infecções de tecidos moles

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INFECÇÕES DE TECIDOS MOLES ERISIPELA. CELULITE. SÍNDROMES INFECCIOSAS MEDIADAS POR TOXINAS SOFT TISSUE INFECTIONS ERYSIPELA. CELLULITIS. INFECTIOUS SYNDROMES MEDIATED BY TOXINS Cacilda da Silva Souza 1 1 Docente. Divisão de Dermatologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. CORRESPONDÊNCIA: Divisão de Dermatologia. Hospital das Clínicas - Av. Bandeirantes, 3900 - 4 0 andar - CEP 14048-900 - Ribeirão Preto –SP. SOUZA CS. Infecções de tecidos moles - Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 351-356,abr./dez.2003. RESUMO - Nesta revisão são abordados a etiologia e os principais aspectos clínicos, dermatológicos e terapêuticos das infecções de tecidos moles e das síndromes infecciosas mediadas por toxinas. UNITERMOS - Erisipela. Celulite. Síndrome Estafilocócica da Pele Escaldada. Síndrome do Choque Tóxico. 351 Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS INFECCIOSAS 36: 351-356, abr./dez.2003 Capítulo II Infecções dos tecidos moles são caracteriza- das por inflamação aguda, difusa, edematosa, supu- rativa e disseminada, que atinge a derme e o subcutâ- neo e a elas, freqüentemente, estão associados sinto- mas sistêmicos, como mal-estar, febre e calafrios. In- fecções necrotizantes dos tecidos moles atingem o sub- cutâneo profundamente, resultam na destruição da fáscia e do tecido gorduroso e são potencialmente fa- tais, requerendo, em adição, desbridamento cirúrgico extensivo (1, 2, 3) . ERISIPELA/CELULITE Erisipela é um distinto tipo de celulite cutânea, superficial, com marcante envolvimento de vasos lin- fáticos da derme. Na erisipela típica, a área de infla- mação destaca-se com algum relevo, indicando dis- tinta demarcação entre o tecido envolvido e o normal. É causada por estreptococos β - hemolítico, do grupo A (EGA), menos freqüente do grupo C ou G e, mais raramente, por Staphylococcus aureus. A erisipela por estreptococos β - hemolítico, do grupo A é a cau- sa mais comum de infecção grave dos tecidos moles em indivíduos saudáveis. Celulite é o processo que atinge derme profunda e tecido subcutâneo e nem sempre é clara a distinção entre tecido infectado e não infectado. S. aureus e estreptococos do grupo A são os agentes etiológicos mais comuns da celulite, mais ocasionalmente, outras bactérias podem ser implicadas, como Haemophilus influenzae, bacilos Gram-negativos e, ainda, fungos, como Cryptococcus neoformans (1, 2, 3) . Embora as duas condições, erisipela e celulite, quando típicas, possam ser distinguíveis, há uma variabilidade do envolvimento tecidual, que torna a diferenciação nem sempre tão clara. Ambas as con- dições apresentam manifestações de sinais locais de inflamação (eritema, edema, calor e dor) e, na maio- ria das instâncias, febre e leucocitose, sendo linfangite e/ou linfadenite também freqüentes (3) . A pele normal possui papel crítico na defesa contra uma variedade de patógenos. A interação en- tre patógeno e hospedeiro ainda não é totalmente elucidada e estariam envolvidos fatores bacterianos, funções de barreira da pele e fatores do hospedeiro. A infecção cutânea, freqüentemente, surge em de- corrência de ruptura da integridade da epiderme. A

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INFECÇÕES DE TECIDOS MOLES ERISIPELA. CELULITE. SÍNDROMES INFECCIOSAS MEDIADAS POR TOXINAS

SOFT TISSUE INFECTIONSERYSIPELA. CELLULITIS. INFECTIOUS SYNDROMES MEDIATED BY TOXINS

Cacilda da Silva Souza1

1Docente. Divisão de Dermatologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.CORRESPONDÊNCIA: Divisão de Dermatologia. Hospital das Clínicas - Av. Bandeirantes, 3900 - 40 andar - CEP 14048-900 - Ribeirão Preto –SP.

SOUZA CS. Infecções de tecidos moles - Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas.Medicina, Ribeirão Preto, 36: 351-356,abr./dez.2003.

RESUMO - Nesta revisão são abordados a etiologia e os principais aspectos clínicos,dermatológicos e terapêuticos das infecções de tecidos moles e das síndromes infecciosasmediadas por toxinas.

UNITERMOS - Erisipela. Celulite. Síndrome Estafilocócica da Pele Escaldada. Síndrome doChoque Tóxico.

351

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS INFECCIOSAS36: 351-356, abr./dez.2003 Capítulo II

Infecções dos tecidos moles são caracteriza-das por inflamação aguda, difusa, edematosa, supu-rativa e disseminada, que atinge a derme e o subcutâ-neo e a elas, freqüentemente, estão associados sinto-mas sistêmicos, como mal-estar, febre e calafrios. In-fecções necrotizantes dos tecidos moles atingem o sub-cutâneo profundamente, resultam na destruição dafáscia e do tecido gorduroso e são potencialmente fa-tais, requerendo, em adição, desbridamento cirúrgicoextensivo(1, 2, 3).

ERISIPELA/CELULITE

Erisipela é um distinto tipo de celulite cutânea,superficial, com marcante envolvimento de vasos lin-fáticos da derme. Na erisipela típica, a área de infla-mação destaca-se com algum relevo, indicando dis-tinta demarcação entre o tecido envolvido e o normal.É causada por estreptococos β - hemolítico, do grupoA (EGA), menos freqüente do grupo C ou G e, maisraramente, por Staphylococcus aureus. A erisipelapor estreptococos β - hemolítico, do grupo A é a cau-sa mais comum de infecção grave dos tecidos moles

em indivíduos saudáveis. Celulite é o processo queatinge derme profunda e tecido subcutâneo e nemsempre é clara a distinção entre tecido infectado enão infectado. S. aureus e estreptococos do grupo Asão os agentes etiológicos mais comuns da celulite,mais ocasionalmente, outras bactérias podem serimplicadas, como Haemophilus influenzae, bacilosGram-negativos e, ainda, fungos, como Cryptococcusneoformans(1, 2, 3). Embora as duas condições, erisipelae celulite, quando típicas, possam ser distinguíveis, háuma variabilidade do envolvimento tecidual, que tornaa diferenciação nem sempre tão clara. Ambas as con-dições apresentam manifestações de sinais locais deinflamação (eritema, edema, calor e dor) e, na maio-ria das instâncias, febre e leucocitose, sendo linfangitee/ou linfadenite também freqüentes(3).

A pele normal possui papel crítico na defesacontra uma variedade de patógenos. A interação en-tre patógeno e hospedeiro ainda não é totalmenteelucidada e estariam envolvidos fatores bacterianos,funções de barreira da pele e fatores do hospedeiro.A infecção cutânea, freqüentemente, surge em de-corrência de ruptura da integridade da epiderme. A

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infecção instala-se com a invasão da derme e do sub-cutâneo pelo patógeno e mecanismos inflamatórios sãoelicitados como resposta à invasão. Nem sempre épossível o isolamento do microorganismo, sugerindoque muitas das alterações clínicas locais são media-das por citocinas e/ou toxinas. A porta de entrada podeser distante, a exemplo das fissuras interdigitais datinha dos pés, associadas à celulite acima do tornozeloou da erisipela da face em decorrência da coloniza-ção da nasofaringe por estreptococos do grupo A,particularmente, em quadros de rinite e sinusite. Hácasos em que a porta de entrada não é aparente e,nem tampouco são evidentes os focos locais e ou dis-tantes de infecção(1). A celulite pode ocorrer por meiode porta de entrada em qualquer local mucocutâneoou, menos comumente, por via hematogênica até ostecidos frouxos. Os patógenos transportados pelo san-gue que causam celulite são Streptococcus pneumo-niae, Vibrio vulnificus e Criptococcus neoformans.

A flora cutânea normal é composta por estafi-lococos coagulase negativos, difteróides aeróbicos(Corynebacterium spp) e difteróides anaeróbicos(Propioniobacterium acnes). Se a flora normal é er-radicada ou diminuída, espécies patogênicas podemproliferar-se. Uma vez estabelecida, a infecção se pro-paga através de espaços teciduais e planos de clivagempor ação das hialuronidases, fibrinolisinas e lecitinases.Há, também, a propensão de invasão de vasos linfáti-cos e sanguíneos, resultando em linfangite, linfadenite,bacteriemia e septicemia. A produção local de exoto-xinas, no sítio de infecção pelo S. aureus, pode resul-tar em síndrome da pele escaldada estafilocócica(SPEE) e a síndrome do choque tóxico (SCT). Ascondições fisiológicas e circulatórias locais e o statusimunológico do indivíduo são os maiores determinantesde defesa do hospedeiro contra os patógenos. Linfae-dema associado à drenagem linfática anormal, insufi-ciência venosa crônica e a síndrome nefrótica predis-põem a celulite. O primeiro episódio de celulite,freqüentemente, compromete vasos linfáticos e pre-dispõe a celulites recorrentes, linfaedema crônico eelefantíase. Infecções de membros inferiores podemser complicadas por tromboflebites(1, 2).

Em alguns casos, há história de lesão prece-dente (úlcera de estase, ferida por punctura). Com ainstalação da infecção, os pacientes experimentam dor,edema, eritema e calor locais, associados a variáveisgraus de sintomas sistêmicos, resultantes da dissemi-nação da infecção: indisposição, anorexia, febre e ca-lafrios. Em alguns indivíduos, sintomas sistêmicos po-

dem anteceder os sinais e sintomas locais da infec-ção. O eritema, no sítio da infecção, rapidamente seintensifica e amplia, e a dor torna-se marcante. Naerisipela, a área afetada apresenta borda nítida, queavança com a progressão da infecção. Vesículas, bo-lhas, erosões, úlceras, abscessos e necrose podemsobrepor-se à placa eritematoedematosa. Adenite sa-télite da região comprometida acompanha o quadro ea linfangite pode estar presente. Os membros inferio-res são locais mais acometidos em adultos, seguidosdos membros superiores e da face. A porta de entra-da com solução de continuidade decorrente de der-matoses subjacentes, traumatismos e infecção demucosa, pode não ser evidenciada. Tinha interdigital,ferimentos, picadas de insetos, uso de drogas injetá-veis, feridas cirúrgicas, queimaduras, laceração, entreoutros, são as portas de entrada mais comuns daerisipela/celulite. Ressaltamos, entre as principais der-matoses subjacentes, as doenças bolhosas (pênfigose penfigóides), infecções virais (herpes simples ezoster), dermatofitoses, dermatoses inflamatórias (der-matite de estase, atópica e de contato), piodermitessuperficiais (impetigo, foliculite, furunculose) e úlce-ras de diversas etiologias(1, 2).

Enquanto erisipelas clássicas são virtualmentecausadas por estreptococos β - hemolítico, do grupoA (EGA), o diagnóstico diferencial das celulites é maisproblemático. A seguir, destacaremos pontos relevantesque podem contribuir na distinção das variantes dascelulites(1, 2):

Celulite causada pelo S. aureus: em geral, aporta de entrada é evidente e, com freqüência, há in-fecção local. É um processo comum em usuários dedrogas. O patógeno também está associado àssíndromes mediadas por toxinas (síndrome da pele es-caldada e síndrome do choque tóxico) e à endocarditeapós bacteriemia.

Celulite causada pelo estreptococo do gru-po B: colonizadores da região anogenital causam ce-lulite que pode se estender aos tecidos pélvicos.

Celulite causada pelo Streptococcus pneu-moniae: em geral, associa-se aos quadros de imuno-comprometimento.

Celulite causada por Haemophilusinfluenzae: ocorre, principalmente, em crianças me-nores de 2 anos não vacinadas contra HiB, com loca-lização preferencial no segmento cefálico (áreaperiorbitária e região malar).

Celulite causada pelo Vibrio vulnificus: pre-sença de distúrbios subjacentes, como cirrose, diabe-

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Infecções de tecidos moles. Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas

tes e outras condições imunossupressoras. Ocorredepois da ingestão de frutos do mar crus e mal cozi-dos, seguida da gastroenterite e bacteriemia com disse-minação para a pele. A infecção é caracterizada pelapresença de bolhas e vasculite necrotizante. Geral-mente, as lesões acometem as extremidades e, comfreqüência, bilateralmente.

Celulite causada pelo complexo Mycobac-terium chelonei - M. fortuitum: História de cirurgia,injeção ou ferida penetrante recente. Celulite branda,sem manifestações sistêmicas.

Celulite criptocócica: apresenta associaçãocom condições de imunossupressão. Caracteriza-sepor placa vermelha, quente, dolorosa e edemaciadana extremidade, pode evoluir com necrose.

Infecções necrotizantes dos tecidos moles(INTM): diferem das outras variantes pela presençade significativa necrose tecidual, inexistência de res-posta ao tratamento isolado com antimicrobianos enecessidade do desbridamento cirúrgico dos tecidosdesvitalizados. O eritema e a induração dolorosa dostecidos subjacentes são seguidos rapidamente porescara enegrecida, necrose liquefeita e fétida. Subdi-videm-se em celulite necrotizante, fasciíte necrotizantee mionecrose. As INTMs da região perineal são co-nhecidas como gangrena de Fournier.

A exemplo da fasciíte necrotizante, estrepto-cócica, previamente chamada de gangrena estrepto-cócica, o primeiro indício clínico da infecção é o edemadifuso do membro afetado, seguido por formação debolha de conteúdo hialino, que, rapidamente, torna-sede cor marrom ou violácea. Se intervenção apropria-da não for realizada, tal processo evolui com francarapidez para gangrena cutânea, algumas vezes commionecrose e extensão do processo inflamatório parao plano fascial. Há dificuldades na distinção entre qua-dros iniciais da celulite e da fasciíte necrotizante. Coma evolução, essa distinção torna-se crucial, pois afasciíte necrotizante requer desbridamento cirúrgico,concomitante ao uso da terapêutica antimicrobiana, eassocia-se comumente a episódio precoce de choquee de falência de órgãos, por definição, a síndrome dochoque tóxico estreptocócico.

Diagnósticos diferenciais(1, 2)

Erisipela/ celulite: trombose venosa profun-da e tromboflebite; dermatite de estase; dermatite decontato, em fase inicial; eritema nodoso; eritema mi-gratório (borreliose de Lyme); fase pré-vesiculosa doherpes zoster; eritema pigmentar fixo, por droga; urti-cária gigante e celulite eosinofílica.

Infecções necrotizantes dos tecidos moles(INTM) : vasculites, embolia com infarto cutâneo, do-ença vascular periférica, púrpura fulminante, calciofi-laxia, necrose causada por varfarina, lesão traumáti-ca e acidente por aracnídeo.

Exames laboratoriais e tratamentoSalvo se a coleta do exsudato permita a colora-

ção por Gram e a cultura ou, ainda, a cultura de san-gue resulte positiva, o agente etiológico pode não seridentificado por meio das técnicas microbiológicas derotina. Nas erisipelas, a confirmação diagnóstica, ob-tida por cultura, ocorre em baixa percentagem doscasos. A coloração por Gram de esfregaços doexsudato, do pus, do líquido ou aspirado da bolha ouda lesão pode evidenciar bactérias. Observam-se ca-deias de cocos Gram-positivos nas infecções por EGA,cachos de cocos Gram-positivos, se causadas por Saureus, e bastonetes Gram-positivos nas infecçõespor clostrídios. As culturas podem ser realizadas coma coleta do aspirado, do fragmento da borda da lesãoprimária, ou ainda do sangue. As culturas para fungose micobactérias estão indicadas para os casos atípicos.

Alterações hematológicas, como a leucocitosee elevação da VHS, em geral, são observadas. Ostítulos de antiestreptolisina O (ASO) poderão se ele-var após as infecções estreptocócicas, mas, em geral,refletem infecção prévia mais do que eventos clínicosatuais (3). O exame dermatopatológico auxilia na ex-clusão de dermatoses inflamatórias não infecciosas.A histologia do tecido excisado define a presença eextensão da infecção necrotizante dos tecidos moles.É um exame útil no diagnóstico da celulite criptocócica,sendo a cultura comprobatória(2).

Entre os exames de imagens, a ressonânciamagnética auxilia no diagnóstico da celulite infeccio-sa, aguda, grave, diferenciando entre piomiosite,fasciíte necrotizante e celulite infecciosa com ou semabscesso. O exame radiográfico das áreas envolvidasse prestam a identificar a presença de gás nos tecidosmoles e o comprometimento difuso desses tecidos(2).

Streptococcus pyogenes continuam, surpreen-dentemente, susceptíveis a antibióticos β-lactâmicos enumerosos estudos têm demonstrado a eficácia clíni-ca da penicilina no tratamento da maioria das infec-ções por estreptococos do grupo A. A redução da efi-cácia da penicilina, na presença de grande concen-tração do microorganismo, pode ocorrer, justificandoa falência da penicilina no controle de infecções es-treptocócicas mais graves(2, 3). Estafilococos resisten-tes à penicilina e ampicilina são a regra, e o tratamen-to empírico das celulites deve ser instituído com cefa-

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lexina, cefadroxila, macrolídeos,clindamicina ou dicloxacilina uso oral,ou com oxacilina, cefalotina ou cef-triaxona, uso endovenoso. Nas demaisinfecções dos tecidos moles, o isola-mento do patógeno contribui para nor-tear a escolha adequada do antimi-crobiano. Na ausência da identificaçãodo agente etiológico, recomenda-se oemprego de terapêutica antimicrobia-na, abrangente, contra estafilococose estreptococos(3). Na Tabela I, es-tão listados os principais agentes etio-lógicos e as respectivas indicações daterapêutica antimicrobiana.

SÍNDROMES MEDIADAS PORTOXINAS

Síndrome da pele escaldada, es-tafilocócica

A síndrome da pele escalda-da, estafilocócica (SPEE) é uma do-ença epidermolítica, mediada por to-xinas, que se caracteriza por erite-ma, desprendimento generalizado dascamadas superficiais da epiderme,envolvendo, principalmente, recém-nascidos e lactentes com menos de 2anos de idade. O espectro clínico dainfecção estafilocócica inclui mani-festações cutâneas localizadas e dis-seminadas, de impetigo bolhoso loca-lizado ou generalizado, e a síndromeda pele escaldada, estafilocócica,como quadro extensivo de epidermó-lise e descamação(1, 2, 4).

O agente etiológico, envolvidoé o Staphylococcus aureus do grupo II, principalmenteo tipo 71, que produz duas exotoxinas, A e B,epidermolíticas ou exfoliativas. A produção de toxinasorigina-se de focos de infecção, como conjuntivite pu-rulenta, otite média e infecção nasofaríngea ou, local-mente, das lesões do impetigo bolhoso. A presença dasbactérias Gram-positivas é observada no local coloni-zado, sendo ausente nas áreas de epidermólise(2).

O exame histopatológico evidencia clivagemintraepidérmica, subgranulosa, o que diferencia daclivagem subepidérmica, que ocorre na necróliseepidérmica, tóxica, provocada por drogas (4).

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Os tratamentos tópicos, recomendados são ba-nhos e compressas para desbridamento da epidermesuperficial necrótica. Agentes antimicrobianos tópicos,sulfadiazina de prata, bacitracina, mupirocina estão in-dicados, particularmente, para infecções localizadas,mantendo-se o cuidado de se evitar o uso de tópicossensibilizantes. Há indicação do tratamento com oxacili-na endovenosa, para infecções, com comprometimentoextenso da pele. A dicloxacilina oral poderá ser em-pregada na continuidade do tratamento endovenoso oupara casos mais brandos da doença. A reposição dasperdas hidroeletrolíticas deve ser cuidada (1, 2).

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Síndrome do choque tóxico

A síndrome do choque tóxico (SCT) é uma do-ença mediada por toxinas causada pelo Staphylococ-cus aureus toxigênico. Ocorre seguindo o padrãomenstrual e não-menstrual, com quadro caracteriza-do pelo início súbito de febre, hipotensão, eritemacutâneomucoso generalizado e, posteriormente, falên-cia de múltiplos sistemas (1, 2).

O agente etiológico, S. aureus, produtor da to-xina 1, é o responsável pela síndrome do choque tóxi-co (TSCT-1). As infecções graves, causadas porestreptococos do grupo A também podem acarretarcondição semelhante à SCT (3). As manifestações clí-nicas são resultantes da absorção da TSCT-1, produ-zida pelo S. aureus, toxina que diminui o tonovasomotor e acarreta o extravasamento de líquido in-travascular. Conseqüentemente, há o início súbito dahipotensão, seguido de isquemia tecidual e falência demúltiplos órgãos (1, 2).

Na SCT, seguindo o padrão menstrual, o uso detampões vaginais no período menstru-al foi implicado como relevante fatorde risco. Na SCT, não relacionada aopadrão menstrual, os fatores de riscosão constituídos por: presença de fe-ridas cirúrgicas e não-cirúrgicas, tam-ponamento nasal e infecçõespuerperais, entre outros. A SCT nãomenstrual pode estar associada a vá-rias infecções primárias, causadas porS. aureus, bem como à infecção se-cundária de dermatoses preexisten-tes. Diabete melito e doença vascu-lar periférica predispõem a SCT es-treptocócica(1, 2).

O período de incubação é maiscurto na SCT do padrão não-mens-trual, em geral, 4 dias após interven-ções cirúrgicas contaminadas. A SCTpadrão menstrual pode se iniciar su-bitamente, com febre e hipotensão,sensação de formigamento das mãose pés, seguido da erupção maculo-papulosa e pruriginosa. Na eritroder-mia escarlatiforme, generalizada, as-sociada a SCT, as alterações são maisintensas em torno das áreas infecta-das. É comum o edema generalizadoe subseqüente descamação de mãos

e pés. O surgimento de petéquias e bolhas é mais raro.Há evolução com febre, hipotensão e falência de múl-tiplos órgãos. As complicações renais e do SNC sãomais comuns na SCT não menstrual(1, 2).

Fitzpatrick et al. (1998) (2) destacaram os crité-rios para definição de caso clínico de SCT, de acordocom aqueles dos CDC - USA (Centers for diseasecontrol and prevention)

Febre: temperatura ≥ 38,90 CErupção: eritrodermia maculosa, difusaDescamação: uma a duas semanas após iní-

cio do quadro, particularmente, das regiões palmo-plantares.

Hipotensão: pressão arterial sistólica ≤ 90mmHg para adultos. Síncope ou vertigem ortostática.

Comprometimento de três ou mais dos sis-temas orgânicos, listados na Tabela II.

O diagnóstico de SCT não menstrual, em geral,é tardio, em virtude da grande variedade de situaçõesclínicas e da sintomatologia associada. As complica-ções são: hipotensão refratária, síndrome da angústia

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respiratória do adulto, cardiomiopatia, arritmias, ence-falopatia, insuficiência renal aguda, acidose metabóli-ca, necrose hepática, coagulação intravascular, disse-minada. A mortalidade da SCT não-menstrual é maisalta do que a da SCT menstrual (1, 2).

A SCT estafilocócica tem, como diagnósticodiferencial, a SCT causada por estreptococo do grupoA. Estudos epidemiológicos e relatos clínicos têmdemonstrado associação entre a SCT estreptocócicae cepas de estreptococos do grupo A, portadores daproteína M. Exotoxinas pirogênicas, estreptocócicas,substâncias responsáveis pelo rash cutâneo da febreescarlatina, são suspeitas do envolvimento na patogê-nese da SCT estreptocócico. A mortalidade da SCTestreptocócica gira em torno de 25 a 50% (2).

Algumas investigações sugerem que as toxinasestreptocócicas ou estafilocócicas atuariam de modosemelhante aos superantígenos, isto é, teriam a capaci-dade de interagir, simultaneamente, com MHC, classeII, das células apresentadoras de antígeno e regiõesespecíficas dos receptores dos linfócitos T, na ausên-cia do processo clássico da apresentação de antígenos.A conseqüência dessa interação é a síntese concomi-

tante das citocinas TNF-α, IL-1, IL-6, IL-2 e IFN-γ.A maciça liberação de tais citocinas é um mecanismoplausível para explicação do choque e falência de ór-gãos na SCT estreptocócico e estafilocócico (1, 3).

Diagnósticos diferenciais da síndrome dochoque tóxico( 2)

Infecções mediadas por toxinas: síndromeda pele escaldada, estafilocócica, escarlatina, gastro-enterites.

Infecções multisistêmicas: choque sépticocom infecção localizada (meningococos, pneumoco-cos), leptospirose, sarampo, síndromes virais (adeno-vírus, enterovírus).

Doenças não infecciosas: lúpus eritematososistêmico, febre reumática aguda, farmacodermia (sín-drome de Stevens-Johnson) e artrite reumatóide juvenil.

AGRADECIMENTOS

Dr. Paulo de Tarso de Oliveira e Castro daComissão de Uso e Controle de Antimicrobianos doHospital das Clinicas da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto-USP, pela revisão terapêutica.

SOUZA CS. Soft tissue infections - Erysipela. Cellulitis. Infectious Syndromes Mediated By Toxin. Medicina,Ribeirão Preto, 36 : 351-356, apr./dec. 2003.

ABSTRACT - The objective of this review is to approach the etiology and the main clinicalaspects, both dermatological and therapeutic of the soft tissue infections and the infectioussyndromes mediated by toxins.

UNITERMS - Erysipelas. Cellulitis. Staphylococcal Scalded Skin Syndrome. Toxic ShockSyndrome.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2 - FITZPATRICK TB; JOHNSON RA & WOLLF K. Infecçõesbacterianas sistêmicas. In: Dermatologia: Atlas e texto , 3a

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