos contratos de alienação fiduciária em garantia ou arrendamento mercantil efetuados entre credor e devedor, os quais possuem o direito de discutir, posteriormente, os efeitos dessa perda na esfera civil.

STJ. 1ª Turma. REsp 1268210-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/2/2013 (Info 517).

STJ. 2ª Turma. REsp 1628038/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/11/2019.

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Imagine a seguinte situação adaptada: A “Unidas Rent a Car”, empresa locadora de veículos, alugou um carro para João. Com esse veículo, João foi dirigindo até o Paraguai e, de lá, trouxe na mala diversos produtos importados, sem pagar o imposto de importação. Além disso, trouxe também cigarros importados de comercialização proibida no Brasil. João foi denunciado e condenado pela prática de descaminho e contrabando. O que aconteceu com o veículo utilizado pelo agente para o transporte dos cigarros e demais produtos importados? A Receita Federal reteve o veículo e decretou o seu perdimento em favor da União, invocando o art. 96, I do Decreto-lei nº 37/66:

Art. 96. As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente: I - perda do veículo transportador; (...)

Para a Receita, a locadora deve investigar os antecedentes dos locatários para verificar se já responderam por contrabando ou descaminho e, se não o faz, pode ser responsabilizada pelo ato. Obs: o Decreto-lei prevê, dentre outros temas, sanções administrativas para quem praticar infrações à legislação do imposto de importação. Mandado de segurança A empresa impetrou mandado de segurança alegando que é uma empresa locadora de veículos e que, em sua atividade empresarial, não tem como controlar o que o locatário irá fazer com o carro. Argumentou, ainda, que não teve qualquer participação no crime praticado pelo locatário, não podendo ser por ele responsabilizada. Pediu, portanto, a liberação do veículo. O STJ acolheu o pedido da empresa? SIM. Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular penalidades. De fato, o Decreto-Lei nº 37/66 (que tem força de lei) prevê a possibilidade de ser decretado o perdimento do veículo utilizado para iludir o pagamento do imposto de importação:

Art. 94. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los.

Art. 96. As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente: I - perda do veículo transportador; II - perda da mercadoria; III - multa; IV - proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista.

Perdimento do veículo só pode ocorrer se ele pertencia ao responsável pela infração O art. 104 do DL 37/66 detalha as hipóteses de perdimento do veículo. No caso de transporte de mercadoria objeto de contrabando ou descaminho, a legislação exige, para que haja o perdimento, que o proprietário do veículo seja responsável pela infração:

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Art. 104. Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: (...) V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;

O art. 688 do Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro) vai no mesmo sentido:

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 24; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 75, § 4º): (...) V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade; (...) § 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito.

Interpretando esses dispositivos, o STJ entendeu que a pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do veículo quando este agir com dolo ao fazer a internalização irregular de sua própria mercadoria. Nesse contexto, em regra, a empresa que aluga veículos não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria. O fato de a locadora não ter investigado os “antecedentes” do cliente não pode ser usado como argumento para se concluir pela responsabilidade da empresa. Em suma:

É ilegal a pena de perdimento do veículo pela locadora que não teve participação no crime de contrabando e/ou descaminho. STJ. 1ª Turma. REsp 1.817.179-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 17/09/2019 (Info 658).

CUIDADO Existem julgados do STJ afirmando que a pena de perdimento pode ser aplicada a veículos sujeitos a leasing ou alienação fiduciária:

É possível a aplicação da pena de perdimento de veículo objeto de contrato de arrendamento mercantil com cláusula de aquisição ao seu término utilizado pelo arrendatário para transporte de mercadorias objeto de descaminho ou contrabando. STJ. 1ª Turma. REsp 1268210-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/2/2013 (Info 517).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é dominante no sentido de permitir a aplicação da sanção de perdimento de veículo automotor objeto de alienação fiduciária ou arrendamento mercantil (leasing), independentemente da valoração sobre a boa-fé do credor fiduciário ou arrendante. A aplicação da aludida sanção administrativa não possui o condão de anular os respectivos contratos de alienação fiduciária em garantia ou arrendamento mercantil efetuados entre credor e devedor, os quais possuem o direito de discutir, posteriormente, os efeitos dessa perda na esfera civil. STJ. 2ª Turma. REsp 1628038/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/11/2019.

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IMPOSTO DE RENDA Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência

e esse entendimento não está sujeito à modulação de efeitos

Atualize o Info 589-STJ

O entendimento firmado no Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE, no sentido de que incide Imposto de Renda sobre o Abono de Permanência, deve ser aplicado sem modulação temporal de seus efeitos.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/08/2019 (Info 658).

Abono de permanência Para o Governo, é desvantajoso quando o servidor público se aposenta. Isso porque, além de pagar a aposentadoria, ele terá que contratar outro servidor para desempenhar o cargo do que se aposentou. Desse modo, para Poder Público é interessante incentivar que o servidor permaneça na ativa mesmo que já tenha cumprido os requisitos para se aposentar. Pensando nisso, a EC 41/2003 instituiu o chamado “abono de permanência”. O abono de permanência é um incentivo financeiro pago ao servidor que, mesmo já tendo preenchido os requisitos para se aposentar com proventos integrais, decida adiar a jubilação e continuar trabalhando. O instituto está previsto no § 19 do art. 40 da CF/88:

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, "a", e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela EC 41/2003)

Na prática, o servidor com abono de permanência deixa de pagar contribuição previdenciária e, com isso, tem, indiretamente, um aumento na sua remuneração. Ex: se todos os meses era descontado R$ 1 mil de seus vencimentos a título de contribuição previdenciária, significa dizer que estes descontos cessarão e ele passará a ter disponível R$ 1 mil todos os meses. O servidor público deverá pagar imposto de renda sobre os valores recebidos a título de abono de permanência? Incide IRPF sobre o abono de permanência? Ex: se o abono de permanência é de R$ 1 mil, o servidor deverá pagar 15%, 27,5% etc. sobre este valor? SIM.

Sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003, e o art. 7º da Lei 10.887/2004. Não há lei que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento. STJ. 1ª Seção. REsp 1192556/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2010 (recurso repetitivo).

Mudança de entendimento O julgado acima mencionado (REsp 1192556/PE) representou uma mudança de entendimento do STJ. Isso porque de 2003 a 2010, o entendimento majoritário na jurisprudência era o de que não incidia imposto de renda sobre o abono de permanência. Desse modo, como se deu uma alteração da jurisprudência, houve uma tentativa dos advogados de modular os efeitos da decisão do STJ no REsp 1192556/PE. Defendeu-se a tese de que, por questões de segurança jurídica, o entendimento manifestado no REsp 1192556/PE deveria ter efeitos ex nunc, não alcançando situações pretéritas.

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O STJ acolheu essa tese de modulação? No início foram proferidos alguns julgados do STJ acolhendo essa tese da modulação. Se você relembrar, o Informativo 589 trouxe um exemplo de decisão adotando essa eficácia ex nunc. Veja:

Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, não valendo este entendimento para fatos geradores anteriores a este acórdão. STJ. 1ª Turma. REsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/6/2016 (Info 589).

Ocorre que havia outros julgados do STJ em sentido diverso e o tema foi levado à apreciação da 1ª Seção. O que ficou decidido, afinal? O entendimento manifestado no REsp 1192556/PE deve ter eficácia ex nunc? É necessária a modulação dos efeitos? NÃO. O STJ decidiu que:

O entendimento firmado no Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE, no sentido de que incide Imposto de Renda sobre o Abono de Permanência, deve ser aplicado de forma plena, sem nenhuma espécie de modulação temporal de seus efeitos. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/08/2019 (Info 658).

No julgamento do Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE não se entendeu necessária a modulação dos efeitos da decisão, razão pela qual não se pode, posteriormente, querer imprimir efeitos ex nunc ao acórdão.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Viola o princípio da presunção de inocência o impedimento de participação ou registro de curso de

formação ou reciclagem de vigilante, por ter sido verificada a existência de inquérito ou ação penal não transitada em julgado. ( )

2) O prazo prescricional no caso de ação de desapropriação indireta é, em regra, de 15 anos; excepcionalmente, será de 10 anos caso de comprove que não foram feitas obras ou serviços públicos no local. ( )

3) O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760/46 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas. ( )

4) O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria. ( )

5) O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. ( )

6) O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. ( )

7) É possível a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, considerando que a legislação consumerista proíbe a desvantagem excessiva do consumidor. ( )

8) Considerando a autonomia e o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei nº 7.357/85, não é possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito. ( )

9) A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta e pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade. ( )

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Informativo 658-STJ (08/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 61

10) (PGM Curitiba 2019) No incidente de resolução de demandas repetitivas, a inadmissão do incidente por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade impede que seja o incidente novamente suscitado. ( )

11) (Promotor MP/PI 2019 CESPE) De acordo com o CPC, é presumida a repercussão geral da questão constitucional discutida nos casos em que houver interposição de recurso extraordinário contra acórdão a em que tenha sido examinado o mérito de incidente de resolução de demandas repetitivas. ( )

12) (Juiz TRF2 2018) O Código de Processo Civil de 2015 instituiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), sendo correta a afirmativa, em relação a este novo instituto processual, de que: A) o pedido de instauração somente poderá ser feito pelo relator, pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. B) a sua admissibilidade é feita pelo respectivo relator. C) a tese firmada no incidente diz respeito a questão unicamente de direito e será aplicada, com eficácia persuasiva, aos processos que tramitem no Estado ou região. D) a suspensão dos processos pendentes somente pode ser estabelecida pelo colegiado. E) são cabíveis os recursos especial e extraordinário, com efeito suspensivo, em relação ao julgamento do mérito do incidente.

13) Não caberá a instauração de IRDR se já encerrado o julgamento de mérito do recurso ou da ação originária, mesmo que pendente de julgamento embargos de declaração. ( )

14) Após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, é dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. ( )

15) É irrecorrível de imediato a decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos. ( )

16) A dívida de corrida táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais. ( )

17) Em regra, a empresa que aluga veículos não pode sofrer a pena de perdimento em razão de contrabando ou descaminho praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. C 4. C 5. C 6. C 7. E 8. E 9. C 10. E

11. C 12. Letra E 13. C 14. C 15. E 16. C 17. C