influÊncias brincantes: um estudo sobre a cultura lÚdica infantil e o desenho animado · 2019. 4....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RAQUEL FIRMINO MAGALHÃES BARBOSA INFLUÊNCIAS BRINCANTES: UM ESTUDO SOBRE A CULTURA LÚDICA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO CUIABÁ-MT 2011

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Page 1: INFLUÊNCIAS BRINCANTES: UM ESTUDO SOBRE A CULTURA LÚDICA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO · 2019. 4. 4. · BARBOSA, Raquel Firmino Magalhães. Influências brincantes: Um estudo sobre

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RAQUEL FIRMINO MAGALHÃES BARBOSA

INFLUÊNCIAS BRINCANTES: UM ESTUDO SOBRE A

CULTURA LÚDICA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO

CUIABÁ-MT

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RAQUEL FIRMINO MAGALHÃES BARBOSA

INFLUÊNCIAS BRINCANTES: UM ESTUDO SOBRE A

CULTURA LÚDICA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO

CUIABÁ-MT

2011

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RAQUEL FIRMINO MAGALHÃES BARBOSA

INFLUÊNCIAS BRINCANTES: UM ESTUDO SOBRE A CULTURA

LÚDICA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação na Área de Concentração

Educação, Linha de Pesquisa Culturas Escolares e

Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes

Cuiabá-MT

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA

Dados da catalogação na publicação.

Francisca Ivany Viana Guerra Dutra. Bibliotecária CRB1 – 2.290.

B238i Barbosa, Raquel Firmino Magalhães. Influências brincantes: um estudo sobre a cultura lúdica infantil e o desenho animado / Raquel Firmino Magalhães Barbosa. __ Cuiabá, 2011. 141f. Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação - IE. Universidade Federal de Mato Grosso.

1. Brincadeira – dissertação. 2. Imaginário – dissertação. 3. Cultura lúdica

- dissertação. I. Gomes, Cleomar Ferreira. II. Título. CDU 371.3 CDD 371.397

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RAQUEL FIRMINO MAGALHÃES BARBOSA

Prof. Dra. Tania Marta Costa Nhary

Examinador Externo (UERJ)

Profa. Dra. Daniela Barros da Silva Freire Andrade Examinadora Interna (UFMT)

Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes Orientador (UFMT)

Aprovado em 07 de dezembro de 2011

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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AGRADECIMENTOS

Este estudo não poderia ser construído sem a grande participação de todas as pessoas

especiais que, em diferentes momentos, contribuíram para o meu upgrade na carreira

acadêmica, tão importante nesse momento da minha vida.

Agradeço imensamente a oportunidade de poder dar meus primeiros passos como

pesquisadora ao lado do meu orientador Cleomar Ferreira Gomes, em que me inspiro todas as

vezes que experimento do seu conhecimento. Serei sempre grata por todos os momentos

vivenciados durante esses dois anos, com um misto de ansiedade, de dúvidas e de alegria. A

ele, meu tutor, meu professor, meu amigo, meu afilhado, e quiçá, colega de trabalho, meus

sinceros agradecimentos.

Sou eternamente grata ao meu esposo, Fabio, amigo, companheiro e grande

incentivador dos meus estudos, que sempre esteve ao meu lado desde o início da minha

formação e nunca poupou esforços para me deixar o mais a vontade possível para me dedicar

a minha pesquisa. Sem o seu apoio e compreensão nos momentos difíceis, não navegaria

sozinha nesse mar. Muito obrigada por estar sempre ao meu lado e compartilhar desse

momento único da minha vida!

À minha família, que mesmo de longe, acompanhou cada passo, textos e viagens por

esse Brasil a fora na minha busca por conhecimento e experiência. Em especial, à minha mãe,

que é o meu maior exemplo, sempre dedicada e guerreira na busca de seus objetivos. Fico

muito feliz por mostrar que valeu a pena todo o esforço e dedicação para construir esse

trabalho.

Aos meus amigos do mestrado do PPGE-UFMT, em particular, Rogério e Elisangela,

que me apoiaram e me acompanharam nos momentos de dificuldade e de aprendizado. Cada

dia com vocês foi uma injeção de ânimo! Que a vida nos proporcione mais momentos juntos e

que a amizade permaneça.

Aos professores membros da banca, Professora Tania Nhary, Daniela Freire e Beleni

Grando, muito obrigada pelas valiosas contribuições e sugestões, que tanto iluminaram o meu

trajeto percorrido rumo à defesa.

Agradeço à escola ―Municipal Adelina Pereira Ventura‖, em nome da diretora,

professores, funcionários, que abriram as portas e me ajudaram no que foi preciso. Em

especial aos alunos, que enriqueceram o meu trabalho com suas experiências brincantes e o

que me tornou a Professora-Mestre que orgulhosamente vos fala a partir de hoje!

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BARBOSA, Raquel Firmino Magalhães. Influências brincantes: Um estudo sobre a cultura

lúdica infantil e o desenho animado, 2011. DISSERTAÇÃO (Mestrado em Educação) -

Universidade Federal de Mato Grosso.

RESUMO

Este estudo faz parte da construção da dissertação de mestrado em educação, vinculada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – PPGE/UFMT, que tem como objetivo

cardeal conhecer o imaginário infantil sob as influências da mídia televisiva na cultura lúdica contemporânea. E

com a realização da pesquisa, de modo específico, se pretende identificar como crianças da Educação Infantil se

relacionam com a cultura contemporânea, enumerar as brincadeiras realizadas pelos alunos nos espaços

brincantes e escolares e registrar a influência e o significado dos desenhos animados no imaginário infantil. Para

isso, o estudo foi baseado em uma pesquisa de natureza qualitativa, do tipo etnográfico, com cunho

interpretativo, com vinte e dois alunos, englobando onze meninos e onze meninas de cinco anos de idade, do

último nível da Educação Infantil, de uma escola da rede municipal de ensino público, localizada na cidade de

Cuiabá/MT. Para isso, a pesquisa contou com entrevistas semi-estruturadas, observações sistemática e

assistemática de falas e comportamentos na escola, narrativas de episódios e registros fotográficos como

instrumentos de coletas de dados, durante o segundo semestre de 2011. As análises dos dados estão estruturadas

em categorias de codificação, que envolve a divisão dos dados por categorias, de acordo com a aproximação das

respostas apresentadas pelos sujeitos pesquisados, a junção com a visão do pesquisador e a essência do

referencial teórico, formando assim, a triangulação dos dados. A partir das discussões e reflexões realizadas

durante as análises, percebeu-se que a cultura lúdica contemporânea é possuidora de brincadeiras que transitam

entre o imaginário e as ações brincantes, funcionando como um reflexo do que imaginam traduzidos em seus

movimentos em todos os tipos de brincadeiras citadas. E conhecer o repertório brincante das crianças revelou a

grande influência dos desenhos animados como produtos que possuem referências em comum do que consomem

em seu cotidiano, porém, ao contrário do que se pensam, assistem e brincam de forma ativa. Apresentam uma

interligação entre brincadeiras tradicionais, simbólicas e contemporâneas, estruturando e combinando suas

facetas, dando origem a brincadeiras associadas, contextualizadas e atualizadas. Para os sujeitos da pesquisa, o

local para a efetivação da brincadeira de preferência é o ambiente escolar e o domiciliar, entretanto, estão sempre

acompanhados da influência brincante dos desenhos animados, refletidos em suas brincadeiras. E esse brincar

acrescido dos desenhos soa como algo secreto, que parece nunca ter sido dito para um adulto, descortinando suas

experiências brincantes e o poder da imaginação, especialmente quando retratam os momentos imaginativos,

seus desejos ocultos de fusão e idealização dos personagens, fortalecendo o ambiente e o significado do desenho

animado para a cultura lúdica infantil. Mediante a essas verificações, tornou-se possível oferecer uma

possibilidade de conhecermos as experiências brincantes da infância e a emersão nas diferentes sensações das

crianças em seus momentos lúdicos, dos quais o desenho animado está presente nas brincadeiras, no imaginário,

fornecendo imagens e elementos lúdicos dos mais variados, traduzindo possibilidades proteiformes de

brincadeiras e contribuindo para a cultura lúdica atual. Portanto, pesquisar sobre uma visão mais ampla a

respeito do imaginário infantil nos dias de hoje, nos possibilita interagir com o que as crianças vêem e brincam, e

assim, identificar o repertório de brincadeiras infantis contemporâneas em diferentes espaços brincantes e o uso

dos seus diferentes avatares. Ou seja, sugere-se que consigamos enxergar um saber brincante por meio do

espelho do imaginário e pelos estados físicos da brincadeira.

Palavras-chave: Brincadeira. Imaginário. Cultura lúdica.

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BARBOSA, Raquel Firmino Magalhães. Playful influences: A study of the children‟s playful

culture and the cartoon. Influências brincantes: Um estudo sobre a cultura lúdica infantil e o

desenho animado, 2011.

ABSTRACT

This study is part of the construction of the Dissertation of master research in Education, linked to the Graduate

Program in Education at the Federal University of Mato Grosso – PPGE/UFMT, wich chief aims to know a

child´s imagination under the influence of television media in the contemporary playful culture. And with the

realization of research, in a specifically way, it‘s pretended to identifing how the children from Child Education

relate to contemporary culture, list the games made by students in school and playful spaces and record the

influence and significance of the cartoon in the children's imagination. For this, the study was based on a

qualitative research, of the kind of ethnographic research, interpretive imprint, with twenty-two students,

encompassing eleven boys and eleven girls from age five, the last level from Child Education, of a school the

municipal public school, located in the city of Cuiabá / MT. For this, the research included semi-structured

interview, systematic and unsystematic observations of speech and behavior at school, narrative episodes and

photographic records as tools for data collection during the second half of 2011. Analysis of the data are

structured into categories of coding, which involves sharing of data by categories, according to the

approximation of the answers provided by research subjects, the junction with the vision of researcher and the

essence of the researcher's theoretical framework, thus forming the triangulation data. From the discussions and

reflections made during the analysis, it was realized that contemporary culture is possessed of the plays that

move between the imaginary and the playful actions, functioning as a reflection of what they imagine in their

movements translated into all kinds of plays cited. And to know the repertoire of playful children revealed the

great influence of the cartoons as products that have common references than they consume in their daily lives,

however, contrary to what one thinks, watch and play actively. Show a link between traditional games, symbolic,

contemporary, structuring and combining its facets, giving rise to associated games, contextualized and updated.

For the subjects, the place to make the play of preference is the home and school environment, however, are

always accompanied by the playful cartoon influence, reflected in their play. And these play plus drawings

sounds like something secret, which seems never to have been told to an adult, revealing their playful

experiences and the power of imagination, especially when depicting the imaginative moments, their hidden

desires of fusion and idealization of characters, consolidating the environment and the meaning of the cartoon for

children play culture. Through those investigations, it became possible to offer an opportunity to know the

playful experiences of childhood and the emersion the different sensations of children in their leisure moments,

of which the cartoon is present in the play, the imaginary, providing images and playful elements of more varied,

reflecting protean possibilities of playing and contributing to the current play culture. Therefore, research on a

broader view about the child's imagination currently, enables us to interact with what children see and play, and

thus identify the repertoire of contemporary children's play in varied playful spaces and use its various avatars.

In other words, it is suggested that we can see a playful knowledge through the imagination mirror and the

physical states of play.

Keywords: Play. Imaginary. Playful Culture.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01: Crianças brincando no pátio de se esconder..............................................73

FIGURA 02: Brincando de pique-esconde debaixo das mesas em sala de aula.............77

FIGURA 03: Criança escondida debaixo da mesa..........................................................78

FIGURA 04: Na sala de aula, com brinquedos da brinquedoteca...................................85

FIGURA 05: Na hora do recreio, meninas pulando corda..............................................86

FIGURA 06: Brincando de pique-esconde, aliada a um recurso lúdico: vendando os

olhos.................................................................................................................................87

FIGURA 07: Criança imitando o gesto do ―Homem Aranha‖ de soltar a

teia...................................................................................................................................90

FIGURA 08: Simulando o gesto de bater no relógio do ―Ben 10‖ e se transformar em um

alienígena...................................................................................................................99

FIGURA 09: Três crianças embaixo da mesa, fazendo alusão a história dos ―Três

Porquinhos‖, dentro da casa de alvenaria......................................................................110

FIGURA 10: ―Lobo Mau‖ invadindo a casa.................................................................110

FIGURA 11: ―Lobo Mau‖ perseguindo um dos Porquinhos........................................111

FIGURA 12: Brincando de lutinha na sala de aula.......................................................117

FIGURA 13: Meninas se maquiando de frente para o espelho.....................................120

FIGURA 14: Meninos confabulando sobre as meninas................................................120

FIGURA 15: Meninos brincando de casinha na brinquedoteca....................................124

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: SITUANDO A QUESTÃO ------------------------------------------------10

PRIMEIRA PARTE: BRINCADEIRA E MÍDIA TELEVISIVA – A LINGUAGEM DA

CRIANÇA NA ESCOLA

1.1 A trajetória do brincar e suas ambigüidades----------------------------------------------18

1.2 Algumas considerações entre a brincadeira e a educação-------------------------------30

1.3 Cultura contemporânea e Mídia televisiva: A força da TV na brincadeira-----------37

1.4 Tecnologia e brincadeira: A ―pós-modernidade‖ juntando o Homo ludens e o Homo

zappiens----------------------------------------------------------------------------------------44

1.5 Desenhos animados, criança e educação: Uma relação autotélica ou heterotélica com a

brincadeira?---------------------------------------------------------------------------------48

1.6 Os dois lados da moeda: algumas considerações sobre a brincadeira e a TV no contexto

―pós-moderno‖-----------------------------------------------------------------------------57

SEGUNDA PARTE: ASPECTOS METODOLÓGICOS

2.1 Tipo de Pesquisa------------------------------------------------------------------------------65

2.2 Locus da Pesquisa----------------------------------------------------------------------------68

2.3 Sujeitos da Pesquisa--------------------------------------------------------------------------68

2.4 Instrumentos de coleta de dados------------------------------------------------------------70

2.5 Procedimentos de análise dos dados-------------------------------------------------------72

TERCEIRA PARTE: UM OLHAR PARA O COMPORTAMENTO INFANTIL

3.1 Categoria 1: Conhecendo as brincadeiras infantis---------------------------------------76

3.1.1 Episódio 01: Brincando na hora da entrada-------------------------------------------76

3.2 Categoria 2: Ambientes brincantes---------------------------------------------------------82

3.2.1 Episódio 02: ―Luta de pé‖ --------------------------------------------------------------83

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3.3 Categoria 3: O desenho animado na brincadeira-----------------------------------------92

3.3.1 Episódio 03: Brincando de Homem Aranha------------------------------------------92

3.4 Categoria 4: A força do imaginário infantil-----------------------------------------------96

3.4.1 Episódio 04: Sonho com Ben 10-------------------------------------------------------96

3.4.1.1 Episódio 05: Produtos dos desenhos animados-------------------------------------104

3.5 Categoria 5: Relação da criança com o desenho animado-----------------------------108

3.5.1 Episódio 06: Sou o Homem de Ferro------------------------------------------------108

3.5.1Categoria 6: Momentos imaginativos---------------------------------------------------112

3.5.1.1 Episódio 07: A história dos Três Porquinhos---------------------------------------112

3.5.2 Categoria 7: Aprendizados brincantes------------------------------------------------118

3.5.2.1 Episódio 08: Luta com o lápis-------------------------------------------------------118

3.5.3 Categoria 8: Fusão de personagens-----------------------------------------------------122

3.5.3.1 Episódio 09: Bruxas e Ben 10--------------------------------------------------------122

3.5.4 Categoria 9: Gênero no desenho animado---------------------------------------------126

3.5.4.1 Episódio 10: O Carrinho---------------------------------------------------------------126

3.5.5 Categoria 10: Idealização dos personagens-------------------------------------------129

3.5.5.1 Episódio 11: Minha sandália----------------------------------------------------------130

CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--------------------------------------------------------140

ANEXOS

Roteiro de questões----------------------------------------------------------------------------142

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INTRODUÇÃO: SITUANDO A QUESTÃO

―A educação da criança é repleta daquilo que

chamam detalhes, mas que são essenciais‖. (Marcel

Mauss)

velocidade com que os acontecimentos ocorrem nos dias de hoje nos

deixam muitas vezes sem saber como agir, ocasionando uma sensação de

impotência por não conseguir acompanhar o que está acontecendo,

principalmente com quem convive com crianças em seu cotidiano.

O carrefour entre infância, mídia e educação nos remete a pensarmos sobre o que

essas experiências brincantes podem trazer para o universo infantil e como se dá essa

influência. Por isso se realça aqui neste texto, a importância de conhecermos a cultura infantil,

principalmente na escola, onde a criança tem a oportunidade de exercitar as suas fantasias e

brincadeiras, e assim, fornecer a dimensão que pretendemos atingir ao investigar as

brincadeiras de hoje.

A mídia televisiva oferece à criança um mundo de informações e materiais que as

cercam, quase o tempo todo, proporcionando facilidade, diversão e singularidades na cultura e

no cotidiano infantil, principalmente com os desenhos animados.

A educação terá uma importante tarefa ao buscar dialogar com o que está acontecendo

hoje na escola e na vida das crianças. Em uma sociedade que é considerada por muitos autores

como ―pós-moderna‖, apresentando características marcantes, onde tudo se torna fluido e que

influenciam cada vez mais crianças a valorizarem o consumismo e o descarte, esquecendo-se

de dar valor as pequenas coisas ou talvez as próprias experiências dos mais velhos, esses, por

sua vez, não possuem tempo suficiente por conta da agitação do dia-a-dia.

Parece óbvio que o processo de surgimento e irrupção de novas ferramentas

tecnológicas e seus desdobramentos são percebidos o tempo todo em nossas vidas, e mais do

que nunca no ambiente escolar, com características marcantes da ―pós-modernidade‖ como a

descentralização, a instantaneidade do que se brinca e se descarta, certezas e incertezas das

informações, entre outras coisas, bem diferente de outras épocas. E para administrar essa

realidade, é necessário veicular novas formas de aprendizados e linguagens que estejam de

acordo com essa complexidade bem diferentes da escola conservadora e suas velhas e

inculcadas narrativas.

A

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Essa grande proliferação de informações vindas da mídia televisiva e de seus

desdobramentos proporcionou um contexto de instantaneidade e transformações, que na

perspectiva ―pós-moderna‖, é encarada como algo líquido (BAUMAN, 2007), que está sujeita

a alterações sem aviso prévio. Isto pode levar leva a modificações em nossos valores,

costumes e idéias, influenciando no comportamento, no desenrolar e na vivência com as

brincadeiras e com o outro, aculturando as crianças de hoje com as especificidades da nossa

realidade.

O contexto atual em que estamos vivendo retrata mudanças na sociedade em que as

condições comuns de vida são alimentadas por mudanças constantes e estímulos que

influenciam a vida de todos, principalmente a infantil.

Ter uma visão mais ampla sobre a mídia televisiva nos possibilita interagir com o que

as crianças vêem e brincam, e assim identificar o repertório de brincadeiras infantis

contemporâneas em diferentes espaços da escola, e com isso, possibilitar uma via de mão

dupla entre o sujeito e a sua cultura.

A concepção de infância, que é produzida pela cultura, tem sofrido modificações de

acordo com as mudanças ocorridas na sociedade, principalmente quando se observa pelo

ângulo do comportamento, que é regido por valores e hábitos que são construídos ao longo

dos anos. O que está acontecendo atualmente é um grande desenvolvimento no acesso a mídia

televisiva através de programas, imagens e produtos que influenciam a uma possível alteração

no sentido do que se brinca.

A brincadeira, apoiada nos estudos de Brougère (2008), necessita de um ambiente

sócio-cultural para haver relações e trocas entre os atores sociais, adaptando e estruturando as

capacidades e possibilidades do meio em que a criança está inserida.

Nesse sentido, podemos entender o conceito de cultura, na visão de Geertz (2008),

como um sistema simbólico em que os indivíduos constroem sua própria história, ou seja,

como um texto em que o ser humano está imerso e que precisa ser interpretado.

E a cultura infantil, então, será compreendida como elementos lúdicos que constituem

o mundo da criança, proporcionando singularidades que são incorporadas em suas

brincadeiras e também um caráter social, ao intercambiarem atividades brincantes.

Assim, as crianças da era digital vivem em uma civilização onde tudo muda o tempo

todo e os avanços tecnológicos acontecem rapidamente. Por isso, é preciso investigar as

especificidades das crianças na Educação Infantil, de modo que consigamos conhecer suas

estruturas, seus comportamentos e seus sentimentos, favorecendo a avaliarmos melhor a alma

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infantil, observando e explorando sua realidade, tentando nos colocar no lugar da criança para

enxergá-las através de suas próprias lentes.

Compreender as mudanças que estão ocorrendo dentro da sociedade ―pós-moderna‖

como a transformação cultural, nos remete a refletirmos sobre os conflitos e dilemas que

tendem a aparecer e modificar a cultura lúdica infantil, que para Brougère (1998a, p. 24)

considera que ―[...] a cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de procedimentos que

permitem tornar o jogo possível‖. Para esse sociólogo do jogo, ―[...] dispor de uma cultura

lúdica é dispor de certo número de referências que permitem interpretar como jogo as

atividades que poderiam não ser vistas como tais por outras pessoas‖.

Então, discutir a relação da brincadeira, do imaginário e da cultura lúdica no contexto

―pós-moderno‖ possibilita a compreensão deste período e a trajetória da brincadeira enquanto

bem cultural, no desenrolar das atividades brincantes das crianças, principalmente neste

período atual onde as referências das crianças estão baseadas essencialmente na presença

midiática da TV.

Neste sentido, pressupõe-se que as transformações ocorridas na sociedade, de certa

forma, estão sendo refletidas na cultura lúdica infantil, acarretando um grande desafio de

compreensão cultural dessas brincadeiras e brinquedos que estão surgindo no cotidiano das

crianças de hoje.

Assim, este estudo tem como objetivo capital conhecer o imaginário infantil sob as

influências da mídia televisiva na cultura lúdica contemporânea. E com a realização da

pesquisa, de modo geral, se pretende identificar como crianças da Educação Infantil se

relacionam com a cultura atual, enumerar as brincadeiras realizadas por elas nos espaços

brincantes e escolares e registrar a influência e o significado dos desenhos animados no

imaginário infantil.

O questionamento central desta pesquisa é como se expressam as influências dos

desenhos animados no imaginário infantil? O desafio é incentivar o diálogo sobre a vida da

criança, o que fazem em seu cotidiano, com o quê e como brincam e como socializam esse

saber na escola, contribuindo para que conheçamos melhor o repertório brincante e

imaginativo das mesmas.

Diante desse cenário, estabelecemos algumas questões secundárias a serem

investigadas nesse estudo: A brincadeira pode mudar, os brinquedos podem se transformar,

porém, o sentimento de brincar permanecerá o mesmo? Será que as brincadeiras podem ser

afetadas pela atuação da mídia televisiva na vida das crianças? Até que ponto os desenhos

animados influenciam a cultura lúdica infantil? O que essas imagens oferecem para o

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imaginário das crianças? O que elas acham disso? Será que elas trazem algo de novo? Como

socializam esse saber brincante? São questões que tentarão ser respondidas ao longo dessa

pesquisa, de modo a contribuir um pouco mais sobre o universo infantil.

Nesse sentido, este estudo se divide em três partes, que estão conectadas entre a teoria,

a metodologia e análise dos dados. Busca-se uma interlocução entre as inquietações presentes

no desenrolar do texto, com os estudiosos sobre o temático triunvirato entre infância,

brincadeira e mídia e com o leitor, que irá desbravar esse território do brincar no contexto

educacional, ao entrar no mundo infantil e nas idéias sobre a entrega da criança à brincadeira.

A Primeira Parte do trabalho brincadeira e mídia televisiva: A linguagem da criança

na escola é atravessada por algumas questões teóricas a respeito da brincadeira e da

linguagem da criança no contexto brincante, educacional e tecnologizado, esboçando sua

trajetória até os dias atuais. Apresenta-se conceitualmente a brincadeira com um sentido

ambivalente, proteiforme e autotélico. É subdividido em seis subitens.

O Primeiro Subitem, A trajetória do brincar e suas ambigüidades, é composto por

fases pelas quais a criança, a brincadeira e os conceitos sobre o jogo se estruturaram,

sobressaindo o caráter sócio-cultural das atividades brincantes. Alguns autores

fundamentaram essa discussão como Huizinga, Kishimoto, Château, Benjamin, Brougère,

Sutton-Smith, dentre outros, fortalecendo o modo de ver a criança e sua linguagem lúdica.

No Segundo Subitem, Algumas considerações entre a brincadeira e a Educação

levantam-se algumas características sobre os jogos simbólicos, o imaginário e a brincadeira

como algo frívolo e sério. No que concerne a Educação, a brincadeira pôde ser apreciada pelo

âmbito da recreação, como artifício pedagógico e para fins de conhecimento sobre a

personalidade infantil.

No Terceiro Subitem, Cultura contemporânea e mídia televisiva: A força da TV na

brincadeira é marcada pela presença televisiva na vida das crianças, que se reflete, por sua

vez, nos desenhos animados em sua cultura lúdica. Apresenta uma maneira de percebermos a

visibilidade do que está oculto em suas brincadeiras, ampliando o seu repertório imaginativo e

suas experiências brincantes.

No Quarto Subitem, Tecnologia e brincadeira: A “pós-modernidade” juntando o

Homo ludens e o Homo zappiens destaca-se o caminho percorrido pelas rubricas do ser

humano partindo do Homo sapiens até chegar ao Homo zappiens, desvelando um ser em

constantes transformações e tecnologizado com as mudanças que ocorrem na sociedade

líquida, fazendo-nos refletir sobre possibilidades de interação com essa geração zapping.

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No Quinto Subitem, Desenhos animados, criança e educação: Uma relação autotélica

ou heterotélica com a brincadeira? provoca nossas percepções sobre o marketing do consumo

dos desenhos animados e dos produtos que o acompanham, que proporcionam um

encantamento nas crianças ao se depararem com esses desenhos. Aponta também a figura da

agressividade, muito latente nos desenhos animados e nas brincadeiras de faz-de-conta das

crianças, que tem como orientação teórica os estudos de Jones (2004) e Brougère (2008), ao

tratarem respectivamente de ―brincar de matar monstros‖ e ―jogos de guerra‖.

No Sexto Subitem da parte teórica, Os dois lados da moeda: Algumas considerações

sobre a brincadeira e a TV no contexto pós-moderno expõem o conceito de sociedade

líquido-moderna, pela pena de Bauman, (fazendo alusão à sociedade ―pós-moderna‖) e os

efeitos sobre a infância à luz de alguns teóricos que discutem o brincar, a influência da TV e o

reflexo na cultura lúdica infantil.

Na Segunda Parte do trabalho, Aspectos metodológicos, são expostas as heurísticas

utilizadas para ordenar e descrever como foi realizada a pesquisa: o seu tipo, lócus, sujeitos,

instrumentos de coleta de dados e procedimentos de análise dos mesmos.

Este processo foi auxiliado pela contribuição de observação sistemática e assistemática

de falas e comportamentos na escola. Isso revelou uma gama de características próprias da

infância e uma maneira de explicar fenômenos produzidos pelo homem de modo coletivo,

porém, sem perder a individualidade, atribuindo significados e simbologias que se fazem

presentes no contexto social, funcionando como um espaço de observação e apreciação da

cultura lúdica infantil.

Através dos instrumentos da pesquisa (observação, entrevistas semi-estruturadas,

narrativa de episódios e registros fotográficos) conseguiram-se subsídios para o entendimento

sobre os acontecimentos ocorridos no espaço escolar, nesse caso, a influência dos desenhos

animados nas brincadeiras infantis.

O procedimento de análise foi realizado por meio da triangulação dos dados, unindo o

arcabouço teórico, a visão da pesquisadora e as vozes e episódios das crianças, sendo

observadas pelas categorias de análise.

A Terceira Parte do trabalho, Um olhar para o comportamento infantil, destaca

detalhes impregnados na cultura lúdica infantil que desvela saberes brincantes ocultos,

frívolos e fantasmagóricos presentes em suas experiências e influenciados pela realidade,

onde a agressividade, o imaginário e os desenhos animados aparecem como uma grande fonte

de energia no sentido de alavancá-los para os domínios da fantasia.

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E nas Considerações Finais, percebe-se a idiossincrasia presente nos momentos

brincantes das crianças, os imprintings da sociedade contemporânea e a capacidade

proteiforme da brincadeira influenciando diretamente o lebenswelt da infância, concluindo

metaforicamente com o espelho do imaginário e os estados físicos da brincadeira.

Assim, neste momento contemporâneo, um dos grandes desafios é tentar compreender

como estão ocorrendo essas brincadeiras e quais elementos que fazem parte desta cultura.

Deste modo, o que pode nos ajudar é conhecer o contexto atual em que a criança está inserida,

o ambiente escolar e de lazer, possibilitando o estudo sobre a sua cultura, o que elas interagem

e aprendem com o que está a sua volta, a identidade, a tradição e a significação da brincadeira

dentro da sociedade ―pós-moderna‖.

Conseguir desvelar um novo olhar para a cultura lúdica, de modo que não se perca a

essência e o valor deste campo rico de experiências do brincar na Educação Infantil, que pode

nos ensinar a ver e a experimentar novos espaços de apreciação. E, portanto, proporcionar um

ambiente propício ao diálogo com o que está acontecendo na sociedade atual, levando a

compreensão e a significação cultural das brincadeiras infantis dadas pelas crianças de hoje e

o seu reflexo no ambiente escolar, a fim de colaborar com reflexões e experiências para a

cultura lúdica infantil.

A leitura do ambiente escolar pode ser uma valiosa ferramenta para termos a

percepção do que está acontecendo com as crianças, devido a todas as mudanças profundas

que estão surgindo na sociedade. Isso permite que pensemos mais sobre a complexidade

dessas transformações no seio escolar, onde a educação pode ser a palavra-chave para clarear

tudo que está ocorrendo, de modo a lidar com sensibilidade frente às mudanças constantes na

esfera escolar, brincante e comportamental, e assim, tentar compreender o seu interior.

Nesse sentido, esta pesquisa pode contribuir com professores, pesquisadores e

profissionais de diferentes áreas, a fim de conhecer mais sobre o universo infantil, em

especial, suas brincadeiras no contexto atual, suscitando curiosidades e pesquisas sobre o

assunto, com a finalidade de colaborar com o conhecimento sobre a cultura contemporânea

infantil.

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PRIMEIRA PARTE:

BRINCADEIRA E MÍDIA TELEVISIVA ― A LINGUAGEM DA CRIANÇA NA

ESCOLA

―La société surinformée bascule du faire vers le

fair-semblant‖ 1(Thierry Gaudin)

1 Traduzido pela autora: ―A sociedade subinformada se inclina em direção ao faz-de-conta‖.

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1.1 A trajetória do brincar e suas ambigüidades

O universo das brincadeiras esboça o trajeto que a criança faz para adquirir e

desenvolver suas estruturas mentais, sociais, corporais, culturais e emocionais, possibilitando

que conheça o mundo e o que está a sua volta.

O brincar é o elemento fundamental para que a criança possa interagir com o mundo e

exercitar suas diversas linguagens, dentre elas a brincante, a corporal e a escolar, pois estão

intrínsecas no processo que constrói a brincadeira. Esses elementos podem revelar situações

que permite nos aproximar, observar e compreender o sujeito em seu ambiente que é

tipicamente expressivo e repleto de magia.

Reconhecer o papel do brincar na vida da criança é uma tarefa que requer um

conhecimento sobre os teóricos que estudam o brincar e seus elementos bem como as fases

anteriores pelas quais a criança passou, verificando a sua evolução.

A temática da brincadeira ― entendendo-a com o mesmo sentido de jogo ― têm

despertado o interesse de vários estudiosos e pesquisadores, ampliando as linhas de pesquisa e

a profundidade sobre o tema na atualidade, relacionando as mais variadas influências e

expondo suas generalidades e especificidades.

A sociedade contemporânea bem como a cultura infantil está sujeita a transformações

de acordo com os acontecimentos e mudanças sofridas ao longo dos séculos. Vivemos em um

período marcado por constantes construções e reconstruções sociais e culturais, que vão

influir diretamente no imaginário e no brincar da criança. Diante deste quadro, como podemos

relacionar a brincadeira da criança com a educação? É a brincadeira ou o ensino que

prevalece? Limita-se somente a recreação? É sério ou frívolo?

Para isso, erigiremos alguns pontos de reflexão sobre a brincadeira, o imaginário, o

weltanschauung2 da infância e sua ligação com a educação, a fim de compreender algumas

das necessidades brincantes contemporâneas da infância.

A maneira de pensar da sociedade pela qual os atores sociais realizam suas

brincadeiras e atos imagéticos podem estar relacionados ao conceito de habitus, proposto por

Bourdieu (2003), ao caracterizá-lo como um modus operandi3 e com traços de impregnação

social, juntamente com as ―disposições duráveis‖ que a orienta.

2 Segundo o dicionário Houaiss: conjunto ordenado de valores, impressões, sentimentos e concepções de

natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive; cosmovisão,

mundividência; Visão de mundo. 3 De acordo com o dicionário Houaiss, é modo pelo qual um indivíduo ou uma organização desenvolve suas

atividades ou opera.

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Desta forma, a compreensão sobre a relação da brincadeira e a educação apresenta

diferentes facetas ao longo de sua trajetória e fases pelas quais a criança passou ao longo

desses períodos históricos, desde a Idade Média até os dias de hoje, como o Homo sapiens,

pela capacidade de ser inteligente; Homo faber, voltado para o trabalho e a fabricação de

objetos; Homo ludens, descoberta do ser lúdico e também do Homo zappiens, como um ser

nascido na era digital (ARIÈS, 2006; BENJAMIN, 1984; BROUGÈRE, 1998b; HUIZINGA,

2007; KISHIMOTO, 1999; MORIN, 2000).

Desta forma, isso também se reflete nas diferentes rubricas que a infância passou ao

longo dos séculos: a criança como um adulto em tamanho reduzido, posteriormente sendo

paparicada, a criança na escola até chegar à infância que conhecemos hoje, a criança

tecnologizada.

Philippe Ariès (2006) tenta elucidar algumas visões de mundo em relação à ausência

da infância e à construção da mesma como algo diferente da vida adulta. Fez um retrospecto

da concepção de infância a partir do século XII até o século XX, mostrando o modo como a

sociedade via a criança: desconhecimento do significado da infância; criança como Homo

faber; a criança como reflexo do Menino Jesus; a criança como um ser ―engraçadinho‖; a

criança escolarizada. Steinberg e Kincheloe (2004, p. 11) ressaltam a influência do contexto

social e o período histórico sobre a infância, que para eles ―[...] a infância é um artefato social

e histórico, e não uma simples entidade biológica (...), é moldada por forças sociais, culturais,

políticas e econômicas que atuam sobre ela‖.

O campo da sociologia da infância trata a criança como um ator social pleno, e

Sarmento (2005) é um desses estudiosos que se aprofundou nessa linha de preocupação. Para

ele, a sociologia da infância aponta para uma construção social da infância, para além da

concepção de criança como uma tábula rasa. Desta forma, Sarmento entende que a sociologia

da infância tem como objetivos mostrar um novo paradigma. O excerto de um texto sobre o

assunto abaixo mostra a seguinte consideração:

A sociologia da infância propõe-se a constituir a infância como objecto sociológico,

resgatando-a das perspectivas biologistas, que a reduzem a um estado intermédio de

maturação e desenvolvimento humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar

as crianças como indivíduos que se desenvolvem independentemente da construção

social das suas condições de existência e das representações e imagens

historicamente construídas sobre e para eles. Porém, mais do que isso, a sociologia

da infância propõe-se a interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma

as crianças como objecto de investigação sociológica por direito próprio, fazendo

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acrescer o conhecimento, não apenas sobre infância, mas sobre o conjunto da

sociedade globalmente considerada. A infância é concebida como uma categoria

social do tipo geracional por meio da qual se revelam as possibilidades e os

constrangimentos da estrutura social. (SARMENTO, 2005, p. 363).

Considera a infância como um meio de produção simbólica e de manifestações e

representações desse mundo infantil, engendrando um sistema que se estrutura a cultura da

infância. Isso proporciona analisar o contexto geral em que as crianças vivem, interagem e

significam ao brincarem, oferecendo um espaço para dar voz a essas crianças, a fim de

expressarem seus pontos de vista.

Assim, esse conjunto de significados é produzido pela relação da criança com a

sociedade em que vive, disponibilizando a impressão daquela geração e cultura infantil, como

um elemento simbólico comum, conforme Sarmento (2003) uma ―gramática das culturas da

infância‖ e ainda, ―[...] as culturas da infância transportam as marcas dos tempos, exprimem a

sociedade em suas contradições, nos seus estratos e na sua complexidade‖ (SARMENTO,

2003, p. 4).

Para Sarmento (2004), a criança apresenta uma ―autonomia cultural‖, quando as suas

representações e significações se consolidam dentro da sua cultura infantil, pois possuem um

aspecto relacional e mostram a sua afinidade com a cultura societal, porém, diferentemente da

cultura adulta.

A analogia entre o aspecto relacional e a autonomia cultural pode ser expressa

principalmente pela interatividade, ludicidade, fantasia do real e a reiteração. É nesse

momento que as crianças interagem com o mundo e com o que está a sua volta: imitando,

criando, transformando e repetindo seus devaneios. Além de compartilharem vivências,

principalmente as brincantes com seus pares, se tornando uma forma de contribuir para

estruturarem futuramente a sua vida social, ou seja, capacitando essas crianças para se

tornarem atores sociais.

E nessa concepção de infância, o imaginário está presente da mesma forma nas

brincadeiras de faz-de-conta, representando as múltiplas dimensões simbólicas com o objeto

brincante e as mutações que ocorrem de acordo com a vontade e a percepção da criança,

mostrando a força do imaginário em suas brincadeiras e as suas relações particulares com o

seu mundo lúdico.

Para as crianças, no âmbito do jogo simbólico, o objecto referenciado não perde a

sua identidade própria e é, ao mesmo tempo, transmutado pelo imaginário: a criança

―veste‖ a personagem da mãe, do bebê, do médico ou do cientista maluco sem

perder a noção de quem é e transforma os objectos mais vulgares nos mais

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inverossímeis artefatos – a caixa de cartão no automóvel, o lápis de cera no batom,

uma caixa de bolachas no tesouro escondido dos piratas… Do mesmo modo, a

criança funde os tempos presente, passado e futuro, numa recursividade temporal e

numa reiteração de oportunidades que é muito própria da sua capacidade de

transposição no espaço-tempo e de fusão do real com o imaginário (SARMENTO,

2005, p. 375).

Isso faz parte do simbolismo infantil, pois permite que a criança explore contradições

e possibilidades. É a frivolidade da brincadeira em ação, aparentemente sem nexo à etologia

do mundo adulto, fútil, ―sem preço‖, mas com muito sentido e lógica para a criança e também

para quem consegue entrar nesse mundo e interpretar sua cultura. E é nesse momento que as

crianças se afirmam como atores sociais com a multiplicidade de ações e representações.

Da mesma forma é a trajetória da brincadeira que também sofreu influências de acordo

com os períodos históricos. Segundo Kishimoto (1999), o jogo era visto como recreação

desde a Antiguidade, caracterizado como um ―passa-tempo‖, uma forma de relaxamento

mental e físico, ou simplesmente diversão no tempo livre.

Na Antiguidade, o brincar era algo compartilhado entre crianças e adultos, onde havia

um dos princípios do jogo, o seu característico caráter autotélico, pois podiam brincar ao

alcance da imaginação, sem que houvesse interferências de adultos (ARIÈS, 2006).

As brincadeiras eram realizadas em locais abertos como ruas e praças, com grupos de

crianças de diferentes idades, mostrando uma infância ativa e dinâmica, rica em brincadeiras e

liberdade, ou seja, apresentava uma concepção de recreação.

[...] As brincadeiras eram fórmulas condensadas de vida, modelos em miniatura da

história e destino da humanidade. A brincadeira era o fenômeno social dos quais

todos participavam e foi só bem mais tarde que ela perdeu seus vínculos

comunitários e seu simbolismo religioso, tornando-se individual (FRIEDMANN,

1998, p. 29).

Dessa forma, a trajetória do brincar foi influenciada diretamente pelas transformações

na sociedade. Já durante a Idade Média, o jogo apresentava um caráter ―não-sério‖,

relacionado ao cômico, ao riso, ao lúdico e ao frívolo. Foi considerado como algo que não

justificava seriedade, pois estava estritamente relacionado aos jogos de azar (KISHIMOTO,

1999).

No Renascimento, a escola construiu seu espaço e tinha como característica principal a

brincadeira como um instrumento de ensino, a fim de facilitar a aprendizagem dos conteúdos

escolares de forma lúdica, principalmente para compensar a fase da palmatória, ensinando

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valores e comportamentos, favorecendo a aprendizagem por meio de jogos (LAUAND,

2000).

Na fase Romântica, o brincar aparece como uma conduta típica da infância, adquiriu

um aspecto de espontaneidade, liberdade e prazer, comparando a criança à alma de um poeta

(KISHIMOTO, 1999).

Na fase industrial, as crianças passaram por um processo de afastamento das

brincadeiras, devido à inserção da criança no mundo adulto, utilizando a mesma como mão-

de-obra barata para o trabalho infantil (FRIEDMANN, 1998).

Contudo, observando o progresso pelo qual o mundo passava e vendo a importância

das atividades lúdicas para a vida infantil, lançaram, então, um olhar mais educativo para o

brincar, defendendo jogos educativos como instrumento rico para o processo de ensino-

aprendizagem e de desenvolvimento da criança, principalmente quando há o fator da

intencionalidade como um fim pedagógico, para estimular determinada aprendizagem

(KISHIMOTO, 1999).

A infância tornou-se pedagogizada: o objetivo básico dos pedagogos dentro das

instituições e das famílias era o de criar o novo homem. (...) A brincadeira,

considerada como um vício no começo da idade moderna foi introduzido nas

instituições educacionais por filantropistas, com o intuito de tornar esses espaços

prazerosos e também como um meio educacional. (FRIEDMANN, p. 24, 1998)

A partir do século XIX, surgiram diversos estudos para caracterizar a brincadeira

como: pré-exercício (teoria de Groos), motor do auto-desenvolvimento (Claparède), expressão

de conduta (Piaget) e construção social (Vygotsky).

Com os movimentos da Escola Nova do início do século XX, proporcionou que a

criança fosse vista de forma ativa e com todos os seus traços e comportamentos lúdicos,

buscando preservar e valorizar a espontaneidade e o caráter recreativo das brincadeiras

infantis, principalmente dentro das escolas.

A concepção escolanovista preserva a brincadeira com todo o seu arcabouço livre,

espontâneo e autotélico, que contribuiu para uma educação que estimulasse a formação e a

compreensão das crianças como um ser ativo e seu principal método, era a grande utilização

do uso de brinquedos e brincadeiras centradas na recreação como uma maneira de ter uma

educação baseada no brincar.

É esse conjunto de ações que fazem dessa transformação social, uma maneira de

vermos a infância com um novo olhar, possuindo sua natureza única e sua própria visão de

mundo, estruturando novas configurações para a construção da infância contemporânea.

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Para que possamos entender o modo de ver a criança, é preciso enxergar a brincadeira

como uma forma dela construir sua própria cultura (BROUGÈRE, 1998a), que se dá

principalmente por sua expressividade, peculiaridade e experiência. Por isso, o processo de

mediação entre a realidade, a criança e a brincadeira é tão importante, para que se consiga

visualizar suas vivências em um ambiente rico em criatividade e possibilidades.

Para um melhor entendimento, busca-se identificar o conceito de jogo por diferentes

autores e áreas de conhecimento, para que consigamos compreender como são vistas as

diversas teorias e como esses conceitos podem refletir na linguagem infantil, e assim perceber

como os imprintings, no sentido de marcar o indivíduo, propostos por Morin (2000), podem

ser influenciados e alimentados pela cultura de uma sociedade, no modo de conhecer e agir.

Huizinga (2007) descreve o jogo como algo anterior a cultura, pois organiza a cultura

do ser humano, e não está ligada somente ao mundo infantil, mas também em aspectos da

sociedade como guerras, leis, artes, ciência, entre outras, onde a essência é alimentada por

suas principais características.

Essas características na concepção de Huizinga para o ser que brinca, ou como ele

mesmo designou Homo Ludens, possui uma função significante, pois há a presença de algo

não material em seu interior como sentimentos de tensão, alegria, seriedade e divertimento,

retratando uma realidade autônoma e imaginada, provocando sensações de prazer e vontade

de fazer mais uma vez. E assim, define:

[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e

determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas,

mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de

um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ―vida

quotidiana‖ 4. (HUIZINGA, 2007, p. 33)

A evasão da vida real é observada como um intervalo na vida diária do ser humano,

funcionando como um complemento para a vida e marcada pela intensa atividade lúdica,

caracterizadas pela ordem, tensão, movimento, mudança, isolamento, limitação, incerteza,

acaso, segredo e entusiasmo. Esse misto de necessidade e satisfação é o que torna o jogo

envolvente e arrebatador.

A alegria e o divertimento que o jogo provoca fazem com que a criança vá para outra

realidade, fora de sua vida cotidiana, uma atividade de modo temporário, mas profundamente

4 Grifos do próprio autor.

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prazerosa, onde ela se completa no seu mundo de faz-de-conta com todo ritual adotado pelos

participantes da brincadeira.

Graças a isso, provoca-se uma sensação de bem-estar e liberdade, principalmente no

jogo simbólico, onde se manifestam brincadeiras de faz-de-conta, criando um ambiente de

vivências, assimilação e aprendizado, deste modo, a criança consegue criar e recriar,

aperfeiçoar suas atitudes e o seu desenvolvimento, sem compromisso e com aprendizagem.

Segundo Château (1987), para compreender o jogo é preciso ter um olhar mais

apurado sobre o universo infantil, a fim de conhecer melhor suas tendências e

comportamentos. Sob o olhar da psicologia genética, o autor realizou um estudo aprofundado

sobre a relação do jogo com a infância, revelando um verdadeiro espaço de observação, para

que pudéssemos ter uma percepção total da criança e a compreensão da importância dos jogos

para a vida adulta.

Deste modo, o jogo se apresenta não só materializado na brincadeira como também em

um espaço de atividade séria, que na visão châteauniana é o verdadeiro comportamento

lúdico, onde todos os aspectos imaginativos traduzem o mesmo grau de importância. Assim, a

atividade lúdica aparece com um papel de destaque no comportamento e na natureza infantil,

a fim de estimular na criança suas condutas superiores e estruturas mentais através da

autoafirmação e da construção da personalidade.

Suas características podem ser observadas através da entrega ao jogo, da

imprevisibilidade, da seriedade, da afirmação do eu, da atração desinteressada, do

distanciamento, da autonomia, de regras rigorosas (que regem as condutas mais simples), na

descoberta de seus poderes, funcionando como um treinamento inconsciente da aprendizagem

necessária à vida adulta (CHÂTEAU, 1987).

E a atitude lúdica revela os elementos que nutrem o jogo, criando uma atmosfera de

imaginação:

Tudo se passa como se, pela atitude lúdica desses instantes, o mundo estivesse

restrito a um domínio imediato, no qual pode brincar o arbítrio da imaginação (...) o

jogo represa toda a atenção apaixonada da criança e mobiliza todas as suas forças...

Se a criança é séria, é que, por meio de suas conquistas no jogo, ela afirma seu ser,

proclama seu poder e sua autonomia (Ibid, 1987, pp. 25-26).

E a afirmação do seu ser é ancorada em outra característica do jogo, no apelo do mais

velho, reproduzindo e incorporando o adulto em suas fantasias, entendendo o adulto no

sentido de ser o mais velho ou o grande, e a atitude de distanciamento, transporta a criança

para mundos onde ela reina e a sua soberania é o que prevalece.

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Assim, o jogo é para criança o que o trabalho é para o adulto, pois ―[...] não se pode

dizer de uma criança ―que ela cresce‖ apenas, seria preciso dizer ―que ela se torna grande pelo

jogo‖ (Ibid, 1987, p. 14). Entretanto, o jogo é apenas um substituto, pois está preparando-a

para a vida adulta, para a vida do trabalho. E esta revela um gosto pelo trabalho por apresentar

um significado diferente, porque quem o realiza é o adulto, em quem ela se inspira a todo o

tempo. No entanto, ela não faz parte desse mundo e ―[...] por ser estranha no mundo do

trabalho que ela se afirma no jogo‖ (CHÂTEAU, 1987, p.34), pois toda brincadeira é

conduzida e alimentada pela sombra do mais velho. É o que condiciona a vida e a brincadeira

infantil.

Benjamin (1984) analisou a criança e o jogo por uma perspectiva histórico-cultural e

tentou vê-la através de suas próprias lentes, a margem da cultura adulta. Para ele, o jogo visto

pelo adulto é apenas uma imitação, não leva em conta a natureza infantil. Entretanto,

Benjamin gostaria que a víssemos com um olhar claro e compreensível e não infantil indo

além da lente do adulto, para que assim, conseguíssemos entrar no universo da sensibilidade

infantil.

As características mais marcantes do jogo para Benjamin se devem ao fato de a

criança aparentar todo esse fascínio sobre a brincadeira, apresentando um gosto pela repetição

e pelo poder, fazendo e refazendo os mesmos movimentos, falas e expressões, com a mesma

seriedade, e deste modo, conseguem interiorizar saberes novos, conservando assim, os

sentimentos essenciais.

E complementa que a especificidade da vida infantil transparece em seus sentimentos

e gestos que são diferentes do mundo adulto e essa expressividade é notada através dos sinais

que a criança transmite, assim:

[...] reafirma a especificidade da vida infantil e juvenil, que não apresenta uma

miniatura do cosmos adulto: bem ao contrário, o ser humano de pouca idade constrói

o seu próprio universo, capaz de incluir lances de pureza e ingenuidade, sem

eliminar, todavia a agressividade, resistência, perversidade, humor, vontade de

domínio e mando. (Ibid, 1984, p. 11)

Portanto, a brincadeira para a criança é mais do que um ambiente onde ela consegue

projetar a sua fantasia e a sua imaginação, com características de repetição, de seriedade, de

inocência e de vestígios da geração mais velha. É um momento que transparece uma espécie

de libertação, necessidade e de realização no momento da brincadeira, contribuindo para a

formação de sua personalidade.

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Brougère (1998a) é um filósofo que estuda a questão do jogo, do brinquedo e da

brincadeira e a sua relação com as crianças por um viés social. Para ele, mesmo o jogo

fazendo parte da vida do homem, é preciso ter um contexto social para que ele possa ocorrer e

necessita de aprendizagem. Deste modo, jogo para Brougère vai ter sua definição de acordo

com a cultura que ele está inserido, por isso a busca em se delimitar a amplitude desse termo.

Assim, o jogo apresentará manifestações de seriedade, autonomia, aprendizagem,

inteligência, desenvolvimento da personalidade, proporcionando um recorte do real, uma

maneira particular que a criança pode ver e representar o mundo a sua maneira.

[...] o jogo só existe dentro de um sistema de designação, de interpretação das

atividades humanas. Uma das características do jogo consiste efetivamente no fato

de não dispor de nenhum comportamento específico que permitiria separar

claramente a atividade lúdica de qualquer outro comportamento. O que caracteriza o

jogo é menos o que se busca do que o modo como se brinca, o estado de espírito

com que se brinca. (BROUGÈRE, 1998a, p. 105)

Ou seja, não se pode esperar da criança que ela tenha atitudes estereotipadas. Cada

fase, momento ou estímulo podem revelar comportamentos dos mais variados, e é justamente

essa mistura de cultura e fantasia que fazem com que a criança conheça e explore os espaços,

as brincadeiras e o poder de sua imaginação. É o modo que a criança tem de manifestar seus

desejos e vontades, além de entrar em contato com brincadeiras tradicionais e

contemporâneas, funcionando como uma aprendizagem social de assimilar a realidade da

forma que elas desejam.

Neste sentido, a interpretação será um ponto fundamental no momento em que

tentamos compreender o contexto do jogo e, conseqüentemente, da atividade lúdica, segundo

Brougère (1998a, p. 106), ―[...] para que uma atividade seja um jogo é necessário então que

seja tomada e interpretada como tal pelos atores sociais em função da imagem que tem dessa

atividade‖, pois o sistema de significações está relacionado com a representação da imagem

ou do comportamento que observamos durante a brincadeira, onde a cultura produz o sentido.

Para Sutton-Smith (2001), a busca por um significado do jogo é algo complexo, pelo

fato de ter uma carga ideológica muitas vezes implícita nos discursos e também por necessitar

da ajuda de diferentes disciplinas. Devido a este fato, os conceitos são ora similares e ora

muito diferentes, demonstrando a ambigüidade presente no jogo.

Assim, descrever conceitualmente o que jogo significa, nos leva a não ter um veredito

final, pois apresenta pouco consenso e muita ambigüidade. Por começar com a própria

etimologia da palavra jogo. A palavra jogo não foi traduzida da mesma forma por todas as

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línguas, tendo formas semelhantes, mas concepções diferentes, e também pode ser expressa

por mais de uma palavra.

O latim designa jogo e qualquer atividade lúdica com uma única palavra, ludus que

deriva de ludere, expressando algo relacionado a não-seriedade, a ilusão, ao irreal, e Huizinga

(2007, p. 42) complementa que:

Em todas essas línguas, desde muito cedo, ludus foi suplantado por um derivado de

jocus, cujo sentido específico (gracejar, tocar) foi ampliado para o de jogo em geral.

É o caso do francês jeu, jouer, do italiano gioco, giocare, do espanhol juego, jugar,

do português jogo, jogar.

No inglês, há dois vocábulos para designar jogo conhecidos por play e game. A fim de

exprimir a natureza da atividade, Sutton-Smith (2001) fez uma diferenciação. O jogo como

game tem como plano de fundo algo competitivo, que segue regras e apresenta expectativas

previsíveis em seu resultado, como um ganhador, um perdedor ou um empate, sendo

percebido mais nos esportes em geral.

Já o jogo como brincadeira, nos verbetes play ou playful, pode ser entendido como

algo voltado para o campo da ludicidade, que absorve o ser brincante, prendendo a sua

atenção e fazendo com que se entregue a atividade, sem ter um fim em si mesmo, como uma

metáfora ―[...] não brinca dentro de regras, mas com as regras, não brincam dentro de quadros,

mas com os quadros, como uma imitação e divertimento‖ (SUTTON-SMITH, 2001, p.151) 5.

Assim, jogo pode apresentar os mais variados conceitos de acordo com a língua,

demonstrando conotação de jogos infantis, aquilo que é próprio da criança, qualquer forma

lúdica, idéia de despreocupação, alegria e frivolidade, ritual, divertimento, imitação,

movimentos rápidos, ócio, entre outros.

Por outro lado, a antítese do jogo na visão de Huizinga é a seriedade e o trabalho se

opondo a brincadeira, já para Sutton-Smith, o oposto do jogo não é o trabalho, é a depressão,

quando ocorrem situações que o lúdico é reprimido. Neste sentido, Huizinga (2007, p. 51) faz

uma análise sobre a relação do jogo e da seriedade, vendo através dos aspectos positivos e

negativos e se eles podem se completar:

[...] O significado de ―seriedade‖ é definido de maneira exaustiva pela negação do

―jogo‖ ― seriedade significando ausência de jogo ou brincadeira e nada mais. Por

outro lado, o significado de ―jogo‖ de modo algum se define ou se esgota se

5 A tradução foi realizada pela própria autora.

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considerando simplesmente como ausência de seriedade. O jogo é uma entidade

autônoma. O conceito de jogo enquanto tal é de ordem mais elevada do que o de

seriedade. Porque a seriedade procura excluir o jogo, ao passo que o jogo pode

muito bem incluir a seriedade.

Indo na direção de conhecer outros conceitos de jogo, serão apresentadas as visões de

diferentes autores e áreas de conhecimento sobre o campo do jogo, dos quais os conceitos e

autores partem da obra de Sutton-Smith (2001).

Na perspectiva de Spariosu (1989), o jogo é definido como ―anfíbio‖, pois vai a duas

direções ao mesmo tempo e não está claro, ou seja, o jogo como transformação, que faz parte

do imaginário das pessoas.

Para Turner (1969), o jogo é algo liminar ou liminóide, devido a ocupar uma fronteira

entre o real e o irreal, possibilitando diminuir conflitos internos através de brincadeiras de

inversão de papéis, e assim, ―[...] saem às barreiras de idade, sexo, status, família, clãs e assim

por diante, ensina o significado genérico da humanidade; de modo que cada pessoa se torna o

coringa do baralho, a carta que pode ser todas as cartas, o ator do método‖ (TURNER, pp.

287-278) 6, ou seja, ser vários em um.

Segundo Bateson (1955), jogo é um paradoxo, tanto é e não é o que aparenta ser,

como uma maneira de não fazer o que realmente representa, entendendo o jogo como

metacomunicação, ou seja, a junção da comunicação com a ação, que funciona como uma

espécie de linguagem, relacionando o que quer se comunicar e o contexto que ocorre a

comunicação. É a comunicação da comunicação.

Na visão de Burke (1950), o jogo é uma dramaturgia negativa, significa que os

animais não têm nenhuma forma de dizer ―não‖, é uma maneira de indicar uma negação

através de uma ação afirmativa que não é claramente o mesmo o que ele representa. Um

exemplo claro é quando animais estão brincando, aparentemente se mordendo, mas estão

apenas se divertindo. Isso também pode acontecer da mesma maneira com crianças que

aparentemente estão brigando, mas na verdade, estão apenas brincando de brigar.

Empson (1955) descreveu as sete ambigüidades do jogo: referência (metáfora, mesmo

termo com diferentes conceitos); referencial (a união de dois ou mais sentidos num só, é o uso

de duas metáforas ao mesmo tempo); intenção (dois sentidos que estão dentro de um contexto

e pode ser entendido por uma palavra simultaneamente); sentido (a não concordância de dois

ou mais significados que se combinam para revelar sentimentos); transição (afirmação ou

6 Sutton-Smith, 2001, p. 211.

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descoberta de sentidos durante o ato); contradição (ser o que não é, representando algo

contraditório); significado (dois significados que no contexto são ambíguos).

Em relação aos biólogos, psicólogos, educadores e sociólogos, o jogo tem a função de

ser adaptado e contribui para o crescimento, o desenvolvimento e a socialização. Para os

teóricos da comunicação, o jogo é uma forma de linguagem de metacomunicação muito

anterior à evolução porque é também encontrada nos animais.

Já na perspectiva da sociologia, se estuda o efeito dos jogos sobre as pessoas nas

diversas dimensões, bem como na esfera dos jogos de azar, que pode ser entendido como um

sistema social autoritário, manipulado por aqueles com poder para usar em benefício próprio.

Segundo os matemáticos, o jogo pode ser uma forma de estratégia e probabilidade.

Para os antropólogos, o jogo é um ritual, onde se estuda o seu significado e o seu contexto. Na

visão dos folcloristas, o jogo é como uma brincadeira tradicional. Na arte e literatura, o jogo é

um suporte para a criatividade.

Dentro dos conhecimentos mitológicos, com um sentido metafísico, o jogo é a esfera

de Deus. Já nas ciências físicas, o jogo é visto como a indeterminação ou o caos da matéria

básica.

Na Psiquiatria, o jogo oferece uma maneira para diagnosticar e fornecer terapia para

conflitos internos. E nas ciências do lazer, o jogo é fruto de qualidades de experiências

pessoais, tal como motivação intrínseca, diversão, relaxamento e fuga.

Neste sentido, percebemos as diferentes expressões que indicam o amplo terreno que o

jogo está inserido. Fica bastante explícita a ambigüidade presente em seus diferentes

conceitos e áreas de atuação.

É verdade que a diversidade existe e apresenta difíceis aproximações. Entretanto, para

que possamos diminuir as ambigüidades, seria preciso primeiramente, proporcionar um maior

grau de interação entre as disciplinas, e conseqüentemente, construir um currículo que

socializasse esses diversos conceitos e conseguisse ver além do jogo, tudo que está implícito,

a sua linguagem e, essencialmente, o modo de ver a criança dentro do contexto brincante.

1.2 Algumas considerações entre a brincadeira e a Educação

Com os paradigmas apontados, percebemos que a brincadeira e a infância apresentam

diferentes características de acordo com a sociedade, o contexto social e o período histórico

vigente, e as suas funções parecem ir ao encontro dos aspectos da espontaneidade, do prazer,

da frivolidade no decorrer da brincadeira.

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Podemos perceber isso em alguns tipos de brincadeiras, onde há a presença marcante

do imaginário, encantando crianças com narrativas, imagens e ações que expressam mundos

longínquos e fabulosos, com seres muitas vezes diferentes do mundo real.

Os jogos simbólicos fazem esse papel de transbordar de magia e fantasia a mente das

crianças, por meio da flexibilidade de suas brincadeiras de faz-de-conta, retratando de forma

corporal o imaginário, deixando clara a presença da situação imaginada.

O faz-de-conta permite ensaiar novas combinações de eventos, objetos, papéis e

comportamentos para a brincadeira, propiciando diferentes formas de exploração, novas

alternativas de ação e de entrada em mundos do imaginário. É como se construíssem um

enredo de um filme onde todos os elementos são definidos e redefinidos conforme o

andamento da brincadeira, e para o observador atento, esse faz-de-conta demonstra o lugar do

simbolismo no imaginário da criança, as representações, a flexibilidade e os improvisos

desempenhados por ela, significando o mundo sob o seu ponto de vista.

Para Kishimoto (1999, p. 61), a brincadeira de faz-de-conta é uma forma de a criança

satisfazer seus desejos dinamicamente, ―[...], por exemplo: uma criança quer ocupar o papel

da mãe, porém, esse desejo não pode ser realizado imediatamente. Como a criança pequena

não tem a capacidade de esperar, cria um mundo ilusório, onde os desejos irrealizáveis podem

ser realizados‖.

Com isso, o poder de fantasiar faz a criança construir e reconstruir o que ela deseja

principalmente o que conseguiu absorver da realidade, e assim, aprimora suas capacidades

intelectuais, motoras, culturais, afetivas e sociais, além de ressignificar a realidade.

A importância dessa modalidade de brincadeira justifica-se pela aquisição do

símbolo. É alterando o significado dos objetos, de situações, é criando novos

significados que se desenvolve a função simbólica, o elemento que garante a

racionalidade ao ser humano. Ao brincar de faz-de-conta a criança está aprendendo a

criar símbolos. (KISHIMOTO, 1999, pp. 39-40).

E essa brincadeira de devanear reproduz muitas vezes episódios do seu cotidiano, de

suas experiências anteriores, reproduzindo com o quê, com quem e onde a criança brinca ou

gostaria de brincar, revelando seus desejos, medos, angústias e sua energia, se

autoexpressando por meio de seu imaginário e elementos lúdicos em movimento. Como

Kishimoto (1999, p. 21) definiu a brincadeira ―[...] é a ação que a criança desempenha ao

concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em

ação‖.

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Dessa maneira, a noção de imaginário é entendido como algo não real, fantasioso,

metafórico, frívolo, não-sério, com características de desconstrução e de flexibilidade,

traduzindo um caráter proteiforme da brincadeira. E Sutton-Smith (2001, p. 128) vai definir

bem essa relação dialética entre a brincadeira e o imaginário como sendo algo, ―[...] pesados e

leve, ritualístico ou lúdico, sério e frívolo. Há uma constante mudança heteroglossia7 de vozes

e o reino não é polarizado, porém, sempre é fluido‖ 8, mostrando a grande ambigüidade e

diversidade de linguagens presentes no imaginário infantil.

Podemos entender a noção de imaginário como uma construção e reconstrução do real

através do que conseguem interiorizar dos acontecimentos em seus pensamentos. Isso

proporciona o desenvolvimento de suas condutas superiores, sua criatividade, estimulando seu

conhecimento, representando diversos papéis com diferentes significados, além de fortalecer

seu imaginário e ampliar os graus de fantasia. É como seguissem devaneando por uma via

paralela a realidade de todos os dias.

Desta forma, o imaginário não se restringe somente ao poder de fantasiar, mas também

de representar simbolicamente, principalmente pelo fato do homem segundo Mauss (2003) ser

visto por um tríplice ponto de vista, que é moldado nos domínios bio-psíquico-sociais por

meio do qual se configura a representação humana do ―homem total‖. Isso proporciona

implicações no modo de se pensar sobre o imaginário, no sentido de ter um conjunto

amalgamado entre o real, a razão e a fantasia, que se fazem presentes no pensamento humano.

Com isso, a criança consegue imaginar um novo papel para uma situação ou objeto

diferente daquele significado real, perdendo a sua força determinada para passar a ter uma

força imaginativa, conferindo-o um novo sentido à ação, ―[...] o jogo simbólico constitui,

assim, mais do que um objeto da própria atividade, um expressivo gesto acompanhado pela

fala‖ (ELKONIN apud KISHIMOTO, 1999, p. 64).

A retórica do imaginário descrita por Sutton-Smith (2001) vai idealizar e compor os

elementos de imaginação, flexibilidade e criatividade presente em todas as brincadeiras,

principalmente quando percebemos a inversão de papéis e a irracionalidade durante as

diversas mutações que o brincar pode sofrer ao longo de sua trajetória, construindo uma ponte

entre o faz-de-conta e a realidade.

7 Termo encontrado na teoria de Sutton-Smith (2001) que faz alusão a mistura ou associação, diversidade de

tipos de linguagens. 8 Tradução feita pela autora do original em inglês: ―[...] Thus play can be both heavy and light, ritualistic and

playful, earnest and frivolous. There is an ever changing heteroglossia of voices, and the realm is not polarized

but always fluid‖.

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Assim, tanto a flexibilidade como a ―[...] transformação é a mais fundamental

característica da brincadeira, (...) é o ato de fazer o que está presente ficar ausente e o que está

ausente ficar presente‖ 9 (SUTTON-SMITH, 2001, p. 127). É quando a criança consegue ser a

mamãe, a professora ou o personagem de desenho animado que mais gosta.

Isso permite discutir duas características importantes da brincadeira, que exemplificam

a grande ambigüidade existente na complexidade de compreendê-la, como é o caso da

frivolidade e da seriedade.

As duas características irão ao encontro da brincadeira, onde a seriedade vai transmitir

a importância do que está ocorrendo no momento brincante, apresentando um envolvimento

profundo. E a frivolidade irá mostrar o caráter de gratuidade, não-sério, o nonsense da

brincadeira, porém, demonstrando um reverso positivo, com o fingimento, o simulacro e a

ludicidade.

[...] não é a frivolidade que faz do jogo um lugar de experiência original, até mesmo

de aprendizagem ou educação, no mínimo, de socialização? (...) É sua frivolidade

por excelência: ele não serve para nada. Mas nos mostra que, por isso mesmo, a

criança pode fazer experiências com ele que não ousaria na vida comum. A

frivolidade do jogo não impede que nele se veja um lugar de educação.

(BROUGÈRE, 1998b, p. 49)

Com a retórica da frivolidade, Sutton-Smith (2001) traçou características que

retrataram a essência desta retórica através da diversão, da irracionalidade, da incoerência, da

inversão, da improvisação e da espontaneidade. Não podemos deixar de ressaltar que a

frivolidade nas brincadeiras das crianças não deveria ser rotulada como algo depreciado,

implicitamente desvalorizado, e que talvez esboce falta de controle. Pelo contrário, essas

características podem ser trabalhadas no âmbito educacional, no sentido de ir paralelamente

ao planejamento do professor, ser um incentivo e/ou fazer parte da essência do ato

pedagógico.

Desta maneira, o aprendizado e o espaço para a fantasia pode ser apreendido por meio

da socialização da própria criança e de suas brincadeiras, sendo aproveitada pelo professor,

sem suprimir a frivolidade do jogo que reflete a ambigüidade da seriedade do trabalho

pedagógico. Entretanto, podemos ver na frivolidade um lugar para a educação, com o seu real

valor educativo, como uma atividade séria através de seus variados avatares10

.

9 Tradução feita pela autora do original em inglês: ―[...] transformation is the most fundamental characteristic of

play, (...) the act of making what is present absent or what is absent present‖. 10

Segundo o dicionário Houaiss, na segunda acepção da palavra é um processo metamórfico; transformação,

mutação.

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Um aspecto de inversão simbólica talvez tire as pessoas de sua definida

culturalidade, mesmo biologicamente, de papéis atribuídos, fazendo-os brincarem

precisamente com os papéis opostos... Saem as barreiras de idade, sexo, status,

família, clãs e assim por diante, ensina o significado genérico da humanidade; de

modo que cada pessoa se torna o coringa do baralho, a carta que pode ser todas as

cartas, o ator do método (TURNER apud SUTTON-SMITH, 2001, p. 210).

A frivolidade na brincadeira permite que a criança exercite suas potencialidades,

experimente novas experiências e habilidades e veja o mundo com outro olhar. E a seriedade,

por sua vez, a possibilita realizar suas brincadeiras com mesmo vigor que outras atividades de

seu cotidiano, incorporando papéis e sendo cada vez mais consumida pelos momentos

brincantes. E Château (1987, p. 20) complementa que a criança em sua brincadeira ―[...]

absorver-se tão bem no seu papel que ela se identifica momentaneamente com a personagem

que representa‖, pela tamanha entrega ao jogo, uma espécie de arrebatamento que transcende

a trivialidade.

Outro exemplo é o ―bobo da corte‖ ou aqueles que se fantasiam em festivais

carnavalescos, incorporando papéis, integrando o componente lúdico, onde ―[...] o jogo tem

seu espaço no seio da ritualidade carnavalesca amplamente fundada no fingimento‖

(BROUGÈRE, 1998b, p. 44). Ressaltam os múltiplos ritos que o jogo gera, da ficção presente,

do divertimento, construindo assim, a brincadeira de make-believe.

Ambos o bobo e a pessoa lúdica vivem em um lugar onde a ―referência não é

realizada‖: um mundo onde pessoas malvadas são inofensivas, onde pessoas

estúpidas são felizes, onde o destino é transformado ―como um fantasma de

oportunidade‖. Talvez o espírito da ludicidade, nunca seja totalmente estranho para

todos os tipos de jogo sério, é finalmente a garantia de todas as formas de jogo

potencialmente prometidas que nunca pode perder sua essência enquanto ainda

jogam. (SUTTON-SMITH, 2001, p. 212)

Assim, a frivolidade se mostra como uma transcendência da referência comum, sendo

sagrada por seus participantes, uma forma de ludicidade, contudo, assumida de uma maneira

camuflada em suas brincadeiras através da transformação, gerando poder para que os mesmos

se sintam capazes de transcender a realidade para além do imaginário.

Após a discussão sobre as retóricas do imaginário e da frivolidade, faz-se necessário

refletir sobre a relação do jogo com a educação que cria diversas situações que podem ser

analisadas, porém, neste estudo focaremos esta ligação no sentido de tentar compreender o

aspecto do imaginário e de seu valor educativo.

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Segundo Brougère (1998b), há três maneiras primordiais de relacionar o jogo e a

educação: a) recreação; b) artifício pedagógico; c) conhecimento sobre a personalidade

infantil.

A recreação é um momento em que há um relaxamento tanto do esforço físico como

cognitivo, possibilitando que a criança apresente mais eficiência, concentração e atenção após

um momento recreativo, devido à mesma recuperar suas energias, e assim, potencializar suas

atividades escolares. Nesse momento, elas põem em prática suas brincadeiras, fantasias e

interage com outras crianças, compartilhando suas experiências brincantes.

Por isso, a importância de haver a ligação entre o esforço e o repouso, para que haja

uma educação saudável física e intelectualmente. Entretanto, Brougère (1998b, p. 54) ressalta

que ―[...] o jogo é o momento do tempo escolar que não é consagrado à educação, mas ao

repouso necessário antes da retomada do trabalho, (...) a pausa é um tempero do trabalho‖,

mostrando a oposição do momento de aula e do divertimento, considerando o primeiro como

trabalho e o segundo como recreação.

Para Tomás de Aquino (apud LAUAND, 2000), é essencial que se valorize o brincar

na educação, pois é necessário à vida humana, pois o homem possui suas forças corporais e

cognitivas limitadas, necessitando de um repouso para a alma que é alcançada através da

brincadeira.

[...] é tanto mais necessária para o intelectual e para o contemplativo que são os que,

por assim dizer, mais "desgastam" as forças da alma, arrancando-a do sensível. E

"sendo os bens sensíveis conaturais ao homem" as atividades racionais mais

requerem o brincar. Daí decorre importantes conseqüências para a Filosofia da

Educação: o ensino não pode ser aborrecido e enfadonho: o fastidium é um grave

obstáculo para a aprendizagem. (Suma Teológica II-II, 168, 3, ad 3, do artigo q. 168

apud LAUAND, 2000).

E ele também faz uma explicitação quando cita a metáfora da dilatação e do fastio, se

referindo a primeira como alegria e prazer, ampliando a capacidade de aprender e se motivar,

proporcionando a dilatação essencial para a aprendizagem. A segunda relaciona-se com a

tristeza e a desmotivação, provocando um bloqueio, um peso para a aprendizagem

(LAUAND, 2000).

Com o pensamento de Tomás de Aquino, percebemos a importância dada às

interfaces da brincadeira e da educação, rompendo barreiras e mitos sobre o sentido da

recreação e do jogo no ambiente escolar.

Outro ponto é utilizar a brincadeira como um artifício pedagógico como um elo para a

aprendizagem: perceber os interesses das crianças, dialogar sobre a sua realidade, relacionar o

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seu mundo infantil ao mundo escolar, e assim, contextualizar as situações de ensino, servindo

para exercitar sua inteligência e enriquecer suas brincadeiras.

Sabemos que os jogos são as extensões do homem, onde a própria natureza impõe essa

condição e que ―[...] o jogo é uma máquina que começa a funcionar só a partir do momento

em que os participantes consentem‖ (MCLUHAN, 2007, p. 267). Então, não podemos

restringir os seus limites, pois a brincadeira possui suas particularidades, é autotélica, deve

seguir os princípios da atividade lúdica, por isso, abusar desse procedimento, é ferir os

conceitos e a magia da brincadeira, se for utilizada como um instrumento pedagógico deveria

ser de uma forma mais natural possível, senão perderia toda essência, energia e valor.

O jogo é um meio, um suporte para seduzir a criança: deve-se evitar desencorajá-la

com estudos inadaptados à sua idade: ―Essa maneira doce de transmitir as

informações às crianças fará com que se assemelhem a um jogo e não a um trabalho,

pois, nessa idade, é necessário enganá-las com chamarizes sedutores, já que ainda

não podem compreender todo o fruto, todo o prestígio, todo o prazer que os estudos

devem lhe proporcionar no futuro (ERASMO apud BROUGÈRE, 1998b, p. 55).

Deste modo, a criança precisa de uma mediação para conectar a aprendizagem com o

prazer, possibilitando a significação deste momento em seu mundo imaginário, tendo a

impressão que está apenas brincando, sem ser fastio, como enfatizou Tomás de Aquino. Basta

o professor utilizar sua criatividade para motivar seus alunos por meio dos interesses em

comum e da essência da cultura infantil, oferecendo um caráter lúdico e atrativos brincantes

ao conteúdo.

A questão de conhecer e explorar a alma infantil e sua personalidade, no sentido de

expressar uma potencialidade para o brincar naquilo que a criança mais gosta e sabe fazer que

é estar no plano do fair-semblant11

, juntamente com uma visão aristotélica de diversidade e

complexidade, é um atributo que o professor não pode deixar de lado ao relacionar o jogo

com a educação, pois podemos trabalhar com a criança de uma forma integral, oferecendo um

suporte natural para o aprendizado que não negligencia o aspecto corporal. Revelando ainda

uma maneira de se expressar e observar as qualidades naturais da infância, com o intuito de

desenvolvê-las e aperfeiçoá-las.

O jogo proporciona a oportunidade de testar e observar as crianças. O jogo revela

sua natureza psicológica real, pois as crianças mostram suas inclinações reais

quando jogam: ―As crianças serão exercitadas para os jogos que, na verdade,

apontam a sagacidade e o caráter natural, principalmente entre iguais e semelhantes,

11

Mundo de faz-de-conta.

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onde nada é fingimento, mas onde tudo expõe as tendências naturais‖ (RENSON

apud BROUGÈRE, 1998b, p. 57).

Nesse sentido, podemos utilizar a brincadeira como uma estratégia educativa de

compreender a criança em seu momento brincante, permitindo observar suas habilidades

naturais, seu nível de socialização, a troca de experiências, exercitar seu corpo, valorizando a

espontaneidade e a frivolidade da brincadeira.

Essas três características de relacionar o jogo com a educação mostrou que todas têm o

seu apreço, a ―[...] recreação e o artifício didático são, pois, as duas grandes direções que

orientam a relação entre o jogo e a educação‖ (BROUGÈRE, 1998b, p. 58). No entanto

dependerá do tirocínio do professor de utilizar da melhor maneira o lúdico e a

contextualização dos conhecimentos da cultura infantil dentro da aula, preparando um novo

olhar para a brincadeira.

1.3 Cultura contemporânea e Mídia televisiva: A força da TV na brincadeira

Quando pensamos em mídia televisiva, o que vem em nossa mente é a gama de

informações e imagens que ela desenvolve e dispõe a cada segundo para todos os públicos,

inclusive crianças.

Sabemos que há programas exclusivos para crianças como programas de auditório,

filmes e desenhos animados, mas também sabemos que elas estão expostas durante todo o dia

a programas que são destinados a outros públicos, e se quiserem, elas podem assistir.

Nesse sentido, a televisão se torna um dos maiores veículos de transmissão de

informações que está presente na vida da maior parte das crianças. O que chama a atenção é a

capacidade de criar um espaço capaz de prender o espectador mirim por um longo período

através de uma espécie de magia em um plano surreal, que desperta o interesse e inclinações

para assuntos, imagens e linguagens que são exibidos.

Assistindo TV, a criança tem a oportunidade de ter programações dedicadas

exclusivamente para a sua faixa etária, que são os desenhos animados. Este se faz presente

tanto na TV aberta quanto na TV fechada. Na TV aberta, a maioria dos canais exibe a sua

programação infantil no período da manhã, enquanto que na TV fechada, existem alguns

canais especializados, onde a programação de desenho animado exibida o tempo todo,

oferecendo ao telespectador uma grande variedade de desenhos e filmes (BARBOSA &

GOMES, 2010).

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Para tentar compreender a relação entre a cultura contemporânea e a força que a TV

exerce sobre a brincadeira, é preciso compreender o homem e a sua construção social, a fim

de perceber a junção do passado com o que está ocorrendo no presente, esse sentido de

movimento, próprio da sociedade ―pós-moderna‖.

A história das mentalidades é sempre, quer o admita ou

não, uma história comparativa e regressiva. Partimos

necessariamente do que sabemos sobre o comportamento do homem de hoje,

como de um modelo ao qual comparamos os dados do passado ― com a

condição de, a seguir, considerar o modelo novo,

construído com o auxílio de dados do passado, como uma

segunda origem, e descer novamente até o presente, modificando a

imagem ingênua que tínhamos no início. (ARIÈS, 2006, p. 26)

Nesse sentido, a cultura se apresenta de forma polissêmica, com vários significados e

pouco consenso em relação ao seu conceito. Por esse fato, buscou-se compreender o sentido

de cultura por um viés antropológico. Na visão de Geertz (2008, p. 32) sobre o conceito de

cultura, aponta duas idéias centrais:

A primeira delas é que a cultura é melhor vista, não como complexos de padrões

concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —,

como tem sido neste caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de

controle — planos, receitas, regras, instruções (em que os engenheiros de

computação chamam "programas") — para governar o comportamento. A segunda

ideia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de

tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas

culturais, para ordenar seu comportamento.

Nesse sentido, o comportamento estará relacionado ao que a cultura impõe e

disponibiliza para o indivíduo, e esse por sua vez, se impregna nessa atmosfera semiótica, se

apropriando de significados, sendo influenciado, estabelecendo relações e se envolvendo em

uma teia de interpretações que Geertz (2008, p. 4) chamará de cultura.

O conceito de cultura que eu defendo (...) é essencialmente semiótico. Acreditando,

como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que

ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto,

não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência

interpretativa, à procura do significado.

Assim, percebe-se que essa análise necessita de uma descrição densa, examinando a

cultura como uma ―reunião de textos‖, oferecendo sentido às ações, desvendando significados

e símbolos que estão muitas vezes implícitos ou de maneira superficial no conjunto de

atuações dos indivíduos.

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Por isso, para esse autor, é preciso ver além, pois são ―[...] teias simbólicas intrincadas,

tão vagamente definidas como emocionalmente sobrecarregadas‖ (Ibid, 2008, p. 108), ligadas

a um contexto social e um sistema simbólico, ou seja, entendendo a cultura e a prática cultural

como um texto que o indivíduo está imerso, ―[...] compreender a cultura de um povo expõe a

sua normalidade sem reduzir sua particularidade‖ (GEERTZ, 2008, p. 12), revelando um

éthos12

particular.

Deste modo, a relação da cultura com o homem ocorre de uma maneira pública,

coletiva, mediada pela relação dos indivíduos e da produção de significados, por meio de um

processo contínuo. Isso pode nos ajudar a compreender os processos de transformação que

estão acontecendo na dita ―pós-modernidade‖, principalmente em relação aos conjuntos

dinâmicos e simbólicos que os indivíduos constroem e reconstroem a cada nova percepção

e/ou influência da atualidade.

Sabemos que o ser humano faz parte de uma organização social complexa, que criou a

linguagem e que esta, além de ser um instrumento de comunicação, é também de organização,

em que o homem se torna portador cultural de um conjunto de saberes e de saber-fazer da

sociedade, isto é, se tornando o agente social que dissemina a cultura. Morin (2000, p. 75)

descreve a relação da cultura e da sociedade como sendo algo complexo:

[...] a cultura constitui um sistema generativo de alta complexidade, sem o qual essa

alta complexidade ruiria para dar lugar a um nível organizacional mais baixo. Nesse

sentido, a cultura deve ser transmitida, ensinada, aprendida, quer dizer, reproduzida

em cada novo indivíduo no seu período de aprendizagem (learning), para se poder

auto-perpetuar e para perpetuar a alta complexidade social.

A cultura pode se perpetuar de várias maneiras, se ajustando a cada indivíduo, se

enredando em um ―[...] circuito auto-produtor e auto-reprodutor (por transmissão e

aprendizagem), a cultura torna-se não só produto altamente complexo, mas também produtora

de alta complexidade‖ (MORIN, 2000, p. 76).

Assim, a infância pode estar sujeita a influências do ambiente e da cultura a qual ela

pertence, então, questiona-se como a criança se relaciona com a mídia televisiva? As suas

brincadeiras podem sofrer alguma influência? Elas levam este conhecimento para escola?

Como fazem esta interlocução com as outras crianças? Será que essas imagens e informações

educam? Como podem influenciar a vida e a cultura das crianças?

12

De acordo com o dicionário Houaiss, éthos significa conjunto dos costumes e hábitos fundamentais no âmbito

do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, idéias ou crenças), característicos de uma

determinada coletividade, época ou região.

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A verdade é que as crianças ficam seduzidas e fascinadas com tudo que a TV mostra:

linguagem, modismo, consumismo, entre outras coisas. Assim, estar atento ao que acontece

no mundo infantil, saber o que elas vêem, o que fazem e como brincam, nos dá a dimensão do

alcance da mídia televisiva na vida das crianças.

O que está em jogo é como as crianças recebem essas informações da mídia e as levam

para o seu cotidiano, mais especificamente, o cotidiano escolar, e então, observar atentamente

como elas se comportam e interagem umas com as outras, e assim, conseguir perceber o

sentido da mídia televisiva no universo infantil.

Refletir sobre a relação da mídia televisiva, infância e brincadeira é dialogar em meio

a situações-problema que podem surgir, narrativas disponibilizadas e visualizadas através dos

sujeitos em questão e ainda os desafios do ambiente contemporâneo no qual a criança vive,

com mudanças constantes e imagens que são consumidas e rapidamente descartadas, que se

remete facilmente ao contexto da ―pós-modernidade‖.

Para Fischer13

(FANTIN e GIRARDELLO, 2008, p. 28), a mídia televisiva e a

educação se unem para expressar o que a autora chamou de um ―lugar das visibilidades das

visibilidades‖, a fim de indicar que:

[...] a mídia, especialmente a TV, suas imagens, seus textos, sons, planos,

seqüências, que se fazem ao mesmo tempo figuras únicas (produtos claramente

identificáveis, como um programa de televisão ou um anúncio publicitário) e

também figuras maiores, enredadas no grande espaço das emissoras e das redes de

comunicação, dentro das políticas mais amplas de produção e veiculação da

informação e entretenimento; visibilidade de determinados públicos e dos modos de

chegar até eles; visibilidade das práticas institucionais, dos acontecimentos, que não

serão ―expressão‖ de um discurso nem sua causa imediata, mas algo que faz parte

das suas condições de emergência; visibilidade, enfim, daquilo que se murmura em

determinado tempo e lugar.

A visibilidade pode ser interpretada e vivenciada dependendo da maneira com que a

criança interioriza essas informações, e posteriormente, como ela vai reproduzir. Pode revelar

uma subjetividade em suas ações, se transformando em algo natural, em linguagens

deturpadas e/ou simplistas, ou quem sabe, em algo particular, com outro sentido, nos

surpreendendo ao nos depararmos com a aprendizagem da cultura contemporânea.

A partir disso, a escola se torna um local onde as crianças trazem todas essas

informações e comportamentos, e não podemos negar essa visibilidade dentro da mesma,

principalmente em se tratando de brincadeiras infantis, pois a criança de hoje utiliza e muito a

13

FISCHER, R. M. B. Problematizações sobre o exercício de ver: Mídia e pesquisa em educação. Revista

Brasileira de Educação, n. 20. Rio de Janeiro: Anped, maio/jun.,/jul./ago., p. 85, 2002b.

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mídia televisiva para ampliar o seu repertório imaginativo e de brincadeiras, de modo

inconsciente.

Essa mesma mídia televisiva se transforma em um espaço de brincadeira, no momento

em que a criança consegue transferir imagens e símbolos televisivos para a sua realidade

brincante, criando situações, mesclando personagens e enredos, construindo e depositando

elementos a cada novo episódio, fazendo do hábito um instrumento lúdico.

Tanto professores como pesquisadores ao se depararem com o ambiente escolar

devem ter a curiosidade de observar e tentar compreender o que a criança experimenta nos

dias de hoje, ficar atento as suas vivências, interações, comportamentos e as influências as

quais estão submetidas. É uma forma de socializar e entrar no mundo infantil, tendo uma

visão não infantilizada da criança, mas tentar compreendê-la através de suas próprias lentes,

ou seja, ―[...] a criança exige do adulto uma representação clara e compreensível, mas não

―infantil‖ (BENJAMIN, 1984, p. 50).

Desta forma, compreender o que a TV tem para oferecer ao público infantil nem

sempre é uma tarefa fácil, pois temos arquétipos14

enraizados em nossa mente e no que a

própria mídia estabelece de algo não tão produtivo e educativo. Entretanto, devemos ter uma

percepção mais profunda e o que está nas entrelinhas das brincadeiras atuais. Ou seja, ver o

que nem sempre está explícito, o que está além, o oculto ou o que as crianças escondem para

não serem repreendidas, mergulhando em suas ações, interações e pensamentos.

Se a escola é o local mais apropriado para a disseminação do conhecimento, por que

não trocar experiências com as crianças, dando continuidade as suas brincadeiras, a fim de

saber o que se passa no interior das narrativas infantis, e através disso, fornecer descobertas

e/ou aproximações sobre a cultura infantil contemporânea. Pode ser que haja tipos singulares

de brincadeiras que os professores talvez desconheçam e que são vivenciadas incessantemente

pelas crianças ou brincadeiras tradicionais com transformadas e adaptadas a realidade atual.

Na medida em que professores e pesquisadores perceberem o cotidiano escolar como

um ambiente em transformação, passível de ser observado e vivenciado compreenderá que há

elementos e experiências intrínsecas nesse momento, que se pode aprender, refletir e

transmitir, vendo por outros ângulos, tendo uma percepção sensível:

14

A palavra arquétipo tem um sentido no texto, segundo o dicionário Houaiss, de modelo ou padrão

passível de ser reproduzido em simulacros ou objetos semelhantes.

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Sobre olhar as imagens ―de dentro‖, de posse de uma competência que nos dá

ferramentas para ir além da posição daquele que coisifica as imagens, adona-se delas

e as interpreta. Penso na possibilidade de pensar as imagens por meio de um olhar

que se deixe tocar pela experiência: pela experiência daquele que criou o roteiro, do

ator que representou a cena, do expectador que se emocionou; que se deixe tocar

também pelos próprios personagens, pelas histórias narradas, todas de algum modo

inventadas e produzidas (...) para estar naquele lugar, a mídia, a TV, visibilidade de

tantas visibilidades‖. (FANTIN & GIRARDELLO, 2008, p. 35)

Na escola, as crianças estão repletas de imagens da TV, personagens e enredos de

desenhos animados por todos os lados (pregados nas paredes, decorando salas e pátios) e elas

brincam, imaginam, constroem e desfazem atos brincantes a todo o tempo, além de

repassarem e trocarem vivências, transparecendo sentimentos e vontades através de simples

brincadeiras. É essa multiplicidade e mutações de brincadeiras a partir dessas imagens e

visibilidades que devemos considerar, o que as crianças criam, produzem, reproduzem e

transmitem. É o movimento e experiências que estão no cotidiano escolar e nos diversos

espaços em que a criança se sente livre para brincar.

A brincadeira construída a partir da mídia televisiva é uma forma que a criança tem de

se inserir na sociedade. O que está a sua volta e a cultura que ela está envolvida permitem que

possa compor um repertório de hábitos, valores e brincadeiras, que na visão de muitos

educadores, talvez não seja tão boa assim, contudo, para os pequenos, é uma maneira de

exercitar inconscientemente sua imaginação e sua aprendizagem.

As brincadeiras de faz-de-conta, onde as crianças se transformam em super-heróis ou

personagens de desenhos animados, permite que assimilem experiências e significados a

partir de experiências cotidianas. Assim, conseguem fornecer subsídios para que possamos

compreender a linguagem das brincadeiras de hoje, como uma interligação entre

conhecimentos sociais, culturais e contemporâneos, funcionando como ―[...] um mudo diálogo

simbólico entre ela e o povo‖ (BENJAMIN, 1984, p. 70), onde ela é a criança, e o povo é a

sociedade com suas mais extremas características.

Com as intensas transformações na sociedade ―pós-moderna‖, a infância também sofre

modificações em sua estrutura, principalmente nos dias atuais, com crianças tão ligadas a

tecnologia e a mídia, e a TV funciona como um espaço que legitima toda a repercussão e

difusão sobre os produtos da indústria do consumo destinadas as crianças.

A escola deve ser a grande mediadora na relação entre a criança e a TV, possibilitando

uma reflexão sobre o que assistem e brincam, com o consumo crítico e controlado, o

aproveitamento do tempo ócio, e além de tudo, alertar sobre o encantamento da TV e os

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produtos que ela incita e estimula a consumir. Para Postman, a TV funcionou como um

divisor de águas entre a infância e a idade adulta, devido a três motivos principais:

[...] a televisão destrói a linha divisória entre infância e idade adulta de três

maneiras, todas relacionadas à sua acessibilidade indiferenciada: primeiro, porque

não requer treinamento para apreender sua forma; segundo porque não faz

exigências complexas nem à mente nem ao comportamento, e terceiro porque não

segrega seu público. (POSTMAN, 1999, p. 94).

Atualmente, percebemos que a força da mídia influencia diretamente a vida das

pessoas, principalmente das crianças, onde o apelo da TV ainda é maior. Deste modo, quando

vemos em desenhos animados as crianças desejando ser grande e forte para que possam ser

reconhecidos perante a sociedade, transformando a idéia de infância e mudando a forma de

brincar. Postman (1999, p.139) afirma que ―[...] estamos em via de exorcizar uma imagem

bicentenária de criança e trocá-la pela imagética do jovem adulto‖.

Por isso, a urgência em aproximar a escola da realidade infantil, para que a escola

possa mediar e ser referência de aprendizado para a criança, oferecendo oportunidade para

que ela possa mostrar o que sabe, de modo a compartilhar e viver a sua infância, sem negá-la,

aproveitando o que a vida tem de melhor.

Percebemos que tanto a realidade escolar como a realidade infantil está marcada pela

presença da mídia televisiva, ofertando uma grande variedade de imagens e interpretações.

Nesse sentido, conhecer a criança e suas brincadeiras é um instrumento importante para

conseguir identificar as influências da mídia televisiva que as crianças estão expostas e o seu

valor como mais uma ferramenta para ampliar as experiências lúdicas no cotidiano escolar.

1.4 Tecnologia e brincadeira: A “pós-modernidade” juntando o Homo ludens e o Homo

zappiens

A presença da tecnologia, mais especificamente da mídia televisiva, na vida dessa

geração infantil cada vez mais está exposta a uma realidade que prioriza o momento, o

glamour e o espetáculo proporcionado pela magia da TV.

A mídia televisiva é a grande nave-mãe que dissemina seus programas, personagens e

produtos dos mais variados, incentivando cada vez mais o consumismo desenfreado. E com

isso, as brincadeiras e os brinquedos acabam por sofrer modificações, e pode-se pensar que o

interesse de ficar na frente da TV é maior do que brincar de correr, ou seja, exercitar o próprio

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corpo, interagir com outras crianças e aprender coisas diferentes parecem ficar em segundo

plano.

A direção que a brincadeira tem seguido está diretamente ligada ao estilo de vida e a

cultura que a criança está inserida, principalmente com as mudanças que ocorreram na

sociedade ao longo dos séculos, que por sua vez, refletiu na trajetória do homem.

Assim, o ser humano passou por diversas fases ao longo da sua trajetória de vida,

definindo características antagonistas e complexas como explicita Morin (2000, p. 58): ―[...]

sapiens e demens (sábio e louco), faber e ludens (trabalhador e lúdico), empiricus e

imaginarius (empírico e imaginário), economicus e consumans (econômico e consumista),

prosaicus e poeticus (prosaico e poético)‖ e mais recentemente, em meio a essa grande

mistura de capacidades, nasceu o Homo zappiens, com a capacidade de estar antenado,

revelando um ser tecnologizado.

A partir de todas essas informações, mudanças e discussões ocorridas com o passar

dos anos, surgiu uma nova geração, com a capacidade de lidar com a tecnologia de forma

natural e com o aprendizado rápido. São indivíduos que transparecem tranqüilidade frente às

transformações que surgem a cada dia e usam a tecnologia ao seu favor, conseguindo se

adequar facilmente a sociedade contemporânea, pois nasceram, cresceram e descobriram o

mundo através da tela da TV e do computador.

Para entendermos a geração zapping, será preciso entender seu cerne, seus

comportamentos, seus hábitos e seus valores, para que passamos ter um olhar sobre o que

brincam e como brincam nos dias de hoje, percebendo a influência da tecnologia na

brincadeira infantil.

O Homo zappiens está sempre em volta de muitos recursos tecnológicos e midiáticos,

proporcionando estar sempre atualizado com o que está acontecendo e com o que supri suas

necessidades. E essa realidade, nós conseguimos visualizar facilmente quando vemos uma

criança vendo TV e conversando espontaneamente sobre todos os produtos relativos aos seus

desenhos e filmes favoritos, ou seja, ―[...] o Homo zappiens é um processador ativo de

informação, resolve problemas de maneira muito hábil, usando estratégias de jogo, e sabe se

comunicar muito bem‖ (VEEN & VRAKKING, 2009, p.12).

Desta forma, a escola conservadora sente dificuldade de conseguir espaço na

sociedade contemporânea, com conhecimentos objetivos e transmissão passiva. Precisamos é

de instituições escolares que estejam conectadas ao que a criança faz no seu dia-a-dia e as

informações que recebem a todo o momento e trazem para dentro da escola, pois as crianças

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possuem todo o domínio da tecnologia e informações ao seu lado para utilizar em qualquer

situação, seja na tarefa da escola bem como no momento de diversão.

Assim, percebemos que a aprendizagem nos dias de hoje é algo que necessita de

constantes atualizações, pois as informações surgem com muita rapidez, e fica bem mais

informado aquele que dispõem de recursos tecnológicos ao menor alcance. Com isso, o

professor deve ter o poder de mediar às informações trazidas pelas crianças e passar seu

conhecimento, de modo a criar um misto de reflexão e significação no processo de

aprendizagem. E acima de tudo, levar em consideração seus pontos de vista e sua maneira de

ver o mundo.

Poderemos chegar à conclusão que as crianças de hoje de fato possuem estratégias e

habilidades de aprendizagem que são cruciais para dar significado às informações, e

que essas habilidades e estratégias são vitais para a aprendizagem futura em uma

economia intensamente baseada no conhecimento. Podemos questionar se tais

habilidades são suficientemente reconhecidas ou valorizadas pelas escolas. (VEEN

& VRAKKING, 2009, p. 13).

Assim, a chegada do Homo zappiens na escola trouxe uma série de complicações com

a estrutura da escola conservadora”, que por séculos permaneceu sem nenhuma alteração no

seu cotidiano.

Em contrapartida, o desafio está lançado: a inserção do Homo zappiens na escola é

uma forma dos professores e a própria instituição escolar aprenderem com as experiências

trazidas e vivenciadas pelas crianças, oferecendo oportunidade de conhecermos melhor o

mundo infantil e o seu comportamento relacionando as brincadeiras de hoje.

Permanecer antenado com o que esta acontecendo na vida das crianças, e aproveitar o

aprendizado que elas trazem para dentro da escola, é uma maneira de refletir e interpretar

sobre as atividades e comportamentos para melhor ajustar ao cotidiano escolar.

Em tempos de mudança, percebemos que a utilização da tecnologia é algo

imprescindível bem como alguns produtos que deixaram as nossas vidas mais fáceis, tornando

o mundo algo mais próximo. Vendo pelo aspecto da infância, percebemos que há uma forte

tendência das crianças se apegarem a esse universo tecnológico, entretanto, temos que

considerar esse novo olhar e como o Homo ludens e o Homo zappiens vão se ajustar.

O contato com outras culturas e as possíveis modificações na cultura infantil é trazido

o tempo todo pelos meios de comunicação em massa, como é o caso da TV e os seus

acessórios (videogame, DVD, entre outros) e a internet. Isso faz parte do nosso dia-a-dia e

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que se mantém disponível a todo o momento, construindo e reconstruindo a vida de adultos e

crianças.

Apesar de todos esses aspectos influenciarem a vida de toda a sociedade, o que

realmente importa é o que valorizamos atualmente, já que tudo ficou mais fácil, mais

acessível, a tecnologia é o que chama a atenção e o que se torna importante e desejado para

qualquer idade.

O Homo zappiens utiliza e valoriza os recursos tecnológicos com diferentes fins, para

se divertir, trabalhar, interagir, sobretudo, para se comunicar. ―[...] Precisamos de mídias para

sustentar nosso estoque crescente de informação, da mesma forma que a fala e a escrita foram

desenvolvidas para transferir nossas descobertas aos outros e para protegê-las da passagem do

tempo‖ (VEEN & VRAKKING, 2009, p. 20).

Entretanto, tudo que é novo traz desconfiança e receio de não saber lidar, e essa

sensação percebemos em maior intensidade nos adultos do que nas crianças, e isso se reflete

em aparelhos tecnológicos que estão presentes no cotidiano, como o funcionamento da TV,

celular, computador, o uso da internet, de um jogo de videogame, entre outras coisas. As

crianças afloram o seu Homo zappiens, e então, da forma mais natural possível, conseguem

entender mais facilmente as funcionalidades de diversos aparelhos e o que eles podem

proporcionar.

E as brincadeiras e brinquedos que as crianças trazem para dentro da escola também

acabam causando essa sensação nos professores, de não saber como trabalhar com essa nova

tecnologia, com as brincadeiras e conversas que surgem entre as crianças. Por isso, a

necessidade de interagirmos com elas, tentar observar essa geração zapping, que traz coisas

novas para escola, compartilha com outras crianças e que deveriam ser incentivadas e

conhecidas pelos professores.

Assim, o desafio da escola ―pós-moderna‖ é ―[...] lidar com o tempo e com a incerteza,

com a mudança e o desenvolvimento que está se tornando a atividade mais valorizada: essa

atividade é a aprendizagem‖ (VEEN & VRAKKING, 2009, p. 24).

Estimular os professores a pesquisar os seus alunos, para saber com o quê brincam e

com o quê e como interagem, é uma forma de nos aproximarmos da vida deles e trazer esse

aprendizado para dentro da escola.

Quando começarmos a procurar coisas para mudar e quando a mudança vem até nós,

precisamos lembrar o que de fato valorizamos como indivíduos, comunidades e

organizações, como sociedade e como espécie. (...) Devemos aprender a encontrar

objetivos naquilo que valorizamos e saber como atingi-los. À medida que vemos a

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tecnologia, o conhecimento e as sociedades expandirem-se rapidamente, devemos

passar a perceber que sempre haverá estruturas, uma história e limites para o que

fazemos; a lição que temos de aprender é a de sermos criativos e ignorarmos

obstáculos. (VEEN & VRAKKING, 2009, p. 25).

O problema é quando deixamos que o conservador continue prevalecendo sem

interagir com o mundo fora das escolas e se satisfazer com o que fazem sem procurar saber se

essa satisfação é recíproca entre professor e aluno. Os professores devem valorizar a

aprendizagem e o que a enriquece, se os alunos podem ajudar nesse processo, por que não

utilizá-los como uma grande ferramenta para essa aprendizagem em tempos de mudanças?

Basta que nos conformemos com uma realidade que não mais existe e tenhamos curiosidade,

vontade e criatividade para encarar esse novo mundo e todas as mudanças que vem com ele.

1.5 Desenhos animados, criança e educação: Uma relação autotélica ou heterotélica com a

brincadeira?

As crianças que vivem na sociedade de consumo, conhecida como ―pós-moderna‖,

estão cercadas por ferramentas eletrônicas, TV e internet, sem contar tudo que provém dos

desenhos animados e filmes que elas gostam e ficam totalmente envolvidas.

E então, como lidar com tudo que as crianças trazem para dentro da escola? O que

devemos fazer: deixar que brinquem livremente ou só na hora do recreio? Mas será que

conseguiremos resistir ao avanço da tecnologia e da mídia na escola? Essas indagações nos

deixam um tanto perplexos ante essa ―revolução tecnológica‖ no ambiente escolar.

A influência da mídia televisiva na escola é muito forte, especialmente em se tratando

de criança, que estão mergulhadas no mundo dos desenhos animados e filmes infantis, por

isso, é tão importante que os professores conheçam o mundo das crianças, o que vêem, o que

brincam, o que gostam, e só então, poderão ter acesso e interagir com ao mundo brincante

deles e conseguir fazer desse conhecimento um recurso para utilizar dentro das aulas.

Embora se perceba que os personagens de desenhos animados demonstrem ser uma

espécie de jogo e brincadeira para elas, proporcionando prazer, socialização entre as crianças

ao brincarem em grupos, além de valores como responsabilidade, cooperação e espírito de

equipe. No entanto, o encantamento por esses objetos e fantasias pode trazer alguns fatores

que nos fazem refletir sobre o seu uso.

É o caso do consumismo através do marketing em excesso voltado para o público

infantil, objetivando novas aquisições e o desejo de ter sempre o novo, com produtos como

sapatos, roupas, objetos escolares, brinquedos, entre outras coisas. Dessa forma, podemos nos

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questionar se a magia proporcionada pelos desenhos animados está ligada ao próprio enredo e

personagens ou pelo marketing excessivo?

Quando vemos uma sessão de desenhos ou um canal específico, percebemos o quanto

de propaganda é mostrado durante os intervalos, sempre com algo novo relacionado ao

episódio que acabou de ser exibido, incentivando as crianças a se envolverem cada vez mais.

Em contrapartida, conseguimos perceber que há produtos com logotipos desses

desenhos que são educativos e outros nem tanto. Porém, o universo de fantasia dos pequenos

guia um mundo próprio de construções e desconstruções, magia e repetição, que está junto

com as crianças onde eles forem, inclusive na escola, e nos espaços que as crianças brincam,

que por sua vez, pode se tornar um grande incômodo para os professores, pois esses não

admitem que tenha brincadeira na hora da aula, só no momento do recreio. Mas como

controlar esse boom?

As crianças de classe mais baixa têm a TV, muitas vezes, como a única forma de

entretenimento, e ficam a mercê de sua programação e o que ela tem para oferecer, e não

hesitam em levar a novidade para a escola para compartilhar com os amigos. As crianças se

sentem atraídas pelo conteúdo televisivo, isso não se pode negar. Contudo, estar atentos ao

mundo infantil e fazer adaptações nas aulas, pode ser um bom recurso para os professores

despertarem o interesse das crianças por temas educativos.

Criar métodos criativos e sedutores pode ser uma excelente solução para estimular a

reflexão e valores nas crianças, como por exemplo, construção de histórias e o uso de temas

antagônicos nas aulas como perder/ganhar, monstro/príncipe, consumir/descartar, bem/mal,

feio/bonito, herói/vilão, entre outras situações, respeitando o ponto de vista e o senso crítico

das crianças.

Outro ponto que é importante tocarmos é a questão da violência nos desenhos

animados e filmes infantis, que muitas vezes se encontram implícita e/ou explicitamente nas

entrelinhas das histórias, principalmente nas cenas de lutas, que é o que impulsiona o

desenrolar do desenho. Mas será que esses personagens podem ser rotulados como uma

influência negativa para as crianças?

A TV pode se caracterizar como algo benéfico ou maléfico, dependendo do ângulo

analisado. Quando falamos, por exemplo, de desenhos japoneses, percebemos além de muitas

cenas de luta, um conteúdo voltado para a cultura desse país, como a questão da arte marcial,

respeito pelos mais velhos, cooperação entre o grupo, como também sentimentos de amizade,

coragem e perseverança. Mas em se tratando de crianças pequenas, na fase de construir a sua

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personalidade, a TV pode influenciar o seu vocabulário, comportamento e realidade,

distorcendo conceitos.

Assim, se aproximar do cotidiano infantil na escola, é uma forma de compreender a

relação da mídia televisiva e a infância, a fim de saber o que a TV tem de tão interessante para

a criança? O que elas vêem? Por que gostam de desenhos animados? Por que a violência tem

tanta freqüência em suas brincadeiras? E por fim, como lidar com essa situação-problema?

Gerard Jones (2004) é um pesquisador da cultura pop e estuda a influência da mídia na

formação das crianças. Ele procura desmistificar o apelo do entretenimento violento na vida

dos pequenos, apresentando pontos de vista antagônicos ao consenso atual. Assim, suas idéias

vão em direção ao objetivo de conhecer o que as crianças estão experimentando na mídia e

trazendo para escola.

Quando as crianças brincam de luta ou com a sua própria agressividade através do

conteúdo dos desenhos, talvez utilizem como uma saída para lidar com a sua própria

realidade. A TV aparentemente funciona como uma forma lúdica da criança interagir com o

mundo, criando fantasias e brincando com os personagens, ou seja, é um momento que ela se

afasta de tudo que a incomoda e entra no seu universo brincante.

Antropólogos e psicólogos que estudam as brincadeiras, no entanto, demonstram

que brincar tem muitas outras funções ― uma delas é permitir às crianças que

finjam ser o que sabem que nunca serão. Explorar o que é impossível, perigoso

demais ou proibido, para elas, em um contexto controlado e seguro, é uma

ferramenta importante para que aceitem os limites da realidade. Brincar com o ódio

é uma maneira valiosa de reduzir seu poder. Ser mau e destrutivo na imaginação é

uma compensação vital para a loucura a que todos nós precisamos nos submeter se

quisermos ser uma pessoa boa. (JONES, 2004, p. 12)

Quando vemos crianças fascinadas por desenhos com conteúdos violentos temos

receio do que possa acontecer e as atitudes que venham a esboçar. No entanto, para Jones,

brincar com violência de faz-de-conta é trabalhar com medos e angústias da vida real,

desenvolvendo consciência entre a diferença entre o que é real do que não é, faz com que se

sintam fortes e protegidos, além de canalizarem suas emoções e diminuírem suas ansiedades,

funcionando como uma válvula de escape.

As crianças querem ser fortes e felizes ao mesmo tempo em que se sentem seguras.

Se prestarmos atenção, veremos que as fantasias delas expressam o que acham que

precisam atingir. Mas precisamos olhar além de nossas expectativas e interpretações

adultas e enxergá-las através dos olhos de uma criança. Primeiro, precisamos

começar a desembaraçar os medos e preconceitos que nos impedem de fazê-los.

(JONES, 2004, p.23)

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Pais e professores ao se depararem com situações onde as crianças brincam de lutar,

de contar histórias com teor agressivo ou brincar de caçar monstros como heróis, deveriam

primeiramente refletir e pensar em como lidar com essa situação, pois são ações relacionadas

ao cotidiano infantil, como brincadeiras que imitam da TV.

A importância de elaborar fantasias e brincar com a sua própria agressividade faz parte

de qualquer infância, mas o que devemos fazer: deixar que brinquem ou reprimir esse

comportamento?

A brincadeira apresenta uma lógica particular de acordo com o sujeito, contexto e

objeto brincante, então, a criança se depara, reproduz e transforma a cultura onde está

inserida, oferecendo significações e apropriações de acordo com o seu weltanschauung

particular.

Brougère (2008, p. 77) complementa que: ―[...] a apropriação do mundo exterior passa

por transformações, por modificações, por adaptações, para se transformar numa brincadeira:

é a liberdade de iniciativa e de desdobramento daquele que brinca, sem a qual não existe a

verdadeira brincadeira‖.

Caminhando nessa trilha, percebemos outros elementos como a brincadeira expressos

por violência e a agressividade que são inerentes à cultura humana, ao ser vivo e até a Deus.

Na história, no dia-a-dia e principalmente na TV vamos sendo retratados por essa etologia da

violência como um braço executivo do Homo dêmens. E isso faz com que a criança se depare

com essas imagens e informações que também se fazem presentes em alguns desenhos

animados, nas cançonetas infantis, nas fábulas... de maneira implícita ou explícita, embora

seus participantes não a percebam como uma linguagem de violência. Quando uma criança

―atira um pau no gato‖, esse gesto não o torna um adulto assassino de felinos.

Pensando na afirmativa de Morin (2000, p. 52) ―[...] O homem somente se realiza

plenamente como ser humano pela cultura e na cultura‖, que podemos perceber um dos

caminhos que a criança trilha para fazer parte da sociedade que é brincando e se realizando no

seu mundo lúdico. Ela vai se apropriar de elementos agressivos para alimentar a sua

brincadeira, já que são esses tipos de imagens que estão a sua volta a todo o momento,

entretanto, é realizado em um campo simbólico.

Talvez usem desse recurso agressivo como uma maneira de se confrontar com o

mundo, de suportar esses momentos, de escapar dos limites da infância e se aproximar do

mundo adulto ou por pura diversão. É o uso do imaginário como um artifício de criar um

espaço de fantasia onde só lá tem existência, um ato simbólico, proporcionando a

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desconstrução que acharem necessárias, buscando alternativas e aclimatando a brincadeira, e

isso pode ser incrementando por uma pitada de sadismo, agressividade e hedonismo, próprios

das brincadeiras de valentia, de lutas e de guerras (CHÂTEAU, 1987; JONES, 2004;

BROUGÈRE, 2008).

Brougère (2008, p. 79) explica a importância cultural de entendermos a brincadeira

agressiva que se faz presente nas brincadeiras infantis, pois ―[...] a brincadeira de guerra

permite-lhe exprimir essa agressividade de modo legítimo e, sobretudo, aceitável pelo seu

meio‖.

Nem sempre o desenho animado agressivo vai conotar algo destituído de préstimo. A

criança que se apropria em maior ou menor grau desse recurso, apenas para ser o estopim ou

favorecer o desenrolar da brincadeira. Isto é, ―[...] a guerra é o tema do jogo, a criança pode

manipular imagens de violência sem demonstrar a menor agressividade para com seu meio,

para com seus companheiros de brincadeira‖ (Ibid, 2008, p. 79). É usada essa temática

somente para brincar.

A cultura lúdica infantil apresenta grandes traços agressivos em suas estruturas

presentes nas brincadeiras, que ocorrem espontaneamente e sem problemas para os pequenos,

[...] concluímos que a cultura lúdica está profundamente marcada por essa estrutura,

nos jogos sociais, nos jogos físicos e até nos jogos informais. Não é surpreendente

que o tema da guerra apareça muito bem adaptado a essa estrutura. Ele penetra, sem

problemas, nas estruturas do jogo. Daí deriva uma aparência de espontaneidade da

brincadeira de guerra que, como toda brincadeira, é uma construção social

(BROUGÈRE, 2008, p. 80).

Na visão de Jones, é importante brincar com fantasias e jogos violentos sim, porém,

apresentando certos limites, de modo controlado e sem excesso, para que possam aprender a

controlar as suas ações, sentimentos e brincadeiras. E caminhando junto a esse processo, o

amparo familiar e dos professores, os quais a criança convive e se espelha, deve ser constante,

oferecendo um espaço para o diálogo sobre o dia-a-dia da criança, tentar compreender por que

sentem necessidade de brincar dessa forma, e o mais importante, procurarem tempo

disponível para brincar com o que eles gostam, saber o que eles vêem e brincam, estimulando

que se soltem e mostrem o que sentem.

Quando deixamos as crianças por muito tempo com a companhia da TV, videogame

ou computador talvez possam apresentar personalidades agressivas, sentimentos de ansiedade,

tristeza e solidão, agindo com comportamentos rebeldes para se defender da realidade que

estão expostos, pois a TV é a sua companhia diária. Por isso, a necessidade de conviver,

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dialogar e compartilhar momentos importantes das vidas das crianças, com orientação,

seletividade, e acima de tudo, aprendizado de ambas as partes: pais e filhos e/ou alunos e

professores.

Em contrapartida, quando as crianças brincam com os desenhos animados, o que

muitas vezes pode acontecer, é a mistura de personagens e histórias em um contexto que elas

mesmas criam, e que tem as características nem sempre violentas como aparecem nas cenas

dos desenhos propriamente ditos. Isso reforça o que Jones defende que:

Quando se analisam as crianças em relação à mídia de massa e à cultura pop, nossa

tendência é defini-las como consumidores, espectadores receptores, vítimas. Mas

elas também são usuários daquela mídia e daquela cultura: fazem escolhas e

interpretações, delineiam o que querem, fazem às vezes de parceiros de jogos e

participantes, e contam histórias. Enxergar as crianças como receptoras passivas do

poder da mídia nos coloca em conflito com as fantasias que elas escolheram, e,

portanto, com as próprias crianças. Enxergá-las como usuárias ativas permite que

trabalhemos com o entretenimento – qualquer entretenimento – que as ajude a

crescer. Games de atirar, gangster, rap, Pokémon, tudo se transforma em ferramenta

para que pais e mestres ajudem os jovens a se sentirem mais fortes, a acalmarem

seus medos e a aprenderem mais a respeito de si mesmos. (JONES, 2004, p. 20)

É importante que professores enxerguem as crianças como crianças e não pensando

sobre o que elas vão fazer quando virem determinado desenho ou brincarem de determinada

forma, pois agindo assim, reduzirão o seu poder de fantasia e sua força para encarar os fatos

da realidade em que vivem.

E então, será que devemos expor ou privar as crianças das experiências midiáticas

através do conteúdo dos desenhos animados? Pois muitas vezes os pais bem como os

professores têm a tendência de proibir brincadeiras e restringir desenhos por acharem seu

conteúdo impróprio e violento para as crianças, como se quisessem envolver as crianças em

uma redoma, onde só poderiam ter acesso ao que pais e professores desejassem.

Seria isso possível? A orientação é imprescindível, mas controlar totalmente é quase

impossível. Sempre haverá uma forma de ter acesso, seja na própria casa, na casa de um

amiguinho ou até mesmo ―camuflado‖ na escola, pois as crianças sempre tentam achar uma

maneira de brincar.

Segundo Jones (2004), a função do entretenimento em qualquer idade é uma forma

lúdica de lidar com sentimentos e angústias da vida cotidiana até que sintam que estão

amadurecidos suficientes para enfrentá-los no mundo real.

Para auxiliar nossos filhos a crescerem de modo mais eficiente como indivíduos,

precisamos crescer como sociedade. Nossos dois lados – o do ideal e o da aceitação,

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o oficial e o comercial - precisam andar juntos. Em vez de reagir à violência de faz-

de-conta como a criança de jardim-de-infância nervosa, que grita ―os meninos estão

brigando de novo!‖, precisamos aceitá-la como uma parte valiosa da construção

emocional de uma criança e discutir, com otimismo e aceitação, como pode ser mais

bem aproveitada e como podemos ajudar as crianças a usá-la. Isso não significa

impor ao entretenimento de ação a moral, as lições ou restrições de praxe. Sua força

é sua inquestionável correspondência aos desejos do público; sua abreviação não o

transformará em um educador mais eficiente, mas sim em uma fonte de fantasia

menos eficaz. Isso significa fazer com que a própria indústria esteja mais aberta às

crianças como indivíduos, criando mais oportunidades para que o público jovem

faça ouvir suas opiniões, apoiando programas que lhes dêem a chance de contar suas

próprias histórias e criar seu próprio entretenimento, estendendo-se aos pais e aos

professores, promovendo a discussão a respeito do que as crianças gostam e por quê

(JONES, 2004, p. 248).

Nesse sentido, se aproximar do público infantil através do que eles gostam se torna

uma maneira eficiente de aproveitar esse recurso na escola, pois essa realidade midiática faz

parte da vida de todos, por sua grande acessibilidade e significância para as crianças. Mas o

papel de reinterpretar, sugerir, criar, reconstruir e transformar o que o que as crianças trazem

para a escola, isso fica a cargo do professor. Assim, poderá interagir, orientar, negociar e

compartilhar sentimentos, comportamentos, valores e idéias de modo educativo e dinâmico.

Desta forma, os desenhos animados, os quais as crianças passam horas assistindo,

funcionam como uma espécie de catalisador de energia lúdica, que estimula fantasias e o

imaginário infantil, reduzindo seus medos e ansiedades. E não são modelos de

comportamento, pelo contrário, são feitos para brincar da maneira que eles acharem mais

conveniente, pois o que interessa é o que essa brincadeira significa para elas, ou seja, pode ser

apenas uma fonte de entretenimento e imaginação.

A fim de usar o entretenimento infantil como parceiro na escola e no ambiente

familiar, Jones (2004) descreveu três categorias: modelo, espelhamento e orientação, como

técnica para ajudar a mostrar de modo amigável as diversas facetas do entretenimento para as

crianças, de modo a utilizá-la da melhor maneira.

A influência que a família e a educação possuem é algo muito maior que qualquer tipo

de entretenimento, mas isso só ocorrerá se formos capazes de transformar em algo

significante, ou seja, servindo de modelo.

Os filhos querem ser como os mais velhos ou como seus pais, se tornando uma grande

fonte de inspiração, onde eles projetam os super-heróis e fantasias brincando com a sua

realidade. Para Château (1987, p.33), ―[...] o jogo da criança, como toda a sua atividade, é

comandado pela grande sombra do mais velho‖, onde eles conseguem afirmar sua

personalidade e dar vigor ao seu eu. É o apelo do mais velho que condiciona a brincadeira,

―[...] os adultos, e mais genericamente os mais velhos, são os deuses que a criança adora,

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aqueles em cuja direção ela quer se elevar, aqueles a quem ela copia em todos os seus atos‖

(Ibid, 1987, p. 36).

E atrelado a isso, está à observação por parte das crianças de tudo que fazemos,

falamos, gesticulamos e compartilhamos com elas. Jones (2004, p. 204) apresenta uma

explicação clara, ―[...] seja aquilo que você quer que eles sejam (...), tudo faz diferença: o que

dizemos, os limites e as conseqüências que determinamos, as experiências a que os expomos

―, mas muito mais importante é o que somos quando eles estão nos observando‖, ou seja, a

TV pode ter um grande apelo sobre a vida das crianças, porém, o limite para ter esse acesso é

dado por seus pais e orientado por seus professores.

Quando as crianças agem com rebeldia ou brincam de brigar pode ser uma forma de

chamar atenção ou exteriorizar o que estão sentindo. Essas fantasias agressivas fazem parte da

mente das crianças, mas podem ser controladas, e muitas vezes elas apresentam essas reações

para serem notadas ou simplesmente para brincar.

Entretanto, o aspecto agressivo das brincadeiras é mal visto pelos adultos, por não

compreenderem o sentido de certos comportamentos brincantes. Retirar isso da criança é

deixá-la sem a liberdade para fantasiar, sem a espontaneidade para agir e sem a possibilidade

de autoafirmar, pois estaríamos impedindo que fortalecessem sua personalidade e impedissem

a brincadeira em um nível simbólico. A brincadeira agressiva é apenas um objeto/desejo de

consumo, ele não é condicionante.

Nesse sentido, a interpretação adulta camufla a atividade infantil, pois quando brincam

agressivamente não estão realizando um ato real, mas sim, algo no campo do imaginário, uma

representação de um comportamento. A criança quando brinca está envolvida em uma

atmosfera de emoções, toma para si o aspecto sagrado, lúdico, profano e também o violento,

que são constituintes do ser humano. Nesse momento parece que se apodera de elementos que

a fazem se transportar para mundos de fantasias, aventuras, perigos, ousadias e riscos,

vivenciando a cultura em todas as suas dimensões.

Então, a educação deve auxiliar esse processo de iniciativa do adulto de orientar para

que não seja algo a mais do que uma simples brincadeira: podemos reforçar o que estão

fazendo, corrigir e/ou oferecer respostas positivas, como uma necessidade de espelhamento. É

simplesmente não só repreender como também elogiar se fazem algo interessante em suas

brincadeiras como desenhos e novos jogos, mesmo se for algo relacionado à agressividade.

Por meio de um bom diálogo conseguimos nos aproximar do mundo deles ou simplesmente

mostrar interesse pelo que fazem, aceitando o que eles são e o que gostam, sem impor opinião

e compartilhar de suas fantasias.

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Prestar atenção na forma como eles brincam ou usam suas fantasias pode revelar que

nem sempre usam a agressividade como ponto principal e que a intensidade da mesma pode

variar de acordo com o que estão sentindo e passando em seu cotidiano, como problemas de

convivência na escola, falta dos pais, excesso de tempo em companhia da TV, mudanças em

sua rotina, entre outras coisas.

Quando estimulamos nossas crianças a falar sobre o que gostam de fazer e contar

histórias começamos a provocar uma espécie de nostalgia sobre o que eles fazem, se sentindo

seguros para conversar, deixando que suas fantasias se soltem de sua imaginação e que se

prenda na narração de suas histórias, tendo a oportunidade de mostrar seus desejos e o

principal, sua brincadeira.

A orientação é também um ponto crucial na relação com a mídia, contudo, é preciso

que os pais e professores ofereçam ferramentas para que as crianças consigam ter controle

sobre o que assistem. Um bom diálogo para averiguar o que vêem e a opinião delas, tem um

valor muito maior do que pensar que não terá efeito algum.

Uma das preocupações que os pais geralmente mencionam é sua incapacidade de

controlar os filhos quando assistem à TV ou jogam videogames. Até mesmo quando

controlam de perto o uso da mídia, em casa, as crianças sempre têm a oportunidade

de assistir a televisão e jogar videogames sem supervisão, na casa dos amigos. Esses

pais acreditam que sua presença possa atenuar os efeitos da mídia, mas temem o que

pode acontecer em sua ausência. (JONES, 2004, p. 214)

Ou seja, ter um tempo na rotina para observar, conversar, orientar pode ajudar as

crianças a se abrirem para o que pensam sobre o mundo delas e assim, conseguimos também

fazer com que distingam o que é faz-de-conta do que é realidade, apesar da maioria delas

apenas brincarem com essa situação sabendo que é algo que elas só vêem na TV e que só

existe lá e em seu imaginário, por isso criam e recriam fantasias. Mas Jones alerta:

O perigo não é que uma criança de qualquer idade jamais imagine que um programa

de faz-de-conta possa representar uma condição que existe de fato, mas que as

crianças passem a da importância demasiada a suas próprias reações emocionais a

ele. Elas precisam entender que aquilo que experimentam durante a cena de luta é

um sentimento divertido de poder, e não uma emoção perigosamente forte por si só.

(JONES, 2004, p. 215)

Passa pela cabeça de muitas pessoas que as crianças podem sempre pensar que tem o

controle de tudo e que essa sensação de poder pode acompanhá-la por um grande período,

interferindo em sua vida, no entanto, essa sensação é simulada, realizam enquanto brincam e

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que funciona para se libertarem de momentos angustiosos em suas vidas, o que não se pode

deixar é que elas confundam esses sentimentos.

Desta forma, é preciso perceber a diferença sutil entre brincar de brigar e brigar de

verdade, compreendendo os desafios e as recompensas na violência de faz-de-conta, buscando

distorcer interpretações equivocadas ou simplistas dos atos brincantes das crianças e de uma

forma saudável, captar a importância cultural desse tipo de entretenimento lúdico que é uma

marca da cultura infantil.

1.6 Os dois lados da moeda: Algumas considerações sobre a brincadeira e a TV no contexto

“pós-moderno”

Cada vez mais a tecnologia está presente no cotidiano das pessoas, principalmente na

vida das crianças, que tem fácil acesso a TV, computadores, videogames, entre outros

artefatos tecnológicos, e isso tudo faz com que se transformem velhos hábitos e

comportamentos presentes há muitas gerações em algo comum para a sociedade de hoje.

O avanço tecnológico é muito rápido e aumenta a cada dia, gerando alterações nas

formas de agir, no dia-a-dia das pessoas e nas brincadeiras das crianças, e com isso,

conseguimos perceber as mudanças que estão ocorrendo na sociedade infantil nesta fase dita

―pós-moderna‖.

Desta forma, é necessário refletir sobre este processo de contato da escola com o que

está acontecendo na sociedade, principalmente com o avanço da tecnologia na atualidade,

provocando alterações nas vidas dos cidadãos e conseqüentemente, dentro da instituição

escolar.

Essa sociedade contemporânea passa ser designada por Bauman (2007, p.7) como uma

sociedade líquido-moderna, onde tudo ―[...] muda num tempo mais curto do que aquele

necessário para a sua consolidação...‖, ou seja, não se admite estabilidade, é vivida em

incertezas constantes, e tudo que se tornou obsoleto é descartado, e procura-se algo novo para

por em seu lugar. Portanto, a vida líquida é uma vida de consumo, que altera hábitos, formas

de agir e conceitos com uma velocidade esmagadora.

A relação da Educação com a tecnologia apresenta um caminho com muitos

obstáculos, já que muitos professores ainda sentem dificuldade de lhe dar com tudo de novo

que surge fora e dentro da escola. Bauman (2007, p.21) ressalta o objetivo da Educação que

tem como finalidade contestar o impacto das experiências do cotidiano, possibilitando

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enfrentar e desafiar as pressões do meio social, ―[...] mas será que a educação e os educadores

estão à altura desta tarefa?‖.

Primeiramente, é preciso que haja uma transformação na Educação, na perspectiva do

professor e do aluno analisar qual é o seu papel dentro desta sociedade líquido-moderna.

Segundo Bauman (2001, p. 154), a sociedade e a Educação passaram da modernidade

sólida para a modernidade líquida, onde a primeira, tinha como perspectiva o ensino de longa

duração, uma educação para toda a vida, de modo que o conhecimento fosse visto como um

produto que poderia ser consumido hoje e no futuro, sem perder a validade.

Os filósofos da educação da era sólido-moderna viam os professores como

lançadores de mísseis balísticos e os instruíam sobre como garantir que seus

produtos permanecessem estritamente no curso pré-determinado pelo impulso

original.

Com essa transformação, a Educação começou a sentir efeitos em sua estrutura,

percebendo que o mundo não era imutável, principalmente pelo sistema formativo-

pedagógico ser amparado na modernidade sólida.

Na sociedade líquida, tudo que não existe é algo sólido e imutável, pelo contrário, o

sólido é destruído e posto outro em seu lugar com uma velocidade incrível. E Bauman (2001)

destaca que ―o mundo fora das escolas‖ cresceu de um modo inversamente proporcional ao de

dentro da escola, que educar para a vida terá outro significado dentro do atual ambiente social

em que vivemos.

Neste cenário, as conseqüências para o ensino podem se tornar alarmantes. Candau

(2000, p.68) reforça que a distância entre a escola e a sociedade contemporânea pode ser algo

prejudicial, pois as crianças terão contato com tudo que ocorre no mundo, pelo fato de ser

―[...] possível detectar um congelamento na cultura da escola que, na maioria dos casos, a

torna estranha a seus habitantes‖.

Essa massa de informações jogadas a cada milésimo de segundo para os alunos trouxe

para a sociedade uma verdadeira desordem, pois é difícil acompanhar se os professores estão

interligados com esse saber momentâneo que são expostos pela internet, meios de

telecomunicações, entre outros.

A vida líquido-moderna exige do professor consciência crítica, flexibilidade,

eficiência, mobilidade, estar atento ao que ocorre ao seu redor e na vida das crianças. Com

isso, tentar promover o exercício crítico e reflexivo nos mesmos, fomentar o diálogo e a

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cidadania, e acima de tudo, tentar utilizar os recursos tecnológicos ao seu favor, para que não

se torne obsoleto dentro desta sociedade.

Não podemos negar que a TV assume uma função importante na vida da criança, uma

companhia no seu momento de lazer e uma maneira de divertimento, contudo, muitos

pesquisadores acreditam no papel corrosivo da TV no cotidiano das crianças, e outros,

defendem seu uso como algo educativo e que estimula o imaginário. Será que podemos retirar

da fonte televisiva duas facetas distintas? Haveria outro lado da moeda da cultura infantil?

Com outra visão sobre esta mudança na cultura ocidental, Postman (1999) destaca o

papel corrosivo das mídias na Educação, que acarretou no desaparecimento da infância

através de uma construção social, com as crianças se tornando adultilizadas e os adultos

infantilizados, por estarem expostas a essas tecnologias quase o tempo todo.

A TV e as organizações corporativas (POSTMAN, 1999; STEINBERG e

KINCHELOE, 2004), deixaram que se estabelecesse uma relação aberta do adulto com a

criança. Isso fez com que diminuísse ou desaparecesse o sentido da infância, transformando

esse conceito por meio de uma construção social contemporânea, sendo enraizado pela

presença da tecnologia na vida das crianças, mas precisamente da TV.

Deste modo, a tecnologia através da mídia televisiva, com o acesso e a companhia que

ela proporciona, gera a capacidade do sujeito que assiste, de significar a sua maneira, o caráter

da informação, tornado-a incontrolável e talvez até chegando a dominar a sua consciência:

A infância, (...) foi o fruto de um ambiente em que uma forma especial de

informação, exclusivamente controlada por adultos, tornou-se pouco a pouco

disponível para as crianças por meios considerados psicologicamente assimiláveis.

A subsistência da infância dependia dos princípios da informação controlada e da

aprendizagem seqüencial. Mas o telégrafo iniciou o processo de extorquir do lar e da

escola o controle da informação. Alterou o tipo de informação a que as crianças

podiam ter acesso, sua qualidade e quantidade, sua seqüência, e as circunstâncias em

que seria vivenciada (POSTMAN, 1999, p. 86).

O que acontecia era que antes a informação vinha codificada, precisava-se ter um

conhecimento sobre as letras para que pudesse ter acesso e interpretar as mensagens e a

leitura. O adulto mantinha, então, o monopólio do mundo das letras, havendo a separação da

criança e do adulto, resguardando os segredos da experiência. A criança ficava a margem

desse processo, por isso, eram consideradas crianças, eram inocentes, não tinham noção do

que ocorria na vida adulta.

Enquanto que os livros apresentam uma magia a ser desvendada, a tecnologia (através

da TV, PC e vídeogame) não exige grande esforço. As informações da cultura midiática não

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fazem distinção entre adultos e crianças, sobre a erotização precoce, a violência e o

consumismo, que são exemplos da proximidade do mundo adulto do mundo da criança. Deste

modo, está desaparecendo o sentido da infância, perdendo o seu encanto, sendo transformada

em um coercitivo fato social.

No entanto, a TV, pouco a pouco foi destruindo a barreira que impedia a

acessibilidade da criança na vida adulta, pelo fato de assistirmos televisão, e neste momento,

não raciocinamos, simplesmente absorvemos o que é passado, pois nos sentimos atraídos pelo

show de imagens apresentadas, ―[...] isto significa que ver televisão requer reconhecimento

instantâneo de padrões, e não demorada decodificação analítica. Requer percepção, não

concepção‖ (POSTMAN, 1999, p. 93).

A TV com seus programas, comerciais e os próprios desenhos animados sugerem algo

que não necessita de tanta habilidade para se entreter e compreender, não precisa de manual

de instruções, nem de uma preparação prévia, e Postman (1999, p. 93) defende que:

[...] ver televisão não só não requer habilidade alguma como também não aprimora

habilidade alguma, (...) nenhuma criança assim como nenhum adulto fica mais hábil

em ver televisão passando mais tempo diante dela. As habilidades exigidas são tão

elementares que ainda não se ouviu falar de incapacidade de ver televisão.

Ou seja, Postman (1999) justifica sua hipótese que não pode existir infância em um

mundo dominado pela TV, pois a imagem da TV não faz distinção de público, está disponível

para todos, para qualquer idade e classe social. Apresentam uma linguagem simples e desperta

a atenção por sua vivacidade, não requer treinamento para apreender a sua forma, não faz

exigências complexas para assisti-la, não segrega o seu público e apresenta livre acesso a

qualquer tipo de informação, ou seja, é incapaz de guardar qualquer segredo e ―[...] sem

segredos, evidentemente, não pode haver uma coisa como infância‖ (POSTMAN, 1999, p.

94).

Isso tudo fez com que tenhamos a impressão de que ―as crianças rapidamente crescem

e aprendem as coisas, muito rápido‖, pois na verdade, elas entram em contato com o mundo

adulto muito cedo, sobretudo, pela companhia da TV, onde esse poder é organizado,

difundido e assimilado pelas crianças.

Substituindo as tradicionais palestras e deveres de salas de aula e os deveres por

bonecos com uma história, reinos mágicos, fantasias animadas, vídeos interativos,

realidades virtuais, heróis da TV kick-boxers, livros de terror que arrepiam a espinha

e uma gama completa de formas de diversão produzidas ostensivamente para

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adultos, mas avidamente consumidas por crianças, a América corporativa

revolucionou a infância (STEINBERG & KINCHELOE, 2004, p. 15).

Observamos nas crianças um desejo intrínseco de estar conectado ao que os mais

velhos assistem, provocando uma crise nessa relação, que ―[...] pode ser atribuída... ao fato de

que agora não há pessoas mais velhas que saibam mais do que os próprios jovens sobre o que

os jovens estão vivenciando‖ (MEAD apud POSTMAN, 1999, p. 103). Às vezes parece que o

adulto perdeu sua força ao lidar com a criança, pois elas são curiosas por natureza.

Entretanto, enfraqueceu o sentido do mistério presente no novo, em algo que ela teria

que descobrir conforme o tempo, em um momento oportuno, e não em qualquer clique no

controle remoto. Esse conjunto de acontecimentos fez com que diminuísse a relação com a

surpresa, pois a TV funde o mundo do adulto com o da criança, revelando outro universo

diferente da inocência do mundo infantil.

Então, a escola diante do desenvolvimento acelerado da tecnologia ficou de certa

forma, desacelerada diante da velocidade espantosa que a mídia expõe suas informações, pois

há mais informações disponíveis fora do que dentro da escola. Assim, com um simples clique,

as crianças podem acessar as informações que desejam saber e estarem cientes do que está

acontecendo na sociedade globalizada.

Porém, Postman (1999) não sugere a abolição do uso das tecnologias, mas faz algumas

ressalvas sobre a escola diante do crescimento tecnológico. Para ele, a escola é o melhor lugar

de apresentar o mundo a criança, de modo que aprendam a desvendar o mundo adulto

paulatinamente e os educadores devem defendê-las dos riscos da adultilização precoce que

estão por toda a parte, que são responsáveis pelo desaparecimento da infância.

Discutir sobre o bem ou o mal da tecnologia, não é assunto de hoje. Em uma obra de

Postman (1993), que versa sobre cultura e tecnologia, é apresentado a lenda do Rei Thamus e

o seu encontro com o Deus Theuth, que inventou dentre muitas coisas a escrita, e discutiram

sobre o seu uso.

Para o Rei, a escrita era algo negativo, ilusório, pois a população receberia

informações sem a instrução adequada, e para o Deus Theuth, era a maior de suas invenções,

pois daria ao povo memória e sabedoria.

De acordo com Postman (1993), é um erro pensar que a tecnologia tem apenas um

único efeito, ela pode se apresentar de ambas as formas, caracterizando algo positivo ou

negativo. E para o autor, a tecnologia sempre terá uma biunivocidade sobre a cultura.

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O que deve ser feito, é utilizar as inovações tecnológicas a serviço da Educação,

sugerindo sites, programas de televisão, propagandas, trazendo assuntos da atualidade para a

sala de aula, aparelhos eletrônicos, jogos de vídeo games, ou seja, contextualizando as

informações midiáticas com o conhecimento escolar, aproximando a triangulação educador-

educando-atualidade. Assim, os alunos farão o uso adequado da tecnologia que estão a sua

disposição.

Algumas sugestões proposta por Jones (2004) é que os pais deveriam, acima de tudo,

dialogar com os filhos a respeito do que eles gostam, assistem e brincam, saber ouvir, tentar

compreender a razão pela qual a criança apresenta esse desejo e tentar acompanhar ou

observar a sua rotina, ou seja, deve tentar monitorar, dialogar e interagir com as crianças.

Assim, o par curiosidade-autoridade deve buscar manter um equilíbrio, com os pais detendo o

conhecimento e resguardando a educação dos filhos.

Entretanto, não podemos deixar se perder o que a tradição nos passou de geração em

geração, como os jogos e as brincadeiras, que são realizadas de maneira manual, corporal e

com contato pessoal, diferente dos brinquedos informatizados, como o videogame e afins, que

o indivíduo fica na maioria das vezes restrito a companhia somente da máquina.

Mas não quer dizer que não podemos interferir nessa crise. O segredo é a chave para

que possamos levar adiante o desafio de controlar devidamente o que vai ser assistido pelas

crianças, para que aos poucos possam descobrir os mistérios da vida e se surpreender com ela.

Segundo Postman (1993), quando a tradição luta para sobreviver dentro da sociedade,

é quando saímos do estágio ferramentista e entramos no estágio da tecnocracia, onde há um

desgaste dos elos com a tradição. Porém, não se apresenta como uma subjugação total, pois se

tal coisa acontecer, é porque entramos no estágio da Tecnolopolia, o domínio total, ou seja, é

quando a cultura se rende a tecnologia.

Postman (1993) sugere que tenhamos uma postura de um ―resistente romântico‖, não

confundindo informação com compreensão, considerando relevantes as coisas antigas, não

desdenhando a tradição por amor a modernidade, não aceitando o engenho tecnológico como

uma única forma de progresso humano, dentre outros.

Mas para o autor, é preciso que se altere a estrutura dos currículos escolares, pois se

deve começar desde a escola, no momento em que a criança está disposta a conhecer o que o

mundo tem para oferecer. Com isso, poderá ter uma visão diferente, e acima de tudo, terá a

possibilidade de dialogar, compreender, criticar, contextualizar e modificar os conceitos,

hábitos e comportamentos da sociedade que fará parte futuramente.

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Desta forma, a escola deve levar em consideração alguns aspectos que se fazem

presentes no contexto atual, como a questão da tecnologia, da TV e principalmente, dos

saberes brincantes das crianças, a fim de conhecer a sua cultura e seu repertório brincante e

imaginativo.

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SEGUNDA PARTE

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A cultura de um povo é um conjunto de textos,

esses mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta

ler por sobre os ombros daqueles a quem eles

pertencem. (Clifford Geertz)

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2.1 Tipo de Pesquisa

Este estudo é de natureza qualitativa, uma pesquisa do tipo etnográfica, com cunho

interpretativo, pois se deseja descrever as características do fenômeno, com ênfase

interpretativa no sujeito do estudo em seu meio natural, através da percepção desses

indivíduos que praticam as ações dentro do processo educativo, destacando a importância do

produto deste processo. André (1995, p. 27) apresenta o que se entende por pesquisa

etnográfica:

A etnografia é um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para

estudar a cultura e a sociedade. Etimologicamente etnografia significa ―descrição

cultural‖. Para antropólogos, o termo tem dois sentidos: (1) um conjunto de técnicas

que eles usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas

e os comportamentos de um grupo social; e (2) um relato escrito resultante do

emprego dessas técnicas‖.

Entretanto, para que uma pesquisa seja do tipo etnográfica deve preencher os

requisitos da etnografia como a observação dos comportamentos dos sujeitos e sua

interpretação, a partir do olhar dos mesmos que fazem as ações, utilizando os instrumentos de

coleta de dados da etnografia que achar necessário, diferenciando somente o tempo no campo,

que tem a necessidade de estar presente pelo menos durante seis meses com os sujeitos

pesquisados (ANDRÉ, 1995).

Neste sentido, a investigação qualitativa proporciona ao pesquisador estar em contato

com o ambiente em que ocorre a prática e os sujeitos que a integram. Bogdan e Biklen (1994,

p.48) descrevem muito bem esta relação íntima entre ambiente-pesquisador-sujeito, ―[...] para

o investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de

vista o significado‖, e ainda ―[...] os planos evoluem à medida que se familiarizam com o

ambiente, pessoas e outras fontes de dados, os quais são adquiridos através da observação

direta‖ (Ibid, 1994, p. 83).

Os mesmos autores definem cinco características principais da pesquisa qualitativa:

a) Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o

investigador o instrumento principal;

b) A investigação qualitativa é descritiva;

c) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente

pelos resultados ou produtos;

d) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva;

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e) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.

Nesse sentido, estar presente com freqüência no ambiente de estudo, proporciona a

melhor compreensão do contexto da pesquisa, englobando ações, pensamentos e

circunstâncias da produção dos dados pelos indivíduos, de modo que ―[...] uma boa

interpretação conduz-nos ao coração daquilo que pretende interpretar‖ (GEERTZ apud

BODAN & BIKLEN, 1994, p. 48).

Na medida em que a pesquisa é realizada e os dados são coletados, a análise será o

ponto crucial da pesquisa qualitativa, desse modo, os dados serão analisados e descritos com

toda a sua riqueza, buscando sempre a sua essência.

A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a

idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista que nos

permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo

(BODAN & BIKLEN, 1994, p. 49).

O pesquisador deve ficar atento e não deixar de relatar em suas pesquisas qualitativas

características como o que está acontecendo no momento, com ênfase no processo e não no

produto final, o significado que os sujeitos revelam sobre a maneira como vêem as suas

experiências e a descrição do ambiente, objetos, pessoas e situações (ANDRÉ, 1995), com

ênfase no modo como essas definições se formam.

Para Bogdan e Biklen (1994, p.57) é ―[...] a tentativa de descrição da cultura ou de

determinados aspectos dela‖ e para as pesquisas do tipo etnográficas segue o mesmo padrão,

onde ―[...] os objetivos do etnógrafo são os de apreender os significados que os membros da

cultura têm como dados adquiridos e, posteriormente, apresentar o novo significado às

pessoas exteriores à cultura‖ (Ibid, 1994, p.59).

Conforme os dados vão se agrupando, o caminho da investigação vai tomando o seu

rumo, retratando o que os dados querem nos dizer,

Não se trata de montar um quebra-cabeças cuja a forma final conhecemos de

antemão. Está-se a construir um quadro que vai ganhando forma à medida que se

recolhem e examinam as partes. O processo de análise é como um funil: as coisas

estão abertas desde o início (ou no topo) e vão-se tornando mais fechadas e

específicas no extremo. (Ibid, 1994, p. 50)

Para entender a realidade do cotidiano escolar e as suas influências é preciso vivenciar

plenamente esse espaço para compreender o que se passa nesse ambiente e como os seus

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respectivos atores sociais dão significado ao objeto da pesquisa, de modo reflexivo e com

certo distanciamento, questionando seus alicerces, o convencional e o invisível.

Os investigadores qualitativos em educação estão continuamente a questionar os

sujeitos de investigação, com o objetivo de perceber ―aquilo que eles experimentam,

o modo como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios

estruturam o mundo social em que vivem‖ (PSATHAS apud BOGDAN & BIKLEN,

1994).

Desta forma, a pesquisa qualitativa, do tipo etnográfica permite que o pesquisador seja

flexível com o ambiente e os sujeitos que o cerca, podendo modificar técnicas de coletas de

dados, questões da pesquisa, fundamentos teóricos e a metodologia no decorrer do trabalho. E

assim, auxiliar a compreensão da cultura lúdica como um todo, dando ênfase ao que está

acontecendo durante o processo, como tem evoluído, proporcionando o conhecimento da

realidade pesquisada.

Assim, os benefícios do estudo e para a comunidade estão ligados ao conhecimento

sobre a cultura infantil e os seus ambientes brincantes, com o intuito de conhecer as estruturas

e influências brincantes que estão, de certa forma, camufladas no espaço escolar por seus

atores sociais.

Percebemos que tanto a realidade escolar, como a realidade infantil está marcada pela

presença da mídia televisiva, ofertando uma grande variedade de imagens e interpretações.

Nesse sentido, conhecer a criança e suas brincadeiras é um instrumento importante para

conseguir identificar as influências da mídia televisiva que as crianças estão expostas e o seu

valor como mais uma ferramenta para ampliar as experiências lúdicas no cotidiano escolar.

Além de poder contribuir com professores e pesquisadores de diferentes áreas que se

dedicam a estudar a cultura infantil e suas as influências na vida das crianças. Para que

possam refletir sobre o papel social do entretenimento infantil ― especificamente os desenhos

animados, os quais as crianças estão expostas na maior parte do seu momento de lazer ―

aprimorando nosso modo de ver a criança contemporânea e suas especificidades.

O valor do estudo busca contribuir com diferentes áreas do conhecimento que se

preocupam com a questão da infância, pois respiramos um período histórico de grandes

mudanças e revoluções sociais, e o que está em foco são as mudanças nas condições sociais e

culturais em relação a essa visão de infância.

Os resultados poderão fazer enxergar uma educação escolar que saiba administrar o

imaginário infantil e os repertórios de brincadeiras contemporâneas, no que tange o exercício

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de suas linguagens, na impressão de suas particularidades na nossa própria cultura como alvo

de investigação, nos equipando sobre como lidar com as linguagens na cultura lúdica infantil.

Por isso, a urgência em aproximar a escola da realidade infantil, para que os

professores possam mediar e ser referência de aprendizado para a criança, oferecendo

oportunidade para que ela possa mostrar o que sabe, de modo a compartilhar e viver a sua

infância, sem negá-la, oferecendo um espaço de diálogo entre a cultura do seu tempo e a

escola.

2.2 Locus da Pesquisa

A pesquisa será desenvolvida na escola EMEB Adelina Pereira Ventura da Rede

Pública Municipal de Cuiabá, localizada no Bairro Jardim Independência, destinada somente

a Educação Infantil.

A escola se situa em um bairro de classe média, próximo ao centro de Cuiabá. A

escolha dessa instituição se deu pelo fato de ter um espaço dedicado exclusivamente a

Educação Infantil, ser de fácil acesso e que pudesse contribuir com o estudo.

A estrutura da escola é constituída por 10 salas de aula, quadra de esporte, parquinho,

casinha de boneca, pátio, brinquedoteca, sala de TV, mangueiral e um campinho (espaço fora

da escola).

O desenvolvimento da pesquisa será realizado dentro das aulas de Educação Física,

que acontecem uma vez por semana durante duas horas seguidas, no recreio, na sala de aula,

na brinquedoteca e nos espaços onde puderem ocorrer eventos lúdicos.

2.3 Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos fazem parte da turma do último nível da Educação Infantil, com 22

crianças de 5 anos da Educação Infantil, sendo 14 meninos e 08 meninas.

A escolha desta turma foi sugestão da coordenadora da escola, pois são crianças mais

dinâmicas, falantes e espontâneas, e em sua maioria, estudam na instituição desde o início da

Educação Infantil.

Esses sujeitos se encontram no último ano da Educação Infantil, possibilitando uma

colaboração mais positiva para o andamento da pesquisa, além da faixa-etária que se observa

a questão do faz-de-conta, o envolvimento com a fantasia e com a construção do imaginário,

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possibilitando essa relação do real com o ilusório, muito latente neste momento da vida

infantil.

O desenvolvimento da pesquisa foi realizado nos diversos ambientes escolares: na sala

de aula, na quadra, na brinquedoteca, no recreio. Justifica-se pela observação dos diferentes

espaços onde possam ocorrer eventos lúdicos.

O critério de seleção dos sujeitos foi de acordo com a freqüência em sala de aula, que

facilitou a observação desse mesmo sujeito em outros ambientes, realizando uma correlação

com a entrevista, ou seja, a teoria (o que o sujeito relatou sobre as brincadeiras) e a prática (o

que ele mostrou durante as brincadeiras). E o rendimento em sua entrevista, os que se

apresentarem mais expressivos e com um conteúdo passível de análise.

A turma pesquisada é composta oficialmente por 25 alunos, porém, o número efetivo

de alunos em sala é de 22 alunos, que será o universo trabalhado, ressaltando que a escolha

definitiva do número de sujeitos irá variar de acordo com a freqüência nas aulas e a análise do

conteúdo da entrevista.

Em relação aos sujeitos da pesquisa, os riscos para sua participação na pesquisa foram

mínimos, não interferindo em suas atividades escolares e não haverá uso indevido de falas e

fotografias dos participantes, servindo somente para confirmar o que foi observado pela

pesquisadora. E os dados referentes aos sujeitos pesquisados serão confidenciais e

garantiremos o sigilo da participação durante toda pesquisa, inclusive na divulgação da

mesma. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar a identificação das crianças.

Os benefícios para a escola e os participantes da pesquisa serão: conhecer mais

profundamente uma amostra de alunos dessa instituição, suas brincadeiras; identificar as

influências da mídia televisiva que as crianças estão expostas, seu valor como mais uma

ferramenta para ampliar as experiências lúdicas no cotidiano escolar.

2.4 Instrumentos de coleta de dados

Nas pesquisas de campo de estudos do tipo etnográfico, o pesquisador tem a

possibilidade de estar presente no campo por um tempo maior com os sujeitos a serem

pesquisados em seu ambiente natural. Levam-se em consideração todos os componentes que

fazem parte desse contexto e os comportamentos que eles esboçam, sobretudo, aprendendo e

procurando saber como eles se relacionam com o objeto da pesquisa.

Se, por um lado, o investigador entra no mundo do sujeito, por outro, continua a

estar do lado de fora. Registra de forma não intrusiva o que vai acontecendo e

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recolhe, simultaneamente, outros dados descritivos. Tenta aprender algo através do

sujeito, embora não tente necessariamente ser como ele. Pode participar nas suas

actividades, embora de forma limitada e sem competir com o objetivo de obter

prestígio ou estatuto. Aprende o modo de pensar do sujeito, mas não pensa do

mesmo modo. É empático e, simultaneamente, reflexivo. (BOGDAN & BIKLEN,

1994, p. 113)

Assim, o pesquisador deve focar na multiplicidade de significados inseridos no

universo da cultura lúdica infantil. E pra isso, os principais meios para a coleta de dados desta

pesquisa serão ―[...] através basicamente da observação participante que ele vai procurar

entender essa cultura, usando para isso uma metodologia que envolve registro de campo,

entrevistas, análise de documentos, fotografias, gravações‖ (ANDRÉ, 1995, p. 37). E ainda,

estabelecer interações com as crianças através de diálogos, diário de campo e narrativas de

episódios, a fim de possibilitar descrever as ações dos indivíduos a partir das observações

realizadas previamente.

Então, para se atingir os objetivos propostos, esta gama de instrumentos fornecerá

parâmetros e proporcionará a compreensão e indução dos dados e sentidos que serão passíveis

de interpretações, pois não resulta em algo fechado e sistematizado, mas, sobretudo, na

significação da perspectiva em que ocorre a prática.

Desta maneira, os dados estarão de forma bruta, para que o pesquisador possa lapidá-

los durante a sua análise e estas pistas serão fornecidas por meio dos instrumentos de coleta.

As notas de campo facilitaram o processo de investigação, pois nela estavam a

descrição dos sujeitos, do ambiente brincante, do imaginário através das próprias ações e

eventos marcantes, ou seja, por definição segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 150) ―[...] notas

de campo: o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso

da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo qualitativo‖.

E a narrativa de episódios traçou o mesmo caminho que as notas de campo, porém,

detalhando mais especificamente uma determinada situação, oferecendo uma nomenclatura

particular para o acontecimento. Isso permitiu que se registrassem diálogos e eventos lúdicos

existentes, mas talvez ignorados ou não percebidos em situações de ensino e de diversão.

As entrevistas tiveram um auxílio de um gravador de voz, serão de forma semi-

estruturada, com um roteiro previamente elaborado para oferecer uma diretriz para a sua

aplicação. ―[...] A entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do

próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a

maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo‖ (BOGDN e BIKLEN, 1994, P.

134), esse processo resulta na linguagem particular que o sujeito tem do mundo que o cerca.

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Foram baseadas no tema central da pesquisa e questionamentos que surgiram na

preparação da fundamentação teórica. E outras questões que por ventura pudessem aparecer,

estarão relacionadas diretamente com a resposta dada pelos sujeitos entrevistados,

transformando acontecimentos inesperados em parte da entrevista. Nesse sentido, os sujeitos

dialogaram com o pesquisador de forma mais espontânea e livre possível, sem se deter a

alternativas e perguntas pré-determinadas.

Os registros fotográficos estão intimamente relacionados à pesquisa do tipo

qualitativa, pois oferece grandes dados descritivos sobre o tema pesquisado, neste caso, a

brincadeira infantil. Possibilitaram observar aspectos que estão implícitos no processo

brincantes, que não conseguem ser descritos em notas de campo, somente através de imagens,

plastificando a fala das crianças.

As fotografias foram feitas pelo próprio pesquisador nos diversos ambientes brincantes

da escola: na sala de aula, na quadra, na brinquedoteca e no recreio. Esses registros

facilitaram a visualização do mundo imaginário da infância através de suas brincadeiras,

simplificando a informação factual, que foi registrada, analisada e comparada juntamente com

as notas de campo. ―[...] As fotografias tiradas pelos investigadores no campo fornecem-nos

imagens para uma inspecção intensa posterior que procura pistas sobre relações e actividades‖

(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 189), ressaltando o caráter ético da pesquisa, sem

comprometer os sujeitos participantes do estudo, que são crianças de cinco anos de idade,

deixando claras as reais expectativas das imagens: registrar as brincadeiras realizadas pelas

crianças nos diversos ambientes escolares, a fim de auxiliar os registros escritos.

Nesse sentido, o procedimento para a coleta de dados foi realizado somente após a

aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller – CEP.

Posteriormente, foi feito o uso de observações sistemáticas, assistemáticas e registros

fotográficos e notas de campo dos ambientes escolares que possam eventualmente acontecer

episódios lúdicos e brincadeiras. O início do procedimento de coleta de dados ocorreu desde o

primeiro semestre de 2011.

Após um período de adaptação dos sujeitos com o pesquisador, iniciou-se o

procedimento de entrevista com as crianças, respeitando os critérios de seleção previamente

estabelecidos, por meio de uma entrevista semi-estruturada.

2.5 Procedimentos para análise dos dados

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No intuito de entender as interações entre a criança, o desenho animado e a

brincadeira, buscou-se compreender as interações e influências cotidianas entre os sujeitos e o

locus, onde o conhecimento se constrói, tentando captar o discurso particular dos sujeitos

analisados.

Bogdan e Biklen (1994, p. 205) definem com clareza o que é a análise de dados e o

que é envolvido nesse processo:

A análise de dados é o processo de busca e de organização sistemático de

transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo

acumulados, com o objetivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos

materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise

envolve o trabalho com dados, a sua organização, divisão em unidades

manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do

que deve ser aprendido e a decisão do que vai ser transmitido aos outros.

Desse modo, a análise dos dados consiste em se chegar ao entendimento mais próximo

do problema proposto através dos instrumentos de coletas de dados como entrevistas, notas de

campo, ações realizadas pelos sujeitos (narrativas de episódios), fotografias, entre outros. E a

partir disso, desenvolver uma triangulação entre o corpo teórico, os dados e a perspectiva do

pesquisador.

Para Bogdan e Biklen (1994, p. 205), ―[...] a análise envolve o trabalho com dados, a

sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta

dos aspectos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão sobre o que vai ser

transmitido aos outros‖, pois busca a organização e a sistematização dos resultados para a sua

compreensão e a sua interpretação.

Deste modo, a abordagem qualitativa possibilita analisar os dados de forma indutiva, à

medida que os dados vão se agrupando e se inter-relacionando, consegue-se observar o

direcionamento da compreensão do fenômeno. Para Bogdan e Biklen (1994, p. 50), ―[...] o

investigador qualitativo planeia utilizar parte do seu estudo para perceber quais são as

questões mais importantes. Não presume que se sabe o suficiente para reconhecer as questões

importantes antes da investigação‖.

Assim, a obtenção dos dados descritivos através de palavras ou imagens, da presença

do investigador no ambiente e com os sujeitos que estão envolvidos na pesquisa, tem por

objetivo procurar entender o fenômeno, de acordo com a visão dos sujeitos, possibilitando ao

pesquisador interpretá-los.

Na pesquisa do tipo etnográfica, a análise de dados se faz presente no trabalho de

campo, que pode ser facilmente indutivo, mas o investigador procura relacionar suas

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observações ao seu referencial teórico e também aos questionamentos que surgem no decorrer

da pesquisa. E assim, consegue-se se aproximar do ambiente escolar e seu cotidiano, tentando

compreender seu universo, seus valores, sua cultura e como apreendem a realidade.

Para André (1995), o investigador é o principal instrumento na coleta e análise dos

dados, pois tem aval para modificar técnicas de coleta, bem como revisar questões que

direcionam a pesquisa, tentando retratar da melhor forma a visão dos sujeitos.

Deste modo, a análise dos dados pode ser realizada tanto durante o decorrer da

pesquisa como após a recolha dos dados, por meio de notas no diário de campo, nas

transcrições das entrevistas e também em imagens que lhe parecem apropriadas, podendo até

provocar outros caminhos e reflexões a serem seguidas.

Após esta fase, a organização dos dados será estruturada através de categorias de

codificação, que para Bogdan e Biklen (1994, p. 221) consiste em:

[...] percorrer os seus dados na procura de regularidades e padrões bem como de

tópicos presentes nos dados e, em seguida, escreve palavras e frases que representam

estes mesmos tópicos e padrões. Estas palavras ou frases são categorias de

codificação. As categorias constituem um meio de classificar os dados descritivos

que recolheu, (...) de forma a que o material contido num determinado tópico possa a

ser fisicamente apartado dos outros dados.

Neste sentido, configura-se a análise dos dados, obtendo informações e conhecendo a

opinião e o comportamento dos sujeitos da pesquisa, a fim de obter embasamento suficiente

para discutir sobre o fenômeno.

Portanto, a análise e discussão dos resultados estão estruturadas da seguinte forma:

divisão dos dados por categorias, de acordo com a aproximação das respostas apresentadas

pelas crianças, a junção com a visão do pesquisador e o referencial teórico, formando assim, a

triangulação dos dados.

A categorização se baseou nas perguntas feitas durante a entrevista com os sujeitos,

apontando para os temas mais significativos sobre a relação do imaginário e a brincadeira.

A seguir serão apresentadas as categorias de codificação definidas pela compreensão

do contexto pesquisado e falas dos sujeitos, explorando a questão da infância, do imaginário e

da brincadeira.

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TERCEIRA PARTE:

UM OLHAR PARA O COMPORTAMENTO INFANTIL

―As sociedades, como as vidas, contêm suas próprias

interpretações. É preciso apenas descobrir o acesso a

elas‖. (Clifford Geertz).

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3.1 Conhecendo as brincadeiras infantis

EPISÓDIO 01: Brincando na hora da entrada na escola

As crianças ao chegarem à escola permanecem no pátio até tocar o sino. Depois todas entram em

forma para iniciar a oração e se direcionam para as suas respectivas salas.

Entretanto, nos interstícios dos ritos escolares, as crianças não deixam de brincar. Observou-se cerca

de oito crianças que brincavam de pique-pega e depois de pique-esconde, onde o esconderijo

eram as pilastras da escola, localizadas no próprio pátio. Repetiram a brincadeira o tempo que restavam

antes de ir para a sala de aula.

Então, um dos pais falou:

― Parem de correr! Vocês vão ficar suados! Na hora do recreio vocês brincam!

Algumas crianças acataram o pedido de um dos pais, porém, a maioria continuou brincando.

Havia ainda algumas crianças que estavam do lado de seus pais e brincavam de pique-esconde

sentadas, brincando de se ver por atrás das pilastras, de forma silenciosa e demonstrando

expressões de alegria e surpresa.

Figura 01: Crianças brincando no pátio de se esconder

A natureza infantil nos revela em cada ato características e linguagens que são do

domínio do jogo, seja através da brincadeira, do brinquedo, da relação com os amigos, com o

mais velho e até mesmo quando a criança brinca sozinha.

A brincadeira esboça o seu comportamento lúdico não só materializada na frivolidade

como também em um espaço de atividade séria, onde todos os aspectos imaginativos

traduzem o mesmo grau de importância e a atividade lúdica aparece com um papel de

destaque no comportamento e na natureza infantil.

Isso pode ser facilmente relacionado quando observamos o primeiro episódio,

―Brincando na hora da entrada na escola‖, demonstra o comportamento lúdico com uma

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necessidade de revelar a ―magia‖15

que se faz presente na brincadeira, onde a natureza do

brincar é o que faz mover as ações imaginativas e corporais da criança.

A ―repetição‖ aparece como o motor da brincadeira, segundo Benjamin (1984),

demonstrando uma de suas características principais, pois não se cansam de realizar a mesma

atividade lúdica.

Percebemos também uma heteroglossia de atos e comportamentos das crianças durante

os intervalos dos ritos matinais, como uma brincadeira tradicional de ―pique-esconde‖ e a

mesma brincadeira realizada camufladamente sob à sombra do mais velho.

Nesse sentido, o processo imaginativo da criança irá se estruturar de acordo com a

organização e junção de pensamentos, de imagens e de atos significados em sua realidade. E o

nível de imaginação dependerá do seu repertório brincante e criativo. Basta que estejam

inseridos e contagiados por uma conduta lúdica, que conseguem ingressar em um ambiente de

fantasia. Assim, independente da idade, ―[...] nos realizamos plenamente, entregando-nos por

inteiro ao jogo‖ (CHÂTEAU, 1987, p. 13).

Assim, o imaginário faz parte da infância e se revela repleto de fantasia, liberdade e

criatividade, sendo enriquecidos por suas brincadeiras e percebemos isso, quando as crianças

foram perguntadas como se brinca quando não tem brinquedo. As respostas foram as mais

distintas como veremos a seguir:

De pega-pega. (ALR, 5 anos, M)

Brinco de lutar; brinco de “Shrek”16

. (DCF, 5 anos, M)

De picolé, de pintar. (IMO, 5 anos, M)

De “Backyardigans”17

, de pista de corrida (...). Assim, quando tem o dia da

corrida, eu falo assim para o meu amiguinho: vamos brincar do dia da

corrida? E aí, nós corremos. Corremos até lá longe, mas eu corro mais, aí eu

até passei ele (...). Os “Backyardigans” vão com as motos deles, mas o

15

O termo ―magia‖ é usado aqui a partir daquilo que Marcel Mauss considera como um ―conjunto que

compreende agentes, atos e representações. Os mágicos são aqueles que efetuam atos mágicos. Representações

mágicas são idéias e crenças que correspondem a atos mágicos; e os atos correspondem aos ritos mágicos, e

todos eles estão ligados a tradição‖ (2008, p. 55). Ou seja, ―não definimos a magia pela forma de seus ritos, mas

pelas condições nas quais eles se produzem e que marcam o lugar que ocupam no conjunto dos hábitos sociais‖

(p. 61). 16

Shrek é um filme de 2001, do gênero animação computadorizada, dirigido por Andrew Adamson e Vicky

Jenson, foi produzido pela Dreamworks Animation, baseado no Conto de Fada Shrek, de William Steig. Shrek

foi o primeiro filme a ganhar o Oscar de melhor filme de animação. Shrek é um ogro que em busca de devolver o

sossego ao seu pântano, viaja junto com um burro falante para salvar a princesa ―Fiona‖, que vivia adormecida,

aprisionada num castelo guardada por um dragão. Os dois conseguem libertar a princesa e Shrek se casa com a

princesa ―Fiona‖. 17

Os Backyardigans é uma série animada, criada por Janice Burgess, produzida pela Nickelodeon. A série conta

a história de cinco amigos: Pablo, Tyrone, Uniqua, Tasha e Austin. Eles imaginam o quintal como um local de

aventura.

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“Tyrone” vai com o carro, mas são motoqueiros durões, mas muito legais. E

eles dançam também. (AFR, 5 anos, M)

De contar história, de mamãe e filhinha, da vovozinha, do papai. (ACA, 5

anos, F)

Com a massinha, fazendo assim, assim, e bota aqui (no braço) e brinca de

“Ben 10”18

. (EAM, 5 anos, M)

Eu procuro alguma coisa para brincar. (KMK, 5 anos, M)

Brinco de correr. (EGF, 5 anos, F)

Brinca com a mão. (GSJ, 5 anos, F)

Correndo... é..., eu e outras meninas, a gente faz o D pegar a gente de bicho,

aí, a gente fica correndo, aí a gente pega a pedra e finge que tá jogando

pedra nele. A gente que inventou, D., você quer brincar com a gente de

bicho? Aí , ele falou, quero! Aí, a gente vai jogar a pedra em você e você vem

correndo atrás da gente. Aí, o JV, também queria e ele entrou na

brincadeira. Corria atrás da gente e avisava o D. onde a gente tava. (HRC, 5

anos F)

Brinco no parquinho lá perto da minha casa. (KSS, 5 anos, F)

De esconder. (NCP, 5 anos, F)

A gente faz outra coisa, brinca assim com a mão, pica-picolé, de lutinha com

o dedo, de esconde-esconde debaixo das mesas na sala de aula. (TYA, 5

anos, F)

A gente brinca de rodinha, a gente brinca perto da nossa cadeira... Quando

a professora sai, eu brinco, a gente brinca de pega-pega, aí quando a

professora chega a gente corre para a nossa cadeira. (PFB, 5 anos, F)

Percebemos que as crianças utilizam como recurso brincante, de forma bem

significativa, o seu próprio corpo como instrumento para brincadeira, como é o caso do pega-

pega, de brincadeiras de roda, o ato de correr, de se esconder e de lutar, bem como o brincar

de picolé, utilizando as mãos.

A Cultura Corporal de Movimentos se apresenta como uma forma de valorizar, entre

outras coisas, as brincadeiras tradicionais, por ser uma expressão típica e tradicional que faz

parte da cultura lúdica, possuindo assim, um caráter simbólico, ―[...] analisada com nossa

capacidade de abstração e teorização, impregnada de corporeidade, do sentir e do relacionar-

se‖ (BRACHT apud DARIDO & RANGEL, 2005, p. 28).

18

Ben 10 é uma animação, é produzido pelos estúdios de Cartoon Network Studios. Ben Tennyson, um menino

de 10 anos, encontrou um relógio que guarda o DNA de 10 espécies alienígenas diferentes cada uma com sua

característica própria, o aparelho tem a capacidade de transformar o usuário em qualquer uma delas. Ben passa a

ajudar as pessoas e a combater o mal e os seres alienígenas que decidem atacar a terra, alguns para recuperar o

dispositivo.

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Preocupa-se com a contextualização das atividades expressivas e corporais durante as

aulas, se aproximando da realidade das crianças por meio das manifestações culturais,

simbólicas, do corpo e do movimento, a fim de vivenciar, compartilhar, desenvolver e

transformar as brincadeiras que caracterizam o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

Sabendo que o sujeito brincante relaciona o seu corpo e o seu imaginário dentro de um

contexto sócio-cultural, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, pp. 22-23) abordam os

conteúdos da Educação Física ―[...] como expressão de produções culturais, como

conhecimentos historicamente acumulados e socialmente transmitidos‖, entendendo a

Educação Física como possuidora de saberes da cultura corporal.

A Educação Física como uma área que se dedica a estudar a Cultura Corporal de

Movimentos, tem como grande meta introduzir a criança nesta cultura, oferecendo um

arcabouço brincante para que possa ter ferramentas para construir, reproduzir e transformar

seus saberes em vivências sólidas, tanto na esfera escolar, bem como na de lazer. Essa

experiência se dá pela corporeidade da criança ao interagir com a Cultura Corporal de

Movimentos.

Esses conhecimentos cognitivos, corporais e simbólicos podem ser transformados e

modificados ao longo do tempo, porém, a ressignificação e a expressividade constituem essa

cultura corporal, produzindo movimentos e comportamentos a partir de representações

corporais, com características de simbolismo e de ludicidade, manifestando uma cultura

própria: a cultura infantil impregnada de corporeidade, dinamicidade e mutações.

Para Kolyniak (1995), é importante que os professores tenham compromisso com a

construção do conhecimento e dos saberes necessários a serem transmitidos aos alunos, como

um ―movimento humano consciente‖, a fim de que possam se apropriar e usufruir da

multiplicidade de manifestações da Cultura Corporal de Movimentos, ampliando as

capacidades de interação sócio-cultural entre as crianças e suas experiências brincantes.

As diferentes competências com as quais as crianças chegam à escola são

determinadas pelas experiências corporais que tiveram oportunidade de vivenciar.

Ou seja, se não puderam brincar, conviver com outras crianças, explorar diversos

espaços, provavelmente suas competências serão restritas. Por outro lado, se as

experiências anteriores foram variadas e freqüentes, a gama de movimentos e os

conhecimentos sobre jogos e brincadeiras serão mais amplos. Entretanto, tendo mais

ou menos conhecimentos, vivido muitas ou poucas situações de desafios corporais,

para os alunos a escola configura-se como um espaço diferenciado, onde terão que

ressignificar seus movimentos e atribuir-lhes novos sentidos, além de realizar novas

aprendizagens (PCN, 1997, p. 45)

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Desta forma, a criança apresenta um repertório brincante, prévio, que foi desenvolvido

por suas vivências ao relacionar-se com o outro, dentro de sua realidade social, no ambiente

escolar e também pela TV. A escola tem o grande papel nessa configuração do ensinar de

mostrar a interlocução dos saberes locais e globais, para que amplie a diversidade dos

referenciais brincantes das crianças, oportunizando que viva intensamente o seu zeitgeist.

Na sala de aula, a brincadeira se torna mais pedagógica e velada, pois brincam

escondidos da professora e desenvolvendo desenhos, pinturas e objetos com massa de

modelar. Entretanto, as crianças como mesmo disseram, procuram alguma coisa para

incrementar a brincadeira, neste caso, a imaginação. Percebemos isso quando brincam de

simular o relógio do personagem “Ben 10” e de esconde-esconde dentro da sala de aula,

utilizando as próprias carteiras e mesas escolares como esconderijo. Nada escapa da vontade

de brincar e trazer suas brincadeiras à tona.

Figura 02: Brincando de pique-esconde debaixo das mesas em sala de aula

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Figura 03: Criança escondida debaixo da mesa

Quando a criança cita que brinca do desenho animado “Backyardigans” e de uma

determinada cena percebemos que inclui o desenho em uma brincadeira de disputa e de

simbolismo ao mesmo tempo, unindo o tradicional, a corrida, com o atual, o desenho

animado. A brincadeira tem como objetivo principal a corrida, para isso, disputam, fantasiam

e se divertem, no entanto, não deixam de lado o personagem de desenho animado que deu

início a brincadeira.

Outro ponto importante é quando falam sobre o personagem “Tyrone” do desenho

animado “Backyardigans” de maneira a exaltá-lo como durão, que na verdade não retrata de

forma fidedigna a sua real personalidade no desenho animado, já que se apresenta como um

personagem dócil, amigável e nada como algo parecido em se mostrar imponente. Isso retrata

a vontade de transformar o seu personagem em algo superior, porém, ao mesmo tempo

infantil, pois é durão, mas dança também.

Outra brincadeira mencionada é um estilo de pique, inventado pela própria criança,

que contou com outros participantes interessados na atividade. É uma espécie de ―pique-

bicho‖, onde o pegador é o bicho e os outros correm e fingem arremessar pedras para o

pegador se afastar, porém, ainda tem um terceiro elemento, o esconderijo, que vai contar com

a ajuda de outro participante para avisar ao pegador onde estão os fugitivos. A criança mostra

que a sua imaginação se faz presente sempre em suas brincadeiras, fantasiam cenários,

elementos e personagens para adicionar a brincadeira, como uma ação criativa da criança,

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unindo a reprodução de um pique e a criação através de influências televisivas, imaginativas e

de histórias infantis.

As crianças vêem, absorvem e reproduzem muitos dos conteúdos que estão

acostumadas a presenciar em seu cotidiano, inclusive os que elas assistem na TV, se tornando

mais suscetíveis a essas influências, apresentando um novo olhar para o que assistem na TV e

diferentes formas de brincar.

Nesse sentido, a conduta lúdica e o imaginário da criança se desenvolvem no centro de

sua vida social. Há uma forte interação com os elementos que estão à sua volta,

frequentemente se tornando parte da brincadeira, como é o caso dos desenhos animados.

Contudo, a criança não é passiva em relação à cultura e ao que ela assiste, pelo contrário, é

ativa, há uma analogia de reciprocidade, e é possuidora de uma cultura particular, a cultura

infantil, que produz significações, interpretações e apreensões sobre essa realidade.

E isso prenuncia um momento próprio da infância, com ações criativas e interações

com o conteúdo midiático, e assim, fertilizam idéias que estão na TV para brincar,

plastificando-as, se tornando visual e corporal ao mesmo tempo. Isso se deve ao fato de cada

zeitgeist formar crianças que revelam um sistema simbólico imagético respectivo,

influenciado, principalmente pelos atrativos lúdicos atuais.

Com isso, tudo que ela vê e imagina pode virar brincadeira e os estímulos podem vir

de qualquer imagem, pessoa, situação ou objeto, levando-as a estabelecerem uma seqüência

de pensamentos e comportamentos que as conduzem passo-a-passo ao seu desenvolvimento,

como um ideal a ser buscado, entregando-se por completo ao momento. Simplesmente a

―criança é um ser que brinca/joga, e nada mais‖ (CHATEAU, 1987, p.13).

E para alimentar essas mesmas brincadeiras fazem uso da imaginação para enriquecer

o desenrolar da atividade brincante. Suas referências se baseiam em brincadeiras populares,

histórias infantis, histórias inventadas e histórias televisivas, como a imitação de cenas de

desenhos animados, apontando para o que as crianças de hoje estão brincando, possibilitando

uma maneira de conhecermos as brincadeiras infantis e o que elas camuflam. E Sutton-Smith

(2001) destaca que enquanto as crianças assistem e interagem com a TV, na verdade, estão

brincando, apresentando uma atitude ativa de interagir com o conteúdo televisivo.

3.2 Ambientes brincantes

EPISÓDIO 02: “Luta de pé”

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Durante o momento em sala de aula, as crianças ficam mais envolvidas com os conteúdos passados

pela professora, porém, quando acabam, sentem uma necessidade de se movimentar, não conseguem ficar

paradas, é quando extravasam suas energias em brincadeiras.

Dois meninos estavam sentados na mesa, um de frente para o outro, e um deles falou:

― Quero ver você chutar o meu pé bem forte!

E o outro chutou.

― Nem doeu... Olha o meu muque... Eu tenho mais força, ó!

E outra criança retrucou:

― Minha sandália é do “Ben 10”, sai fogo, quer apostar?!

Então, iniciaram a brincadeira e outros foram participar.

― Vai começar a luta de pé agoraaaa!

Brincaram, riram e fizeram barulho, foi o que chamou a atenção da professora e ela falou:

― Parem agora com isso!

A direção que a brincadeira tem seguido está diretamente ligada ao estilo de vida e a

cultura que a criança se insere, principalmente com as mudanças que ocorreram na sociedade

ao longo dos séculos, que por sua vez, faz refletir na trajetória do homem.

Com o passar dos séculos, alguns teóricos da brincadeira perceberam que a criança

está sujeita as influências do meio social e é através da interação que constrói sua

personalidade, seus valores, sua cultura e seu repertório brincante.

No segundo episódio, ―Luta de pé‖, a brincadeira descrita mostra a necessidade da

criança de se movimentar, de transformar a energia que está contida em seu corpo em

brincadeiras. E fazem disso um grande desafio, provocando os amigos para um duelo. É algo

que está intrínseco dentro de nossa cultura, na disputa e no confronto com o outro, e com isso,

a guerra e a agressividade ―[...] penetram facilmente nas estruturas do jogo‖, como afirma

Brougère (2008).

E por meio desse tipo de brincadeira de valentia e de competição se expressa esse

vínculo social, que percebemos relações de poder, de disputa, de formação de líderes, o qual

se observa o fenômeno da ―cefalização‖, é o momento em que se estrutura o líder do grupo, o

mentor, que tem autoridade, fixa papéis e tem o poder de iniciativa (CHÂTEAU, 1987).

Nessa disputa simbólica, aparece a agressividade e a força como um estopim para o

início da brincadeira, e o objeto mágico organizador da mesma é o poder da sandália do “Ben

10”, que sai fogo e que todos querem provar, pelo espectro do ato brincante.

Desta forma, o corpo, mais especificamente o pé, irá se tornar o grande instrumento

lúdico, funcionando como ferramenta e um meio para chegar ao processo da brincadeira.

A brincadeira chega ao fim, quando a professora, que é a mantenedora da ordem em

sala, percebe o barulho e as risadas, e as crianças voltam a fazer suas atividades escolares,

mas com a sensação que se realizaram no jogo.

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Assim, todos os elementos que compõem o seu meio social que são passíveis de

brincadeira agem para aflorar o seu imaginário e se combinam entre si, a fim de estruturar

suas funções e condutas superiores. ―[...] A infância é, portanto, a aprendizagem necessária à

idade adulta‖ (CHÂTEAU, 1987, p. 14), englobando os aspectos emocionais, sociais e

culturais e a importância da brincadeira e do brinquedo para a formação da vida futura.

O local que a criança brinca, em casa ou na escola, não importa. Para ela, o que vale é

estar pronta para entrar em outro mundo, que necessita somente de um suporte para a

brincadeira, algo que possam prendê-la em seu mundo de faz-de-conta.

Isso se revelou quando foram perguntados sobre o que eles brincam em casa e na

escola respectivamente, se estavam acompanhas ou brincando sozinhas. As respostas

variaram conforme suas experiências brincantes:

“Assistir TV, eu gosto de ver.” “De jogar bola!” (ALR, 5 anos, M)

“Eu brinco de desenho... só na casa que pode...” “De “Backyardigans”, de

“Copa-Pistão”19

, de “Ben 10”, de forma palavra” (AFR, 5 anos, M)

“Com brinquedo. Eu brinco de jogar bola, de driblar, de lutar e de ver

desenho” “De jogar bola, de correr... Brinco aqui na escola, com as

crianças, só aqui na quadra que pode brincar, eu jogo bola aqui na quadra,

(...) aqui na sala é pra estudar, o recreio é lá, não é aqui, aqui é pra

estudar... Eu lembro de luta, eu chamo alguém pra brigar, aí alguém quer...

eu brinco até do leão pegar as meninas...” (DCF, 5 anos, M)

“Eu assisto TV...” “Na quadra e no parquinho” (EAM, 5 anos, M);

“Esconde-esconde, de picolé também, brinco com a minha prima, a gente

brinca até de noite!” “De correr, de picolé, de pintar! Ali fora no pátio, lá

corre todo mundo!” (IMO, 5 anos, M)

“Brinco com a minha prima de pega-pega, de esconde-esconde, eu brinco de

carro e ela de boneca...; Brinco com meu quebra-cabeça, de assistir meu

DVD do ―Rei Leão" 20

” “Na quadra, de pega-pega, de esconde-esconde”

(JVD, 5 anos, M)

“Eu moro lá na VJ (empresa de ônibus), eu brinco muito lá... eu brinco com

a minha prima e no computador, com jogos, eu gosto mais de jogo de luta...

Fico jogando videogame e computador” “Jogo futebol no recreio, lá na

quadra” (KMK, 5 anos, M)

“Brinca de pula-pula, brinca de rádio, é só acessar no meu computador e

pronto! Eu tinha um computador massa, tinha um monte de dinossauro... eu

19

Copa Pistão é uma competição de corrida que aparece no filme ―Carros‖, de animação, do qual o carro que for

mais veloz, ganhar o troféu e passar por grandes aventuras. 20

É um filme de longa metragem produzido pela Walt Disney Pictures, lançado em 1994. O filme conta a

história de Simba, que ao crescer, é envolvido nas artimanhas de seu tio Scar, que planeja livrar-se do sobrinho e

assumir o trono. Anos depois, ao ser descoberto por Nala, sua amiga de infância, Simba tem que decidir se

devem assumir suas responsabilidades como rei ou seguir com seu estilo de vida despreocupado.

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brinco só em casa! Lá em casa em brinco sozinho de “Power Rangers”21

...”

“Aqui na brinquedoteca, porque aqui tem um monte de brinquedos (...).

Também gosto de brincar na quadra, eu jogo bola” (PHA, 5 anos, M) “Eu brinco com meus primos, brincamos de mamãe e filhinha, eu sou o

filhinho e meu primo é o pai, e a minha prima é a mãe, assistimos TV

também” “Eu gosto de jogar bola lá na quadra, brincar com os colegas,

pega-pega, dançar rebolation22

, bobinho” (VAS, 5 anos, M)

“Brinco de esconde-esconde, carrinho, é assim, ó: um carrinho bate no

outro. De andar de bicicleta, pimbolin, cada um fica de um lado e chuta a

bola, eu brinco com a minha prima...” “Aqui na brinquedoteca, de

bombeiro, com o dedinho” (JVF, 5 anos, M)

“De cavalinho, se monta no cavalinho, eu gosto de piquenique, eu gosto de

brincar de patinho, o patinho vai na água, totó, carro, boneco, de carrinho,

de trator, de caminhão” “Aqui na brinquedoteca! Tem muitos brinquedos!”

(YSP, 5 anos, M)

“Brinco de boneca, de carrinho de boneca, bota a boneca para passear com

a mãe” “Brinco de escola, de jogar bola, pulo corda, de pega-pega” (ACA -

5 anos, F)

“Brinco de pular, brinco de panelinha, brinco de índia, brinco de

Poderosa23

, de “Barbie”24

“De fazer corrida... de correr mais rápido! Lá na

quadra... Uma amiguinha inventou uma brincadeira de menina brincar com

guri, e guri com menina, guri com guri e menina com menina (...) ela corre

atrás do guri e ela imita um macaco que corre atrás de quem bate e quem

xinga, que quer destruir a cidade...” (EGF, 5 anos, F)

“Brincar! Assistir DVD da “Barbie”, da “Dora”25

,assisto “Bakugan26

“De fogãozinho, fazer babalu, assim ó (com a mão)” (EKS, 5 anos, F)

“Brinco de boneca, mamãe e filhinha e carrinho de menina (...). Também

gosto da “Hello Kitty”27

, eu tenho o DVD dela” “De correr, de pega-pega e

de mamãe e filhinha (...). Brinco de “Pica-Pau”28

e “Hello Kitty”, porque as

minhas amigas também gostam desses desenhos” (GSJ, 5 anos, F)

21

Power Rangers é uma franquia de séries infanto-juvenis, produzida pela Saban Entertainment, adaptado de

séries japonesas para outros mercados. Consta de cinco amigos, que lutam para salvar o planeta, para isso, se

transformam em Rangers rosa, amarelo, azul, verde e vermelho. 22

É um estilo de dança, proveniente de música eletrônica, com movimentos de braços e pernas soltas e deslizam

pelo solo. 23

―As Meninas Super Poderosas‖ é um desenho animado americano, a animação foi criada por Craig

McCracken, e produzida inicialmente por Hanna-Barbera em 1998, e mais tarde em 2004 pelo Cartoon Network.

A série narra a luta contra os monstros de Townsville por Blossom, Bubbles e Buttercup, três irmãs nascidas

com poderes sobre-humanos a partir de um acidente químico num experimento realizado por seu pai. 24

É uma boneca e um desenho animado. As bonecas como os desenhos são temáticos, marcado pela associação

ao padrão de estética e de moda. 25

É um desenho animado educativo, onde a personagem principal é a Dora que participa de diversas aventuras

com seus amiguinhos Botas e Map. 26

Bakugan é um desenho animado produzido pela TMS Entertainment e Japan Vistec. O desenho gira em torno

de um grupo de adolescentes intitulados os Guerreiros da Batalha. Eles possuem monstros de outra dimensão,

os Bakugans. Inicialmente, eles eram usados como simples brinquedos, mas logo se mostraram ser criaturas reais

que lutam para manter a harmonia de sua dimensão, Vestroia. 27

É uma personagem de desenho animado japonesa, criada pela Sanrio, que mostra brincadeiras realizadas por

seu grupo de amiguinhas. Além de ser um a personagem famosa mundialmente, há vários produtos relacionados

à marca Hello Kitty. 28

O Pica-Pau é um personagem de desenho animado criado em 1940 pelo cartunista Walter Lantz e vai ao ar até

hoje, agradando o público com suas aventuras e a risada marcante criada pelo dublado Mel Blanc. Outro

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“No dia que eu não gosto de brincar de brinquedo meu e de pega-pega, eu

brinco de computador, de joguinho, jogo de memória” “Na brinquedoteca,

porque tem panelinha, tem boneca, tem carrinho pra carregar a boneca...”

(HRC, 5 anos, F)

“De boneca, de ursinho, de sapato, de sapatilha, da cinderela... Brinco no

parquinho lá perto da minha casa... eu gosto de assistir desenho” “Na sala

de brinquedo, porque aqui é mais legal porque tem um monte de bonecas

(...). De correr, de mamãe e filhinha” (KSS, 5 anos, F)

“Brinco perto do córrego, a gente joga pedra nos guris e brinco de dançar...

Eu faço brincadeira, brinco de esconde com meu primo e com meu irmão

(...). Mas eu brinco sozinha de carrinho, com meus primos, gosto de brincar

de escolinha” “Eu gosto de vir na brinquedoteca (...). Lá na quadra, porque

é mais grandona (...) gosto muito de brincar, eu fico pegando os guris, os

guris correm e nós pega (...). Brinco também com a S., mas com ela eu

brinco mais normal, sem correr, sentadinha, aí a gente fica conversando...

Sobre os guris, deles jogando bola...” (NCP, 5 anos, F)

“Eu tenho um cachorrinho, vejo ““Bob Esponja””29

, ―Mônica‖30

e “Barbie”

de mentirinha... Eu assisto TV e brinco também... lá no meu quarto (...) eu

assisto “Pica-Pau”, eu tenho um “Pica-Pau” de brinquedo” “Lá na quadra,

eu gosto de jogar bola (...). E na brinquedoteca, porque tem muito

brinquedo” (NVC, 5 anos, F)

“Assisto TV, eu gosto de desenho de alienígena” “Na sala a gente faz outra

coisa, brinca assim com a mão, pica-picolé, de lutinha com o dedo, de

esconde-esconde debaixo das mesas (...). Na brinquedoteca, de boneca,

porque aqui tem muito brinquedo, tem muita boneca, porque aqui tem muita

coisa para brincar” (TYA, 5 anos, F)

“A gente brinca de ser adulta, a gente brinca de pegar bola” “Eu gosto de

brincar na quadra, Eu gosto de bambolê! De roda, de cirandinha, com as

coleguinhas (...). Brinco que penso que tenho asa de borboleta, a gente voa

até o telhado! A minha asa é rosa!” (MES, 5 anos, F)

“De carrinho de boneca, bota a boneca nele e a gente brinca, de boneca, de

escorregador (...). Eu brinco também com a minha prima, de pega-pega, de

esconde-esconde, de escolinha, brinca de fazer banheirinha na nossa casa...

Eu chamo as minhas amiguinhas (...) Eu brinco de casinha, eu finjo que to

fazendo comidinha, eu pego folhinha do quintal” “Aqui na brinquedoteca,

porque tem boneca e carrinho de boneca e tem brinquedo (...). Mas a gente

brinca de rodinha, a gente brinca perto da nossa cadeira (...). Quando a

personagem do desenho é o Zeca Urubu, um urubu malandro e vigarista, que esta sempre dando golpes no Pica-

Pau. 29

Bob Esponja é o principal personagem do desenho animado americano Bob Esponja. Foi criado pelo biólogo

marinho e animador Stephen Hillenburg. Bob Esponja é uma esponja bastante alegre, otimista e um tanto bobo e

ingenuo que vive num abacaxi na Fenda do Bikini, no fundo do mar, junto com seu caracol de estimação, Gary.

Ele trabalha no Krusty Krab (Siri Cascudo), uma lanchonete, juntamente com seu vizinho, Squidward (Lula

Molusco). Os melhores amigos de Bob Esponja são Patrick, uma estrela-do-mar, e Sandy. Seus hobbies

prediletos são soprar bolhas de sabão e caçar águas-vivas. 30

Turma da ―Mônica‖ é um grupo de personagens de história em quadrinhos criado por Mauricio de Sousa no

ano de 1959, nos quais os personagens passam por várias peripécias cotidianas. E a ―Mônica‖ ―Mônica‖ é o

personagem mais conhecido de Mauricio de Sousa. Representa uma menina forte, decidida, que não leva

desaforo pra casa, mas ao mesmo tempo, tem momentos de feminilidade e poesia.

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professora sai, eu brinco, a gente brinca de pega-pega, aí quando a

professora chega a gente corre para a nossa cadeira” (PFB, 5 anos, F)

Percebemos que quando brincam sozinhas, na maioria das vezes estão em casa, se

divertem com brinquedos, brincadeiras de faz-de-conta, com o próprio corpo, com o

computador, videogame, TV com seus desenhos animados e filmes de DVD.

Uma das crianças fez questão de enfatizar que só pode brincar de desenho em casa.

Provavelmente isso foi dito pelo fato de ter mais liberdade, ter a TV a qualquer momento para

amparar e criar novas brincadeiras a partir dos desenhos que gostam de assistir e não ter quem

os impeçam de brincar, já que na escola, só podem brincar no recreio e sob supervisão.

E se por acaso tiverem irmãos ou vizinhos com disponibilidade para brincar,

aproveitam ao máximo essa companhia, diversificando e compartilhando atividades

brincantes, pois há determinadas brincadeiras que só podem ser realizadas de forma coletiva.

Além de se divertirem com historinhas, danças, dramatizações e atividades de movimento,

englobando brincadeiras tradicionais e de fantasia, enriquecendo a sua cultura lúdica.

Na escola tendem a se juntar, formando grupos para suas brincadeiras. Esse

comportamento parece corroborar com aquilo que Château (1987) denomina de atração mútua

entre as crianças, produzindo uma socialização natural. A troca de experiências é

compartilhada no evento das brincadeiras.

Figura 04: Na sala de aula, com brinquedos da brinquedoteca

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Os espaços escolares onde as crianças mais gostam de brincar foram: na quadra,

parquinho, pátio e brinquedoteca. Durante o recreio, as crianças aproveitam os ambientes que

a escola proporciona para brincar, os quais elas se divertem e se movimentam praticamente o

tempo todo: jogam bola, correm, pulam corda. Utilizam esse momento para liberar energia, se

movimentar e simplesmente brincar.

A brinquedoteca é um espaço que as crianças aguardam ansiosas, pois tem contato

com brinquedos e durante o momento do recreio e da sala de aula, não tem essa oportunidade.

O brinquedo vai proporcionar à criança diferentes formas de brincar, estimulam a

representação e possibilita que viva o seu imaginário e socialize suas atividades brincantes.

Tem como objetivo principal ―[...] dar a criança um substituto dos objetos reais, para que

possa manipulá-los‖ (KISHIMOTO, 1999, p. 18).

Então, brincam ao arbítrio da imaginação, pois fantasiam, designam papéis, ensaiam

brincadeiras de faz-de-conta, fortalecem laços afetivos e compartilham brincadeiras.

A infância é, conseqüentemente, um momento de apropriação de imagens e de

representações diversas que transitam por diferentes canais. As suas fontes são

muitas. O brinquedo é, com suas especificidades, uma dessas fontes. Se ele traz para

a criança um suporte de ação, de manipulação, de conduta lúdica, traz-lhe, também,

formas e imagens, símbolos para serem manipulados. (BROUGÈRE, 2008, p. 41)

Com isso, podemos estabelecer uma relação do brinquedo como algo maior que a sua

função material, acrescido de toda a sua dimensão simbólica, sendo uma forma de expressão

infantil. Isso mostra que o brinquedo funcionará como um grande mediador para o imaginário

infantil através das representações, significados, comportamentos e simbolismos que as

crianças fazem a partir desse objeto, levando-as a situações e experiências variadas que só

acontecem em seu mundo de fantasia.

De acordo com a descrição feita pelas próprias crianças, das diversas brincadeiras que

realizam, tanto em casa como na escola, podemos a partir dessas falas subdividi-las em três

grupos principais de brincadeiras: a) tradicionais, b) simbólicas e c) contemporâneas.

As brincadeiras tradicionais se caracterizam essencialmente por terem sido repassadas

de geração em geração, por isso são popularmente conhecidas, como é o caso do esconde-

esconde, brincadeira do picolé, do babalu, de pega-pega, pular corda, bambolê, brincadeiras

de roda e também o jogo com bola, brincando de bobinho e de chute ao gol. Esses tipos de

brincadeiras desenvolvem a criança de uma maneira global, estimulam à imaginação, a

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socialização entre as crianças, a tomada de iniciativa, unindo a mente e o corpo para que a

brincadeira de fato se efetive.

Figura 05: Na hora do recreio, meninas pulando corda

Para essas crianças que vivem em um zeitgeist com características ―pós-modernas‖ de

desprendimentos e não apego às coisas antigas, e passam horas rodeadas de tecnologia, por

meio da TV, computador e videogame, isto é, envolvidas com um mundo virtual, vemos que,

em contrapartida, ainda carregam tradições e brincam com os seus próprios movimentos

corporais e brincadeiras de rua, se divertindo com brincadeiras próprias da cultura infantil.

Como retratado na imagem abaixo:

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Figura 06: Brincando de pique-esconde, aliada a um recurso lúdico: vendando os olhos

As brincadeiras simbólicas apresentam grande foco no faz-de-conta, na imaginação e

no uso de recursos do meio em que a criança vive para fazer parte da sua brincadeira. Quando

falam e brincam de piques que viram leões e macacos, que vão destruir a cidade eles fazem

uso desse artifício da imaginação para criar um enredo como plano de fundo para as

brincadeiras tradicionais, como o pique-pega.

Quando a criança contou sobre a sua experiência brincante de adquirir asas de

borboleta, conseguindo dar realmente asas a sua imaginação e voar até o telhado, retratou o

poder e a natureza livre da brincadeira, funcionando como um instrumento de

desenvolvimento para o imaginário.

Outro aspecto importante é quando brincam com as mãos de luta, construindo um

momento imaginado a partir de fontes brincantes, como os desenhos animados e filmes

infantis, incorporando interesses e episódios de seu cotidiano e mundo simbólico.

É a impregnação cultural que vai influenciar e compor esse momento brincante,

quando a criança se apodera e se confronta com os elementos da sua cultura ou da sociedade

para usar na brincadeira, ―[...] essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem

universos imaginários‖ (BROUGÈRE, 2008, p. 40).

Observamos a grande utilização de brinquedos nas brincadeiras de faz-de-conta,

principalmente por parte das meninas. Aparece constantemente à presença da boneca e do

carrinho de boneca, o brincar de escola, fruto de suas experiências do dia-a-dia, além de

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brincadeiras como mamãe e filhinha, inspirações em cenas do cotidiano, no brincar de levar

para passear e panelinha, de fogãozinho, quando se brinca de fazer comida.

Esses tipos de brincadeiras reproduzem o cotidiano das meninas, de forma adaptada, o

ambiente doméstico que são as representações e a imaginação do mundo feminino.

O universo do brinquedo feminino é, nesse aspecto, muito interessante por tratar-se

daquele considerado como tal pela sociedade, pelas crianças, pelos pais, pelos

comerciantes, independente das brincadeiras efetivas mais abertas à diversidade:

privilegia o espaço familiar da casa, o universo ―feminino‖ tradicional em

detrimento do externo, do universo do trabalho. (BROUGÈRE, 2008, p. 43)

Vale ressaltar a importância dada à atividade do adulto, brincar de bombeiro, brincar

de ser adulto, de ser mãe, professora, de atividades domésticas, funcionando como o princípio

motor do jogo infantil, buscando inspiração em um futuro desejado, quando suas brincadeiras

são condicionadas pelo apelo do mais velho (CHÂTEAU, 1987).

Em relação às brincadeiras contemporâneas, as crianças acabam se apropriando de

elementos da cultura atual para fazer parte da cultura lúdica infantil, se confrontando com

objetos tecnológicos, imagens e uma realidade virtual. E aspectos como o consumo e a

tecnologia exercem uma forte influência no brincar da criança dos dias de hoje. Isso provoca

alterações ou transformações na socialização, na visão de mundo, nos valores e tradição.

Em contrapartida, não podemos esquecer que vivemos em uma sociedade com

características da dita ―pós-modernidade‖, que se apresenta em constantes transformações, e

as brincadeiras e condutas lúdicas exibem uma dimensão de atualização de acordo com o que

mercado de consumo oferece, com traços de sofisticação, sedução e efemeridade.

Nota-se que o componente televisivo permeia as brincadeiras das crianças, quando

falam no gosto por assistir TV, principalmente quando ligam esses conteúdos de gêneros

televisivos, como é o caso do desenho animado em suas brincadeiras, criando situações

imaginadas.

Ao falar de brincar de ―Poderosa‖, a criança se refere ao desenho animado: ―As

Meninas Super-Poderosas‖. Apresentando uma transferência espontânea do que se assiste na

TV, ela transporta a sua realidade brincante, devido a uma estimulação dada pela influência

do componente lúdico na cultura contemporânea infantil.

Quando citam que brincam de “Copa-Pistão”, relatam partes de cenas do filme

―Carros‖31

(2006), é uma competição automobilística que é realizada no filme. Entretanto, a

31

―Carros‖ é um filme infantil de animação do ano de 2006, produzido pela Pixar Animation Studios e

distribuído pela Walt Disney Pictures.

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brincadeira ocorre utilizando a corrida de velocidade e o próprio corpo como o veículo:

disputando, imitando o ronco dos motores e escolhendo seus personagens preferidos para

atuar na “Copa-Pistão”.

[...] o sentido do jogo, veiculado nos tempos atuais, como um meio de expressão de

qualidades espontâneas ou naturais da criança, como recriação, momento adequado

para observar a criança, que expressa através dele sua natureza psicológica e

inclinações. Tal concepção mantém o jogo à margem da atividade educativa, mas

sublinha sua espontaneidade. (KISHIMOTO, 1999, p. 29)

A influência do desenho animado na brincadeira evidencia a pouca passividade nos

momentos brincantes, pois há uma estrutura de modo a iniciar e a organizar a mesma. De fato,

as crianças passam horas na frente da TV, porém, quando vão brincar, usam essas imagens, o

movimento e a imaginação como recurso brincante, a fim de dar forma às suas ideias e sem

artificialismos, em quaisquer ambientes que possam ocorrer eventos lúdicos.

3.3 O desenho animado na brincadeira

EPISÓDIO 03: Brincando de “Homem Aranha”

Algumas crianças, dentre eles meninos e meninas, formaram um grupinho no fundo da sala e

começaram a dialogar e a gesticular movimentos de um determinado desenho animado.

Um menino falou:

― Ei, vamos brincar assim ó!?

― Vamos brincar de “Homem Aranha”...

As crianças estavam envolvidas com a brincadeira: meninos e meninas brincando com gestos do “Homem

Aranha”, fazendo socos e chutes em câmera lenta. Entretanto, não tiravam os olhos da professora para ver se

ela estava vendo. Em dado momento, a professora os viu e logo a brincadeira se dissipou.

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Figura 07: Criança imitando o gesto do “Homem Aranha” de soltar a teia

A brincadeira assume várias formas, seja nas brincadeiras tradicionais, de faz-de-conta

e também nas brincadeiras que surgem por meio dos desenhos animados. Não podemos

descartar que a televisão, a partir de seu conteúdo, principalmente os desenhos animados, faz

parte da cultura lúdica das crianças, uma vez que estas passam muito tempo expostas aos seus

produtos e permite que interaja simbolicamente com as imagens que são fornecidas.

Observando o terceiro episódio, ―Brincando de “Homem Aranha”, percebemos a

estrutura da brincadeira baseada em um grupo misto brincando de um desenho animado de

super-herói, funcionando como uma ligação entre as crianças.

Em seguida, percebe-se o rito de início da brincadeira que convida quem está disposto

a brincar, e assim, entram na roda, demonstrando uma dos traços da brincadeira, a

espontaneidade e a liberdade no ato lúdico.

A fonte do brincar neste momento é o personagem do “Homem Aranha” que as

crianças transferem para o ambiente brincante onde estão inseridas e vêm acompanhadas de

seus diálogos e comportamentos específicos, como a tentativa de salvar pessoas, de pelo seu

poder de soltar teia e a posição agachada, pronto para saltar em qualquer local, pendurado

somente por sua teia.

O envolvimento com a brincadeira é nítido, entretanto, brincam vigiando o olhar da

professora, principalmente, quando ligam as brincadeiras de lutar, aparecendo como

brincadeira de “Homem Aranha”, ligando o tradicional com o contemporâneo. Isso se realça

ao demonstrarem movimentos de socos e chutes no ar e de disputa, revelando a idiossincrasia

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da brincadeira. Ou seja, forma-se um conjunto de narrativas sócio-culturais presentes na troca

de repertórios brincantes, de desenhos animados e de filmes, fortalecendo e inspirando suas

brincadeiras por meio de suas ações lúdicas.

Com isso, as manifestações contemporâneas do brincar a partir dos desenhos animados

vão surgindo através de diálogos, imitações de cenários, criações e adaptações de personagens

e ambientes, e assim, surgem novas interações e brincadeiras.

Para Brougère (1998a) é importante observar como a criança se relaciona com a

cultura de seu tempo, no modo como está aberta a novos estímulos e aprendizados com a

cultura que se insere, ao dialogar sobre o que faz na sua realidade e como brinca, mostrando a

sua vontade em compartilhar suas experiências brincantes.

Em um trecho das falas, foram perguntados sobre a preferência por desenhos

animados, se brincavam com esses desenhos e como brincavam. As respostas foram às

seguintes:

Eu gosto do “Gormit”32

... Brinco com os bonequinhos de luta... Eu aprendo

a lutar igual os “Gormits” (ALR, 5 anos, M)

Eu brinco de “Shrek”... É assim ó, a gente não chama uma menina pra

brincar? Aí, ela brinca... aí a gente fala: „você quer ser a ―Fiona‖‟, aí ela

quer. „Eu sou o “Shrek”‟. Tem até um ―Dragão Fêmea‖... aí, a gente brinca!

(DCF, 5 anos, M)

De “Ben 10”! Eu brinco! Tem um bicho que quer o relógio do “Ben 10”, aí

ele vira bicho... É... eu penso que sou ele! (IMO, 5 anos, M)

Do “Pica-Pau”... Eu brinco que eu sou o “Pica-Pau”, eu brinco de fazer as

coisas dele, a casinha dele... eu brinco que sou ele! (ACA, 5 anos, F)

Eu gosto de brincar de “Poderosa”... Brinco de lutar, „eu vou dar um jeito

nesses guris‟! Assisto todo dia. É daquele desenho das ―Meninas Super-

Poderosas”. (EGF, 5 anos, F)

Vemos que os desenhos animados por ele citados são exibidos em TV aberta,

proporcionando fácil acesso e grande popularização desses desenhos, o que podemos dizer

que as crianças possuem referências em comum dos desenhos que assistem. Por isso, brincam

e sabem como negociar o andamento da brincadeira, como é o caso do “Shrek”, da ―Fiona‖ e

32

A série animada Gormit, foi produzida pelo estúdio francês Marathon. A atração retrata criaturas místicas,

vindas de elementos naturais, como a água, o fogo, a terra e o ar. Aborda a missão de quatro jovens para salvar o

planeta dos Gormitis de criaturas cruéis que habitam um mundo paralelo.

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do ―Dragão Fêmea‖, onde há diferentes personagens e situações nos quais eles estão

envolvidos.

Outro aspecto importante dentro das brincadeiras é a imitação presente ao reproduzir

seus comportamentos, como é o caso do “Pica-Pau”, seu riso marcante, o picar árvore e a

fuga durante o decorrer do desenho, mostrando que suas atitudes específicas é o que

conduzem à brincadeira.

O componente da luta fica patente nas falas das crianças, quando ressaltam o

aprendizado de lutar e a vontade de mostrar superioridade como nos desenhos animados

“Gormit”, “Ben 10” e ―Meninas Super-Poderosas‖. Poderia ser algo preocupante,

demonstrando atitudes de agressividade por parte das crianças, entretanto, Jones (2004)

procura desmistificar o apelo do entretenimento violento na vida dos pequenos, que serve

como dissipador de energia e angústias da vida real das crianças.

O tema violência aparece freqüentemente durante as brincadeiras infantis, porém, é

realizada em um plano simbólico, representando comportamentos agressivos juntamente com

os lúdicos. Se houver experiências realmente violentas não há como ter brincadeira, passou

para o plano real, saindo do aspecto ficcional.

A criança sabe distinguir o que é brincadeira do que é uma briga de verdade. Quando

estão envolvidos na atmosfera brincante, a atividade lúdica revela seus poderes no mundo de

make-believe, que é dominado e limitado pela percepção da criança e do grupo. Entretanto,

quando ultrapassa essa linha imaginária demarcatória, há uma própria interferência do grupo,

comunicando o fato a um adulto.

Quando as crianças brincam de luta ou com a sua própria agressividade através do

conteúdo dos desenhos, talvez utilizem como uma rota de fuga para lidar com a sua própria

realidade (JONES, 2004).

A TV, aparentemente funciona como uma forma lúdica da criança interagir com o

mundo, liberando sua energia, criando fantasias e brincando com os personagens, ou seja, é

um momento que ela se afasta de tudo que a incomoda e entra no seu universo brincante e

nunca é demais repetir Benjamin (1984), que a criança brincando se liberta dos horrores do

mundo adulto.

E essa experiência é adquirida graças à participação em brincadeiras, a observação de

outras crianças e a manipulação de objetos, ou seja, é através do contato direto ou indireto das

interações sociais, que vai contribuir para o enriquecimento da sua formação brincante, sendo

um co-construtor nesse processo simbólico.

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É através das brincadeiras que a criança constrói conceitos e valores e a imaginação

cria novas formas de ver o mundo, de se expressar, de agir e de interagir com outros sujeitos e

com o que está a sua volta, por meio de diferentes dimensões que desenvolvem o ser brincante

integralmente:

[...] o desenvolvimento da linguagem: onde é um canal de comunicação de

pensamentos e sentimentos. O desenvolvimento da moral: é um processo de

construção de regras numa relação de confiança e respeito. O desenvolvimento

cognitivo: dá acesso a um maior número de informações para que, de modo

diferente, possam surgir novas situações. O desenvolvimento afetivo: onde facilitem

a expressão de seus afetos e suas emoções. O desenvolvimento físico-motor:

explorando o corpo e o espaço a fim de interagir no seu meio integralmente.

(FRIEDMANN, 1996, p. 27)

Deste modo, a palavra-chave desta categoria, poderíamos dizer que é a transformação,

na qual crianças brincam de serem outros seres como alienígenas, bichos, monstros para

brincar, super-heróis, e assim, imitam, guerreiam e adaptam suas brincadeiras para o universo

contemporâneo, mostrando como o desenho animado envolve, funciona, se desenvolve e

influencia a brincadeira.

3.4 A força do imaginário infantil

EPISÓDIO 04: Sonho com “Ben 10”

Sabe, minha mãe me deu um “Ben 10” e eu o coloquei na geladeira. De noite, ele veio para a minha cama,

se transformou em ―Quatro-braços‖ e eu lutei com ele, ele pegou no meu braço e eu acabei com ele.

As crianças vêem, absorvem e reproduzem muitas das imagens e linguagens que estão

acostumadas a presenciar em seu cotidiano, sobretudo o que elas assistem na TV. Dessa

forma, não é judicioso dizer que elas se tornam mais suscetíveis às influências e menos

críticas ao que chegam até elas, porque elegem o status de consumidoras.

E quando pensamos nesse consumo, o que vem em nossa mente é uma fartura de

informações e imagens que a TV produz e dispõe a cada segundo para todos aqueles que

fazem dela um instrumento de diversão, como é o caso das crianças. São impregnadas pela

cultura atual e influências que estão implícitas nessa relação telespectador-TV.

Assim, cada criança decorre por diversas fases para conseguir se adequar

culturalmente a sociedade, passando pelo contato com o aprendizado maternal, o aprendizado

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juvenil (englobando a infância e a adolescência), e posteriormente, o aprendizado adulto.

Entretanto, é no aprendizado que ocorre durante a infância que a criança adquire e desenvolve

o seu capital cultural e opta pelos seus arquétipos sociais, se humanizando através da

complexidade instável dos seus atos (MORIN, 2000).

Esse aprendizado pode expressar uma linguagem singular, quando as crianças em fase

de interação umas com as outras, com a sua realidade particular e todos os elementos que a

compõem (brinquedos, televisão, videogame, etc.), contribuem para a produção da cultura

infantil e o estímulo do seu imaginário, que são percebidas de acordo com cada contexto.

Com isso, a cultura conquista um duplo capital: um capital técnico, de saberes e de

saber-fazer, que pode ser transmitido de geração em geração, e também, um capital

específico, que constitui a identidade original de cada indivíduo, ligado a interação social. E

esse capital cultural assegura a conservação da complexidade social, bem como perpetua para

as seguintes gerações, reproduzindo a carga cultural de cada indivíduo, que vai levá-lo a

construir a sua formação, seus valores e o seu ser social.

Ao discorrer sobre o capital técnico relacionado à infância logo pensamos nas

brincadeiras tradicionais, passadas pelos mais experientes às crianças, possibilitando esse

aprendizado cultural no seio familiar, na interação brincante com outras crianças e no

ambiente escolar.

E o capital específico ficará a cargo do ambiente que a criança se insere, devido ao

contato com experiências ou artefatos diferentes que das gerações anteriores, possibilitando

influenciar suas brincadeiras, produzindo uma identidade para aquela determinada sociedade

infantil, revelando uma cultura lúdica característica.

Essas influências são manifestadas no quarto episódio, ―Sonho com “Ben 10”, por

brincarem com um personagem de desenho animado, e metaforicamente, consumirem esse

produto imagético ao ponto de guardarem na geladeira e usar somente no momento oportuno,

expressando seu poder de imaginação.

A vontade de compartilhar seus devaneios, veio no momento em que a criança revela

seus pensamentos e fantasias, com o desejo de brincar concretamente com o personagem.

Saem de uma realidade televisiva e entram em uma esfera cotidiana, manifestando aspectos

profundos da brincadeira fantasmagórica, misturando: o real com o fictício, o possível com o

impossível, a afeição com a agressividade, o forte com o fraco.

Esses aspectos se ligam às brincadeiras de guerra propostas por Brougère (2008, p.

79), que permitem ―[...] exprimir essa agressividade de modo legítimo e, sobretudo, aceitável

pelo seu meio‖, unindo a todos esses elementos, a sensação de poder, de força, de vencer o

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seu maior ídolo, seu ser mítico, o “Ben 10”, transformado em ―Quatro-braços‖, representando

uma relação simbólica entre a brincadeira e o desejo de ser forte.

Isso nos ajudar a refletir sobre a trívia relação entre criança, o desenho animado e a

cultura, a fim de perceber como a criança se relaciona com a cultura contemporânea e o

sentido e a força do desenho animado no imaginário infantil.

Ao perguntar para as crianças mais profundamente sobre o porquê que elas gostam de

determinados desenhos e que fato lhes chama mais a atenção, as respostas foram as mais

diversas:

Eu gosto é do “Ben 10”! Porque ele vira “Ben 10”! ele vira bicho, vira

quatro braços, vira gosma... Ele também vira um monstrinho pequeno e ele

corre, e sobe na parede, vira “Homem Aranha”33

e vira fogo... Ele quebra

tudo! Ele tem um relógio, aperta assim e ele vira um bicho. Eu gosto mesmo

quando ele vira monstro! Quando os bandidos vêm pra pegar ele, ele joga os

bandidos na parede (paf, puf), ele pega os ―Carros‖ pesados, ele é super

forte. (AFR, 5 anos, M)

Do “Power Rangers”! Porque eles são muito coloridos eu gosto do azul, do

vermelho e do branco (...) ele tem uma espada, ele pode até lutar, ele tem

arma de fogo! Eu brinco de lutar, tem um gurizinho que manda eu lutar, aí

eu brinco com ele... Aí, outras crianças falam, „você quer brincar de “Power

Rangers”?‟, aí, as meninas sempre querem ser a “Power Rangers” rosa, e eu

escolho ser o vermelho... Eu escolho o azul e o vermelho, porque ele tem uma

espada grande, é grandão... (DCF, 5 anos, M)

Do “Ben 10”! Eu tenho o jogo dele, ele tem aliens, ele vira aliens, é legal!

Ele tem um relógio e pode virar qualquer alien... Com as massinhas... coloca

aqui (no braço) e a gente brinca e aí a gente vira alien... (...) Também tem o

“Power Rangers”, tenho brinquedo do “Power Rangers”, eu gosto do

vermelho, porque ele tem uma espada! Brinco assim... matando os monstros,

de salvar as pessoas, de resgate... (EAM, 5 anos, M)

Da “Dora”! Ela encontra os bichinhos que quer ir para um lugar, aí depois,

ela leva e fala: „ a gente vai ajudar vocês! Qual o caminho mais rápido para

ir?‟ Ela tem um mapa que consegue tudo! Aí alguém fica falando até dá a

hora, ou é na cobra que espirra ou em outro lugar. Aí se chegar no lugar,

canta uma musiquinha, „conseguimos!‟ (HRC, 5 anos, F)

O “Ben 10” vira bicho! Ele anda no escuro e voa! É... sou ele! Brinco

assim... tem um bicho que quer o relógio dele, aí ele vira bicho... Eu tenho

um relógio desse! (IMO, 5 anos, M)

“Escola para Cachorro”34

. Os cachorros falam, eles falam qualquer coisa...

Eles enfrentam um homem que é gente grande, ele tem de enfrentar o cara

grande, ele é um bicho, e tem um negoção assim, e todo mundo fala, até o

passarinho e eles lutam! (KMK, 5 anos, M)

Rir, „baixa‟ o “Pica-Pau” e brinca com ele! O “Pica-Pau” brinca assim: o

“Pica-Pau” corre, não corre? Aí, o homem não vai atrás do “Pica-Pau”,

então, esse que é o pega-pega de “Pica-Pau”! Quando o “Pica-Pau” faz

33

Homem-Aranha é um personagem Marvel Comics. É um dos mais importantes e populares super-heróis das

histórias em quadrinhos, séries animadas, filmes, jogos e outras formas de mídia. É a identidade secreta de Peter

Parker, foi picado por uma aranha geneticamente alterada. Ela havia sido exposta à radioatividade e por isso

provocou mutações no organismo de Peter. Começa a utilizar seus poderes para combater o crime na cidade de

Nova York e faz sua própria identidade secreta e roupas para o disfarce. 34

Escola pra Cachorro é uma série animada que mostram cinco cãezinhos que passam o dia em uma "creche"

para animais, onde brincam, aprendem e fazem muitas amizades.

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lêlele (riso) para o bicho, aí o bicho correu atrás do “Pica-Pau”, aí o bicho

veio e ele saiu e correu! (NVC, 5 anos, F)

Do “Power Rangers”! Porque ele é o mais legal! Eu gosto mais do vermelho,

porque ele é o mais massa! Porque ele tem um furador que fura, porque ele é

mais bonito! Ele fala que o Zord está carregado, aí todos os bichos vão

embora! O azul é muito sem graça... (...) Gosto do “Power Rangers” porque

ele luta toda vez! (...) Eu também gosto de “Tom e Jerry”, ele é legal! Ele faz

umas aventuras, o cachorro corre atrás do Tom e do Jerry! Eu brinco com a

minha irmãzinha, ela é o Tom e eu sou o Jerry! (PHA, 5 anos. M)

O “Ben 10”, porque ele tem um relógio bem aqui (mostrou o braço). Ele

vira os aliens, tem fogo, gelo, assombração, quatro braços, besta, eles batem

nos caras que ficam roubando... Eu gosto quando ele vira monstro, porque

eu quero ter um relógio igual o dele, porque eu sou grandão, o “Ben 10”

também é, por isso que eu quero um relógio grandão igual do “Ben 10”! Eu

brinco que eu tô virando besta, quatro braços, viro aquático... (VAS, 5 anos,

M)

Tem o “Bakugan” e o “Pica-Pau”. Eu brinco com os dois. Essa brincadeira

é assim, ó: o “Pica-Pau” era do mal, eu era do bem, e também o “Bakugan”

era do bem, então o “Bakugan” derrota o “Pica-Pau”, porque o “Pica-Pau”

não tem poder. (JVF, 5 anos, M)

Eu gosto de assistir “Pica-Pau”, ele tem uma risadinha assim ó, parapararã,

ele pica alguém. Brinco, o “Pica-Pau” voa! Ah, tem também o “Ben 10”,

massa! Ele tem um relógio no pulso dele, ele faz assim no braço dele, pra

virar um dinossauro, quatro braços! Quando ele vira monstro, ele é perigoso

demais! Acaba a bateria do relógio dele, e ele acha outro! (YSP, 5 anos, M)

Percebemos que os desenhos animados mais citados pelas crianças foram os “Power

Rangers”, ―Meninas Super-Poderosas‖, “Ben 10”, “Pica-Pau”, “Dora”, “Escola para

Cachorro”, “Tom e Jerry” e “Bakugan”. Cada desenho possui suas características

particulares que chamam a atenção da criança e determinam a sua preferência.

Enquanto participantes dessas inter-relações, recebem influências de diversas

qualidades e níveis para viverem no mundo contemporâneo, mas também, e à sua

maneira, produzem suas influências infantis ao elaborar, recriar, expressar suas

emoções, idéias, histórias junto a seus familiares, colegas, professores, com

significados encontrados em programas assistidos pela TV. (KISHIMOTO, 1999, p.

145)

Isso contribui para que a criança utilize o que está a sua volta e a cultura que ela está

envolvida para compor um repertório de hábitos, valores e brincadeiras, que para os

pequenos, é uma maneira de exercitar inconscientemente sua imaginação e sua aprendizagem.

Os “Power Rangers”, por exemplo, se destacam pelo fato das crianças almejarem

poder, serem grandes, a beleza e as cores dos personagens, o domínio da arte marcial, os

confrontos exibidos nos episódios, por possuírem armas, além da tomada de iniciativa e

comando mostrados no desenho por meio dos personagens-líderes.

São heróis adolescentes que vivem uma realidade bem próxima do cotidiano das

crianças, por isso a identificação: são mais velhos, vão à escola, possuem um laço de amizade

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com outros colegas, praticam esportes e se divertem. Além de estimular o imaginário infantil

com as lutas, o espírito aventureiro e a busca de salvar o planeta das forças do mal.

Todos os aspectos que estão em torno da criança e em suas brincadeiras agem para

aflorar o seu desenvolvimento, se combinam entre si, a fim de estruturar suas funções e

condutas superiores, além da criança ver o adulto como a força motriz das suas brincadeiras e

imaginações (CHÂTEAU, 1987).

Conseguimos perceber esse mesmo ponto também no desenho “Escola para

Cachorro”, onde a criança usa o adulto como algo a ser alcançado ou enfrentado,

transgredindo situações que gostariam de enfrentar ou se aproximar, mas que não podem por

ainda serem crianças. No entanto, em sua imaginação e com o apoio do desenho, elas podem

fantasiar diferentes contextos com o adulto ou o mais velho, transformando-o em uma espécie

de combustível para dar vigor as suas brincadeiras.

Em relação às cores dos “Power Rangers”, essas provocam os sentidos das crianças,

pois se identificam com as tonalidades, personalidades e funções no grupo. Cada personagem

corresponde a uma cor, as meninas ficam com as cores amarela e rosa, na qual a Power

Ranger rosa é a líder das meninas, que toda menina deseja ser. E os meninos ficam com as

cores azul, verde, vermelho.

Em temporadas mais avançadas, sugiram as cores branca, preta e dourada ― onde o

Power Ranger vermelho se sobressai por ser o líder do grupo, que é o personagem mais

disputado entre os meninos nas brincadeiras.

Para Benjamin (1984, p. 11), a criança possui em sua natureza marcas de sua

sensibilidade, misturando diferentes sentimentos no decorrer da brincadeira, ―[...] o ser

humano de pouca idade constrói o seu próprio universo, capaz de incluir lances de pureza e

ingenuidade, sem eliminar, todavia a agressividade, resistência, perversidade, humor, vontade

de domínio e mando.‖

Confirma-se esse fato com as crianças enquanto brincam de “Power Rangers”, se

apóiam no enredo do desenho, e assim, conseguem exercitar o imaginário e o corpo. Brincam,

treinam e aprendem a lutar, se sentem fortes, capazes de proteger o mundo. Usam armas como

espada e bazucas, como acessórios lúdicos. Idealizam o adulto, desejando serem grandes,

bonitos, musculosos e populares, que são peculiaridades somente dos líderes, de quem

comanda o grupo, da autoridade máxima, que seria o Power Ranger vermelho, qualquer outra

cor, é apenas um auxiliar, como as crianças mesmo disseram, são sem graça, não possuem a

mesma energia e autoconfiança do condutor do grupo.

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Desse modo, a brincadeira para a criança é nada mais do que um ambiente onde ela

consegue projetar a sua fantasia e a sua imaginação, com características de repetição, de

seriedade, de inocência e de vestígios da geração mais velha. E também, um espaço que

transparece uma espécie de libertação e de realização no momento da brincadeira,

contribuindo para a formação de sua personalidade.

Com o desenho ―Ben 10‖, a situação não é diferente, mas agora temos um herói

infantil, uma criança de dez anos de idade, que se transforma em diferentes monstros após ter

encontrado um relógio com poderes para transformá-lo em dez aliens diferentes. Vive

aventuras, se transforma em alienígenas e enfrenta grandes vilões e ainda consegue conciliar

com um cotidiano de uma criança normal: estuda, passeia com seu avô e se diverte com a sua

prima.

Esse desenho mostra a magia de ser um herói mirim, com o poder nas mãos para

salvar e ajudar as pessoas, derrotar o inimigo, os alienígenas que decidem atacar a Terra e

tentam a qualquer custo recuperar o relógio. Essa criança detém a responsabilidade de

proteger o planeta.

Às vezes temos a impressão que Ben é um alienígena, mas na verdade o relógio que

ele encontrou que guarda as informações genéticas, o DNA dos 10 aliens que ele se

transforma para salvar o planeta. Contudo, não perde a alma de criança, brinca, faz peripécias

e se diverte com seu avô e sua prima.

As aventuras pelas quais ―Ben 10‖ vive, desperta nas crianças a fantasia de se

transformar em monstros, de passar por experiências arriscadas, de confrontos, de superar

desafios e participar de um mundo bem diferente e fabuloso, repleto de possibilidades

imaginárias com o auxílio de um relógio que faz o desejo tomar forma, como apresentado na

figura abaixo:

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Figura 08: Simulando o gesto de bater no relógio do ―Ben 10‖ e se transformar em um alienígena

Então, com a brincadeira de imaginar, adquirem poderes, força, de levantar um carro,

podem voar, não tem medo de nada, nem de escuro e nem de monstros, disseminado o mito

do herói invencível, corajoso e temido, demonstrando a vontade de ser como ele. Isso se

confirma quando uma das crianças diz que “Ben 10”, quando vira um alien, ―é perigoso

demais!‖.

A questão da transformação e da imaginação bastante enfocada no desenho do “Ben

10” gira em torno de a criança poder ser algo que no mundo real isso não poderia acontecer,

por isso, o que eles acham mais interessante, é quando Ben se transforma em algum tipo de

alienígena, como é o caso do alien ―Quatro-braços‖, bem citado pelas crianças.

E no calor do momento de suas brincadeiras, as crianças chegam a misturar os

desenhos, realizando uma espécie de mutação, por exemplo, quando juntam o “Ben 10” com

o “Homem Aranha”, que em seus respectivos desenhos eles não estão interligados. Porém,

com a força e a vontade de sua imaginação, entra em sua brincadeira o que eles querem e

sentem necessidade. E por que não trazer dois personagens que fazem parte de seu imaginário

e do seu repertório de desenhos animados preferidos para brincar juntos? Então, misturam

enredos e cenas e podem ser tão poderosos e destemidos quanto desejam, confirmando essa

força quando dizem: ―ele quebra tudo!‖.

E a aproximação da idade e da linguagem exibida no desenho, facilita a identificação

das crianças com o personagem “Ben 10”, uma criança aparentemente normal, no entanto

com superpoderes. Que criança não queria ser assim? E isso alimenta o imaginário infantil,

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principalmente por causa da riqueza de detalhes em cada cena, de suas aventuras, das roupas

que ele veste, do tipo de corte de cabelo que ele usa e de seus acessórios.

Isso tudo gerou um aspecto fantasmagórico, apresentando características de fantasia,

apoiado no ―[...] caráter das formas de jogo fantasmagórico que é aludido pelo material no

folclore das crianças bem como pelas histórias infantis e devaneios‖ (SUTTON-SMITH,

2001, p.171) e também outra visão sobre o que também pode acompanhar e influenciar as

crianças e o seu comportamento.

Apresenta uma tendência a uma linguagem e acesso global, de vários aspectos

interligados, que estão intrínsecos nos desenhos animados. Pode ser representado no sentido

de ter ao mesmo tempo em diferentes produtos: uma linguagem lúdica que atrai as crianças

através do acesso a TV por meio dos desenhos animados; do videogame com jogos

relacionados ao desenho; do DVD com filmes e séries infantis; com o computador com acesso

a internet e jogos online sobre os desenhos; brinquedos relacionados ao desenho, além de

vestimentas (roupas, sapatos, mochilas), material escolar, de higiene e produtos alimentícios,

entre outros artefatos que fazem parte do mundo infantil e dos desenhos animados.

Ou seja, uma grande quantidade de produtos que levam as crianças cada vez mais

serem consumistas não só do desenho, mas de tudo que vem com ele. A publicidade alcançou

um patamar tão grande dentro da cultura infantil que passa a se apropriar do desenho animado

para expandir uma grande quantidade de mercadorias relacionada ao desenho, mexendo com

os sentimentos e os desejos infantis.

Transformam a imaginação das crianças em algo concreto, material, que possui um

valor comercial, ou seja, em consumo. E podemos ir mais longe, na verdade, em um consumo

deliberado, pois a criança não se contenta em ter um dos personagens, no caso o “Ben 10”,

mas ela quer também os monstros que ele se transforma e seus vilões, e logo sairão outros

para que sejam consumidos, colecionados e depois deixados de lado, pois virá outro desenho-

febre. E o que fazer com esse descarte e essa vontade de consumir das crianças? São as

cicatrizes do espectro da ―pós-modernidade‖.

EPISÓDIO 05: Produtos dos desenhos animados

Em certo momento no recreio, as crianças ficaram em torno de mim e uma das meninas contou que

estava usando óculos e as crianças da turma que estavam próximas entraram na conversa e compartilharam

seus produtos de desenhos animados favoritos.

― Tia, meu óculo é da “Turma da ―Mônica‖”!

― Eu gosto do “Homem Aranha”, ele solta teia! Olha a meia que eu comprei no shopping, é do “Homem

Aranha”!

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― Minha sandália é nova! Eu aperto aqui e ando rapidão, igual o „―Carros‖‟!

Neste momento imitou barulho e a velocidade enquanto estava andando. Esse mesmo comportamento

também é esboçado quando os meninos se deslocam dentro da sala de aula e pelo pátio da escola, mostrando o

envolvimento do produto, do desenho e da brincadeira.

As crianças ao adquirirem produtos relacionados ao desenho agem muitas vezes pelo

desejo, por impulso e por consumo, são facilmente persuadidas pelo que aparece na TV, pelo

fato das imagens oferecerem para as crianças uma maneira de dar vida ao imaginário infantil.

Com isso, cria-se um espaço maior para a publicidade, com o aumento da freqüência de

anúncios publicitários e produtos sobre os desenhos animados.

Sem dúvida, ficam vidradas, querem ver, saber e ter as novidades dos seus desenhos

preferidos. Essa publicidade, com uma linguagem simples e lúdica, incita o emocional das

crianças, convencendo-as sobre a possibilidade de brincar e de ser o seu desenho favorito a

partir do momento que conquistam o produto visto e anunciado.

Isso é notado quando as crianças no quinto episódio, ―Produtos dos desenhos

animados‖, falam e compartilham suas experiências e produtos com as outras crianças,

deixam claro, que escolheram determinado produto, pelo fato de estar diretamente relacionado

ao desenho ou personagem favorito.

Mas por que escolher esses personagens e não outros? Pressupõe-se que esses

personagens sugerem força, velocidade, capacidade de voar, de ser invencível e de ter

poderes. Por meio disso, as crianças fantasiam e imitam seus comportamentos, apresentando

um envolvimento íntimo com o desenho no desenrolar da brincadeira e até de características

que podem esboçar ao longo de uma trajetória dentro do espaço escolar (por exemplo, da sala

para o pátio), conscientemente ou não, atingidos por uma atitude lúdica.

Em contrapartida, verificamos o quanto que as crianças ficam empolgadas ao falar

sobre os desenhos, o que os personagens fazem, o que mais lhe atraem, e como brincam.

Demonstrando o envolvimento e o fascínio com o desenho animado, fazendo com que essa

fantasia passe a habitar a sua realidade toda vez que ela deseja ou assiste, constituindo suas

brincadeiras.

Outro desenho animado que fascina as crianças, é o desenho “Pica-Pau”, embora seja

mais antigo também desperta grande interesse das crianças. Percebe-se que elas gostam de

imitar o seu riso, característica marcante do desenho, além de cenas com o “Zeca Urubu”, em

situações de peripécias, de fuga e também cômicas.

Em cenas que o “Pica-Pau” tenta fugir do “Zeca Urubu” e usa como deboche o seu

sorriso, é uma forma que as crianças utilizam para fazer do desenho animado uma brincadeira,

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chamada por elas de pega-pega de “Pica-Pau”. É como se elas realmente fizessem o

download do personagem em si mesmas, incorporando-o para brincar.

Analisando por outro ângulo o desenho animado “Pica-Pau”, observamos que este

personagem ora se confunde com herói ora com vilão: sempre tenta levar vantagem, sabota o

“Zeca Urubu”, sofre e realiza atos agressivos, apresenta certa dose de erotismo, o “Pica-Pau”

sempre vence no fim, ou seja, passa poucos valores para quem o assiste.

Entretanto, tanto os professores quanto os pais poderiam usar esses conteúdos para

discutir com as crianças, a fim de trabalhar, por exemplo: a agressividade, solidariedade,

respeito, amizade, dentre outros pontos.

No entanto, as crianças não falam desses tipos de atitudes do desenho, talvez por não

perceberem, por não terem aguçado o senso de criticidade durante esta idade, é involuntário,

contudo, pode ser notado em suas atitudes através de comportamentos agressivos e egoístas,

por exemplo. Então, nada que um bom diálogo e a observação de comportamentos não

possam ajudar, já que passam horas o assistindo.

Um fato que chamou a atenção foi quando uma criança citou a união do “Pica-Pau”

com outro desenho animado, o “Bakugan”, onde a essência desse desenho é criar situações de

batalha com cards e bolas que viram os monstros ou robôs, indo para uma realidade paralela

dentro do próprio desenho, dando margem a frutificar o imaginário.

No desenho animado “Bakugan”, as cenas de lutas acontecem quase o tempo todo,

porém, são realizadas de uma maneira virtual, através dos cards, das bolas de “Bakugan” e

dos elementos luz, fogo, terra, água, vento, trevas, que estão presentes no desenho como

forma de poder.

Algo interessante também é o fator surpresa, com as bolinhas explosivas de

“Bakugan”, elas se transformam de bolas em monstros em um piscar de olhos, sem o uso de

nenhum dispositivo manual, fazendo com que a criança imagine que o brinquedo

praticamente tem vida própria, uma magia quase inexplicável para elas, se surpreendem a

cada transformação.

Contudo, a magia consiste no magnetismo que possui nos cards, e no momento da

brincadeira, quando o jogador lança a sua bolinha de “Bakugan” sobre o card magnetizado, a

esfera se transforma em um mostro, fascinando as crianças com o jogo e colecionando e

consumindo cards e bolinhas de “Bakugan”.

São crianças que controlam o jogo, pensam nas estratégias de luta e na melhor maneira

de vencer, e o telespectador imagina a realização do confronto no campo de batalha,

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oferecendo possibilidades de ser o controlador do jogo, criar outros enredos, misturar

personagens e ser um deles.

Em uma cena de luta como bem frisado pela criança, o “Pica-Pau” era do mal e o

“Bakugan” era do bem, mas o “Pica-Pau” perde por não possuir poder, já que o “Bakugan”

o tem como uma maneira de vencer seus inimigos. Nota-se a importância dada ao poder, de

algo que não se pode ter na vida real, somente no plano do imaginário e do desenho animado,

que deixa o personagem mais forte, dominador e invencível, e vale ressaltar que a criança

escolhe ser o personagem que tem poder.

Em outra vertente, menos agressiva e mais fantasiosa, encontramos o desenho

animado “Dora”, que mostra as aventuras pelas quais uma menina de sete anos de idade

passa junto com seu amiguinho Botas, um macaquinho, que juntos tentam fugir do perigo e

ajudar seus amigos. Para isso, em suas viagens, tentam encontrar soluções, vencer os

obstáculos que aparecem, estão sempre em busca do melhor caminho, e contam com a ajuda

de outro amiguinho, Map, que é um mapa que mostra o melhor percurso a ser seguido.

É um desenho animado que oferece um espaço educativo por meio de ações e

conteúdos pedagógicos, interagindo com quem o assiste através de uma linguagem lúdica e

imagens que reflete a comunicação entre a personagem e a criança-telespectadora,

imaginando suas viagens, aventuras e ainda aprende conteúdos que o ajudam no ambiente

escolar.

Então, os desenhos animados se transformam em um espaço de brincadeira, no

momento em que a criança consegue transferir imagens e símbolos televisivos para a sua

realidade brincante, criando situações, mesclando personagens e enredos, construindo e

depositando elementos a cada novo episódio, fazendo do hábito um instrumento lúdico.

Contudo, esse processo no imaginário infantil irá depender da interpretação da criança

e do sentido que ela vai dar a interiorização do desenho animado. Tem crianças que não se

abalam com o que o desenho transmite, como cenas de luta ou uma competição mais acirrada,

porém, têm outras, que querem reproduzir os mesmos gestos e conceitos em seu ambiente

brincante.

A criança não reproduz tudo que vê em seus desenhos preferidos, porém, a capacidade

de fantasiar proporciona combinações, transformações, inclusões e adaptações, de acordo com

o que convém para a sua brincadeira. De uma maneira ou de outra, a criança terá um laço de

co-construtora da sua própria cultura lúdica, principalmente, quando se trata de desenhos

animados.

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Para isso, os elementos lúdicos devem fazer sentido para a criança e estarem inseridos

dentro de um repertório brincante, possuidor de características tradicionais e atualizadas com

o que ocorre em sua cultura lúdica.

[...] de qualquer modo, a televisão tornou-se uma fornecedora essencial, senão

exclusiva, dos suportes de brincadeira, o que só pode reforçar sua presença junto à

criança. Realmente, a criança não se limita a receber passivamente os conteúdos,

mas reativa-os e se apropria deles através de suas brincadeiras, de maneira idêntica à

apropriação dos papéis sociais e familiares nas brincadeiras de imitação.

(BROUGÈRE, 2008, p. 54).

Por isso, a questão do imaginário infantil se torna tão pertinente na interface atual, pois

possibilita o dinamismo, a produção de fantasias, o envolvimento da criança, e acima de tudo,

a flexibilidade no momento da brincadeira, permitindo a observação do grande poder dos

desenhos animados compondo a cultura lúdica infantil.

3.5 Relação da criança com o desenho animado

EPISÓDIO 06: Sou o “Homem de Ferro”

Sabia que eu sou o “Homem de Ferro”, eu me chamo Tony Stark, ele faz assim com a mão e voa! Ele é

massa, fortão! Ele salva as pessoas e usa fogo para lutar! Ontem eu assisti o desenho, até sonhei... Agora,

eu vou te pegar!

Sabemos que o desenho acompanha o homem desde os seus primórdios, fazendo parte

de sua história: quando desenhavam em pedras, em rochas, dentro de cavernas com suas

pinturas rupestres. Podemos dizer que foi uma das primeiras formas de se comunicar da

humanidade, sendo precursora da linguagem escrita e até a falada. Utilizavam esses desenhos

como forma de expressão, comunicação, localização, dentre outras funções, até chegar à

escrita. Um bom exemplo da união do desenho com a escrita são os gibis, juntando histórias e

imagens para representá-la.

A inserção das crianças no mundo do desenho acontece por meio de garatujas, que são

rabiscos produzidos de maneira bem rudimentar, aparentemente sem nexo. Porém, revelam

descobertas feitas pela criança ao ter contato com papel e um lápis, expressando o que

interpretam do que estão ao seu redor: suas ações, pensamentos e brincadeiras. Ou seja,

esboça o olhar da criança e a sua representação de mundo, que ganha significado através de

sua imaginação.

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Então, quando a criança se depara com a TV, e nela encontra os desenhos animados,

simplesmente ficam fascinadas pela linguagem lúdica expressa por meio das imagens, que

ganham forma e vivacidade. É o seu imaginário em movimento. É o desenho agora animado.

E seu imaginário é alimentado por essas imagens televisivas, que ganham vida e está

presente a qualquer momento, basta ligarem a TV, assistirem um DVD, iniciar o computador

ou jogarem videogame. E trazem isso para o seu cotidiano, com brincadeiras, brinquedos

oriundos dos desenhos, além de usarem também o adulto ou o mais velho como fonte de

inspiração, histórias infantis que podem ser vistas em vídeos, seu desenho animado preferido,

na internet para jogar online e/ou colorir e também no videogame, etc.

As crianças se identificam com os desenhos por serem uma companhia em casa, uma

forma de entretenimento, apresenta uma linguagem lúdica, propicia sensações de prazer,

realização, alivia tensões, desperta a curiosidade, propõe desafios, estimula o imaginário e

ainda conseguem ter os brinquedos e artefatos em geral dos personagens de seus desenhos

favoritos.

E os desenhos animados atuais proporcionam para a criança uma aproximação maior,

pelo fato desses desenhos terem como líderes ou personagem principal, crianças com

superpoderes. Ou seja, são super-heróis mirins que proporcionam essa fantasia, essa

proximidade com a realidade das crianças, pois realizam tarefas no decorrer do desenho que

as crianças também fazem como ir à escola, a relação com os amigos, as brincadeiras e

peripécias.

Entretanto, suas ações aventurescas são impossíveis no mundo adulto, necessitam estar

em outra dimensão, na dimensão do desenho animado, no mundo mágico do faz-de-conta,

pois somente lá eles são livres, não precisam ter a supervisão do mais velho. E isso talvez seja

o principal chamariz para o sucesso dos desenhos animados, a conexão com a liberdade e o

imaginário infantil.

Desta forma, a criança ao entrar em contato com o que está ao seu redor é influenciada

por diversos fatores sociais, históricos e culturais, e a TV com os desenhos animados, aparece

como uma dessas interferências.

O desenho animado caminha paralelamente com as brincadeiras infantis, oferecendo

uma lógica particular, uma dimensão de imaginação e uma autoridade lúdica para quem

brinca, demonstrando uma familiaridade com o ato brincante.

É o caso do sexto episódio, ―Sou o “Homem de Ferro”, que demonstra uma condição

psicológica de veracidade, na qual a criança se transforma e entra em um processo de make-

believe que aquele momento é único, que precisa de determinados elementos para que ele

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possa ser representado, como um personagem e os seus adereços, neste caso, o “Homem de

Ferro” e seus poderes.

E essa representação é expressa por meio do seu super-herói preferido, destacando que

ele faz parte do cotidiano da criança, ao assisti-lo pela TV cotidianamente.

A reprodução de falas e comportamentos do personagem reflete um ideal a ser

buscado ou simplesmente desejado, que toma forma em sua imaginação e no seu sonho. Ser

forte, ter a capacidade de lutar, voar, salvar pessoas e ter poderes é algo mágico,

incomensurável, que ritualiza a sua existência, principalmente, ao brincar com seu super-

herói.

Envolvido por essa atmosfera de imaginação, a criança se relaciona tão profundamente

com o personagem, que, por vezes, se confunde com ele, momentaneamente, simplesmente

para fazer parte do ritual brincante.

Nesse sentido, a relação da criança com o desenho animado se torna tão interessante

quanto brincar de qualquer outra coisa. Para elas, esse simples ato de assistir TV, as oferece

uma possibilidade de ir além do real. Por isso, ao serem perguntadas sobre o que acontecem

com elas enquanto brincam, o que pensam neste momento e se aprendem algo com os

desenhos animados, elas responderam de maneira entusiasmada sobre a relação com o

imaginário e a brincadeira.

Não, aqui a tia não deixa virar bicho... porque aqui não tem bicho, só na

casa que pode... Quando eu brinco de bicho, eu corro muito mais que o “Ben

10”. O “Ben 10” é rápido, um foguete! Ele faz alguma coisa... Mas eu sonho

com eles... Eu sonho que eu tava na casa dele, eu virei “Ben 10” também, eu

virava bicho pra pegar o tubarão (vrum, vrum)! De “Ben 10”, na escola

não! Só de “Backyardigans”... porque a tia não deixa, se eu virar bicho eu

vou destruir a escola, né! De “Backyardigans” pode brincar, de dia da

corrida, dia da moto, dia do policial. (AFR, 5 anos, M)

É, porque eu aprendo a lutar! É de verdade assim, é igual o “Ben 10”, aí

pensa no desenho! Eu brinco de “Mikey”35

, de cavalo. O “Mikey” luta, ele

solta poder... Num desenho lá, ele tem poder... É assim, ó... (tuf, tuf)! Eu só

fico lá treinando de lutar... (EAM, 5 anos, M)

Eu gosto do desenho da “Barbie”, Ela fica com um bonequinho, que vai

perto dela e aí ela mata... ela mata os ratinhos... Eu também gosto do “Ben

10”... Gosto (risos). Porque ele vira monstro... quando tem um bicho que não

conhece, ele mata! (EKS, 5 anos, F)

Eu gosto do desenho da “Dora”... Eu aprendo como é brincar sem brigar

com a minha prima, ensina a brincar de correr... (HRC, 5 anos, F)

Eu faço que eu sonho com eles, eu sonho com o “Tarzan”36

, com o macaco...

brinco de avião, de carro! Eu sonho, nunca contei...?! Nãaaao (risos)! Eu

imito eles! Brinco, solto teia de “Homem Aranha”, olha no espelho a cor

35

Mickey Mouse é um personagem de desenho animado e que se tornou o símbolo da The Walt Disney

Company. 36

Tarzan é filho de ingleses, porém foi criado por macacos na África, depois da morte de seus pais. Tarzan é o

nome dado a ele pelos macacos e significa "Pele Branca".

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que a gente tá! Aprendo a imitar macaco, imitar onça, imitar “Tarzan”...

(JVD, 5 anos, M)

Aprendo com o desenho da “Moranguinho”37

! Ela tem uma casinha de

morango bem grandona e ela fala para a amiguinha dela, “amo estudar”, aí,

eu aprendo a estudar... (KSS, 5 anos, F)

Eu gosto mais de jogo de luta! Eu brinco de lutar (imitando socos)! Não

passa nada na minha cabeça... eles não existem, eles só são desenhos! Eles

não ensinam nada, é só para criança... (KMK, 5 anos, M)

“Pica-Pau”! Eu imito ele, eu rio com ele, na hora que ele faz! (NVC, 5 anos,

F)

Eu brinco só em casa! Lá em casa em brinco sozinho de “Power Rangers”!

Eu aprendo! Aprendo a dar marteladas, aprendo a lutar igual ao “Power

Rangers”, todo dia! (PHA, 5 anos. M)

Gosto de brincar de boneca! Eu penso que eu moro aqui (na escola), penso

em ser mãe... (...) Gosto da “Barbie” e do “Ben 10”! Eu penso que sou ela!

Eu finjo que a boneca é alienígena! Eu brinco igual eu brinco em casa, de

luta, todo mundo brinca! (TYA, 5 anos, F)

“Ben 10”! Eu quero ser igual a ele, ele tem um moicano para cima, uma

calça verde, e uma blusa branca! (VAS, 5 anos, M)

Eu gosto de “Pica-Pau”, ele pica árvore! Brinco! Ele fica lá em casa!

(Risos!) Ele me ensina a subir em árvore. Ele não tá aqui (na escola), ele tá

lá em casa! Também tem o “Bakugan”, ele tem poder, eu gosto, é legal! Ele

luta! Eu brinco sozinho, finjo que tem alguém lá, aí faço alguém de pedra e

tá, e brinco de lutar! Aprendo a lutar! Ele, o guri do “Bakugan” também fica

lá em casa, igual ao “Pica-Pau”!!! Sabe aonde? Dentro de casa, ele vive lá

no meu quarto! Eu chamo ele para brincar, assim ó: Bakugaaaan?! (...)

Ciúmes?! Não, ele (o “Pica-Pau”) gosta do “Bakugan”! (...) E eu também

tenho poder! Mas aqui na escola não pode brincar com poder não, se não

acaba a minha bateria! (JVF, 5 anos, M)

Eu brinco sozinha de “I Carl”38

, aí eu falo que vou brincar com a minha

irmã, aí a gente brinca! Passa que ela fala coisas no meu ouvido, parece que

é ela que tá falando, porque parece de verdade! (MES, 5 anos, F)

Eu finjo que eu monto na cadeirinha e finjo que é carro, igual do “Pica-

Pau”. Eu tenho um monte de cadeirinhas e mesinhas, e finjo que tô passando

com o carro, e bato com carro, igual do “Pica-Pau”! Eu fico com vontade de

brincar com as minhas colegas! (...) Eu não brinco de “Barbie”, não dá para

ser “Barbie”, tem que ter a boneca! (PFB, 5 anos, F)

O “Pica-Pau”! Ele fica passando às vezes na minha cabeça! Eu tenho um

homem de fogo, e eu tenho a máscara do “Homem Aranha”! O “Homem

Aranha” voa com teia, eu penso em voar! É só brincar, você tem que

aprender a brincar! Você tem que pegar o “Homem Aranha” e brincar de

“Homem Aranha”, tem que brincar primeiro, aí você vira “Homem

Aranha”! Eu aprendo a brincar! E também tem o “Homem de Ferro”, ele

voa! Eu gosto que voa! (YSP, 5 anos, M)

Contagiados pelas perguntas sobre as suas brincadeiras, seu cotidiano, o que sentem e

o que imaginam, as crianças ficaram à vontade para conversar sobre o assunto. Por algumas

vezes, notou-se uma espécie de surpresa, acanhamento e alegria, por poder compartilhar suas

experiências brincantes, talvez faladas pela primeira vez com um adulto.

37

Moranguinho foi criada em 1977, pelo ilustrador Muriel Fahrion. A casa da Moranguinho e seus amigos é a

Morangolândia, uma terra mágica. 38

A série gira em torno de um grupo de amigos estudantes do colégio Ridgeway que se juntam e criam um

webshow. Carly Shay, que mora em Seattle, nos Estados Unidos, decide criar um site com seus melhores amigos

Sam (Jennette McCurdy) e Freddie (Nathan Kress). A ideia é que sejam enviados vídeos de pessoas de todo o

mundo. A decisão ocorre após os amigos quererem um lugar com liberdade.

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108

De acordo com as respostas, buscou-se perceber a conduta, as influências e o

imaginário no momento brincante, presentes na cultura lúdica infantil: o que acontece com as

crianças enquanto brincam? Quais comportamentos esboçam? Quais sentimentos são

internalizados e externalizados? E o que aprendem com esses desenhos? Que se revelou

como pontos importantes a serem discutidos e apreciados nas categorias.

Percebe-se que as crianças ao falarem sobre suas brincadeiras e fantasias, destacaram

vários pontos importantes, que serão analisadas a seguir. Para facilitar a análise, dividimos

essa categoria em subcategorias, de acordo com as respostas das crianças: a) momentos

imaginativos, b) aprendizados brincantes, c) fusão de personagens, d) gênero nos desenhos

animados, e) idealização dos personagens.

3.5.1 Momentos imaginativos

EPISÓDIO 07: A história dos Três Porquinhos

Uma criança estava de castigo, com a cadeira bem próxima à professora, e havia uma mesa encostada na

parede com três crianças sentadas embaixo. A criança que estava na cadeira próximo à professora gesticulava e

falava:

― Eu vou pegar vocês, vou soprar só uma vez... (Risos)

As outras crianças que estavam debaixo da mesa riam e se faziam de assustadas e falavam:

― Não “Lobo Mau”, não faça isso...

― Aiii, a nossa casa vai voar...

E percebia-se uma sincronização da brincadeira das crianças embaixo da mesa (“Porquinhos”) e o menino

sentado na cadeira (“Lobo Mau”), retratando a “História dos Três “Porquinhos”39

”.

39

Os personagens do conto são três porquinhos e um “Lobo Mau”, cujo objetivo do lobo era devorar os

porquinhos e os porquinhos fugirem do “Lobo Mau”, que decidiram costruir suas próprias casas, um fez de

palha, o outro de madeira e o mais esperto fez de cimento, foi o que os salvou do temível lobo.

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Figura 09: Três crianças embaixo da mesa, fazendo alusão a história dos ‗Três “Porquinhos” dentro da casa de

alvenaria

Figura 10: “Lobo Mau” invadindo a casa

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Figura 11: “Lobo Mau” perseguindo um dos “Porquinhos”

Nos dias de hoje, a criança tem contato com imagens, situações e artefatos midiáticos

que estão ao seu redor e funcionam como brincadeira e na sociedade contemporânea, com

todos os recursos tecnológicos disponíveis como TV e uma abundante variedade de

brinquedos, entre outras coisas, proporciona às crianças uma nova realidade para o seu

brincar.

Nesse sentido, a herança cultural não deixa de ser transmitida, porém, as influências

do meio tendem a reorganizar essas aprendizagens dando forma a uma cultura com outras

expressões:

Dessa maneira, cada cultura, por meio dos seus imprintings40

precoces, dos seus

tabus, dos seus imperativos, do seu sistema de educação, do seu regime alimentar,

dos talentos que ela requer para as suas práticas, dos seus modelos de

comportamento no ecossistema, na sociedade, entre indivíduos, etc., reprime, inibe,

favorece, sobredetermina, a actualização de tal ou tal aptidão, de tal traço

psicoafectivo, exerce as suas pressões multiformes sobre o conjunto do

funcionamento cerebral, exerce até efeitos endócrinos próprios, e, deste modo,

intervém para co-organizar e controlar o conjunto da personalidade. (MORIN, 2000,

p. 165)

40

De acordo com o dicionário Houaiss, é um termo da língua inglesa que na quinta acepção da palavra, no

sentido do texto, significa deixar impressão ou ficar marcado psicologicamente; gravar (-se).

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111

A herança cultural oferece aos indivíduos o modelo cultural ideal a ser seguido e os

imprintings aparecem como uma forma de determinar certas influências nos mesmos, criando

uma dualidade ora com uma personalidade social, o seu personagem, ora com sua pessoa

subjetiva, quando são eles mesmos.

Apreciamos esse momento, no sétimo episódio, ―A história dos Três “Porquinhos”,

pois para a professora, que pôs uma das crianças de castigo, ela não imaginaria que essa

restrição o impediria de brincar. Mas mesmo limitados, a sala de aula e a presença da

professora, o desejo de retratar a história infantil foi maior, e brincaram dentro dos domínios

da imaginação.

Utilizaram como recursos para incrementar a brincadeira: mesas, cadeiras e algumas

crianças. A determinação dos personagens aconteceu de maneira natural, simplesmente o

“Lobo Mau” iniciou a brincadeira e os “Porquinhos” acompanharam, se apropriando de falas

e comportamentos, entrando no mundo mágico da brincadeira.

O jogo dramático e social (CHÂTEAU, 1987) contribuiu para a encenação de cenas e

comportamento dos personagens, demonstrando grande encantamento por parte dos atores

sociais através de suas expressões lúdicas ora de euforia ora de medo.

E o mais interessante é todo esse conjunto de movimentos, vozes, comportamentos e

atos brincantes realizados de maneira oculta, camuflada e invisível aos olhares da turma e da

professora, porém, documentado e flagrado nos registros episódicos e fotográficos acima.

Nesse sentido, percebemos essas transformações no momento em que a criança

fantasia influenciada pelos desenhos animados e o que está ao seu redor, transmitindo suas

experiências interiores e vivências simbólicas e esse conjunto de atividades atuam como um

acervo básico de cultura brincante.

Quando as crianças estão sob supervisão no espaço da sala de aula, brinquedoteca e

aulas de Educação Física, os professores tendem a restringirem brincadeiras que façam a

turma se dispersar ou provocar alguma desordem durante a aula, por isso evitam que as

crianças brinquem de determinadas brincadeiras como as de contato corporal e de

movimentos bruscos.

Assim, as crianças falam que na escola não pode virar monstros, se referindo à

transformação em “Ben 10” e “Bakugan”, por exemplo, que são brincadeiras mais agressivas

e agitadas, usando o componente de luta e segundo as próprias crianças, se brincarem disso,

podem destruir a escola, devido aos confrontos que podem surgir e o uso de seus poderes.

Esta fala retrata o poder do imaginário, de criar situações que para as crianças são

possíveis no seu mundo de faz-de-conta, onde só lá tem existência. É uma forma de

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representarem e construírem imagens, ações, significados, movimentos e histórias a partir do

que as chama a atenção e pertencem ao domínio do imaginário.

Contudo, brincar de “Backyardigans” na escola é permitido, pois se trata de uma

forma de brincar mais tranqüila e educativa. Ensinam boas maneiras, valorizam o aprendizado

e exercitam a imaginação. É quando citam cenas do desenho e brincam de realizar suas

aventuras com atitudes mais serenas.

Então, passa pela cabeça da criança situações e desejos um tanto confusos, pois

necessitam vivenciar, explorar e potencializar o seu imaginário, entretanto, na escola eles

evitam ou fazem de maneira camuflada, longe do olhar da professora.

Já em casa, a vontade de brincar fala mais alto. Reforçam que brincam de desenhos

animados, por fazer parte de sua rotina assisti-los e também por se sentirem livres para dar

asas a sua imaginação, ao ponto de afirmarem que certos desenhos estão presentes somente

em suas casas, como é o caso do “Pica-Pau”, do “Bakugan” e do “Homem Aranha”.

Lá eles podem se movimentar, brincar e se transformar no que eles bem quiserem,

conquistam capacidades além de seus limites, como por exemplo, correr mais rápido que o

“Ben 10” ou lutar mais que os “Power Rangers”, e não ligam de brincar sozinhos, na

verdade, querem é poder brincar.

Além de usarem objetos para projetar suas fantasias como é caso da menina que pensa

em brincar de boneca, ser mãe morar na escola. O imaginário é utilizado como uma forma de

associar vários elementos combinando idéias e representações incessantemente.

Observamos isso quando elas citam sobre seus personagens preferidos, vivem esse

momento único, os imitam, realizam os mesmos gestos e habilidades, relembram e utilizam

cenas para construir suas próprias histórias, ou seja, brincam de imaginar: eu tenho poder, eu

sou ele, ele tá aqui, ele vive na minha casa, eu brinco com ele, eu sonho com ele.

É função dos atores sociais interpretarem as situações brincantes, bem diferentes da

vida cotidiana, de acordo como vêem esses contextos e suas particularidades, já que podem

apresentar diferenças em função do ambiente, dos objetos disponíveis, dos hábitos lúdicos,

dos interesses da criança e da atualidade. Nesse sentido, ―[...] a cultura lúdica se apodera de

elementos da cultura do meio-ambiente da criança para aclimatá-la ao jogo‖ (BROUGÈRE,

1998a, p. 25).

As crianças se apoderam desses desenhos e trazem para o seu mundo lúdico, se

inspiram e as instigam constantemente a brincar, chegam a sonhar com eles, por estarem

embebidos nessa magia. Como é o caso das crianças que revelaram seus devaneios mais

íntimos, com a fantasia alcançando o sonho.

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Então, vai se delineando a brincadeira do imaginário, tomando agora proporções reais,

concretizada no movimento, na realização da brincadeira, compartilhado alegremente com

outras crianças e com surpresa no andamento da entrevista.

Nota-se o efeito que o desenho animado gera na criança e as múltiplas formas que a

brincadeira assume: de transformação em diferentes personagens: “Ben 10”, “Pica-Pau”,

“Homem Aranha” e “I Carl”. E também a demonstração do caráter proteiforme da

brincadeira, ao mesmo tempo em que é um herói, é um macaco, é um objeto (avião), é um

adulto (ser mãe); a interação simbólica entre a criança e o desenho animado, em situações de

conversa com o personagem e pensar sobre ele (no desenho “I Carl” e “Pica-Pau”); e a

capacidade de cunhar formas de brincar, mas para isso, tem que brincar, tem ser “Homem

Aranha” para aprender, senão não adianta como enfatizou uma das crianças.

No entanto, há personagens que não podem ser incorporados, por exemplo, a

“Barbie”. Brinca-se de “Barbie” com a boneca e não sendo a personagem, é preciso ter o

suporte material para construir as histórias, um suporte para a representação, revestindo-a de

conteúdos.

E o imaginário revitaliza o que as crianças assistem, o processo pelo qual ela vai criar

as suas brincadeiras, traduzido em imprintings da cultura contemporânea, criando,

estruturando e constituindo o universo simbólico da brincadeira atual. E esse conjunto de

cenários e personagens proporciona descobertas e tentativas de se descobrir e interagir com o

mundo a sua volta, usando ferramentas lúdicas para construir as brincadeiras.

Os desenhos animados põem em evidência aspectos que jamais poderiam fazer na vida

real, possibilitam vivenciar e se envolverem de forma global com a brincadeira. Por exemplo,

quando se transformam em algum personagem e vão lutar como o “Ben 10”, brincam de

soltar teia, voar e mudam de cor como o “Homem Aranha” e o “Homem de Ferro” e dirigir

um carro como o “Pica-Pau”.

Ou seja, se envolvem de uma determinada maneira que sua imaginação baliza o seu

brincar, favorecendo a relação do desenho animado com o imaginário. É o momento em que

uma das crianças diz que o “Pica-Pau” e o “Bakugan” vivem em seu quarto, os chamam e

brincam com eles. E na mesma situação a criança se compara e se transforma no personagem

“Bakugan”, fazendo a ressalva que só pode brincar em casa, que na escola acaba a sua

bateria, talvez por não estar próximo ao personagem, já que ele afirma que o mesmo se

encontra dentro do seu quarto, ou porque a escola não oferece um espaço tranqüilo e livre

para as crianças conseguirem criar, brincar e compartilhar suas fantasias e a sua cultura lúdica

infantil.

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O momento em que a criança brinca, na construção e reconstrução de mundos de

fantasia, incorporando e determinando papéis, personificando personagens, trazendo a

realidade midiática da TV para o seu espaço brincante, consegue inserir ao mesmo tempo

elementos oriundos de sua herança cultural. São os imprintings da cultura contemporânea,

ressaltando a fluidez das brincadeiras, característico da sociedade ―pós-moderna‖.

Deste modo, o brincar irá existir dentro de um sistema de interpretação e significação

que conecta a herança cultural e os imprintings da cultura lúdica da qual a criança faz parte ao

contexto de interação social e linguagem do ambiente brincante.

3.5.2 Aprendizados brincantes

EPISÓDIO 08: Luta com o lápis

As crianças apresentam uma maneira própria de se juntar para brincar e estimular a sua imaginação.

― Quer ser meu amigo e brincar comigo?! Bota o dedo aqui!

E começaram a brincar com o lápis, demonstrando gestos de luta com o lápis. Logo em seguida,

movimento de vôos com o lápis e diálogos bem baixinhos, agindo como se não pudessem ser vistos e ouvidos.

Brincaram por um longo período, sempre que encontram um momento e a professora não os veem.

Atualmente, as crianças têm um contato expressivo com a mídia televisiva que

influencia diretamente a cultura lúdica infantil, contribuindo para a sua modificação, pois

propõem modelos lúdicos para a criança, apresentando, assim, um novo momento para a

infância.

As relações que as crianças estabelecem ao verem os desenhos animados e o que elas

pensam podem revelar a articulação entre o imaginário e a brincadeira, onde confrontam o

que assistem, o que interiorizam, o que brincam e o que imaginam, sugerindo algum tipo de

aprendizagem brincante.

A importância dos significados para a criança irá depender de como ela realiza esse

processo de interação com a TV, devido à brincadeira apresentar uma lógica para existir, ou

seja, é preciso ter sentido para efetivar a brincadeira, para que a atividade possa ter significado

dentro de um universo de possibilidades.

O oitavo episódio, ―Luta com o lápis‖, vai ao encontro desse caminho, de coerência

com os ritos de início de uma brincadeira. Para Château (1987), a atividade lúdica irá

funcionar como um ritual, constituindo uma verdadeira liturgia da atividade brincante,

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115

demonstrando uma maneira totalmente particular daquele grupo infantil, como uma espécie

de provocação, um ato de convite ao jogo.

Ao brincarem e fantasiarem movimentos de vôos, lutas e diálogos, se apropriam de

representações simbólicas, por meio do uso de suas ferramentas brincantes para dar vida aos

comportamentos lúdicos.

Brincam sem chamar a atenção, nos interstícios da aula, interagindo com outras

crianças e se confrontando com sua cultura ao compartilhar elementos sociais e sua

corporeidade. Nesse momento, realizam aprendizagens brincantes por meio das diversas

linguagens, corporal, social, cultural, emocional, verbal, e também, ao reproduzir brincadeiras

que as deixem em uma situação de troca, de significação, de extensão brincante, como é o

caso do lápis.

Por isso que para Brougère deve ter a compreensão dos sinais transmitidos pelas

crianças, entendendo como metacomunicação (Ibid, 2008, p. 99) ―[...] transforma o valor de

certos atos que tem um sentido diferente daquele que poderíamos depreender à primeira

vista.‖ Conseqüentemente, a relação da criança com a cultura lúdica é adquirida e produzida

através das interações sociais, permitindo que ela desenvolva várias competências que pode

utilizar no momento da brincadeira, como a sua capacidade de imaginação, de fazer de conta e

de socialização.

Nesse sentido, a cultura lúdica é definida por Brougère (1998a, p. 26) sendo ―[...]

produzida por um duplo movimento interno e externo. A criança adquire, constrói sua cultura

lúdica brincando. É o conjunto de sua experiência acumulada (...), que constitui sua cultura

lúdica‖, onde o movimento externo irá depender dos estímulos e das experiências vivenciadas

durante a infância e o movimento interno é quando ela consegue interiorizar e dar sentido a

esse conhecimento aprendido.

Nesse sentido, o duplo movimento do aprendizado das crianças mais mencionado foi

de luta, que se faz presente em praticamente todos os desenhos animados citados pelos

meninos, como o “Ben 10”, “Bakugan”, “Homem Aranha”, “Homem de Ferro” e “Power

Rangers”, e representado claramente em momentos brincantes em sala de aula, como na

figura abaixo:

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Figura 12: Brincando de lutinha na sala de aula

Eles se inspiram na forma de lutar como os seus personagens preferidos fazem e como

mesmo disseram: brincam, treinam e aprendem a lutar. Realizam esse aprendizado brincante

todo dia se for possível, chegam a imaginar adversários, no ápice da conexão entre o desenho,

o movimento e o imaginário ao brincarem de lutinha e de soltar poder.

Para muitos autores, esse processo de aprendizado agressivo pode causar efeitos

negativos na criança, por associar a violência através das lutas como algo banal, intencional,

divertido e normal, demonstrando o poder de convencimento da TV.

Jones (2004) por outro lado, defende que o uso da violência de faz-de-conta pode ser

benéfico no sentido de desenvolver a criança de uma forma natural, possibilitando que

interaja com a sua própria agressividade, fato comum em todo ser humano e em nossa cultura

como confirma Brougère (2008) com os jogos de guerra.

Isso proporciona a exteriorização de todos os sentimentos que se encontram

reprimidos, a liberação de energia, pura diversão, além de se sentirem fortes, poderosos e

capazes de enfrentar seus medos e angústias. Segundo Jones (2004), as crianças precisam usar

suas fantasias de combate para: se sentirem mais fortes, canalizarem suas emoções,

controlarem sua ansiedade, se acalmarem diante da violência real e se elevarem a novos níveis

de desenvolvimento.

A brincadeira supõe, portanto, a capacidade de considerar uma ação de um modo

diferente, por que o parceiro em potencial lhe terá dado um valor de comunicação

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particular: é o que permite distinguir a briga de verdade daquela que não passa de

brincadeira (BROUGÈRE, 2008, p. 99)

Em contrapartida, tivemos respostas que nos levaram a desenhos mais educativos, que

não apelam para a violência, mas para pontos pedagógicos que valorizam o aprendizado,

valores e tradições, como o desenho animado “Dora” e “Moranguinho”.

Nesses desenhos, as crianças se referiram a alguns aprendizados brincantes como:

aprender a estudar, a brincar sem brigar, brincadeiras saudáveis, corridas e subir em árvore, a

conhecer e a imitar bichos, como macaco e leão, e a exercitar o imaginário, como o ato de

voar.

Para essas crianças, os desenhos animados funcionam como uma brincadeira

simbólica, realizando construções e reconstruções de mundos de fantasia, que se inserem em

um sistema de significações que deve fazer sentido para esses atores sociais, a partir do que

interpretam desse conjunto de imagens (BROUGÈRE, 2008).

Assim, a criança se torna uma ―co-construtora‖ nessa interação social, sendo ela que

interpreta e significa os objetos dessa interação, podendo produzir novas significações de

acordo como ela será estimulada, de forma indireta, pois se trata de uma interação

essencialmente simbólica. Logo, dependerá do ambiente, dos objetos, e principalmente, das

experiências lúdicas vivenciadas pela criança.

Jones (2004, p. 21) ressalta que ―[...] uma criança escolhe um filme ou um jogo

particular por causa da história única que possui e que a levou até lá, e ela tece uma narrativa

nova e pessoal a partir da fantasia e da brincadeira que a peça de entretenimento inspira.‖

E para esses sujeitos brincantes, o desenho animado oferece de alguma maneira um

aprendizado implícito sobre as imagens que os seduzem a assisti-los todos os dias, saberes

brincantes que os conduzem a um caminho próprio da construção da cultura lúdica infantil.

Após analisarmos todos esses aspectos, e percebermos algumas analogias nos

argumentos sobre os aprendizados brincantes, porém, vimos que há uma criança que se referiu

ao aprendizado sobre os desenhos animados como algo sem importância, que eles não

existem, são apenas desenhos para as crianças se divertirem.

Isso demonstra que as crianças brincam, mas sabem diferenciar o que é real do que é

do campo do imaginário. Funcionam como uma válvula de escape para suas atividades

cotidianas, ou seja, apresentam traços de domínio do poder emocional sobre o que de fato

acontece. E também pode ter a influência do adulto, por terem escutado falar ou ao achar que

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certas brincadeiras não podem ser encaradas como algo próprio da infância e do campo do

imaginário, mas sim, como algo sem valor.

Entretanto, deve ser estimulada a capacidade de imaginar, pois é uma atividade

saudável, criativa e lúdica para todas as crianças. É uma forma de exercitarmos os processos

mentais e de linguagem, quando a criança se depara com brincadeiras de escolher e ser

determinado personagem, e a partir de seu imaginário, é que ela vai encarnar o papel

integralmente, possibilitando-a experiências brincantes e divertidas.

Viver o encantamento e a magia proporcionada por todos os elementos brincantes

possibilita o brincar e o fantasiar próprios da infância, sem isso, a brincadeira ficaria restrita.

É o que permanece nas recordações da fase de criança.

Esses pontos refletem a ambigüidade presente nos desenhos animados que podem ser

negativos ou positivos dependendo do ponto de vista e do movimento interno desse processo,

tendo uma participação efetiva na constituição das brincadeiras contemporâneas.

3.5.3 Fusão de personagens

EPISÓDIO 09

Bruxas e “Ben 10”

Em uma atividade em sala de aula, a professora levou um grande espelho e maquiagem. Pediu às

meninas que se maquiassem e os meninos foram designados a serem jurados.

As meninas falavam:

― Pode deixar que eu te pinto, você vai ficar que nem a “Barbie”!

― Pinta mais!

E um dos meninos falou:

― Elas estão parecendo umas bruxas

― É isso aí, galera! Aperta o relógio e vamos lá acabar com elas!

Neste momento, eles fantasiaram uma situação onde as meninas seriam as vilães, monstros, e eles seriam os

heróis, sugerindo uma transformação para o personagem de desenho animado “Ben 10”, através do gesto de

bater no relógio.

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Figura 13: Meninas se maquiando de frente para o espelho

Figura 14: Meninos confabulando sobre as meninas

Para a criança, o sentido da brincadeira televisiva será constituído de acordo com a

conduta e o que o seu personagem assume: se terá um caráter original, próprio do que é visto

no desenho animado, se apresentará um caráter transformativo, quando a criança incorpora o

personagem, ou um caráter polimorfo, quando há a junção de mais de um personagem ou

habilidades assumidas.

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Podemos constatar esses pontos quando as crianças revelam que brincam associando

diferentes personagens, enredos, ações e fantasias, destacando o aspecto proteiforme da

brincadeira e um mergulho na ação e associação lúdica.

É quando as crianças conectam personagens que não apresentam determinadas

habilidades ou traços na personalidade e favorecem a essa fusão, que está estritamente

relacionada a uma fantasia contraditória e velada. Quando o “Mikey” solta poder, quando a

“Barbie” mata bichinhos ou quando a boneca vira alienígena.

Esse caráter de transformação também pode ser notado no nono episódio, ―Bruxas e

Ben 10‖. Vendo pela ótica dos meninos, eles encararam a atividade pedagógica proposta pela

professora como uma grande batalha, ao sugerirem que as meninas maquiadas seriam bruxas,

as vilãs da história, e eles iriam lutar contra elas, se transformando em monstros ao baterem

no relógio, levando a imaginação a dominar o evento principal de serem apenas jurados das

meninas.

Da mesma maneira, as meninas não brincaram simplesmente de se maquiar, mas com

o intuito maior de ficarem tão bonitas quanto a “Barbie”, que é a principal referência

feminina de beleza da cultura infantil. Segundo Brougère (2008, p. 36), ―[...] a boneca torna-

se espelho de um mundo para a criança, apóia-se naquilo que pode ser contemplado ou

admirado por ela‖.

Nesse episódio, aparece uma forte ligação entre a cultura lúdica, o imaginário e a

agressividade, demonstrando a recorrência com outros episódios que também mostram

relações de poder, de força e de criatividade.

A importância dada pela criança aos desenhos animados e as transformações que elas

realizam mostram o seu desejo de ser invencível, de tomar outra forma, de ter poder, ser forte,

de vencer desafios, além de qualidades como responsabilidade, coragem e confiança. Na

verdade, tudo isso possibilita treinarem suas condutas superiores, se preparando para a vida

adulta, além de demonstrarem ―[...] desejos secretos da criança ― ser grande, forte, hábil,

célebre ―, suas simpatias, antipatias, gulodices, sensualidade, crueldade se refletem em seus

jogos prediletos‖ (CHÂTEAU, 1987, p. 98).

Proporciona às crianças brincarem com a sua própria agressividade, combater medos e

angústias da vida real, diminuir suas ansiedades e liberar energia (JONES, 2004). Isso ajuda a

compreender as atitudes agressivas das crianças ao brincarem de luta, de ter poder, de destruir

o adversário. Isto é, interiorizam imagens e símbolos televisivos para a sua realidade

brincante, criando situações, mesclando personagens e enredos, construindo e depositando

elementos a cada novo episódio, tornando-a mais elaborada e sofisticada a brincadeira.

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Isso pode desvendar sentimentos e condutas que são aflorados na criança e serão

materializados na brincadeira, com efeitos sobre a ansiedade, o conforto, a segurança, a

vontade de extravasar e ter poder. Principalmente quando há a fusão entre um personagem

extremamente dócil e outro com condutas agressivas, como é o caso do “Mikey” lutador e

com poderes, “Barbie” exterminadora de bichinhos e a “Barbie” “Ben 10” (alienígena),

podendo refletir uma expressão simbólica de seus problemas interiores ou simplesmente uma

conduta lúdica, pelo desejo de transformação.

Esse espaço proporcionado pela brincadeira imaginativa desvela o momento mágico

de transformação que a criança consegue realizar em um processo de mediação entre a

interioridade e a exterioridade de suas ações e influências brincantes, guiando suas respostas e

processos imaginativos e associativos em suas brincadeiras.

Para Bourdieu (2003, p. 40), essa relação entre a interioridade e a exterioridade está

ligada ao processo como ela é construída, a sua relação com a cultura e suas referências, que

permite adaptações e reformulações, ou seja, ―[...] nas quais se atualizam e que tendem a

reproduzi-las, isto é, o processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da

interioridade‖. Possibilita que consigamos observar como ocorre esse processo de apreensão

dos desenhos animados e a sua fusão com o que elas gostariam/desejariam que acontecesse,

mostrando a articulação entre o que ela assiste no desenho e o que ela imagina em suas

brincadeiras.

E esse processo de estruturação das atividades brincantes e os desenhos animados

podem ser ligados a noção de habitus, que na visão de Bourdieu (2003), funciona como um

fio condutor e estruturador das ações e representações, proporcionando possibilidades de ação

para a brincadeira.

E suas características principais apresentam uma estreita relação entre o imaginário e a

fusão de personagens como: registrar diferentes influências brincantes, o nível de interação

entre a criança e a TV, a mudança e o compartilhar dos personagens, e o seu ponto de partida,

que é o imaginário infantil. Podemos dizer que o habitus é o fruto dos episódios que as

crianças produzem e reproduzem como uma constante adaptação e atualização de ações

imaginativas, permitindo novas condutas brincantes.

Em outras palavras, o desenho animado influencia diretamente as brincadeiras infantis

com seus conteúdos, trazendo seus personagens para serem suportes para as mais variadas

brincadeiras:

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[...] não basta que as imagens sejam apresentadas na televisão, nem mesmo que elas

agradem, para gerar brincadeiras: é preciso que elas possam ser integradas ao

universo lúdico da criança, às estruturas que constituem a base dessa cultura lúdica

mencionada anteriormente. É preciso que tais conteúdos possam ser integrados nas

lógicas da brincadeira, que variam menos do que as representações (BROUGÈRE,

2008, p. 53).

Para isso, os elementos lúdicos e imaginativos devem fazer sentido para a criança e

estarem inseridos dentro de um repertório brincante, revelando características de cunho

tradicional, específico, mutante e atualizado com o que ocorre em sua cultura lúdica.

3.5.3 Gênero no desenho animado

EPISÓDIO 10: O carrinho

Seis crianças em sala de aula, entre meninos e meninas, brincavam com um carrinho, passavam o

carrinho de mão em mão, com velocidade, deslizando-o sobre a mesa.

Daqui a pouco, a professora viu e pediu que guardassem o carrinho e um dos meninos guardou e falou

para os outros, bem baixinho:

―Olha, eu guardei, mas tá na minha mochila, depois eu pego...

Então, continuaram brincando, fazendo barulhos de carro e se entreolhando, como se ainda estivessem

com o brinquedo, mas agora somente no plano da imaginação e da troca de olhares.

Château (1987) faz uma comparação entre as características principais do jogo, as

atividades brincantes e os gêneros. Para ele, a brincadeira das meninas apresenta uma maior

propensão para a disciplina, organização, benevolência, conservantismo, socialização e

brincadeiras sociais e de dramatização. Enquanto que os meninos demonstram mais

hierarquia, euforia, combatividade, comportamento agressivo, tendência dominadora e

brincadeiras ativas e vigorosas.

O desenho animado aparentemente não distingue para qual gênero ele é endereçado,

simplesmente empresta sua atmosfera de vivacidade, imaginação e independência a todos

aqueles que desejam assisti-lo.

Da mesma forma, acontece com o brinquedo, bem evidente no décimo episódio, ―O

carrinho‖, demonstrando o aspecto de livre escolha por parte dos participantes, que podem ser

meninas ou meninos.

Ao brincarem com o carrinho e o pedido da professora de guardar o objeto, as crianças

atenderam, mostrando obediência ao adulto, entretanto, não deixaram de brincar, apenas não

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estavam com o objeto concreto, o que também não impediu que continuassem a realizar o ato

brincante.

O comportamento lúdico esboçado pelas crianças apresenta a submissão à regra do

jogo, presentes dentro da brincadeira simbólica de fantasiar o objeto e seus sons através do

imaginário. Desta forma, ―[...] a regra permite, assim, criar outra situação que libera os limites

do real‖ (BROUGÈRE, 2008, p. 101).

Esse ato de fantasiar e criar situações específicas demonstra o comportamento

ambíguo encontrado nas brincadeiras infantis ao se depararem com arranjos misturados, ou

seja, brincar de carrinho é de menino, brincar de casinha é de menina, mas a sua associação

não é bem vista, já que a sociedade impõe características peculiares para cada gênero. Porém,

quando as crianças brincam, elas propõem uma convenção implícita e realizam a atividade

lúdica da maneira que eles acharem melhor, como é o caso da figura abaixo, meninos e

meninas juntos brincando de casinha.

Figura 15: Meninos brincando de casinha na brinquedoteca

Entretanto, super-heróis, cenas agressivas, com lutas, lançamento de poderes,

aparições de armas e monstros implicam em uma cultura direcionada freqüentemente ao

público masculino. Quando falamos em desenhos animados, logo pensamos que as meninas

vão gostar de desenhos e personagens mais femininas e com uma ligação com o lado familiar

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e afetuoso, já que as mesmas normalmente sentem mais necessidade de terem atividades e

comportamentos mais calmos e tranqüilos.

Mas a atual geração de meninas apresenta algumas das principais características da

sociedade ―pós-moderna‖: de transformação cultural, de repensar sobre o tradicional e pensar

na multiplicidade de ações que podem ocorrer ao mesmo tempo e no consumo em geral, até

de desenhos animados ditos masculinos. Como é o caso de desenhos animados agressivos e

jogos de guerra:

[...] é claro que as meninas brincam de guerra e existem roteiros que prevêem papéis

femininos. Porém, a brincadeira de guerra é, predominantemente, masculina.

Encontramos, de novo, a imagem cultural que consagra o homem à guerra. A

brincadeira aparece como o lugar de experimentação da identidade sexual e tende,

algumas vezes, a reforçar as diferenças, mesmo quando elas são parcialmente

suavizadas na sociedade (o que, de qualquer modo, está longe de ser o caso da

guerra). Essa confrontação com a cultura que evocamos está, portanto, fortemente

marcada pelos papéis sociais (BROUGÈRE, 2008, p. 81).

É o caso de algumas meninas desse estudo que demonstraram uma afinidade para

desenhos mais agressivos e ditos típicos de meninos. Quando foram perguntadas sobre

desenhos animados que mais gostavam, algumas ficaram surpreendidas e envergonhadas ao

comentar que gostavam do desenho “Ben 10” e “Power Rangers”, por exemplo.

A maneira de brincar das meninas com os desenhos animados que expressam a

violência de faz-de-conta é desempenhada da mesma forma que os meninos, não pela

necessidade da violência em si, mas para conseguir obter poder e controle sobre determinadas

situações e suas fantasias. É o desejo de se sentirem mais femininas e mais poderosas. O

desenho ―feminino‖ que mais se aproxima disso são “As Meninas Super-Poderosas”, com

características de agressividade e poder, como é ressaltado no próprio nome do desenho

animado.

E o momento de maior êxtase para as meninas quando assistem desenhos de meninos

como “Power Rangers”, “Bakugan” e “Ben 10”, é o da transformação, salientando a

aquisição de poderes, viver na pele de monstros e também ser um super-herói, realizando atos

inacreditáveis, que não acontecem no mundo de faz-de-conta das bonecas, por exemplo.

A necessidade de brincadeiras agressivas por parte das meninas muitas vezes é

estruturada a partir de brincadeiras com personagens típicos do mundo feminino, como a

“Barbie” com características de passividade, consumismo e preocupação com a aparência. No

entanto, as meninas tendem a encontrar ou criar uma conexão entre personagens agressivos

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nessas brincadeiras. Muitas vezes, a “Barbie” será a heroína glamorosa e lutadora, bem

diferente do que apreciamos em sua real atuação.

Para Jones (2004, p. 90), a menina se identifica tanto com personagens femininos

quanto com os masculinos, mas irá depender essencialmente do poder do seu imaginário para

criar a brincadeira:

[...] meninas com mais de 4 anos mostram a tendência de compartimentalizar a

“Barbie” em seu mundo feminino, mas, dentro desse mundo, exploram fantasias

muito mais complexas e fortes do que a embalagem e a publicidade de sua

fabricante, a Mattel, sugerem.

Isto é, a aproximidade do personagem com a brincadeira se efetivará de acordo com a

interpretação que a criança faz para aquele momento. O que vale é a intenção lúdica do ser

brincante. Esse ―[...] brincar leva a criança a tornar-se mais flexível e buscar alternativas de

ação‖ (KISHIMOTO, 1999, p.26), anseiam por poder e satisfação, fazendo a junção com o

seu alterego e o seu imaginário.

Jones (2004, p.88) ressalta a importância de brincar com fantasias agressivas durante

as brincadeiras de meninas, como catalisadores de poder e liberdade:

[...] ajudariam-nas a se sentirem mais resistentes e mais fortes como indivíduos e,

portanto, menos sujeitas à aprovação das colegas e a questões como aparência e

roupas. Também poderiam ajudá-las a controlar sua raiva e tensão de maneiras

divertidas, fazendo com que diminuísse a probabilidade de descontarem seus

sentimentos em cima das outras ou em si mesmas.

Esse mundo oculto da brincadeira apresenta suas ambigüidades, pois permite que

tenham brincadeiras agressivas e também tranqüilas e meigas, quase ao mesmo tempo,

gerando satisfação nas mesmas, ou seja, é uma forma delas se completarem ao terem fantasias

que sugerem poder e realização.

3.5.5 Idealização dos personagens

EPISÓDIO 11: Minha sandália

Olha, eu ganhei essa sandália no meu aniversário, eu gostei dela, porque eu via na TV. É da “Hello

Kitty”, ela é linda! É igual da TV! Aí, a minha Tia me deu!

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A criança ao brincar, ela se realiza no seu diminuto mundo lúdico, como afirma

Benjamin (1984), então, idealizar ações, personagens, querer consumir produtos dos desenhos

animados é uma maneira de se satisfazer e de traduzir uma aspiração.

No décimo primeiro episódio, ―Minha sandália‖, a criança retrata a sua alegria em

mostrar o produto que ganhou referente ao personagem que ela admira, que vê na TV, que a

influenciou a adquirir a sandália.

Para a criança, o presente foi um modo de corporificar o seu desejo ao usar a sandália,

e se sentir bela como a própria personagem, demonstrando o apelo sócio-cultural e identitário

do objeto lúdico.

E da mesma maneira, essa idealização também se faz presente nas brincadeiras de faz-

de-conta, onde as crianças se transformam em super-heróis ou personagens de desenhos

animados, permitindo que assimilem experiências e significados a partir de experiências

cotidianas. Assim, conseguem fornecer subsídios para que possamos compreender a

linguagem das brincadeiras de hoje, como uma interligação entre conhecimentos sociais,

culturais e contemporâneos, funcionando como ―[...] um mudo diálogo simbólico entre ela e o

povo‖ (BENJAMIN, 1984, p. 70), onde ela é a criança, e o povo é a sociedade com suas mais

extremas características.

Para a criança, o que importa é o processo que é desenvolvido a brincadeira e não o

produto que vai ser gerado, então, a criança mergulha fundo em sua brincadeira,

materializando a sua imaginação. E o ser brincante faz isso com muita maestria, representam

diferentes realidades, personagens e características marcantes que os definem, como é o caso

do riso do “Pica-Pau”, das condutas de luta e das vestimentas do “Ben 10” e da tranqüilidade

das brincadeiras da “Dora”.

Isso conduz a criança a encarar papéis sociais que jamais poderiam fazer no mundo

real, a construir a sua personalidade, a fortalecer o seu ―eu‖, e desta forma, combina o seu

duplo capital cultural, criando uma via de mão dupla, um diálogo entre a cultura do seu tempo

e a sua fantasia, expressando a sua brincadeira e a sua linguagem lúdica.

Isso proporciona um contato com o que a criança brinca e insights41

sobre a sua

infância, oferecendo novas maneiras de ver a criança envolvida na sua cultura lúdica, onde

―[...] a conexão entre a cultura infantil e o desejo/sentimento infantis queima o fusível da

cultura racional, ligando desta maneira o adulto ao Lebenswelt (mundo-vida) das crianças,

41

De acordo com o dicionário Houaiss, significa clareza súbita na mente, no intelecto de um indivíduo;

iluminação, estalo, luz.

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dando-lhes um melhor acesso às percepções infantis‖ (MAFESSOLI, 2004, p. 18), onde, o

adulto consegue perceber as especificidades e se conectar ao mundo infantil, vendo a criança

por lentes que refletem o seu mundo brincante.

Quando a criança idealiza ser e se vestir como o “Ben 10” ou “Hello Kitty”, supõe

que a brincadeira vai proporcioná-la uma esfera de fantasia, de idealização e de realização

quando brinca, incorporando o imaginário e ―[...] cria um mundo ilusório, onde os desejos

irrealizáveis podem ser realizados‖ (KISHIMOTO, 1999, p. 61), surgindo a partir da ação.

Nesse sentido, o imaginário infantil está repleto de elementos que a criança ao brincar

insere no seu mundo de fantasia. É através dessa improvisação lúdica que ela utiliza o seu

meio social, a cultura e seus imprintings, além dos insights de sua consciência para compor

seu repertório de brincadeiras e o que ela deseja que entre nesse universo.

O corporativismo comercial, de certa forma, usa das mais variadas artimanhas para

seduzir o público infantil, inserindo-as nas programações dos adultos, oferecendo modelos de

consumo camuflados dentro do que as crianças gostam de assistir, como os desenhos

animados.

Assim, eles se tornaram possuidores de um discurso fabuloso, transcendendo o

imaginário, chamando a atenção realmente para o que eles querem. Essas imagens despertam

sentimentos, fantasias, alegria, medo, raiva nas crianças que estão vendo, ouvindo e brincando

ao arbítrio da imaginação, sem utilizar a razão, apenas a emoção. E é por meio do desejo e do

imaginário, que as crianças entram nesse mundo e buscam o prazer proporcionado por essas

imagens que, podemos dizer, as introduzem na sociedade.

Alguns tipos de brincadeiras como de faz-de-conta e de representação sugerem uma

forma da criança utilizar o simbolismo como uma forma de expressar gestos e vontades por

meio da idealização e o consumo dessas imagens. Para Salum e Morais (apud KISHIMOTO,

1999, p. 65):

[...] o alto grau de fantasia de estórias de super-heróis, dotados dos mais estranhos

poderes, como voar, esticar-se, subir em superfícies verticais lisas, força e

velocidade de movimentos descomunais, etc, bem como o fato de terem duas

personalidades – a do homem comum e a do homem dotado de poderes extranaturais

― representam um desafio à compreensão da criança a respeito das regularidades do

mundo que começa a perceber. Nesse sentido, ela pode representar esses

personagens com todos os seus acessórios, armas, veículos de transporte fantásticos

na tentativa de integrar uma experiência que lhe é tão pouco familiar e incomum. A

realidade do cotidiano, diante do fantástico mundo da ficção, parece menos

interessante e de mais fácil assimilação pela criança.

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O público infantil frente a essas imagens e mundos de fantasia ficam admirados,

contemplando com encantamento a magia e a sedução construída pela TV, com os desenhos

animados. E conseguem construir uma ponte entre a fantasia e o desenho com seus

personagens preferidos, atravessam e retornam quando sentem vontade, conduzindo a

brincadeira. Podemos dizer que os desenhos animados possibilitam essa experiência ativa do

ser brincante e o seu imaginário, condicionando a brincadeira.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao discorrer por todo referencial teórico, a coleta dos dados e o processo de análise a

fim de conhecer o repertório brincante e o imaginário das crianças pesquisadas, percebeu-se

que as brincadeiras que fazem parte da cultura lúdica infantil na contemporaneidade têm

influência direta do seu cotidiano, dos brinquedos, de histórias infantis, dos adultos e,

principalmente, dos desenhos animados.

O cruzamento entre o imaginário, o desenho animado e a cultura lúdica se apresentam

com certa intimidade, principalmente com a absorção da TV no cotidiano infantil e isso leva

as crianças do mundo de hoje a terem uma considerável proximidade com o que a mídia tem

para lhe oferecer, possibilitando conhecer e se aproximar da realidade brincante infantil.

A idiossincrasia42

das imagens, a heteroglossia43

dos personagens, as possibilidades

pedagógicas dos conteúdos, enredos adotados no terreno escolar e a prodigalidade de

consumo advinda dos produtos que a televisão dispõe para as crianças, integram os elementos

brincantes do seu imaginário, como apropriações, mostrando que a brincadeira necessita de

uma construção social para que se estruture a sua cultura lúdica.

É através do movimento interno e externo, do duplo capital cultural, a noção de

habitus, e principalmente, dos imprintings da cultura e de suas vivências sobre o indivíduo

que irá estruturar o seu código cultural, isto é, o que você é e o que você adquire através do

seu contato com aquilo que chamamos de meio (MORIN, 2000).

E assim, percebemos que o desenho animado está presente nas brincadeiras infantis,

no imaginário, fornecendo imagens e elementos lúdicos dos mais variados, contribuindo para

a cultura lúdica atual. Entretanto, essas brincadeiras se mostram mais solitárias devido à

organização complexa da nossa sociedade, que se estrutura de acordo com o que dita a ―pós-

modernidade‖ com seu exagerado individualismo segundo Bauman. Nesse sentido, a

brincadeira solitária embora seja uma forma de brincar atemporal, pode sugerir um grau de

distanciamento quando as crianças ficam acompanhadas por muito tempo pela presença e pela

fluidez da TV, ao mesmo tempo em que a melhor companhia para elas são os desenhos

animados, que são revividos em seu imaginário, apresentando a flexibilidade da imaginação

no momento da brincadeira.

42

De acordo com o dicionário Houaiss, na segunda acepção da palavra, significa característica comportamental

peculiar a um grupo ou a uma pessoa. 43

Termo encontrado na teoria de Sutton-Smith (2001) que faz alusão à mistura ou associação, diversidade de

tipos de linguagens.

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Desta maneira, as imagens, a realidade e o que a criança fantasia compõe a sua cultura

lúdica, principalmente na contemporaneidade, que disseminam com muito mais facilidade

artifícios simbólicos que chamam a atenção, o desejo e o consumo por essas imagens,

ampliando suas referências brincantes, produzindo não só brincadeiras, mas solidificando a

cultura lúdica atual.

E, como os arquétipos atuais, vemos através dos desenhos animados, que fazem parte

do universo brincante contemporâneo e circundando o imaginário infantil, uma tradução de

possibilidades proteiformes de brincadeiras, que mudam, que se transformam, que se adaptam

às mídias e à cultura, mas sem perder sua dupla mensagem de ser lúdica e ao mesmo tempo

educativa.

O zeitgeist44

da infância permite que ela seja e imagine o que ela deseja ser, e essa

identificação com os desenhos animados mostra a sua capacidade de interagir com as imagens

e transformar esse processo em brincadeira, congregando elementos que estão presentes em

um único desenho, ou simplesmente, associa e mistura diferentes desenhos, demonstrando a

essência do seu poder de faz-de-conta.

E a orientação estética, no sentido de sentir prazer de entrar em contato com outra

realidade, é o que proporciona a graça e a magia da brincadeira. Isso reforça que as crianças

fertilizam suas idéias quando incrementam seu repertório brincante com os desenhos

animados e vive intensamente esse momento, se identificando e incorporando as

representações que faz no seu mundo lúdico.

As referências lúdicas em comum que elas apresentam, de apreciar as mesmas

brincadeiras e receber influências semelhantes, cria um éthos45

social, um modo de

demonstrar suas características identitárias, sociais e culturais a respeito de suas brincadeiras.

Isso fortalece os laços afetivos e brincantes entre as crianças, como um cimento social,

ligando as crianças aos desenhos animados, e assim, produz uma multiplicidade de

experiências brincantes, exprimindo a cultura lúdica infantil.

O contato com a linguagem lúdica dos desenhos animados conecta o Lebenswelt46

da

criança a essa realidade imaginária, transpondo as imagens da TV para o seu cotidiano

brincante, alimentando o seu imaginário e suas brincadeiras. Possibilita a identificação e um

44

Segundo o dicionário Houaiss, significa espírito de uma época determinada; característica genérica de um

período específico. 45

Segundo o dicionário Houaiss, significa conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do

comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, idéias ou crenças), característicos de uma

determinada coletividade, época ou região. 46

Mundo-vida, cotidiano (MAFESSOLI, 2004).

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apego à representação simbólica do desenho e a união dos atores sociais no ambiente

brincante de um mundo lúdico em comum.

O desenho animado evidencia a forma que a criança tem de interagir com a sociedade,

e para ela, ―[...] o que conta é a partilha cotidiana e segmentada de emoções e de pequenos

acontecimentos‖ (MAFFESOLI, 2004, p. 23), de comungar sobre as mesmas experiências, de

se divertir, de estimular a sua fantasia e poder compartilhá-la com as outras crianças nos

eventos brincantes. É a forma de expressão do imaginário infantil, acimentando a infância à

cultura lúdica contemporânea.

Parafraseando Maffesoli (2004, p. 20), essa união entre telespectador e a linguagem

midiática demonstra uma ―cola‖ da sociedade ―pós-moderna‖, estabelecendo as formas de

relações sociais orgânicas e as sinapses sociais, ou seja, simplesmente estar junto, fazer junto

e por que não, imaginar junto?

Essa socialidade se junta com a comunicação e a expressão infantil, a partir dos

desenhos animados, e também com as relações de consumo, que por sua vez, passa pela

liquidez da ―pós-modernidade‖ baumaniana e deve ser consumida rapidamente, isto é,

aproveitada de forma intensa, pois logo virá outra imagem ou brincadeira para substituí-la.

Funciona como uma metáfora de um ―veículo em movimento‖, uma veia condutiva da

infância, onde o consumo é o combustível para a sua imaginação e o movimento se dá através

da transformação, transitoriedade e espontaneidade das brincadeiras.

A pesquisa possibilitou um espaço singular de tradução do conhecimento brincante

das crianças, oferecendo possíveis ligações e significações com o imaginário e a conduta

lúdica infantil nos interstícios lúdicos da brincadeira. Ao brincar, a criança se socializa, se

movimenta, forma parcerias, explora o ambiente e situações cotidianas, fortalece seu eu e se

expressa com uma rica linguagem lúdica infantil.

Este estudo quis mostrar que a criança brinca de diferentes formas: com o seu corpo,

com a sua imaginação, com o outro e com a TV, mas especificamente, com os desenhos

animados. Porém, suas brincadeiras flutuam pelo aspecto tradicional, simbólico e

contemporâneo, com ênfase na tradição, à sombra do mais velho e à influência da mídia

televisiva, permitindo que essas ao brincar subsumam ao arbítrio de sua imaginação,

assumindo personagens, desejando o impossível e explorando o seu poder e agressividade.

Todos esses pontos ligados as diferentes experiências das crianças estão amparadas

por algumas ferramentas brincantes: o corpo, brincadeiras tradicionais, imaginário e os

personagens dos seus desenhos animados favoritos. São vivenciadas e significadas através da

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tradição, da atualização e da mutação que elas sofrem dependendo da visibilidade do ser

brincante, reconfigurando a cultura lúdica do nosso tempo.

É como se as crianças pudessem olhar através de um espelho mágico, um espelho que

refletisse o seu imaginário ― o espelho do imaginário ―, e assim, conseguir dominar a

experiência da transformação: ser, ver, sentir, construir e reconstruir o que deseja, além de se

pôr na situação do outro, neste caso, dos personagens, e tentar encontrar soluções para as

situações-problema que poderiam aparecer, pois sabem que o real está próximo. Essas

interligações e interações são vivenciadas pela criança graças ao poder do imaginário, com o

suporte de seu brinquedo televisivo e os elementos que o compõe.

Quando a criança consegue controlar esse universo particular da brincadeira, tudo se

torna mutável e surpreendente, pois o que faz parte de seu imaginário e o que ela vê através

desse espelho, será a mistura de imagens que ela conseguiu captar e unir as suas fantasias e

devaneios, produzindo a sua cultura lúdica.

Esse mistério visto pelo olhar infantil é percebido quando a criança assiste a seus

desenhos animados, a graça proporcionada por eles que vai transbordar de magia o imaginário

infantil, como se abrisse o schatz kastlein47

da infância, e assim, pudesse descobrir o que ela,

a criança, esconde, vivencia e compartilha, incorporando tudo isso as suas experiências

brincantes.

Então, o espelho do imaginário sugere uma ligação com o lúdico, com a possibilidade

de ver, ter e se transformar no que desejar através dele, a partir do momento que atravessam

esse espelho e simplesmente imaginam. Elas conseguem trazer para a sua realidade de

fantasia todos os personagens e histórias dos seus desenhos favoritos e movimentar a

brincadeira, se tornando sua ferramenta lúdica para conseguir adentrar no mundo fantástico da

brincadeira.

Metaforizando ainda mais, é como se as atividades brincantes passassem por um

processo de estados físicos da brincadeira, se transformando em fases: líquida, sólida e

gasosa. Como a água, a brincadeira também apresentaria possibilidades proteiformes de

mudar de estado, caracterizando a ligação com a dita sociedade ―pós-moderna‖ e seu status

quo na contemporaneidade.

Isso sugeriria que a brincadeira ao estar no estado líquido, receberia um aspecto fluido,

tomando a forma e se ajustando com quem estivesse brincando. Isto é, nem todos brincam

47

Caixa de tesouros, precioso.

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com personagens de desenhos animados da mesma forma, alguns inserem elementos da sua

realidade bem como deixam a sua assinatura na brincadeira, identificando-a.

Outra característica da brincadeira no estado líquido é que ela se combinaria

facilmente com outras, já que é de fácil solução, irrigando o terreno brincante, de acordo com

a vontade, a imaginação e o critério da criança e/ou de sua troça, caracterizando elementos da

―pós-modernidade‖. Como vimos, observamos esses pontos por meio da mutação dos

personagens, a união de brincadeiras tradicionais e atuais e as brincadeiras agressivas tanto

por parte dos meninos como das meninas.

A brincadeira no estado sólido viria como uma maneira de expressar sua forma

própria, sua consistência ao realizar o ato brincante, resistindo ao tempo, como é o caso de

todas as experiências brincantes pelas quais a criança permanece desenvolvendo com o

mesmo sentido: brincadeiras tradicionais, de retratar o cotidiano e o adulto, as brincadeiras

com objetos atemporais como as bonecas e a bola. Esse aspecto vai de forma contrária aos

ideais pós-modernos, de incerteza e de variação.

Por outro lado, a brincadeira também estaria no estado sólido quando ela se

materializasse no corpo do ser brincante, base para o imaginário agir no real mundo ilusório

da infância, apresentando uma maneira dinâmica e ativa de se socializar com o conteúdo do

desenho animado.

No estado gasoso, a brincadeira assumiria como característica principal a

transformação. Dando uma sensação de movimento e de atualização, de mudar de estado

físico durante a brincadeira. Percebemos isso no momento que a criança se transforma no seu

personagem favorito e busca sempre a renovação, misturando personagens, tipos de

brincadeiras e ambientes brincantes.

Não podemos esquecer que nessas mudanças de estado físico ocorrem a fusão,

solidificação, vaporização, evaporação e a sublimação, constituindo o que representam cada

mudança de estado físico no decorrer da brincadeira.

Tanto a fusão, que é a passagem do estado sólido para o líquido, como a solidificação,

do líquido ao sólido, é representada, por exemplo, como as identidades contraditórias e a

ambigüidade durante a brincadeira, como a questão do gênero e os aprendizados brincantes.

Já a vaporização, que é a passagem do estado líquido para o gasoso, pode ser

relacionada a um grande potencial para impregnar o que a criança gostaria de manipular, ou

seja, a passagem da fluidez da brincadeira para a multiformidade brincante que pode

possibilitar. Acrescentando ainda que quando a criança brinca, ela consome imagens e gestos

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brincantes, e em questões de segundos, podem mudar a brincadeira, ou seja, a brincadeira

passa para o estado de evaporação, que faz parte desse processo de dissipar as ilusões.

E por fim, a sublimação, que é caracterizado como a passagem direta do estado sólido

para o estado gasoso, que pode ser percebido nos momentos imaginativos. Agem de maneira a

consumir o desenho animado, como algo sólido, e através das representações e sonhos, como

um processo de ex-istir, como considera Maffesoli, no sentido de movimento, de sair de si, ir

para fora, é tão intenso e forte, que se transformam, brincam e se evaporam. Somente quando

sentem necessidade de brincar novamente, fazem o processo inverso, e isso, acontece com

todos os estados físicos da brincadeira, possibilitando um modus faciendi particular.

Deste modo, observando as falas e a contemplação dos atos das crianças pesquisadas

nos deu a dimensão do que seria se aproximar e compreender o imaginário, a cultura lúdica

infantil e as suas experiências brincantes. Permitiu que suas fantasias ganhassem corpo e

fossem compartilhadas, oferecendo um espaço de mistério ao tentar descobrir o que as

crianças iriam revelar e a sua ligação com o lúdico, apresentando a luz para uma nova visão

para o mundo da infância.

O momento em que eles constroem e reconstroem as histórias, mistura personagens e

cenas, que o seu imaginário é fortalecido. Saber sobre essas situações e comportamentos das

crianças nos faz repensar a forma de trabalhar com esses conteúdos próprios da infância e

extremamente fértil na cultura infantil. É uma maneira de valorizarmos o processo que

constitui as brincadeiras atuais e significar a imaginação infantil e os seus suportes.

Como contribuição do estudo, a pesquisa quis suscitar reflexões sobre as influências

brincantes da criança e o poder do desenho animado na vida infantil, traçando a proximidade

e a transformação no âmbito da produção de brincadeiras lúdicas a partir dos desenhos

animados.

E com isso, sugerir aos professores, que trabalham com crianças, observar, discutir e

experimentar o que as crianças fazem em seu dia-a-dia, com quem e com o quê brincam. A

fim de possibilitar o contato com o seu repertório brincante e o conjunto das múltiplas

influências sobre a brincadeira, e assim, mobilizá-los a desfazer preconceitos e a descobrir

saberes brincantes sobre o mundo da infância.

O caminho para compreender a relação da infância com a cultura lúdica é incorporar

esses saberes infantis ao conteúdo escolar, aproveitando as vicissitudes da brincadeira, o valor

e a experiência a ser compartilhada no presenteísmo. E aceitar os atuais padrões e a

dinamicidade das influências brincantes poderá ajustar as disposições duráveis das crianças ou

o conteúdo à matriz escolar que as orienta, reformulando-a.

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Pesquisar sobre uma visão mais ampla a respeito do imaginário infantil nos dias de

hoje, nos possibilita interagir com o que as crianças vêem e brincam, e assim, identificar o

repertório de brincadeiras infantis contemporâneas em diferentes espaços brincantes e o uso

dos seus diferentes avatares. Ou seja, sugere-se que consigamos enxergar um saber brincante

por meio do espelho imaginário e pelos estados físicos da brincadeira.

Com isso, surge uma via de mão dupla entre o sujeito e a sua cultura dentro e fora dos

micro-espaços da sociedade ―pós-moderna‖. Esse é o caminho que foi percorrido e que

precisa ser ainda mais explorado por quem tem interesse em conhecer as estruturas que

alicerçam o mundo das atividades brincantes infantis, bem como seus labirintos fantasiosos.

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ANEXOS

Roteiro de perguntas:

Data:

Escola:

Série:

Local:

Nº de entrevistados do sexo masculino:

Nº de entrevistados do sexo feminino:

Nome e idade dos entrevistados do sexo masculino:

Nome e idade dos entrevistados do sexo feminino:

CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA

1- Você gosta de ser criança?

2- É bom ser criança? Por quê?

3- O que você faz que só criança pode fazer?

4- O que você faz quando está em casa?

5- Você tem irmãos?

6- Com quem você brinca?

7- Você brinca sozinho ou com seu irmão?

8- Você brinca de quê em casa?

9- Você tem brinquedos?

10- Qual brinquedo você mais gosta?

11- O que é brinquedo?

12- Eles são caros ou baratos?

13- Você traz brinquedos para escola?

14- Como você brinca com seu brinquedo?

15- E como você brinca quando não tem brinquedo?

16- O que você imagina quando brinca com brinquedo e sem brinquedo?

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BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

1- Você gosta de brincar? Por quê?

2- Onde você mais gosta de brincar? Por quê?

3- Qual brincadeira você gosta mais de brincar na escola? Por quê?

4- Você gosta de brincar na escola sozinho ou com colegas? Por quê?

5- Do que você brinca na entrada?

6- Do que você brinca na sala de aula?

7- Do que você brinca no recreio?

8- Do que você brinca na aula de Educação Física?

9- Do que você brinca na brinquedoteca?

10- Do que você brinca na saída?

11- Brincar em todos esses lugares é a mesma coisa?

12- O que você sente quando brinca?

13- Do que você não gosta de brincar?

TELEVISÃO E DESENHO ANIMADO

1- Você tem TV em casa?

2- Quantas TVs você tem?

3- Elas são grandes?

4- Você gosta de assistir TV?

5- Você fica muito tempo assistindo TV na sua casa?

6- Seus pais deixam ou brigam quando você fica muito tempo vendo TV?

7- Seus pais gostam quando brincam de personagens de desenho animado? Por quê?

8- O que você não gosta de ver na TV?

9- Com quem você assiste TV?

10- O que você gosta de ver?

11- Qual o canal que você assiste?

12- Você gosta de ver desenho animado?

13- Qual desenho animado você assiste?

14- O que você gosta mais nesses desenhos animados?

15- O que passa na sua cabeça quando assiste a esses desenhos?

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16- Você brinca com eles?

17- Como você brinca?

18- Onde você brinca com eles?

19- Você brinca depois que assiste TV?

20- O que você faz quando chega da escola?

21- Você fica muito tempo assistindo TV na sua casa?

22- E na escola, você assiste TV?

23- O que você assiste?

24- Onde você assiste?

25- O que você acha?

26- Você brinca com o que você viu na TV na escola com seus colegas?

27- Você brinca com algum tipo de desenho animado na escola?

28- Como você brinca?

29- Você acha que você aprende alguma coisa com os desenhos animados? O qu? Por

quê?

30- O que eles ensinam de bom e de ruim? Por quê?

31- Você acha que você fica mais nervosa por causa dos desenhos animados que assiste?

32- O que você brinca ou já brincou que nenhuma professora ensinou? Você gostou? O

que tinha de legal pra você gostar?