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A INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE REJEIÇÃO DE CONTAS E DE JULGAMENTO DOS ATOS DE ORDENAÇÃO DE DESPESAS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS Viviane Macedo Garcia 1 O presente artigo pretende revisar o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito da hipótese de inelegibilidade prevista no Art. 1 o , inciso I, alínea “g” da Lei Complementar 064/1990, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar 135/2010. O texto original da Lei Complementar 064/1990 previa a inelegibilidade por cinco anos, daqueles que tivessem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas (prestação de contas anual) rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível, salvo se a questão estivesse submetida à apreciação do Poder Judiciário. A Lei Complementar 135/2010 modificou a redação do art. 1 o , I, “g”, determinando que a irregularidade insanável que determina a inelegibilidade é somente aquela que configura ato doloso de improbidade administrativa e, além da rejeição de contas, incluiu os julgamentos referentes aos atos de ordenação de despesas realizados pelos Tribunais de Contas no uso da competência prevista no art. 71, II da Constituição da República. A Lei da Ficha Limpa também alterou o prazo de inelegibilidade de 05 para 08 anos e modificou a expressão “salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário” por “salvo se houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”. Portanto, a partir da vigência da lei não basta apenas submeter a questão à justiça, é necessário que haja um provimento jurisdicional, liminar ou definitivo, suspendendo ou anulando a decisão da Corte de Contas. Advogada eleitoralista sócia do escritório Garcia e Macedo Advogados Associados. Mestre. Membro 1 fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

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Page 1: Inelegibilidade decorrente de rejeição de contas e de julgamento dos atos de ordenação de despesas pelos tribunais de contas

A INELEGIBILIDADE DECORRENTE DE REJEIÇÃO DE CONTAS E DE JULGAMENTO DOS ATOS DE ORDENAÇÃO DE DESPESAS PELOS

TRIBUNAIS DE CONTAS

Viviane Macedo Garcia 1

O presente artigo pretende revisar o entendimento doutrinário e

jurisprudencial a respeito da hipótese de inelegibilidade prevista no Art. 1o, inciso I,

alínea “g” da Lei Complementar 064/1990, com a redação dada pela Lei da Ficha

Limpa – Lei Complementar 135/2010.

O texto original da Lei Complementar 064/1990 previa a inelegibilidade

por cinco anos, daqueles que tivessem suas contas relativas ao exercício de cargos ou

funções públicas (prestação de contas anual) rejeitadas por irregularidade insanável e

por decisão irrecorrível, salvo se a questão estivesse submetida à apreciação do Poder

Judiciário.

A Lei Complementar 135/2010 modificou a redação do art. 1o, I, “g”,

determinando que a irregularidade insanável que determina a inelegibilidade é

somente aquela que configura ato doloso de improbidade administrativa e, além da

rejeição de contas, incluiu os julgamentos referentes aos atos de ordenação de

despesas realizados pelos Tribunais de Contas no uso da competência prevista no art.

71, II da Constituição da República. A Lei da Ficha Limpa também alterou o prazo de

inelegibilidade de 05 para 08 anos e modificou a expressão “salvo se a questão houver

sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário” por “salvo se

houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”. Portanto, a partir da vigência

da lei não basta apenas submeter a questão à justiça, é necessário que haja um

provimento jurisdicional, liminar ou definitivo, suspendendo ou anulando a decisão

da Corte de Contas.

Advogada eleitoralista sócia do escritório Garcia e Macedo Advogados Associados. Mestre. Membro 1

fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

Page 2: Inelegibilidade decorrente de rejeição de contas e de julgamento dos atos de ordenação de despesas pelos tribunais de contas

A modificação legislativa, inicialmente, gerou as seguintes questões: os

Tribunais de Contas possuem competência para analisar ou declarar a existência de

improbidade administrativa? Os Tribunais de Contas têm competência para analisar

os aspectos subjetivos do ato, se culposo ou doloso? A inelegibilidade, referente ao

julgamento de contas de gestão previstas no inciso II do art. 71, aplica-se somente ao

ordenador de despesas ou também ao gestor?

As competências dos Tribunais de Contas, na execução do Controle

Externo da Administração Pública estão previstas no Art. 71 da Constituição da

República de 1988. Importam para o direito eleitoral, as competências previstas nos

incisos I e II que referem-se, respectivamente, à elaboração de parecer prévio das

contas anuais de governo cuja competência para o julgamento é do Poder Legislativo,

e aos julgamentos das contas de gestão proferidos pelos Tribunais de Contas.

Independentemente da controvérsia existente na doutrina a respeito do

caráter jurisdicional ou administrativo dos julgamentos dos Tribunais de Contas, a

Justiça Eleitoral entende que não cabe às Cortes de Contas a apreciação do elemento

subjetivo e a respeito da configuração de improbidade administrativa. Tal análise é

realizada pela Justiça Eleitoral quando do pedido de registro de candidatura . 2

Por óbvio, não cabe à Corte de Contas decretar a inelegibilidade de agente

público, matéria de competência exclusiva da Justiça Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que os Prefeitos também

respondem pelas prestações de contas de gestão, se tiverem atuado na qualidade de

ordenadores de despesas . 3

Assim, em resposta às questões propostas temos que os Tribunais de

Contas não possuem competência para declarar a inelegibilidade de gestor público,

nem apreciar a ocorrência de improbidade administrativa ou do aspecto subjetivo do

TSE. RO - Recurso Ordinário nº 43081 - Recife/PE, Acórdão de 27/11/2014. Relator Ministro Gilmar 2

Ferreira Mendes. Publicado na Sessão do dia 27/11/2014).

TSE. 401-37.2014.606.0000. RO - Recurso Ordinário nº 40137 - Fortaleza/CE. Relator Ministro 3

Henrique Neves da Silva. Acórdão de 26/08/2014. Publicado na Sessão do dia 27/08/2014.

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ato (culposo ou doloso). Os gestores respondem pelas contas de gestão, se atuarem

como ordenadores de despesas.

Quanto à configuração de improbidade administrativa, importante

observar que o Tribunal Superior Eleitoral fixou entendimento que no caso da

inelegibilidade prevista no art. 1o, I, “l” da LC 64/90, para o indeferimento do pedido

de registro de candidatura deverá restar provado além da condenação por improbidade

administrativa, que o ato seja doloso, e que tenha cumulativamente causado prejuízo

ao erário e enriquecimento ilícito . 4

Ora se para a configuração de inelegibilidade decorrente de condenação

judicial por ato de improbidade administrativa (art. 1o, I, “l” da Lei Complementar

64/1990), o Tribunal Superior Eleitoral exige a presença cumulativa do elemento

subjetivo dolo, prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito, mais ainda tais requisitos

deverão ser exigidos para a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, “g”,

posto que no curso do processo administrativo do Tribunal de Contas o gestor não

realiza defesa a respeito dos requisitos configuradores de improbidade administrativa,

tal como é realizado nas ações civis públicas. Tampouco no processo de registro de

candidatura, dado a celeridade exigida no processo, é facultado ao postulante amplos

meios probatórios para comprovar a inocorrência de improbidade administrativa.

Contudo, observa-se que a Justiça Eleitoral não tem realizado análise

aprofundada dos requisitos para a configuração de improbidade administrativa,

admitindo a ocorrência de dolo genérico, e presumindo o dolo quando da ocorrência

de algumas irregularidades tais como dispensas indevidas de licitações , 5

TSE. Processo 1137-97.2014.626.0000. RO - Recurso Ordinário nº 113797 - São Paulo/SP. Acórdão 4

de 30/09/2014. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Publicado na Sessão do dia 30/09/2014.

TSE. Processo143-26.2014.624.0000. AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 14326 5

- Florianópolis/SC. Acórdão de 17/12/2014. Relatora Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio. Publicado em Sessão do dia 17/12/2014

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irregularidades em prestação de contas do FUNDEB , descumprimento do art. 29-A 6

da CF/88 e aplicação de verbas federais em desacordo com convênio . 7 8

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral está na contramão de toda

a construção doutrinária administrativista que entende que a configuração de

improbidade administrativa exige a presença de dolo específico. Improbidade

administrativa significa desonestidade. Não existe desonestidade culposa. O elemento

volitivo é da essência do ato de improbidade administrativa.

Ausente o dolo, ausente a má-fé, ausente a culpa grave nos tipos do art. 10

da Lei 8.429/92 não há que se falar em improbidade administrativa, já que não se

admite a responsabilização objetiva dos administradores por atos de mera conduta.

Diante do exposto, concluímos que, para a configuração da inelegibilidade

prevista no art. 1o, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar 64/1990, deverão estar

presentes os seguintes requisitos cumulativos a serem auferidos pela Justiça Eleitoral

no processo de registro de candidatura:

i) Reprovação de contas de governo (prestação de contas anuais) pelo

Poder Legislativo ou reprovação de contas de gestão em processo de

Tomada de Contas Especial, prestação de contas de convênios ou atos de

ordenação de despesa pelo Tribunal de Contas competente;

ii) decisão irrecorrível no âmbito administrativo;

iii) desaprovação devido a irregularidade insanável;

iv) irregularidade que configure ato de improbidade administrativa

tipificado na Lei 8.429/1992;

v) elemento subjetivo – dolo específico;

TSE. Processo 518-17.2014.610.0000. AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 51817 6

- São Luís/MA. Acórdão de 14/10/2014. Relatora Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio. Publicado na Sessão do dia14/10/2014

TSE. Processo709-18.2014.626.0000. AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 70918 7

- São Paulo/SP. Acórdão de 04/11/2014. Relatora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura. Publicado em Sessão do dia 04/11/2014

TSE. Processo344-78.2014.611.0000. AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 34478 8

- Cuiabá/MT. Acórdão de 01/10/2014. Relator Ministro Henrique Neves da Silva. Publicado na Sessão do dia 01/10/2014

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vi) lesão ao erário;

vii) enriquecimento ilícito;

viii)prazo de oito anos contados da decisão não exaurido;

ix) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.