influÊncia do controle da etapa de molhagem

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209 INFLUÊNCIA DO CONTROLE DA ETAPA DE MOLHAGEM DOS GRÃOS NA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DA FARINHA DE TRIGO Ellen Almeida LOPES* Bernadette Dora Gombossy de Melo FRANCO* RESUMO: Na fabricação de farinha de trigo, a limpeza inadequada da superfície das roscas molhadora e distribuidora dos grãos permite a formação de uma crosta úmida que pode comprometer a qualidade e segurança microbiológica do produto final. Nesse estudo, realizado em três moinhos brasileiros, avaliou-se os efeitos da adoção de duas medidas de controle na etapa de molhagem dos grãos de trigo, a saber: a) remoção diária das crostas e uso de água clorada com 1 ou 2 ppm de cloro livre, b) remoção semanal das crostas e uso de água clorada com 100 ppm de cloro livre. Para monitoramento das medidas, foram efetuadas análises de bactérias indicadoras de higiene (aeróbias totais, coliformes totais e fecais) e de bolores e leveduras, de Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e pesquisa de Salmonella spp. Essas foram realizadas em amostras de crosta e de farinha de trigo, coletadas de 1 até 360 dias após a limpeza das roscas. B. cereus, S. aureus e Salmonella spp não foram detectados em nenhuma das amostras estudadas. Verificou-se que a diminuição do número dos microrganismos indicadores na crosta, em conseqüência da primeira medida de controle, foi insuficiente para produção de farinha de trigo capaz de atender a padrões de qualidade estabelecidos por duas empresas atuantes no setor e também pela legislação vigente (Resolução RDC 12, ANVISA). Por outro lado, análises de verificação, feitas na farinha de trigo, apontaram que a limpeza semanal das roscas e o emprego de água com 100 ppm de cloro livre reduziram acentuadamente o risco de rejeição do produto no mercado. PALAVRAS-CHAVE: Trigo; microbiologia; higiene, limpeza; processamento. INTRODUÇÃO Os cereais, e a farinha de trigo em especial, são componentes essenciais na dieta do ser humano. A microbiota dos grãos de cereais é composta principalmente por microrganismos provenientes do solo, que podem ser subdivididos em dois grupos: aqueles que tendem a *Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - USP - 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil. desaparecer após a colheita, e os que permanecem nos grãos durante a estocagem. 7 Outros microrganismos contaminam os grãos durante o processamento, por falhas de higiene no processo de fabricação da farinha 4 . Antes da colheita, o número de bactérias presentes na superfície de grãos de trigo pode ser bastante elevado, com predominância de enterobactérias, Bacillus spp e Clostridium spp. 7 . Após a colheita e secagem, a contaminação microbiana reduz-se rapidamente. Grãos de cereais íntegros e selecionados geralmente têm carga microbiana baixa, mas devido à umidade do ambiente e procedimentos inadequados de limpeza dos equipamentos, essa carga pode aumentar, com destaque para os fungos. O controle da umidade é particularmente importante, já que farinhas com umidade inferior a 12% não permitem a multiplicação microbiana 4 . Entre as bactérias mais comumente encontradas em farinha de trigo destacam-se Flavobacterium, Pseudomonas, e esporos de bactérias termófilas e as causadoras de deterioracão tipo flat-sour. Escherichia coli também é um contaminante comum de farinha de trigo, tendo sido detectada em 28 a 56% daquela analisada na Inglaterra 4 e em 13% da analisada nos Estados Unidos. 8 Entre os fungos predominam Eurotium e Aspergillus candidus. As contagens de fungos podem chegar até 5,0 x 10 3 /g, com predominância de espécies de Penicillium, Eurotium e Aspergillus. 3, 4, 6, 8 Quando a umidade da farinha de trigo eleva-se acima de 12%, há predominância de bactérias em relação aos fungos, uma vez que as primeiras têm multiplicação mais rápida. 7 Entre os microrganismos patogênicos em farinha de trigo, é comum a detecção de Bacillus cereus. 7 As micotoxinas, principalmente zearalenona e ocratoxina, são o perigo de maior importância 9 devido à sua termorresistência e capacidade de resistir a todos os procedimentos para eliminação de fungos. Em farinhas com umidade superior a 12%, as bactérias láticas podem se multiplicar e iniciar um processo fermentativo, com produção de ácidos, álcool e ácido acético, deteriorando o produto. 4, 7 A forma mais efetiva de controlar esses microrganismos e a produção de micotoxinas na farinha de trigo é por meio da adoção de um sistema de Análise de Alim. Nutr., Araraquara v.17, n.2, p.209-218, abr./jun. 2006 ISSN 0103-4235

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Page 1: INFLUÊNCIA DO CONTROLE DA ETAPA DE MOLHAGEM

209

INFLUÊNCIA DO CONTROLE DA ETAPA DE MOLHAGEMDOS GRÃOS NA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DA

FARINHA DE TRIGO

Ellen Almeida LOPES*Bernadette Dora Gombossy de Melo FRANCO*

RESUMO: Na fabricação de farinha de trigo, a limpezainadequada da superfície das roscas molhadora edistribuidora dos grãos permite a formação de uma crostaúmida que pode comprometer a qualidade e segurançamicrobiológica do produto final. Nesse estudo, realizado emtrês moinhos brasileiros, avaliou-se os efeitos da adoção deduas medidas de controle na etapa de molhagem dos grãosde trigo, a saber: a) remoção diária das crostas e uso de águaclorada com 1 ou 2 ppm de cloro livre, b) remoção semanaldas crostas e uso de água clorada com 100 ppm de clorolivre. Para monitoramento das medidas, foram efetuadasanálises de bactérias indicadoras de higiene (aeróbias totais,coliformes totais e fecais) e de bolores e leveduras, deBacillus cereus, Staphylococcus aureus e pesquisa deSalmonella spp. Essas foram realizadas em amostras de crostae de farinha de trigo, coletadas de 1 até 360 dias após alimpeza das roscas. B. cereus, S. aureus e Salmonella sppnão foram detectados em nenhuma das amostras estudadas.Verificou-se que a diminuição do número dosmicrorganismos indicadores na crosta, em conseqüência daprimeira medida de controle, foi insuficiente para produçãode farinha de trigo capaz de atender a padrões de qualidadeestabelecidos por duas empresas atuantes no setor e tambémpela legislação vigente (Resolução RDC 12, ANVISA). Poroutro lado, análises de verificação, feitas na farinha de trigo,apontaram que a limpeza semanal das roscas e o emprego deágua com 100 ppm de cloro livre reduziram acentuadamenteo risco de rejeição do produto no mercado.

PALAVRAS-CHAVE: Trigo; microbiologia; higiene,limpeza; processamento.

INTRODUÇÃO

Os cereais, e a farinha de trigo em especial, sãocomponentes essenciais na dieta do ser humano. Amicrobiota dos grãos de cereais é composta principalmentepor microrganismos provenientes do solo, que podem sersubdivididos em dois grupos: aqueles que tendem a

*Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - USP - 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil.

desaparecer após a colheita, e os que permanecem nos grãosdurante a estocagem. 7 Outros microrganismos contaminamos grãos durante o processamento, por falhas de higiene noprocesso de fabricação da farinha 4. Antes da colheita, onúmero de bactérias presentes na superfície de grãos de trigopode ser bastante elevado, com predominância deenterobactérias, Bacillus spp e Clostridium spp. 7. Após acolheita e secagem, a contaminação microbiana reduz-serapidamente. Grãos de cereais íntegros e selecionadosgeralmente têm carga microbiana baixa, mas devido àumidade do ambiente e procedimentos inadequados delimpeza dos equipamentos, essa carga pode aumentar, comdestaque para os fungos. O controle da umidade éparticularmente importante, já que farinhas com umidadeinferior a 12% não permitem a multiplicação microbiana 4.

Entre as bactérias mais comumente encontradas emfarinha de trigo destacam-se Flavobacterium, Pseudomonas,e esporos de bactérias termófilas e as causadoras dedeterioracão tipo flat-sour. Escherichia coli também é umcontaminante comum de farinha de trigo, tendo sido detectadaem 28 a 56% daquela analisada na Inglaterra 4 e em 13% daanalisada nos Estados Unidos. 8 Entre os fungos predominamEurotium e Aspergillus candidus. As contagens de fungospodem chegar até 5,0 x 103/g, com predominância de espéciesde Penicillium, Eurotium e Aspergillus.3, 4, 6, 8 Quando aumidade da farinha de trigo eleva-se acima de 12%, hápredominância de bactérias em relação aos fungos, uma vezque as primeiras têm multiplicação mais rápida.7

Entre os microrganismos patogênicos em farinha detrigo, é comum a detecção de Bacillus cereus.7 Asmicotoxinas, principalmente zearalenona e ocratoxina, sãoo perigo de maior importância 9 devido à sua termorresistênciae capacidade de resistir a todos os procedimentos paraeliminação de fungos. Em farinhas com umidade superior a12%, as bactérias láticas podem se multiplicar e iniciar umprocesso fermentativo, com produção de ácidos, álcool eácido acético, deteriorando o produto. 4, 7

A forma mais efetiva de controlar essesmicrorganismos e a produção de micotoxinas na farinha detrigo é por meio da adoção de um sistema de Análise de

Alim. Nutr., Araraquarav.17, n.2, p.209-218, abr./jun. 2006

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Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), no qual seconheça quais são os Pontos Críticos de Controle (PCC)existentes no processo de fabricação da farinha. Segundo oCODEX ALIMENTARIUS, o controle dos PCCs constitui-se na ferramenta mais eficiente de Gestão da SegurançaAlimentar,2 levando à redução de ocorrência de doençasveiculadas por alimentos.5

Na produção de farinha de trigo (fluxogramaresumido na Figura 1), a etapa de molhagem dos grãos é umponto a ser controlado, pois é comum que as paredes da roscamolhadora e da distribuidora dos grãos de trigo apresentemuma crosta úmida. A umidade dessa crosta pode ser elevadao suficiente para permitir que o trigo germine nesse materiale também sobreviva e multiplique os microrganismos. Ao sedesprenderem das paredes das roscas durante a passagemdos grãos, essas crostas contaminadas podem comprometera qualidade e a segurança do produto final. O grau decomprometimento depende de diversos fatores, tais comotipo e quantidade de microrganismos presentes na crosta,velocidade do fluxo dos grãos, umidade da crosta,temperatura ambiente, etc.7

Este trabalho teve por objetivo avaliar os benefíciosdecorrentes da adoção de duas medidas de controle na etapa

RECEPÇÃO DOS GRÃOS

ESTOCAGEM

LIMPEZA

MOLHAGEM

MOAGEM

ESTOCAGEM DA FARINHA

ENSACAMENTO

ESTOCAGEM

EXPEDIÇÃO

FIGURA 1 - Fluxograma resumido da produção de farinha detrigo.

de molhagem dos grãos, verificando seus efeitos na qualidademicrobiológica da farinha de trigo resultante. O estudo foiconduzido em três moinhos diferentes, que apresentavamnenhum ou diferentes procedimentos para controle desseponto do processo. As medidas avaliadas foram: adoção decloração da água de limpeza e aumento da freqüência delimpeza mecânica das roscas. Para a avaliação, efetuou-se adeterminação de microrganismos indicadores de higiene, S.aureus e B. cereus e pesquisa de Salmonella spp, nas crostasremovidas da superfície das roscas após a implantação dasmedidas. Verificou-se também se as medidas de controleadotadas permitiam a produção de farinha de trigo emconformidade com os padrões microbiológicos legaisvigentes no país, bem como aqueles estabelecidos por duasempresas alimentícias brasileiras compradoras de farinha de trigo.

MATERIAL E MÉTODOS

Seleção e características dos moinhos de trigo

Foram selecionados três moinhos de trigo das regiõessul e sudeste do Brasil (moinhos I, II e III). O moinho I, de

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médio porte, produz farinha para fabricação de biscoitos eprodutos de panificação. Os moinhos II e III, de grande porte,produzem farinha para massas alimentícias e produtos depanificação. Na época de realização desse trabalho, nenhumdeles tinha um procedimento de controle da etapa demolhagem dos grãos de trigo. Em todos, a limpeza das roscasmolhadora e distribuidora era apenas mecânica, comfreqüência mensal. Feita a limpeza das roscas, a operaçãode molhagem dos grãos era reiniciada. A água utilizada nosmoinhos I e III era proveniente de poço artesiano e no moinhoII, fornecida por carros pipa. Nenhum dos três moinhosutilizava água clorada. Nos moinhos II e III, as roscasmolhadora e distribuidora formavam uma peça única,enquanto que no I constituíam dois corpos separados. Asroscas nos moinhos I, II e III eram de aço-carbono e tinhamrespectivamente 9, 6 e 7 metros de comprimento. Nos trêshavia controle da presença de grãos mofados na matéria-prima e da umidade dos grãos no momento do recebimento,tolerando-se um máximo de 13%. Os moinhos eram providosde sistema de ventilação controlada e adotavam a trans-silagem. A rotatividade do estoque era de 1 a 3 meses nomoinho I, 7 a 15 dias no II e 1 a 2 meses no III.

Avaliação microbiológica da etapa de molhagem dos grãos

Realizado o processo de limpeza de rotina, removeu-se com uma espátula estéril cerca de 5 g de material dasuperfície das roscas molhadora e distribuidora. O materialfoi transferido para um frasco estéril, transportado aolaboratório em recipiente isotérmico e submetido às seguintesanálises microbiológicas: enumeração de bactérias aeróbiasmesófilas, coliformes totais e fecais, bolores e leveduras,Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e pesquisa deSalmonella spp. No moinho I, essas análises foram realizadasno material removido nos dias 0, 6, 15, 20 e 28 após a limpeza.No II, essas determinações foram feitas nos dias 0, 2, 6, 8,13, 15 e 20. No III, as amostragens foram efetuadas emintervalos menores: 0,5, 1, 1,5, 2, 3, 5, 8, 12 e 15 dias. Asanálises microbiológicas foram realizadas por um laboratórioprivado especializado em análise de alimentos, certificadopela ISO 17025. Os resultados para bactérias aeróbiasmesófilas, bolores e leveduras, Bacillus cereus eStaphylococcus aureus foram expressos em UnidadesFormadoras de Colônias por grama de amostra (UFC/g). Ospara coliformes totais e fecais em Número Mais Provávelpor grama de amostra (NMP/g). Os para Salmonella sppcomo presença ou ausência em 25 g de amostra.

Medidas de controle e monitoramento

Nos três moinhos, diferentes medidas de controleforam introduzidas, de acordo com a permissão e interessedos proprietários. As adotadas foram:

Moinho I: limpeza diária das roscas e cloração daágua de limpeza a 1 ppm e a 2 ppm;

Moinho II: apenas limpeza diária das roscas;Moinho III: limpeza semanal das roscas e cloração

da água de limpeza a 100 ppm.A cloração da água nos três foi feita empregando-se

o PPG Chlorinating Systems com pastilhas de hipocloritode cálcio (Accu-tabs, PPG Industries, PA, USA). Omonitoramento das medidas de controle foi realizado pormeio de inspeção visual das roscas após a limpeza e controledo teor de cloro na água, utilizando-se kits semi-quantitativosMerckoquant (Merck KGA, Darmstadt, Germany)apropriados.

Análises de verificação da farinha de trigo

Para verificar a qualidade da farinha de trigo após aadoção das medidas de controle em cada um dos três moinhosestudados foram realizadas as seguintes análisesmicrobiológicas: enumeração de bactérias aeróbias mesófilas,coliformes totais e fecais, bolores e leveduras, Bacillus cereuse Staphylococcus aureus e pesquisa de Salmonella spp. Paraessas determinações, foram coletadas amostras de farinhade trigo produzidas nas seguintes datas: Moinho I: 0, 12, 22,56, 73, 74, 79, 109, 113, 180, 185, 190, 231, 260 e 312 diasapós a limpeza; Moinho II: 0, 4, 13 e 20 dias. Moinho III: 1,2, 3, 5 e 6 dias. No moinho III, as análises de verificaçãoforam feitas duas vezes. Os resultados foram comparadosaos padrões microbiológicos estabelecidos pela legislaçãovigente1 e pelo mercado, representado por duas empresasbrasileiras compradoras de farinha de trigo, denominadas Xe Y, escolhidas aleatoriamente entre as atuantes no mercadobrasileiro (Tabela 1).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todas as amostras de crosta obtidas nos três moinhosestudados foram negativas para Salmonella spp em 25 g e ascontagens de Staphylococcus aureus foram sempre inferioresa 10 UFC/g. Nos moinhos II e III, foi detectada a presençade Bacillus cereus nas crostas, em diferentes contagens deacordo com o dia de coleta (Figuras respectivamente 2 e 3 ).

No moinho I, as contagens de bactérias aeróbiasmesófilas em todas as amostras retiradas das roscasmolhadora e distribuidora, feitas 15, 20 e 28 dias após alimpeza mensal de rotina, estiveram acima de 107 UFC/g. Omesmo ocorreu com os coliformes totais, com contagemtambém superior a 107NMP/g após o 15º dia. As contagensde bolores e leveduras estiveram superiores a 109 UFC/gem todas as determinações. Essas contagens elevadas sãopreocupantes, pois podem comprometer a qualidade dafarinha produzida nesse moinho, confirmando a necessidadede adoção imediata de novas medidas de limpeza.

As crostas coletadas no moinho II (Figura 2) tambémapresentaram contagens elevadas: bactérias aeróbiasmesófilas e bolores e leveduras superiores a 109 UFC/g jáno 2o dia após a limpeza mensal de rotina. As contagens debolores e leveduras decaíram em seguida, mas as de bactériasaeróbias mesófilas permaneceram praticamente as mesmasaté o final dos experimentos, 20 dias após a limpeza das

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dias após limpeza

log

UF

C/g

bactérias aeróbias mesófilas bolores e leveduras B. cereus

FIGURA 2 - Evolução das contagens microbianas na crosta removida da rosca distribuidora domoinho II.

Obs: O NMP de coliformes totais e fecais foi sempre >104/g e a contagem de S.aureus <10UFC/g.

Tabela 1- Padrões microbiológicos para farinha de trigo, especificados pela legislação brasileirae pelas empresas alimentícias X e Y.

roscas. As de B. cereus, da ordem de 102 UFC/g no dia 0passaram a 104 UFC/g no 6° dia após a limpeza,permanecendo nesse nível até o final dos experimentos. Nãofoi possível determinar a população exata de coliformes totaise fecais nas amostras, mas o NMP foi superior a 104/g emtodas as determinações.

No moinho III (Figura 3), os resultados forambastante semelhantes aos observados no II, ressaltando-seque foi detectada a presença de B. cereus nas crostasanalisadas. De 10 UFC/g no tempo 0 a contagem passou a104 UFC/g dois dias após a limpeza. O NMP dos coliformestotais e fecais também estava na ordem de 104/g dois diasapós a limpeza. Embora B. cereus não tenha sido detectadonas análises das amostras de farinha de trigo produzidasnesse moinho, essa elevação rápida na população dessesmicrorganismos pode representar um problema adicionalpara os moinhos de trigo.

Os resultados apresentados nas Figuras 4, 5 e 6,relativas ao moinho I, correspondem respectivamente àsanálises de bactérias aeróbias mesófilas, coliformes totais ebolores e leveduras, na farinha de trigo produzida até 160dias após a introdução das medidas de controle adotadasnesse moinho, que foram: limpeza diária das roscas e cloraçãode água com 2 ppm de cloro ativo. Os resultados indicamque essas medidas não foram suficientes para que a farinhade trigo produzida nesse moinho atendesse aos padrõesmicrobiológicos adotados pelas empresas X e Y,especialmente em relação a bolores e leveduras (Figura 6),sendo que onze das quinze amostras de farinha de trigoanalisadas (73,3%) não atendiam ao exigido pela empresaY. As análises de bactérias aeróbias mesófilas (Figura 4) oude coliformes (Figura 5), em diversas ocasiões, estiveramperigosamente próximas dos limites máximos estabelecidospela empresa mais exigente (X).

CRITÉRIO RDC12

(para amostra

indicativa)

Empresa X Empresa Y

Staphylococcus aureus nc* 101UFC/g = 5 x 102 UFC/g

Bolores e leveduras nc 103 UFC/g = 102 UFC/g

Bacillus cereus = 3 x 103 UFC/g 103 UFC/g = 103 UFC/g

Coliformes totais (NMP) nc 102/g = 103/g

Coliformes fecais (NMP) = 102/g 101/g = 101/g

Contagem padrão em placas

nc 105 UFC/g nc

Salmonella sp Ausência em 25 g

Ausência em 50 g Ausência em 25 g

*nc = não consta

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FIGURA 3 - Evolução das contagens microbianas (NMP/g para coliformestotais e fecais e UFC/g para os demais microrganismos) na crosta removidada rosca molhadora e distribuidora do moinho III.

FIGURA 4 - Contagens de bactérias aeróbias mesófilas em amostras de fari-nha de trigo produzidas pelo moinho I, após a introdução da limpeza diáriadas roscas molhadora e distribuidora e da cloração da água a 2 ppm, compa-radas ao padrão microbiológico da empresa X (obs. a empresa Y não tempadrão microbiológico para bactérias aeróbias mesófilas).

= Padrão microbiológico da empresa X

As Figuras 7, 8 e 9, relativas ao moinho II,correspondem respectivamente às avaliações de bactériasaeróbias mesófilas, coliformes totais e bolores e leveduras,na farinha de trigo produzida até 20 dias após a introduçãoda medida de controle adotada nesse moinho, que foi apenaslimpeza diária das roscas, sem uso de água clorada. Osresultados confirmaram o que havia sido observado nomoinho I, ou seja, a limpeza diária das roscas é insuficientepara eliminar a possibilidade de se produzir farinha de trigocompatível com os padrões microbiológicos do mercado.Todas as amostras de farinha estudadas apresentavam

contagens de bolores e leveduras acima dos padrõesestabelecidos pela empresa Y (Figura 9). Metade dasamostras de farinha apresentou coliformes totais acima doespecificado pela empresa X (Figura 8) e metade apresentoucontagens de bactérias aeróbias mesófilas no limite dotolerado pela empresa X (Figura 7).

Em relação ao moinho III, a adoção da limpezasemanal das roscas com água contendo 100 ppm de clororesidual causou uma redução de dois ciclos log nas contagensde bactérias aeróbias mesófilas nas crostas. Esses resultadosindicaram que esse esquema de limpeza apresentava um bom

Obs: A contagem de S.aureus foi sempre inferior a 10UFC/g.

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log

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bactérias aeróbias mesófilas bolores e levedurasB. cereus coliformes totaiscoliformes fecais

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= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 5 - Contagens de coliformes totais (log NMP/g) em amostras defarinha de trigo produzidas pelo moinho I, após a introdução da limpeza diáriadas roscas molhadora e distribuidora e da cloração da água a 2 ppm, compara-das aos padrões microbiológicos das empresas X e Y.

= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 6 - Contagens de bolores e leveduras (log UFC/g) em amostras defarinha de trigo produzidas pelo moinho I, após a introdução da limpeza diáriadas roscas molhadora e distribuidora e da cloração da água a 2 ppm, compara-das aos padrões microbiológicos das empresas X e Y.

potencial de aplicação na produção de farinha de trigo,conforme apresentado nas Figuras 10, 11 e 12, relativasrespectivamente às avaliações de bactérias aeróbias mesófilas,coliformes totais e bolores e leveduras. Comprovou-se queessas medidas permitem que a legislação e as exigências dasduas empresas em relação à qualidade da farinha de trigosejam atendidas, mesmo por farinha de trigo produzida até 6dias após a limpeza semanal.

Os resultados desse estudo evidenciam a importânciae as conseqüências benéficas da implantação deprocedimentos adequados para a limpeza das roscasmolhadora e distribuidora nos moinhos de trigo, com efeitodireto sobre a qualidade da farinha. As conclusões obtidasnesse estudo podem ser aplicáveis para outros moinhos detrigo, desde que o processo de fabricação de farinha sejaequivalente ao dos moinhos pesquisados neste trabalho.

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log

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g

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FIGURA 7 - Contagens de bactérias aeróbias mesófilas (log UFC/g) em amostras de farinhade trigo produzidas pelo moinho II, após a introdução da limpeza diária, sem cloração da água,comparadas aos padrões microbiológicos da empresa X (a empresa Y não tem padrãomicrobiológico para bactérias aeróbias mesófilas).

= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 8 - Contagens de coliformes totais (log NMP/g) em amostras de farinha de trigo pro-duzidas pelo moinho II, após a introdução de limpeza diária, sem cloração da água, compara-das aos padrões microbiológicos das empresas X e Y.

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= Padrão microbiológico da empresa X

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log

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dias após limpeza

log

UF

C/g

= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 9 - Contagens de bolores e leveduras (log UFC/g) em amostras defarinha de trigo produzidas pelo moinho II, após a introdução da limpeza diária,sem cloração da água, comparadas aos padrões das empresas X e Y.

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g

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= Padrão microbiológico da empresa X

FIGURA 10 - Contagens de bactérias aeróbias mesófilas (log UFC/g) em amos-tras de farinha de trigo produzidas pelo moinho III, após a introdução da limpezasemanal das roscas molhadora e distribuidora e da cloração da água a 100 ppm,comparadas aos padrões microbiológicos da empresa X (a empresa Y não tempadrão microbiológico para bactérias aeróbias mesófilas).

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1a repetição 2a repetição

= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 11 - Contagens de coliformes totais em amostras de farinha de trigo pro-duzidas pelo moinho III, após a introdução da limpeza semanal das roscas molhadorae distribuidora e da cloração da água a 100 ppm, comparadas aos padrõesmicrobiológicos das empresas X e Y.

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C/g

1a repetição 2a repetição

= Padrão microbiológico da empresa X

= Padrão microbiológico da empresa Y

FIGURA 12 - Contagens de e bolores e leveduras (log UFC/g) em amostras defarinha de trigo produzidas pelo moinho III, após a introdução da limpeza semanaldas roscas molhadora e distribuidora e da cloração da água a 100 ppm, comparadasaos padrões microbiológicos das empresas X e Y.

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CONCLUSÕES

Os resultados desse estudo demonstraram que oesquema de limpeza mensal das roscas molhadora edistribuidora do processo de fabricação de farinha de trigo,sem uso de água clorada é inadequado para moinhos cujasroscas permitam a formação de crostas na superfície. Ascrostas formadas são úmidas, permitindo a multiplicação demicrorganismos e levando ao comprometimento da qualidadee segurança da farinha de trigo produzida. A limpeza mensalé insuficiente para garantir que a farinha de trigo produzidanessas condições esteja de acordo com as especificaçõesmicrobiológicas estabelecidas por duas empresas alimentíciasescolhidas para representar o mercado brasileiro da farinhade trigo. Entre as medidas de controle testadas, a que melhoratendeu as necessidades foi limpeza semanal das roscas pararemoção da crosta e limpeza das roscas com água cloradacontendo 100 ppm de cloro residual.

LOPES, E.A.; FRANCO, B.D.G.M. Influence of the controlof the grains wetting step on the microbiological quality ofwheat flour. Alim. Nutr., Araraquara, v.17, n.2, p.209-218,abr./jun. 2006

ABSTRACT: During processing of wheat flour, the impropercleaning of the grain wetting and conveyor augers may resultin formation of humid crusts on the surface of these augers,endangering the quality and microbiological safety of the finalproduct. In this study, carried out in three Brazilian flour mills,the effects of two control measures were evaluated: a) removalof crusts on a daily basis and use of 1 or 2 ppm chlorinatedwater, b) removal of crusts on a weekly basis and use of 100ppm chlorinated water. For monitoring, crusts and floursamples were submitted to the analyses of hygiene indicatormicroorganisms (aerobic mesophilic bacteria, total and fecalcoliforms) and fungi, Bacillus cereus, Staphylococcus aureusand tested for presence of Salmonella spp. The pathogens wereabsent in all samples. The reduction on the analyses of hygieneindicators in the crusts due to the first control measure wasconsidered insufficient for production of wheat flour capableto stand the microbiological specifications set by the BrazilianMinistry of Health and by two Brazilian food enterprises. Incounterpart, weekly cleaning and use of 100 ppm chlorinatedwater resulted in great reduction of the risk of rejection of theproduct in the market.

KEYWORDS: Wheat; microbiology; hygiene; cleaning;processing.

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