infÂnciaesquecida nosportosdacopa 13... · 2019. 8. 6. ·...

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Cerca de 600 mil turistas estrangeiros e 3 mi- lhões de viajantes nacionais devem circular pe- las cidades sedes durante a Copa, de acordo com a Embratur. Mais do que lembranças dos jogos e da cultura local, parte dos visitantes pre- tende levar para casa vestígios da dignidade de crianças e adolescentes, que se oferecem como artigo de diversão ou força de trabalho, em troca de algum dinheiro. No governo federal, a mobilização para im- plantar uma rede de proteção à infância durante os megaeventos começou em agosto de 2012, com a criação do Comitê Nacional para a Prote- ção dos Direitos da Criança e do Adolescente nos Grandes Eventos. O colegiado reúne repre- sentantes da sociedade civil, de organismos internacio- nais, de empresas e do gover- no. Também saíram do papel os comitês locais, para diag- nosticar as violações mais re- correntes e a situação da rede montada para combatê-las. O combate ao trabalho infantil e à exploração sexual são al- guns dos principais focos. A secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Huma- nos Presidência da República, Angélica Goulart, explica que a estratégia para os grandes eventos inclui a realização de plantões de equipes com profissionais de várias áreas, criação de espa- ços temporários de acolhimento e a formação de equipes itinerantes. “Os conselhos tutelares estão sendo fortalecidos nas cidades sedes, com melho- ria da estrutura. Também teremos ações comple- mentares, como o fortalecimento do Disque 100”, comenta Angélica. Em todos os voos internacio- nais que pousarem no Brasil durante a Copa, o co- mandante lerá uma mensagem aos passageiros alertando para o fato de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime. (HM e LM) » LEILANE MENEZES » HELENA MADER » MONIQUE RENNE (FOTOS) A o desembarcar de transatlânticos para assistir aos jogos da Copa do Mundo, os turistas vão se deparar com o abandono da infância brasileira. Nos portos das ci- dades sedes do mundial de futebol, meninas se- minuas vendem os corpos em troca de um prato de comida. Garotos franzinos carregam malas e vendem bugigangas para sobreviver. Jovens mo- radores de rua fumam crack à beira-mar para tentar fugir da rotina de desamparo e de deses- pero. O governo modernizou a estrutura das re- giões portuárias, mas não conseguiu acabar com a violação dos direitos das crianças nessas áreas. Os terminais marítimos e fluviais de todo o Brasil são pontos para a exploração sexual de adoles- centes, o trabalho infantil e o uso de drogas. A equipe do Correio viajou 8 mil quilômetros e visitou quatro capitais para conhecer a realida- de de quem vive em áreas onde o crescimento econômico nem sempre é sinônimo de avanço social. Hoje e nos próximos três dias, o jornal pu- blica a série de reportagens Cais do abandono, que mostrará os principais abusos sofridos por crianças e adolescentes em regiões portuárias. O governo federal estima em R$ 33 bilhões os investimentos em infraestrutura realizados para a Copa em todas as sedes. Já o repasse para o com- bate à exploração sexual infantil ficou em R$ 1,3 milhão em 2013— o equivalente a 0,03% da des- pesa total em obras. Do total de gastos em infraes- trutura, R$ 499 milhões foram reservados para a reforma e a construção de terminais portuários. Em Manaus, nos fins de semana, casas de pala- fitas vizinhas ao porto transformam-se em bares, onde garotas consomem drogas e vendem sexo a R$ 10. Homens buscam meninas em jet skis, para levá-las aos pontos de exploração. Barcos proibi- dos de circular por falta de documentação são usados como motéis, para onde são levadas as jovens aliciadas.“Há dezenas de embarcações an- coradas, sem poder navegar, mas, em vez de resol- ver o problema, os donos transformaram em mo- tel, cobrando R$ 40 por hora”, afirma Clodoaldo Santos, conselheiro tutelar em Manaus. A desigualdade é nítida também no Porto de Salvador. O centro histórico, vizinho ao terminal de embarque e desembarque, é a primeira para- da dos turistas. Crianças espalham-se pela área do Mercado Modelo para atrair a atenção dos vi- sitantes endinheirados. Nadam no mar, próximo à entrada do comércio, à espera de estrangeiros dispostos a atirar moedas. Instruídos por guias ou conquistados por gritos que pedem money, do alto da rampa, turistas divertem-se com a disputa dos meninos pela esmola lançada ao mar. A pos- tos, garotos usam frágeis máscaras de mergulho para enxergar as moedas no fundo da água. Não raramente, crianças cortam-se nas hélices dos barcos aportados. “Venho desde os 5 anos. Se a gente junta cinco dólares, os co- merciantes pagam até R$ 14”, re- lata Duro, 16 anos, que ganhou esse apelido por ser valente. O di- nheiro catado no mar se transfor- ma em crack. Reação tardia Entidades de defesa dos direi- tos da infância chamam a atenção para o abismo entre os valores destinados a obras e os alocados para a proteção de meninos e me- ninas, expostos a diversas viola- ções. “Problemas graves como a exploração existem no Brasil, sem a Copa do Mundo. Megaeventos, porém, aumentam os fatores de vulnerabilidade e expõem crianças e adolescentes a novos riscos”, explica a coordenadora de programas da Chil- dhood Brasil, Anna FloraWerneck. A socióloga e especialista em política públicas para infância Graça Gadelha percorreu as sedes da Copa. Reconhece que existe um esforço do gover- no para combater a exploração sexual, mas critica a demora para o início das ações. “O país foi escolhi- do como sede da Copa em 2007, mas somente em 2012 o governo começou a elaborar a agenda de convergência. Foi uma decisão tardia”, comenta. C M Y K C M Y K Ed di it to or r: Leonardo Cavalcanti [email protected] 3214-1104/ 1186/ 1293 • 3214-1155 Brasil 7 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 13 de abril de 2014 INFÂNCIA ESQUECIDA NOS PORTOS DA COPA Em Manaus, homens transportam meninas em jet skis para levá-las a pontos de exploração sexual. Na capital baiana, meninos disputam as moedas atiradas por turistas estrangeiros: esmola utilizada para comprar crack ESTRATÉGIA PARA GRANDES EVENTOS Série de reportagens revela abusos sofridos por crianças e adolescentes em terminais marítimos e fluviais das cidades sedes

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Page 1: INFÂNCIAESQUECIDA NOSPORTOSDACOPA 13... · 2019. 8. 6. · Cercade600milturistasestrangeirose3mi-lhõesdeviajantesnacionaisdevemcircularpe-lascidadessedesduranteaCopa,deacordo comaEmbratur.Maisdoquelembrançasdos

Cerca de 600 mil turistas estrangeiros e 3 mi-lhões de viajantes nacionais devem circular pe-las cidades sedes durante a Copa, de acordocom a Embratur. Mais do que lembranças dosjogos e da cultura local, parte dos visitantes pre-tende levar para casa vestígios da dignidade decrianças e adolescentes, que se oferecem comoartigo de diversão ou força de trabalho, em trocade algum dinheiro.

No governo federal, a mobilização para im-plantar uma rede de proteção à infância duranteos megaeventos começou em agosto de 2012,com a criação do Comitê Nacional para a Prote-ção dos Direitos da Criança e do Adolescentenos Grandes Eventos. O colegiado reúne repre-

sentantes da sociedade civil,de organismos internacio-nais, de empresas e do gover-no. Também saíram do papelos comitês locais, para diag-nosticar as violações mais re-correntes e a situação da redemontada para combatê-las. Ocombate ao trabalho infantil eà exploração sexual são al-guns dos principais focos.

A secretária Nacional dePromoção dos Direitos daCriança e do Adolescente daSecretaria de Direitos Huma-nos Presidência da República,Angélica Goulart, explica que aestratégia para os grandes

eventos inclui a realização de plantões de equipescom profissionais de várias áreas, criação de espa-ços temporários de acolhimento e a formação deequipes itinerantes. “Os conselhos tutelares estãosendo fortalecidos nas cidades sedes, com melho-ria da estrutura. Também teremos ações comple-mentares, como o fortalecimento do Disque 100”,comenta Angélica. Em todos os voos internacio-nais que pousarem no Brasil durante a Copa, o co-mandante lerá uma mensagem aos passageirosalertando para o fato de que a exploração sexualde crianças e adolescentes é crime. (HM e LM)

» LEILANE MENEZES» HELENA MADER» MONIQUE RENNE (FOTOS)

A o desembarcar de transatlânticos paraassistir aos jogos da Copa do Mundo, osturistas vão se deparar com o abandonoda infância brasileira. Nos portos das ci-

dades sedes do mundial de futebol, meninas se-minuas vendem os corpos em troca de um pratode comida. Garotos franzinos carregam malas evendem bugigangas para sobreviver. Jovens mo-radores de rua fumam crack à beira-mar paratentar fugir da rotina de desamparo e de deses-pero. O governo modernizou a estrutura das re-giões portuárias, mas não conseguiu acabar coma violação dos direitos das crianças nessas áreas.Os terminais marítimos e fluviais de todo o Brasilsão pontos para a exploração sexual de adoles-centes, o trabalho infantil e o uso de drogas.

A equipe do Correio viajou 8 mil quilômetrose visitou quatro capitais para conhecer a realida-de de quem vive em áreas onde o crescimentoeconômico nem sempre é sinônimo de avançosocial. Hoje e nos próximos três dias, o jornal pu-blica a série de reportagens Cais do abandono,que mostrará os principais abusos sofridos porcrianças e adolescentes em regiões portuárias.

O governo federal estima em R$ 33 bilhões osinvestimentos em infraestrutura realizados para aCopa em todas as sedes. Já o repasse para o com-bate à exploração sexual infantil ficou em R$ 1,3milhão em 2013— o equivalente a 0,03% da des-pesa total em obras. Do total de gastos em infraes-trutura, R$ 499 milhões foram reservados para areforma e a construção de terminais portuários.

Em Manaus, nos fins de semana, casas de pala-fitas vizinhas ao porto transformam-se em bares,onde garotas consomem drogas e vendem sexo aR$ 10. Homens buscam meninas em jet skis, paralevá-las aos pontos de exploração. Barcos proibi-dos de circular por falta de documentação sãousados como motéis, para onde são levadas asjovens aliciadas.“Há dezenas de embarcações an-coradas, sem poder navegar, mas, em vez de resol-ver o problema, os donos transformaram em mo-tel, cobrando R$ 40 por hora”, afirma ClodoaldoSantos, conselheiro tutelar em Manaus.

A desigualdade é nítida também no Porto deSalvador. O centro histórico, vizinho ao terminalde embarque e desembarque, é a primeira para-da dos turistas. Crianças espalham-se pela áreado Mercado Modelo para atrair a atenção dos vi-sitantes endinheirados. Nadam no mar, próximoà entrada do comércio, à espera de estrangeirosdispostos a atirar moedas. Instruídos por guiasou conquistados por gritos que pedem money, doalto da rampa, turistas divertem-se com a disputados meninos pela esmola lançada ao mar. A pos-tos, garotos usam frágeis máscaras de mergulhopara enxergar as moedas no fundo da água. Nãoraramente, crianças cortam-se nas hélices dosbarcos aportados. “Venho desde os 5 anos. Se agente junta cinco dólares, os co-merciantes pagam até R$ 14”, re-lata Duro, 16 anos, que ganhouesse apelido por ser valente. O di-nheiro catado no mar se transfor-ma em crack.

Reação tardiaEntidades de defesa dos direi-

tos da infância chamam a atençãopara o abismo entre os valoresdestinados a obras e os alocadospara a proteção de meninos e me-ninas, expostos a diversas viola-ções. “Problemas graves como aexploração existem no Brasil, sema Copa do Mundo. Megaeventos,porém, aumentam os fatores de vulnerabilidade eexpõem crianças e adolescentes a novos riscos”,explica a coordenadora de programas da Chil-dhood Brasil, Anna FloraWerneck.

A socióloga e especialista em política públicaspara infância Graça Gadelha percorreu as sedes daCopa. Reconhece que existe um esforço do gover-noparacombateraexploraçãosexual,mascriticaademora para o início das ações. “O país foi escolhi-do como sede da Copa em 2007, mas somente em2012 o governo começou a elaborar a agenda deconvergência. Foi uma decisão tardia”, comenta.

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Eddiittoorr: Leonardo [email protected]

3214-1104/ 1186/ 1293 • 3214-1155Brasil7 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 13 de abril de 2014

INFÂNCIA ESQUECIDANOSPORTOSDACOPA

EmManaus, homens transportammeninas emjet skis para levá-las a pontos de exploração

sexual. Na capital baiana,meninos disputamasmoedas atiradas por turistas estrangeiros:

esmola utilizada para comprar crack

ESTRATÉGIA PARAGRANDES EVENTOS

Série de reportagens revela abusos sofridos por crianças e adolescentes em terminais marítimos e fluviais das cidades sedes

Page 2: INFÂNCIAESQUECIDA NOSPORTOSDACOPA 13... · 2019. 8. 6. · Cercade600milturistasestrangeirose3mi-lhõesdeviajantesnacionaisdevemcircularpe-lascidadessedesduranteaCopa,deacordo comaEmbratur.Maisdoquelembrançasdos

» LEILANE MENEZES» HELENA MADER» MONIQUE RENNE (FOTOS)

Uma linha imaginária divide asduas áreas do Porto de Manaus:de um lado, há pequenos e mal-cuidados barcos, usados para

transportar populações ribeirinhas, su-perlotados e, às vezes, sem documenta-ção. Do outro, ficam ancorados os luxuo-sos navios estrangeiros, recebidos comfesta. Empolgados, os turistas internacio-nais desembarcam na capital do Amazo-nas em transatlânticos com capacidadepara até 3 mil pessoas. Não raramente, sãorecepcionados por banda marcial da Ma-rinha e, antes de deixar o terminal, paramem quiosques de artesanato armados es-pecialmente para recebê-los, onde podemcomprar joias e produtos regionais, comobijuterias feitas de sementes da Amazônia.

Ao cruzar o portão das docas, os visi-tantes enxergam um lado nada festivo deManaus. A feira, a poucos metros do de-sembarque, apresenta uma capital querifa a infância de suas meninas. Garotasentre 10 e 17 anos, com o corpo à mostrae os pés calçados em chinelos velhos,passeiam em meio às barracas de frutas,peixes e verduras, com blocos de papelnas mãos ou nos bolsos. De acordo com oConselho Tutelar de Manaus, meninassão usadas como iscas por comerciantes,às vezes os próprios pais, para atrair fre-gueses. Quando homens se aproximam,além de oferecer os produtos, elas ven-dem um bilhete por R$ 5. Quem compratem o nome incluído em uma lista. Se forsorteado, o “prêmio” é uma noite de sexocom uma das participantes do esquema.

Enquanto metade do grupo trabalhacom a venda da rifa, o restante atende ossorteados da semana anterior. O dinheiroarrecadado é dividido igualmente entreelas. O Conselho Tutelar de Manaus rece-beu denúncias sobre a existência do es-quema criminoso de venda de rifas se-xuais. Conselheiros observaram o movi-mento, entrevistaram os envolvidos econstataram a existência do jogo de azarque tem meninas como prêmio. “O falsoprêmio é um eletrodoméstico. Isso serveapenas como disfarce para o esquema.Apreendemos o caderno com a lista declientes e eram somente homens adultos.Temos depoimentos de testemunhas. Osexo aqui é vendido por R$ 5. Fazendo ri-fa, elas descobriram uma maneira de ga-nhar mais”, afirma Clodoaldo Santos,conselheiro tutelar em Manaus.

O conselho entregou documentos erelatórios da investigação para a Delega-cia da Criança e do Adolescente (DCA) dacapital amazonense e comunicou o

crime à Vara da Infância,no fim de 2013. “Fizemosuma operação para averi-guar as denúncias, masencontramos somentecrianças acompanhadasdos pais na feira. Na oca-sião, não conseguimos fa-zer flagrantes, mas a apu-ração continua”, explicou adelegada Linda Gláucia deMoraes, chefe da DCA.

O Ministério Público doAmazonas confirmou aexistência de uma investi-gação do esquema, masinformou que o processoestá em segredo de Justiça, por envolvercrianças. O conselheiro Clodoaldo Santosreclama da falta de condição para traba-lhar. “O Conselho Tutelar extrapola suasatribuições e faz até investigação. Infeliz-mente, só temos um carro e somos trêsconselheiros nessa região do porto. Já pe-dimos a compra de um barco, que nuncaveio. Nossa extensão de rios é enorme enão conseguimos fiscalizá-los e atenderchamados sem meios de transporte ade-quados”, reclama.

Quando Luísa*, 12 anos, uma das me-ninas envolvidas no esquema da rifa, seapresentou ao conselho tutelar, foi aten-dida pela conselheira Dalva Guimarães.“Desde que me entendo por gente come-cei a sofrer”, contou. A exploração sexualtornou-se um problema hereditário emManaus. “Já é uma cultura. A avó dela foiexplorada, a mãe dela também e agoraLuísa vive dessa forma. As mães veemnas filhas uma forma de ganhar dinheiro.Enquanto o Estado não perceber que o

sistema de atendimentonão funciona, a gente en-xugará gelo”, avalia Dalva.

Na ruaA Bahia é o terceiro esta-

do brasileiro em número dedenúncias de violações dedireitos da infância: foram10,9 mil no ano passado.Apenas Rio de Janeiro e SãoPauloestãoàfrente,deacor-do com dados da Secretariade Direitos Humanos daPresidência da República.Em Salvador, o investimen-

to em melhorias no porto da cidade che-gou a R$ 40,7 milhões, com a justificativade atender aos turistas, especialmente du-rante o mundial. Até o momento, apenasuma embarcação, vinda do México, com3,5 mil pessoas a bordo, confirmou pre-sença. O transatlântico aportará no Rio deJaneiro e depois seguirá para terras baia-nas, onde ficará durante quatro dias.

A área de embarque e desembarque depassageiros fica próximo ao Mercado Mo-delo, no Centro Histórico, um dos pontosmais apreciados pelos turistas e, paradoxal-mente, uma das regiões com maior presen-ça de crianças e adolescentes em situaçãode rua. A riqueza que circula no porto nãoserefletenosarredores.Alémdaexploraçãosexual, é comum flagrar casos de trabalhoinfantil e uso abusivo de drogas por crian-ças no terminal marítimo da capital baiana.

* Todos os nomes de jovens usados nasérie são fictícios, em respeito aoEstatuto daCriança e doAdolescente

Brigaporespaço

Na capital baiana, os direitos dainfância desmoronam diante do olharpassivo da sociedade, mas há pessoascomo a coordenadora do Centro deDefesa da Criança e do Adolescentede Salvador (Cedeca-SA), Cida deRoussan (ffoottoo), dedicadas a preservá-los. O casarão histórico ondefuncionava a entidade ameaça cair,devido àmá conservação. A estruturade trabalho foi transferida paraendereço provisório, no Pelourinho,mas a briga por um espaço adequadoe fixo arrasta-se há quatro anos. Cidanão desiste de cobrar ações dogoverno. Atualmente, a preocupaçãodela é garantir os direitos da infânciae juventude durante a Copa doMundo. “Precisamos entender o perfildo turista que desembarcará aqui,pois teremos seis jogos. A prefeituravai fazer dois dias de carnaval fora deépoca durante omundial. Não queromenino tocando tambor paraentreter turista. Quero políticassociais para defendê-los dos abusostípicos de grandes eventos”, diz Cida.O Cedeca-SA nasceu para fazerjustiça a jovens, amaioria negros epobres, assassinados emmassa, nosanos 1990, quando a cidade registroumédia anual de 90 homicídios demenores de 18 anos, commenos deum julgamento por ano.

Vulnerável à abordagem de aliciadores,Ana*, 12 anos, vive na rua da capital cea-rense desde os 4. A mãe é dependente quí-mica, também sem endereço fixo. A certi-dão de nascimento não traz o nome dopai. Esse vazio deve se repetir na vida do fi-lho que a criança carrega na barriga. Háquatro meses, ela, que ainda não apren-deu a cuidar de si mesma, gera outra vida.Com pouco menos de 1,50m de altura e36kg, a menina faz parte de uma rede deexploração sexual. Atende ligações de umhomem, que empresta o apartamento on-de vive para que turistas mantenham rela-ções sexuais com a garota, em troca deR$ 20 ou uma porção de drogas. Ela recebepropostas nas praias da cidade, uma delasbem ao lado do Porto do Mucuripe.

Ana nasceu em Caridade (CE), maslembra pouco da infância recente. Sabeque viajou para a capital em uma carroça,com a mãe e o padrasto. “Foram cinco diase cinco noites de estrada”, diz. Em váriosmomentos, ela faz lembrar que tem ape-nas 12 anos, como quando pediu para se-gurarem a sua mão na hora de tomar vaci-nas, durante o pré-natal. Nessas horas,conta com apoio de João*, 14 anos, o na-morado que promete assumir a paternida-de do bebê. “Ele me protege e me ajuda aachar coisa para comer, quando acordocom fome e o bebê mexe muito”, relata.Durante uma consulta médica em um pos-to de saúde da cidade, a criança que esperaum bebê perguntou à médica se era possí-vel parir vestida. “Não quero tirar a roupana frente de gente que não conheço”, justi-ficou. Foram educadores da Rede Aquare-la, projeto social mantido com apoio da Se-cretaria de Cidadania e Direitos Humanosde Fortaleza, os responsáveis por conven-cê-la a cuidar da gestação. A mesma equi-pe deverá encaminhá-la a um abrigo,quando o neném nascer.

A região do Porto do Mucuripe, próxi-ma à avenida Beira Mar, é cercada de fave-las. Em bairros como o Servluz e o Alto daPaz, as casas não têm banheiros. Tambémnão há energia elétrica regularizada ousistema adequado de coleta de lixo. Oporto recebeu R$ 202 milhões em verbafederal para expandir o terminal de passa-geiros e construir espaços para retirada debagagem, alimentação e lazer. (LM e HM)

ARIFADOSEXODASMENINASMANAUARAS

C M Y KCMYK

8 • Brasil • Brasília, domingo, 13 de abril de 2014 • CORREIO BRAZILIENSE

A Secretaria de Direitos Humanosda Presidência da República, emparceria com o Unicef e com oCentro de Defesa da Criança e doAdolescente da Bahia,desenvolveu um aplicativochamado Proteja Brasil, queservirá para fazer denúncias deviolações de direitos da infância,especialmente nos megaeventos.A partir da localização do autorda denúncia, é possível encontraros telefones de entidades comoconselhos tutelares e ONGs queajudam no combate à violênciacontra a criança. As denúnciaspodem ser anônimas. É possívelbaixar o aplicativo gratuitamenteem smartphones Android e IOS.

Denúnciasemsmartphones

EMTROCADEUMAPORÇÃODEDROGAS

PERSONAGEMDA NOTÍCIA

O falsoprêmioéumeletrodoméstico.Issoserveapenascomodisfarceparaoesquema”

Clodoaldo Santos,conselheiro tutelaremManaus

Adolescentesvendem o bilhetepor R$ 5, e o“prêmio” é passara noite com umadas participantesdo esquemade exploração.ConselhoTutelar da capitalamazonensesofre com a faltade estruturade trabalho

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