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Informativo 842-STF (18/10/2016) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo não comentado por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: Ext 1362/DF. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL MINISTÉRIO PÚBLICO O ato de vitaliciamento tem natureza de ato administrativo, e, assim, se sujeita ao controle de legalidade do CNMP. VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada. DIREITO ADMINISTRATIVO CONSELHOS PROFISSIONAIS Constitucionalidade da Lei 12.514/2011. DIREITO AMBIENTAL VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada. DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Provedor clandestino de internet sem fio. DIREITO PROCESSUAL PENAL EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau. INDULTO NATALINO Condenado que pratica falta grave nos 12 meses antes da publicação do decreto de indulto natalino não terá direito ao benefício mesmo que a homologação ocorra após o decreto. DIREITO PENAL PROCESSUAL PENAL MIILTAR COMPETÊNCIA Ex-militar que continua recebendo e sacando indevidamente o soldo mesmo após ter sido desincorporado pratica crime militar. DIREITO TRIBUTÁRIO TAXAS Princípio da legalidade tributária e lei que delega a fixação do valor da taxa para ato infralegal, desde que respeitados os parâmetros máximos. CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da Lei 12.514/2011.

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo não comentado por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: Ext 1362/DF.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO O ato de vitaliciamento tem natureza de ato administrativo, e, assim, se sujeita ao controle de legalidade do CNMP.

VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONSELHOS PROFISSIONAIS Constitucionalidade da Lei 12.514/2011.

DIREITO AMBIENTAL

VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada.

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Provedor clandestino de internet sem fio.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau.

INDULTO NATALINO Condenado que pratica falta grave nos 12 meses antes da publicação do decreto de indulto natalino não terá

direito ao benefício mesmo que a homologação ocorra após o decreto.

DIREITO PENAL PROCESSUAL PENAL MIILTAR

COMPETÊNCIA Ex-militar que continua recebendo e sacando indevidamente o soldo mesmo após ter sido desincorporado pratica

crime militar.

DIREITO TRIBUTÁRIO

TAXAS Princípio da legalidade tributária e lei que delega a fixação do valor da taxa para ato infralegal, desde que

respeitados os parâmetros máximos.

CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da Lei 12.514/2011.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO O ato de vitaliciamento tem natureza de ato administrativo,

e, assim, se sujeita ao controle de legalidade do CNMP

Determinado Promotor de Justiça foi considerado aprovado no estágio probatório pelo Colégio de Procuradores do MP. O CNMP, de ofício, reformou esta decisão e negou o vitaliciamento do Promotor, determinando a sua exoneração.

O STF considerou legítima a atuação do CNMP.

O ato de vitaliciamento tem natureza de ato administrativo, e, assim, se sujeita ao controle de legalidade do CNMP, por força do art. 130-A, § 2º, II, da CF/88, cuja previsão se harmoniza perfeitamente com o art. 128, § 5º, I, "a", do texto constitucional.

Vale ressaltar que, quando o CNMP tomou esta decisão, o referido Promotor já estava suspenso do exercício de suas funções e não chegou a completar 2 anos de efetivo exercício. Logo, como o Promotor ainda não havia acabado seu estágio probatório, poderia perder o cargo por decisão administrativa, não sendo necessária sentença judicial transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, "a", da CF/88).

STF. 2ª Turma. MS 27542/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 04/10/2016 (Info 842).

Imagine a seguinte situação adaptada: "TFS" era Promotor de Justiça em São Paulo desde 13/09/2003. Em 29/12/2004, ou seja, ainda durante o estágio probatório, ele se envolveu em um incidente e acabou matando uma pessoa. Em decorrência desse fato, ele foi denunciado criminalmente pela prática de homicídio e, além disso, instaurou-se um procedimento administrativo no âmbito do Ministério Público. Decisão do MP/SP Em 2007, antes que a ação penal fosse julgada, o Colégio de Procuradores de Justiça do MP/SP decidiu que "TFS" deveria ser aprovado no estágio probatório e continuar no cargo de Promotor. Decisão do CNMP O CNMP não concordou com a decisão do Colégio de Procuradores e, em 2008, decidiu reformar a decisão do MP/SP e negar o vitaliciamento de "TFS", exonerando-o do cargo. Mandado de segurança "TFS" impetrou no STF mandado de segurança contra a decisão do CNMP (art. 102, I, "r", da CF/88). No writ, o autor alegou que entrou em exercício em 13/09/2003 e, portanto, tornou-se vitalício em 13/09/2005. Desse modo, depois de se tornar vitalício, somente poderia perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, "a", da CF/88). Assim, quando o CNMP o julgou, ele já era vitalício e não poderia perder o cargo por decisão administrativa do Conselho. O Ministro Relator concedeu a liminar para que o autor permanecesse no cargo de Promotor enquanto aguardava o julgamento do MS. Resultado da ação criminal Em 2015, o TJ/SP absolveu "TFS" sob o argumento de legítima defesa. Foi interposto recurso contra esta decisão, ainda não julgado.

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Em 2016, o MS foi julgado. O STF concedeu a segurança e manteve o Promotor no cargo? NÃO.

Competência do CNMP O CNMP, enquanto órgão administrativo, tinha competência para reformar a decisão do Colégio de Procuradores de Justiça que havia se manifestado pelo vitaliciamento do Promotor. O ato de vitaliciamento (decisão pela permanência de membro em estágio probatório nos quadros da instituição) tem natureza de ato administrativo, e, assim, se sujeita ao controle de legalidade do CNMP, nos termos do art. 130-A, § 2º, II, da CF/88:

Art. 130-A (...) § 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo lhe: (...) II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;

Mas e o argumento do autor de que a decisão do CNMP foi tomada em 2008, ou seja, depois de ele já ter passado pelo prazo de 2 anos do estágio probatório e, portanto, já estar nesta época vitaliciado? Esta alegação procede? NÃO. Isso porque o caso concreto tinha uma peculiaridade: em 2005, ou seja, ainda durante o estágio probatório, o Corregedor-Geral do MP/SP apresentou um pedido de impugnação ao vitaliciamento de "TFS". Segundo a Lei Orgânica Nacional do MP (Lei nº 8.625/93), nestes casos, o exercício da função fica suspenso. Confira:

Art. 60. Suspende-se, até definitivo julgamento, o exercício funcional de membro do Ministério Público quando, antes do decurso do prazo de dois anos, houver impugnação de seu vitaliciamento.

Vejamos novamente a cronologia dos fatos:

13/09/2003: "TFS" entra em exercício no cargo.

29/12/2004: "TFS" envolve-se na morte de um jovem.

Fevereiro/2005: Corregedor do MP impugna o vitaliciamento (suspensão da função).

29/08/2007: Colégio de Procuradores decide pelo vitaliciamento.

03/09/2007: CNMP instaura, de ofício, PCA para apurar o caso.

02/06/2008: CNMP reforma a decisão do MP/SP e nega o vitaliciamento.

No caso concreto, "TFS" não teve 2 anos de efetivo exercício do cargo, considerando que o exercício de sua função foi suspenso, durante o estágio probatório, quando houve a impugnação ao vitaliciamento formulada pelo Corregedor.

E o julgado penal que absolveu "TFS"? Não interfere no julgamento do MS. As instâncias cível, penal e administrativa são independentes, não havendo que se falar em violação do princípio da presunção de inocência pela aplicação de sanção administrativa por descumprimento de dever funcional, fixada em processo disciplinar legitimamente instaurado antes de finalizado o processo penal em que apurados os mesmo fatos. Nesse sentido:

(...) Independência entre as esferas penal e administrativa, salvo quando, na instância penal, se decida pela inexistência material do fato ou pela negativa de autoria, casos em que essas conclusões repercutem na seara administrativa. (...) STF. Plenário. MS 26988 AgR-terceiro, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18/12/2013.

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VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada

Importante!!!

É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.

Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta prática sofrem tratamento cruel, razão pela qual esta atividade contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.

A crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida.

A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, que veda práticas que submetam os animais à crueldade.

STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016 (Info 842).

Veja comentários em Direito Ambiental.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONSELHOS PROFISSIONAIS Constitucionalidade da Lei 12.514/2011

A Lei nº 12.514/2011, que trata sobre as contribuições (anuidades) devidas aos Conselhos Profissionais, é constitucional.

Sob o ponto de vista formal, esta Lei, apesar de ser fruto de uma MP que originalmente dispunha sobre outro assunto, não pode ser declarada inconstitucional porque foi editada antes de o STF declarar ilegítima a prática do “contrabando legislativo” (ADI 5127/DF).

Ainda quanto ao aspecto formal, esta Lei não trata sobre normas gerais de Direito Tributário, motivo pelo qual não precisava ser veiculada por lei complementar.

Sob o ponto de vista material, a Lei respeitou os princípios da capacidade contributiva, da vedação ao confisco e da legalidade.

STF. Plenário. ADI 4697/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 06/10/2016 (Info 842).

NOÇÕES GERAIS SOBRE AS ANUIDADES COBRADAS PELOS CONSELHOS PROFISSIONAIS

Qual é a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais (exs.: CREA, CRM, COREN, CRO etc.)? Os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de autarquias federais. Exceção: a OAB que, segundo a concepção majoritária, é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. Anuidades Os Conselhos podem cobrar um valor todos os anos dos profissionais que integram a sua categoria. A isso se dá o nome de anuidade (art. 4º, II, da Lei nº 12.514/2011). Veja o que diz também a Lei nº 11.000/2004:

Art. 2º Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada Conselho.

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Qual é a natureza jurídica dessas anuidades? Tais contribuições são consideradas tributo, sendo classificadas como “contribuições profissionais ou corporativas”. Fato gerador O fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício (art. 5º da Lei nº 12.514/2011). Limites legais para os valores da anuidade A Lei nº 12.514/2011 fixa valores máximos para as anuidades que serão instituídas pelos Conselhos. Veja:

Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de: I - para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais); II - para profissionais de nível técnico: até R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais); e III - para pessoas jurídicas, conforme o capital social, os seguintes valores máximos: a) até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais): R$ 500,00 (quinhentos reais); b) acima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais): R$ 1.000,00 (mil reais); c) acima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais): R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais); d) acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais): R$ 2.000,00 (dois mil reais); e) acima de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e até R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais): R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); f) acima de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) e até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$ 3.000,00 (três mil reais); g) acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais): R$ 4.000,00 (quatro mil reais). § 1º Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo. § 2º O valor exato da anuidade, o desconto para profissionais recém-inscritos, os critérios de isenção para profissionais, as regras de recuperação de créditos, as regras de parcelamento, garantido o mínimo de 5 (cinco) vezes, e a concessão de descontos para pagamento antecipado ou à vista, serão estabelecidos pelos respectivos conselhos federais.

Art. 7º Os Conselhos poderão deixar de promover a cobrança judicial de valores inferiores a 10 (dez) vezes o valor de que trata o inciso I do art. 6º.

Obs: em razão de não possuir natureza jurídica de autarquia, a OAB não está vinculada a esses valores, podendo fixar anuidade em patamares superiores. Execução fiscal Como a anuidade é um tributo e os Conselhos profissionais são autarquias, em caso de inadimplemento, o valor devido é cobrado por meio de uma execução fiscal. Competência A execução fiscal, nesse caso, é de competência da Justiça Federal, tendo em vista que os Conselhos são autarquias federais (Súmula 66 do STJ).

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Lei nº 12.514/2011 fixou número mínimo de anuidades em atraso para ajuizamento da execução O volume de inadimplência nesses Conselhos profissionais é muito alto, o que fazia com que fossem ajuizadas, anualmente, milhares de execuções fiscais, a maioria referente a pequenos valores, abarrotando a Justiça Federal. Além disso, o custo do processo judicial muitas vezes era superior ao crédito perseguido por meio da execução. Pensando nisso, o legislador editou a Lei nº 12.514/2011, trazendo uma restrição de valor para que o Conselho possa ajuizar a execução fiscal cobrando as anuidades em atraso. Veja:

Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.

Desse modo, o art. 8º da Lei acima referida traz uma nova condição para que os Conselhos profissionais ajuízem execuções fiscais: o total da quantia executada deverá ser, no mínimo, quatro vezes o valor da anuidade. Na prática, o Conselho precisa aguardar que o profissional fique inadimplente 4 anos para propor a execução fiscal. Vale ressaltar que, mesmo não podendo ajuizar a execução, os Conselhos poderão tomar outras medidas contra o inadimplente, como, por exemplo, suspender seu exercício profissional. Veja:

Art. 8º (...) Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional.

Profissional pode pedir o cancelamento da inscrição mesmo que esteja em atraso A existência de valores em atraso não obsta o cancelamento ou a suspensão do registro a pedido (art. 9º da Lei nº 12.514/2011). ADI PROPOSTA CONTRA A LEI 12.514/2011

Como visto acima, a Lei nº 12.514/2011 impôs algumas restrições à cobrança das anuidades pelos Conselhos Profissionais. Isso não agradou os Conselhos que, por meio de duas Confederações Nacionais de Profissionais, ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade contra a Lei (ADIs 4697 e 4762). Nas ações, as autoras alegaram três argumentos, os dois primeiros de inconstitucionalidade formal e o último de vício material. 1º) Foram inseridos na MP assuntos diferentes daqueles sobre os quais ela originalmente tratava A Lei nº 12.514/2011 é resultado da conversão em lei da Medida Provisória 536/2011. Ocorre que a MP 536/2011 tratava, originalmente, apenas das atividades dos médicos residentes e, durante sua tramitação, foram acrescentados oito artigos tratando sobre as anuidades dos Conselhos Profissionais. O Congresso Nacional, ao usar o texto de uma medida provisória para inserir disciplina normativa completamente nova, usurpou a competência exclusiva do Presidente da República para a edição de disposições normativas urgentes e relevantes. As medidas provisórias podem ser objeto de emendas parlamentares, mas desde que tenham a mesma pertinência temática tratada originalmente na MP, ou seja, as emendas devem ser do mesmo assunto. Desse modo, as autoras pediram que o STF declarasse inconstitucionais os artigos acrescentados pelo Congresso Nacional e que tratam sobre as anuidades considerando que eles teriam sido inseridos indevidamente durante a tramitação da MP. 2º) O assunto “anuidade dos Conselhos Profissionais” somente poderia ser tratado por lei complementar O segundo argumento exposto nas ADIs foi o de que a Lei nº 12.514/2011 versou sobre anuidade de Conselhos Profissionais e que isso consiste em tributo. Assim, de acordo com a tese das autoras, a Lei nº 12.514/2011 tratou sobre normas gerais de Direito Tributário (constituição de obrigação, lançamento e crédito tributário), o que não poderia ter sido feito porque esses assuntos exigem lei complementar, nos

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termos do art. 146, III, da CF/88:

Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

3º) Violação à capacidade contributiva e ao confisco O terceiro argumento foi o de que a Lei nº 12.514/2011 violou o princípio da capacidade contributiva e do confisco. “A norma aqui rechaçada não considera a condição pessoal de cada contribuinte, especialmente no que tange à heterogeneidade brasileira e da multiplicidade de remunerações praticadas em todo o vasto território brasileiro”. A lei prevê cobrança de anuidade de R$ 500,00 para profissionais de nível superior e de R$ 250, para os de nível médio sem atentar para as peculiaridades de cada profissional. Desse modo, para aqueles que ganham muito bem, o valor da anuidade será insignificante, enquanto que para os que recebem baixas remunerações, a quantia a ser paga representará quase que um confisco. As teses invocadas pelas autoras foram acolhidas pelo STF? A Lei nº 12.514/2011 é inconstitucional? NÃO. Pertinência temática e contrabando legislativo Realmente, o STF, ao julgar a ADI 5127/DF, fixou o entendimento de que, durante a tramitação de uma MP, os parlamentares só podem apresentar emendas caso estas possuam pertinência temática com a proposta original. Vamos relembrar o que foi decidido:

Durante a tramitação de uma medida provisória no Congresso Nacional, os parlamentares poderão apresentar emendas? SIM, no entanto, tais emendas deverão ter relação de pertinência temática com a medida provisória que está sendo apreciada. Assim, a emenda apresentada deverá ter relação com o assunto tratado na medida provisória. Desse modo, é incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação. A inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional é chamada de "contrabando legislativo", sendo uma prática vedada. STF. Plenário. ADI 5127/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 15/10/2015 (Info 803).

Ocorre que o STF, ao julgar a ADI 5127/DF acima relembrada, decidiu modular os efeitos da decisão. Assim, a Corte afirmou que esse entendimento só deverá valer para as medidas provisórias que forem convertidas em lei depois da decisão da ADI 5127/DF. As medidas provisórias que foram aprovadas antes da ADI 5127/DF, mesmo que nelas tenha havido contrabando legislativo, não serão julgadas inconstitucionais. É como se o STF tivesse dado uma chance ao Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, um alerta: o que já foi aprovado não será declarado inconstitucional, porém não faça mais isso. Dessa forma, a decisão do STF contrária ao “contrabando legislativo” (ADI 5127/DF) teve eficácia prospectiva. A MP 536/2011, que resultou na Lei nº 12.514/2011, foi aprovada antes do mencionado precedente, motivo pelo qual não padece de vício de inconstitucionalidade formal. Criação de anuidade não precisa de lei complementar De fato, as anuidades possuem natureza jurídica de contribuições corporativas com caráter tributário. No entanto, não houve inconstitucionalidade formal porque não se exige lei complementar para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. A Lei nº 12.514/2011 não tratou sobre normas gerais de direito tributário (art. 146, III, da CF/88), mas apenas instituiu regras para a cobrança das anuidades.

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Capacidade contributiva, confisco e legalidade A progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias. Além disso, para atender ao princípio da igualdade, o pagamento dos tributos deverá atender a capacidade contributiva do contribuinte. Dessa forma, a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional. Por conta disso, a progressividade e a capacidade contributiva devem estar presentes também na cobrança das anuidades que, como vimos, possuem natureza de “contribuições sociais de interesse profissional”. Na visão do STF, a Lei nº 12.514/2011 respeitou o princípio da capacidade contributiva. Isso porque, conforme se observa pelo art. 6º, acima transcrito, foi prevista uma tabela de tributação escalonada. Em relação às pessoas físicas, foi fixada uma correlação entre o nível educacional (técnico e superior) e a provável disparidade de renda (presume-se que quem é profissional de nível superior, ganhe mais). No que tange às pessoas jurídicas, há diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social do contribuinte. Essa medida legislativa garante observância à equidade vertical eventualmente aferida entre os contribuintes. Ainda no que se refere à constitucionalidade material da lei, o STF afirmou que a Lei nº 12.514/2011 respeitou o princípio da legalidade tributária, considerando que já atribuiu valor exato das anuidades aos Conselhos Profissionais, desde que respeitadas as balizas quantitativas da norma. Quanto à atualização monetária do tributo, esta pode ser delegada para ser tratada por meio de ato infralegal, como foi feito na Lei.

DIREITO AMBIENTAL

VAQUEJADA É inconstitucional a prática da vaquejada

Importante!!!

É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.

Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta prática sofrem tratamento cruel, razão pela qual esta atividade contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.

A crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida.

A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, que veda práticas que submetam os animais à crueldade.

STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016 (Info 842).

Vaquejada A vaquejada é uma prática cultural comum nos Estados do nordeste do Brasil, em especial no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Alagoas e na Bahia. Na vaquejada, dois vaqueiros, cada um montado em seu cavalo, perseguem o boi na arena e, após emparelhá-lo com os cavalos, tentam conduzi-lo até uma região delimitada, onde deverão derrubar o boi puxando-o pelo rabo. Se o boi, quando foi derrubado, ficou, ainda que por alguns instantes, com as quatro patas para cima antes de se levantar, o juiz declara ao público “Valeu boi!” e a dupla recebe os pontos.

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Se o boi caiu, mas não ficou com as patas para cima, o juiz anuncia “Zero!”, e a dupla não pontua. Algumas regras mudam de acordo com a organização do evento, mas, em regra, cada dupla enfrenta cinco bois. O primeiro vale 8 pontos, o segundo 9 pontos, o terceiro 10 pontos, o quarto 11 e o quinto 12, totalizando 50 pontos. Críticas e defensores As associações protetoras dos animais criticam bastante as vaquejadas, alegando que os bois e cavalos envolvidos sofrem maus tratos e que, com frequência, ficam com sequelas decorrentes das agressões e do estresse que passam. Os defensores da atividade, por sua vez, alegam que os animais não sofrem maus tratos e que esta prática é centenária, fazendo parte do patrimônio cultural do povo nordestino. Além disso, argumentam que se trata de um esporte e que os eventos geram inúmeros empregos e renda para aquela região do país. Lei 15.299/2013 O Ceará editou a Lei nº 15.299/2013, regulamentando a atividade de “vaquejada” no Estado. A norma fixou os critérios para a competição e obrigou os organizadores a adotarem medidas de segurança para os vaqueiros, público e animais. O Procurador-Geral da República, no entanto, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a lei. Segundo a ação, com a profissionalização da vaquejada, algumas práticas passaram a ser adotadas, como o enclausuramento dos animais antes de serem lançados à pista, momento em que são açoitados e instigados para que entrem agitados na arena quando da abertura do portão. Tais práticas acarretam danos e constituem crueldade contra os animais, o que é vedado pelo art. 225, § 1º, VII, da CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O pedido do PGR foi acolhido pelo STF? A vaquejada foi considerada uma prática contrária à CF? SIM. Conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais O caso em tela revela um conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais:

De um lado, a CF/88 proíbe as práticas que submetam os animais a crueldade (art. 225, § 1º, VII);

De outro, o texto constitucional garante o pleno exercício dos direitos culturais, das manifestações culturais e determina que o Estado proteja as manifestações das culturas populares (art. 215, caput e § 1º).

Direito fundamental de terceira geração O art. 225 da CF/88 consagra a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. É, portanto, direito fundamental de terceira geração, fundado na solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de "altíssimo teor de humanismo e universalidade" (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 523). A manutenção do ecossistema é um dever de todos em benefício das gerações do presente e do futuro. Nas questões ambientais, o indivíduo é considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção. Daí porque a doutrina fala que existe um verdadeiro “direito-dever” fundamental. Laudos técnicos comprovaram consequências nocivas aos animais O PGR juntou aos autos laudos técnicos que comprovam que as vaquejadas provocam consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos,

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traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais resultam comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Diante desses dados, o STF concluiu que é indiscutível que os animais envolvidos sofrem tratamento cruel, o que contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88. Proibição da crueldade prevalece sobre a proteção cultural O STF entendeu que a crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida. A expressão “crueldade”, constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, engloba a tortura e os maus-tratos sofridos pelos bovinos durante a prática da vaquejada, de modo a tornar intolerável esta conduta que havia sido autorizada pela norma estadual impugnada. Assim, mesmo reconhecendo a importância da vaquejada como manifestação cultural regional, esse fator não torna a atividade imune aos outros valores constitucionais, em especial à proteção ao meio ambiente. Resultado O placar foi bastante apertado (6x5):

Inconstitucionalidade da lei: Ministros Marco Aurélio, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Constitucionalidade da lei (vencidos): Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Outros casos na jurisprudência do STF em que houve a tensão meio ambiente x manifestação cultural Caso "Farra do Boi": Pretendia-se a proibição, no Estado de Santa Catarina, da denominada “Festa da Farra do Boi”. Aqueles que defenderam a manutenção afirmaram ser uma manifestação popular, de caráter cultural, entranhada na sociedade daquela região. Os que a impugnaram anotaram a crueldade intrínseca exercida contra os animais bovinos, que eram tratados “sob vara” durante o “espetáculo”. O STF declarou a prática inconstitucional:

A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi". STF. 2ª Turma. RE 153531, Relator(a) p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/1997.

"Briga de galo": O STF já declarou inconstitucionais algumas leis estaduais que buscavam regulamentar o costume popular denominado “briga de galos”.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A CRIAÇÃO E A EXPOSIÇÃO DE AVES DE RAÇA E A REALIZAÇÃO DE "BRIGAS DE GALO". A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. STF. Plenário. ADI 2514, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 29/06/2005.

A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os

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domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. (...) STF. ADI 1856, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 26/05/2011.

Projeto de lei federal Vale ressaltar que tramita no Congresso Nacional um projeto de lei federal (Projeto de Lei 377/2016) com o objetivo de regulamentar, em nível nacional, a atividade da vaquejada. Depois da decisão do STF, a tramitação desta proposta ganhou novamente força porque se entende que seria uma forma de liberar a prática em todo o Brasil. Parece, contudo, que a tentativa será inócua. Isso porque o STF declarou a lei do Estado do Ceará inconstitucional não pelo fato de ela ser uma lei estadual, mas sim porque o Tribunal entendeu que a prática da vaquejada viola o art. 225, § 1º, VII, da CF/88. Assim, salvo se algum Ministro mudar de opinião, tenho a impressão de que uma lei federal regulamentando esta prática também será declarada inconstitucional. Vamos acompanhar e qualquer novidade você será avisado.

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Provedor clandestino de internet sem fio

O réu que disponibiliza provedor de internet sem fio pratica atividade clandestina de telecomunicação (art. 183 da Lei nº 9.472/97), de modo que a tipicidade da conduta está presente, devendo ser afastada a aplicação do princípio da insignificância mesmo que, no caso concreto, a potência fosse inferior a 25 watts, o que é considerado baixa potência, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.612/98.

STF. 1ª Turma. HC 118400/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 04/10/2016 (Info 842).

Imagine a seguinte situação hipotética: Os fiscais da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) constataram que João mantinha um provedor de internet, via rádio, no qual os clientes pagavam a ele mensalmente e recebiam em suas casas o sinal da internet. Ocorre que João não tinha autorização da ANATEL para exploração desse serviço. Foi, então, lavrado auto de infração e encaminhada notícia do fato ao MPF. A conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, como se fosse um provedor de internet, sem autorização da ANATEL, configura algum crime? SIM. A conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, de forma clandestina, caracteriza, em princípio, o delito descrito no art. 183 da Lei nº 9.472/97 (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1483107/RN, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 01/12/2015). Veja o que diz este dispositivo legal:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

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Mas o art. 183 fala em “atividades de telecomunicação”. O provedor de acesso à internet desenvolve atividade de telecomunicação? O provedor de acesso à Internet via radiofrequência (internet via rádio) desenvolve dois serviços:

um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia); e

um Serviço de Valor Adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Dessa forma, a chamada “internet via rádio” pode ser considerada também um serviço de telecomunicação. Os provedores de internet via rádio precisam de autorização da Anatel para funcionar? Prevalece que sim. As atividades de telecomunicação precisam de autorização prévia da ANATEL, salvo se forem praticadas dentro de uma mesma edificação ou propriedade (art. 75 da Lei nº 9.472/97). Em sua defesa o réu alegou o princípio da insignificância, considerando que seu provedor operava com a potência de 0,5 Watts, que é muito baixa. Tal alegação é aceita pela jurisprudência majoritária? NÃO. STJ: é pacífico não ser possível a incidência do princípio da insignificância no crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. Isso porque a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização, já é, por si, suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1560335/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2016. STF: a maioria dos julgados nega aplicação ao princípio da insignificância para o art. 183 (caso envolvendo “rádios clandestinas"). No entanto, é possível encontrar alguns acórdãos aplicando o postulado com base nas peculiaridades do caso concreto. Nesse sentido: “Embora haja precedentes deste Supremo Tribunal no sentido da aplicação do princípio da insignificância aos crimes de rádio clandestina, naqueles julgados foram debatidas situações nas quais a inexistência de lesividade estava comprovada pelas autoridades competentes, diferente do que se tem na espécie em exame.” (STF. 2ª Turma. HC 135248, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/08/2016). Na situação noticiada no Informativo 842, o STF decidiu que o réu praticou atividade clandestina de telecomunicação por disponibilizar provedor de internet sem fio, de modo que a tipicidade da conduta está presente, devendo ser afastada a aplicação do princípio da insignificância mesmo que, no caso concreto, a potência fosse inferior a 25 watts, o que é considerado baixa potência, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.612/98. STF. 1ª Turma. HC 118400/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 04/10/2016 (Info 842). O acusado argumentou também que não deveria ser condenado, considerando que não ficou provado que ele causou prejuízo, seja para os clientes, seja para os serviços de telecomunicações. Essa alegação é acolhida pelos Tribunais? NÃO. O delito do art. 183 da Lei nº 9.427/97 é crime de perigo abstrato. Isso significa que, para a sua consumação, basta que alguém desenvolva de forma clandestina as atividades de telecomunicações, sem necessidade de demonstrar prejuízo concreto para o sistema de telecomunicações (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1560335/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2016). Confira julgado que sintetiza esses entendimentos:

(...) 1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que a transmissão de sinal de internet via radio sem autorização da ANATEL caracteriza o fato típico previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, ainda que se trate de serviço de valor adicionado de que cuida o artigo 61, § 1°, da mesma lei.

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2. É também pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito de natureza formal de perigo abstrato que, por si só, é suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não tendo aplicação o princípio da insignificância mesmo que se trate de serviço de baixa potência. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1566462/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/03/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau

Importante!!!

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88) e não viola o texto do art. 283 do CPP.

STF. Plenário. ADC 43 e 44 MC/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgados em 05/10/2016 (Info 842).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a uma pena de 8 anos de reclusão, tendo sido a ele assegurado na sentença o direito de recorrer em liberdade. O réu interpôs apelação e depois de algum tempo o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, João interpôs, simultaneamente, recurso especial e extraordinário. João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso ou solto? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado?

1ª) Posição ANTERIOR do STF: NÃO STF. Plenário. HC 84078, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 05/02/2009.

A CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF/88). É o chamado princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade), que é consagrado não apenas na Constituição Federal, como também em documentos internacionais, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e da Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos.

Logo, enquanto pendente qualquer recurso da defesa, existe uma presunção de que o réu é inocente. Dessa forma, enquanto não houver trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, o réu não pode ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena porque ainda é presumivelmente inocente. Com base nisso, entendia-se que não existia no Brasil a execução provisória (antecipada) da pena.

Em virtude da presunção de inocência, o recurso interposto pela defesa contra a decisão condenatória era recebido no duplo efeito (devolutivo e suspensivo) e o acórdão de 2º grau que condenava o réu ficava sem produzir efeitos.

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Este era o entendimento adotado pelo STF desde o leading case HC 84078, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009.

Obs: o condenado poderia até aguardar o julgamento do REsp ou do RE preso, desde que estivessem previstos os pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Dessa forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente) e não como execução provisória da pena.

2ª) Posição ATUAL do STF: SIM STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.

É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.

O recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso.

O Min. Teori Zavascki defendeu que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

É possível o estabelecimento de determinados limites ao princípio da presunção de não culpabilidade. Assim, a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado.

A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual.

Há o exemplo recente da LC 135/2010 - Lei da Ficha Limpa, que, em seu art. 1º, I, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória por crimes nela relacionados, quando proferidas por órgão colegiado. A presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado.

É necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal. Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados, como também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de justiça criminal brasileiro.

O Ministro Teori, citando a ex-Ministra Ellen Gracie (HC 85.886), afirmou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

A jurisprudência anterior que assegurava, em grau absoluto, o princípio da presunção da inocência a ponto de negar executividade a qualquer condenação enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos (ordinários e extraordinários) permitiu e incentivou a indevida e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, unicamente com propósitos protelatórios. O objetivo era o de conseguir a prescrição da pretensão punitiva ou executória. Dessa forma, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao STF, garantir que o processo — único meio de efetivação do “jus puniendi” estatal — resgate sua inafastável função institucional.

Comparando:

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ANTES ATUALMENTE

Não se admitia a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.

É possível a execução provisória da pena, mesmo antes do trânsito em julgado, desde que exista acórdão penal condenatório.

A execução provisória da pena ofende o princípio da presunção de não culpabilidade (ou princípio da presunção de inocência).

A execução provisória da pena NÃO ofende o núcleo essencial do princípio da presunção de não culpabilidade (ou princípio da presunção de inocência).

O réu, mesmo condenado pelo Tribunal em 2º grau, só pode ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena após terem sido julgados os recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa.

O réu pode ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena se o acórdão do Tribunal de 2º grau for condenatório, mesmo que, desta decisão, ele tenha interposto recurso especial e extraordinário.

Os recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa contra o acórdão condenatório de 2º grau possuíam efeito suspensivo por força do princípio da presunção de inocência.

Os recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa contra o acórdão condenatório de 2º grau NÃO possuem efeito suspensivo. A Lei determinou isso e não há inconstitucionalidade nesta previsão.

Em resumo, esta foi a conclusão fixada pelo STF: A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016 (Info 814). ART. 283 DO CPP E TENTATIVA DE FAZER O STF VOLTAR ATRÁS E PROIBIR A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

A decisão do STF autorizando a execução provisória da pena foi muito criticada pelas entidades ligadas à classe dos advogados. Diante disso, a OAB tentou fazer com que o Plenário do STF rediscutisse o tema, na esperança de que algum Ministro mudasse de opinião e alterasse o entendimento manifestado no HC 126292/SP. Para tentar conseguir isso, a OAB propôs uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) tendo como objeto o art. 283 do CPP, cuja redação é a seguinte:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403/2011).

Na ação, a OAB alegou que o STF, quando julgou o HC 126292/SP, não se manifestou sobre este art. 283 do CPP. Assim, o tema poderia ser rediscutido pelo Plenário da Corte, agora analisando-se este dispositivo legal. Para a OAB, o art. 283 do CPP somente permite que a pessoa seja presa nas seguintes hipóteses:

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prisão em flagrante;

prisão temporária;

prisão preventiva;

prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado.

Segundo defendeu a entidade, a prisão por força de acórdão condenatório de 2º grau não se enquadra em nenhuma das hipóteses elencadas pelo art. 283 do CPP. Logo, esta forma de prisão seria ilegal. Em suma, a OAB pediu que o STF reconhecesse que o art. 283 do CPP é constitucional e que ele só permite a prisão do réu após o trânsito em julgado. O pedido foi acolhido? NÃO.

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88) e não viola o texto do art. 283 do CPP. STF. Plenário. ADC 43 e 44 MC/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgados em 05/10/2016 (Info 842). Os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC/2015 preveem que, em regra, os recursos especial e extraordinário possuem efeito meramente devolutivo. Em casos excepcionais, será possível atribuir efeito suspensivo a esses recursos, especialmente se ficar constatada a existência de teratologia ou abuso de poder. Apesar de estar prevista no CPC, esta regra vale também para processos criminais.

As decisões judiciais que forem impugnadas por recursos que não têm efeito suspensivo possuem eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias, a condenação criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o acesso às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados de efeito meramente devolutivo.

O STF não concordou com a tese de que o art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011, tenha revogado todas as espécies de prisão, com exceção daquelas que foram expressamente nele mencionadas, ou seja, prisão em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. Isso porque, apesar de a redação do art. 283 ser posterior ao restante do CPP, não se pode levar em consideração apenas o critério temporal para solução de antinomias.

Além disso, ainda que se leve em conta o critério temporal, é preciso lembrar que o CPC/2015 é posterior ao art. 283 do CPP e os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC determinam que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo.

Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação ("tribunais de 2º grau julgando apelação"). Como votaram os Ministros: • Votaram a favor da execução provisória da pena 6 Ministros: Teori Zavascki, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. • Ficaram vencidos 4 Ministros: Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. • O Min. Dias Toffoli, no julgamento do HC 126292/SP havia votado pela possibilidade de execução provisória da pena. No julgamento das ADCs 43 e 44 MC/DF, ele mudou parcialmente de posição. Para ele, não deveria haver execução provisória da pena caso o réu tivesse interposto recurso especial contra o acórdão do TJ/TRF questionando a culpa. Em outras palavras, não deveria haver execução provisória da pena enquanto estivesse pendente recurso especial no STJ questionando a "culpa" (aqui empregada em sentido amplo, ou seja, no sentido de ter ou não cometido o crime). Resumo dos votos dos Ministros

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Edson Fachin

A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto. O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao STJ o exercício de seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Por isso, o art. 102, § 3º, da CF/88 exige demonstração de repercussão geral das questões constitucionais debatidas no recurso extraordinário. Portanto, ao recorrente cabe demonstrar que, no julgamento de seu caso concreto, violou-se um preceito constitucional e que há, necessariamente, a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pela Suprema Corte.

Roberto Barroso

A execução provisória após decisão de segundo grau e antes do trânsito em julgado é necessária para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados. A presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma estatura, como a pretensão punitiva do Estado (que protege a vida, a integridade, o patrimônio das pessoas, entre outros bens jurídicos).

Teori Zavascki

A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país. Se, de um lado, a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro, elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social. Além disso, é no julgamento da apelação que se concretiza o duplo grau de jurisdição, considerando que aí se encerra o exame de fatos e provas.

Luiz Fux

O constituinte não teve intenção de impedir a prisão após a condenação em segundo grau na redação do inciso LVII do artigo 5º da Constituição. Se o quisesse, o teria feito no inciso LXI, que trata das hipóteses de prisão. Além do direito fundamental do acusado, é necessário também se preocupar com o direito fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal. Tanto o STJ como o STF admitem a possibilidade de suspensão de ofício, em habeas corpus, de condenações em situações excepcionais, havendo, assim, forma de controle sobre as condenações em segunda instância que contrariem a lei ou a Constituição.

Gilmar Mendes

Caso se constate abuso na decisão condenatória, os tribunais disporão de meios para sustar a execução antecipada, e a defesa possui instrumentos como o habeas corpus e o recurso extraordinário com pedido de efeito suspensivo. O sistema estabelece um progressivo enfraquecimento da ideia da presunção de inocência com o prosseguimento do processo criminal. Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau. Países extremamente rígidos e respeitosos com os direitos fundamentais aceitam a ideia da prisão com decisão de segundo grau.

Cármen Lúcia

Quando a Constituição estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, não exclui a possibilidade de ter início a execução da pena. Tendo havido apreciação de provas e duas condenações, a prisão do condenado não tem aparência de arbítrio. Se, de um lado, há a presunção de inocência, do outro, há a necessidade de preservação do sistema e de sua confiabilidade, que é a base das instituições democráticas.

Marco A prisão antes do trânsito em julgado é uma exceção que ocorre apenas nos casos

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Aurélio previstos no artigo 312 do CPP. Ao se admitir a prisão após decisão de segunda instância, ocorre uma inversão da ordem natural do processo criminal, no qual é necessário, primeiro, que haja a formação da culpa para, só depois, prender. O art. 283 do CPP, alterado pela Lei 12.453/2011, apenas concretiza, no campo do processo, a garantia constitucional explícita da não culpabilidade, adequando-se à compreensão então assentada pelo próprio STF. O alto grau de reversão das sentenças penais condenatórias no âmbito do STJ demonstra a necessidade de se esperar o trânsito em julgado para iniciar a execução da pena.

Rosa Weber

O art. 283 do CPP espelha o disposto nos incisos LVII e LXI do art. 5º da CF/88, que tratam justamente dos direitos e garantias individuais. A CF/88 vincula claramente o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência a uma condenação transitada em julgado. Para ela, não há como se chegar a uma interpretação diversa.

Ricardo Lewandowski

O art. 5º, LVII da CF/88 é muito claro quando estabelece que a presunção de inocência permanece até trânsito em julgado. A presunção de inocência e a necessidade de motivação da decisão para enviar um cidadão à prisão são motivos suficientes para impedir a execução provisória da pena.

Celso de Mello

A presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana. Há um retrocesso na proteção dos direitos e garantias individuais, retardando o avanço de uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais.

Dias Toffoli

Acompanhou parcialmente o voto do Relator originário (Min. Marco Aurélio), acolhendo sua posição subsidiária, no sentido de que a execução da pena fica suspensa com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF. Para o recurso extraordinário, a Constituição exige repercussão geral, ao contrário do recurso especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais.

OUTRAS OBSERVAÇÕES SOBRE O TEMA

Para que seja iniciado o cumprimento da pena, é necessário que o réu tenha sido condenado em 1ª instância (pelo juiz) e esta sentença tenha sido confirmada pelo Tribunal (2ª instância) ou ele poderá ser obrigado a cumprir a pena mesmo que o juiz o tenha absolvido e o Tribunal reformado a sentença para condená-lo? Para início do cumprimento provisório da pena o que interessa é que exista um acórdão de 2º grau condenando o réu, ainda que ele tenha sido absolvido pelo juiz em 1ª instância. Dessa forma, imagine que João foi absolvido em 1ª instância. O MP interpôs apelação e o Tribunal reformou a sentença para o fim de condená-lo. Isso significa que o réu terá que iniciar o cumprimento da pena imediatamente, ainda que interponha recursos especial e extraordinário. A execução provisória pode ser iniciada após o acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, não importando se a sentença foi absolutória ou condenatória. Para o início da execução provisória não se exige dupla condenação (1ª e 2ª instâncias), mas apenas que exista condenação em apelação e a interposição de recursos sem efeito suspensivo. Imagine que o réu, após ser condenado pelo Tribunal em apelação, iniciou o cumprimento provisório da

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pena (foi para a prisão). O STF, ao julgar o recurso extraordinário, concorda com os argumentos da defesa e absolve o réu. Ele terá direito de ser indenizado pelo período em que ficou preso indevidamente? Segundo a jurisprudência atual, a resposta é a de que, em regra, não há direito à indenização. Se formos aplicar, por analogia, a jurisprudência atual sobre prisão preventiva, o que os Tribunais afirmam é que se a pessoa foi presa preventivamente e depois, ao final, restou absolvida, ela não terá direito, em regra, à indenização por danos morais, salvo situações excepcionais. Confira:

(...) O dano moral resultante de prisão preventiva e da subsequente sujeição à ação penal não é indenizável, ainda que posteriormente o réu seja absolvido por falta de provas. Em casos dessa natureza, ao contrário do que alegam as razões do agravo regimental, a responsabilidade do Estado não é objetiva, dependendo da prova de que seus agentes (policiais, membro do Ministério Público e juiz) agiram com abuso de autoridade. (...) STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 182.241/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 20/02/2014.

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Responsabilidade civil do Estado. Prisões cautelares determinadas no curso de regular processo criminal. Posterior absolvição do réu pelo júri popular. Dever de indenizar. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Ato judicial regular. Indenização. Descabimento. Precedentes. 1. O Tribunal de Justiça concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que não restaram demonstrados, na origem, os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado, haja vista que o processo criminal e as prisões temporária e preventiva a que foi submetido o ora agravante foram regulares e se justificaram pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, não caracterizando erro judiciário a posterior absolvição do réu pelo júri popular. Incidência da Súmula nº 279/STF. 2. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que, salvo nas hipóteses de erro judiciário e de prisão além do tempo fixado na sentença - previstas no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal -, bem como nos casos previstos em lei, a regra é a de que o art. 37, § 6º, da Constituição não se aplica aos atos jurisdicionais quando emanados de forma regular e para o fiel cumprimento do ordenamento jurídico. 3. Agravo regimental não provido. STF. 1ª Turma. ARE 770931 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2014.

O entendimento acima é aplicado aos processos que já estão em andamento, inclusive com condenações proferidas? SIM. Apesar de ter havido uma brutal alteração da jurisprudência do STF, não houve modulação dos efeitos (pelo menos até agora). Dessa forma, o entendimento proferido tem plena aplicabilidade, considerando que, para o STF, não existe proibição de se aplicar nova jurisprudência a casos em andamento, mesmo que mais prejudiciais ao réu, salvo se houver modulação dos efeitos. O Min. Fachin, por exemplo, afirmou isso expressamente entendendo que a regra da irretroatividade só se aplica às leis penais, mas não à jurisprudência. Medida cautelar no recurso especial ou recurso extraordinário ou HC Vale ressaltar que o réu condenado que interpuser recurso especial ou recurso extraordinário poderá tentar evitar a execução provisória da pena. Para isso, deverá propor uma medida cautelar pedindo que seja conferido efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 1.029, § 5º do CPC 2015. Outra opção é a defesa, após interpor o RE ou REsp, impetrar habeas corpus pedindo que o STJ ou STF suspenda o cumprimento da pena enquanto se aguarda o julgamento do recurso. Importante esclarecer que a concessão desta medida cautelar ou de liminar no HC só ocorrerá em casos excepcionais, em que ficar evidentemente constatada alguma ilegalidade flagrante ou injustiça praticada no acórdão condenatório.

INDULTO NATALINO

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Condenado que pratica falta grave nos 12 meses antes da publicação do decreto de indulto natalino não terá direito ao benefício mesmo que a homologação ocorra após o decreto

O art. 5º do Decreto 8.380/2014 prevê que a pessoa não pode ser beneficiada com o indulto natalino se tiver recebido sanção disciplinar grave no período de 24/12/2013 até 24/12/2014:

“Art. 5º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto.”

Se o condenado praticou falta grave no período de 12 meses antes da publicação do decreto de indulto natalino, ele não poderá receber o benefício mesmo que a homologação judicial desta sanção disciplinar tenha ocorrido em data posterior à publicação do decreto.

Dessa forma, a falta disciplinar é que tem que ter ocorrido antes da publicação do Decreto, não importando que a homologação judicial seja posterior.

STF. 2ª Turma. HC 132236/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/8/2016 (Info 837).

STF. 2ª Turma. RHC 133443/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 04/10/2016 (Info 842).

Indulto O indulto é um benefício concedido pelo Presidente da República por meio do qual as pessoas condenadas por determinados crimes ficarão livres dos efeitos executórios da condenação, desde que se enquadrem nas condições previstas no decreto presidencial. Indulto natalino É bastante comum o Presidente da República editar um decreto, no final de todos os anos, concedendo indulto. Esse decreto é conhecido como “indulto natalino”. No decreto de indulto já constam todas as condições para a concessão do benefício. Caso o apenado atenda a esses requisitos, o juiz das execuções deve reconhecer o direito, extinguindo a pena. Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação adaptada: Em 24/12/2014, foi publicado o Decreto 8.380/2014 concedendo indulto pleno a todos os indivíduos que se enquadravam nas hipóteses ali descritas. No momento em que o Decreto foi publicado, João estava cumprindo pena por ter sido condenado com trânsito em julgado pela prática do crime X. O advogado de João formulou pedido ao juiz das execuções penais para que reconhecesse ter ele direito ao indulto e, com isso, sua pena fosse extinta. O juiz, contudo, negou o pedido sob o argumento de que João praticou, em 05/11/2014, falta grave, circunstância que impede a concessão do benefício, conforme previsto no art. 5º do Decreto 8.380/2014:

Art. 5º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto.

Desse modo, o art. 5º do Decreto 8.380/2014 (publicado em 24/12/2014) prevê que a pessoa não pode ser beneficiada com o indulto se tiver recebido sanção disciplinar grave no período de 24/12/2013 até 24/12/2012. Argumento da defesa

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A defesa não concordou com a decisão e argumentou o seguinte: João realmente praticou a falta grave em 05/11/2014. No entanto, esta somente foi homologada em 05/03/2015, ou seja, em data posterior à publicação do Decreto (24/12/2014). Para a defesa, o art. 5º só impede a concessão do indulto se a homologação judicial da falta grave ocorreu antes da publicação do Decreto 8.380/2014. A tese da defesa foi acolhida pelo STF? NÃO. Se o condenado praticou falta grave no período de 12 meses antes da publicação do decreto de indulto natalino, ele não poderá receber o benefício mesmo que a homologação judicial desta sanção disciplinar tenha ocorrido em data posterior à publicação do decreto. O art. 5º do Decreto 8.380/2014 impõe a homologação judicial da sanção por falta grave, mas não exige que isso tenha ocorrido nos 12 meses anteriores à sua publicação. STF. 2ª Turma. HC 132236/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/8/2016 (Info 837). Se fosse exigido que a homologação judicial ocorresse antes da publicação do decreto, as faltas graves praticadas próximas ao final do ano acabariam não tendo reflexo sobre o indulto natalino, considerando que não haveria tempo suficiente para apurar o cometimento desta falta grave, conferindo ampla defesa e contraditório. Uma vez que se exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa, não faz sentido que a homologação judicial deva ocorrer dentro do prazo de 12 meses, sob pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do Decreto.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Ex-militar que continua recebendo e sacando indevidamente o soldo

mesmo após ter sido desincorporado pratica crime militar

Compete à Justiça Militar julgar a conduta de ex-militar acusado do crime de “apropriação de coisa havida acidentalmente” (art. 249 do CPM) pelo fato de ele, mesmo depois de desincorporado das fileiras, ter continuado sacando o soldo que era depositado por engano em sua conta.

STF. 2ª Turma. HC 136539/AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 04/10/2016 (Info 842).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era Soldado do Exército e foi desincorporado das fileiras em 2010. Por um erro no sistema, continuou ativo na folha de pagamento, mesmo após o seu desligamento. Assim, todos os meses, o Exército depositava em sua conta o soldo e ele sacava os valores, mesmo sabendo que era indevido. Depois de um ano foi descoberto o fato. João foi notificado a devolver voluntariamente os valores recebidos, mas se recusou a fazer. Diante disso, o Ministério Público o denunciou pela prática do crime previsto no art. 249 do CPM:

Apropriação de coisa havida acidentalmente

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Art. 249. Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por êrro, caso fortuito ou fôrça da natureza: Pena - detenção, até um ano.

O réu suscitou, contudo, incompetência da Justiça Militar, alegando que, como ele é ex-Soldado, não poderia mais ser julgado pela Justiça Castrense.

A alegação do réu foi acolhida pelo STF? NÃO.

Compete à Justiça Militar julgar a conduta de ex-militar acusado do crime de “apropriação de coisa havida acidentalmente” (art. 249 do CPM) pelo fato de ele, mesmo depois de desincorporado das fileiras, ter continuado sacando o soldo que era depositado por engano em sua conta. STF. 2ª Turma. HC 136539/AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 04/10/2016 (Info 842). Em regra, o civil não é julgado pela Justiça Militar. No entanto, existem algumas situações excepcionais em que isso ocorre. O caso em análise é uma delas, considerando que a conduta praticada amolda-se à previsão do art. 9º, III, letra “a” do CPM:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

O fato de o ex-militar apropriar-se de numerário que não lhe pertencia, a despeito de já se encontrar na condição civil, é crime militar que atenta contra as instituições militares, pois praticado contra o patrimônio sob a administração militar. Mutatis mutandis, pode-se aplicar ao caso os seguintes precedentes do STF:

(...) O Código Penal Militar considera crime militar aquele praticado por civil contra “o patrimônio sob a administração militar” – art. 9º, III, “a”. No caso, o fato corresponde ao saque de benefício previdenciário militar após falecimento do beneficiário. Alegação de que não teria ocorrido prejuízo à Administração Militar. A jurisprudência de ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal afirma a competência da Justiça Militar da União em casos semelhantes. Precedentes. (...) STF. 2ª Turma. HC 125777, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/06/2016.

DIREITO TRIBUTÁRIO

TAXAS Princípio da legalidade tributária e lei que delega a fixação do valor da

taxa para ato infralegal, desde que respeitados os parâmetros máximos

Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos.

STF. Plenário. RE 838284/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06/10/2016 (repercussão geral) (Info 842).

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Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de serviços de Engenharia ou Agronomia precisa ter a "Anotação de Responsabilidade Técnica" (ART). Isso está previsto na Lei nº 6.496/77. Em palavras mais simples, esse ART é um formulário que deverá ser preenchido pelo engenheiro ou agrônomo e no qual ele irá registrar as atividades técnicas que lhe foram solicitadas, ou seja, o serviço para o qual foi contratado. Atualmente, este formulário é preenchido pela internet, no site do Conselho de Engenharia e Agronomia. Taxa para emissão da ART O preenchimento da ART é um dever do profissional, sendo ele o responsável pelas informações fornecidas. Para que se possa emitir a ART cobra-se um valor do profissional, sendo essa quantia classificada como tributo, na modalidade "taxa". Trata-se de taxa pelo exercício do poder de polícia (fiscalização da atividade profissional). Quando o profissional emite a ART, como autônomo, cabe a ele o pagamento da respectiva taxa. Quando o profissional executa a obra/serviço por meio de uma empresa executora (existe vínculo empregatício entre o profissional e a empresa), cabe à pessoa jurídica empregadora a responsabilidade pelo pagamento da taxa de ART. Limites máximos de ART estabelecidos na Lei nº 6.994/82 A Lei nº 6.994/82 estabelece uma tabela com limites máximos para a cobrança da ART e diz que o valor exato da taxa será fixado pelo Conselho Profissional. Algumas construtoras questionaram judicialmente essa previsão, afirmando que ela violaria o princípio da legalidade, já que delegava para um ato infralegal do Conselho a fixação do valor da taxa. O STF concordou com a tese? Essa previsão viola o princípio da legalidade tributária? NÃO. Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos. STF. Plenário. RE 838284/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06/10/2016 (repercussão geral) (Info 842). A Lei nº 6.994/82 delegou ao Conselho Profissional a fixação dos valores das taxas correspondentes aos serviços relativos a atos indispensáveis ao exercício da profissão, observados os respectivos limites máximos. Para o STF, o fato de a lei ter fixado valor máximo da taxa já é suficiente para que seja respeitado o princípio da legalidade tributária prevista no art. 150, I, da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Dessa forma, o legislador tributário pode se valer de cláusulas gerais, e as taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia podem ter algum grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. E, diante de taxa ou contribuição parafiscal, é possível haver maior abertura dos tipos tributários. Afinal, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, sobretudo em matéria técnica. Deve-se permitir essa flexibilização em homenagem à praticidade e à eficiência da Administração Pública.

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Especificamente no que se refere a taxas, é permitido que a lei estabeleça os parâmetros gerais e transfira para o ato infralegal complementar o valor devido. Isso se justifica porque a Administração Pública (que irá regulamentar a lei) está mais próxima da atividade estatal que será prestada ao contribuinte, conhecendo melhor a realidade, o que fará com que tenha maiores elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa (ou seja, o valor a ser cobrado).

A taxa devida pela ART insere-se nesse contexto. O Conselho de Engenharia e Agronomia, por estar mais perto da atividade-fim do que o legislador, pode complementar, com muito mais conhecimento e razoabilidade, o aspecto quantitativo da taxa ART, garantindo que haja uma equivalência razoável entre o valor da taxa e os custos que ela pretende ressarcir. O legislador não teria condições de estabelecer e fixar uma relação de custos de todas as atividades exercidas na área.

Vale ressaltar que a Lei nº 6.994/82 não delegou o poder de tributar, no sentido técnico da expressão. Em outras palavras, esta lei não repassou ao ato infralegal a competência de regulamentar, em toda profundidade e extensão, os elementos da taxa devida em razão da ART.

Os elementos essenciais dessa taxa foram disciplinados em lei (fato gerador, sujeito passivo, sujeito ativo). Além disso, a lei estabeleceu o teto do valor. O que a lei fez foi permitir que o ato infralegal possa fixar o valor até os limites por ela impostos.

Em suma, a norma em comento estabelece diálogo com o regulamento em termos de: a) subordinação, ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART; b) desenvolvimento da justiça comutativa; e c) complementaridade, ao deixar valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia.

O Legislativo não abdicou de sua competência acerca de matéria tributária, portanto. A qualquer momento, poderá deliberar de maneira diversa e firmar novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento.

Arquitetos Os arquitetos também pagavam a ART, mas esta taxa para eles mudou de nome e agora se chama taxa para "Registro de Responsabilidade Técnica" (RRT).

CONTRIBUIÇÕES Constitucionalidade da Lei 12.514/2011

A Lei nº 12.514/2011, que trata sobre as contribuições (anuidades) devidas aos Conselhos Profissionais, é constitucional.

Sob o ponto de vista formal, esta Lei, apesar de ser fruto de uma MP que originalmente dispunha sobre outro assunto, não pode ser declarada inconstitucional porque foi editada antes do STF declarar ilegítima a prática do “contrabando legislativo” (ADI 5127/DF).

Ainda quanto ao aspecto formal, esta Lei não trata sobre normas gerais de Direito Tributário, motivo pelo qual não precisava ser veiculada por lei complementar.

Sob o ponto de vista material, a Lei respeitou os princípios da capacidade contributiva, da vedação ao confisco e da legalidade.

STF. Plenário. ADI 4697/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 06/10/2016 (Info 842).

Veja comentários em Direito Administrativo.

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 25

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (Promotor MP/AM 2015) Em relação à carreira do membro do Ministério Público dos Estados, está

correto afirmar que a impugnação ao vitaliciamento de membro em estágio probatório acarreta a interrupção de seu exercício funcional até o definitivo julgamento. ( )

2) O ato de vitaliciamento tem natureza de ato administrativo, e assim se sujeita ao controle de legalidade do CNMP. ( )

3) (Juiz TRF1 2015 CESPE) Os conselhos profissionais de caráter nacional passaram a ser reconhecidos como autarquias federais por meio da Lei n.º 9.649/1998. Entretanto, por essa lei ter sido declarada inconstitucional pelo STF, tais conselhos são atualmente entes privados que prestam serviços públicos delegados pela União. ( )

4) A Lei nº 12.514/2011, que trata sobre as contribuições (anuidades) devidas aos Conselhos Profissionais, é constitucional. ( )

5) O fato gerador das anuidades, que são uma modalidade de tributo, é a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício. ( )

6) A execução fiscal, nesse caso, é de competência da Justiça Federal, tendo em vista que os Conselhos são autarquias federais. ( )

7) Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente. ( )

8) A vaquejada é uma prática cultural comum nos Estados do nordeste do Brasil, sendo, por isso, reputada como atividade permitida por força constitucional. ( )

9) Segundo entende o STJ, não é possível a incidência do princípio da insignificância no crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. ( )

10) A transmissão de sinal de internet via radio sem autorização da ANATEL caracteriza o fato típico previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. ( )

11) A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88), mas viola o texto do art. 283 do CPP. ( )

12) Compete à Justiça Federal comum julgar a conduta de ex-militar acusado do crime de “apropriação de coisa havida acidentalmente” (art. 249 do CPM) pelo fato de ele, mesmo depois de desincorporado das fileiras, ter continuado sacando o soldo que era depositado por engano em sua conta. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. C 6. C 7. C 8. E 9. C 10. C 11. E 12. E

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OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 3 a 7 de outubro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 946.648-SC

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

IMPOSTO SOBRE PRODUTO INDUSTRIALIZADO – IPI – DESEMBARAÇO ADUANEIRO – SAÍDA DO ESTABELECIMENTO

IMPORTADOR – INCIDÊNCIA – ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ISONOMIA – ALCANCE – RECURSO

EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à incidência do Imposto

sobre Produtos Industrializados – IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda, no mercado interno, considerada a

ausência de novo beneficiamento no campo industrial.

Decisões Publicadas: 1

C L I P P I N G D O D JE 3 a 7 de outubro de 2016

Inq N. 4.146-DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO

PENAL, ART. 1º, V, e § 4º, DA LEI 9.613/1998, ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/1986 E ART. 350 DA LEI 4.737/1965,

NA FORMA DO ART. 69 DA LEI PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. COOPERAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA

DE PROCEDIMENTO CRIMINAL DA SUÍÇA PARA O BRASIL. VIABILIDADE. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA POR AUSÊNCIA

DE JUSTA CAUSA. AFASTAMENTO. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AO DENUNCIADO,

ASSEGURANDO-LHE O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP.

DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. MAJORANTE DO ART. 327, § 2º, DO CP.

EXCLUSÃO. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA.

1. Nos termos do art. 4º, § 13, da Lei 12.850/2013, não há indispensabilidade legal de que os depoimentos referentes a colaborações

premiadas sejam registrados em meio magnético ou similar, mas somente uma recomendação para assegurar maior fidelidade das

informações. Inexiste, portanto, nulidade ou prejuízo à defesa pela juntada apenas de termos escritos, sobretudo quando não f oi realizada a

gravação dos depoimentos.

2. A tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizad a se tal providência tornar-se

absolutamente “necessária”, nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal.

3. A transferência de procedimento criminal, embora sem legislação específica produzida internamente, tem abrigo em convençõe s

internacionais sobre cooperação jurídica, cujas normas, quando ratificadas, assumem status de lei federal. Exsurgindo do contexto

investigado, mediante o material compartilhado pelo Estado estrangeiro, a suposta prática de várias condutas ilícitas, nada i mpede a

utilização daquelas provas nas investigações produzidas no Brasil, principalmente quando a autoridade estrangeira não impôs q ualquer

limitação ao alcance das informações e os meios de prova compartilhados, como poderia tê -lo feito, se fosse o caso. É irrelevante, desse

modo, qualquer questionamento sobre a dupla tipicidade ou o princípio da especialidade, próprios do instituto da extradição.

4. Tem-se como hábil a denúncia que descreve todas as condutas atribuídas ao acusado, correlacionando -as aos tipos penais

declinados. Ademais, “não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação,

conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê -lo adequadamente no momento da prolação da sentença,

ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min.

CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 18.5.2007).

5. É incabível a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da

causa de aumento contemplada no art. 317, § 1º (Inq 3.983, minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 12.05.2016). A jurisprudência desta Corte,

conquanto revolvida nos últimos anos (Inq 2606, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11.11.2014, Dje-236, divulg.

1.12.2014, public. 2.12.2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (Inq 2191, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal

Pleno, julgado em 8.5.2008, processo eletrônico Dje-084, divulg. 7.5.2009, public. 8.5.2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita

nos presentes autos.

6. Afigura-se suficiente ao recebimento da denúncia a existência de fartos indícios documentais que demonstram que o acusado teria

ocultado e dissimulado a origem de valores supostamente ilícitos, mediante a utilização de meios para dificultar a identificação do

destinatário final, por meio de depósitos em contas vinculadas a “trusts”.

7. A existência de elementos indiciários que indicam a plena disponibilidade econômica sobre os ativos mantidos no exterior, ainda

que em nome de trusts ou empresas offshores, torna imperativa a admissão da peça acusatória pela prática do crime de evasão de divisas.

8. É certo que o tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral exige expressamente, para sua configuração, que a omissão de declaração

que deva constar do documento público seja realizada com fins eleitorais. No caso, há indícios que esse comportamento deu -se em razão de o

denunciado não ter como justificar a existência de valores no exterior, em soma incompatível com seu patrimônio. Ao lado disso, conforme

firme orientação deste Supremo Tribunal Federal, a aferição do elemento subjetivo, em regra, é matéria que se situa no âmbito da instrução

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 27

processual: INQ 3588-ED, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 16.4.2015; INQ 3696, minha relatoria, Segunda Turma,

DJe de 16.10.2014.

9. Denúncia parcialmente recebida, com exclusão somente da causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código Pena l.

*noticiado no Informativo 831

HC N. 128.650-PE

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida

contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não

conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão

singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade

flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na

garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de

Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus

operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de

expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a

instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal.

Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não

esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração

inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em

liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de

interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias

antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada.

1. Não se deve conceder habeas corpus em relação ao Relator do HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça, que a ele negou seguimento

monocraticamente.

2. Consoante pacífico entendimento da Corte é inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do relator da causa no Superior

Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente.

3. O julgado proferido pela Quinta Turma no HC nº 286.219/PE não encerra situação de constrangimento ilegal a justificar a intervenção do Supremo

Tribunal Federal.

4. A prisão preventiva encontra-se alicerçada na garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade em concreto da conduta e a periculosidade do

paciente, que integra complexa organização criminosa voltada ao tráfico de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais.

5. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “[a] periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, e a

gravidade em concreto do crime constituem motivação idônea para a manutenção da custódia cautelar” (RHC nº 117.243/SP, Primeira Turma, Relator o

Ministro Luiz Fux, DJe de 5/12/13).

6. Em relação ao suposto excesso de prazo, é entendimento da Corte que o lapso temporal transcorrido desde a prisão preventiva, por si só, não induz à

conclusão de que esteja ocorrendo o excesso, mormente se levada em conta a complexidade do processo, consubstanciada, na espécie, na pluralidade de réus

(15 acusados) e a necessidade de expedição de cartas precatórias para Itamaracá/PE e Petrolina/PE para oitiva de 2 (dois) dos acusados.

7. O sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco indica que já foram apresentadas as alegações finais na ação penal objeto da discussão, o

que demonstra a conclusão da instrução. Em casos como esse a Corte sinaliza que “o encerramento da instrução criminal, inclusive com a apresentação de

alegações finais pela acusação e pela defesa, torna prejudicada a alegação de excesso de prazo da prisão preventiva” (HC nº 86.618/MT, Segunda Turma,

Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 28/10/05).

8. A justa causa consiste na exigência de suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito

policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime, bem como de indícios

razoáveis de autoria. Logo, para se acolher a tese defensiva de que não haveria elementos para comprovar o envolvimento do paciente na prática criminosa,

necessário seria o reexame dos fatos e das provas dos autos, o que não se admite em sede de habeas corpus, na linha de precedentes.

9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de

produção da prova na espécie.

10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto

da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava

terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na

lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96).

11. As demais questões suscitadas pela defesa, vale dizer, não observância do prazo previsto no § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do

pedido de interceptação telefônica, bem como os supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos no seu cumprimento, não foram analisadas pelo

Superior Tribunal de Justiça, por falta de discussão pela instância antecedente. Logo, sua análise, de forma originária, pelo STF, configuraria inadmissível dupla

supressão de instância.

12. De todo modo os poucos documentos que instruem a impetração não permitem analisar essas questões, ainda que de ofício. Conforme a reiterada

jurisprudência da Corte, “constitui ônus do impetrante instruir adequadamente o writ com os documentos necessários ao exame da pretensão posta em juízo”

(HC nº 95.434/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 2/10/09).

13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada.

Acórdãos Publicados: 393

TRANSCRIÇÕES

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

CNJ - Poder Disciplinar - Competência Concorrente e Autônoma - Responsabilização de Magistrados - Procedimento Disciplinar -

Garantia do “DUE PROCESS OF LAW” (Transcrições)

MS 28.891/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: Mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Órgão constitucionalmente posicionado na estrutura institucional do Poder Judiciário (CF, art. 92, I-A). Outorga, ao CNJ, de poder de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e

de fiscalização do cumprimento, pelos magistrados, de seus deveres funcionais. O dogma republicano da responsabilização dos agentes

públicos em geral. A legitimidade da apuração da responsabilidade disciplinar de juízes como natural consectário do modelo republicano. Pretendida caracterização do CNJ como tribunal de exceção, por haver sido instituído “ex post facto” (EC nº 45/2004). Não configuração.

Precedentes. Inexistência, no caso, de qualquer juízo “ad hoc” ou “ad personam”. Prática impessoal e independente, pelo CNJ, de sua

atividade administrativo-disciplinar, exercida, na espécie, sem qualquer conotação de índole casuística. A questão da incidência do princípio da subsidiariedade como requisito legitimador do exercício, pelo CNJ, de sua competência em matéria disciplinar. Jurisprudência plenária

do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, reconhecendo ser originária, autônoma e concorrente a competência do CNJ em matéria

disciplinar (MS 28.003/DF – MS 29.187-AgR/DF, v.g.). Posição pessoal deste Relator, em sentido contrário, que admite a tese da

subsidiariedade dessa competência disciplinar, ressalvada a ocorrência de situações anômalas (MS 28.784-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, v.g.). Alegação de ofensa ao postulado do “due process of law”. Inocorrência. Observância, pelo CNJ, de todas as prerrogativas

jurídicas que compõem a garantia constitucional do devido processo legal (RMS 28.517-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Interrogatório realizado, no caso, sem a presença de Advogado. Impetrante que, não obstante assegurado o seu direito de fazer-se

acompanhar por Advogado, dispensou-lhe, expressa e formalmente, a presença no curso do interrogatório a que foi submetido, assumindo,

em razão de tal opção, todas as consequências dela decorrentes. Validade jurídica desse ato de inquirição do impetrante. Alegado

cerceamento do direito de defesa que teria decorrido de suposta limitação ao número de testemunhas. Considerações em torno dessa

questão. Iliquidez, no entanto, dos fatos subjacentes a tal objeção, pois o impetrante deixou de comprovar, documentalmente, neste “writ”

mandamental, o seu pretendido rol ampliado de testemunhas, além de não haver indicado os eventos que por elas poderiam ser esclarecidos nem produzido cópia do teor da decisão que indeferiu, em sede administrativa, referida postulação. Ausência de comprovação, de outro

lado, de qualquer prejuízo para o impetrante, que exerceu, plenamente, o direito à prova. Aproveitamento, pelo CNJ, dos elementos

probatórios coligidos no âmbito de inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça. Possibilidade. Doutrina. Precedentes. Direito de contestar e de criticar as provas produzidas, em caráter unilateral, na fase pré-processual, bem assim de a elas opor-se. Prerrogativa jurídica que

foi efetivamente assegurada ao impetrante durante a instrução, sob o crivo do contraditório, do processo administrativo-disciplinar. Sindicância

instaurada perante o Tribunal de Justiça local. Desnecessidade, em tal caso, de prévia deliberação do órgão referido no art. 33, parágrafo

único, da LOMAN, por tratar-se de procedimento revestido de caráter estritamente administrativo-disciplinar. Suposta transgressão ao

postulado da motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX). Inocorrência. Pretendida reavaliação dos elementos de prova que, ponderados pelo órgão competente, substanciam o juízo censório proferido pelo CNJ. Controvérsia que implica exame aprofundado de fatos e que

demanda confronto analítico de matéria essencialmente probatória. Tema que refoge aos estreitos limites do “writ” mandamental, em cujo

âmbito não se admite a instauração incidental de dilação probatória. A ação de mandado de segurança configura processo de caráter tipicamente documental. Doutrina. Precedentes. Pretendida análise da proporcionalidade e da razoabilidade da sanção constitucional

imposta ao impetrante (CF, art. 93, VIII). Inviabilidade do reexame fundado em tais critérios. Precedentes específicos do STF. Penalidade

legitimamente aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça em consonância com a natureza grave da falta cometida, em harmonia com a regência normativa pertinente à matéria e com pleno apoio em conjunto probatório produzido sob o signo do contraditório no procedimento

disciplinar. Mandado de segurança denegado.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra deliberação que o E. Conselho Nacional de Justiça proferiu nos autos do

Processo Administrativo Disciplinar nº 200910000019225, Rel. Cons. IVES GANDRA, consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 82/84):

“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA SOCORRER LOJA MAÇÔNICA – ENVOLVIMENTO DE JUÍZES – ATENTADO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE

ADMINISTRATIVAS (CF, ART. 37) E AOS DA IMPARCIALIDADE, TRANSPARÊNCIA, INTEGRIDADE, DIGNIDADE, HONRA E

DECORO DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, A BEM DO SERVIÇO

PÚBLICO (LOMAN, ART. 56, II), DE PARTE DOS JUÍZES ENVOLVIDOS.

1. A Administração Pública se pauta pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros (CF, art. 37).

O Juiz se pauta, em sua conduta, pelos princípios da imparcialidade, transparência, integridade, dignidade, honra e decoro (Código de Ética da Magistratura Nacional).

2. Fere de morte os referidos princípios e o sentido ético do magistrado: a) a escolha discricionária, por parte do Presidente do TJ-MT,

assistido por juiz auxiliar que se encarregava dessa tarefa, dos juízes que irão receber parcelas atrasadas, pautando-se pela avaliação subjetiva do administrador da ‘necessidade’ de cada um; b) o pagamento das referidas parcelas sem emissão de contra-cheque, mediante

simples depósito em conta do magistrado contemplado, que desconhece a que título específico recebe o montante depositado; c) o

direcionamento de montante maior do pagamento de parcelas atrasadas aos integrantes da administração do Tribunal (constituindo, no caso do Vice-Presidente e do Corregedor-Geral, verdadeiro pagamento de ‘cala a boca’, em astronômicas somas, para não se oporem ao

‘esquema’) e aos magistrados que poderiam emprestar o valor recebido à Loja Maçônica ‘Grande Oriente do Estado de Mato Grosso’,

presidida pelo Presidente do Tribunal e integrada por seus juízes auxiliares, que procederam às gestões para obter empréstimos de outros magistrados (que funcionaram como verdadeiros ‘laranjas’, ou seja, meros intermediadores do repasse das quantias pagas), visando a

socorrer financeiramente a referida Loja, pelo desfalque ocorrido em Cooperativa de Crédito por ela instituída; d) o cálculo ‘inflacionado’

dos atrasados abrangendo período prescrito, com adoção de índices de atualização mais favoráveis aos beneficiários e incluindo rubricas indevidas ou com alteração posterior do título pelos quais as mesmas verbas eram pagas.

3. Hipótese de aposentadoria compulsória dos Requeridos, proporcional ao tempo de serviço, a bem do serviço público, nos termos dos arts.

42, V, e 56, II, da LOMAN, por patente atentado à moralidade administrativa e ao que deve nortear a conduta ética do magistrado, quando da montagem de verdadeiro ‘esquema’ de direcionamento de verbas públicas à Loja Maçônica GOEMT em dificuldades financeiras.

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente.” (grifei)

A presente ação mandamental impugna o procedimento administrativo disciplinar em referência, sob a alegação de que o E. Conselho

Nacional de Justiça, além de haver desrespeitado o postulado da subsidiariedade, que, segundo o impetrante, regeria a atuação do órgão apontado

como coator, teria transgredido, ainda, o princípio do juiz natural, ao apurar a responsabilidade disciplinar de membros do Poder Judiciário em

relação a fatos anteriores à própria instalação do CNJ.

O autor deste “writ” constitucional sustenta, ainda, a ocorrência de transgressão à garantia constitucional do “due process of law”, eis que

o E. Conselho Nacional de Justiça teria deixado de assegurar ao ora impetrante, no âmbito de mencionado procedimento administrativo disciplinar, o direito ao contraditório e à ampla defesa.

A parte ora impetrante, finalmente, apoia o seu pleito na afirmação de que a decisão administrativa, ao aplicar a sanção disciplinar, não teria

observado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. FRANCISCO DE ASSIS VIEIRA

SANSEVERINO, aprovado pela Chefia da Instituição, opinou pela denegação da segurança em manifestação que está assim ementada (fls. 619):

“Mandado de Segurança. CNJ.

Processo Administrativo Disciplinar nº 2009.10.00.001.922-5 do CNJ. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Prática de atos

incompatíveis com a dignidade, honra e decoro das funções da magistratura, art. 56, II, da LOMAN. Aplicação da pena de Aposentadoria

Compulsória. Parecer pela denegação da ordem.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar esta impetração.

Antes de fazê-lo, no entanto, assinalo que o exame da pretensão ora deduzida nesta sede processual suscita reflexão em torno de temas impregnados do mais alto relevo constitucional, a começar por aquele que se refere à legitimidade da competência que, em matéria disciplinar, foi

constitucionalmente outorgada ao E. Conselho Nacional de Justiça.

Como se sabe, o E. CNJ dispõe de competência, em sede disciplinar, para fazer instaurar procedimentos destinados a investigar e apurar desvios funcionais, ou atos de improbidade administrativa, ou, ainda, outras ilicitudes de caráter jurídico-administrativo.

Inquestionável, por isso mesmo, a integridade dessa competência em matéria disciplinar, que traduz, mais do que uma prerrogativa jurídica,

verdadeiro dever-poder de adotar medidas que viabilizem a plena e efetiva responsabilização disciplinar de magistrados que hajam conspurcado o seu ofício e transgredido a autoridade da lei.

O estatuto jurídico que rege a atuação dos juízes não pode ser invocado para excluir a possibilidade de responsabilização penal e/ou

disciplinar dos magistrados faltosos, que, ao procederem com dolo ou fraude, tenham causado injusto gravame aos direitos de qualquer pessoa ou

tenham revelado, em seu comportamento funcional, absoluta inadequação aos vetores axiológicos e aos parâmetros ético-jurídicos que regem a

atuação dos membros do Poder Judiciário.

É sempre importante reafirmar que o princípio republicano consagra o dogma segundo o qual todos os agentes públicos, inclusive os magistrados, são responsáveis em face da lei e perante a Constituição, devendo expor-se, por isso mesmo, de maneira plena, às consequências

que derivam de eventuais comportamentos ilícitos.

Impõe-se ao Poder Judiciário, por efeito do princípio republicano, como acima acentuado, o dever-poder de processar e de punir magistrados que hajam incidido em censuráveis desvios ético-jurídicos, ou em condutas ilícitas, ou, ainda, em comportamentos caracterizadores de improbidade

administrativa, observadas, sempre, em tais procedimentos, as garantias constitucionais reconhecidas a qualquer cidadão da República,

notadamente aquelas concernentes ao “due process of law” (MS 28.889-MC-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que impedem o Estado de, agindo arbitrariamente, transgredir os limites cuja observância – resultante de nosso próprio estatuto fundamental – condiciona o legítimo

exercício, pelo aparelho estatal, de seu magistério punitivo. Os membros de Poder, como os juízes, quando atuam de modo reprovável ou contrário ao direito, vulneram as exigências éticas que devem

pautar e condicionar a atividade que lhes é inerente.

A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de quaisquer autoridades da República, inclusive juízes, que tenham eventualmente cometido reprováveis desvios éticos no desempenho da elevada função de que se acham investidas.

O sistema democrático e o modelo republicano não admitem nem podem tolerar a existência de regimes de governo sem a correspondente

noção de fiscalização e de responsabilidade, que representam fatores de preservação da ordem democrática e que constituem elementos de concretização da ética republicana, por cuja integridade todos, sem exceção, devemos velar, notadamente aqueles investidos em funções no

aparelho de Estado, quer no plano do Poder Executivo, quer na esfera do Poder Legislativo, quer, ainda, no âmbito do Poder Judiciário.

Na realidade, a gestão republicana do poder, a composição dos corpos judiciários e a escolha de juízes expõem-se, em plenitude, aos postulados ético-jurídicos da probidade e da moralidade e representam exigência incontornável imposta pela ordem democrática.

Inquestionável, bem por isso, a alta importância da vida ilibada dos magistrados, pois a probidade pessoal e a moralidade administrativa

representam valores que consagram a própria dimensão ética em que necessariamente se deve projetar a atividade pública.

Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por

juízes austeros, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos condicionadores do exercício legítimo da atividade

pública. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado proclamá-lo – traduz prerrogativa insuprimível da cidadania. Tenho reconhecido, por isso mesmo, que a probidade e a moralidade traduzem pautas interpretativas que devem reger o processo de

formação, composição, atuação e fiscalização dos órgãos do Estado, observando-se, no entanto, quando se cuidar da prática da jurisdição censória,

as cláusulas constitucionais que conformam, que condicionam e que subordinam o exercício dos poderes estatais, qualquer que seja a dimensão em que se projetem.

A defesa dos valores constitucionais da probidade administrativa e da moralidade para o exercício da magistratura traduz medida da mais

elevada importância e significação para a vida institucional do País. Daí a necessidade de atenta vigilância sobre a conduta, pessoal e funcional, dos magistrados em geral, em ordem a evitar que eles

desrespeitem os valores que condicionam o exercício correto e independente da função jurisdicional.

Assentadas tais premissas, que se apoiam no reconhecimento de que ninguém, inclusive os próprios magistrados, está acima da autoridade das leis e da Constituição da República, impende examinar a questão suscitada na presente impetração concernente à incidência, ou não, do

postulado da subsidiariedade como requisito legitimador da prática concreta, pelo E. Conselho Nacional de Justiça, de sua competência em

matéria correcional, disciplinar e/ou administrativa. Ao assim proceder, observo que o exame da matéria pertinente à competência originária do E. Conselho Nacional de Justiça, muito embora

revestida de natureza constitucional (CF, art. 103-B, § 4º), revela, no plano da jurisdição disciplinar, a existência, nesse contexto, de notória

situação de tensão dialética, que põe em confronto, de um lado, a autonomia institucional do Poder Judiciário e, de outro, o poder censório

outorgado a órgão (o CNJ) posicionado na estrutura central do aparelho de Estado.

É certo que, ao apreciar o tema do caráter subsidiário da atuação do E. Conselho Nacional de Justiça (MS 28.712-MC-AgR/DF, MS 28.743-MC/DF,

MS 28.799-MC/DF, v.g.), tive o ensejo de assinalar que só se revelaria legítimo o exercício, pelo CNJ, de seu poder censório, viabilizador da imposição de sanções de índole disciplinar, se e quando configurada qualquer das situações anômalas a que então aludi em anterior decisão nesta causa.

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Com efeito, embora seja essa uma posição pessoal e minoritária no Tribunal, entendo unicamente possível ao E. Conselho Nacional de

Justiça exercer, desde logo, em sede originária, a sua competência disciplinar, desde que registradas hipóteses caracterizadoras de situações

anômalas (que identifiquei em rol meramente exemplificativo), tais como: (a) inércia do Tribunal competente para a instauração do procedimento administrativo-disciplinar; (b) simulação investigatória; (c) procrastinação indevida; e (d) incapacidade de atuação do Tribunal incumbido da

atividade correcional:

“CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. JURISDIÇÃO CENSÓRIA. APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DE

MAGISTRADOS. LEGITIMIDADE DA IMPOSIÇÃO, A ELES, DE SANÇÕES DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA. A RESPONSABILIDADE

DOS JUÍZES: UMA EXPRESSÃO DO POSTULADO REPUBLICANO. CARÁTER NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO.

AUTOGOVERNO DA MAGISTRATURA: GARANTIA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER OBJETIVO. EXERCÍCIO PRIORITÁRIO,

PELOS TRIBUNAIS EM GERAL, DO PODER DISCIPLINAR QUANTO AOS SEUS MEMBROS E AOS JUÍZES A ELES VINCULADOS. A

QUESTÃO DAS DELICADAS RELAÇÕES ENTRE A AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS E A JURISDIÇÃO CENSÓRIA

OUTORGADA AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. EXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICA ENTRE A

PRETENSÃO DE AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS E O PODER DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA ESTRUTURA CENTRAL

DO APARELHO JUDICIÁRIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMO REQUISITO LEGITIMADOR DO

EXERCÍCIO, PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, DE UMA COMPETÊNCIA COMPLEMENTAR EM MATÉRIA

CORRECIONAL, DISCIPLINAR E ADMINISTRATIVA. PAPEL RELEVANTE, NESSE CONTEXTO, PORQUE HARMONIZADOR DE

PRERROGATIVAS ANTAGÔNICAS, DESEMPENHADO PELA CLÁUSULA DE SUBSIDIARIEDADE. COMPETÊNCIA DISCIPLINAR E

PODER DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: EXERCÍCIO, PELO CNJ, QUE PRESSUPÕE,

PARA LEGITIMAR-SE, A OCORRÊNCIA DE SITUAÇÕES ANÔMALAS E EXCEPCIONAIS REGISTRADAS NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS EM GERAL (HIPÓTESES DE INÉRCIA, DE SIMULAÇÃO INVESTIGATÓRIA, DE PROCRASTINAÇÃO INDEVIDA E/OU DE

INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO). PRESENÇA CUMULATIVA, NA ESPÉCIE, DOS REQUISITOS CONFIGURADORES DA

PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO ‘PERICULUM IN MORA’. SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA PUNIÇÃO IMPOSTA

PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, CONSISTENTE EM APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DO MAGISTRADO POR

INTERESSE PÚBLICO (CF, ART. 93, VIII, c/c O ART. 103-B, § 4º, III). MEDIDA CAUTELAR QUE SE DEFERE EM JUÍZO DE

RECONSIDERAÇÃO.” (MS 28.784-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí porque então sustentei que o desempenho da atividade fiscalizadora (e eventualmente punitiva) do E. Conselho Nacional de Justiça

deveria ocorrer somente nos casos em que os Tribunais – havendo tido a possibilidade de exercerem, eles próprios, a competência disciplinar e

correcional de que se acham ordinariamente investidos – deixassem de fazê-lo (inércia), ou pretextassem fazê-lo (simulação), ou demonstrassem

incapacidade de fazê-lo (falta de independência), ou, ainda, entre outros comportamentos evasivos, protelassem, sem justa causa, o seu exercício

(procrastinação indevida).

Ocorre, no entanto, que a controvérsia constitucional suscitada pela parte impetrante na presente causa veio a ser amplamente debatida, em momento posterior ao do ajuizamento desta ação mandamental, nos autos da ADI 4.638-MC-REF/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, tendo o

Plenário desta Suprema Corte estabelecido, em julgamento majoritário (no qual fiquei vencido), entendimento diverso do ora sustentado pelo autor

deste “writ”, que invocou, como um dos fundamentos legitimadores de sua pretensão mandamental, ofensa ao princípio da subsidiariedade. Cabe ressaltar, bem por isso, a propósito de referido postulado, que o Supremo Tribunal Federal, em outro julgado, veio a reafirmar a

diretriz jurisprudencial por mim anteriormente aludida, valendo destacar, por ser expressiva dessa orientação, a decisão que, proferida pelo E. Plenário desta Suprema Corte, restou consubstanciada em acórdão que, no ponto, está assim ementado:

“(…) 6) A competência originária do Conselho Nacional de Justiça resulta do texto constitucional e independe de motivação do referido

órgão, bem como da satisfação de requisitos específicos. A competência do CNJ não se revela subsidiária.”

(MS 28.003/DF, Red. p/ o acórdão Min. LUIZ FUX – grifei)

Esse mesmo entendimento, até mesmo em razão do postulado da colegialidade, tem sido observado em sucessivas decisões proferidas por ambas as Turmas desta Suprema Corte (MS 28.620/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – MS 29.465-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS

30.568-AgR/DF, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – MS 32.581-AgR/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, v.g.), inclusive pelo Plenário do Supremo

Tribunal Federal:

“Agravo regimental em mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Atuação dos tribunais. Caráter originário e

autônomo. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

1. A competência do Conselho Nacional de Justiça deriva da Carta Magna e é originária e autônoma, não tendo caráter subsidiário no que

se refere a matéria disciplinar.

2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”

(MS 29.187-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)

Não obstante a minha pessoal convicção, que acolhe exegese restritiva a propósito do tema em exame, fundada na necessidade de respeitar

a garantia da autonomia institucional dos Tribunais judiciários em geral, de um lado, e o postulado da subsidiariedade, de outro, tal como expus nas decisões anteriormente mencionadas, devo ajustar o meu entendimento à diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, em respeito e

em atenção ao princípio da colegialidade, motivo pelo qual reconheço a possibilidade de o E. Conselho Nacional de Justiça agir autonomamente

em tema de apuração de responsabilidade disciplinar dos membros do Poder Judiciário, tal como se verificou no caso ora em exame. Reconhecida, desse modo, a ocorrência, na espécie, de hipótese apta a justificar a instauração, em caráter originário e autônomo, da

competência disciplinar do E. CNJ, cumpre verificar se a sua atuação teria transgredido, segundo alega a parte impetrante, o princípio do juiz

natural. Sustenta-se, quanto a tal aspecto, que a imposição, ao impetrante, da sanção ora questionada teria desrespeitado o postulado do juiz natural,

pois os fatos ensejadores da punição em causa teriam ocorrido em momento anterior ao da promulgação da EC nº 45/2004 e, até mesmo, ao da

instalação, em 14/06/2005, do E. Conselho Nacional de Justiça. Em outras palavras: o E. Conselho Nacional de Justiça, por haver sido instituído e instalado “ex post facto”, qualificar-se-ia como verdadeiro

tribunal “ad hoc”, que teria exercido, por isso mesmo, de modo ilegítimo a jurisdição censória que lhe foi atribuída em sede constitucional.

Não se questiona a asserção de que as sanções ou medidas restritivas de direitos só podem ser validamente impostas com estrita observância da cláusula constitucional da naturalidade do juízo, vale dizer, somente se legitimam quando aplicadas “pela autoridade competente” (CF, art. 5º,

incisos XXXVII e LIII).

Todas essas considerações revelam-se de indiscutível importância em face do caráter de fundamentalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, o princípio do juiz natural.

É certo que o postulado da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que conformam a

própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório ou

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Informativo 842-STF (18/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 31

da atividade de natureza administrativo-disciplinar (ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, “Processo Administrativo Disciplinar”, p. 332/337,

item n. 8.2, 2ª ed., 2003, Max Limonad, v.g.), ainda que o domínio natural de sua incidência seja, em princípio, o procedimento de índole judicial.

A análise do contexto emergente deste processo mandamental, no entanto, revela que esse postulado fundamental não foi transgredido pelo E. Conselho Nacional de Justiça, pois a jurisdição censória que lhe foi cometida adveio de norma impregnada de estatura constitucional e que, por

veicular prescrição geral, impessoal e abstrata, não permite substantivar a alegação de que aquele órgão administrativo, posicionado na estrutura

institucional do Poder Judiciário, equivaleria a um tribunal “ad hoc”, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (MS 25.962/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno):

“CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – ATUAÇÃO – TERMO INICIAL. A atuação fiscalizadora do Conselho Nacional de Justiça não

ficou balizada no tempo, considerada a Emenda Constitucional nº 45/2004.” (grifei)

Ao contrário, o E. Conselho Nacional de Justiça agiu de modo rigorosamente impessoal, praticando, de maneira regular, atos incluídos na

esfera constitucional de suas atribuições, não se registrando, em consequência, qualquer atuação “ultra vires” do órgão ora apontado como coator. Vale enfatizar, no ponto, que a instituição do E. Conselho Nacional de Justiça tem suporte em diploma normativo revestido de autoridade

constitucional e que foi promulgado sem qualquer conotação de índole casuística, dotado de eficácia geral e qualificado, quanto aos seus

destinatários, por critério de evidente indeterminação subjetiva, circunstâncias essas que descaracterizam a alegação de que o órgão em questão subsumir-se-ia à noção de tribunal “ad hoc”.

Na verdade, a instituição do E. Conselho Nacional de Justiça, veiculada em regra de índole constitucional (EC nº 45/2004), ajusta-se, com

absoluta precisão, à advertência de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 19, item n. 7, 1993, Ed. Acadêmica/Apamagis, São Paulo), para quem “(…) autoridade competente só será aquela que a Constituição

tiver previsto, explícita ou implicitamente, pois, se assim não fosse, a lei poderia burlar as garantias derivadas do princípio do Juiz independente e

imparcial, criando outros órgãos para o processo e julgamento de determinadas infrações” (grifei). Registre-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, quer por seu Plenário (HC 88.660/CE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), quer por

suas Turmas (HC 91.253/MS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 91.509/RN, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), já proclamou que a

criação, até mesmo, de órgãos judiciários investidos de competência para o processo e julgamento de determinados ilícitos penais, embora

determinada por ato posterior à prática do delito, não transgride o princípio do juiz natural, pelo fato de inexistir, com a adoção de tal providência

“ex post facto”, qualquer regulação casuística ou estabelecida “ad personam”, a significar, portanto, que, mesmo tratando-se de processo de índole

judicial (e de caráter penal), a ulterior instituição de órgão judiciário especializado “ratione materiae” não representa, só por si, ofensa ao postulado da naturalidade do juízo nem traduz a materialização de um tribunal de exceção.

Há a considerar, de outro lado, a alegação de que o E. Conselho Nacional de Justiça teria deixado de observar os requisitos essenciais, de

índole constitucional, inerentes aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O E. Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como qualquer outro órgão estatal, está inteiramente subordinado à autoridade da Constituição

e das leis da República.

Isso significa, portanto, que o CNJ não pode, nos procedimentos administrativos perante ele instaurados, transgredir postulados básicos como a garantia do “due process of law”, que representa indisponível prerrogativa de índole constitucional assegurada à generalidade das pessoas.

Tenho para mim, na linha de decisões que proferi nesta Suprema Corte (RMS 28.517-AgR/DF, v.g.), que se impõe reconhecer, mesmo em

sede de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo ou os

agentes públicos, de outro. Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, por seus agentes ou órgãos (como o CNJ, p. ex.), não pode, em tema de restrição à esfera

jurídica de qualquer pessoa, exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado

da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público de que

resultem consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art.

5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição

Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA

BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do

Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES,

“Direito Administrativo Brasileiro”, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.).

A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele

reconhecendo uma insuprimível garantia que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder

Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida,

ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min.

MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.

– O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois

o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de

direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível

garantia que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes.

Doutrina.”

(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame da garantia constitucional do “due process of law” permite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, entre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo

(garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e

célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa; (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h)

direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto- -

incriminação); e (k) direito à prova.

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O contexto processual delineado nos autos – presentes tais considerações e tendo em vista, ainda, que se observaram todas as prerrogativas

em que se desenvolve a garantia do devido processo – bem evidencia a regularidade jurídico-formal do procedimento disciplinar instaurado contra

o ora impetrante, cabendo destacar, ante a sua inteira correção, o parecer do Ministério Público Federal, do qual destaco o seguinte fragmento (fls. 633/635):

“47. A alegada ofensa ao devido processo legal, interrogatório do PAD nº 2009.10.00.001922-5 realizado em 16 e 17-9-2009 sem a

presença de advogado, foi superada. Em 7-5-2008 (DO de 16-5-2008), o Pleno do STF aprovou a Súmula Vinculante nº 5 (…).

48. Em relação às demais alegações do impetrante, adotam-se os fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral da República no

PAD nº 2009.10.00.001.922-5, do qual vale destacar:

(…) 20. Sustentou o Magistrado, preliminarmente, a nulidade do procedimento investigatório que serviu de base ao presente

feito, diante da incompetência absoluta do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso para investigar criminalmente

magistrado que ocupa o cargo de desembargador; e da auditoria externa que subsidiou o referido procedimento, em virtude de ter sido realizada por empresa particular, sendo o laudo assinado por um único perito.

21. Não merece prosperar a preliminar arguida.

22. Verifica-se que investigação levada a efeito pelo Corregedor-Geral de Justiça ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, denominado Procedimento Investigatório Criminal nº 05/2007, tinha por objeto, inicialmente, a suposta apropriação de verbas públicas

por servidores e juízes de 1º grau do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, encontrando-se tal apuração dentro das atribuições

inerentes ao seu cargo, consoante determina o art. 43, inciso LVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça daquela unidade da Federação.

23. No decorrer daquela investigação, surgiram novos fatos e indícios de envolvimento de Desembargadores nas

irregularidades apontadas, o que motivou o encaminhamento das conclusões pelo Corregedor-Geral de Justiça ao Conselho Nacional de Justiça por meio do Ofício nº 205/2008/GAB/CGJ, de 11 de abril de 2008.

24. Nesse Conselho, o procedimento instaurado perante a Corregedoria de Justiça Estadual foi equiparado à sindicância que, na

condição de mero instrumento preparatório, prescinde de formalidades ou de contraditório, que ficam postergados para o eventual processo censório, conforme decidido na Reclamação Disciplinar nº 2008.10.00.000795-4:

…..........................................................................................

25. Ademais, eventuais irregularidades ocorridas na fase de sindicância não possuem o condão de macular o procedimento administrativo disciplinar instaurado posteriormente.” (grifei)

Vê-se, portanto, que a douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pela denegação do “writ”, claramente destacou, em seu

fundamentado parecer, que o impetrante não sofreu qualquer indevida restrição em seu direito de defesa, que foi por ele exercido em plenitude.

Com efeito, o E. Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Portaria nº 002/2009, veiculadora de imputação disciplinar contra o ora impetrante, delineou de forma precisa os limites de referida acusação, sumariando-lhe, de modo claro e objetivo, os fatos e ilícitos disciplinares

que ao autor do presente “writ” mandamental foram atribuídos.

O impetrante foi, oportunamente, intimado em caráter pessoal para apresentar defesa escrita no prazo regulamentar, sendo-lhe facultada vista do processo.

Assegurou-se ao ora impetrante o direito à autodefesa e à defesa técnica (esta efetivamente exercida por Advogado constituído), sendo

certo, ainda, que se lhe ensejou a possibilidade de acompanhar todos os atos e termos do processo disciplinar, quer arrolando e reinquirindo testemunhas, quer requerendo diligências de caráter instrutório, quer tendo acesso e vista referentemente aos autos, sem quaisquer obstáculos ou

restrições. É por tal motivo que entendo não assistir razão ao impetrante quando este alega nulidade absoluta do procedimento disciplinar em questão,

com a consequente invalidade da punição a ele aplicada, apoiando-se, quanto a tal pretensão, no fato de o interrogatório promovido pelo E.

Conselho Nacional de Justiça haver sido realizado sem a presença do Advogado que esse mesmo impetrante constituíra. É que o exame dos autos, tal como enfatizado pelo Ministério Público em seu douto parecer, revela que, não obstante assegurado ao

impetrante, pelo eminente Conselheiro Relator, o direito de fazer-se acompanhar por Advogado ao longo de todo o itinerário procedimental, ainda

assim o próprio impetrante veio a optar, expressamente, por dispensar a presença de seu defensor técnico no curso da audiência em que se efetivou o seu interrogatório e o dos demais investigados.

Impõe-se registrar, por oportuno, que o Plenário desta Suprema Corte, ao apreciar o RE 434.059/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES,

reconheceu que a ausência de Advogado constituído ou de defensor dativo, por si só, não importa em nulidade do procedimento administrativo disciplinar, cabendo destacar, por expressiva desse entendimento, a ementa de referido julgamento:

“Recurso extraordinário. 2. Processo Administrativo Disciplinar. 3. Cerceamento de defesa. Princípios do contraditório e da ampla defesa.

Ausência de defesa técnica por advogado. 4. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a

Constituição. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.” (grifei)

Em consequência de mencionado precedente, o Pleno deste Tribunal editou a Súmula Vinculante nº 5, que possui o seguinte conteúdo:

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” (grifei)

Torna-se importante reafirmar, no entanto, que não ocorreu, na espécie, falta de defesa técnica, eis que o magistrado impetrante tinha Advogado por ele constituído, mas cuja presença no ato de interrogatório – insista-se – veio a ser por ele próprio dispensada, como anteriormente

anotado.

Cabe ter presente, de outro lado, no que se refere à alegação de que a defesa do impetrante teria sido prejudicada “em razão da limitação do número de testemunhas”, que tal afirmação não se acha devidamente demonstrada, mediante prova literal pré-constituída, imprescindível à

comprovação – que se impõe efetivada “ex ante” – da liquidez dos fatos subjacentes ao direito subjetivo neles apoiado.

Não se desconhece que a jurisprudência dos Tribunais (HC 26.834/CE, Rel. Min. PAULO MEDINA, v.g.), notadamente a do Supremo Tribunal Federal (MS 26.961-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), tem reconhecido, na análise dessa específica questão suscitada nestes

autos, que o número máximo de testemunhas a que se refere o art. 401 do CPP (a que correspondia o art. 398, hoje derrogado) – também

aplicável à instrução probatória no âmbito de processos disciplinares instaurados pelo E. Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 135/2011, art. 18, § 3º) – há de ser aferido em face de cada fato imputado ao acusado (HC 72.580/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RHC

65.673/SC, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.).

Esse entendimento jurisprudencial reflete-se, de igual modo, no magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo

Penal Anotado”, p. 317, 21ª ed., 2004, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.057, 11ª ed.,

2007, Atlas; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 669, 6ª ed., 2007, RT; MARCELLUS POLASTRI

LIMA, “Manual de Processo Penal”, p. 241, 2007, Lumen Juris; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 592, 2007, Saraiva, v.g.), valendo referir, no ponto, ante a sua inquestionável pertinência, a lição de HERÁCLITO ANTÔNIO MOSSIN

(“Comentários ao Código de Processo Penal”, p. 766, Manole):

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“(…) o melhor entendimento exegético é no sentido de que o número de testemunhas refere-se a cada fato ou imputação

mencionada na peça postulatória pública ou privada, dando oportunidade para que sejam mais bem demonstradas as questões fáticas e, com

isso, possibilitando a produção de melhor e mais amplo material de conhecimento para que o magistrado forme sua persuasão racional e para que as partes exibam, de forma mais completa, sua prova oral.” (grifei)

Tenho para mim, tal como assinalei em anterior decisão proferida nesta Suprema Corte (MS 26.961-MC/DF), que essa orientação – tanto

doutrinária quanto jurisprudencial – é a que mais se ajusta aos propósitos visados pelo legislador constituinte, quando determina, em respeito à

exigência do contraditório e da amplitude de defesa, a observância, pelo Poder Público, da garantia indisponível do “due process of law”, mesmo

se se tratar de processo de índole administrativa.

Ocorre, no entanto, como anteriormente enfatizado, que o ora impetrante não instruiu o presente “writ” constitucional com o

correspondente rol de testemunhas por ele alegadamente apresentado no âmbito do processo administrativo disciplinar em questão, tampouco produziu cópia da decisão do Conselheiro Relator que impôs limitação ao número de testemunhas a serem indicadas pela Defesa (“DESP174” e

“DESP222”), sendo certo, ainda, que o autor deste “writ” sequer indicou, em sua petição inicial, quais teriam sido as testemunhas arroladas pela

Defesa ou os fatos em relação aos quais se lhe negou o pretendido direito à prova testemunhal, o que inviabiliza, no ponto, por iliquidez, a análise em torno do alegado cerceamento ao direito de defesa.

Como se sabe, a ação de mandado de segurança faz instaurar processo de caráter eminentemente documental, a significar que a pretensão

jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante produção de provas documentais pré-constituídas aptas a evidenciar a alegada

ofensa a direito líquido e certo supostamente titularizado pelo autor do “writ” mandamental (MS 24.272/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS

25.446/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – MS 26.284/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO – MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO –

MS 28.932/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 31.681/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.):

“MANDADO DE SEGURANÇA – PETIÇÃO INICIAL DESACOMPANHADA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À COMPROVAÇÃO LIMINAR DOS FATOS ALEGADOS – INDISPENSABILIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – CONCEITO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO –

FATOS INCONTROVERSOS E INCONTESTÁVEIS – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

– Refoge aos estreitos limites da ação mandamental o exame de fatos despojados da necessária liquidez, não se revelando possível a instauração, no âmbito do processo de mandado de segurança, de fase incidental de dilação probatória. Precedentes.

– A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico-processual, ao conceito de situação decorrente de fato

incontestável e inequívoco, suscetível de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída. Precedentes.” (MS 23.190-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pleno)

Isso significa que a natureza eminentemente documental do processo de mandado de segurança torna incontornável a exigência de que a

parte impetrante produza, “ex ante”, elementos de informação que efetivamente comprovem a situação de fato invocada na impetração

mandamental, em contexto impregnado da necessária liquidez, pois, ausente o elemento de certeza, a alegação do autor do “writ” constitucional não terá relevo processual algum.

Impunha-se, pois, à parte ora impetrante cumprir a obrigação processual de produzir, desde logo, com a inicial, os documentos essenciais

ao exame da postulação veiculada nesta causa mandamental. Ainda que assim não fosse, a análise destes autos não evidencia, no processo em questão, a ocorrência de qualquer prejuízo para o

impetrante, eis que o eminente Conselheiro Relator realizou a oitiva de vinte e duas (22) testemunhas arroladas, procedeu ao interrogatório dos

magistrados requeridos e à tomada de depoimentos que foram prestados por alguns dos juízes na condição de informantes, e determinou, ainda, a

inquirição do Senhor Jayme Campos, então Senador da República, na qualidade de testemunha referida, assegurando-se, desse modo, ao

impetrante o exercício pleno do direito à prova. Impõe-se ter presente, por necessário, que a disciplina normativa das nulidades no sistema jurídico brasileiro rege-se pelo princípio “pas de

nullité sans grief”. Esse postulado básico tem por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que a eventual preterição de determinada

providência legal não tenha causado prejuízo para qualquer das partes. Cumpre enfatizar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal tem exigido a comprovação de efetivo prejuízo à parte, sempre que ela

objetivar a declaração, mesmo em sede processual penal, de nulidade de um determinado ato processual (AI 802.459-AgR-segundo/PI, Rel. Min.

LUIZ FUX – ARE 816.021-AgR/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 24.911/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 25.886/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 31.199/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“1. Este Tribunal, em várias oportunidades, firmou o entendimento de que, não havendo prejuízo para qualquer das partes, nenhum ato

processual será declarado nulo, conforme o brocardo ‘pas de nullité sans grief’. No caso dos autos, não houve tal comprovação. Não há

que falar, portanto, em cerceamento de defesa. Precedentes. …...................................................................................................

4. Agravo regimental improvido.”

(AI 764.402-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

Sustenta-se, ainda, na presente impetração, que a punição disciplinar infligida ao impetrante ter-se-ia apoiado, essencialmente, nos elementos de prova coligidos no âmbito da Inspeção nº 200910000008693, realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça, em cujo âmbito não se

observou, segundo se alega, a garantia do contraditório e da ampla defesa.

Não questiono a afirmação de que as sanções disciplinares fundadas unicamente em prova produzida na fase pré-processual da sindicância não podem subsistir contra o administrado, sob pena de gravíssima afronta à cláusula constitucional que confere ao acusado o direito ao

contraditório e à plenitude de defesa.

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, apreciando tal questão no plano da persecução penal, repudia a possibilidade de o Poder Judiciário fundamentar sentenças penais condenatórias em provas produzidas tão somente no contexto de investigações policiais ou de inquéritos

parlamentares promovidos por Comissões Parlamentares de Inquérito, sem que tais elementos probatórios venham a ser renovados, em juízo, sob a

égide da garantia constitucional do contraditório:

“A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (‘informatio delicti’) e o

caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa às garantias constitucionais do

contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo,

consubstanciada nas peças do inquérito.” (RTJ 143/306-307, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa diretriz jurisprudencial – segundo a qual “É nula a decisão proferida em processo que correu em branco, sem que nenhuma prova

fosse produzida em juízo” (RT 520/484 – grifei) – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (JOSÉ FREDERICO MARQUES,

“Tratado de Direito Processual Penal”, vol. I/104 e 194, 1980, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de

Defesa”, p. 56, item n. 14, 1986, Forense, v.g.).

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Se é certo, de um lado, que punições disciplinares não podem apoiar-se, unicamente, em elementos produzidos, de modo unilateral, no curso

de sindicâncias, o que é vedado pela garantia constitucional do contraditório, não é menos exato, de outro, como ocorre no âmbito dos processos

de natureza penal, que “Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando

complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo” (RE 425.734-AgR/MG, Rel. Min. ELLEN GRACIE –

grifei).

Desse modo, o reconhecimento de eficácia e de valor probantes aos elementos informativos obtidos em inspeção realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça não implica transgressão à garantia constitucional do contraditório, pois sempre será lícito e possível ao acusado, no âmbito do

processo administrativo disciplinar, contestar e criticar todas as provas produzidas de modo inquisitivo na fase pré-processual, bem assim a elas

opor-se, podendo, inclusive, requerer outras, em ordem a infirmar, até mesmo, as conclusões produzidas na fase extrajudicial. Registra-se, em tal situação, hipótese de contraditório diferido, que representa, por parte do Estado, efetiva observância da cláusula

constitucional que garante, no contexto dos procedimentos administrativo- -disciplinares, a prerrogativa do “due process of law”.

Precisa, no ponto, a lição de EUGÊNIO PACELLI e de DOUGLAS FISCHER (“Comentários ao Código de Processo Penal e sua

Jurisprudência”, p. 305, item n. 155.3, 4ª ed., 2012, Atlas):

“(...) em tais situações, o contraditório é ‘diferido’, ou seja, é adiado – da fase de investigação para a fase de instrução –, permitindo-

se que a defesa levante objeções técnicas, do ponto de vista jurídico ou tecnológico, àquele material realizado sem o controle judicial (…).”

(grifei)

É que a inspeção, enquanto mera atividade de natureza instrutória, não veicula qualquer sanção de índole disciplinar, pois constitui simples peça informativa destinada a subsidiar, com elementos idôneos, eventual ação disciplinar a ser promovida por órgão administrativo competente

(MS 21.635/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 22.122/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.803/DF, Rel. Min. JOAQUIM

BARBOSA, v.g.):

“Mandado de Segurança. 2. Pretendida anulação de ato de demissão com retorno ao cargo antes ocupado. Alegada violação aos princípios

do contraditório e da ampla defesa. 3. A pena de demissão não resultou da sindicância, mas, sim, de posterior processo administrativo

disciplinar, no qual foi assegurado o exercício de ampla defesa. 4. Hipótese em que a sindicância é mero procedimento preparatório do

processo administrativo disciplinar. 5. Mandado de Segurança indeferido.” (MS 23.410/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno – grifei)

Vê-se, portanto, que, em situações como a de que ora se cuida, a sindicância, assim também a inspeção, por constituir procedimento de

caráter unilateral e inquisitivo, em cujo âmbito não se impõe a observância do postulado do contraditório, precisamente em virtude da natureza

preparatória de que se reveste esse meio de apuração, representa instrumento de facultativa utilização pelo Estado, que sempre poderá, uma vez

presentes elementos informativos idôneos, fazer instaurar, desde logo, o pertinente processo administrativo-disciplinar, hipótese em que deverá

respeitar, aí sim, sem qualquer restrição, sob pena de nulidade, a garantia constitucional do direito de defesa (RTJ 153/831, Rel. Min. ILMAR

GALVÃO – MS 21.721/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 21.726/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. SINDICÂNCIA. PROCEDIMENTO QUE ANTECEDE A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCINDIBILIDADE DE

CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 5.

1. O Supremo Tribunal Federal já assentou ser dispensada a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa no decorrer da

sindicância, procedimento que antecede a instauração do processo administrativo disciplinar. Precedentes.

2. ‘A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição’ (Súmula Vinculante 5). 3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(RE 715.790-AgR/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – grifei)

Revela-se incensurável, por identidade de razões, a decisão emanada do E. Conselho Nacional de Justiça que determinou o aproveitamento

dos elementos documentais produzidos pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso no âmbito do Procedimento Investigatório

Criminal nº 05/2007, com a consequente incorporação de referidas peças aos autos do procedimento administrativo disciplinar ora questionado

(PAD nº 200910000019225). Nem se alegue, quanto a esse ponto, que a instauração do Procedimento Investigatório Criminal nº 05/2007 perante a Corregedoria-Geral de

Justiça do Estado de Mato Grosso, sem prévia autorização do órgão especial do E. Tribunal de Justiça local, teria transgredido a regra inscrita no

parágrafo único do art. 33 da LOMAN. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 94.278/SP, Rel. Min. MENEZES DIREITO, interpretando o alcance de

referido dispositivo legal, reconheceu não ser necessária prévia deliberação da Turma ou do Órgão competente do Tribunal de Justiça para

autorizar a instauração de inquérito judicial (ou administrativo) contra membro do Poder Judiciário, cabendo, na verdade, ao órgão referido no art. 33, parágrafo único, da LOMAN, tão somente, o recebimento ou a rejeição da peça acusatória eventualmente oferecida.

Cumpre destacar, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a seguinte passagem do voto que o eminente

Ministro MENEZES DIREITO proferiu por ocasião de mencionado julgamento plenário:

“Cabe à Corte Especial receber ou rejeitar a denúncia, conforme o caso, sendo desnecessária a sua autorização para a instauração

de inquérito judicial. Entendo que não se pode dar ao art. 33, parágrafo único, da LOMAN esse alcance. Ao contrário, o que ali se contém

é a indicação de que, havendo indício da prática de crime por parte de Magistrado, desloca-se a competência ao Tribunal competente para

julgar a causa a fim de que prossiga a investigação. É, portanto, regra de competência. No Tribunal, o inquérito é distribuído ao Relator, a quem cabe determinar as diligências próprias para a realização das investigações, podendo chegar até ao arquivamento. No dispositivo não

existe conteúdo normativo impondo seja submetida ao órgão colegiado desde logo a autorização para que siga o inquérito. A investigação

prosseguirá no Tribunal competente sob a direção do Relator ao qual for distribuído o inquérito, cabendo-lhe, portanto, dirigir o inquérito.” (grifei)

Vê-se de referido precedente que a situação exposta pelo ora impetrante não se ajusta à hipótese prevista no preceito legal mencionado, pois

o mero aproveitamento das peças informativas produzidas no âmbito da Corregedoria-Geral de Justiça estadual, com a sua incorporação aos autos

do PAD nº 200910000019225, de que resultou a deliberação do E. Conselho Nacional de Justiça ora impugnada nesta sede processual, destinou-se não a propiciar o recebimento de qualquer peça acusatória para efeito da persecução criminal, mas, unicamente, a compor o acervo informativo

necessário ao esclarecimento dos fatos, para fins de caráter estritamente administrativo-disciplinar.

Tenho para mim, presentes as razões que venho de expor, que o ato punitivo aplicado ao ora impetrante, como anteriormente enfatizado nesta decisão, emanou de autoridade competente, que o praticou de modo regular, em face de elementos probatórios juridicamente idôneos

produzidos no procedimento disciplinar instaurado perante o E. CNJ e cujos dados de informação evidenciaram a realidade do ilícito

comportamento funcional do autor do “writ”, de todo incompatível com a dignidade do seu cargo e a seriedade e correção das atividades funcionais a ele inerentes.

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Forçoso concluir-se, pois, que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa foram plenamente observados ao longo do

procedimento administrativo-disciplinar regularmente instaurado perante o E. Conselho Nacional de Justiça contra o ora impetrante.

De outro lado, no que concerne à suposta transgressão ao postulado da motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX), observo que as razões em que se apoia o ato apontado como coator mostram-se compatíveis com referido princípio constitucional, especialmente se se considerar que a

jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/627-628, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) orienta-se no sentido de que “O

que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada. Não que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do

acórdão, está satisfeita a exigência constitucional” (RTJ 150/269, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

Vale ter presente, a respeito do sentido que esta Corte tem dado à norma inscrita no inciso IX do art. 93 da Constituição, que os precedentes deste Tribunal desautorizam a abordagem hermenêutica feita pela parte impetrante, como se dessume de diversos julgados (AI 529.105-AgR/CE, Rel. Min.

JOAQUIM BARBOSA – AI 637.301-AgR/GO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 731.527-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – AI 838.209-

AgR/MA, Rel. Min. GILMAR MENDES – AI 840.788-AgR/SC, Rel. Min. LUIZ FUX – AI 842.316-AgR/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX – RE 327.143-

AgR/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), notadamente daquele proferido no exame do AI 791.292-QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, em

cujo âmbito reconheceu-se, a propósito da cláusula constitucional mencionada, a existência de repercussão geral, em decisão que restou consubstanciada em

acórdão assim ementado:

“(…) 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem

determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4.

Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e

autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.” (AI 791.292-QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Demais disso, é de observar-se que, no caso presente, a parte impetrante sustenta que a deliberação emanada do E. Conselho Nacional de

Justiça mostra-se inválida em face da insuficiência de sua motivação, porque apoiada em afirmações que não encontram correspondência em

suporte probatório que possa legitimá-las. Essa linha de questionamento, que se fundamenta em alegações cuja constatação depende do exame de matéria fático-probatória, encontra

obstáculo, como se sabe, na própria natureza do processo mandamental, que, por ostentar perfil eminentemente documental, não permite nem admite

qualquer dilação probatória cuja instauração incidental mostre-se eventualmente necessária para demonstrar a realidade dos fatos subjacentes às objeções invocadas.

No caso ora em exame, impôs-se ao impetrante, em regular processo administrativo-disciplinar, a sanção de aposentadoria compulsória,

qualificada pela nota “a bem do serviço público”, porque comprovado o seu envolvimento na prática de grave transgressão legal, consistente no “desvio de numerário do Poder Judiciário para entidade privada”, o que levou o E. Conselho Nacional de Justiça a entender configurada a

ocorrência de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções de magistrado.

Com efeito, o E. Conselho Nacional de Justiça, ao justificar a imposição da sanção disciplinar ora questionada, apoiou-se, para tanto, em

elementos de prova que evidenciam a ocorrência do denominado “’esquema’ de socorro à Loja Maçônica (…) com verbas do Tribunal de Justiça de

Mato Grosso”, os quais se revelam aptos a comprovar, ainda, a atuação efetiva e determinante do magistrado ora impetrante na consecução dos

atos ilícitos a ele imputados, assim infringindo o regime jurídico que disciplina a atuação dos membros do Poder Judiciário. Impende referir, bem por isso, o seguinte fragmento constante do voto do Conselheiro Relator, o eminente Ministro IVES GANDRA, que,

acolhido pelo E. Conselho Nacional de Justiça, fundamentou a decisão plenária proferida pelo órgão constitucional ora apontado como coator (fls. 121/126):

“a) Recebimento de Verbas de Atrasados em caráter privilegiado

Conforme já registrado no item III.B do presente voto, com base na tabela de pagamento de atrasados durante a gestão presidencial do Des.

José Ferreira Leite (cfr. DOC128, pgs. 42-52), foi o Requerido o melhor aquinhoado com atrasados, recebendo o astronômico valor de R$ 1.276.013,24 (hum milhão, duzentos e setenta e seis mil e treze reais e vinte e quatro centavos), que supera superlativamente o recebido pela massa de

magistrados que, em tese, teria direito a receber atrasados.

…................................................................................................... Nesse sentido, o caráter privilegiado do recebimento de atrasados salta aos olhos pela simples visualização do quadro geral de pagamento de

atrasados durante a Gestão do Requerido, mormente tendo em vista o reconhecimento de que esse pagamento era feito em caráter discricionário pela

Presidência do TJ-MT, com base na necessidade apresentada pelo magistrado pleiteante, de recebimento de atrasados. Assim, quanto a essa imputação, procede o libelo da Portaria 2/09 do CNJ.

b) Correção Monetária de Verbas Atrasadas calculada pelo Índice mais elevado e sobre períodos prescritos

Conforme registrado no Relatório de Inspeção do Controle Interno do CNJ (DOC299), o Processo ‘Diversos nº 5’, de 21/01/2005, teve como

requerente o magistrado José Ferreira Leite, à época Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, e trata do requerimento de

correção monetária sobre os valores pagos em atraso pelo TJ-MT, cujo pagamento deu-se pelo valor histórico, sem a devida atualização.

…................................................................................................... Constatou-se que, no Processo ‘Diversos nº 5/2005’, do TJ-MT, foi adotado como parâmetro de cálculo o IGPM (Índice Geral de Preços do

Mercado). O referido índice é divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, registra a inflação de preços desde matérias-primas agrícolas e industriais até

bens e serviços finais e é utilizado, via de regra, em contratos de aluguéis e para reajustes de tarifas públicas.

Em seu depoimento, o atual Coordenador da Coordenadoria de Magistrados, servidor Maurício Sogno Pereira, referiu que o Tribunal tinha

por tradição adotar o índice com maior percentual auferido no mês para a atualização monetária de passivos dos magistrados, não havendo índice

padronizado (vídeo de 28/10/09, disponível nos autos). A conduta, nitidamente, privilegia a recomposição salarial dos magistrados em desfavor da Administração Pública.

Ademais, considerando especificamente que o Processo ‘Diversos nº 5/2005’ foi autuado em 21/1/2005, encontrava-se prescrita a atualização

monetária de verbas anteriores ao mês janeiro de 2000. Entretanto, constata-se que foi incluído, no processo em comento, o pagamento de

correção monetária sobre verbas já prescritas (…).

…...................................................................................................

Portanto, também em relação a esse fato, mostra-se procedente a imputação feita na Portaria. c) Autorização de pagamento de atrasados com mudança de rubrica, para mascarar o pagamento

…...................................................................................................

Segundo o juiz Marcelo, o Tribunal vinha pagando verbas de caráter indenizatório com incidência de imposto de renda, especificamente ‘Auxílio Moradia’ e ‘Auxílio Transporte’. Após estudo da matéria, fixou-se o entendimento de que a tributação era indevida e

a Presidência determinou que fossem devolvidos aos magistrados os valores de imposto de renda descontados indevidamente, por meio de

compensação durante o ano de 2003. …...................................................................................................

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Ora, não é crível que os valores fossem os mesmos: anuênios e devolução de IR sobre auxílio-alimentação e auxílio-

transporte.

…...................................................................................................

Ora, o Requerido, como ordenador de despesas do Tribunal, assinando as ordens de pagamento com tamanhas irregularidades,

reconhecidas por seu juiz auxiliar, das quais foi um dos beneficiários, torna-se responsável pelas irregularidades contábeis. d) Montagem de ‘esquema’ para socorro à Loja Maçônica ‘Grande Oriente do Estado de Mato Grosso’ com verbas do Tribunal de

Justiça de Mato Grosso …................................................................................................... No caso dos autos, foi destacado pelos Requeridos que pertencem à Maçonaria, que a relação do ‘Grande Oriente do Estado de Mato

Grosso’ com a ‘SICOOB PANTANAL – Cooperativa de Crédito Rural de Responsabilidade Ltda.’ teve por escopo facilitar o crédito aos

agricultores da Região, sendo que, o ‘golpe’ dado pelos dirigentes da Cooperativa, desfalcando-a de mais de um milhão de reais, fez com que os irmãos de maçonaria se unissem para cobrir o rombo, em benefício dos agricultores lesados.

Ora, o que se discute no presente Processo Administrativo Disciplinar não é a finalidade beneficente da Maçonaria ou da

Cooperativa com ela conveniada, mas a conduta de determinados magistrados, quanto aos métodos usados para resolver o problema da Loja Maçônica conveniada e da Cooperativa desfalcada.

…...................................................................................................

‘In casu’, conforme já referido no item III-B deste voto, há prova suficiente nos autos apontando para a montagem de ‘esquema’ de socorro à Loja Maçônica, servindo-se da existência de ‘atrasados’ a serem pagos a magistrados, direcionando-se os pagamentos, de forma

discricionária e privilegiada, para aqueles que pertenciam à Maçonaria ou fossem simpatizantes e que estivessem dispostos a emprestar parte

substancial dos pagamentos à referida Loja Maçônica. O ‘esquema’ montado pela Presidência do TJ, com a colaboração de seus Juízes Auxiliares, ficou patente, quer pelas quantias

exorbitantes de atrasados recebidas, em caráter claramente privilegiado, pelos integrantes da Direção do Tribunal, quer pela forma como

arrecadados os fundos de socorro à Loja Maçônica. …...................................................................................................

Nesse sentido, verifica-se que o Requerido, Presidente tanto do Tribunal quanto da Loja Maçônica durante o período de 2003/2005,

serviu-se da condição de Presidente e ordenador de despesas do TJ-MT para resolver problema pessoal e da instituição privada que presidia, determinando e recebendo pagamentos, em caráter privilegiado, de verbas de atrasados, o que atenta gritantemente contra a dignidade e

decoro no exercício da magistratura, por se tratar da coisa pública como se privada fosse.

Nesse sentido, também por essa imputação merece ser julgado PROCEDENTE o presente processo administrativo disciplinar, para

determinar a aplicação, ao Desembargador José Ferreira Leite, da pena de aposentadoria a bem do serviço público, proporcional ao tempo

de serviço, nos termos do art. 56, II, da LOMAN.” (grifei)

Cabe assinalar, no ponto, o teor da douta manifestação produzida nestes autos pelo Ministério Público Federal, que, ao pronunciar-se

contrariamente às alegações deduzidas pelo impetrante, reportou-se à manifestação que a Procuradoria-Geral da República ofereceu nos autos da

Representação nº 2009.10.00.001.922-5, da qual extraio, por sua inteira pertinência, o seguinte fragmento (fls. 636/642):

“30. Consoante se denota nas provas colhidas durante a instrução, os pagamentos de créditos suplementares pelo Tribunal Estadual

não apresentavam qualquer critério objetivo, sendo autorizados pelo Desembargador JOSÉ FERREIRA LEITE de forma aleatória a partir de uma triagem realizada pelo Juiz Auxiliar da Presidência MARCELO SOUZA DE BARROS, como confirma o Requerido (JOSÉ FERREIRA

LEITE) em suas declarações (…):

….......................................................................................... 31. Não há controvérsia, portanto, acerca da efetiva ingerência do Requerido sobre os beneficiários dos créditos pagos pelo Tribunal

de Justiça do Estado de Mato Grosso, cabendo a ele decidir a quem, quando e quanto seria pago.

32. Entretanto, o Defendente não logrou êxito em comprovar o alegado critério de ‘necessidade do magistrado’ para a escolha dos pagamentos a serem realizados, haja vista as Juízas GRACIEMA RIBEIRO DE CARAVELLAS e JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT

DUARTE, que efetuaram empréstimos dos valores recebidos ao GRANDE ORIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, declararem que

receberam os referidos pagamentos sem a demonstração de quaisquer dificuldades financeiras e até mesmo sem a formulação de requerimento (…):

…..........................................................................................

33. Reforça a ausência de isonomia e impessoalidade do ordenador de despesas o fato de que ‘também mandou pagar mais para os

magistrados que o auxiliaram na administração’.

34. Há sérias dúvidas acerca da legalidade dos pagamentos recebidos pelo Requerido, haja vista a existência de verbas pagas com

exclusividade a ele e ao Juiz MARCELO SOUZA DE BARROS, por várias vezes no mês de abril de 2004, de acordo com o relatório produzido por esse Conselho durante a inspeção realizada no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (…):

….....…..........................................................................................

35. Quanto aos pagamentos privilegiados àqueles que se dispuseram a contribuir para o socorro da instituição de crédito, as auditorias realizadas concluíram pela existência de verbas liberadas sem base legal e apenas a alguns magistrados, sobretudo àqueles que

exerciam, à época dos fatos, cargos administrativos naquela Corte Estadual.

36. O farto conjunto probatório arrecadado nos autos demonstra que o pagamento de algumas verbas a determinados magistrados, orquestrado pelo Desembargador Presidente JOSÉ FERREIRA LEITE, teve como objetivo o desvio dos recursos públicos para a entidade

maçônica em que este ocupava o cargo máximo de Grão-Mestre.

…................................................................................................... 45. Conforme se observa nos documentos digitalizados nos arquivos 022_DOC22.pdf e 023_DOC23.pdf, JOSÉ TADEU CURY,

MARCELO SOUZA DE BARROS, MARCOS AURÉLIO DOS REIS FERREIRA, MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS e JOSÉ

FERREIRA LEITE requereram, na mesma data – 20/01/2005 – e por meio de formulário idêntico, a correção monetária de valores recebidos em atraso.

46. Em 1º de fevereiro daquele ano, todos os requerimentos foram deferidos, sendo que as decisões referentes a JOSÉ FERREIRA

LEITE e MARCOS AURÉLIO DOS REIS FERREIRA, seu filho, foram firmadas por JOSÉ TADEU CURY no exercício do cargo de Vice-Presidente da Corte Estadual, enquanto que o primeiro, na condição de Presidente do Tribunal Estadual, acatou o restante dos pleitos.

47. Dessa forma, em apenas 12 (doze) dias foi requerida, calculada, deferida e paga a rubrica referente à correção monetária de parte

do grupo comprometido com a obtenção de recursos para o GRANDE ORIENTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, acrescido do Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, cuja participação foi necessária diante da impossibilidade do Desembargador JOSÉ FERREIRA LEITE

deferir seu próprio requerimento e o de seu filho.

48. Vale destacar que nenhum outro magistrado recebeu essa verba específica e sequer soube da possibilidade de requerê-la, cabendo o benefício apenas aos integrantes da alta administração do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (Presidente, Vice-Presidente,

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Corregedor-Geral de Justiça e Auxiliar da Presidência) e ao filho do Desembargador Presidente, como amplamente comprovado pela análise

técnica realizada no procedimento de auditoria externa realizado pela empresa VELLOSO & BERTOLINI CONTABILIDADE, AUDITORIA E

CONSULTORIA LTDA.. 49. Ainda que se alegue a legitimidade de algumas das verbas mencionadas ou dos índices aplicados, em virtude de advirem da

interpretação de leis e de atos normativos internos pelo próprio Tribunal de Justiça Estadual, não há dificuldade em perceber a

arbitrariedade dos pagamentos autorizados pelo Requerido no biênio 2003/2005, o que se distancia dos deveres impostos pelo ordenamento jurídico vigente ao Magistrado/Administrador.

50. Vale destacar que por vezes, no presente feito, o ato analisado mostra-se formalmente legítimo. Porém, seu exame dentro do

contexto fático-probatório revela outra realidade. 51. É o caso da Certidão nº 133/2009/Cmg, expedida pelo Coordenador de Magistrados MAURÍCIO SOGNO PEREIRA, que atesta a

inexistência de determinação formal da Administração do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso no biênio 2003/2005 para a

devolução de Imposto de Renda Pessoa Física retido na fonte a qualquer magistrado, e as anotações manuscritas da servidora CÁSSIA CRISTINA PEREIRA DE SENNA, então coordenadora do Departamento de Magistrados, relacionadas à devolução do imposto referente aos

meses de agosto/200l a novembro/2002, incluindo o que foi descontado do décimo terceiro salário deste último ano.

…................................................................................................... 53. Assim, os elementos trazidos aos autos comprovam a autorização de despesas não previstas em lei e a realização de pagamentos

de maneira não equânime entre os magistrados com o objetivo de prestar auxílio à entidade particular em que o Desembargador Presidente

ocupava o cargo máximo.” (grifei)

O teor da decisão emanada do E. Conselho Nacional de Justiça, tal como enfatizado pelo Ministério Público Federal, bem evidencia, a partir dos próprios elementos probatórios em que essa mesma deliberação apoiou-se, que restou plenamente caracterizada, no caso em exame, a prática,

pelo magistrado impetrante, de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, situação apta a justificar a

imposição da sanção disciplinar ora impugnada nesta sede mandamental. Cumpre assinalar, por oportuno e necessário – tendo em vista, sobretudo, as alegações da parte impetrante quanto à desvalia jurídica do

ato ora impugnado, cujos fundamentos, consoante por ela sustentado, não refletiriam a realidade dos elementos de informação produzidos perante o

E. CNJ, em contexto que desautorizaria a punição infligida ao magistrado em referência –, que o processo mandamental não se revela meio juridicamente adequado à reapreciação de matéria de fato nem constitui instrumento idôneo à reavaliação dos elementos probatórios que,

ponderados pela autoridade competente, substanciam o juízo censório proferido, na espécie, pelo órgão apontado como coator.

Essa advertência justifica-se ante a afirmação feita pela parte impetrante de que a punição ora questionada resultou de um conjunto probatório frágil e inconsistente, quando não insuficiente ou, até mesmo, inexistente, o que – segundo alega – impediria a formulação, pelo E. CNJ,

do juízo de culpabilidade que pronunciou contra o autor do presente “writ” mandamental.

Essa discussão em torno da alegada insuficiência do conjunto probatório não se revela possível na via sumaríssima do mandado de segurança.

Não constitui demasia reiterar que refoge aos estreitos limites da ação mandamental o exame de fatos despojados da necessária liquidez,

pois o “iter” procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de um momento de dilação probatória (ALFREDO BUZAID, “Do Mandado de Segurança”, vol. I/208, item n. 127, 1989, Saraiva).

A via jurisdicional do mandado de segurança – que necessariamente pressupõe suporte fático inquestionável, sempre apoiado em prova

pré-constituída – não autoriza, por isso mesmo, consideradas as afirmações da parte impetrante, a perquirição do conteúdo alegadamente injusto da decisão veiculadora da sanção disciplinar em causa nem permite a indagação em torno da insuficiência dos elementos de convicção subjacentes

à decisão punitiva emanada do E. CNJ. A jurisprudência dos Tribunais – e a desta Suprema Corte, inclusive – tem insistentemente advertido que “O mandado de segurança não

é meio idôneo para o exame de questões cujos fatos não sejam certos” (RTJ 142/782, Rel. Min. MOREIRA ALVES), eis que a noção de direito

líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca (RTJ 124/948 – RT 676/187 – MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 22.155/GO, Rel. Min.

CELSO DE MELLO – MS 23.289/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.943-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – MS 30.523-AgR/DF, Rel. Min.

CELSO DE MELLO – MS 32.244/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.). No caso, o órgão apontado como coator decidiu com base em fatos e provas cuja realidade material o impetrante sustenta não haver sido

comprovada. A pretendida desconstituição da punição disciplinar, com suporte em seu conteúdo alegadamente injusto e com fundamento na

declaração de ausência de base empírica apta a respaldar o ato punitivo, implicaria, caso viesse a ser acolhida, inadmissível análise do conjunto probatório, situação de todo inviável em sede mandamental.

O que se me afigura fundamental na análise do “thema decidendum” é a circunstância – plenamente demonstrada – de que o ato punitivo

contra o qual se insurge a parte impetrante resultou de regular procedimento administrativo-disciplinar em que foram integralmente observadas,

pelo E. CNJ, as normas que lhe regem a atividade censória, inexistindo, por isso mesmo, qualquer situação configuradora de ofensa ao direito

subjetivo invocado por referida parte impetrante.

A parte impetrante sustenta, ainda, que a expressão “a bem do serviço público”, utilizada pelo E. Conselho Nacional de Justiça para

identificar a pena de aposentadoria compulsória aplicada ao ora impetrante, não se acharia cominada em texto legal, o que implicaria

transgressão, por parte da Pública Administração, ao princípio da reserva constitucional de lei formal em tema de punições disciplinares.

Não se desconhece que o rol inscrito no art. 42 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, precisamente por tratar-se de sanções disciplinares, verdadeiro “numerus clausus”, a significar, desse modo, que não se legitima a imposição, pelos órgãos do Estado,

de qualquer outro ato punitivo que não se ache expressamente relacionado na norma legal em questão.

Com efeito, a disciplina referente às infrações e sanções administrativas acha-se submetida ao postulado da reserva de lei (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 870, item n. 9, 30ª ed., 2012, Malheiros; HELY LOPES

MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 206, item n. 4.5, 39ª ed., 2012, Malheiros; MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS,

“Lei nº 8.112/90 – Interpretada e Comentada”, p. 798, item n. 1, 6ª ed., 2012, Impetus, v.g.), cabendo assinalar, tal como enfatizado por MARÇAL JUSTEN FILHO (“Curso de Direito Administrativo”, p. 609/610, item n. 9.13.3, 9ª ed., 2013, RT), que o regramento normativo

concernente ao poder punitivo da Administração Pública confere legitimação jurídica ao ato sancionatório, de um lado, e assegura certeza e

previsibilidade quanto à atuação repressiva do Estado, de outro. É certo, ainda, que o regime jurídico-disciplinar dos membros do Poder Judiciário contempla uma única modalidade de aposentadoria de

caráter punitivo aplicável aos magistrados, denominada “aposentadoria compulsória com vencimentos (“rectius”: proventos) proporcionais ao

tempo de serviço” (LOMAN, art. 42, V).

Ocorre, no entanto, que a expressão “a bem do serviço público”, utilizada pelo E. Conselho Nacional de Justiça para identificar a sanção

administrativa aplicada ao ora impetrante, encontra suporte legitimador na própria Constituição da República, que, ao disciplinar o exercício do

poder censório dos Tribunais em geral e do E. Conselho Nacional de Justiça, instituiu a figura da aposentadoria (punitiva) de magistrado “por interesse público” (CF, art. 93, VIII).

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Vê-se, desse modo, que o ato sancionatório ora questionado, além de não encerrar qualquer efeito punitivo adicional estranho ao estatuto

jurídico da magistratura, reflete, na verdade, o próprio sentido da cláusula constitucional inscrita no art. 93, inciso VIII, da Carta Política, a

significar, portanto, que a deliberação do E. CNJ, nesse específico ponto, não se reveste de qualquer vício de ilegitimidade jurídica. Cabe acentuar, finalmente, que a alegação da parte impetrante no sentido de que a decisão administrativa em causa, ao aplicar a sanção

disciplinar ora questionada, não teria observado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, não se mostra

processualmente viável, eis que a penalidade imposta ao magistrado está em consonância com a natureza grave da falta cometida e em plena harmonia com a disposição legal que rege a matéria em referência (LOMAN, art. 56, II).

Com efeito, a sanção disciplinar ora questionada tem por suporte legitimador uma condenação plenamente motivada, na qual foram

destacados, pelo E. Conselho Nacional de Justiça, os diversos elementos que, revestidos de existência concreta, justificaram a imposição da medida sancionatória de aposentadoria compulsória, por interesse público (CF, art. 93, VIII).

Devo salientar, no ponto, que a postulação deduzida nesta sede processual – que objetiva o afastamento da sanção disciplinar imposta ao

impetrante – não se revela passível de apreciação na via sumaríssima do mandado de segurança, em cujo estreito âmbito não se reexaminam, uma

vez observados os demais critérios fixados pela lei, os elementos de convicção que levaram o E. CNJ, na espécie destes autos, a definir a pena que

aplicou ao magistrado em referência, eis que – tal como vem decidindo esta Suprema Corte – a análise da proporcionalidade e da razoabilidade da

sanção disciplinar imposta, por envolver o reexame dos elementos informativos e probatórios subjacentes à medida punitiva em questão, traduz

matéria pré-excluída do âmbito do processo mandamental (MS 33.081/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RMS 24.901/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO –

RMS 31.044-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RMS 33.911/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“Agravo regimental em mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. (…) 5. Dosagem e proporcionalidade da sanção

aplicada. Necessidade de reexame de fatos e provas do processo de revisão disciplinar. Impossibilidade em sede de mandado de segurança. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(MS 32.581-AgR/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN – grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO

ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. (…).

…................................................................................................... 4. No tocante à proporcionalidade da sanção em relação às condutas investigadas, a análise da matéria envolveria rediscussão de fatos e

provas produzidas no âmbito do processo administrativo disciplinar, o que não se compatibiliza com a via do mandado de segurança.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (MS 32.806-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

“(…) PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE DIVERGÊNCIA QUANTO ÀS

CONDUTAS PRATICADAS. ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO INVIÁVEL EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA IMPROVIDO.

…................................................................................................... II – A reprimenda imposta aos recorrentes mostrou-se plenamente adequada aos atos ilícitos praticados, para os quais a lei comina a pena

de demissão. Conclusão diversa em relação à proporcionalidade na dosimetria da pena demandaria a reapreciação de aspectos fáticos, o

que não se admite na via estreita do mandado de segurança, haja vista tratar-se de ação que demanda prova pré-constituída.” (RMS 31.494/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – grifei)

“1) RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDORES

PÚBLICOS FEDERAIS. (…) 5) OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE SÃO IMPASSÍVEIS DE

INVOCAÇÃO PARA BANALIZAR A SUBSTITUIÇÃO DE PENA DISCIPLINAR PREVISTA LEGALMENTE NA NORMA DE REGÊNCIA DOS SERVIDORES POR OUTRA MENOS GRAVE. 6) RECURSOS ORDINÁRIOS DESPROVIDOS, FICANDO

MANTIDA A DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA E RESSALVADA A VIA ORDINÁRIA (ART. 19 DA LEI Nº 12.016).”

(RMS 30.455/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

“Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Sanção

disciplinar. (…). Agravo regimental não provido. …...................................................................................................

3. A Comissão processante aplicou penalidade com base na análise das provas integrantes do feito administrativo, cuja reavaliação,

inclusive quanto à razoabilidade na dosimetria da pena, implicaria procedimento incomportável na via estreita do ‘writ’.”

(RMS 33.301-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)

Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, denego o presente

mandado de segurança, ressalvando, no entanto, o acesso da parte impetrante às vias ordinárias.

Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão à Excelentíssima Senhora Presidente do Conselho Nacional de Justiça e à eminente Senhora Advogada-Geral da União.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 04 de outubro de 2016.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe em 6.10.2016

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

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3 a 7 de outubro de 2016

Lei nº 13.342, de 3.10.2016 - Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para dispor sobre a formação

profissional e sobre benefícios trabalhistas e previdenciários dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de

Combate às Endemias, e a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, para dispor sobre a prioridade de atendimento desses

agentes no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 191, p. 1, em

4.10.2016.

Lei nº 13.343, de 5.10.2016 - Abre crédito extraordinário, em favor de Transferências a Estados, Distrito

Federal e Municípios, no valor de R$ 2.900.000.000,00, para o fim que especifica. Publicada no DOU, Seção 1, Edição

nº 193, p. 1, em 6.10.2016.

OUTRAS INFORMAÇÕES 3 a 7 de outubro de 2016

Decreto nº 8.869, de 5.10.2016 - Institui o Programa Criança Feliz. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº

193, p. 2, em 6.10.2016.

Decreto nº 8.870, de 5.10.2016 - Dispõe sobre a aplicação de procedimentos simplificados nas operações de

exportação realizadas por microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional. Publicada no

DOU, Seção 1, Edição nº 193, p. 2, em 6.10.2016.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

[email protected]