influÊncia da erosÃo na remoÇÃo de fÓsforo em …...3. na parcela 4, a declividade é...

13
INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM UMA TOPOSSEQUÊNCIA NO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS (RJ) Antonio Soares da Silva 1 ; Helena Polivanov 2 ; Franklin dos Santos Antunes 3 ; Antonio Guerra 4 1 Instituto de Geografia, UERJ, [email protected] ; 2 Depto. Geologia, UFRJ; 3 Depto. Engenharia Civil, PUC-Rio; 4 Depto. Geografia, UFRJ Resumo O aumento da intensidade das atividades humanas tem levado a uma maior incidência dos processos erosivos. Amplamente estudados nas décadas de 80 e 90, atualmente o foco está mais direcionado nos impactos causados nos ambientes de saída e aporte dos sedimentos. Diversos estudos têm sido desenvolvidos e muito já se sabe sobre os impactos no local de deposição dos sedimentos. Este trabalhe teve como objetivo avaliar a remoção de nutrientes ao longo de uma topossequência de solos desenvolvidos sobre gnaisse. O estudo foi efetuado a partir da instalação de parcelas experimentais em quatro diferentes setores da vertente. Cada um destes setores procurou representar a variabilidade espacial dos solos. Foram realizados quatro experimentos de chuva simulada, cujo objetivo foi gerar escoamento superficial e a consequente remoção de sedimentos. Os resultados indicam uma forte remoção de nutrientes localizados no setor de maior declividade e que correspondem às parcelas 1, 2 e 3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor que na parcela 1, 27,9% menor que na parcela 2 e 23,1% menor que na parcela 3. A avaliação da composição química dos solos localizados na base da encosta mostrou enriquecimento em bases. Na parcela 4, o valor V, foi no horizonte A de 77,84% e no horizonte B, foi de 55,61%. Nos demais solos localizados a montante o maior valor V encontrado ocorreu na parcela 3, sendo de 35,68%. Estes e os demais dados coletados durante a pesquisa reforçam a influência da erosão, como condicionador das características físicas e principalmente químicas dos solos de encosta. A remoção de sedimentos e nutrientes dos solos localizados a montante indica que outros elementos estão sendo erodidos e acumulando-se próximo a base da vertente ou mesmo chegando aos cursos d’água, podendo alterar significativamente suas características químicas. Palavras chave: Erosão, nutrientes, fertilidade Abstract The increase in human activities has led to a higher incidence of erosion processes. These processes have been investigated during the 80s and the 90s, and more recently the target of the research is more focused on the impacts on the environment, related on sediment input and sediment delivery. Several researchers have been carried out and we know a lot about the impacts on the deposition area. This paper regards the assessment of nutrients depletion throughout a soil topossequence, developed on a gneiss outcrop. The study has been developed on the basis of setting up four experimental plots, on a slope segment. Each segment aimed to represent the soils spatial variabilty on the slope. Four simulated rainfall experiments aimed to produce runoff and, consequently, sediment transportation. The results point out a strong nutrients depletion, located on the highest slope steepness, which correspond to plots 1, 2 and 3. On plot 4, slope angle is smaller and phosphorus depletion on the first simulated rainfall was 14.4 % smaller than on plot 1, 27.9% smaller than on plot 2, and 23.1% smaller than on plot 3. The assessment of the chemical composition of the soils located on the foot slope has shown an enrichment of the basis. On plot 4, the value V, on the A horizon was 77.84% and on B horizon was 55.61%. On the other soils, located upslope, the highest V value was found on plot 3, being 35.68%. These data and the other data collected during this research outline the role of soil erosion as a conditioner of the physical and chemical soil properties on the slopes. The depletion of sediments and nutrients located upslope indicate that other elements are eroded and are deposited on the foot slope or even they may reach the river waters, and consequently they might alter their chemical properties. Key words: Erosion, nutients, fertility

Upload: others

Post on 24-Jun-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM UMA TOPOSSEQUÊNCIA NO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS (RJ)

Antonio Soares da Silva1; Helena Polivanov2; Franklin dos Santos Antunes3; Antonio Guerra4

1Instituto de Geografia, UERJ, [email protected]; 2 Depto. Geologia, UFRJ; 3 Depto. Engenharia Civil, PUC-Rio; 4 Depto. Geografia, UFRJ

Resumo O aumento da intensidade das atividades humanas tem levado a uma maior incidência dos processos erosivos. Amplamente estudados nas décadas de 80 e 90, atualmente o foco está mais direcionado nos impactos causados nos ambientes de saída e aporte dos sedimentos. Diversos estudos têm sido desenvolvidos e muito já se sabe sobre os impactos no local de deposição dos sedimentos. Este trabalhe teve como objetivo avaliar a remoção de nutrientes ao longo de uma topossequência de solos desenvolvidos sobre gnaisse. O estudo foi efetuado a partir da instalação de parcelas experimentais em quatro diferentes setores da vertente. Cada um destes setores procurou representar a variabilidade espacial dos solos. Foram realizados quatro experimentos de chuva simulada, cujo objetivo foi gerar escoamento superficial e a consequente remoção de sedimentos. Os resultados indicam uma forte remoção de nutrientes localizados no setor de maior declividade e que correspondem às parcelas 1, 2 e 3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor que na parcela 1, 27,9% menor que na parcela 2 e 23,1% menor que na parcela 3. A avaliação da composição química dos solos localizados na base da encosta mostrou enriquecimento em bases. Na parcela 4, o valor V, foi no horizonte A de 77,84% e no horizonte B, foi de 55,61%. Nos demais solos localizados a montante o maior valor V encontrado ocorreu na parcela 3, sendo de 35,68%. Estes e os demais dados coletados durante a pesquisa reforçam a influência da erosão, como condicionador das características físicas e principalmente químicas dos solos de encosta. A remoção de sedimentos e nutrientes dos solos localizados a montante indica que outros elementos estão sendo erodidos e acumulando-se próximo a base da vertente ou mesmo chegando aos cursos d’água, podendo alterar significativamente suas características químicas.

Palavras chave: Erosão, nutrientes, fertilidade

Abstract The increase in human activities has led to a higher incidence of erosion processes. These processes have been investigated during the 80s and the 90s, and more recently the target of the research is more focused on the impacts on the environment, related on sediment input and sediment delivery. Several researchers have been carried out and we know a lot about the impacts on the deposition area. This paper regards the assessment of nutrients depletion throughout a soil topossequence, developed on a gneiss outcrop. The study has been developed on the basis of setting up four experimental plots, on a slope segment. Each segment aimed to represent the soils spatial variabilty on the slope. Four simulated rainfall experiments aimed to produce runoff and, consequently, sediment transportation. The results point out a strong nutrients depletion, located on the highest slope steepness, which correspond to plots 1, 2 and 3. On plot 4, slope angle is smaller and phosphorus depletion on the first simulated rainfall was 14.4 % smaller than on plot 1, 27.9% smaller than on plot 2, and 23.1% smaller than on plot 3. The assessment of the chemical composition of the soils located on the foot slope has shown an enrichment of the basis. On plot 4, the value V, on the A horizon was 77.84% and on B horizon was 55.61%. On the other soils, located upslope, the highest V value was found on plot 3, being 35.68%. These data and the other data collected during this research outline the role of soil erosion as a conditioner of the physical and chemical soil properties on the slopes. The depletion of sediments and nutrients located upslope indicate that other elements are eroded and are deposited on the foot slope or even they may reach the river waters, and consequently they might alter their chemical properties.

Key words: Erosion, nutients, fertility

Page 2: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

Introdução

A erosão dos solos está ligada diretamente a processos naturais que promovem a remoção de

grande quantidade de materiais presentes nas encostas e os transportam para os locais mais baixos do

relevo. Os mecanismos associados ao processo erosivo foram descritos por diversos autores, que

relacionam características das chuvas, encostas, solos, cobertura vegetal e outros para explicar a maior

ou menor intensidade do processo erosivo (Morgan, 1986; Kirkby e Morgan, 1980; Guerra, 2008).

O uso irracional do solo contribui para o desequilíbrio do meio ambiente como um todo. O

processo tem início com a perda do horizonte A (mais fértil), chegando em alguns casos a expor e

perder o horizonte B, evoluindo para formas mais graves, como ravinas e voçorocas.

Nas áreas agrícolas o processo erosivo acarreta invariavelmente na remoção de parte dos

nutrientes implicando assim em maior necessidade de aplicação dos fertilizantes, o que pode acarretar

na contaminação dos solos e da água do escoamento superficial e dos rios (Ramalho et al. 2000). Para

estes autores o objetivo da utilização dos agroquímicos é proteger lavouras da incidência de pragas,

porém estas práticas causam a degradação química do solo como resultado do acúmulo de elementos

e/ou compostos tóxicos em níveis indesejáveis.

A erosão laminar é a que apresenta maior transporte de material ao longo das encostas. Ravinas e

voçorocas, apesar de representarem formas mais avançadas, não conseguem remover grande

quantidade de sedimentos, servindo de escoamento para o material erodido pelo fluxo laminar

(Morgan, 1986; Guerra, 2008).

A perda de nutrientes e outros elementos pela erosão ocorre devido a ausência de práticas de

conservação do solo. Através de parcelas experimentais cultivadas com olerícolas submetidas a

diversos manejos Núñez et al. (1999) observaram que a contaminação do solo, sedimentos e água são

diferenciadas e ocorrem de acordo com o sistema de manejo. As maiores perdas por erosão ocorreram

no sistema de preparo morro abaixo, sendo o responsável pela concentração de cádmio, níquel,

chumbo, zinco e manganês nos cursos d’água, com risco de contaminação de animais e plantas

irrigadas. No solo com sistema de preparo em cultivo mínimo, ocorreram menores perdas por erosão e

maior concentração daqueles elementos no solo.

A calagem e a adubação são atividades fundamentais para a produção agrícola. A qualidade de

um fertilizante ou um corretivo está relacionada aos atributos ou características que têm participação

direta na sua eficiência. Em suma, os produtos mais baratos apresentam uma maior quantidade de

elementos inúteis às plantas e nocivos ao meio ambiente (Alcarde e Rodella, 2003).

O transporte de elementos químicos através da erosão normalmente ocorre quando os mesmos

estão adsorvidos aos sedimentos da encosta (McLean e Bledsoe, 1992; Oliveira Jr., 2002). Os

mecanismos de sorção / dessorção, precipitação / dissolução, formação de complexos e reações de oxi-

Page 3: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

redução são afetados direta e indiretamente pelo pH. Ainda que possam ocorrer variações em função

de características específicas do solo, o aumento do pH promove o aumento da mobilidade de metais

catiônicos, devido à formação de complexos de metais com matéria orgânica dissolvida (McLean e

Bledsoe, 1992).

Os mecanismos de erosão e deposição resultam em redução da qualidade do solo e também dos

corpos hídricos onde aportam os sedimentos. As alterações envolvem modificações na composição

química e física da água. Em Santa Catarina, a implantação do Projeto de Microbacias Hidrográficas

resultou em uma melhoria significativa na qualidade da água. A adoção de práticas de conservação do

solo e da água reduziu significativamente a quantidade de sedimentos nos corpos hídricos (Santa

Catarina, 1994).

Um dos principais parâmetros físicos da água afetados pelo excesso de sedimentos é a turbidez.

Águas com alta turbidez impedem a entrada de luz, caindo a taxa de produção primária do

ecossistema, afetando toda a cadeia alimentar, alterando inclusive os padrões de produção e consumo

de gases como oxigênio, gás carbônico, sulfatos, entre outros (Silva, et al., 2003; Tundisi, 2003).

A atividade agrícola é considerada uma das principais fontes de fosfato e nitrogênio para os

ecossistemas lacustres. O aumento do teor de fósforo nos corpos hídricos continentais vem

aumentando à medida que houve a necessidade de se produzir novos fertilizantes fosfatados para se

incrementar a produção agrícola (Esteves, 1988).

Dentre os vários elementos químicos que aportam nos corpos hídricos, o nitrogênio e o fósforo

têm ganhado atenção especial por participarem diretamente do metabolismo dos ecossistemas

aquáticos. O nitrogênio participa da formação de proteínas, um dos componentes básicos da biomassa,

e quando presente em baixas concentrações, pode atuar como fator limitante na produção primária dos

ecossistemas aquáticos. O fósforo atua no armazenamento de energia e estruturação da membrana

celular. Na maioria das águas continentais, o fósforo é o principal fator limitante de sua produtividade

e tem sido responsável pela eutrofização desses ecossistemas (Silva, et al., 2003).

Este trabalho tem como objetivo: (1) avaliar a remoção de fósforo ao longo de uma encosta

através da presença nos sedimentos em trânsito na vertente; (2) avaliar o aporte de nutrientes e as

mudanças nas características químicas dos solos localizados na base da vertente.

Materiais e métodos

A área de pesquisa está situada no município de Petrópolis, região serrana do estado do Rio de

Janeiro (Figura 1). Geomorfologicamente predominam cristas e encostas íngremes que estão

relacionadas aos degraus da Serra do Mar em direção ao interior. Os vales dos rios são

predominantemente estreitos e alongados. Geologicamente a área está inserida no Batólito Serra dos

Órgãos (Penha et al., 1981), constituído por biotita gnaisses e biotita gnaisses graníticos à tonalitos, de

granulação grosseira e coloração cinza clara a rosada, sendo bastante homogêneo e rico em microclina

Page 4: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

e apresentando quartzo grosseiro em gotas. A textura é levemente orientada, granoblástica e mais

localmente lepidoblástica. Quartzo e feldspato apresentam-se bastante fraturados e contém muitas

inclusões, principalmente de apatita, zircão e biotita. A microclina apresenta-se subédrica, com

inclusões de quartzo e plagioclásio, que também inclusiona o quartzo; sericita parece preencher as

fraturas de microclina. Contatos interdigitados entre o quartzo e o plagioclásio e entre o plagioclásio e

o k-feldspato localmente dão à rocha uma textura mimerquítica. Dentre os máficos, o mineral mais

comum é a biotita de cor marrom amarelada. Em geral, as palhetas de biotita são orientadas, embora

não seja a característica marcante. Os acessórios mais comuns são a apatita, titanita, alanita e zircão.

Os opacos mais comuns são a magnetita e a pirita.

Figura 1: Mapa de localização do município de Petrópolis.

O padrão de drenagem é bem irregular sendo controlado na sua maior parte por várias direções

de fraturamento. Na região entre Itaipava e Correias, o rio Piabanha, o principal da região, forma um

vale aberto com curso meandrante e apresenta um estágio de evolução relativamente maduro. Em

comparação com o resto da área, a drenagem nesta região é mais densa e apresenta padrões mais

dentríticos (Penha et al., 1981).

Page 5: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

Na pesquisa desenvolvida por Botelho (1996) no Vale do rio Cuiabá, foram mapeadas as

seguintes unidades de solos: Latossolo Vermelho-Amarelo, Argissolo Vermelho-Amarelo, Latossolo

Vermelho-Amarelo argissólico, Argissolo Vermelho-Amarelo latossólico, Cambissolo, Neossolo

Flúvico e Neossolo Litólico.

O mapeamento dos solos do distrito de Itaipava (Petrópolis), desenvolvido por Silva et al.

(1999), encontrou Latossolo Vermelho-Amarelo, na alta e média encosta; o Argissolo Vermelho-

Amarelo, no terço inferior de vertentes em colinas suavizadas; o Cambissolo, em trechos mais

elevados, em relevo ondulado à montanhoso; o Neossolo Litólico, nas áreas mais íngremes, próximas a

afloramentos de rocha e sopé de paredões rochosos, em áreas de depósito de tálus; e Neossolo Flúvico,

restrito aos terraços ao longo dos principais cursos d’água. O trabalho aponta ainda a existência de

solos intergrades entre as classes Latossolo Vermelho-Amarelo e Argissolo Vermelho-Amarelo.

Os solos são fortemente ácidos (pH entre 4,3 e 5,3), sendo moderadamente ácidos e praticamente

neutros nos Neossolos Flúvicos cultivados e adubados. Todos os solos apresentam argila de baixa

atividade, distróficos, sendo essencialmente cauliníticos e gibsíticos. A maioria dos solos apresenta

caráter álico. Tais informações nos remetem a solos de baixa fertilidade natural, forte grau de

intemperização e baixa a moderada susceptibilidade à erosão, quando observadas as características

pedológicas (Botelho et al.,1999; Silva et al. 1999).

Assim como em quase todo o estado do Rio de Janeiro, na região serrana também ocorre uma

redução significativa das precipitações nos meses de inverno (junho a setembro). A Serra do Mar serve

como barreira física para os ventos úmidos vindos do litoral. Quando ultrapassam a serra estes ventos

já se apresentam com pouca umidade (Bernardes, 1952; Nimer, 1972). Durante o verão são observadas

precipitações muito intensas, enquanto que durante o inverno ocorre uma grande redução da

pluviosidade. As médias mensais durante os meses de verão (dezembro a março) são superiores a 150

mm e no inverno as médias mensais são inferiores a 50 mm.

Assim como as demais áreas do estado do Rio de Janeiro a cobertura vegetal era a Mata

Atlântica. Quando do início da ocupação das terras do município de Petrópolis a concessão de terras

promoveu uma intensa retirada desta floresta para dar início a plantação de café, que posteriormente

foi substituído pelas pastagens (Lamego, 1963). Atualmente, são poucas as áreas onde ainda se pode

observar a presença da Mata Atlântica. Algumas áreas são destinadas a produção de hortaliças.

A retirada da floresta original, a implantação da cultura do café e da pecuária foi um dos grandes

responsáveis pelo desencadeamento dos processos erosivos difusos e concentrados encontrados na

região. A forte declividade e a ausência de práticas de conservação do solo e da água aumentaram para

a degradação das terras e dos rios da bacia.

A caracterização dos solos da vertente foi executada através de sondagens a trado e da abertura

de trincheiras. Para o desenvolvimento da pesquisa foram montadas 4 parcelas experimentais. O local

de instalação das parcelas obedeceu às características encontradas nos solos. Foi instalada uma parcela

Page 6: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

próximo ao divisor de água, a segunda no terço superior, a terceira no terço inferior e a quarta parcela

próximo a base da vertente.

As parcelas, com dimensão de 1,00 x 0,50 m, foram montadas com chapas de aço galvanizado.

As parcelas 1, 2 e 3, localizadas no trecho de maior declive, foi aplicada 50,55g de fertilizante

superfosfato simples da Cargill S/A e 137,94g de NPK fabricado pela Fertipar, com a seguinte

formulação 30-00-10. Na parcela 4, localizada na base da vertente, foi aplicado 27,28g do superfosfato

simples e 137,94g de NPK. A concentração de fósforo é de 16x103mg/kg no superfosfato simples e de

47,50mg/kg no NPK.

A obtenção do escoamento superficial foi obtida a partir da aplicação de água com um regador

com capacidade de 20 litros e com redutor de vazão. A altura do regador foi mantida em 1 metro. A

quantidade de água aplicada em cada uma das parcelas foi de aproximadamente 25mm/h. Este dado foi

obtido com um pluviômetro plástico instalado em cada uma das parcelas.

Na base das parcelas foi instalado um balde plástico para a coleta dos sedimentos e água

perdidos pelo escoamento superficial. O conteúdo foi homogeneizado e transferido para uma garrafa

plástica com capacidade de 0,5L. O conteúdo das garrafas foi levado ao laboratório para análise dos

teores de fósforo nos sedimentos e água.

Ao lado de cada uma das parcelas foram coletadas amostras de solos para determinação do teor

de fósforo e do complexo sortivo. Após a realização dos experimentos, foram coletadas amostras dos

solos dentro das parcelas, para avaliação da quantidade de fósforo remanescentes nos solos. Foram

amostrados os horizontes A, na profundidade de até 5cm e o horizonte B, na profundidade entre 60 e

70cm.

A determinação dos micronutrientes presentes nos solos (Na+, Fe3+, Mn2+, Cu2+ e Zn2+), do K+ e

do P foi obtida através do extrator Mehlich-1. O enxofre através do extrator fosfato monocálcico. E o

boro através da água quente. Para a determinação do fósforo presente na água e nos sedimentos foi

utilizado a solução extratora de Mehlich-1.

Resultados e discussão

Os resultados serão apresentados na seguinte ordem: (1) resultados das análises efetuadas no solo

fora dos limites das parcelas; (2) resultados das análises do solo localizados dentro das parcelas; (3)

resultados das análises nos sedimentos e na água do escoamento superficial.

Em síntese, a toposseqüência apresenta um enriquecimento de nutrientes o sentido do topo para a

base. Este processo foi associado à erosão que remove das áreas de montante e deposita à jusante.

Dentre os micronutrientes analisados, ferro, boro e enxofre apresentaram redução na quantidade no

sentido topo-base (Tabela 1). O enxofre passa de 15,2 mg/dm³ no topo da vertente para 5,4 mg/dm³ na

Page 7: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

base. O boro apresenta baixa correlação e praticamente não sofre alterações ao longo da encosta,

apesar do solo da parcela 2 apresentar 0,4 mg/dm³ e na parcela 4 (base) este valor ser de 0,2 mg/dm³. O

teor de ferro apresenta maiores variações ao longo da vertente. Próximo ao topo (parcela 1) o valor de

ferro é de 202,0 mg/dm³ e na parcela 4 o valor é de 154,0 mg/dm³ (Figura 2). Os demais nutrientes

apresentam valores crescentes no sentido topo-base, notadamente o zinco e o cobre, que passam de 1,2

mg/dm³ e 0,6 mg/dm³ no topo da vertente para 8,0 mg/dm³ e 1,5 mg/dm³ na base da vertente,

respectivamente (Figura 3).

Tabela 1: Teor de micronutrientes nos solos da toposseqüência.

Parcela Hz Prof. S Na B Fe Mn Cu Zn (cm) mg/dm3

P1 A 0 – 5 15,2 1,3 0,3 202,0 11,0 0,6 1,2 B 60-70 11,4 1,0 0,2 142,0 4,0 0,5 0,9

P2 A 0 – 5 14,0 2,5 0,4 240,0 33,0 0,6 2,0 B 60-70 15,6 2,0 0,3 168,0 12,5 0,5 1,0

P3 A 0 – 5 11,2 9,0 0,2 138,5 46,5 0,7 3,2 B 60-70 15,2 3,7 0,2 118,0 11,0 0,5 0,7

P4 A 0 – 5 5,4 1,5 0,2 154,0 67,5 1,5 8,0 B 60-70 14,4 1,0 0,3 135,5 22,0 0,6 1,6

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

300,0

P1 P2 P3 P4

mg/dcm³

SBFe

Figura 2: Variação no teor de Fe, S e B ao longo da vertente. O teor de ferro sofre maior variação

apresentando forte diminuição entre as parcelas 2 e 3.

Page 8: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

P1 P2 P3 P4

mg/dcm³

CuZnNaMn

Figura 3: O comportamento do Cu, Zn Mn e Na é aumentar em direção a base da vertente. Apenas o

Na apresenta redução na parcela 4.

Além dos micronutrientes, o pH e complexo sortivo mostram as mudanças nas características

químicas do solo no sentido topo-base da encosta. Nas parcelas 1, 2 e 3 os solos são distróficos e na

parcela 4 é eutrófico. A Soma de Bases passa de 2,20 cmolc/kg na parcela 1 para 5,62 cmolc/kg na

parcela 4. O pH, na parcela 1 é 5,5 na parcela 4 é 6,8, atingindo a quase neutralidade. O teor de fósforo

assimilável na parcela 1 é de 2,0 mg/dm3 e na parcela 4 o seu valor é de 5,0 mg/dm3 (Figura 4).

O valor V que indica a fertilidade dos solos mostra que no topo os solos são distróficos. Na

parcelas 1, 2 e 3 o valor V é 35,48%; 28,08%; e 35,68%, respectivamente. Na parcela 4, localizada na

base da vertente o valor V é 77,84% (Figura 5).

A melhoria das condições químicas do solo próximo a base da vertente está associada ao

processo erosivo. Os teores de fósforo obtidos no monitoramento das parcelas mostram teores deste

elemento muito elevados na água do escoamento superficial (Tabela 2), assim como nos sedimentos

removidos das parcelas experimentais (Tabela 3).

Page 9: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

P1 P2 P3 P4

ph H2OSB (cmol)P(mg/dm3)

Figura 4: A Soma de Bases é o valor que melhor expressa o enriquecimento dos solos ao longo da

vertente. O pH e o fósforo assimilável também apresentam aumento próximo a base da encosta.

V (%)

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

90,00

P1 P2 P3 P4

Figura 5: O valor V próximo a 80% indica a elevada fertilidade do solo na parcela 4. O solo da parcela

2 (terço superior) apresenta o menor valor V (inferior a 30%) indicando solo de baixa fertilidade.

Page 10: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

Tabela 2: Valores de fósforo presentes na água do escoamento superficial.

Data Parcela 1 Parcela 2 Parcela 3 Parcela 4 mg/L

15/jun 29,40 36,60 17,70 9,60 22/jun 15,10 4,44 11,50 5,50 05/jul 9,30 17,20 24,70 5,20 19/jul 9,70 11,30 11,90 5,00 Total 63,50 69,54 65,80 25,30

Tabela 3: Teor de fósforo nos sedimentos coletados nas parcelas.

Data Parcela 1 Parcela 2 Parcela 3 Parcela 4 mg/kg

15/jun 5663,00 2921,00 3518,00 814,00 22/jun 12,90 59,40 1,42 4,04 05/jul 409,00 734,00 133,00 318,00 19/jul 1120,00 1650,00 1330,00 670,00 Total 7204,90 5364,40 4982,42 1806,04

Nos quatro eventos chuvosos a parcela 1 perdeu um total de 63,5mg/L de fósforo, a parcela 2

perdeu 69,54mg/L, a parcela 3 perdeu 65,8mg/L e a parcela 4 perdeu 25,3mg/L (Figura 6). Estes

valores mostram claramente que parte dos nutrientes é transportada pela água do escoamento

superficial.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Parcela 1 Parcela 2 Parcela 3 Parcela 4

mg/kg

15/jun22/jun5/jul19/julTotal

Page 11: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

Figura 6: Variação do teor de fósforo na água do escoamento superficial. A parcela 2 foi a que

apresentou a maior perda total de fósforo.

A análise dos sedimentos revelou concentrações muito elevadas de fósforo. A parcela 1

apresentou a maior perda total de 7204,90mg/kg de fósforo. A parcela 2 apresentou uma perda total de

5364,4mg/kg de fósforo. A parcela 3 apresentou uma ligeira redução nos valores totais com

4982,42mg/kg de fósforo e a parcela 4 apresentou a menor taxa de fósforo removido junto aos

sedimentos transportados pelo escoamento superficial, com total de 1806,04mg/kg (Figura 7).

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

Parcela 1 Parcela 2 Parcela 3 Parcela 4

m/kg

15/jun22/jun5/jul19/julTotal

Figura 7: Variação do teor de fósforo presentes nos sedimentos removidos pela água do escoamento

superficial. A parcela 1 apresentou maior perda de fósforo, fato este que pode estar associado a

presença de Cambissolo próximo ao divisor de água.

O processo erosivo é mais acelerado no segmento de montante da topossequência, sendo este

influenciado diretamente pela declividade e mesmo pelas demais características dos solos. Na parcela

4, a declividade mais suave reduz significativamente o transporte de elementos como o fósforo, ainda

que a aplicação do fertilizante tenha sido 50% menor que a dosagem aplicada nos solos a montante. A

redução na perda de fósforo na parcela 4 é quase 3 vezes menor que na parcela 1.

Page 12: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

Conclusões

Os dados apresentados reforçam a importância da erosão no processo de remoção de nutrientes

ao longo das encostas. Nos trechos onde a declividade de vertente é maior, o processo erosivo é mais

eficiente na remoção de sedimentos e compostos químicos. Por outro lado se existe remoção em

trechos da vertente também ocorre a deposição de parte do material em trânsito.

Na sequência de solos estudados foi possível observar que o grande enriquecimento dos solos

localizados na base da vertente ocorre a partir da remoção de partículas de solos situados a montante.

O transporte do fósforo ocorre de duas formas: a primeira consiste na remoção de nutrientes

adsorvidos aos colóides orgânicos e minerais e a segunda a partir do fósforo solubilizado pela água do

escoamento superficial.

O aumento dos nutrientes na base da encosta se reflete em valores mais elevados de pH, soma de

bases, valor V e teor de fósforo assimilável.

Bibliografia

BERNARDES, L. M. C. Tipos de clima do estado do Rio de Janeiro. R. Bras. de Geog., Rio de

Janeiro, 14(1):57-80, 1952.

BOTELHO, R. G. M. Identificação de unidades ambientais na bacia do rio Cuiabá (Petrópolis - RJ)

visando o planejamento do uso do solo. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, PPGG, UFRJ, 1996,

112 p.

ESTEVES, F. A. Fundamentos de limnologia. Editora Interciência: FINEP, Rio de Janeiro, 1988.

GUERRA, A. J. T. Processos erosivos nas encostas. In: Geomorfologia: uma atualização de bases e

conceitos. Orgs.: A. J. T. Guerra e S. B. Cunha. Ed Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. 149-209, 2008.

KIRKBY, M. J. e MORGAN. R. P. C. Soil erosion. John Wiley. 1980.

LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. Rio de Janeiro. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Conselho Nacional de Geografia. 1963, 454 p.

MORGAN, R. P. C. Soil erosion and Conservation. Longman Group, Inglaterra, 1986. 298p.

NÚÑEZ, J. E. V.; AMARAL SOBRINHO, N. M. B.; PALMIERE, F.; e MESQUITA, A. A.

Conseqüências de diferentes sistemas de preparo do solo sobre a contaminação do solo, sedimentos e

água por metais pesados. R. Bras. Ci. Solo, Viçosa, 23:981-990, 1999.

PENHA, H. M.; FERRARI, A. L.; JUNHO, M. C. B.; SOUZA, S. L. A. e BRENNER, T. L. Relatório

Final - Folha Itaipava - Projeto Carta Geológica do Estado do Rio de Janeiro. Departamento de

Recursos Minerais/Departamento de Geologia (UFRJ). Niterói, 1981, 177 p.

Page 13: INFLUÊNCIA DA EROSÃO NA REMOÇÃO DE FÓSFORO EM …...3. Na parcela 4, a declividade é acentuadamente menor, a remoção de fósforo no primeiro evento chuvoso foi 14,4% menor

RAMALHO, J. F. G. P.; AMARAL SOBRINHO, N. M. B.; VELLOSO, A. C. X. Contaminação da

microbacia de Caetés com metais pesados pelo uso de agroquímicos. Pesq. agropec. bras., Brasília,

v.35, n.7, p.1289-1303, jul. 2000.

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento. Manual de uso, manejo e

conservação do solo e da água: projeto de recuperação, conservação e manejo de recursos naturais

em microbacias hidrográficas. 2a ed. rev., atual., e ampl. Florianópolis:EPAGRI, 1994. 384p.

SILVA, A. S., BOTELHO, R. G. M., SILVA, J. G. e MEIRELES, C. M. Estudo das relações solo,

geologia, relevo através de SGI em Itaipava (Petrópolis - RJ - Brasil). 14o Congresso Latino-

americano de Ciência do Solo (CD-ROM). Chile. 1999.

TUNDISI, J. G. Água no Século XXI: enfrentando a escassez. São Carlos, RIMA, IIE, 2003, 248p.