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Informativo 606-STJ (02/08/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 606-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza o ingresso sem mandado judicial ou consentimento do morador. DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES PÚBLICOS União não deve figurar na ação proposta pedindo a implementação do piso nacional do magistério. DESAPROPRIAÇÃO Ente desapropriante não responde por tributos anteriores à desapropriação. DIREITO CIVIL DIREITOS AUTORAIS Cobrança de direitos autorais em caso de hotel equipado com TV. Gravação de mensagem de voz para central telefônica não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor. DIVÓRCIO Em caso de divórcio no qual se pede a desconsideração inversa da personalidade jurídica, deve-se incluir no polo passivo a pessoa que teria participado do conluio com o cônjuge. UNIÃO ESTÁVEL Benefício de previdência privada fechada não entra na partilha em caso de fim de relação. DIREITO PROCESSUAL CIVIL DENUNCIAÇÃO DA LIDE Mesmo apresentada fora do prazo, a denunciação da lide feita pelo réu pode ser admitida se o denunciado comparece apenas para contestar o pedido do autor. ASTREINTES É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública para fornecimento de medicamento. TÍTULO EXECUTIVO Construcard não é título executivo. DIREITO PENAL CRIMES DE TRÂNSITO Em caso de concurso formal de crimes, o perdão judicial concedido para um deles não necessariamente deverá abranger o outro.

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Informativo 606-STJ (02/08/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 606-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza o ingresso sem mandado judicial ou

consentimento do morador.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS União não deve figurar na ação proposta pedindo a implementação do piso nacional do magistério. DESAPROPRIAÇÃO Ente desapropriante não responde por tributos anteriores à desapropriação.

DIREITO CIVIL

DIREITOS AUTORAIS Cobrança de direitos autorais em caso de hotel equipado com TV. Gravação de mensagem de voz para central telefônica não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor. DIVÓRCIO Em caso de divórcio no qual se pede a desconsideração inversa da personalidade jurídica, deve-se incluir no polo

passivo a pessoa que teria participado do conluio com o cônjuge. UNIÃO ESTÁVEL Benefício de previdência privada fechada não entra na partilha em caso de fim de relação.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

DENUNCIAÇÃO DA LIDE Mesmo apresentada fora do prazo, a denunciação da lide feita pelo réu pode ser admitida se o denunciado

comparece apenas para contestar o pedido do autor. ASTREINTES É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública para fornecimento de medicamento. TÍTULO EXECUTIVO Construcard não é título executivo.

DIREITO PENAL

CRIMES DE TRÂNSITO Em caso de concurso formal de crimes, o perdão judicial concedido para um deles não necessariamente deverá

abranger o outro.

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Informativo comentado

Informativo 606-STJ (02/08/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

DIREITO PROCESSUAL PENAL

INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza o ingresso sem mandado judicial ou

consentimento do morador. REVISÃO CRIMINAL Laudo pericial juntado quando estava pendente apenas agravo para destrancar recurso especial é considerado

prova nova para fins de revisão criminal.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O FGTS É legítima a cobrança da contribuição social ao FGTS das empresas optantes pelo Simples.

DIREITO CONSTITUCIONAL

INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza

o ingresso sem mandado judicial ou consentimento do morador

Importante!!!

O ingresso regular da polícia no domicílio, sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, para que seja válido, necessita que haja fundadas razões (justa causa) que sinalizem a ocorrência de crime no interior da residência.

A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.574.681-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 606).

Veja comentários em Direito Processual Penal.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS União não deve figurar na ação proposta pedindo a implementação do piso nacional do magistério

Os dispositivos do art. 4º, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.738/2008 não amparam a tese de que a União é parte legítima, perante terceiros particulares, em demandas que visam à sua responsabilização pela implementação do piso nacional do magistério, afigurando-se correta a decisão que a exclui da lide e declara a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito ou, em sendo a única parte na lide, que decreta a extinção da demanda sem resolução do mérito.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.559.965-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 14/6/2017 (recurso repetitivo) (Info 606).

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Piso salarial profissional nacional para o magistério público da educação infantil A Constituição Federal, com o objetivo de valorizar os professores da rede pública de ensino, determinou que a lei deveria fixar um piso salarial nacional para os profissionais da educação pública. Em outras palavras, ordenou que lei estipulasse um "salário" mínimo nacional específico para os profissionais da educação da rede pública de ensino, valor que deveria ser respeitado pela União, Estados, DF e Municípios. Veja:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela EC 53/2006)

Cerca de dois anos depois, foi editada a Lei nº 11.738/2008 regulamentando o art. 206, VIII, da CF/88 e fixando o piso salarial profissional nacional para o magistério público da educação básica, sendo esse o valor mínimo a ser observado pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios quando da fixação do vencimento inicial das carreiras. Confira o que diz a Lei nº 11.738/2008:

Art. 1º Esta Lei regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica a que se refere a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 2º O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. § 1º O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. § 2º Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional. (...)

Art. 5º O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009. Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

Desse modo, o piso salarial é o valor mínimo que os professores da rede pública, em início de carreira, devem receber. A quantia é atualizada anualmente. Esses profissionais devem ter formação em magistério em nível médio (ou antigo “curso normal”), carga horária de trabalho de 40h semanais, e atuar em estabelecimentos públicos de ensino na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio.

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ADI 4167 Os Governadores de alguns Estados ingressaram com uma ADI no STF contra a Lei nº 11.738/2008 afirmando, dentre outros argumentos, que a mencionada lei seria desproporcional e não teria amparo orçamentário. A ação foi julgada improcedente, tendo o acórdão sido vazado nos seguintes termos:

(...) 2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador. 3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (...) STF. Plenário. ADI 4167, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 27/04/2011.

Modulação dos efeitos da ADI: Lei nº 11.738/2008 só produziu efeitos a partir de 27/04/2011 Antes do julgamento da ADI, a Lei nº 11.738/2008 estava suspensa por força de uma decisão liminar. Em razão disso, o STF, ao declará-la constitucional, decidiu fazer a modulação temporal dos efeitos, declarando que o pagamento do piso do magistério como vencimento básico inicial da carreira, nos moldes como estabelecido na Lei nº 11.738/2008, deveria ser aplicável somente a partir de 27/04/2011 (data do julgamento do mérito da ADI):

(...) A Lei 11.738/2008 passou a ser aplicável a partir de 27.04.2011, data do julgamento de mérito desta ação direta de inconstitucionalidade e em que declarada a constitucionalidade do piso dos professores da educação básica. Aplicação do art. 27 da Lei 9.868/2001. (...) STF. Plenário. ADI 4167 ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 27/02/2013.

Ações judiciais pedindo a implementação do piso salarial Mesmo com a decisão do STF declarando a lei constitucional, alguns Estados e Municípios não cumpriram a determinação e deixaram de implementar o piso salarial. Isso motivou a propositura de uma série de ações individuais dos professores e também de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público. Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Maria é professora de um pequeno Município do interior. Lá ainda não foi implementado o piso salarial dos professores. Diante disso, Maria ajuíza ação pedindo a implementação do piso salarial. A ação foi proposta não apenas contra o Município, mas também contra a União. Segundo alegou Maria, a União teria o dever de cooperar com os Estados e Municípios que não conseguissem cumprir o “piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica”, por força do art. 4º, caput e § 2º da Lei nº 11.738/2008, o que justifica sua presença na lide. Confira o dispositivo legal:

Art. 4º A União deverá complementar, na forma e no limite do disposto no inciso VI do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em regulamento, a integralização de que trata o art. 3º desta Lei, nos casos em que o ente federativo, a partir da consideração dos recursos constitucionalmente vinculados à educação, não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado. (...) § 2º A União será responsável por cooperar tecnicamente com o ente federativo que não conseguir assegurar o pagamento do piso, de forma a assessorá-lo no planejamento e aperfeiçoamento da aplicação de seus recursos.

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A tese de Maria quanto à competência foi aceita pelo STJ? Nas ações pedindo a implementação do piso salarial dos professores, a União também deverá figurar na lide e, consequentemente, a competência será da Justiça Federal? NÃO. Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que a União não tem responsabilidade direta de garantir o pagamento do piso do magistério. O caput do art. 4º afirma que a União deverá fazer a complementação orçamentária para que o Estado ou Município institua o piso salarial, mas não de forma automática. Para que haja essa complementação, é necessário o preenchimento dos requisitos trazidos pelo caput. Além disso, o art. 4º, caput e § 2º é uma norma de direito financeiro, que apenas atribui à União o dever de complementar a integralização do piso na hipótese de o ente estadual ou municipal não apresentar disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado. Assim, esses dispositivos disciplinam apenas uma relação entre a União e o Estado (ou Município), não criando nenhuma responsabilidade da União perante terceiros. Existem, portanto, duas relações jurídicas distintas: 1) uma relação envolvendo o Município ou Estado e os professores, havendo, neste caso, um dever do ente de implementar o piso; 2) uma outra relação ligando o Município ou o Estado e a União, relação essa relacionada com a esfera orçamentária. O art. 4º, caput e § 2º trata sobre essa segunda relação. Assim, tais dispositivos referem-se, exclusivamente, à relação entre a União e o ente federativo que não conseguir assegurar o pagamento do piso. O STJ analisou este tema sob a sistemática do recurso repetitivo e fixou a seguinte tese:

Os dispositivos do art. 4º, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.738/2008 não amparam a tese de que a União é parte legítima, perante terceiros particulares, em demandas que visam à sua responsabilização pela implementação do piso nacional do magistério, afigurando-se correta a decisão que a exclui da lide e declara a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito ou, em sendo a única parte na lide, que decreta a extinção da demanda sem resolução do mérito. STJ. 1ª Seção. REsp 1.559.965-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 14/6/2017 (recurso repetitivo) (Info 606).

DESAPROPRIAÇÃO Ente desapropriante não responde por tributos anteriores à desapropriação

O ente desapropriante não responde por tributos incidentes sobre o imóvel desapropriado nas hipóteses em que o período de ocorrência dos fatos geradores é anterior ao ato de aquisição originária da propriedade.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.668.058-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/6/2017 (Info 606).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era dono de um imóvel e há dois anos não pagava o IPTU e a taxa de coleta domiciliar de lixo. Desse modo, estava devendo os anos de 2011 e 2012. Em 2013, a União desapropriou o imóvel de João para construir ali um órgão público. O Município cobrou, então, da União o pagamento dos tributos não pagos por João relativos aos anos de 2011 e 2012 alegando que o sucessor de bem imóvel, no ato de sua transmissão, assume os débitos

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tributários incidentes no referido imóvel, nos termos do art. 130 do CTN e do art. 31 do Decreto-lei 3.365/1941 (que trata sobre desapropriações):

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Art. 31. Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.

A tese do Município está correta? O Município poderá cobrar da União os tributos relacionados com o imóvel mesmo eles se referindo a um período anterior à desapropriação? NÃO.

O ente desapropriante não responde por tributos incidentes sobre o imóvel desapropriado nas hipóteses em que o período de ocorrência dos fatos geradores é anterior ao ato de aquisição originária da propriedade. STJ. 2ª Turma. REsp 1.668.058-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/6/2017 (Info 606).

Obrigações propter rem O art. 34 do CTN considera contribuintes do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. Os débitos de IPTU e da taxa de coleta domiciliar são considerados como obrigações propter rem, conforme preceitua o art. 130 do CTN. Isso significa que são obrigações que acompanham a coisa e vinculam todo e qualquer proprietário ou possuidor do imóvel, já que aderem ao título de propriedade ou à posse. Da análise dos arts. 130 e 131, I, do CTN conclui-se que o comprador do imóvel se sub-roga nos direitos e obrigações que decorrem da aquisição, ou seja, se torna pessoalmente responsável pelos impostos referentes ao bem adquirido. Aquisição da propriedade A aquisição da propriedade pode ser decorrente de vínculo originário ou derivado. A aquisição originária consiste em uma forma unilateral de se tornar possuidor do bem, não existindo qualquer bilateralidade (ou interação entre os sujeitos), para se transmitir vínculo obrigacional. Na aquisição derivada, há uma relação jurídica que precede ao uso, fruição ou gozo do bem, cujo repasse ocorre com a transferência de vínculos obrigacionais entre os sujeitos, diante de um negócio jurídico constitutivo. Desapropriação é forma de aquisição originária A desapropriação é uma forma originária de aquisição da propriedade. Isso porque ela não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado vai para o novo proprietário livre de quaisquer ônus que sobre ele incidissem antes. Assim, a desapropriação, por constituir uma aquisição originária da propriedade, afasta qualquer gravame incidente sobre o imóvel, de forma que o ente tributante recebe uma propriedade isenta de qualquer vínculo jurídico anterior que o precede, inclusive as obrigações ambulatoriais, de natureza híbrida, que acompanham, ressalvado os eventuais credores sub-rogados no preço. Desse modo, os débitos tributários incidentes sobre o imóvel expropriado relativos a um período anterior à desapropriação deverão ser cobrados do expropriado.

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DIREITO CIVIL

DIREITOS AUTORAIS Cobrança de direitos autorais em caso de hotel equipado com TV

Hotéis pagam direitos autorais ao ECAD pelo simples fato de os quartos serem equipados com TV

A simples disponibilização de aparelhos radiofônicos (rádios) e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD.

Se o quarto do hotel for equipado com TV por assinatura, tanto a empresa de TV a cabo como o hotel pagarão direitos autorais

Não há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria (hotel) como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura (ex: NET).

Prazo prescricional para o ECAD ajuizar ação cobrando direitos autorais

A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

ECAD não pode cobrar multa moratória prevista em seu regulamento

Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

Os hotéis são obrigados a pagar direitos autorais pelo fato de terem, em seus quartos, TVs? SIM.

A simples disponibilização de aparelhos radiofônicos (rádios) e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD. STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

O fundamento legal para a cobrança está no art. 68 da Lei nº 9.610/98:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (...) § 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica. § 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros

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Informativo 606-STJ (02/08/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas. § 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.

Aplica-se aqui a súmula 63 do STJ:

Súmula 63-STJ: São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: O ECAD ingressou com ação cobrando direitos autorais do hotel “Descanso Total” em razão de os quartos do estabelecimento possuírem televisores. O hotel contestou a demanda afirmando que é assinante de TV a cabo e que a empresa fornecedora do serviço (NET) já paga os direitos autorais ao ECAD. Assim, o ECAD cobrar da NET e também do hotel configuraria bis in idem. A tese do hotel foi acolhida pelo STJ? NÃO.

Não há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura. STJ. 3ª Turma. REsp 1.589.598-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

Realmente, neste caso, tanto a NET como o hotel irão pagar direitos autorais ao ECAD. Ocorre que isso se deve a “motivos” (fatos geradores) diferentes:

O fato gerador da obrigação do hotel é a captação de transmissão de radiodifusão em local de frequência coletiva.

O fato gerador da obrigação da NET é a própria radiodifusão sonora ou televisiva. Dessa forma, os fatos geradores são autônomos e geram obrigações que são exigíveis de modo independente. O art. 29 da Lei nº 9.610/98 deixa claro que existe distinção entre “radiodifusão sonora ou televisa” e “captação de transmissão de radiodifusão” e que para cada uma das situações exige-se autorização específica:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (...) VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: (...) d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva;

Qual é o prazo prescricional para o ECAD ajuizar ação cobrando direitos autorais? 3 anos, considerando que a situação se enquadra no art. 206, § 3º, V, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil;

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A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.474.832/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/12/2016.

Uma última pergunta: o regulamento do ECAD prevê que a pessoa que deixar de quitar os direitos autorais no prazo estipulado é obrigada a pagar uma multa moratória de 10% sobre o valor devido, sem prejuízo da multa prevista no art. 109 da Lei nº 9.610/98. Esta multa moratória é válida? NÃO.

Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. STJ. 3ª Turma. REsp 1.474.832/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/12/2016.

DIREITOS AUTORAIS Gravação de mensagem de voz para central telefônica

não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor

Gravação de mensagem de voz para central telefônica não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor, por não representar execução de obra literária ou artística ou de expressão do folclore.

O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais.

Isso porque a Lei nº 9.610/98 protege apenas os intérpretes ou executantes: de obras literárias ou artísticas; ou de expressões do folclore. A simples locução de uma saudação telefônica não se enquadra nessas situações que merecem proteção da Lei nº 9.610/98.

Os direitos da personalidade podem ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral

O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

Imagine a seguinte situação adaptada: Maria é locutora profissional e foi contratada pela empresa “ATT Comunicações” para gravar a seguinte mensagem de voz: “Olá. Você ligou para a central de atendimento ao cliente da Microsoft. Aguarde alguns instantes que já iremos atendê-lo.” A “ATT Comunicações”, por sua vez, celebrou contrato com a Microsoft fornecendo essa gravação para que a referida empresa de informática utilizasse a saudação em sua central de atendimento aos clientes. Após algum tempo, Maria ajuizou ação de indenização contra a Microsoft alegando que sua voz foi utilizada indevidamente pela empresa. Argumentou que a gravação foi realizada pela “ATT Comunicações”, sob o pretexto de que seriam meros testes, para os quais ela teria recebido ínfima remuneração. Afirmou que as gravações foram comercializadas para a Microsoft sem a sua autorização.

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Primeira pergunta sobre o tema: a presente gravação de voz é protegida pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98)? NÃO. Os direitos do artista intérprete e executante, embora guardem muitas semelhanças com os direitos do autor, com eles não se confundem. Artistas intérpretes ou executantes são os atores, cantores, músicos, dançarinos e outras pessoas que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem, por qualquer forma, obras literárias ou artísticas. Os direitos do artista executante são conhecidos como direitos conexos aos de autor (direitos afins ou direitos vizinhos, em tradução da expressão em inglês neighboring rights). No plano internacional, os direitos de autor foram objeto da Convenção de Berna (1896). Os direitos conexos, por sua vez, foram objeto da Convenção de Roma (1961), assinada 65 anos depois. Os direitos conexos devem sua existência a uma obra autoral prévia. Em outras palavras, o direito do artista intérprete decorre de sua intervenção, de forma original, criativa e com a devida autorização, em uma obra autoral preexistente. Sem essa obra anterior, não há a conexão que dá nome a esses direitos. Assim, se um intérprete canta uma música, isso significa que essa interpretação é um direito conexo ao direito autoral do compositor da referida canção. A Lei nº 9.610/98 não protege todos os intérpretes ou executantes. O legislador fez uma escolha e decidiu proteger apenas os intérpretes ou executantes:

de obras literárias ou artísticas; ou

de expressões do folclore. Isso foi consignado no art. 5º, XIII, da Lei nº 9.610/98:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: (...) XIII - artistas intérpretes ou executantes - todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore.

Portanto, para o ordenamento jurídico brasileiro, se não há obra autoral de natureza literária ou artística ou uma expressão do folclore preexistente a ser executada, não se mostra possível o reconhecimento de direitos conexos dos executantes. No caso concreto, a gravação feita por Maria foi a de uma simples locução com a leitura de uma mensagem anteriormente redigida. Assim, essa gravação não pode ser classificada como sendo a execução de uma “obra literária ou artística” nem como sendo a “expressão de folclore”. Logo, diante disso, essa gravação não pode ser considerada como “direito conexo aos direitos autorais”. Por mais elástico que se considere o conceito de obra artística e literária, ele não abrange saudações telefônicas que, via de regra, não preenchem o requisito mínimo de originalidade necessário para o reconhecimento da proteção autoral. Resumindo:

O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais. Isso porque a Lei nº 9.610/98 protege apenas os intérpretes ou executantes: de obras literárias ou artísticas; ou de expressões do folclore. A simples locução de uma saudação telefônica não se enquadra nessas situações que merecem proteção da Lei nº 9.610/98. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

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Vale ressaltar que a voz, mesmo quando não se enquadra como direito conexo ao de autor, ainda assim goza de proteção legal por ser considerada como um “direito da personalidade”, garantido pela Constituição Federal e pelo Código Civil. A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal. Sendo a voz um direito de personalidade, ela poderia ter sido comercializada e utilizada para fins comerciais? Claro que sim. O simples fato de se tratar de direito da personalidade não afasta a possibilidade de exploração econômica da voz. O exercício dos direitos da personalidade, a despeito da redação literal do art. 11 do Código Civil, são passíveis de limitação voluntária, desde que limitada. Esse é o teor do Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, em que se afirma: "O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral". Perfeitamente possível e válido, portanto, o negócio jurídico que tenha por objeto a gravação de voz, devendo-se averiguar apenas se foi ela gravada com autorização do seu titular e se sua utilização ocorreu dentro dos limites contratuais.

O exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.630.851-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

No caso concreto, o STJ aceitou o argumento da locutora de que não autorizou a cessão de sua voz para a Microsoft? NÃO. O STJ entendeu que houve sim autorização por parte da locutora. Na gravação, a locutora lê mensagens redigidas para serem utilizadas especificamente pela Microsoft, atendendo de forma personalizada às necessidades de sua central telefônica. Nesse contexto, o simples fato de ter anuído com a realização da gravação em si já denota a autorização da autora para a utilização de sua voz. Afinal, se não desejasse ver sua voz utilizada na central telefônica da empresa, por que procedeu à gravação? Se a empresa “ATT Comunicações” não cumpriu com suas obrigações firmadas perante a locutora, tendo comercializado sua voz sem ter lhe pagado o valor integralmente acordado, a autora deverá buscar o adimplemento contratual, e não a responsabilização civil da Microsoft. O STJ entendeu que estava presente a boa-fé da Microsoft porque ela contratou gravação de saudação telefônica personalizada específica para suas necessidades e assim recebeu a gravação, podendo presumir que a titular da voz (no caso, Maria) estava de acordo com sua utilização.

DIVÓRCIO Em caso de divórcio no qual se pede a desconsideração inversa da personalidade jurídica, deve-

se incluir no polo passivo a pessoa que teria participado do conluio com o cônjuge

A sócia da empresa, cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar, que teria sido beneficiada por suposta transferência fraudulenta de cotas sociais por um dos cônjuges, tem legitimidade passiva para integrar a ação de divórcio cumulada com partilha de bens, no bojo da qual se requereu a declaração de ineficácia do negócio jurídico que teve por propósito

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transferir a participação do sócio/ex-marido à sócia remanescente, dias antes da consecução da separação de fato.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.522.142-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

Princípio da autonomia patrimonial As pessoas jurídicas são sujeitos de direitos. Isso significa que possuem personalidade jurídica distinta de seus instituidores. Assim, por exemplo, não é porque o sócio morreu que, obrigatoriamente, a pessoa jurídica será extinta. De igual modo, o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios. Ex.1: se uma sociedade empresária possui um veículo, esse automóvel não pertence aos sócios, mas sim à própria pessoa jurídica. Ex.2: se uma sociedade empresária possui uma dívida, este débito deverá ser pago com os bens da própria sociedade, não podendo para isso, em regra, ser utilizado o patrimônio pessoal dos sócios. Vigora, portanto, o princípio da autonomia patrimonial entre os bens do sócio e da pessoa jurídica. Desconsideração da personalidade jurídica O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que essa autonomia patrimonial pode ser afastada. Tais hipóteses são chamadas de “desconsideração da personalidade jurídica” (disregard of legal entity ou teoria do superamento da personalidade jurídica). Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos administradores ou sócios são utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica. Por que foi idealizada essa teoria da desconsideração da personalidade jurídica? A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas sempre foi um instrumento muito importante para o desenvolvimento da economia e da atividade empresarial. Isso porque serviu para estimular os indivíduos a praticarem atividades econômicas, uma vez que, constituindo pessoas jurídicas, as pessoas físicas sabiam que apenas o patrimônio da sociedade empresária responderia pelas dívidas em caso de insucesso. Com isso, as pessoas físicas ficavam mais seguras, já que, mesmo que o empreendimento não prosperasse, elas não perderiam também o seu patrimônio pessoal não investido na sociedade. Ocorre que alguns indivíduos começaram a abusar da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, utilizando-a como um meio de praticar fraudes. A pessoa jurídica, após adquirir diversas dívidas, transferia todo lucro e patrimônio para o nome dos sócios e, com isso, não tinha como pagar os compromissos assumidos, não sobrando bens da sociedade que pudessem ser executados pelos credores. Percebendo esse abuso, a jurisprudência passou a permitir a desconsideração da personalidade jurídica nessas hipóteses. Posteriormente, foram editadas leis prevendo expressamente a possibilidade da desconsideração. Desconsideração da personalidade jurídica no CC-2002 A desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito das relações civis gerais, está disciplinada no art. 50 do CC:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desse modo, na desconsideração da personalidade jurídica, o juiz, mediante requerimento, autoriza que os bens particulares dos administradores ou sócios sejam utilizados para pagar as dívidas da pessoa jurídica, mitigando, assim, a autonomia patrimonial.

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O que é desconsideração INVERSA da personalidade jurídica? Na desconsideração inversa (ou invertida) da personalidade jurídica, o juiz, mediante requerimento, autoriza que os bens da pessoa jurídica sejam utilizados para pagar as dívidas dos sócios. Segundo a Min. Nancy Andrighi, “a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.” (REsp 1.236.916-RS). Assim, é possível “a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva" (REsp 1.236.916-RS). Os exemplos mais citados pelos livros sobre desconsideração inversa estão no campo do Direito de Família. É o caso de um marido (ou companheiro) que transfere todos os seus bens para a sociedade empresária a fim de não ter que dividir seu patrimônio no divórcio ou dissolução da união estável. A desconsideração inversa é admitida no direito brasileiro? SIM, há um enunciado da IV Jornada de Direito Civil consagrando o instituto. De igual forma, o STJ possui precedentes admitindo a desconsideração inversa. Enunciado 283-CJF: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

(...) A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV — Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 948117/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010.

Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados em regime da comunhão parcial de bens. João possuía 50% das cotas sociais de uma sociedade empresária (“ABC Comércio Ltda”). Os outros 50% pertenciam a Júlia, sua amiga. João, percebendo que o relacionamento com Maria não estava mais indo bem, transferiu 49% de suas cotas a Júlia. Maria ajuizou ação de divórcio contra João e, incidentalmente, pediu a desconsideração inversa da personalidade jurídica, alegando que houve desvio de finalidade e que ela teria direito a metade dos bens adquiridos em nome da sociedade empresária. Maria pode fazer o pedido de desconsideração da personalidade jurídica dentro da ação de divórcio? SIM. Existe a possibilidade de cumulação de pedidos na ação de divórcio. Assim, no caso concreto, a parte autora requereu, além da dissolução do vínculo conjugal, a partilha de bens e a declaração de ineficácia da alteração contratual que resultou na cessão de todas as cotas sociais do ex-cônjuge para o outro sócio.

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Além de João, Maria deverá incluir também Júlia e a “ABC” no polo passivo desta ação de divórcio? SIM.

A sócia da empresa, cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar, que teria sido beneficiada por suposta transferência fraudulenta de cotas sociais por um dos cônjuges, tem legitimidade passiva para integrar a ação de divórcio cumulada com partilha de bens, no bojo da qual se requereu a declaração de ineficácia do negócio jurídico que teve por propósito transferir a participação do sócio/ex-marido à sócia remanescente, dias antes da consecução da separação de fato. STJ. 3ª Turma. REsp 1.522.142-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/6/2017 (Info 606).

Em regra, a ação de divórcio é personalíssima e somente envolve os cônjuges. No entanto, no presente caso, a sócia remanescente possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação de divórcio em decorrência da relação jurídica de direito material existente entre ela e o marido da requerente, considerando que eles teriam feito eventual conluio com o intuito de burlar a partilha de bens. Diante de tais premissas, existe, no presente caso, a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, desde que comprovados os requisitos legais previstos no art. 50 do CC.

UNIÃO ESTÁVEL Benefício de previdência privada fechada não entra na partilha em caso de fim de relação

O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida pela comunhão parcial de bens.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.477.937-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

Se duas pessoas estão vivendo em união estável, a lei prevê regras para disciplinar o patrimônio desse casal? SIM. O Código Civil estabelece que, na união estável, as relações patrimoniais entre o casal obedecem às regras do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725). Em outras palavras, é como se as pessoas que vivem em união estável estivessem casadas sob o regime da comunhão parcial de bens. Como funciona o regime da comunhão parcial? O regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC. Nessa espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com exceção dos casos previstos no Código Civil. Dito de outro modo, os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que diz a Lei:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

O art. 1.660 lista bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal:

Art. 1.660. Entram na comunhão: I — os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II — os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III — os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV — as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V — os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

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O art. 1.659, por sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I — os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II — os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III — as obrigações anteriores ao casamento; IV — as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V — os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI — os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria viviam em união estável. Durante este relacionamento, João fez um plano de previdência complementar fechada do tipo PGBL. Alguns anos depois, a união chegou ao fim e iniciou-se a discussão quanto à divisão dos bens. A dúvida que surgiu foi a seguinte: este plano de previdência complementar fechada deverá ser repartido (partilhado) entre João e Maria? NÃO.

O benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida pela comunhão parcial de bens. STJ. 3ª Turma. REsp 1.477.937-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/4/2017 (Info 606).

O benefício de previdência privada fechada amolda-se como sendo uma das exceções previstas no art. 1.659, VII, do CC:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: (...) VII — as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

A previdência complementar fechada possui natureza análoga aos institutos das pensões, meios-soldos, montepios, incluindo-se, por isso, na expressão "outras rendas” prevista no art. 1.659, VII, do CC/2002. Desse modo, trata-se de verba excluída da partilha em caso de dissolução da união estável. Vale ressaltar, inclusive, que o valor investido na previdência complementar fechada não pode nem ser resgatado por livre escolha do participante, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias. Existem requisitos para que ocorra o levantamento a fim de que se mantenha o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência. Admitir a possibilidade de resgate antecipado de renda investida no plano de previdência privada fechada significaria lesar terceiros de boa-fé (demais participantes do plano). Apenas a título de reforço de argumentação, vale ressaltar que a aposentadoria pública (benefício pago pelo INSS) também não é incluída na meação como "bem", sendo incomunicável.

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ALIMENTOS Ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança

A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.423-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

Alimentos gravídicos A mulher gestante tem o direito de pleitear os alimentos que sejam necessários para cobrir suas despesas durante o período de gravidez, da concepção ao parto. Isso é chamado de alimentos gravídicos, sendo disciplinados pela Lei nº 11.804/2008. O que abrangem os alimentos gravídicos? Os alimentos gravídicos compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes (art. 2º da Lei nº 11.804/2008). Futuro pai Os alimentos gravídicos referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos (art. 2º, parágrafo único). Alimentos gravídicos x pensão alimentícia Os alimentos gravídicos não se confundem com pensão alimentícia. O destinatário direto da pensão alimentícia é o menor. Por outro lado, o destinatário direto dos alimentos gravídicos é a mulher gestante, sendo esse dinheiro voltado para custear as despesas decorrentes da gravidez. Assim, a gestante é a beneficiária direta dos alimentos gravídicos. Os direitos do nascituro acabam também resguardados, mas apenas como uma consequência. Indícios da paternidade Durante o período gestacional existe uma dificuldade muito grande de se fazer o exame de DNA para se confirmar a paternidade. Ciente disso, a Lei nº 11.804/2008 afirmou que, para a concessão dos alimentos gravídicos, basta a comprovação de “indícios da paternidade”. Necessidade e possibilidade Os alimentos gravídicos serão concedidos com base nas necessidades da parte autora e nas possiblidades da parte ré. Prazo de resposta Na ação pedindo alimentos gravídicos, o réu será citado para apresentar resposta no prazo de 5 dias. Até quando duram os alimentos gravídicos? Os alimentos gravídicos perdurarão até o nascimento da criança.

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E o que acontece com os alimentos gravídicos após o parto? Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão (art. 6º, parágrafo único). Em outras palavras, os alimentos gravídicos são convertidos em pensão alimentícia. Essa conversão ocorre de maneira automática? SIM. Essa conversão ocorre de forma automática, sem necessidade de pedido da parte nem de pronunciamento judicial. Desse modo, os alimentos gravídicos ficam automaticamente convertidos em pensão alimentícia e esta pensão irá perdurar até que haja uma eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. Celeridade na prestação jurisdicional O objetivo do legislador ao estipular essa conversão automática foi o de garantir uma maior celeridade na prestação jurisdicional, além de facilitar o acesso à Justiça e favorecer de logo a solução de mérito da demanda. Mudança na legitimidade para a execução das quantias não pagas Havendo a alteração da titularidade dos alimentos, concomitantemente também será modificada a legitimidade ativa ad causam para a propositura de eventual ação executiva. Isso significa que, após o nascimento, o recém-nascido é que passará a ser a parte legítima para requerer a execução, seja da obrigação referente aos alimentos gravídicos seja da pensão alimentícia eventualmente inadimplida. Desse modo, pode-se dizer que, com o nascimento ocorrerá o fenômeno da “sucessão processual”. O que acontece se, no curso de uma ação de alimentos gravídicos, ocorre o nascimento da criança? Haverá perda do objeto? NÃO.

A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.629.423-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

DENUNCIAÇÃO DA LIDE Mesmo apresentada fora do prazo, a denunciação da lide feita pelo réu pode ser admitida

se o denunciado comparece apenas para contestar o pedido do autor

Não é extinta a denunciação da lide apresentada intempestivamente pelo réu nas hipóteses em que o denunciado contesta apenas a pretensão de mérito da demanda principal.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.637.108-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

Denunciação da lide Denunciação da lide é uma forma de intervenção de terceiros...

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- por meio da qual uma das partes (pode ser o autor ou o réu) - pede o ingresso no processo de um terceiro - alegando que este deve participar da lide porque tem a responsabilidade de indenizá-la - pelos eventuais prejuízos que tiver que suportar com a demanda. Hipóteses As hipóteses de denunciação da lide estão previstas no CPC nos seguintes termos:

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam; II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

A denunciação da lide é um dever da parte? Se ela não fizer a denunciação da lide, perderá o direito de, posteriormente, cobrar o terceiro pelos prejuízos que teve com a demanda? NÃO. A denunciação da lide não é um dever. Trata-se de um ônus à parte que não a promove. Isso significa que a falta de denunciação da lide não leva à perda do direito de garantia, de regresso, ou aquele proveniente da evicção, mas sim somente ao desperdício da oportunidade de obtenção do direito material no mesmo processo, o que não impede, pois, o ajuizamento de ação autônoma (Min. Nancy Andrighi). Denunciação da lide pelo autor Tanto o réu quanto o próprio autor podem denunciar a lide. A denunciação da lide feita pelo autor é uma hipótese muito rara. O exemplo dado pela doutrina é o caso da ação reivindicatória proposta pelo proprietário de um bem que denuncia o alienante evicto para garantir o ressarcimento pelos eventuais prejuízos advindos de sua derrota na demanda que move contra o réu (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 363). O autor que quiser denunciar a lide deverá fazê-lo dentro da própria petição inicial. Denunciação da lide pelo réu A denunciação da lide pelo réu representa a esmagadora maioria dos casos. A denunciação da lide pelo réu deve ser feita na contestação. Veja o que diz o CPC:

Art. 126. A citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor, ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131.

Assim, a denunciação deve ser oferecida pelo autor, na própria petição inicial, ou pelo réu, no prazo da contestação. Posturas do denunciado em caso de denunciação feita pelo réu Se oferecida a denunciação pelo réu, o denunciado pode: a) aceitar a denunciação e deduzir defesa contrária à pretensão do autor; b) ser revel ou negar a qualidade que lhe é atribuída; ou c) confessar os fatos alegados pelo autor.

Art. 128. Feita a denunciação pelo réu: I - se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;

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II - se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva; III - se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso.

Lides que podem existir quando o réu faz a denunciação Na denunciação formulada pelo réu, podem existir duas lides paralelas: a) a principal, que consiste na discussão sobre a existência ou não da responsabilidade civil entre autor e réu; e b) a secundária e sucessiva, que consiste na existência ou não do dever da denunciada de ressarcir o prejuízo do denunciante. Vale ressaltar, no entanto, que essa segunda lide (letra “b”) pode não existir. Isso porque pode ser que o denunciado compareça ao processo apenas para contestar o pedido do autor, sem negar que tenha dever de indenizar o denunciante caso este perca. É o que diz o art. 128, I, do CPC:

Art. 128. Feita a denunciação pelo réu: I - se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;

A partir do momento em que o denunciado aceita a denunciação da lide e se limita a impugnar o pedido do autor, demonstra ter admitido a existência da relação jurídica que o obriga regressivamente frente ao denunciante, optando apenas por, junto com o denunciante, resistir à pretensão contida na petição inicial. Nessa hipótese, tendo havido o reconhecimento da denunciação, não haverá mais discussão quanto à lide secundária, ficando o denunciado sujeito aos efeitos da sentença da causa principal. Em outras palavras, se o denunciante perder a lide principal, não haverá mais dúvidas de que o denunciado terá que indenizá-lo. Não existe mais espaço para discussão sobre o dever ou não do denunciado indenizar. Isso já está certo. Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: O parque de diversões “ABC” possuía um contrato de seguro por meio do qual a seguradora se obrigava a pagar a indenização pelos acidentes que pudessem resultar em danos aos consumidores. Lucas sofreu um acidente e ajuizou ação de indenização contra o parque. O réu contestou a demanda no último dia do prazo e alguns dias depois disso apresentou denunciação da lide convocando a seguradora para participar da demanda. A seguradora compareceu e apenas contestou o pedido formulado pelo autor, nada alegando quanto ao contrato de seguro e seu dever de indenizar. O juiz, ao final, julgou o pedido procedente e condenou o parque e a seguradora a indenizarem Lucas. A seguradora apelou alegando que a denunciação da lide foi feita fora do prazo e, portanto, a denunciação da lide deveria ser extinta. A tese da seguradora foi aceita pelo STJ? NÃO.

Não é extinta a denunciação da lide apresentada intempestivamente pelo réu nas hipóteses em que o denunciado contesta apenas a pretensão de mérito da demanda principal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.637.108-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

O processo é instrumento para a realização do direito material, razão pela qual, se o denunciado reconhece sua condição de garantidor do eventual prejuízo, não há razões práticas para que se exija que,

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em virtude de defeitos meramente formais na articulação da denunciação da lide, o denunciante se veja obrigado a ajuizar uma ação autônoma de regresso em desfavor do denunciado. O instituto da denunciação tem a função de adicionar ao processo uma nova lide, atendendo ao princípio da economia processual. Assim, a eventual falta de observância de regra procedimental não implica, necessariamente, o reconhecimento de invalidade dos atos praticados. Na presente situação, embora a denunciação da lide tenha sido formulada fora do prazo, a denunciada, ao se apresentar apenas para contestar o pedido do autor, reconheceu sua condição de garantidora. Portanto, não deve o juiz desconsiderar essa denunciação, sob pena de violar os princípios da primazia do julgamento de mérito e da instrumentalidade das formas.

ASTREINTES É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública para fornecimento de medicamento

Importante!!!

É permitida a imposição de multa diária (astreintes) a ente público para compeli-lo a fornecer medicamento a pessoa desprovida de recursos financeiros.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.474.665-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/4/2017 (recurso repetitivo) (Info 606).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é portador de uma grave doença e seu médico prescreveu determinado medicamento que não é fornecido pela rede pública de saúde. O paciente, por intermédio da Defensoria Pública, ajuíza ação ordinária de obrigação de fazer contra o Estado-membro pedindo o fornecimento desse medicamento. O juiz defere a tutela provisória de urgência antecipada determinado o fornecimento do medicamento no prazo de 5 dias. Na decisão, o magistrado fixa multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Indaga-se: o juiz pode fazer isso? Pode determinar ao Poder Público o fornecimento de medicamento a portador de doença grave, sob pena de multa diária? SIM.

É permitida a imposição de multa diária (astreintes) a ente público para compeli-lo a fornecer medicamento a pessoa desprovida de recursos financeiros. STJ. 1ª Seção. REsp 1.474.665-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/4/2017 (recurso repetitivo) (Info 606).

Astreintes A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é prevista no art. 537 do CPC/2015:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

Assim, a multa coercitiva pode ser aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir:

uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória; ou

uma sentença que julgou procedente o pedido do autor.

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A função das astreintes é a de tentar vencer a recalcitrância (recusa) do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe é imposta. É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública? SIM. É perfeitamente possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer (STJ. 2ª Turma. REsp 1654994/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/04/2017). Direito à saúde Em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público recalcitrante, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. O direito à saúde é um direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Julgado correlato Vale trazer aqui um outro importante julgado que também está relacionado com o tema:

Em ação para fornecimento de medicamentos, o juiz pode determinar o bloqueio e sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento da decisão. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar, até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. STJ. 1ª Seção. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo) (Info 532).

TÍTULO EXECUTIVO Construcard não é título executivo

Atenção! Juiz Federal e DPU

O contrato particular de abertura de crédito a pessoa física visando financiamento para aquisição de material de construção – Construcard –, ainda que acompanhado de demonstrativo de débito e nota promissória, não é título executivo extrajudicial.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.323.951-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/5/2017 (Info 606).

Construcard Construcard é um serviço oferecido pela Caixa Econômica Federal (CEF). A pessoa que quer comprar materiais de construção, mas não dispõe do dinheiro para pagar à vista, pode celebrar um contrato com a CEF por meio do qual ela receberá um cartão Construcard e com ele poderá comprar os produtos de forma parcelada em lojas que são conveniadas com a instituição financeira. Trata-se, na verdade, de uma linha de crédito (um dinheiro emprestado) oferecida para a compra de materiais de construção, reforma ou ampliação de imóvel residencial, com verbas disponibilizadas pela Caixa Econômica, por meio de cartão magnético específico. A pessoa que quiser contratar o Construcard irá celebrar com a CEF um contrato particular de abertura de crédito a pessoa física. Será liberado um crédito de até determinado valor para o contratante possa comprar os materiais de construção e a quantia que for utilizada depois deverá ser devolvida à CEF com juros e correção monetária, como em um empréstimo normal.

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Crédito fixo x crédito rotativo

Contrato de abertura de crédito FIXO Contrato de abertura de crédito (crédito rotativo, em conta-corrente ou cheque especial)

O contrato de crédito fixo consiste na concessão, por parte da instituição financeira ao seu cliente, de valor certo, com termo e encargos pré-definidos. No momento da assinatura do contrato, o contratante já sabe de antemão o valor total da dívida. O contrato de abertura de crédito fixo equivale a um contrato de mútuo feneratício. Depois de assinado o pacto, o banco credita o valor certo e determinado da quantia ao cliente e este assume a obrigação de devolvê-la com juros e correção monetária, quando chegar o termo ajustado. Trata-se de título executivo extrajudicial porque é considerado líquido, certo e exigível (STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1255636/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/12/2015). Não incide aqui a Súmula 233 do STJ. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1167623/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/12/2014.

No contrato de abertura de crédito rotativo o banco se compromete a deixar disponível ao cliente uma determinada quantia, sendo que o contratante pode ou não se utilizar do valor. Não é considerado título executivo porque não goza de liquidez e certeza. Súmula 258-STJ: A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou. Súmula 233-STJ: O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo. Súmula 247-STJ: O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória. Súmula 300-STJ: O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João queria reformar sua casa, mas não tinha dinheiro para isso. Procurou, então, a CEF e celebrou contrato de abertura de crédito a pessoa física para aquisição de materiais de construção. Pelo contrato, João teria direito de um limite de crédito de até R$ 35 mil reais, ficando a CEF obrigada a disponibilizar o valor por meio de um cartão denominado Construcard, entregue ao mutuário. Vale ressaltar que esses R$ 35 mil podem ser utilizados ou não, podendo também o contratante utilizar apenas uma parte da quantia. A dinâmica da operação consiste na concessão de um cartão - nominado de Construcard - para utilização de crédito total de R$ 35 mil. Os 6 primeiros meses são destinados à utilização do crédito (prazo de utilização) e os 30 meses seguintes voltados para a amortização da dívida (prazo de amortização). Como garantia de que irá pagar o valor utilizado, João teve que assinar uma nota promissória. João utilizou R$ 20 mil com o cartão Construcard. Ocorre que chegou a data do pagamento e ele não teve condições financeiras de quitar a dívida. Diante disso, a CEF ajuizou execução de título extrajudicial contra João juntando, como título executivo, o contrato particular de abertura de crédito a pessoa física acompanhado do demonstrativo das compras que foram feitas pelo devedor e também da nota promissória por ele assinada. Essa execução terá êxito? NÃO.

O contrato particular de abertura de crédito a pessoa física visando financiamento para aquisição de material de construção – Construcard –, ainda que acompanhado de demonstrativo de débito e nota promissória, não é título executivo extrajudicial. STJ. 4ª Turma. REsp 1.323.951-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/5/2017 (Info 606).

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Construcard não é um contrato de crédito fixo O formato da operação acaba por afastá-la da caracterização do crédito fixo, uma vez que o valor do principal da dívida não é demonstrável imediatamente. Apesar de haver a disponibilização de quantia certa, esta poderá ou não ser utilizada pelo cliente, não se sabendo, no momento da assinatura do contrato, qual será ao certo o valor do débito, as parcelas devidas e a data de início da contagem dos encargos correspondentes, uma vez que a apuração dependerá da efetiva utilização do crédito em momento posterior, o que o faz se aproximar, de alguma forma, do crédito rotativo. Ausência de liquidez No Construcard a dívida cobrada não é líquida. Isso porque a definição do valor devido dependerá sempre de apuração com base em fatos e provas. Valor é definido por meio de cálculos unilaterais do credor Ademais, neste tipo de contrato a definição da quantia a ser paga é feita com base em documento unilateral produzido e juntado aos autos pela instituição financeira. A jurisprudência entende que esse tipo de documento não serve como título executivo. Isso porque o credor não pode criar um título executivo sozinho, ou seja, sem a participação do devedor, colocando ali os valores que ele entende devidos. Em suma A ausência de executividade desta modalidade de crédito decorre do fato de que, quando da assinatura do instrumento pelo consumidor - ocasião em que a obrigação nasce para a instituição financeira, de disponibilizar determinada quantia ao seu cliente -, não há dívida líquida e certa, sendo que os valores eventualmente utilizados são documentados unilateralmente produzidos pela própria instituição, sem qualquer participação, muito menos consentimento, do cliente. E o que a Caixa poderá fazer? Ingressar com uma ação de cobrança ou ação monitória (esta última, a melhor opção).

DIREITO PENAL

CRIMES DE TRÂNSITO Em caso de concurso formal de crimes, o perdão judicial concedido

para um deles não necessariamente deverá abranger o outro

Importante!!!

O fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovada, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima fatal.

Ex: o réu, dirigindo seu veículo imprudentemente, causa a morte de sua noiva e de um amigo; o fato de ter sido concedido perdão judicial para a morte da noiva não significará a extinção da punibilidade no que tange ao homicídio culposo do amigo.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.699-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 1/6/2017 (Info 606).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João estava em um aniversário com sua noiva Rafaela. Quando iam saindo, Pedro, amigo do casal, pediu uma carona. João começou a dirigir de forma imprudente e, em razão disso, acabou acertando um poste. Rafaela e Pedro morreram em virtude do acidente. O Ministério Público denunciou João por dois homicídios culposos na direção de veículo automotor em concurso formal (art. 302, caput, da Lei nº 9.503/97 c/c art. 70 do Código Penal). Em sua defesa, João alegou que o acidente lhe trouxe graves consequências psicológicas considerando que nele faleceu sua noiva com quem iria casar daqui a alguns meses. Em razão disso, pediu o reconhecimento do perdão judicial previsto no art. 121, § 5º do CP:

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Entendendo melhor o perdão judicial O Código Penal prevê que o homicídio culposo pode trazer consequências tão negativas para o agente que não é justo que a ele seja aplicada a pena por esse crime. Desse modo, o juiz, mesmo reconhecendo que existem provas suficientes para condenar o réu, não aplica a ele nenhuma pena, declarando extinta a sua punibilidade. A isso se chama perdão judicial. Ex.1: pai que, agindo culposamente, causa a morte de seu amado filho. Ex.2: sujeito que, agindo culposamente, causa um acidente no qual um terceiro morre e ele próprio fica tetraplégico. Nesses dois exemplos, as consequências do crime atingem o agente de forma tão forte e cruel que a sanção penal é desnecessária e seria até desumana. A vida e o destino já puniram o sujeito. Consequências físicas ou morais Para a aplicação do perdão judicial, o agente responsável pelo crime deve ter sofrido, em razão do fato, graves consequências físicas (ex.: tetraplegia) ou morais/psicológicas (ex.: perda de um ente querido). Para concessão do perdão judicial com base nas consequências psicológicas exige-se um vínculo prévio entre o autor e a vítima Para aplicação do perdão judicial baseado no sofrimento psicológico do agente, o STJ tem exigido a existência de um vínculo, de um laço prévio de conhecimento entre os envolvidos, para que seja "tão grave" a consequência do crime ao agente. Assim, a interpretação dada, na maior parte das vezes, é no sentido de que só sofre intensamente o réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que reputo não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão grave sofrimento –, serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito com vítima fatal. STJ. 6ª Turma. REsp 1455178/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 06/06/2014. Qual é a natureza jurídica do § 5º do art. 121 do CP? Trata-se de perdão judicial, que é uma causa de extinção da punibilidade (art. 107, IX do CP). É possível que o perdão judicial seja reconhecido pelo juiz ainda na fase de inquérito policial ou na decisão de absolvição sumária? NÃO. Prevalece que o perdão judicial apenas pode ser reconhecido no momento da sentença. Isso porque somente será aplicado o perdão judicial se existirem provas suficientes para a condenação, análise que deve ser feita após toda a instrução. Se houver motivos para absolver o réu, deve-se prolatar sentença

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absolutória (e não de perdão judicial), afinal de contas, se ele não é culpado pelo crime, não há motivo para ser “perdoado”. Qual é a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial? A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula 18-STJ). Ressalte-se novamente: reconhecido o perdão judicial, não subsiste nenhum efeito negativo para o réu. Nesse sentido, veja o que diz o art. 120 do CP:

Art. 120. A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.

Obs.: o perdão judicial é previsto para outros crimes além do homicídio culposo (ex.: art. 129, § 8º do CP). É possível aplicar o perdão judicial do art. 121, § 5º do CP ao homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB)? SIM. Essa é a posição do STJ e da doutrina majoritária (Rogério Greco, Nucci, entre outros). Voltando ao nosso exemplo: O juiz concordou em parte com o argumento do réu e concedeu o perdão judicial apenas em relação à morte de Rafaela, negando no que tange ao homicídio de Pedro. O contexto probatório evidenciou que o réu tinha um relacionamento afetivo com a vítima Rafaela e cuja morte causou enorme sofrimento psicológico. No entanto, não foram produzidas provas de que o acusado fosse extremamente próximo e íntimo de Pedro. Assim, o juiz declarou extinta a punibilidade de João quanto à morte de Rafaela, mas condenou o réu pelo homicídio de Pedro. O condenado recorreu alegando que, diante da existência de concurso formal, a concessão de perdão judicial para um dos crimes implica necessariamente a extinção da punibilidade com relação ao outro. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovada, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima fatal. STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.699-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 1/6/2017 (Info 606).

Não é possível a extensão do efeito de extinção da punibilidade pelo perdão judicial concedido em relação a um delito para outro crime tão-somente por terem sido praticados em concurso formal. O perdão judicial é uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, de forma que somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si (isoladamente), e não de forma generalizada, como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO Mera intuição de que está havendo tráfico de drogas na casa não autoriza

o ingresso sem mandado judicial ou consentimento do morador

Importante!!!

O ingresso regular da polícia no domicílio, sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, para que seja válido, necessita que haja fundadas razões (justa causa) que sinalizem a ocorrência de crime no interior da residência.

A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial em via pública para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.574.681-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 606).

Imagine a seguinte situação hipotética: Os policiais estavam fazendo uma ronda no bairro. João, que estava na frente de um local conhecido por ser uma boca-de-fumo, ao avistar os policiais, correu para dentro de sua residência. Os policiais foram até o local e, desconfiados pelo fato de João ter fugido, entraram na sua casa mesmo sem autorização judicial ou do morador. Os agentes encontraram, então, grande quantidade de droga escondida no local. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). O Ministério Público ofereceu denúncia na qual sustentou que a prisão foi legal considerando que o crime de tráfico de drogas é permanente quando praticado nas modalidades “ter em depósito” e “guardar”. Dessa forma, João estava em flagrante delito sendo permitido o ingresso na residência sem autorização, conforme previsto no art. 5º, XI, da CF/88. No presente caso acima narrado, o ingresso dos policiais na casa foi legal? NÃO. Vamos entender com calma. Inviolabilidade de domicílio A CF/88 prevê, em seu art. 5º, a seguinte garantia:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Entendendo o inciso XI: Só se pode entrar na casa de alguém sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses:

Durante o DIA Durante a NOITE

• Em caso de flagrante delito; • Em caso de desastre; • Para prestar socorro; • Para cumprir determinação judicial (ex: busca e apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

• Em caso de flagrante delito; • Em caso de desastre; • Para prestar socorro.

Assim, guarde isso: não se pode invadir a casa de alguém durante a noite para cumprir ordem judicial.

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O que é considerado "dia"? Não há uma unanimidade. Há os que defendem o critério físico-astronômico, ou seja, dia é o período de tempo que fica entre o crepúsculo e a aurora. Outros sustentam um critério cronológico: dia vai das 6h às 18h. Existem, ainda, os que sustentam aplicar o parâmetro previsto no CPC, que fala que os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas. O mais seguro é só cumprir a determinação judicial após as 6h e até as 18h. O que se entender por "casa"? O conceito é amplo e abrange: a) a casa, incluindo toda a sua estrutura, como o quintal, a garagem, o porão, a quadra etc. b) os compartimentos de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral, como escritórios, gabinetes, consultórios etc. c) os aposentos de habitação coletiva, ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, motel, pensão, pousada etc. Escritório vazio e busca e apreensão realizada à noite por ordem judicial No Inquérito 2.424/RJ, o STF considerou válida a instalação de escuta ambiental por policiais no escritório de advocacia de um advogado suspeito da prática de crimes. A colocação das escutas ocorreu no período da noite por determinação judicial. O STF afirmou que a CF/88, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (art. 150, § 4º, III, do CP). No entanto, apesar disso, entendeu-se que tal inviolabilidade pode ser afastada quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Neste caso, os interesses e valores jurídicos, inviolabilidade do domicílio, que não tem caráter absoluto, deve ser ponderada e conciliada com o direito de punir, à luz da proporcionalidade. Assim, apesar de ser possível a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser possível a instalação da escuta, por ordem judicial, no período da noite, principalmente porque durante esse período o escritório fica vazio, não sendo, portanto, possível sua equiparação neste caso a domicílio, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. Em suma, o STF decidiu que essa prova foi válida. STF. Plenário. Inq 2424, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 26/11/2008. Veículo é considerado casa? Em regra não. Assim, o veículo, em regra, pode ser examinado mesmo sem mandado judicial. Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo, como ocorre com trailers, cabines de caminhão, barcos etc. Flagrante delito Vimos acima que, havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador, seja de dia ou de noite. Um exemplo comum no cotidiano é o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 fazem com que este delito seja permanente:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

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Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a todo momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos "ter em depósito" e "guardar". Diante disso, havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador? SIM. No entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime (flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal. Além disso, os atos praticados poderão ser anulados. O STF possui uma tese fixada sobre o tema:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).

Voltando ao nosso exemplo: O STJ, ao analisar um caso semelhante, entendeu que havia suspeitas muito vagas sobre eventual tráfico de drogas praticado pelo réu. Tais suspeitas se deram em razão, única e exclusivamente do local em que ele estava no momento em que os policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência. Essa conduta, contudo, pode ser explicada por diversos motivos, não necessariamente o de que o que suspeito cometia, no momento, venda ilícita de drogas. Assim, o STJ entendeu que:

O ingresso regular da polícia no domicílio, sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, para que seja válido, necessita que haja fundadas razões (justa causa) que sinalizem a ocorrência de crime no interior da residência. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial em via pública para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial. STJ. 6ª Turma. REsp 1.574.681-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 606).

Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Dessa forma, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da CF/88, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.

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REVISÃO CRIMINAL Laudo pericial juntado quando estava pendente apenas agravo para destrancar

recurso especial é considerado prova nova para fins de revisão criminal

O laudo pericial juntado em autos de ação penal quando ainda pendente de julgamento agravo interposto contra decisão de inadmissão de recurso especial enquadra-se no conceito de prova nova, para fins de revisão criminal (art. 621, III, do CPP).

STJ. 6ª Turma. REsp 1.660.333-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado pelo juiz a uma pena de 4 anos de reclusão. A defesa interpôs apelação, tendo o Tribunal de Justiça mantido a condenação. Contra este acórdão foi interposto recurso especial, que não foi admitido. O réu apresentou agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial. Antes que esse agravo fosse julgado, a defesa conseguiu obter um laudo pericial que provaria a inocência do réu, tendo ele sido juntado aos autos. O agravo, contudo, foi julgado improvido e este laudo pericial não foi nem sequer examinado. Houve o trânsito em julgado. Revisão criminal Diante do trânsito em julgado, a defesa ajuizou revisão criminal pedindo a desconstituição da decisão que condenou o réu sob o argumento de que, após a sentença, foi descoberta uma nova prova (laudo pericial) que atesta a inocência do condenado. O fundamento invocado pela defesa foi o art. 621, III, do CPP:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: (...) III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

O Ministério Público se opôs ao pedido alegando que o laudo pericial foi juntado aos autos antes do trânsito em julgado, enquanto ainda estava pendente de apreciação um recurso. Logo, não se pode dizer que se trate de prova nova, considerando que já estava dentro dos autos. Esse laudo pericial, no caso concreto, pode ser considerado como prova nova para fins de revisão criminal? SIM.

O laudo pericial juntado em autos de ação penal quando ainda pendente de julgamento agravo interposto contra decisão de inadmissão de recurso especial enquadra-se no conceito de prova nova, para fins de revisão criminal (art. 621, III, do CPP). STJ. 6ª Turma. REsp 1.660.333-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

O fato de que, quando juntado o referido laudo pericial aos autos da ação penal, estava pendente de julgamento o citado agravo não lhe retira o caráter de prova nova, tendo em vista que a jurisdição das instâncias ordinárias, que são responsáveis pela análise do acervo probatório, já havia se encerrado. Em recursos de natureza extraordinária (como é o caso do recurso especial) não se examinam provas e, portanto, não houve apreciação judicial do conteúdo da perícia, motivo pelo qual o referido laudo pericial se enquadra sim no conceito de prova nova.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O FGTS É legítima a cobrança da contribuição social ao FGTS das empresas optantes pelo Simples

As empresas optantes do Simples Nacional também estão obrigadas a pagar a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC 110/2001.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.635.047-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

O que é o Simples Nacional? O Simples Nacional é um regime unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte, estando previsto na Lei Complementar nº 123/2006. A empresa que aderir ao Simples desfruta da vantagem de recolher quase todos os tributos (federais, estaduais e municipais) mediante um único pagamento, calculado sobre um percentual de sua receita bruta. O objetivo do Simples é fazer com que as microempresas e empresas de pequeno porte tenham um regime jurídico simplificado e favorecido, com menos burocracia e menor carga tributária. O tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte é um mandamento constitucional, previsto no art. 146, III, “d”, art. 170, IX e art. 179, da CF/88. A inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional exige o preenchimento de determinadas condições listadas no art. 17 da LC 123/2006. Contribuição ao FGTS A Lei Complementar 110/2001 criou a seguinte contribuição social em seu art. 1º:

Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.

Essa exação tem natureza jurídica de contribuição social enquadrada na subespécie “contribuições sociais gerais”. Vale ressaltar que essa contribuição continua exigível, conforme entende o STJ:

A contribuição social prevista no art. 1º da LC 110/2001 – baseada no percentual sobre o saldo de FGTS em decorrência da despedida sem justa causa –, a ser suportada pelo empregador, não se encontra revogada, mesmo diante do cumprimento da finalidade para a qual a contribuição foi instituída. STJ. 2ª Turma. REsp 1.487.505-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/3/2015 (Info 558).

Imagine agora a seguinte situação hipotética: “ABC” Ltda – EPP propôs ação judicial alegando que, por ser empresa optante do SIMPLES, não seria obrigada a pagar contribuição ao FGTS. O pedido da empresa foi acolhido pelo STJ? NÃO. O STJ entende que:

É legítima a cobrança da contribuição social ao FGTS instituída pelo art. 1º da LC 110/2001 das empresas optantes pelo Simples Nacional. Assim, as empresas optantes do Simples Nacional também estão obrigadas a pagar a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC 110/2001. STJ. 2ª Turma. REsp 1.635.047-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/6/2017 (Info 606).

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Ao se analisar a legislação do Simples Nacional, percebe-se que em nenhum momento houve a intenção de se atingir os recursos destinados ao FGTS, tendo em vista a sua natureza social de amparo ao trabalhador. Outro ponto de relevo é que o rol taxativo dos tributos e contribuições abarcados pelo Simples Nacional (art. 13, caput, da LC 123/2006) não exclui a incidência de outras exações, para as quais se mantém a tributação regular, de acordo com o disposto no § 1º do mesmo preceito legal. Desse modo, há que se concluir que a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC 110/2001 está incluída na disciplina do art. 13, § 1º, XV, da LC 123/2006, que determina a incidência dos "demais tributos de competência da União", e não na do art. 13, § 3º, da mesma LC 123/2006, que dispensa "do pagamento das demais contribuições instituídas pela União", havendo que ser cobrada das empresas optantes pelo Simples Nacional. Assim, seja por estar inserida no inciso VIII ou incluída na disciplina do inciso XV, ambos do § 1º do art. 13 da LC 123/2006, é devida a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC n. 110/2001 pelos optantes do Simples Nacional:

Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: I - Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ; II - Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, observado o disposto no inciso XII do § 1º deste artigo; V - Contribuição para o PIS/Pasep, observado o disposto no inciso XII do § 1º deste artigo; VI - Contribuição Patronal Previdenciária - CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de serviços referidas no § 5º-C do art. 18 desta Lei Complementar; VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS; VIII - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS. § 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: (...) VIII - Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; (...) XV - demais tributos de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, não relacionados nos incisos anteriores.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Os dispositivos do art. 4º, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.738/2008 amparam a tese de que a União é

parte legítima, perante terceiros particulares, em demandas que visam à sua responsabilização pela implementação do piso nacional do magistério. ( )

2) O ente desapropriante responde por tributos incidentes sobre o imóvel desapropriado mesmo nas hipóteses em que o período de ocorrência dos fatos geradores é anterior ao ato de aquisição originária da propriedade. ( )

3) A simples disponibilização de aparelhos radiofônicos (rádios) e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais não autoriza a cobrança de direitos autorais por parte do ECAD. ( )

4) Segundo entendimento sumulado do STJ, São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais. ( )

5) Há bis in idem nas hipóteses de cobrança de direitos autorais tanto da empresa exploradora do serviço de hotelaria como da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura. ( )

6) A cobrança em juízo dos direitos decorrentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo de prescrição de 3 anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil. ( )

7) Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. ( )

8) O uso indevido de voz de locutora profissional em gravação de saudação telefônica, que não se enquadre como direito conexo ao de autor, não encontra proteção na Lei de Direitos Autorais. ( )

9) (Promotor MPE SC 2016 banca própria) De acordo com o Código Civil, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Todavia, alguns direitos excepcionam referida regra, como por exemplo, o direito a imagem e o direito a honra. ( )

10) (Promotor MP/BA 2015) Os direitos da personalidade são sempre intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária, sem exceções. ( )

11) Segundo o STJ, o exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato estabelecido entre as partes. ( )

12) (DPE/RS 2014) Os direitos de personalidade são adquiridos pelo sujeito independentemente da vontade, mas seu exercício admite limitação voluntária, desde que esta não ocorra de forma geral e permanente. ( )

13) (Proc. Municipal PGM-SALVADOR 2015 CESPE) A desconsideração inversa da personalidade jurídica, ou desconsideração às avessas, é incompatível com o sistema processual brasileiro em vigor e, se realizada em execução, será ilegítima por falta de previsão normativa. ( )

14) (PGE/PR 2015) A desconsideração inversa da pessoa jurídica dá-se quando se atingem bens da pessoa jurídica para solver dívidas de seus sócios. Esse proceder é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro porque proporciona prejuízo aos demais participantes da sociedade. ( )

15) A sócia da empresa, cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar, que teria sido beneficiada por suposta transferência fraudulenta de cotas sociais por um dos cônjuges, tem legitimidade passiva para integrar a ação de divórcio cumulada com partilha de bens, no bojo da qual se requereu a declaração de ineficácia do negócio jurídico que teve por propósito transferir a participação do sócio/ex-marido à sócia remanescente, dias antes da consecução da separação de fato. ( )

16) O benefício de previdência privada fechada deve ser incluído na partilha de dissolução de união estável regida pela comunhão parcial de bens. ( )

17) A ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se

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solicite a exoneração, redução ou majoração de seu valor ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade. ( )

18) (Juiz TJDFT 2016 CESPE) Na ação de alimentos gravídicos, o prazo para a parte ré citada apresentar resposta é de dez dias. ( )

19) Não é extinta a denunciação da lide apresentada intempestivamente pelo réu nas hipóteses em que o denunciado contesta apenas a pretensão de mérito da demanda principal. ( )

20) (Juiz TJPB 2015 CESPE) É vedada a fixação de astreintes contra pessoa jurídica de direito público. ( ) 21) É permitida a imposição de multa diária (astreintes) a ente público para compeli-lo a fornecer

medicamento a pessoa desprovida de recursos financeiros. ( ) 22) (Juiz TJDFT 2015 CESPE) O princípio dispositivo aplica-se às tutelas específicas de adimplemento das

obrigações de fazer e não fazer, o que, segundo o STJ, impede o juiz de arbitrar astreintes de ofício nesses casos. ( )

23) (Juiz TJPB 2015 CESPE) É obrigatório ao juiz fixar astreintes no caso de o devedor não cumprir determinação judicial como forma de garantir a efetividade do título judicial. ( )

24) O contrato particular de abertura de crédito a pessoa física visando financiamento para aquisição de material de construção – Construcard –, ainda que acompanhado de demonstrativo de débito e nota promissória, não é título executivo extrajudicial. ( )

25) O fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovado, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima fatal. ( )

26) (Promotor MP/MT 2014) A sentença que concede perdão judicial é condenatória, daí porque constitui título executivo judicial. ( )

27) (Juiz TJPB 2015 CESPE) Com base na jurisprudência do STJ e nas disposições legais acerca de causas extintivas da punibilidade, a sentença concessiva do perdão judicial obsta o cumprimento de pena privativa de liberdade, mas não extingue a punibilidade do réu. ( )

28) A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador e sem determinação judicial. ( )

29) O laudo pericial juntado em autos de ação penal quando ainda pendente de julgamento agravo interposto contra decisão de inadmissão de recurso especial não se enquadra no conceito de prova nova, para fins de revisão criminal (art. 621, III, do CPP). ( )

30) As empresas optantes do Simples Nacional também estão obrigadas a pagar a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC 110/2001. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. E 4. C 5. E 6. C 7. C 8. C 9. C 10. E

11. C 12. C 13. E 14. E 15. C 16. E 17. C 18. E 19. C 20. E

21. C 22. E 23. E 24. C 25. C 26. E 27. E 28. C 29. E 30. C