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Índice

EditorialParticipação estrangeira ............................................... 3Por William Saad Hossne

Dúvidas?A Conep responde ....................................................... 5

DepoimentoO CEP da UNIFESP ...................................................... 8

EntrevistaDr. William Saad Hossne ............................................ 10Por Paulo Henrique de Souza

OpiniãoPromovendo o campo da Bioética.................................. 13Por Pe. Leonard M. Martin

AcontecePolêmica em Brasília .................................................. 20Por Andrea Doré

ABRASCO promove congresso ..................................... 25

NovidadeFerramenta na internet .............................................. 27

Em debateIndependência em questão .......................................... 29

Editorial

Com o devido reconhecimen-to, toma-se por empréstimo

Participação estrangeira

o título da publicação de Abelardo,tido como a primeira grande figu-ra do “intelectual moderno” e que,para alguns, foi também o “pri-meiro” professor universitário, pre-cedendo a própria criação das uni-versidades.

Em 1122, Abelardo publica Sicet Non, livro no qual, segundoJacques Le Goff, “prova, com umaextraordinária simplicidade, a ne-cessidade de se recorrer ao raciocí-nio”, à lógica e à dialética. A análi-se do Sic et Non (Pró e Contra,Sim e Não) se complementa coma outra publicação de Abelardo:Ética ou conhece-te a ti mesmo, ex-pressão, aliás, que já estava inscritano santuário de Delfos.

As pesquisas coordenadas do ex-terior ou com participação estran-geira – Sic et Non – implicam oestabelecimento de relações entreas partes mutuamente interessadas,e, por isso, deveria existir, no sen-tido ético, o pressuposto de coo-peração. A Resolução n.° 196/96procurou não cercear qualquer ini-ciativa aprioristicamente e, por isso,a área temática tem denominaçãomais ampla: pesquisas coordena-das do exterior ou com participa-ção estrangeira.

Subentende-se, assim, que nemsempre a pesquisa será de coope-ração pré-acordada; poderá haverapenas participação dos integran-tes. A participação, ainda que nãorotulada como cooperação, deve-

rá ser do interesse das partes, semo que se poderia configurar situa-ção eticamente inaceitável. O fun-damental é a preservação e o res-peito aos interesses das partes, afas-tadas as possibilidades de “subju-gação”, “espoliação”, “explora-ção”, “submissão”, “privilégios” ede outras. Parte-se do princípio deque nenhuma das partes deve de-sejar tal “desequilíbrio” ético. In-teresses e objetivos podem ser vá-rios e podem ser de diferentes ti-pos, inclusive com possibilidadesde conflito. Quais interesses exis-tem? Interessam a quem? A queinteresses se vinculam os objetivos?

Alguns dos interesses e objeti-vos podem ser compreensíveis eaceitáveis, como, por exemplo, ointeresse econômico, seja do pa-trocinador, do pesquisador ou dainstituição. Não é, porém, aceitá-vel que o interesse, qualquer queseja, possa agredir a afirmaçãoemblemática de ordem ética: “am-pliar o conhecimento, desde queo conhecimento seja obtido demaneira eticamente adequada eutilizado de maneira eticamenteadequada”. E aqui o eticamenteadequado tem também comoemblema a proteção da dignidadedo ser humano, que deve ser sem-pre preservada, não tendo preço.

As Resoluções n.° 196/96 e n.°292/99 foram elaboradas e de-vem ser exercitadas dentro desseenfoque; ambas são peças ou ins-trumentos de essência e de con-teúdo, tanto doutrinário como

Por William Saad Hossne

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Cadernosde Ética em 3Pesquisa

William Saad Hossne,professor, médico,

pesquisador, membrodo Conselho Nacional

de Saúde (CNS) ecoordenador da

Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa

(CONEP).

Cadernos4 de Ética em

Pesquisa

operacional, de natureza bioética enão de disposições cartoriais. A Re-solução n.° 196/96 tornoupossível avaliar e acompanhar osprojetos de pesquisas coordenadasdo exterior ou com participaçãoestrangeira. Verifica-se um aumen-to altamente progressivo do nú-mero de pesquisas em andamen-to no país. De um lado, tal au-mento representa o reconheci-mento da capacidade dos nossospesquisadores e da adequação dascondições oferecidas pelo país paraa realização de pesquisas clínicas.De outro lado, como é reconhe-cido pelos patrocinadores, esseaumento se deve justamente à exis-tência das diretrizes éticas da Re-solução n.° 196/96, a qual dá res-paldo internacional aos projetos depesquisa quanto à sua eticidade.

Para o país é importante a reali-zação, por exemplo, das pesquisasda fase II e III em nosso meio:não só se torna possível a atualiza-ção de conhecimento, como sepode beneficiar portadores de pa-tologias, dando-lhes acesso a no-vos medicamentos promissores doponto de vista terapêutico. Aomesmo tempo, os próprios patro-cinadores têm interesse em tal fato;afinal, existe um mercado poten-cial amplo e promissor.

Além disso, o elevado número deensaios clínicos vem aumentando ademanda por sujeitos de pesquisa.Esse é um ponto que está a merecermaior reflexão. Aumentam as pres-sões para tornar mais fácil o recru-

tamento dos sujeitos, bem comopara disponibilizar maior acesso aprontuários médicos e a materiaisbiológicos humanos.

De um lado, do ponto de vistaético, é indispensável que os re-sultados da pesquisa, favoráveis ounão, sejam tornados públicos; deoutro lado, é de justiça, do pontode vista ético, a proteção aos direi-tos de patentes (como, aliás, pre-vê a Resolução n.° 196/96).

Se, de um lado, a realização si-multânea da pesquisa em múltiploscentros permite a obtenção de re-sultados de modo mais abrangentepara diferentes amostras de váriospaíses e em menor período detempo, de outro, não é justo, doponto de vista ético, que o paísdo patrocinador não participe dosriscos eventuais, guardando-se ape-nas para os benefícios.

As Resoluções n.° 196/96 en.° 292/99, acredita-se, estão su-ficientemente estruturadas para oequacionamento Sic et Non, abrin-do condições para o avanço doconhecimento, respeitando direi-tos e deveres e assegurando oexercício ético, enquanto reflexãocrítica de valores, protegendo,como já dito, a dignidade do serhumano, sujeito, pesquisador oupatrocinador.

Enfim, se interesses vários po-dem ser atendidos, é indispensá-vel que tais interesses, de qualquerordem ou natureza, não firam osinteresses dos sujeitos da pesqui-sas. Sic et Non, para não se cairem aporia.

Cadernosde Ética em 5Pesquisa

A consultaHá alguma regulamentação da

CONEP sobre a questão do con-flito de interesses econômicos napesquisa médica, como o patrocí-nio da indústria farmacêutica parao desenvolvimento de estudos, afim de validar novos medicamen-tos e tratamentos de outros?

A respostaA Resolução n.° 196/96, que

contém as Diretrizes e NormasRegulamentadoras de PesquisasEnvolvendo Seres Humanos,estabelece que toda pesquisa en-volvendo pessoas deve ser apre-ciada e aprovada por um Comitêde Ética em Pesquisa (CEP) dainstituição onde será realizada e,em alguns casos de maior riscode dilemas éticos, também pelaComissão Nacional de Ética emPesquisa (CONEP). Este sistematem a missão de proteger o su-jeito de pesquisa (a pessoa en-volvida), defendendo seus inte-resses em primeiro lugar, consti-tuindo uma forma de controlesocial sobre as práticas da ciência.

Procura-se, então, assegurarque os interesses do pesquisa-dor (da ciência), ou dos patro-cinadores (do mercado), não sesobreponham aos interesses edireitos das pessoas, muitas ve-zes pacientes portadores de al-guma doença para a qual se pro-curam novas maneiras de trata-mento ou diagnóstico.

Dessa forma, a aprovação dapesquisa no CEP constitui uma

forma de avaliar possíveis confli-tos de interesse e providenciarmodificações necessárias paraque haja total respeito pelos vo-luntários da pesquisa, ou mes-mo não aprovar definitivamen-te um projeto quando for eti-camente inadequado.

Lembramos que os CEPs sãomultidisciplinares (não podemser corporativos, com mais de50% dos membros de um sógrupo profissional) e devem terpelo menos um representantede usuários, indicado por asso-ciação da sociedade civil, umaONG, com experiência em de-fesa de direitos de grupos.

Ressalta-se, assim, que o pró-prio sistema CEPs/CONEPexiste porque se reconhece apossibilidade de existirem con-flitos de interesse na pesquisa ehá necessidade de mecanismosde controle para a preservaçãodo respeito às pessoas e a ob-tenção dos benefícios desejados,minimizando os riscos.

A Resolução n.° 196/96 eoutras complementares trazemuma série de diretrizes para aconstrução de uma pesquisadentro dos padrões éticos e paraa avaliação dos projetos nosComitês. Incluem alguns itenscom exigências a serem obser-vadas quanto a conflitos de in-teresse, especificamente:

“III. 3, r: assegurar a inexis-tência de conflito de interessesentre o pesquisador e os sujei-

Dúvidas?

A CONEP responde

cada edição, asérie CadernosA

reserva espaço ao leitorpara esclarecerquestões que apareçamcom freqüência duranteencaminhamentos pararealização de pesquisas.Todas as respostasapresentadas constamna Resolução n.° 196/96, que trata dasDiretrizes e NormasRegulamentadoras dePesquisas EnvolvendoSeres Humanos.

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tos da pesquisa ou patrocinadordo projeto;

VII. 12: Liberdade de traba-lho – Os membros dos CEPsdeverão ter total independên-cia na tomada das decisões noexercício das suas funções, man-tendo sob caráter confidencialas informações recebidas. Destemodo, não podem sofrer qual-quer tipo de pressão por partede superiores hierárquicos oupelos interessados em determi-nada pesquisa, devem isentar-sede envolvimento financeiro enão devem estar submetidos aconflito de interesse”.

Também o Regimento Inter-no da CONEP e o de algunscomitês incluem cláusulas emque se exige a declaração domembro de não ter interessesde comercialização de produtosou outros que possam caracte-rizar conflito de interesses.

Há informações e documentospara consulta disponíveis no site:www.conselho.saude.gov.br/conep.

Corina Bontempo D. de FreitasSec. Exec. da CONEP

O caso apresentadoO CEP do Hospital do Cân-

cer encaminhou à CONEP umaconsulta a respeito do consenti-mento para pesquisa em atendi-mento de urgência. De acordocom as informações fornecidaspelo CEP, a questão envolveuma população claramente vul-

nerável e incapaz, mesmo quemomentaneamente, de tomardecisões autônomas, o que re-quer atenção e cuidados especi-ais, que estão sendo tomados con-siderando a preocupação doCEP com esta consulta.

A respostaTendo por objetivo resguar-

dar o sujeito da pesquisa, deve-se inicialmente, como foi pon-derado pelo CEP, procurar ob-ter o consentimento de respon-sável legal pelo sujeito no mo-mento de sua internação. Esteconsentimento pode e deve serobtido de um ou mais respon-sáveis pelo sujeito, quando pos-sível, por se tratar de um mo-mento delicado e de tensão, emque decisões são difíceis de se-rem tomadas.

Na falta deste responsável le-gal, deve-se buscar para autori-zação inicial um ou mais respon-sáveis pelo serviço que recebeeste sujeito e que não estejamenvolvidos na pesquisa. Este(s)responsável(is) deve(m) autori-zar a realização da pesquisa como sujeito que recebe atendi-mento em sua unidade de tra-balho, tendo conhecimento doestudo proposto. A autorizaçãodeve ser dada por escrito comoum Termo de Consentimentoou documento similar.

O sujeito que for submetidoao estudo e seus responsáveisdevem ser comunicados da pes-quisa, de seu teor e resultados.

Não há lógica em se obter oconsentimento posteriormente,uma vez que já foi feito o estu-do. O que pode ocorrer é abusca do consentimento do su-jeito ou de seu responsável paraparte do estudo, quando for ocaso de continuidade.

Quanto à possibilidade de seobter consentimento que “en-globe” vários procedimentosdurante a internação, há que seanalisar cada estudo em particu-lar. Caso se trate de um só estu-do, os procedimentos deverãoestar explicados num só Termode Consentimento Livre e Es-clarecido. Caso existam proce-dimentos cujos objetivos, justi-ficativas, alvos e outros aspectossejam diferentes e caracterizemmais de um estudo, cada umdeles deverá ser apresentado se-paradamente ao sujeito ou seuresponsável e ao CEP. Caberáao CEP analisar cada caso.

Susie DutraMembro Titular da CONEP

A consultaO CEP da Faculdade de

Odontologia de Piracicaba –UNICAMP tem recebido folhe-tos de outra faculdade de Odon-tologia, anunciando a criação debanco de dentes que poderiamfacilitar a realização de pesquisas euso em aulas práticas de gradua-ção. O CEP solicita informaçõessobre a legalidade de banco de

Cadernos6 de Ética em

Pesquisa

dentes em faculdades de odon-tologia para uso em pesquisa.

A respostaCom base na Resolução n.°

196/96, fazem-se algumas con-siderações. À CONEP cabe semanifestar quanto aos aspectoséticos. A Resolução estipula oseguinte:

“VI. 2 – descrição da pesquisa,compreendendo os seguintes itens:

n) declaração sobre o uso edestinação do material e/ou da-dos coletados”.

No capítulo III (Aspectos éti-cos da pesquisa envolvendo se-res humanos), a Resolução esta-belece que “as pesquisas envol-vendo seres humanos devematender às exigências éticas e ci-entíficas fundamentais” (grifonosso). Além disso, a Resoluçãodispõe sobre outros aspectos:

“III. 3 – A pesquisa em qual-quer área do conhecimento en-volvendo seres humanos deveráobservar as seguintes exigências:

t) utilizar o material biológico

Cadernosde Ética em 7Pesquisa

e os dados obtidos na pesquisaexclusivamente para a finalidadeprevista no protocolo” (grifonosso).

O parecer da CONEPA partir da publicação da Re-

solução n.° 196/96, todo equalquer material biológico sópodem ser utilizados, em prin-cípio, para a finalidade previstano protocolo.

Eventual armazenamento (“ban-co”) de material só pode ocorrerse autorizado pelo sujeito da pes-quisa. Essa finalidade deverá cons-tar do protocolo da pesquisa pro-posto e do Termo de Consenti-mento Livre e Esclarecido.

O Termo de Consentimento, a serassinado pelo sujeito da pesquisa,deverá esclarecer que o material aser armazenado poderá ser utiliza-do para outro projeto de pesquisacom as seguintes salvaguardas:

a) Compromisso do pesquisa-dor responsável de obter, sem-pre que possível, novo consen-timento (específico) do sujeito

da pesquisa para a nova finalida-de. Quando não for possível,justificar o fato perante o CEP.

b) Sempre, porém, a nova fi-nalidade deverá estar consubs-tanciada em projeto específico,o qual deverá ter aprovação doCEP (e da CONEP, no caso dasáreas temáticas).

A utilização do banco de dados,constituído antes da publicação daResolução CNS n.° 196/96, deveatender à seguinte exigência: apre-sentação do projeto de pesquisa es-pecífico, prevendo a utilização domaterial do banco. O projeto de pes-quisa deve ser previamente aprova-do pelo CEP (e pela CONEP, nocaso de área temática) antes de areferida pesquisa ser iniciada.

Quanto aos aspectos legais re-ferentes à utilização de cadáverese/ou peças anatômicas, sugere-se buscar subsídios junto aos De-partamentos de Medicina (e/oude Odontologia) Legal.

Dr. William Saad HossneCoordenador da CONEP

Depoimento

O Comitê de Ética em Pes-quisa da Universidade Fe-

deral de São Paulo/Hospital SãoPaulo é constituído por 43 mem-bros, sendo que cada departa-mento acadêmico tem, ao me-nos, um representante. Além dosprojetos de estudos clínicos, esteComitê analisa também os pro-jetos de pesquisa em animais.Uma apostila, contendo os prin-cipais documentos nacionais e in-ternacionais relacionados à regu-lamentação de pesquisas, foi ela-borada para subsidiar o trabalho.

O Comitê realiza reuniões ple-nárias mensalmente, ocasiões emque um palestrante convidadodiscute aspectos éticos e filosófi-cos do funcionamento do CEP,sendo em seguida apresentadospara análise alguns projetos pen-dentes. Em outra reunião sema-nal, um grupo menor de relatoresanalisa e discute projetos com pen-dências, que dispensam apresen-tação em plenária.

Nos últimos cinco anos, oCEP/Unifesp, com notável des-taque para o ano de 1998, vemmantendo um número bastanteimportante de projetos analisados.Naquele ano foram analisados1.570 projetos; em 1999 foram868 projetos; em 2000, 1.057;e em 2001, 1.154. Nesse perío-do, os projetos analisados peloCEP totalizaram 303 do grupo I(que, conforme determina a Re-solução n.º 196/99, quanto àclassificação dos projetos clínicos,

O CEP da UNIFESP

incluem áreas temáticas especiais,como genética humana, reprodu-ção humana, novos equipamen-tos e procedimentos, populaçãoindígena, biossegurança e pesqui-sas com cooperação estrangeira);119 projetos do grupo II (queincluem estudos sobre novosfármacos, vacinas e testes diagnós-ticos que necessitam de autoriza-ção da ANVISA) e 4.227 proje-tos do grupo III (nos quais sãoincluídos todos os outros estu-dos, como os retrospectivos ousem nova intervenção diagnósticaou terapêutica).

O Comitê conta com o traba-lho de um secretário, que recebeos projetos, e de dois acadêmicosde farmácia da USP, que fazem asua classificação e uma análise ini-cial antes de encaminhá-los aosrelatores. Depois de uma primei-ra análise, em que grande partedos questionamentos é resolvidaentre os farmacêuticos e o pes-quisador, sobretudo aqueles deordem administrativa, o coorde-nador do Comitê envia cada pro-jeto para dois relatores, sendo umda área temática correspondentee o outro leigo no assunto.

Do total de projetos analisadosem 2001, 225 apresentarampendências. O tempo médio paraaprovação sem pendências foi de21 dias (grupo I) a 26 dias (gru-po III); e, com pendências, de70 dias (grupo I) a 69 dias (gru-po III), enquanto o tempo mé-dio para a resposta da pendência

Cadernos8 de Ética em

Pesquisa

Orelatório preparadopelo coordenador

do Comitê de Ética emPesquisa da Universida-de Federal de SãoPaulo/Hospital SãoPaulo (UNIFESP) foi abase para a elaboraçãodeste texto. A contribui-ção do dr. José OsmarMedina Pestana nosajuda a entender osmecanismos de umespaço dedicado àdefesa da Bioética.

pelo pesquisador é de 45 dias(grupo I) a 44 dias (grupo III).

As pendências nos projetos clí-nicos foram relacionadas, principal-mente, à elaboração inadequadado Termo de Consentimento Li-vre e Esclarecido. Solicitava-se asimplificação do vocabulário e dotexto do termo (11% das pendên-cias) ou que se detalhasse melhoros procedimentos clínicos propos-tos e o desconforto propiciado aopaciente (15% das pendências).Houve também questionamentosquanto ao financiamento ou àsdespesas do projeto (7% dos ca-sos); quanto à metodologia (7%dos casos); quanto ao número eao tamanho da amostra (6% doscasos); quanto à documentação in-completa (6% das pendências); equanto à solicitação de deta-lhamento dos procedimentos clí-nicos (6% dos casos).

O CEP dispõe de alguns pro-cedimentos a fim de atrair osrelatores para que realizem suasanálises na própria sede do Co-mitê: uma estrutura física adequa-da e confortável, com equipa-mentos de informática e internet,além da assessoria permanente dedois farmacêuticos como organi-zadores do processo e ponte en-tre relator e pesquisadores, bemcomo farta bibliografia de éticapara consulta. São ainda disponi-bilizadas na sede do Comitê aspresenças diárias de um professorde espanhol, para aulas aosrelatores; de um professor de in-

glês, por um período semanal de6 horas, para consultas e auxíliona elaboração de projetos em lín-gua inglesa; e de um professor deportuguês, por um período de 6horas semanais, para consulta erevisão de texto.

Os principais problemas queeste Comitê enfrenta estão rela-cionados ao seguimento da pes-quisa após sua aprovação e iní-cio. São solicitados relatórios se-mestrais, apresentados por ape-nas 14% dos pesquisadores. OComitê está se organizando paraa realização de auditoria em al-guns projetos e o aprimoramen-to dos mecanismos de obtençãodestes relatórios.

O fato de o Comitê de Éticaanalisar todos os projetos de pes-quisa realizados na instituiçãocriou uma demanda para que seexpandisse sua área de atuação.Foi solicitado que o controle domaterial radioativo e dos aspec-tos de biossegurança e destinodo lixo resultante da pesquisafosse triado pelo Comitê. Assim,representantes da Comissão deRadioatividade, da Comissão deBiossegurança e da Comissão deLixo passaram a fazer parte doComitê. Os serviços de secreta-ria dessas Comissões e do Co-mitê passaram a ser conjuntos, eum secretário recebe o projetode pesquisa e o distribui para cadacomissão correspondente, para oComitê de Ética e para outras co-missões, quando pertinente.

Cadernosde Ética em 9Pesquisa

Como o senhor avalia o tra-balho em prol do fortalecimen-to dos mecanismos de contro-le ético das pesquisas envolven-do seres humanos no Brasil? Épossível fazer uma comparaçãoentre o caso brasileiro e o deoutros países das Américas?

No Brasil, até 1988, os aspec-tos éticos da pesquisa envolvendoseres humanos obedeciam às dis-posições de três principais docu-mentos internacionais: o Códigode Nuremberg (1947), a Decla-ração de Helsinque (1964) e asDiretrizes Internacionais da Pes-quisa Biomédica. Os três docu-mentos foram elaborados por en-tidades médicas e estão voltadosquase que exclusivamente às pes-quisas na área médica e, em certamedida, a outras áreas da saúde.A partir dos documentos interna-cionais endossados pela maioriadas nações, alguns países elabo-raram normas próprias, comple-mentares. Em 1988, o Conse-lho Nacional de Saúde elaboroua Resolução n.º 1/88, emcomplementação aos documen-tos internacionais. Foi, sem dú-vida, um fato importante; infe-lizmente, a Resolução não seimplantou na medida do dese-jável. Em 1995, o CNS desig-nou um Grupo Executivo deTrabalho para propor novas di-retrizes, e daí resultou a Reso-lução n.º 196, de outubro de1996, a qual, sob a égide da

Bioética, estabeleceu as dire-trizes éticas nas pesquisas en-volvendo seres humanos.

Em decorrência do estipuladona Resolução n.º 196/96, foiimplantado, então, o sistema deComitês de Ética em Pesquisa(sistema CONEP/CEP). Tal sis-tema, harmônico, permitiu aanálise de todo e qualquer pro-jeto de pesquisa como tambémo estabelecimento de um siste-ma de acompanhamento. Pelasnormas, cabe ao CEP: “mantera guarda de todos os dados ob-tidos na execução de sua tarefae arquivamento do protocolocompleto” e “acompanhar o de-senvolvimento dos projetosatravés de relatórios dos pesqui-sadores”; além do mais, even-tos adversos que venham a ocor-rer devem ser imediatamenteanalisados e comunicados àCONEP (e à ANVISA). NaAmérica Latina, não tenho co-nhecimento de mecanismo iguale de normas como essas.

Quais foram os pontos altosdesse trabalho registrados até omomento e quais são os fatoresque, de algum modo, compro-meteram este esforço?

A implantação das diretrizespermitiu o estabelecimento demecanismos de proteção da dig-nidade do ser humano, seja elesujeito ou pesquisador. A atua-

Entrevista

Dr. William Saad Hossne

Cadernos10 de Ética em

Pesquisa

m 4 de setembro de2002, aE

Universidade de Brasília(UnB) concedeu aomédico e pesquisadorWilliam Saad Hossne otítulo de Doutor HonorisCausa pela suacontribuição nos camposda Ciência e da Saúde.Nesta entrevista, ohomenageado – que émembro titular doConselho Nacional deSaúde (CNS) desde1995 e presidente dehonra da SociedadeBrasileira de Bioética –faz um balanço dasetapas já vencidas pelaBioética no país. Eletambém reitera suaconfiança na importânciadas reflexões éticas enos CEPs, como“mecanismos efetivos decontrole social”, previstosna Resolução 196/96,elaborada com suaativa participação.

Paulo Henrique deSouza, jornalista,especialista emEducação e SaúdePública e mestrandoem Saúde Comunitáriapela UniversidadeLaval em Quebéc,Canadá.

Por Paulo Henrique de Souza

ção dos CEPs (cerca de 400, en-volvendo perto de 4.000 pes-soas) tem permitido a consolida-ção e a difusão da Bioética nosdiversos segmentos da socieda-de. Considero como ponto re-levante a composição pluralista,multidisciplinar, dos CEPs. Gra-ças à Resolução n.º 196/96, aBioética na pesquisa tem sidotema de cursos de graduação ede pós-graduação em diversasáreas, não só da saúde. Comotodo processo participativo ino-vador, houve, de início, algumaresistência à idéia de serem sub-metidos aos CEPs projetos depesquisa. Felizmente, as resistên-cias foram poucas, nesse sentido.

Em que aspectos o senhoracredita que é preciso avançarpara que se possa oferecer à so-ciedade maior segurança?

Estamos avançando e rapida-mente. Progressivamente, os su-jeitos da pesquisa vêm tomandoconhecimento de seus direitos eestão cada vez mais confiantesno sistema de avaliação ética dosprojetos de pesquisa. Os pesqui-sadores e os patrocinadores tam-bém têm fortemente contribuí-do para a consolidação do siste-ma, pois todos buscam a ade-quação ética das pesquisas. Osabusos e deslizes éticos não se-rão inteiramente evitados pordiretrizes ou documentos; o

efetivo controle ético envolvea participação dos diversos seg-mentos da sociedade.

O trabalho em defesa daBioética no Brasil tem evitadoesses abusos por parte de algu-mas instituições e mesmo depesquisadores. No entanto, háaqueles que acreditam que issose fez cerceando a busca peloconhecimento. O que o senhordiria a estas pessoas?

Aos CEPs e à CONEP cabe aanálise ética dos projetos de pes-quisa. Aliás, a análise ética se ini-cia no momento da elaboraçãodo protocolo de pesquisa e, ob-viamente, o pesquisador respon-sável deve ser (acertadamente)o primeiro a proceder à avalia-ção ética de seu projeto. A Re-solução n.º 196/96 não tem umúnico dispositivo dizendo “é ve-dado”. Não existe nenhum viésde “cerceamento”. Quando aCONEP (ou o CEP) não apro-va o projeto, as razões são ex-postas no parecer, e o pesquisa-dor pode apresentar seus argu-mentos e suas justificativas. AosCEPs e à CONEP cabe, primor-dialmente, a responsabilidadepela proteção da dignidade do serhumano, que não tem preço.

Até que ponto o trabalho daCONEP e dos Comitês de Éti-ca em Pesquisa é uma mani-festação do controle social em

saúde no campo da ciência?Essa ligação, de algum modo,valoriza ou reduz a importân-cia das atuações destas instân-cias?

Os CEPs, e em particular aCONEP, a exemplo do CNS, re-presentam um mecanismo con-creto e eficaz de controle social.A composição, as atribuições e oefetivo exercício são altamentedemonstrativos da valorização eda importância das atuaçõesdessas instâncias. Vale insistir emseu caráter pluralista e não cor-porativo; em todas elas têmrepresentatividade diversos seg-mentos da sociedade, salientan-do-se o papel dos representantesda comunidade de usuários.

A inclusão do tema Bioéticanos currículos das universida-des é uma necessidade? Quais asconseqüências dessa mudançapara o campo da pesquisa?

É uma necessidade que estásendo atendida de maneira pro-gressiva e rápida. Como já mereferi, a Bioética (a partir da éti-ca na pesquisa em seres huma-nos) tem sido incluída em cur-sos de graduação e de pós-gra-duação (em várias áreas); a éti-ca na pesquisa em seres huma-nos tem sido também tema per-manente de simpósios, con-gressos e seminários. A ética,enquanto juízo ou reflexãocrítica, obriga-nos a uma ava-

Cadernosde Ética em 11Pesquisa

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Cadernos12 de Ética em

Pesquisa

liação constante, inclusive denós mesmos e, assim, é umexcelente meio de formaçãopessoal e de cidadania.

O senhor tem uma trajetóriavitoriosa no campo da pesqui-sa e do ensino, tanto que foihomenageado com o título deDoutor Honoris Causa pelaUnB, recentemente. Diante daexperiência acumulada ao lon-go dos anos, quais as mensa-gens que o senhor deixa paraos jovens que estão se inte-ressando agora pela questãoda Bioética e para aqueles quejá lutam há anos na formula-ção de propostas que garan-tam a vida e os direitos dossujeitos de pesquisa?

A expressão Bioética é um neo-logismo surgido na década de1970, com a conotação básica dese constituir como um alerta (ouaté movimento) para evitar oeventual mau uso dos avanços daRevolução Molecular, criando-seuma “ponte para o futuro”, emmomentos de ruptura e de pro-fundas transformações com osurgimento da “nova biologia”.Progressivamente, o significado foise alterando a tal ponto que hojese corre o risco de o termo“bioética” passar a ser um “mo-dismo”, prestando-se a vedetismospersonalistas. Não é o momentode se entrar em consideraçõesdoutrinárias. Creio, porém, queé importante assinalar que a éti-

ca (e, portanto, a Bioética) exigereflexão quanto a conflitos devalores e que implica opções.

Não se pode, sempre, pedir àética respostas pragmáticas; aliás,basicamente, o papel da ética émais o de fazer perguntas do quedar respostas taxativas (isso cabe àdeontologia, enquanto parte oudecorrência da ética); o importan-te, porém, é que as perguntas sãoa melhor forma de se chegar à res-posta mais adequada. Esse pro-cesso todo pressupõe a exigênciade algumas condições para o ade-quado exercício da ética, a saber:liberdade – liberdade para a op-ção (não se pode falar em ética senão houver liberdade), não pre-conceito, não coação e nem co-erção; humildade para respeitar oponto de vista do outro e gran-deza para alterar a opção se estase mostrar inadequada.

No caso da Bioética, o cam-po de atuação envolve as ciên-cias da vida, da saúde e do meioambiente; a Bioética exige, ain-da, a participação necessaria-mente pluralista. Por isso tudo,a reflexão ética (e, no caso,bioética) é um excelente proces-so de auto-avaliação e de avali-ação constante quanto aos va-lores humanos. Se, de um lado,fazer opção é “angustiante”, poroutro, essa “angústia” mobili-za nossa capacidade (e nossaobrigação) para lidar com va-lores humanos.

Cadernosde Ética em 13Pesquisa

Promovendo o campo da BioéticaPor Pe. Leonard M. Martin

Pe. Leonard M.Martin, C.Ss.R., éprofessor titular deÉtica na UniversidadeEstadual do Ceará emembro da CONEP.

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Opinião

Comentários iniciaisA discussão sobre a possibilida-

de de se promover cooperação in-ternacional no campo da Bioéticatem de levar em conta, inevitavel-mente, o fato de que os avançostecnológicos e científicos transcen-dem as fronteiras nacionais e, tam-bém, que este fato se encontra co-lorido pelas realidades de inclusãoe exclusão. Enquanto muitas pes-soas participam destes avanços edeles se beneficiam, milhões de ou-tras pessoas são excluídas de qual-quer envolvimento no processo ede qualquer benefício. Esta situa-ção não é apenas questão de paí-ses ricos tendo poder econômicoe tecnológico em abundância, en-quanto outros são carentes, é, tam-bém, um fenômeno que acontecedentro dos próprios países, ondegrandes abismos às vezes existementre os que têm acesso à riqueza,saúde e educação e os que são em-purrados para as margens da vida,se virando com salários de subsis-tência, com saúde enfraquecida ecom alfabetização precária.

A cooperação implica parceria,e parceria implica diálogo e ummínimo de respeito pela autono-mia e criatividade de todos os en-volvidos, mesmo quando o rela-cionamento é desigual. O parcei-ro mais forte pode até ter muitasdas vantagens, mas o parceiromais fraco pode às vezes contri-buir com algo que falta ao outroou que o outro tenha esquecidode incluir entre seus valores.

Se o objetivo é derrubar os mu-ros de exclusão entre e dentro dospaíses, o diálogo aberto à escutadaquilo que é diferente é de im-portância fundamental. Os queestão nas margens podem contri-buir para a reflexão bioética, de-senvolvendo seu próprio estilodistintivo de fazer bioética. Issonão significa, necessariamente, ori-ginalidade total. Em geral, ospaíses em desenvolvimento estãomais do que dispostos a apren-der, e, às vezes, simplesmente co-piar o que foi produzido nos Es-tados Unidos ou na Europa. Umaautoconfiança renovada e umaconsciência crescente do seu pró-prio valor têm alimentado, porém,uma nova consciência de que aparticipação em avanços científi-cos e éticos não consiste somen-te em apenas reproduzir aquiloque já foi feito no mundo desen-volvido – embora isso possa terum certo valor educativo. Parti-cipação pode, também, significardiálogo respeitoso da dignidadee autonomia dos parceiros, mes-mo quando existem sérias desi-gualdades causadas por fatoreseconômicos e culturais. Diferen-ças culturais distintivas podemapontar para valores humanos fun-damentais que correm o risco deser perdidos de vista nas socieda-des mais desenvolvidas e afluentes.Pessoas ou comunidades econo-micamente vulneráveis não sãonecessariamente carentes de valo-res e práticas humanizantes.

Este textocorresponde à

apresentação doprofessor Pe. LeonardM. Martin no fórumfranco-alemão “Rumo auma Bioética Global? –Diálogo para umaPolítica Intercultural”,realizado nos dias 3 e 4de junho de 2002, peloMinistério de RelaçõesEstrangeiras, emBerlim, Alemanha.

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Nesta breve colocação, defen-demos a tese de que a coopera-ção internacional no campo daBioética é possível, apesar do pro-blema constante da falta de re-cursos. Afirmamos que países emdesenvolvimento podem fazeruma contribuição que, emboranão especialmente original, podeser de um humanitarismo refres-cante numa cultura impregnadapelas preocupações de um para-digma comercial-empresarial daMedicina ou onde o paradigmatecnocientífico da Medicina já con-seguiu desumanizar e desperso-nalizar não somente o processode pesquisa, mas o próprio relacio-namento médico-paciente. Comoexemplo daquilo que é possível,esboçamos a experiência brasilei-ra em ética em pesquisa, em queo diálogo entre a Bioética dospaíses desenvolvidos e as preocu-pações da cultura local consegui-ram produzir um corpo dinâmi-co de prática e teoria que podeser de interesse e de ajuda paraoutros países em desenvolvimen-to e, talvez, mesmo para os quejá têm mecanismos sofisticados decontrole social nesta área.

Em nossas observações conclu-sivas, faremos algumas propostasmodestas para maior cooperaçãointernacional no campo da Bioética.

A ética em pesquisa: a experi-ência brasileira

A Comissão Nacional de Éticaem Pesquisa do Brasil é um exem-

plo de como um país pode supe-rar suas limitações e contribuirpara criar um clima em que a éti-ca seja levada a sério, gerando me-canismos que garantam a descen-tralização e a ampla participaçãona reflexão ética sobre projetosde pesquisa.

Por causa do seu passado colo-nial, somente no século XX as uni-versidades começaram a aparecer eflorescer no Brasil. Conseqüente-mente, pesquisas de todo tipo,incluindo a pesquisa biomédica, ti-veram um início vagaroso. Na se-gunda metade do século XX, po-rém, a capacidade brasileira parapesquisa começou a florescer e,com ela, uma preocupação crescen-te com questões éticas. Em 1988,o Conselho Federal de Medicinapublicou o Código de Ética Mé-dica, que tem um capítulo denove artigos sobre ética em pes-quisa1 . No mesmo ano, em nívelgovernamental, houve uma ten-tativa de incluir preocupações éti-cas na elaboração de protocolos depesquisa que envolviam pesquisasem seres humanos com a publica-ção da Resolução n.º 01/88, doConselho Nacional de Saúde2.

Este documento não teve mui-to impacto, apesar da sua ênfaseno respeito pela dignidade do serhumano, na importância do con-sentimento informado e na ne-cessidade de comitês de ética empesquisa independentes3. Estefato levou o Conselho Nacionalde Saúde, em 1995, a criar um

Grupo de Trabalho para rever aResolução de 1988. Como re-sultado dos seus esforços, umnovo texto emergiu, a Resoluçãon.º 196/96, promulgada em ou-tubro de 19964.

Esta nova Resolução tem váriascaracterísticas que podem nos aju-dar na discussão sobre como paísescom economias emergentes podemcontribuir de forma significativa paradesenvolvimentos bioéticos globais.

A primeira destas característicasé que, embora o texto tenha umabase jurídica sólida, refletindo ainterface crescente entre o Direi-to e a Bioética, sua preocupaçãoprimária é ser de natureza ética.Neste sentido, coloca a dignida-de da pessoa humana no centrodas suas preocupações. Fazendoassim, atribui-se como tarefa a dis-cussão dos princípios fundamen-tais que devem nortear a pesqui-sa em seres humanos e convida aspessoas a interiorizar estes valo-res. Refletindo conscientementesua dívida à Bioética norte-ame-ricana, a Resolução trata com bas-tante detalhe princípios como au-tonomia, beneficência, não-maleficência, justiça e eqüidade.Amplamente tratados, também,são assuntos como os riscos e be-nefícios envolvidos na pesquisa eo consentimento livre e esclareci-do. Enquanto busca sua própriaformulação para estas questões,não tem medo de aprender coma experiência dos outros.

Uma segunda característica que

talvez possa ser útil é o fato deque o texto é prático, no sentidoem que deliberadamente procuraoperacionalizar as normas éticas aque se propõe, prescrevendo me-canismos e estruturas para a açãoconcreta. Dois destes mecanismosque recebem tratamento detalha-do são o protocolo de pesquisa eo Comitê de Ética em Pesquisa.

A importância da insistência emum protocolo devidamente cons-tituído está, em primeiro lugar, nofato de que se obriga o pesquisa-dor a articular, por escrito, o queprecisamente ele pretende fazer ea refletir cuidadosamente, seja so-bre os aspectos científicos e téc-nicos, seja sobre os aspectos éti-cos dos procedimentos a seremadotados. Em segundo lugar, suaimportância está no fato de queé justamente este instrumentoque permite que os comitês deética em pesquisa possam avaliartécnica e eticamente um projetode pesquisa.

É interessante notar que umadas razões pelas quais a Resolu-ção de 1988 teve tão pouco im-pacto foi precisamente a falta demecanismos operacionais. Nesteponto, a Resolução de 1996 temalgo a nos ensinar, no sentido deque evita este erro apresentandodetalhadamente a composição docomitê de ética, seu mandato,suas atribuições, como deve se or-ganizar e seus procedimentos bá-sicos. Não somente isso. Emborarespeitando a autonomia local e

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o princípio de descentralização, oscomitês não são isolados um dosoutros. Sob a coordenação daComissão Nacional de Ética emPesquisa (CONEP) se estabeleceuuma rede de comitês de ética empesquisa que se apóiam por meiode contatos mútuos e troca deinformações em encontros regio-nais e nacionais, por meio de umahome page e por meio da revistaCadernos de Ética em Pesquisa,publicada pela CONEP.

O sucesso deste casamento en-tre preocupações teóricas e me-didas práticas tem sido significa-tivo, uma vez que existem atual-mente quase 400 comitês de éti-ca espalhados pelo Brasil5.

Neste contexto de uma rede decomunicação e de estruturas deapoio, o fato de que a CONEP sereúne mensalmente em Brasília é,em si, uma conquista significativa,como também é a possibilidade decontar com um secretariado exe-cutivo permanente. Este secreta-riado viabiliza uma boa parte dotrabalho burocrático envolvido naapreciação de protocolos de pesqui-sa em nível local e nacional e, tam-bém, funciona como elo significati-vo na rede de comunicações.

A preocupação brasileira em re-gulamentar a ética em pesquisa re-flete, em grande parte, a preocu-pação expressa em documentos in-ternacionais, como a Declaração deNuremberg e a Declaração de Hel-sinque, e é mais do que justo di-zer que não há grandes preten-sões à originalidade no que

concerne aos princípios e valoresfundamentais propostos. Se há al-gumas peculiaridades, é provávelque sejam mais questão de ênfase,ou do ponto de vista do qual sereflete sobre as questões, e se re-lacionem à ênfase a determinadoaspecto ou a um ponto de vistaespecífico a partir do qual as ques-tões são abordadas.

Uma destas peculiaridades, quetalvez seja de interesse além dasfronteiras do Brasil, é a definiçãoampla de pesquisa em seres huma-nos utilizada pela Resolução de1996, que a caracteriza como“pesquisa que, individual ou co-letivamente, envolva o ser huma-no, de forma direta ou indireta,em sua totalidade ou partes dele,incluindo o manejo de informa-ções ou materiais” (Resolução n.º196/96, II. 2). O documentoobjetiva regulamentar toda pesqui-sa em seres humanos e não apenaspesquisa puramente biomédica.Dentro desta perspectiva, as pes-quisas sociológicas e antropológi-cas deveriam também passar peloexame de comitês de ética inde-pendentes e ser submetidas à dis-cussão sobre sua eticidade.

Outra peculiaridade da Resolu-ção de 1996 é sua forte defesa dosinteresses do sujeito da pesquisa.O pressuposto subjacente é deque os interesses do pesquisadorsão subordinados aos interesses dapessoa que está sendo pesquisadae que aqueles são mais bem servi-dos promovendo o respeito pelapessoa humana e sua dignidade.

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Pesquisa

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Nesta perspectiva, o termo deconsentimento assinado pelo su-jeito da pesquisa não é visto pri-mariamente como um documen-to legal isentando o pesquisadorde responsabilidade, limitando talresponsabilidade ou protegendo-o, ou aos patrocinadores, de pro-cessos jurídicos por danos quepossam resultar do projeto de pes-quisa. Pelo contrário, o termo deconsentimento é entendidocomo um instrumento que for-maliza o processo pelo qual se in-forma amplamente o sujeito dapesquisa, em linguagem compre-ensível, sobre os objetivos do pro-jeto de pesquisa, os métodos queserão empregados, os riscos e des-confortos envolvidos, como,também, os benefícios que pos-sam advir, e, como resultado des-ta informação, toma-se livremen-te a decisão de participar ou nãodo projeto. Esta abordagem aoprocesso de consentimento, per-sonalizada e no espírito de parce-ria, vai muito além do modelo pu-ramente jurídico, buscando,como de fato faz, em espírito dediálogo respeitoso, garantir a dig-nidade de todos os envolvidos,pesquisadores e pesquisados.

Uma terceira peculiaridade daResolução de 1996 é sua convic-ção dos benefícios do controle so-cial na área de pesquisa em sereshumanos. Tanto em países desen-volvidos como em países em de-senvolvimento, uma boa parte daresistência à elaboração de proto-

colos e à obrigação de submetê-los a comitês independentes paraavaliação ética se baseia na idéiade autoregulamentação. Segun-do este ponto de vista, pesqui-sadores não precisam ser super-visionados por ninguém de forados seus quadros e, especial-mente, por não-cientistas tecni-camente despreparados paraapreciar projetos científicos. Alonga trajetória de abusos de di-reitos humanos que marca a his-tória da pesquisa biomédica6 éum dos argumentos mais fortescontra a autoregulamentação. Acompetência científica não é ago-ra, nem nunca foi, uma garantiada competência ética. O controlesocial é um mecanismo impor-tante para assegurar que não seperca de vista neste campo aspreocupações éticas.

Uma das originalidades da con-tribuição brasileira a este debate éo mecanismo concreto propostopara garantir este controle social:comitês de ética em pesquisasmultidisciplinares, em que nenhu-ma profissão particular tem a maio-ria, em que participam homens emulheres e em que, ao lado decientistas, há representantes deuma variedade de profissões: filó-sofos, teólogos, bioeticistas, advo-gados, e do qual participam, igual-mente, representantes dos usuári-os dos serviços médicos em pé deigualdade com os outros mem-bros. Uma característica importan-te destes comitês multidisciplinares

1. “Código de Ética Médica” (1988),

in: Leonard M. Martin, C.Ss.R., A ética

médica diante do paciente terminal: leitu-

ra ético-teológica da relação médico-pacien-

te terminal nos Códigos Brasileiros de Ética

Médica. Aparecida-SP: Editora Santuário,1993, pp. 389-399. Ver o comentário de

Genival Veloso de França sobre estes arti-gos em Comentários ao Código de Ética Mé-

dica. 3ª ed. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 2000, pp. 164-178.

2. Conselho Nacional de Saúde, “Re-solução n.º 01/88”, in: Bioética – Re-

vista do Conselho Federal de Medicina, vol.3, n.º 2, 1995, pp. 137-154.

3. Cf. Carlos Fernando MagalhãesFrancisconi, Délio José Kipper, Gabriel

Oselka, Joaquim Clotet & José RobertoGoldim. “Comitês de Ética em Pesquisa

– Levantamento de 26 Hospitais Brasilei-ros”, in: Bioética – Revista do CFM, vol.

3, n.º 1, 1995, pp. 61-67.4. Conselho Nacional de Saúde: “Reso-

lução n.º 196/196, de 10 de outubro de1996”, in: Cadernos de Ética em Pesquisa,ano 1, n.º 1, julho de 1998, pp. 34-42.

5. “Registros de CEP (Comitês deÉtica em Pesquisa): Instituições que soli-citaram registro de CEP na CONEP até18/06/99, por Estados da Federação”,in: Cadernos de Ética em Pesquisa, ano 2,n.º 3, julho de 1999, pp. 25-30. Ver tam-bém “CEPs aprovados em 2001”, in:Cadernos de Ética em Pesquisa, ano 4,n.º 8, agosto de 2001, p. 30.

6. Cf. Paul McNeill. The Ethics andPolitics of Human Experimentation.Cambridge/New York/Melbourne:Cambridge University Press, 1993, pp. 17-20; Albert R. Jonsen. The Birth of Bioethics.New York/Oxford: Oxford University Press,1998, pp. 125-133; F.C. Redlich. “MedicalEthics under National Socialism”, in: WarrenT. Reich (ed.). Encyclopedia of Bioethics. NewYork/London: The Free Press/CollierMacmillan, 1982, 4 vols, pp. 1015-1020;Jayme Landmann. A Ética Médica sem Más-cara. Rio de Janeiro: Editora Guanabara,1985, pp. 87-114; Henry K. Beecher. “Ethics

gens da sociedade descobrem queas urgências que reivindicam suaatenção vêm da fome, do desem-prego, da moradia insalubre, dodesespero. Conseqüentemente,um dos primeiros passos rumo àcooperação internacional no cam-po da Bioética é estabelecer umapauta partilhada de problemas a se-rem enfrentados. Preocupaçõespartilhadas podem levar a estraté-gias partilhadas para confrontá-las.

2) A cooperação internacionalpode ser fomentada quando se de-senvolve uma mentalidade de par-ceria. Parceria não implica igualda-de entre as partes, mas, sim, diálo-go e respeito mútuo e o reconhe-cimento de que o partido mais fra-co muitas vezes pode estar em con-dições de oferecer uma contribui-ção valiosa à compreensão e à re-solução de um desafio ético.

3) Poder econômico e com-petência científica não são sinôni-mos de sensibilidade ética. O de-safio é desenvolver uma mentali-dade global pela qual seres huma-nos não sejam subordinados aosinteresses do conhecimento cien-tífico e do poder econômico. Pelocontrário, precisamos criar umamaneira de pensar e de agir quecoloque a ciência e a economia aserviço dos seres humanos.

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Pesquisa

é que, embora exerçam controlesocial efetivo, a mentalidade quepermeia esta regulamentação éticada pesquisa não é de policiamen-to repressivo. Pelo contrário, a ên-fase está na abertura e na promo-ção de diálogo, dando preferênciaà educação e ao convencimentopor meio da argumentação frenteà adoção de medidas repressivas esanções, embora essas existamcomo último recurso.

Propostas modestas paramaior cooperação internacio-nal no campo da Bioética

1) Por causa da realidade deexclusão que priva milhões de pes-soas em todo o mundo não so-mente dos resultados do progres-so, mas de qualquer possibilidadede participação na geração desteprogresso, há a necessidade dedespertar a preocupação em en-frentar questões como a fome, aseca, a moradia, o saneamento bá-sico, os cuidados médicos primá-rios e a educação fundamental, ede reconhecer que estes proble-mas são questões éticas que reque-rem uma resposta. Enquantobioeticistas do primeiro mundotendem a ver seu tempo consu-mido por questões que surgemnas fronteiras da pesquisa científi-ca, como a clonagem de célulasgerminais e a manipulação genéti-ca de várias formas, ou os dilemaslevantados por pacientes terminaise o uso de sistemas avançados desuporte de vida, eticistas que vi-vem entre os que estão às mar-

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and Clinical Research”. In: New EnglandJournal of Medical Ethics, vol. 274, n.º 24,16th June 1966, republicado em Len Doyal& Jeffrey S. Tobias. Informed Consent inMedical Research. London: BMJ Books,2001, pp. 29-37; Débora Diniz. “HenryBeecher e a Gênese da Bioética”. In: OMundo da Saúde, ano 23, vol. 23, n.º 5, se-tembro-outubro de 1999, pp. 332-335 eSérgio Ibiapina F. Costa. “Ética e PesquisaClínica segundo Henry Beecher”. In: OMundo da Saúde, ano 23, vol. 23, n.º 5,setembro-outubro de 1999, pp. 336-341;Maurice Pappworth. Human Guinea Pigs.London: Routledge & Keegan Paul, 1967,com trechos publicados em Len Doyal &Jeffrey S. Tobias, op. cit., pp. 39-46. Ver tam-bém Stephen Lock: “Commentary onHuman Guinea Pigs”. In: Len Doyal &Jeffrey S. Tobias, op. cit., pp. 47-48. Para

uma revisão geral desse material, ver LeonardM. Martin, C.Ss.R., “Ética em Pesquisa: umaPerspectiva Brasileira”. In: O Mundo da Saú-de, ano 26, n.º 26, janeiro-março de 2002,pp. 85-100.

Referências:

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3- Gottlieb S. Medical societies accusedof being beholden to the drugs industryBMJ 319 (20): 1321, 2001.

4- Schüklenk U. Protecting thevulnerable: testing times for clinical research

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5- Lorenzo C., Azevêdo E. Bioethicspublications in Brazil. A study of topicpreferences and tendences. Eubios Journalof International Bioethics. 8: 148-50, 1998.

6- Lorenzo C. Estudo da Atuação daBioética no Brasil e de sua Aplicabilidadea uma Realidade Brasileira. Dissertação deMestrado apresentada à Câmara de Pós-Graduação da UFBA.

7- Conseil de Recherches Médicales duCanada. Lignes Directrices Concernant laRecherche sur Sujets Humains, 1987.

8- Medical Research Council ofCanada, Natural Sciences and EngineeringResearch Council of Canada, SocialSciences and Humanities Research Councilof Canada. Ethical Conduct for ResearchInvolving Humans, 1998.

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Pesquisa

rofissionais da área de Saú-de, geneticistas, antropólo-

Acontece

P

Polêmica em BrasíliaPor Andrea Doré

Andrea Doré,jornalista, doutora emHistória e professorada UniversidadeFederal do Paraná(UFPR).

Desde o primeiro Congres-so, ocorrido em Amsterdam(Holanda, 1992) – e durante osseguintes, em Buenos Aires (Ar-gentina, 1994), San Francisco(EUA, 1996), Tóquio (Japão,1998) e Londres (Inglaterra,2000) –, as discussões vêm seintensificando, assim comocresce a sensação de poder daciência sobre a v ida. Estámarcada para novembro de2004, em Sidney, na Austrália,a realização do VII Congresso.Até lá, o progresso da pesquisacientífica de ponta fará com queoutros temas sejam incorpora-dos à pauta de debates; mas,considerando o encontro deBrasília como um termômetrodo pensamento e da tendênciada bioética mundial, os temasde interesse das populações dospaíses pobres ou em desenvol-vimento deverão estar efetiva-mente na ordem do dia. Ao co-locar sob o foco das atençõesas questões que o afetam dire-tamente, esse grupo deixa cla-ro que também quer participa-ção ativa nas decisões a respei-to do que deve ser prioritáriona agenda científica. A repro-dução assistida, por exemplo,está longe de ser um tema vitalpara países que precisam aindaconsolidar um modelo de aten-ção em Saúde Pública realmen-te eficaz e eficiente.

Foi neste sentido que oprofessor Volnei Garrafa, pre-

gos, sociólogos, filósofos, estu-dantes, representantes de usuá-rios de várias partes do mundo,sem contar os inúmeros perten-centes a outros segmentos e ca-tegorias. Esses foram os prota-gonistas do VI Congresso Mun-dial de Bioética, que aconteceuem Brasília (DF), entre os dias30 de outubro e 3 de novembrode 2002. As discussões e as pa-lestras se alojaram sob o guarda-chuva aberto a partir dos temascentrais – Bioética, Poder e In-justiça –, que sintetizaram a pre-ocupação manifestada nas prin-cipais conferências, algumas de-las com a participação de pensa-dores contemporâneos cujas tra-jetórias, para muitos, despertammanifestações de amor e ódio.

Na lista de polêmicas que fize-ram parte dos cinco dias figuramassuntos que há tempos deixaramo terreno exclusivo dos dicioná-rios específicos de estudiosos epassaram a fazer parte também dovocabulário das ruas. A clonagem,a eutanásia, a comercialização deórgãos, de genes e de células-tron-co, bem como a responsabilidadesocial da pesquisa científica frenteaos problemas cotidianos dos paí-ses do Hemisfério Sul, foram com-bustíveis de discussões apaixona-das que se originaram da semprecontroversa relação entre médicoe paciente, historicamente intocávele questionada pela bioética.

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sidente da Sociedade Brasilei-ra de Bioética e também doVI Congresso Mundial, de-fendeu logo na abertura doencontro a não-despolitizaçãodos conflitos morais. No dis-curso de boas-vindas aos par-t ic ipantes, e le apontou abioética de intervenção, quetambém chamou de “bioéticadura”, como um dos caminhosa serem seguidos para priorizaro investimento em pesquisas,em ciência e tecnologia, comotemas de interesse das socie-dades mais pobres. Para Gar-rafa, a atenção aos grupos ex-cluídos passaria ainda pela re-visão de conceitos como o deeqüidade, que, segundo suaopinião, não é o mesmo queigualdade. “Igualdade é aconseqüência desejada daeqüidade, sendo esta apenaso ponto de partida para aque-la. Ou seja, eqüidade é o re-conhecimento das diferençase a supressão das necessidadesdiversas dos sujeitos sociais, oque possibilita se alcançar aigualdade”, ressaltou. Ao fa-zer um balanço do encontro,afirmou que o grande méritoda reunião de Brasília foi terabordado temas relacionadosà exclusão social e comemo-rou o fato de que, conformepôde ouvir de outros partici-pantes, “a Saúde Pública en-trou na pauta internacional daBioética”.

O sanitarista e ex-senador ita-liano Giovanni Berlinguer tam-bém ocupou assento à mesa daspolêmicas ao deixar claro paraos participantes do Congressoque a Bioética deve estar atre-lada não apenas à pesquisa ci-entífica, mas à busca por umamelhor qualidade de vida. “Damesma forma que as descober-tas científicas podem esclarecernovos aspectos da vida, as re-flexões morais elaboradas nasfronteiras da ciência podem aju-dar a entender melhor e a mo-dificar nossa atitude em relaçãoaos seres humanos e a todos osorganismos vivos”, afirmou.

Os discursos de Berlinguer ede Garrafa se conectam à visãodo próprio Movimento da Re-forma Sanitária brasileira, que,desde seu surgimento – na dé-cada de 1960 – e durante o pro-cesso de criação do Sistema Úni-co de Saúde (SUS), procurouconstruir um modelo de aten-ção amparado na discussão polí-tica, democrática e intersetorialdas ações, objetivando, primor-dialmente, o estímulo à preven-ção e à promoção da Saúde. “Énecessário tornar visíveis a todosos países os benefícios da ciên-cia e da tecnologia, não apenasem assuntos como a reprodu-ção assistida, o transplante de ór-gãos, as mutações genéticas ouas células-tronco. Essa discussãodeve também abordar assuntosda vida cotidiana, como o meio

ambiente, a morte e o nasci-mento, a relação entre os gêne-ros, as doenças e o seu trata-mento”, um conjunto de ques-tões que, segundo Berlinguer,constroem a definição da cha-mada “bioética do cotidiano”(Everyday Bioethics).

A presença maciça de repre-sentantes da América Latina noCongresso contribuiu para quetemas considerados prioritáriospara os países em desenvolvi-mento dominassem alguns de-bates. Por exemplo, a questãoda ética das patentes foi abor-dada pelo argentino SalvadorBergel em relação ao genomahumano. Ele fez um alerta emtom grave: “a privatização daspesquisas afeta e compromete acirculação do conhecimento”,afirmou o cientista, que, dentreoutros pontos, mostrou-se con-trário ao patenteamento das eta-pas iniciais das pesquisas e favo-rável a que a pesquisa garanta odomínio público às seqüênciasgenéticas ou à totalidade dogene mapeado. Ampliando odebate sobre a influência do se-tor privado na condução daspesquisas científicas, cujo retor-no financeiro se dá em grandemedida por meio das patentes,a espanhola Adela Cortinaenfatizou a importância da éticana ação empresarial também nomundo da biotecnologia e dosmedicamentos. “O comporta-mento ético interessa tanto aos

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Pesquisa

pesquisadores quanto às empre-sas. Para estas, a ética se reverteem confiança, que assegura acompetitividade e seu lugar nomercado”, afirmou.

“Não se pode reduzir o ho-mem ao seu genoma”, afirmouo pesquisador Robert Naquet,presente a uma mesa-redondaque teve como tema a Bioética,as pesquisas genéticas e as im-plicações na saúde e na vida hu-mana. A pesquisa na área gené-tica, segundo ele, deve ter adupla função de aumentar oconhecimento sobre o genomae ao mesmo tempo proteger aprivacidade genômica dos indi-víduos. Essa responsabilidade,como destacou Ryuichi Ida, daUnesco, está ligada ao princípioda não-discriminação. No casodos indivíduos, por exemplo, oconhecimento e o acesso aosseus dados genéticos poderiamlevar à discriminação nas relaçõesde trabalho ou por empresas deseguros. Já na opinião do mexi-cano José Maria Cantú, o co-nhecimento do “socionoma” éo mais importante, em que ascaracterísticas sociais da coletivi-dade são identificadas e busca-se, a partir daí, a solução para asenfermidades da sociedade.

Alguns dos temas mais polê-micos do Congresso foram le-vantados pelo australiano PeterSinger, que buscou destacar, emsua conferência, os padrões éti-cos inerentes à prática da euta-

násia e do suicídio assistido, epelo alemão Dietmar Mieth, de-fensor do desenvolvimento daspesquisas em células-tronco e dadiferenciação entre a pessoa e oser humano, o que permitiria “ainstrumentalização do ser hu-mano em nome da pessoa”.

Avanços nas discussões dedeterminados assuntos, a in-clusão de outros na pautamundial da Bioética e as novasresponsabilidades do Brasilnessa área integram a avaliaçãoque participantes do VI Con-gresso Mundial de Bioética fa-zem do evento. Os resultadossão considerados positivos, as-sim como são promissores – oque não quer dizer fáceis – osdesdobramentos dos debateslevantados em Brasília. ParaJosé Eduardo Siqueira, profes-sor da Universidade Estadualde Londrina (UEL), “o temacentral do Congresso já foiuma vitória. ‘Bioética, Poder eInjustiça’ é algo que fala danossa realidade”. Apesar doenfoque dado a questões defronteira da genética, conse-guiu-se abrir uma nova linhade reflexão, que é a Bioéticavoltada para a injustiça e, nes-te sentido, “a marca deste Con-gresso é indelével”, afirmou.

Para Adela Cortina, especia-lista em ética nas empresas, opapel fundamental de um con-gresso como este é o de trazerà tona questões importantes

Para conhecer mais so-bre o pensamento mundialno campo da ciência, datecnologia e dos fundamen-tos da ética, as próximasedições de Cadernos de Éti-ca em Pesquisa trarão en-trevistas com conferencis-tas presentes no VI Con-gresso Mundial de Bioética,realizado em Brasília. En-tre eles estão a especia-lista em ética nas empre-sas, a professora espanho-la Adela Cortina; o médicosanitarista italiano GiovanniBerlinguer; e o professore pesquisador da Universi-dade Estadual de Londrina,José Eduardo Siqueira.

que, neste momento, de acor-do com ela, podem até ser con-sideradas utópicas. Cortina de-fende a necessidade urgente dese discutir questões polêmicas.“Não é possível que as indús-trias de fármacos sirvam ape-nas a uma camada da popula-ção, não é possível que este-jam manipulando pessoas vul-neráveis e desfavorecidas. Épreciso legislar sobre isso, épreciso mudar a mentalidade”,afirma em tom de alerta.

Membros da Comissão Nacio-nal de Ética em Pesquisa(CONEP) também avaliam deforma positiva a condução doCongresso. Aliás, o índice departicipação do grupo foi alto.Aconteceram várias apresenta-ções, inclusive uma mesa prin-cipal com participação do coor-denador da Comissão, WilliamSaad Hossne, que ajudaram adivulgar ainda mais a experiên-cia brasileira na implantação desistemas de acompanhamentode ética em pesquisa, comoexemplo de desafio para paísesem situação semelhante ao nos-so. “As normas internacionais,construídas com o intuito deproteção aos pesquisadores depaíses centrais em suas parceriascom os países em desenvolvi-mento, não alcançam necessa-riamente o conjunto de situa-ções e de interesses da popula-ção e dos pesquisadores nacio-nais”, acrescentou a secretária-

executiva da CONEP, CorinaBontempo de Freitas. Comoela, outros membros da Comis-são alertam para o longo traba-lho a ser feito a fim de que asquestões essenciais para paísescomo o Brasil ganhem força nosfóruns internacionais.

Neste contexto, o estímuloà participação do cidadão emdebates assim foi lembrado.Alejandra Rotania, represen-tante de usuários na CONEPe coordenadora de projetos daorganização não-governamen-tal “Ser Mulher – Centro deEstudos e Ação da Mulher Ur-bana e Rural”, observou a pre-sença pouco significativa da so-ciedade civil organizada, dasONGs, no encontro. “Os con-gressos ainda continuam com umviés forte na biomedicina, e ostemas sobre ecologia, meio am-biente e desenvolvimento foramreduzidos”, afirmou. Para ela,questões como globalização,direitos humanos, inclusão/exclusão social, políticas públi-cas em saúde no Brasil, confli-to de interesses em pesquisa,pesquisas em seres humanos,biodiversidade no Sul, bioéticanas profissões de saúde no Bra-sil, contextos culturais e vulne-rabilidade estiveram presentesnas mesas, conferências e ro-das de conversa, mas “ainda hámuito caminho a percorrerpara a consolidação de umabioética crítica que acolha a

complexidade dos países emdesenvolvimento, com aquelatensão entre o cotidiano e assituações de fronteira”.

Essa opinião é partilhada porElma Lourdes Campos PavoneZoboli, professora assistente doDepartamento de Enfermagemem Saúde Coletiva da USP e in-tegrante da CONEP. Na sua ava-liação, “as discussões enriquecidaspela diversidade de opiniões con-troversas focaram a assimetria depoder que ainda domina a aten-ção à saúde, além de contraporas novas formas de poder que tra-zem as biotecnologias com a cres-cente e injusta exclusão social”.

Cadernosde Ética em 23Pesquisa

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O VI Congresso Mundial de Bioética, rea-lizado em Brasília, de 30 de outubro a 3de novembro de 2002, contou com a pre-sença de 1.350 participantes de 62 paí-ses. Esses números representam um re-corde na história dos congressos debioética. O encontro realizado em Tóquio,em 1998, teve 550 inscritos e o de Lon-dres, no ano 2000, 670 participantes.Abordando um leque de temas bastanteamplo, foram realizadas em Brasília, alémdas sessões plenárias, 23 mesas redon-das, e apresentadas 228 comunicaçõesorais de temas livres e 130 pôsteres.

A presença de representantes de mais de60 países, durante o VI Congresso Mundialde Bioética, foi a oportunidade para que ou-tros eventos internacionais ligados à bioéticatambém ocorressem. Assim, eventos para-lelos tiveram lugar em Brasília, discutindoquestões específicas de cada segmento.

O IV Congresso Brasileiro de Bioética teveuma programação conjunta com o Congres-so Mundial, uma vez que este foi organiza-do pela Sociedade Brasileira de Bioética. OFórum Global de Bioética foi promovido pelaOPAS/OMS e teve a participação de repre-sentantes de mais de 50 países, discutin-

do a engenharia genética e suas implica-ções na vida humana.

A IV Conferência Internacional da FAB –Rede de Perspectivas Feministas para aBioética (Feminist Approaches of Bioethics)aconteceu nos dias 29 e 30 de outubro eabordou uma variedade de temas de inte-resse para as mulheres de todo o mundo,como a condição das portadoras de deficiên-cia, as doenças genéticas, o aborto por ano-malia fetal, os serviços públicos de saúdeda mulher e na perspectiva de gênero, asnovas tecnologias reprodutivas conceptivas,a contracepção, a esterilização, o consenti-mento informado, a doação de óvulos, den-tre outros. Foram discutidas especificidadese questões globais da Bioética Feminista empaíses como Estados Unidos, Argentina, Aus-trália, Suíça, Alemanha, Brasil e Índia. Já oII Encontro Luso-Brasileiro de Bioética ocor-reu nos dias que antecederam o CongressoMundial, e um dos temas discutidos foi oensino da Bioética. No mesmo período tevelugar o Encontro do Fórum Latino-America-no de Comitês de Ética em Pesquisa, quepossibilitou o debate sobre as diferentes rea-lidades vividas no continente e as formas deatuação dos comitês de ética.

Números recordes marcam o VI Congresso Mundial

Cadernos24 de Ética em

Pesquisa

Para Zoboli, porém, ficou claro,a partir da grande quantidade edo destacado nível dos trabalhosapresentados, que “o grande de-safio da Bioética atualmente é es-tender seu debate para abarcaras questões candentes, muitaspersistentes, da Saúde Pública e

das iniqüidades entre e nas po-pulações. Mas a empreitada daBioética não deve se resumir aum mero exercício discursivo quetenta compreender as razões dasdesigualdades e exclusões ou seesforça por interpretar os dilemasmorais que se apresentam em

nosso cotidiano, sua tarefa passapela intervenção e remodelaçãodas relações de poder e de distri-buição e acesso aos bens sociais,incluídos os serviços de saúde, afim de eliminar as desigualdadese promover a melhoria da saúdedas populações”.

agravamento da desigual-dade que caracteriza o país

Estado e sua relação com a socie-dade civil. É imperativo assumir atarefa de induzir o desenvolvimen-to de uma política de ciência etecnologia em saúde que contri-bua para a redução das desigual-dades, aumente a capacidadetecnológica do país para enfrentarseus problemas de saúde e quequalifique e amplie o estoque glo-bal de conhecimentos.

O VII Congresso Brasileiro deSaúde Coletiva será uma oportu-nidade ímpar para que as diversasdisciplinas e os diferentes atoresque se dedicam às questões da Saú-de Coletiva possam apresentar àsociedade brasileira o resultado deseu trabalho e de suas reflexões,contemplando o debate interna-cional sobre a Saúde. No planonacional, o ano de 2003 corres-ponde ao início de novos gover-nos nos âmbitos federal e esta-dual. A análise dos avanços e dosdesafios que devem ser enfrenta-dos para assegurar que o sistemade saúde brasileiro contribua paraa redução das desigualdades e parao fortalecimento da cidadania, per-mitindo o exercício universal eequânime do direito à saúde, étarefa à qual não podemos nos fur-tar. O evento reunirá docentes,pesquisadores, gestores, profissio-nais de saúde e todos aqueles in-teressados no debate, na reflexãoe no enfrentamento dos desafiosteóricos e práticos no campo daSaúde Coletiva.

A programação do Congres-

Acontece

ABRASCO promove congresso

Cadernosde Ética em 25Pesquisa

Onesta nova década impõe à socie-dade brasileira o aprofundamentodo debate em torno de suas de-terminações, seu impacto e seuenfrentamento. Nesse contexto, aABRASCO elegeu “Saúde, Justi-ça, Cidadania” como temas do VIICongresso Brasileiro de SaúdeColetiva, que se realizará noCampus da Universidade deBrasília (UnB), no Distrito Fede-ral, entre 29 de julho e 2 de agos-to de 2003.

Na opinião dos organizadores,são conhecidas as relações entreas condições de vida e o estadode saúde das populações, obje-tos de inúmeros estudos da áreade Saúde Coletiva, que corro-boram a determinação social dosprocessos saúde/doença. Dessaforma, a busca da eqüidade nascondições de vida e de saúde eno acesso e na utilização dos ser-viços, além da garantia de aten-ção integral e resolutiva, deve fa-zer parte da agenda dos estadosdemocráticos.

Para o presidente da ABRASCO,o professor José Carvalho Noro-nha, um dos membros do Con-selho Nacional de Saúde, reformase ajustes têm sido aplicados comoalternativas ao modelo de bem-es-tar social, e impõe-se compreen-der as mudanças na organização eas funções do Estado, em particu-lar na área da Saúde, bem comoanalisar os processos de reforma do

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Inscrições prévias para o VII Congresso Brasileiro deSaúde Coletiva serão aceitas até o dia 20 de julho de2003. Após essa data, as inscrições somente pode-rão ser efetuadas no local do evento, a partir do dia28 de julho de 2003, entre 10 e 18 horas.

Os valores das taxas são diferenciados entre estudantesde graduação, sócios e não-sócios e oscilam entre R$ 50,00e R$ 325,00, sendo que as instituições (secretarias desaúde, institutos, faculdades, dentre outras) que forem rea-lizar pagamento de inscrição por nota de empenho, ou seja,garantir o pagamento da inscrição dos congressistas a elasvinculados, deverão entrar em contato com a Abrasco pe-los telefones (21) 2560-8699, (21) 2560-8403 e (21)2598-2527 ou pelos e-mails [email protected] [email protected].

Quem estiver interessado em outras informações pode obtê-las por meio do site: www.congressosaudecoletiva.com.br.

Para saber mais

Cadernos26 de Ética em

Pesquisa

so foi construída de modo a con-templar as diversas dimensões dotemário central, enfatizando ques-tões consideradas prioritárias àagenda nacional de pesquisa. En-tre os temas colocados em deba-te estão: “A Reforma Sanitária eo SUS: Uma Agenda Concluída”;“Saúde das Populações e Prote-ção Social na América Latina”;“Trabalho em Saúde – Da Flexi-bilização à Precarização das Rela-ções de Trabalho”; “Paz e a Re-solução Não-Violenta dos Con-flitos”; “Alma-Ata 25 Anos De-pois: Os Direitos Humanos e oDireito à Saúde”; “Construindoo Estado de Bem-Estar na Perife-ria do Capitalismo”; e “Em Bus-ca dos Objetivos do Milênio: De-senvolvimento e Erradicação daPobreza e da Fome”.

Também farão parte das ativi-dades conferências, grandes de-bates, palestras, painéis, coló-quios, comunicações coordena-das, exposições de pôsteres e ses-sões especiais de vídeos, decor-rentes de trabalhos e pesquisas.No período pré-congresso (dias29 e 30 de julho de 2003), se-rão realizados cursos e oficinas, a

serem divulgados oportunamen-te. Em sua sétima edição, o Con-gresso Brasileiro de Saúde Cole-tiva contabilizou mais de 6 miltrabalhos, dentre inscritos pelainternet e enviados pelo correio.Outra novidade é que neste ano,além de um espaço voltado à di-vulgação de programas, projetos

e experiências inovadoras desen-volvidas no setor, denominado“Feira da Saúde”, também acon-tecerá a IV Mostra Nacional deVídeos em Saúde – a “IV Vídeo-Saúde”, organizada pelo Centrode Informação Científica eTecnológica do Departamentode Comunicação e Saúde.

epois de quase um ano dedesenvolvimento e testes,

Ferramenta na internet

Novidade

Cadernosde Ética em 27Pesquisa

D Brasília, ela teve a oportunidadede explicar o funcionamento dosistema para representantes de vá-rios países, pontuando, dessa for-ma, os avanços nacionais na área.

Numa mesa redonda sobre otema “A ética em pesquisa nospaíses em desenvolvimento”, asexperiências brasileiras envolven-do a CONEP e os CEPs, bemcomo o SISNEP, foram temas dedebates. Objetivamente, segun-do Corina Bontempo, o SISNEPpermite divulgar uma listagem dosprojetos aprovados pelos comitêsde ética, a fim de que sujeitos depesquisas e outros interessadospossam consultar e acompanharse determinado projeto está pron-to ou não para ser realizado. Oobjetivo maior é contar com a aju-da de um novo instrumento noesforço para preservar os direitosdos sujeitos de pesquisa.

Desenvolvido com o apoio doDepartamento de Informática doMinistério da Saúde (DATASUS),

o SISNEP objetiva disponibilizarinformações via internet sobre pes-quisas envolvendo seres humanose traz, como principais vantagens,a agilidade no envio e no recebi-mento de dados, a transparêncianas ações e o acesso fácil, a custozero, para os pesquisadores e apopulação. Com o SISNEPpretende-se estimular a participa-ção popular e o controle social –por meio de setores organizadosda sociedade civil – das pesquisasenvolvendo seres humanos.

O SISNEP é um projeto anti-go da CONEP, que busca, como envolvimento dos CEPs, dospesquisadores e dos própriosusuários das pesquisas, facilitar oregistro das pesquisas envolven-do seres humanos e orientar atramitação de cada processo, paraque todos sejam submetidos àapreciação ética antes de seu iní-cio. Pela forma como foi conce-bido, integrará o sistema de avali-ação ética das pesquisas no Brasil

o Sistema Nacional de Informa-ções em Ética em Pesquisa(SISNEP) – um dos instrumen-tos mais modernos criados nopaís para o acompanhamento daspesquisas envolvendo seres hu-manos – está quase pronto paraser disponibilizado para o usoda comunidade científica (pes-quisadores, usuários e todos osinteressados no andamento deestudos nesse campo realizadosno Brasil). No momento, oSISNEP passa por uma fase devalidação junto a 11 CEPs queestão tendo suas contribuiçõesincorporadas com o intuito deaperfeiçoá-lo (ver quadro aolado). Entre julho de 2002 e abrilde 2003 cerca de 2.500 projetosforam cadastrados por essas uni-dades via SISNEP, número que àprimeira vista pode parecer peque-no, mas que deve ser relativadodiante da entrada escalonada des-ses comitês no grupo de valida-ção. Desenvolvido pela Comis-são Nacional de Ética em Pes-quisa (CONEP), o SISNEP re-presenta “acesso à informaçãopara os CEPs, para os pesquisa-dores, para a CONEP e para apopulação em geral”, afirmaCorina Bontempo de Freitas, se-cretária-executiva do grupo, vin-culado ao plenário do Conse-lho Nacional de Saúde (CNS).Durante o VI Congresso Mun-dial de Bioética, realizado em

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UF ComitêDF Faculdade de Ciências da Saúde - UnB - Univ. de BrasíliaMG Santa Casa de Misericórdia - Belo Horizonte MGRJ FIOCRUZ - Fundação Oswaldo CruzRJ Instituto Fernandes Figueira - IFF - Fundação Oswaldo CruzRJ Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - IPEC - FIOCRUZRS CEP-ISCMPA - Irmandade da Sta. Casa de Misericórdia

de Porto AlegreRS Escola de Saúde Pública de Porto Alegre - RSRS Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA - POA - RSRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRSSP HCFMRPUSP - Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto da Univ. de São PauloSP HCFMUSP - Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina da Univ. de São Paulo

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Cadernos28 de Ética em

Pesquisa

e propiciará a formação de umbanco de dados nacional, além deagilizar a tramitação e facilitar aospesquisadores o acompanhamen-to da situação de seus projetos.Do ponto de vista dos comitêsde ética, o SISNEP pode ofere-cer dados para a melhoria do sis-tema de apreciação ética das pes-quisas e para o desenvolvimentode políticas públicas nessa área. Apopulação, por sua vez – especi-almente os participantes nas pes-quisas –, ganha condições de ob-ter informações seguras quanto àaprovação ética do protocolo.

O funcionamento é simples edesenhado de modo a evitar con-fusões. Todo projeto registradono SISNEP – que pode ser feitopor meio do seguinte endereçoeletrônico www.sisnep.gov.br e en-tregue ao CEP responsável peloacompanhamento da pesquisa –receberá um número que corres-ponde ao Certificado de Apre-sentação para Apreciação Ética(CAAE) e é a referência do pro-jeto tanto nos âmbitos doSISNEP como nos do CEP e daCONEP. Da mesma forma, portal número o projeto será identi-ficado em revistas de publicaçãocientífica e em congressos. OCAAE significa um respaldo parao pesquisador, demonstrandoque apresentou seu projeto paraaprovação ética, e também umasegurança para as pessoas envol-vidas na pesquisa.

Feito o cadastramento, o pes-quisador pode acompanhar o an-

1. Todo projeto registrado no SISNEP receberá um número: o Cer-tificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE). Ele é oidentificador do projeto em todos os níveis:

- no SISNEP;- no CEP;- na CONEP; e- inclusive nas revistas de publicação científica e em congressos.

2. As informações a pesquisadores e CEPs dependerão de cadastroe de senha individual, o que garantirá a segurança das informações.

3. As informações ao público serão disponibilizadas diretamente,e os projetos aprovados serão listados da seguinte maneira:

- pelo título;- pelo nome da instituição onde serão realizados;- pelo nome da instituição por meio da qual serão recrutadosos sujeitos da pesquisa; e

- pelo número do CAAE.

3 dicas para entender o SISNEP

damento dos projetos de pesqui-sa via SISNEP. Basta entrar nosite www.sisnep.gov.br a fim deobter as informações desejadas.Para o público, os projetos deestudos aprovados pelos CEPs epela CONEP são listados pelo tí-tulo, pelo nome da instituição naqual serão realizados ou, no casode pesquisa na comunidade, emnome de qual instituição os su-jeitos da pesquisa são ou serãorecrutados. Da mesma forma, arelação também usa o númerodo CAAE.

Uma recomendação da Secreta-ria-Executiva da Comissão Nacio-nal de Ética em Pesquisa é a de

que todos os projetos de pesqui-sa sejam registrados pelo menostrês meses antes da data previstapara o seu início. “O ideal, porém,é que o registro ocorra quatromeses antes, pois a regulamenta-ção prevê 30 dias para a respostado CEP e 60 dias para a respostada CONEP, quando o projeto forde área temática especial”, alertaCorina Bontempo, que, juntocom o analista Marcelo Arício, éresponsável pelo desenvolvimen-to do SISNEP. Ela acredita que aimplantação deste mecanismo fa-cilitará o cumprimento da Resolu-ção n.º 196/96, do ConselhoNacional de Saúde.

ma das características maisimportantes dos Comitês de

parcialidade na apreciação dos pro-jetos, o que pode ser obtido ten-do mais de um parecer para cadaprojeto. A leitura crítica dos doispareceres, por si só, orienta a dis-cussão sobre os diferentes aspec-tos avaliados.

Esta independência pode sercomprometida por diferentes fa-tores, tais como pressões dos pes-quisadores e das próprias insti-tuições, envolvimento acadêmi-co, profissional ou financeiro como projeto em avaliação e outroseventuais conflitos de interesse.

Os dirigentes da instituição de-vem garantir ao coordenador doCEP, assim como a todos os seusmembros, o apoio para as suasações. Existem inúmeros exemplosde situações em que houve umclaro conflito de interesses entre aqualidade do projeto de pesquisae o volume de recursos a seremcarreados para a instituição. Nessecaso, o CEP deve ter o respaldoda instituição para, independente-mente de qualquer pressão, tomar

a decisão mais adequada.Outro ponto importante é a

não-participação do membro doCEP na avaliação de projetos comos quais tenha envolvimento di-reto ou indireto. A não-participa-ção envolve todo o processo deavaliação, incluindo a elaboração ea discussão de pareceres, assimcomo a deliberação sobre o proje-to de pesquisa.

Deve existir um comprometi-mento recíproco entre os pesqui-sadores e os membros do CEP emgarantir a preservação das informa-ções contidas no projeto de pes-quisa e decorrentes do seu pro-cesso de avaliação. Os membros doCEP não podem utilizar as infor-mações privilegiadas a que tiveramacesso para qualquer outro fim quenão o de avaliar o próprio projetode pesquisa. A confidência tam-bém garante a independência doCEP, pois as decisões devem serrealmente assumidas como cole-tivas e não personalizadas, porexemplo, na figura do parecerista.

Independência em questão

Themis Reverbel daSilveira

Coordenadora do CEPdo Hospital de Clínicas

de Porto Alegre (HCPA).

Márcia MocellinRaymundo

Membro do CEPda Universidade Federal

do Rio Grande do Sul(UFRGS).

José Roberto GoldimMembro dos CEPs doHCPA, da UFRGS e da

PUCRS.

Em debate

Cadernosde Ética em 29Pesquisa

UÉtica em Pesquisa (CEP) é a suaindependência para tomar decisõescom o objetivo de garantir a pro-teção dos sujeitos de pesquisa, dopróprio pesquisador, dos trabalha-dores envolvidos e da sociedadecomo um todo. Isso está previstona Resolução n.º 196/96, em seuitem VII. 12, que estabelece a li-berdade de trabalho como um dosrequisitos para o funcionamentoadequado do CEP.

A garantia da independência dofuncionamento do CEP está con-dicionada à postura de assumirsuas deliberações e seus pareceresde forma coletiva. Os pareceres sãoelaborados por membros indivi-duais do CEP, mas, após teremsido apresentados e discutidos emreunião, devem ser acolhidoscomo uma posição da totalidadedo CEP, descaracterizando a apre-ciação individual. Tal independên-cia deve garantir, também, a im-

O funcionamento de um Co-mitê de Ética no interior deuma instituição de pesquisapressupõe uma relação quepermita a mais isenta e cui-dadosa apreciação dos pro-jetos a serem desenvolvidos.O amplo acesso à informa-ção e a total liberdade nasavaliações são, assim, con-

dições essenciais para o tra-balho de um CEP.

Tendo em vista este cená-rio ideal frente às diferentesrealidades vividas pelosCEPs em todo o Brasil, algu-mas questões se apresen-tam: em que medida osCEPs são independentes nassuas avaliações?; como as-

segurar a independência doCEP em relação à instituiçãoà qual está vinculado?; queaspectos podem ser consi-derados como fundamentaispara evitar a interferênciada instituição na atuação doCEP? Essas questões são otema dos dois artigos reuni-dos nesta seção.

Liberdade no trabalho de pesquisaPor Themis Reverbel da Silveira, Márcia Mocellin Raymundo e José Roberto Goldim

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Condição de análise de pesquisa

Hillegonda MariaDutilh NovaesMembro da Comissãode Éticapara Análise deProjetosde Pesquisa do

HCFMUSP – CAPPesq.

O reconhecimento social danecessidade de análise e julga-mento dos projetos de pesquisaque envolvem sujeitos humanos,quanto à sua adequação às di-retrizes éticas e às normas le-gais, constituiu-se a base para aimplantação dos Comitês de Éti-ca, internacional e nacionalmen-te. Um dos aspectos mais valo-rizados na adequação dos pro-jetos de pesquisa, do ponto devista ético, é a garantia de quesejam dadas ao sujeito da pes-quisa plenas condições para ojulgamento “livre e esclarecido”sobre esta e para o consenti-mento, ou não, em participardela. Ou seja, a necessidade dorespeito ao exercício da liber-dade e da autonomia individu-al, enquanto parte da constru-ção de uma sociedade capaz dearticular os interesses individu-ais e o bem comum, um dosvalores nucleares nas socieda-des modernas ocidentais, seconstitui um dos fundamentospara a ética na pesquisa.

Tais considerações buscamfundamentar a necessidade dagarantia de liberdade e autono-mia também no julgamento dosprojetos de pesquisa pelos Co-mitês de Ética. A garantia deve

ser construída por meio de di-ferentes mecanismos:

1) O CEP deve estar deacordo com o recomendadopela CONEP, no que diz res-peito aos aspectos legais e fun-cionais, e deve ser reconhecidopela instituição à qual se vincu-la como seu representante legí-timo para as questões de éticaem pesquisa;

2) Os membros do CEPdevem ser indicados de acordocom critérios de transparênciainstitucional e devem estar cons-cientes e preparados para assu-mir a responsabilidade da fun-ção que exercerão;

3) A indicação dos relatorespara os projetos deverá ser fei-ta de acordo com critérios co-nhecidos tanto pelos membrosdo CEP quanto pela comunida-de da instituição na qual esta seinsere;

4) Devem existir níveis deanálise e decisão claramente es-tabelecidos sobre o conteúdodos pareceres (por exemplo:relator – câmara – plenário),pois tal existência permite umaprogressiva inserção dos pare-ceres nos padrões de julgamen-to desenvolvidos no CEP, para

tipos específicos de projetos depesquisa e adequação às normaslegais;

5) Devem existir mecanis-mos claramente estabelecidospara revisão de pareceres, quan-do isso for considerado neces-sário em alguma instância. Umdos mecanismos mais viáveis é aindicação, pelo plenário, de no-vos relatores, internos ou exter-nos ao CEP ou à instituição;

6) Uma vez aprovado o pa-recer e esgotados os recursospossíveis, a Coordenação doCEP e a instituição devem res-peitar a decisão. Esta será doCEP e não de relatores indivi-duais, e o sigilo quanto à auto-ria do parecer deverá ser garan-tido e preservado.

A existência de tais condiçõese procedimentos é, do meuponto de vista, necessária à ga-rantia de independência e isen-ção na análise dos projetos nosComitês de Ética em Pesqui-sa. Não acredito que as condi-ções e os procedimentos sejamsuficientes para a garantia ab-soluta da ausência de proble-mas, mas permitirão que osproblemas possam ser identifi-cados e corrigidos.

Dessa forma, a independência doCEP também se associa à preser-vação das informações.

Mais do que simples confli-tos de interesses, o importanteé considerar os eventuais con-

flitos de direitos e deveres as-sociados ao adequado funcio-namento do CEP.

Por Hillegonda Maria Dutilh Novaes

Cadernos30 de Ética em

Pesquisa

CONEP na Internet:http://conselho.saude.gov.br

TITULARES:César Jacoby (Biólogo/Médico –Departamento de Ciência e Tecnologiaem Saúde/SPS/MS), EdnilzaPereira de Farias Dias (Farm./Bioquímica Centro de AssistênciaToxicológica/UFPB), Elma Zoboli(Enfermeira – Faculdade Integrada SãoCamilo/SP – Faculdade deEnfermagem/USP), Gabriel Oselka(Médico Pediatra - HCFMUSP),Jorge Beloqui (Matemático – USP– Representante de Usuários –Integrante do Grupo de Incentivo àVida - GIV), Leonard MichaelMartin (Teólogo – Instituto deFilosofia Moral do Ceará – UFCE eUECE), Marco Segre (Médico – Prof.Med. Legal e Bioética/HCFMUSP –Pres. Sociedade Brasileira de Bioética),Sueli Gandolfi Dallari (Jurista –Faculdade de Saúde Pública da USP),Susie Dutra (Psicóloga Clínica –Hemominas/BH), Teresinha RöhrigZanchi (Odontóloga – Uni-versidadeFederal de Santa Maria/RS), VolneiGarrafa (Odontólogo – Núcleo deEstudos e Pesquisas em Bioética –UnB-DF), William Saad Hossne(Médico – Faculdade de Medicina/UNESP/Botucatu – Conselheiro doCNS – Coordenador da ComissãoNacional de Ética em Pesquisa) eWladimir Queiroz (Médico – Institutode Infectologia Emílio Ribas/SP).

Cadernos de Ética em Pesquisa –Nº 11 – Junho de 2003 – Publica-ção da Comissão Nacional de Éticaem Pesquisa – Conselho Nacional deSaúde – CNS/MS

Conselho EditorialWilliam Saad HossneCorina Bontempo de FreitasAlejandra RotaniaLeonard MartinFrancisco das Chagas Lima e SilvaMário Scheffer

Participação Abrasco – Associação Brasileira dePós Graduação em Saúde Coletiva. Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. UNDCP – Programa das NaçõesUnidas Para o Controle Internacio-nal de Drogas. OPAS/OMS – Organização Pan-Americana da Saúde/OrganizaçãoMundial da Saúde.

EdiçãoPaulo Henrique de SouzaConsultoria TécnicaCorina Bontempo de FreitasRedaçãoAndrea DoréRevisãoPaulo Henrique de Castro

IlustraçõesLui RodriguesDiagramaçãoDual Design GráficoFotolito e ImpressãoGráfica Relevo LtdaTiragem5.000 exemplares

SUPLENTESAlejandra Rotania (Representantedos Usuários – Integrante doCentro de Estudos e Ação daMulher Urbana e Rural SerMulher/RJ), Carlos Fernando deMagalhães Fran-cisconi (MédicoGastroenterologista – HCPA/UFRGS), Edvaldo Dias CarvalhoJúnior (Médico/Advogado –Departamento de Ciência eTecnologia em Saúde/SPS/MS),Dirce Guilhem de Matos (Enfer-meira – Faculdade de Ciências daSaúde/UnB/DF) , Francisco dasChagas Lima e Silva (Médico –Santa Casa de Belo Horizonte),Helmut Tropmair (Geógrafo – Inst.de Urologia e Nefrologia de RioClaro/ SP), João Yunes (MédicoPediatra – Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras de RibeirãoPreto/USP), Leocir Pessini(Teólogo – Inst. Bras. Controle deCâncer – Fac. Integradas SãoCamilo/SP), Maria Liz Cunha deOliveira (Enfermeira – SES/DF),Oscar José Hue de Carvalho(Jurista – Hospital Pró-Cardíaco/PROCEP – RJ), Paulo AntônioCarvalho Fortes (Médico – Fac. deSaúde Públ ica/USP), RubensAugusto Brasil Silvado (MédicoCirurgião – Faculdade de Medicinade Marília/ SP) e Sônia Vieira(Bioestatística – Unicastelo/SP).

INTEGRANTES DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISAConforme Resolução 246 do CNS, de 03/07/97

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde -Esplanada dos Ministérios - Bloco G - sala 421S - CEP 70058-900 - Brasília - DFFone (61) 315-2951 / Fax: (61) 226-6453e-mail: [email protected]

ExpedienteISSN 1677-4272

CNSSecretária executiva: Eliane Aparecida Cruz

CONEPCoordenador: William Saad Hossne

Secretária executiva: Corina Bontempo de FreitasAssessoras: Geisha B. Gonçalves e Mirian de Oliveira Lobo