Índice tornozelo-braquial (itb)

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ÍNDICE TORNOZELO-BRAQUIAL Daniel Valente Batista * '' Apesar de tudo, não há, até agora, exame substituto para o paciente'' Leon Schiff MÓDULO IV EXAMES COMPLEMENTARES INTRODUÇÃO A avaliação complementar do Aparelho Cardio-Circulatório é composta por uma grande quantidade de métodos complementares. Muitos desses são métodos caros de abordagem diagnóstica e terapêutica que, muitas vezes, não são acessíveis em tempo hábil a grande parte da população que sofre com afecções cardíacas. Fugindo dessa constante, o Índice Tornozelo-Braquial (ITB) é um exame complementar barato e facilmente exeqüível por médicos não especialistas ou mesmo profissionais não-médicos, desde que recebam treinamento adequado. A Medida do ITB é um exame de alta sensibilidade (estudos relatam 90 a 97%) e alta especificidade (98-100%) para detecção de estenoses arteriais que comprometam 50% ou mais da luz do vaso. Essa estatística foi baseada na correlação dos pacientes com ITB <0,9 e compararados com os resultados de angiografia. O ITB é um preditor independente de eventos cardiovasculares e correlaciona-se com a morbi-mortalidade cardiovascular quando a relação é menor que 0,9. A importância do uso desse exame para diagnóstico da Doença Arterial Obstrutiva de Membro Inferior se dá pelo fato de ser não invasivo e do aumento dessa patologia na população com o passar do tempo. O estudo NHANES verificou a prevalência de DAOMI na população americana nos anos de 1999 e 2000 e verificou as seguintes taxas: entre 40-49 anos foi de 0,9%, 50-59anos foi de 2,5%, 60-69 anos foi de 4,7% e acima de 70anos foi de 14,5%. O EXAME O cálculo do ITB consiste na avaliação das medidas das Pressões Sistólicas nos membros superiores (artéria braquial) e inferiores, na altura do tornozelo ( artérias tibial posterior e pediosa). Cada artéria tem sua PAS avaliada através de um Doppler vascular portátil e são obtidas duas medidas consecutivas da PAS em cada vaso. Dessa forma, ao final do exame teremos 12 medidas de PAS para o cálculo do índice. *Acadêmido de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Membro integrante da Liga do Coração UFC.

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Indicações e descrição sumária de como se realizar o ITB em nível ambulatorial.

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Page 1: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

ÍNDICE TORNOZELO-BRAQUIAL

Daniel Valente Batista *

'' Apesar de tudo, não há, até agora, exame substituto para o paciente''

Leon Schiff

MÓDULO IV – EXAMES COMPLEMENTARES

INTRODUÇÃO

A avaliação complementar do Aparelho Cardio-Circulatório é composta por uma

grande quantidade de métodos complementares. Muitos desses são métodos caros de

abordagem diagnóstica e terapêutica que, muitas vezes, não são acessíveis em tempo

hábil a grande parte da população que sofre com afecções cardíacas.

Fugindo dessa constante, o Índice Tornozelo-Braquial (ITB) é um exame

complementar barato e facilmente exeqüível por médicos não especialistas ou mesmo

profissionais não-médicos, desde que recebam treinamento adequado. A Medida do

ITB é um exame de alta sensibilidade (estudos relatam 90 a 97%) e alta especificidade

(98-100%) para detecção de estenoses arteriais que comprometam 50% ou mais da luz

do vaso. Essa estatística foi baseada na correlação dos pacientes com ITB <0,9 e

compararados com os resultados de angiografia.

O ITB é um preditor independente de eventos cardiovasculares e correlaciona-se

com a morbi-mortalidade cardiovascular quando a relação é menor que 0,9.

A importância do uso desse exame para diagnóstico da Doença Arterial

Obstrutiva de Membro Inferior se dá pelo fato de ser não invasivo e do aumento dessa

patologia na população com o passar do tempo. O estudo NHANES verificou a

prevalência de DAOMI na população americana nos anos de 1999 e 2000 e verificou as

seguintes taxas: entre 40-49 anos foi de 0,9%, 50-59anos foi de 2,5%, 60-69 anos foi de

4,7% e acima de 70anos foi de 14,5%.

O EXAME

O cálculo do ITB consiste na avaliação das medidas das Pressões Sistólicas nos

membros superiores (artéria braquial) e inferiores, na altura do tornozelo ( artérias tibial

posterior e pediosa). Cada artéria tem sua PAS avaliada através de um Doppler vascular

portátil e são obtidas duas medidas consecutivas da PAS em cada vaso. Dessa forma, ao

final do exame teremos 12 medidas de PAS para o cálculo do índice.

*Acadêmido de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.

Membro integrante da Liga do Coração – UFC.

Page 2: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

O índice é calculado bilateralmente através da seguinte razão:

ITB Direito: Maior PAS do tornozelo direito

Maior Média da PAS braquial

ITB Esquerdo: Maior PAS do tornozelo esquerdo

Maior Média da PAS braquial

Note, portanto, que o numerador varia conforme a pressão no tornozelo

esquerdo ou direito, mas o denominador é fixo e é representado pela maior medida da

Pressão Arterial Sistólica (PAS) atingida no membro superior , ou seja, se a maior

média foi atingida no Braço Direito essa média irá entrar tanto na medida do ITB

Direito quanto do Esquerdo.

Por exemplo: se o paciente teve no braço direito as PAS de 122 e 126 mmHg, a

média será de 124 mmHg e se no braço esquerdo tiver sido de 130 e 134, a média será

de 132 mmHg. Assim, o valor de 132 será utilizado no denominador tanto do ITB

esquerdo quando do direito, o que irá mudar será apenas o numerador.

Para realização do exame o paciente deverá seguir as mesmas recomendações

para aferição da Pressão Arterial, ou seja, não fazer o exame de bexiga cheia, não ter

fumado ou tomado café nos últimos 30 minutos, estar em repouso nos últimos 5

minutos, não cruzar os braços ou as pernas e também não falar. O repouso de 5 minutos

e o ambiente tranqüilo de realização do exame SÃO FUNDAMENTAIS e se não

respeitadas essas condições o Exame é claramente alterado.

O exame é feito com o paciente deitado e utiliza-se um Doppler vascular de alta

freqüência ( 5 a 10 MHz) para aumentar a acurácia do exame.(O valor do aparelho varia

de 600 a 900 reais) Contudo, a aferição pressórica também poderá ser feita pelo método

palpatório e auscultatório convencional, principalmente em locais onde não se dispõem

do Doppler( em interiores,por exemplo). Após colocar o esfingnomanômetro adequado

ao tamanho do paciente, localiza-se a artéria a ser aferida com o auxílio do Doppler e da

anatomia da região. Uma vez localizada, são feitas duas medidas seqüenciais da PAS

com intervalos de menos de 30 segundos cada uma e as medidas são anotadas em ficha

anexa.

A artéria braquial tem sua localização na fossa cubital em região medial ao

tendão do bíceps braquial, a artéria pediosa ou dorsal do pé tem sua a localização na

região dorsal do pé numa região eqüidistante entre os maléolos lateral e medial e a

artéria tibial posterior fica localizada atrás do maléolo medial.

O Exame feito por pessoa treinada (idealmente em dupla) dura cerca de 20 a 30

minutos.

Page 3: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

Esfignomanômetros de coluna de mercúrio ou anaeróides podem ser utilizados e

devem ser ajustados de acordo com a circunferência do braço de cada paciente. Não se

deve usar os automáticos pela elevada variação das medidas obtidas com esses

aparelhos.

As medidas do Índice Tornozelo-Braquial são feitas de Rotina nos dias de terça-

feira pela manhã no Ambulatório de Hipertensão do HUWC numa atividade da Liga do

Coração.

Circunferência do Braço Largura da Bolsa Inflável Denominação do Manguito

< 25 cm 10-11cm Adulto pequeno ou magro

25-32 cm 12-13 cm Adulto

>32 cm 15-17 cm Adulto Grande ou obeso

Reproduzido de Hiatt, WR. N Engl J Med 2001; 344:1608.

Page 4: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

INDICAÇÃO DO EXAME

Na teoria, todos os pacientes com mais de 50 anos e assintomáticos que

procuram assistência para uma avaliação cardiovascular devem ter a doença arterial

obstrutiva periférica rastreada através da medida do ITB. O ITB se encaixa como exame

de rastreio pelo baixo-custo, fácil realização, não apresentar ônus ou riscos ao paciente e

pela capacidade de detectar a doença ainda de maneira assintomática. Além disso,

outras indicações para a realização do exame são:

Todos os indivíduos maiores de 65 anos

Os maiores de 50 que sejam:

o Diabéticos

o Fumantes

o Ex-Fumantes (>10 maços/ano)

Qualquer idade:

o História pessoal de processo obstrutivo em outro território vascular,

como:cerebral, carótica ou coronariano

o História familiar de doença arterial oclusiva em qualquer território

o Queixas sugestivas de claudicação intermitente (dor ou desconforto

nos membros que surge com o esforço)

o Alterações no Exame Clínico que apontem para Doença Arterial

Oclusiva: diminuição de pulsos, extremidades frias, alterações

tróficas de pele e pêlos, etc.

o Como controle para sucesso após revascularização do território

afetado.

Outras indicações:

o Maiores que 50 anos:

Com hipertensão arterial sistêmica

Portadores de Hipercolesterolemia

Portadores de hiper-homocisteinemia

Portadores de níveis elevados de Proteina C reativa

o Qualquer idade:

Para diagnóstico diferencial com dor em membros inferiores

Page 5: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

Para guiar a prescrição de fármacos beta-bloqueadores uma

vez que há contra-indicação do uso dessa classe de remédios

em pacientes portadores de Doença Arterial Obstrutiva em

Membros Inferiores (DAOMI)

Adaptado de Indice Tornozelo-Braquial:Importância e uso na prática clínica. Marcia Makdisse. São

Paulo. Editora Segmento.2004

APLICAÇÃO PRÁTICA DO EXAME

Como mencionado anteriormente os valores do ITB abaixo de 0,9 tem uma

sensibilidade e especificidade acima de 95% para diagnósticos de DAOMI e

correlaciona-se com um aumento de morbi-mortalidade cardiovascular em diversos

estudos.

Quando o índice fica entre 0,9 e 0,4 o paciente tem doença obstrutiva leve a

moderada e valores abaixo de 0,4 significam doença grave. Nesse último estágio o

doente, muito provavelmente, já tem a clínica de claudicação. Valores entre 0,9 e 1,3

são os valores considerados dentro da normalidade.

Devemos lembrar, no entanto, que o valor de corte 0,9 é passível de mudanças a

depender da publicação de novos estudos que correlacionem esse valor ( ou um valor

diferente) e a morbi-mortalidade associada.Alguns autores propõem, por exemplo, que

essa razão seja elevada para 1,0.

Uma das indicações do exame também é para avaliar a presença de doença

obstrutiva em pacientes que se beneficiariam do uso de beta-bloqueadores como,por

exemplo, pacientes com Insuficiência Cardíaca. Evita-se o uso dessas drogas pois o

bloqueio do efeito beta na circulação arterial periférica causaria uma vasoconstricção e

conseqüente piora da doença obstrutiva nesses pacientes, a despeito do benefício

cardíaco alcançado com o beta-bloqueio. De maneira geral, recomenda-se cautela em

doentes com ITB 0,41-0,9 e uso de beta-bloqueadores com bloqueio alfa (tipo

carvedilol). Em pacientes com ITB <0,4 não recomenda-se o uso de quaisquer beta-

bloqueador.

0,91-1,3 em pacientes sem sintomas:

Em pacientes com ITB normal o exame deve ser repetido anualmente e reduções

do índice maiores do que 0,15 devem ser consideradas diminuições REAIS, ou seja,

fora da faixa de erro intra ou inter-observador e devem, portanto, ser valorizadas.

0,91-1,3 em pacientes sintomáticos (dor associada a movimentação) ou

alteração no exame físico (diminuição/ausência de pulsos periféricos,

diminuição de temperatura, queda de pelos,etc):

‘ Se o valor for normal em repouso, mas estiver próximo do limite inferior (entre

0,91 e 1,0) sugere-se que os pacientes sejam submetidos ao ITB de esforço através da

realização do ITB associado a caminhada em esteira ergométrica e com protocolos

Page 6: Índice Tornozelo-Braquial (ITB)

específicos. O paciente te ITB medido em posição supina 1 minutos antes e após o

esforço. Uma redução do ITB após o esforço de maneira significativa é diagnóstica de

Doença Arterial Obstrutiva.

Caso não se disponha do teste de esforço e a suspeita de doença obstrutiva ainda

se faça presente recomenda-se o encaminhamento para a cirurgia vascular.

0,41-0,9 com ou sem sintomas:

Repetir a medida do ITB com 12 semanas para confirmação. Se diagnóstico

confirmado deve-se iniciar controle de fatores de risco para doença cardiovascular

(diabetes, HAS, dislipidemia,obesidade...). Se paciente sintomático pedir parecer da

cirurgia vascular

<0,4 com ou sem sintomas:

Esses pacientes tem doença arterial obstrutiva grave e devem ser encaminhados

para a cirurgia vascular. Além disso, deve ser feita prevenção secundária para doença

cardiovascular nos mesmos moldes dos pacientes entre 0,41-0,9.

Valores > 1,3:

Pacientes com valores acima de 1,3 geralmente apresentam doença

aterosclerótica difusa em vasos e calcificação da camada média e rigidez da parede que

faz com que as artérias fiquem não compressíveis e,assim, os valores do ITB sejam

elevados.Tal situação pode ocorrer em idosos, diabéticos e pacientes com doença renal

crônica.

Eles devem ter sua ITB repetido com 12 semanas e, se a alteração permanecer,

ser encaminhados ao cirurgião vascular para melhor avaliação.

Para maiores informações recomendamos a leitura adicional disponibilizada na

bibliografia.

BIBLIOGRAFIA

Indice Tornozelo-Braquial:Importância e uso na prática clínica. Marcia

Makdisse. São Paulo. Editora Segmento Farma, Primeira Edição. 2004

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