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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Indício INDÍCIO O signo que persiste Isabel da Silva Sousa Madureira de Andrade Dissertação Mestrado em Pintura Dissertação orientada pela Professora Doutora Isabel Sabino 2017

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

Indício

INDÍCIO

O signo que persiste

Isabel da Silva Sousa Madureira de Andrade

Dissertação

Mestrado em Pintura

Dissertação orientada pela Professora Doutora Isabel Sabino

2017

1

DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Isabel da Silva Sousa Madureira de Andrade, declaro que a presente dissertação de Mestrado

intitulada ‘‘Indício: O signo que persiste’’ é o resultado da minha investigação pessoal e

independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas

na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou

indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

Isabel Madureira Andrade

Lisboa, 31 de Outubro de 2017

2

RESUMO

Partindo de uma prática pessoal de desenho e de pintura na qual se verifica a

transposição de objetos comuns para o atelier enquanto matrizes mediadoras na

produção de imagens, inicia-se uma reflexão sobre o conceito de „apropriação‟ dentro

do contexto artístico. Atendendo ao vínculo desta temática com o objeto readymade

(Marcel Duchamp, 1887-1968) e com a técnica da frottage (Max Ernst, 1891-1976),

propõe-se o modo como estas inovações de índole Surrealista (c. 1920) permitiram - em

possível consonância com o meu processo criativo - uma reconsideração dos sentidos

habituais atribuídos ao meio físico envolvente.

Num segundo momento, este estudo sublinha a importância da relação física que

é estabelecida entre um dado referente matricial e o registo gráfico através dele obtido.

Explora-se a noção de „indício‟ conforme proposta por Rosalind Krauss (1941-).

No terceiro capítulo, é examinado o papel da geometria como tendência na

produção artística, em consequência da minha investigação plástica da imagem: pinturas

e desenhos que manifestam a presença de grelhas. Este capítulo procura entender a

propensão para a elaboração de sistemas pelo ser humano de acordo com Peter Halley

(1953-), Rosalind Krauss, e Margaret Wheatley (1944-). Paralelamente, analisa-se o

conceito de caos nas suas diferentes acepções. Coloca-se a hipótese deste factor permitir

um equilíbrio interno relativamente à própria obra ao articular-se, de modo contínuo e

inevitável, com o sentido de ordem a que remetem tanto as imagens quanto o processo

da sua criação no âmbito do meu projeto prático.

Palavras-Chave: pintura, desenho, matriz, indício, geometria

3

ABSTRACT

Starting from a personal practice of drawing and painting in which the

transposition of common objects to the studio as mediating matrices in the production of

images takes place, a reflection begins on the concept of 'appropriation' within the

artistic context. Given the link between this theme and that of the readymade object

(Marcel Duchamp, 1887-1968) and the frottage technique (Max Ernst, 1891-1976), it is

proposed how these Surrealistic procedures (c. 1920) – in line with my personal project

– promote a reconsideration of the usual meanings attributed to the surrounding

physical environment.

Secondly, this study stresses the importance of the physical relationship that is

established between a given matrix and the graphic record or design obtained through it.

The notion of „index‟ as proposed by Rosalind Krauss (1941-) is explored.

The third chapter examines the role of geometry as a trend in artistic

production as a consequence of my plastic investigation of the image: paintings and

drawings that show the presence of grids. This chapter seeks to understand the

propensity for the elaboration of systems by the human being according to Peter Halley

(1953-), Rosalind Krauss, and Margaret Wheatley (1944-). Concurrently, the concept of

„chaos‟ is analyzed in its different meanings. The hypothesis is that it allows an internal

balance in relation to the work of art itself by articulating - in a continuous and

inevitable way - the sense of order to which both the images and the process of their

construction refer in the context of my practical work.

Keywords: painting; drawing; matrix; index; geometry

4

Agradecimentos

À professora Isabel Sabino, pela pronta disponibilidade com que recebeu e

acompanhou este projeto, bem como pelo sentido de liberdade que propiciou o seu

natural desenvolvimento.

À Simone e à Vera, pela sua amizade.

Ao Miguel, pelo seu apoio inestimável não só mas também neste percurso.

5

Índice

Introdução 6

1. Apropriação

1.1. De onde começar 10

1.2. Gesto inicial 12

1.3. Objeto readymade 14

1.4. Objeto perturbado 17

2. Indício

2.1. Fenómenos de significação 23

2.2. Registo fotográfico 27

2.3. Cliché verre 31

2.4. Constatar o invisível 34

2.5. Considerações sobre o Indício 37

3. Sistema dominante

3.1. Geometria como tendência 40

3.2. A grelha 41

3.3. Sistemas de auto-organização na Natureza 44

3.4. Ordem e caos: em diálogo 48

4. Considerações finais 70

5. Referências 72

6

Introdução

A presente investigação de Mestrado teórico-prática centra-se no desenvolvimento das

motivações que estão na origem do meu projeto artístico. Como tal, torna-se

fundamental apresentar os princípios que o orientam.

Elementos apropriados, dentre os quais objetos comuns - alguns procurados, outros

encontrados - escapam ao seu propósito original e perdem a sua identidade para serem

incorporados na prática de atelier como matrizes mediadoras na produção de imagens.

Esses objetos manifestam essencialmente uma ordem particular a si próprios,

simultaneamente alusiva aos padrões de organização que vemos no mundo. Remetem à

presença da geometria que qualquer pessoa pode confirmar ao simplesmente olhar em

volta - na construção das cidades, na teia de aranha, no floco de neve - mas também ao

sistema de ordenação rítmica que influi através do relógio, do calendário, do gráfico. É

essa a promessa da matriz, potência de forma e princípio de regularidade. Os desenhos

concebidos, por sua vez, cumprem-na pois também eles apresentam uma ordem

particular a si próprios, simultaneamente alusiva aos padrões de organização que vemos

no mundo. Porém, sustentam ainda que tal ordem existe não em contraste, mas em

diálogo com o seu oposto: o caos inaugurado pela mancha de óleo negro adentro da

pura superfície branca do papel. Desta dicotomia resulta uma série de sugestões e

variações plásticas que ocorrem espontaneamente e que indicam a capacidade de

transformar a natureza de um sistema dominante ao trabalhar, precisamente, através

dele.

É da relação física entre a matriz e a marca através dela produzida sobre o suporte que o

termo indício se faz notar. São páginas que, por um lado, ostentam a forma de uma

presença anterior e, por outro, insinuam a ausência daquilo que lhes é origem. Surge o

Desenho como uma impressão ou transferência do real; um traço (…) conectado a essa

coisa no mundo à qual se refere de um modo paralelo àquele de impressões digitais ou

pegadas ou anéis de água que os copos de vidro gelados deixam nas mesas.1

1 Rosalind Krauss – The photographic conditions of Surrealism, 1981, p.26.

7

Enunciado o circuito no qual se insere esta investigação, subdivide-se o seu

desenvolvimento da seguinte forma:

No 1º. capítulo – Apropriação apresenta-se a consolidação teórica das afinidades

reconhecidas entre a estratégia da apropriação e a atividade prática a que me tenho

dedicado. Para isso toma-se como referência o livro Appropriation – Documents of

Contemporary Art (David Evans, 2009) e inicia-se uma breve abordagem da definição

do termo em questão nas suas diferentes tipologias e categorizações, especificamente

dentro do contexto artístico. Como tal, consideram-se os dois momentos paradigmáticos

que contribuíram decisivamente para a legitimação deste procedimento, sendo eles: A

primeira forma de apropriação plástica, através do gesto inicial da Colagem pelos seus

cultores Pablo Picasso (1881 – 1973) e Georges Braque (1882-1963) e a integração do

objeto pré-existente no âmbito da prática artística, por Marcel Duchamp (1887-1968).

De seguida, atendendo à inclusão de elementos do mundo exterior como veículo

promotor da expansão das faculdades da imaginação, e, por conseguinte, do meu

trabalho elaborado em atelier, alude-se à importância do pensamento Surrealista

(c.1920) por se ter dedicado especificamente em desafiar a intersecção do sujeito

criador com o ambiente físico que o rodeia através da apologia da sua perceção interior.

Esta abordagem conflui na referência à invenção da técnica da frottage em 1925, por

Max Ernst (1891-1976). Este caso artístico revela-se de grande importância para a

solidificação das ideias primeiramente apresentadas: a partir deste momento não só se

estabelece a técnica da frottage como paradigma do ato de apropriação - considerando

os espaços e objetos mundanos pelo artista utilizados na produção dos seus desenhos -

como a própria marca gráfica produzida sobre o papel induz à introdução do capítulo

seguinte.

No 2º capítulo – Indícios, o texto dirige-se àquilo que se considera o culminar do

pensamento subjacente à vertente prática que motiva esta investigação: a ideia de

indício é assumida perante as marcas gráficas que se dão a ver nos desenhos produzidos,

resultantes da interacção entre a matriz, o suporte e a tinta de óleo. Importante

contribuição para o desenvolvimento desta ideia é o ensaio de Rosalind Krauss (1941-)

Notes on the Index: Seventies Art in America (1977) por permitir um maior

entendimento da função do indício na arte do presente, do modo como opera para

substituir o registo da pura presença física na linguagem estética. A análise do referido

8

ensaio leva pois à consideração de dois casos de estudo suscitados por autores de

reconhecido mérito e que espero contribuírem para melhor elucidar a noção de indício

no encadeamento com o meu projeto prático: A invenção do desenho fotogénico em

1834 por Henry Fox Talbot (1800-1877) - genericamente conhecida a sua designação de

fotograma ou rayograph - e o conceito de invisibilidade que a artista brasileira Anna

Maria Maiolino (1942-) patenteia na sua obra escultórica.

No 3º capítulo – Sistema dominante, atendendo à atração por formas geométricas

contidas nos elementos de que me aproprio e segundo os quais opero na produção de

imagens, é merecedor de atenção o ensaio The Crisis in Geometry (1984) por Peter

Halley (1953-). Aborda-se principalmente a sua análise crítica da geometria como

tendência nas artes visuais e o possível motivo que, de acordo com o autor, em grande

medida contribuiu para o seu desenvolvimento: o sistema de estruturas existente dentro

das organizações urbanas e edificado sobretudo a partir da era industrial, conforme

proposto por Michel Foucault na sua obra Discipline and Punish.

Em consonância com Halley, Rosalind Krauss identifica a existência de uma estrutura

omnipresente na prática artística a partir do Modernismo: a grelha. O princípio de

regularidade segundo o qual um elemento formal se repete de um modo constante ou

previsível no contexto da produção criativa é por si examinado como impedimento ao

desenvolvimento e à originalidade tanto do autor como da respetiva obra. O estudo

desta ideia é apoiado pela leitura dos ensaios: The originality of the Avant-Garde and

other modernist myths (1986) e Grids (1979).

Procurando ainda entender de um modo mais aprofundado a propensão para a

elaboração de sistemas pelo ser humano, realiza-se um estudo do texto The unplaned

organization: Learning from Nature’s emergent creativity (2007) por Margaret

Wheatley (1944-). Nele, a autora expõe a intrínseca capacidade de auto-organização dos

compostos vivos no contexto da biodiversidade, sustentando a sua ideia através da

descrição concisa de uma reação química denominada Belousov-Zhabotinsky (B-Z).

Esta última revela-se, a nível biológico, como modelo progenitor da criação de padrões

na Natureza.

9

Contribui para o objetivo deste capítulo a divergência entre os conceitos de estrutura e

espontaneidade, considerando-se a sua relação implícita na prática criativa através da

dualidade ordem e caos, tão dignificada na obra da artista Eva Hesse (1936-1970).

Finalmente, a dissertação é consolidada apenas através dos trabalhos práticos

produzidos que serão apresentados por via de imagem fotográfica.

Salienta-se ainda o facto das citações presentes neste documento serem por mim

traduzidas de modo a conferir uma leitura regular do texto.

10

1. Apropriação

1.1. De onde começar

A construção do meu discurso plástico encontra a sua origem na experiência elementar

de ver e de estar no mundo: Por existir, apreendo aquilo que me rodeia, observando todo

o seu leque de sentidos de modo a articular hipóteses segundo as quais conceber a

minha atividade artística. Para isso, recorro ao gesto de apropriação daquilo que me é

exterior, podendo esta ação ser de natureza física, visual, verbal ou mental, consciente

ou não. Nesse processo, a minha perceção é informada por um sentido de ordem

inevitável e em tudo presente. Esta ordem revela-se naqueles elementos do mundo de

que me aproprio e que reformulo, de modo a explorar o seu potencial de significação. A

fim de melhor dar a compreender estas premissas, que serão o guia do próprio texto,

passo a apurar o seu sentido.

Em 2012, mais concretamente no segundo ano da Licenciatura em Pintura que concluí

nesta instituição, realizei um trabalho que partiu da escolha de uma imagem – que

ocupava na altura o seu lugar no meio da confusa diversidade de material espalhado

pela mesa e pelo chão do atelier – e pela qual me senti atraída. A essa imagem sobrepus

uma folha de acetato e, tirando partido da sua transparência, cobri-a com tinta de óleo,

deixando-me guiar pela forma da referência que me era sugerida, embora as cores

diferissem em certa medida do original. Descobria que, no virar desse mesmo acetato,

se desvendava uma superfície homogénea que revelava em espelho a agora minha

composição.

A imagem de referência de que falo era, por sua vez, a reprodução de uma pintura

pertencente a um catálogo de arte portuguesa dos anos 80 e que me havia sido oferecido

pelo meu avô.

O momento descrito é o que hoje considero o meu primeiro gesto de apropriação

deliberada. Importa referir, no entanto, que ao longo do percurso pessoal realizado no

âmbito da Pintura e do Desenho, deram-se muitos outros gestos de apropriação

maioritariamente inconscientes ou indiretos (desde a recolha de fotografias a partir das

quais desenhar ou pintar, cópias ou decalques, etc.) e que de igual modo sustentavam o

desejo de partir de „„algo‟‟ pré-existente, algo de onde começar. Atualmente, conforme

já mencionado, esse princípio estendeu-se a objetos tridimensionais; estes que

respondem a determinadas características materiais e estruturais necessárias à criação

11

dos trabalhos práticos: diferentes formatos e texturas, aberturas que possibilitem a

passagem de tinta, sendo geralmente compostos de borracha, látex ou polipropileno.

Genericamente, apropriação é o processo pelo qual um sujeito toma posse de algo que

não lhe pertencia e o torna próprio.2 Verifica-se que este ato supõe a dissociação dos

propósitos originais de um dado elemento ou conjunto de elementos pré-existentes num

determinado contexto e a sua consequente modificação. No âmbito artístico, ao ser

«[…] visto através dos seus longos horizontes, o termo „apropriação‟ significa

realocação, anexação ou furto de propriedades culturais – quer objetos, ideias ou

notações […]».3

Ao reformularem-se de acordo com uma «livre adaptação e transformação as unidades

citadas»4, proporciona-se uma nova situação e, logo, um novo significado ou conjunto

de significados para uma realidade tida, até então, como familiar.

Contudo, admite-se que esta se revela enquanto designação demasiado geral para ser

capaz de, precisamente, referir-se às formulações individuais de artistas específicos. No

entanto, talvez seja adequada a sua abordagem enquanto […] um método que a arte

recente emprega para […] muito livremente, sem esconder nada e sem qualquer

sentimento de culpa, assumir elementos formais, icónicos e conceptuais que se tornam

(os fundamentais) fatores constitutivos do trabalho.» 5 Deste modo trata-se de «[…]

uma categoria cujo leque semântico é muito elástico e que pode abranger modelos

formais e operativos inteiramente diferentes. Na sua prática „discursiva‟ específica, esta

„linguagem de apropriação‟ é portanto usada em muitas variantes estilísticas.» 6

Curiosamente, a expressão parece apenas ter sido posta em uso consciente e

especificamente em relação à prática de certos artistas americanos, sendo determinadas

as circunstâncias originárias daquilo «[…] que é comummente associado ao termo “arte

de apropriação”: um certo momento (finais dos anos 70 e anos 80); um certo lugar

2 GALUCHO, Isabel – Apropriação, 2016. Definição de „„Apropriação‟‟ In E-Dicionário de termos

literários de Carlos Ceia. [Online], [Consult. 2017 -09 -25], disponível em:

http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6974/apropriacao/ 3 WELCHMAN, John C. – Global nets: appropriation and postmodernity, 2001. In Appropriation –

Documents of Comtemporary Art. Cambridge, Massachussetts, 2009, p. 194. 4 MIJUSKOVIC, Slobodan – Discourse in the Indefinite person, 1987 Op. cit., (2009), p. 143.

5 Ibid.

6 Ibid.

12

(Nova Iorque; certas galerias influentes […] e certos artistas que estavam criticamente

localizados dentro de debates ambiciosos em torno do pós-moderno.»7

Seguindo uma linhagem histórica e de acordo com David Evans, a colagem, o

readymade e a fotomontagem são notadas como as três inovações das avant-gardes

essenciais ao entendimento de qualquer noção de apropriação contemporânea.8

Através da colagem, com Picasso, iniciou-se um diálogo com a cultura popular que se

tem prolongado ao longo de gerações, desde as raízes modernistas da apropriação onde

se incluem as experimentações Dadaístas e Surrealistas, ao movimento Pop Art de

meados dos anos 50 e anos 60 e estratégias que têm emergido dos anos 80 até aos dias

de hoje. O documento que aqui se apresenta não é exceção pois:

Sabemos que um texto não consiste numa linha de palavras liberando um único

[…] significado […] mas é um espaço de muitas dimensões, no qual são agregados

e contestados vários tipos de escrita, nenhum do quais é original: o texto é um

tecido de citações, resultante dos milhares de fontes de cultura. […] O escritor

pode apenas imitar um gesto sempre anterior, nunca original; o seu único poder é

combinar os diferentes tipos de escrita, opor alguns a outros, de modo a nunca

sustentar-se por apenas um deles.9

1.2. Gesto inicial

«[…] Picasso procurava imagens; andava por entre ferro-velho, montes de sucata

e alfarrabistas, encontrando os objetos readymade, fragmentos e peças que o

inspiravam no seu trabalho e os quais usou no mesmo, portanto ele procurava,

obviamente.» 10

„„Objeto encontrado‟‟ (geralmente designado pelo francês object trouvé) é uma

expressão empregue desde 1912, ano que remete à construção das primeiras colagens

Cubistas por Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), nas quais

fracções de materiais, nomeadamente jornais, papel de parede e caixas de fósforos

foram incluídos e dispostos sobre a superfície do suporte plano como o propósito de

instaurar um novo espaço virtual na Pintura.

7 EVANS, David - Seven types of appropriation, Op. cit., (2009), p. 14.

8 Ibidem, p.15.

9 BARTHES, Roland – The death of the Author (1967), p. 4. Trad. Richard Howard. Formato PDF.

[Consult. 15-03 -2017]. Disponível em:

http://www.tbook.constantvzw.org/wp-content/death_authorbarthes.pdf 10

STEZAKER, John – Interview with John Roberts, 1997. Op. cit., p. 96.

13

O desejo revolucionário de romper com os métodos tradicionais de representação da

época levou a que essa convocação livre de objetos concretos como componentes

visuais se estendesse do formato bidimensional para sistemas de assemblage11

-

composições tridimensionais construídas (em vez de modeladas ou escavadas como era

produzida usualmente a Escultura até então) sugerindo, em vez de definindo, a massa.

Como inovações técnicas, apontaram a fragmentação da forma - na qual o plano não

representa mas desconstrói e reformula o espaço da Pintura - para além de

demonstrarem como facilmente o objeto do quotidiano pode parecer não familiar

quando retirado do seu contexto habitual. Promovendo uma reconsideração pioneira da

relação entre a Pintura e a Escultura, a apropriação imagética, através do gesto inicial da

colagem, abriu caminho para «[…] a negação da técnica» uma vez que «o pintor […]

não está mais ligado à sua tela por uma relação física misteriosa análoga à procriação»12

emergindo assim uma ideia de “personalidade de escolha” na qual «um objecto

manufacturado pode igualmente ser incorporado numa pintura, pode constituir a própria

pintura.»13

Mais tarde, os Dadaístas (c.1916) difundiam a colagem, desenvolvendo o caminho

inaugurado pelo Cubismo, tendo sido os primeiros a utilizar o material da fotografia

para combinar estruturas heterogéneas e usualmente contraditórias, figurativas e

espaciais: Através da fotomontagem, utilizaram «não só fragmentos de fotografias como

[…] (integraram) textos impressos ou outros registos iconográficos»14

, reagrupando-os

num todo para comunicar um novo sentido. Esta manipulação de imagens apropriadas –

originais ou reproduções - por via da sua justaposição visou sobretudo parodiar

conceitos esperados ou convencionais e a desintegração, a ruptura e o choque visual

com os sentidos reconhecidos nos elementos colados. 15

11

Termo francês utilizado para descrever uma reunião, junção ou agrupamento de materiais considerados

não ortodoxos em arte, empregue por Jean Dubuffet em 1953. 12

ARAGON, Louis – The challenge to painting, 1930. In Op. cit. (2009), p. 28. 13

Ibid. 14

CEIA, Carlos – Colagem , 2016. Definição de „„Colagem‟‟ In E-Dicionário de termos literários de

Carlos Ceia. [Online], [Consult. 2017-08-04], disponível em:

http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6664/colagem/ 15

Ibidem.

14

1.3. Objeto readymade

Readymades e readymades assistidos, objetos escolhidos ou compostos,

começando em 1914, por Marcel Duchamp [constituem] os primeiros objetos

surrealistas. […] o Surrealismo atraiu a atenção para diversas categorias de objetos:

[…] objeto natural, objeto perturbado, objeto encontrado, objeto matemático,

objeto involuntário, etc.16

Em 1915, Marcel Duchamp (1887 – 1968) estabeleceu-se em Nova Iorque e centrou-se

no desenvolvimento do conceito daquilo a que designou readymades: Objetos vulgares,

produzidos em massa, destituídos da sua funcionalidade elementar e promovidos à

dignidade de arte pela escolha do artista.

Embora associado ao Dadaísmo – movimento europeu plástico, literário e

deliberadamente irracional do início do século XX – e, mais tarde, ao Surrealismo

(c.1920), é indispensável mencionar que Duchamp, artista francês e jogador de xadrez,

assinalou desde cedo o desejo de manter um percurso afastado da expressão colectiva,

optando por prestar uma contribuição pessoal à mesma e que «[…] apenas pode ser

conseguida se pensarmos por nós próprios e não seguirmos as regras gerais do grupo.»17

Não obstante e previamente aos seus célebres readymades, importa lembrar que

Duchamp realizou um percurso de Pintura, tendo sido influenciado pelo Fauvismo,

Impressionismo e pelo Cubismo. Pintura retinal, consta como a designação atribuída

pelo próprio ao reconhecer a limitação, até à época, desta prática vinculada à condição

fisiológica, afirmando que «contemplamos uma pintura pelo que vemos, pelo lado

visual da pintura».18

Ao decidir distanciar-se da metodologia compreendida por um ato

físico, Duchamp entregou-se à recriação de ideias, distinguindo-se o seu contributo

como extrema subversão a valores de lugar-comum na História de Arte por via da

«redefinição do status cognitivo e epistemológico do objeto artístico» 19

e da ostentação

da sua natureza subjetiva.

16

BRETON, André, ÉLUARD, Paul– Objet, 1938. Op. cit, (2009), p. 31. 17

Marcel Duchamp entrevistado por Joan Bakewell, 1968. [Registo de vídeo], (27:49 min.)

BBC Interview, 1968. (min.04:12) [online], [Consult. 2017 - 06 -15], disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=Bwk7wFdC76Y 18

Afirmação de Marcel Duchamp na mesma entrevista (min.01:30). 19

BUCHLOH, Benjamin – Parody and appropriation in Francis Picabia, Pop and Sigmar Polke, 1982.

In Op.cit. (2009), p.179.

15

Tenderia então a converter concepções dormentes associadas ao ideal de beleza na

produção criativa ao patentear a autonomia do artista em função da sua capacidade de

validar algo enquanto obra de arte. Efetivamente, argumenta que a sua escolha dos

readymades «nunca foi ditada por um deleite estético» mas sim «[…] baseada numa

reação de indiferença visual com ao mesmo tempo uma total ausência de bom ou mau

gosto…De facto, uma completa anestesia.»20

Este rescindir dos ideais tradicionais de

virtuosismo técnico proveniente da mão do artista seria confirmado pelo seu uso

prolífico de materiais industriais. Fala-se, portanto, da «[…] transposição física de um

objeto do contínuo da realidade para a condição fixa de imagem artística, por um

momento de isolamento ou seleção.»21

Se Mr. Mutt fez a Fonte com as suas próprias mãos ou não, não tem importância.

Ele ESCOLHEU-A. Ele pegou num item comum da vida, posicionou-o para que a

sua utilidade significativa desaparecesse sob novo título e ponto de vista – criou

um novo pensamento para aquele objeto. 22

Ora, é justamente pela possibilidade de criação de um novo pensamento para um

determinado objeto que a abordagem deste tema respeita à componente prática do

presente projeto: Duchamp perpetuou a possibilidade de incorporar o objeto exterior na

prática artística. Embora o tivesse feito com o propósito de o inserir no contexto

galerístico - facto que difere do processo por mim adotado - este gesto de apropriação

não deixa de coincidir em grande medida com as minhas intenções, uma vez que se trata

precisamente de permitir a importação de elementos pré-existentes para o atelier a fim

de atribuir-lhes uma nova interpretação, um novo significado.

20

DUCHAMP, Marcel – Apropos of ‘Readymades’ (conferência no Museu de Arte Moderna, Nova

Iorque, 19 de Outubro de 1961), Op. Cit.(2009), p. 40. 21

KRAUSS, Rosalind - Notes on the Index: Seventies Art in America. October, Vol. 3, 1977, p. 78. 22

[s.n.] – The Richard Mutt case, 1917, Op. cit. 2009, p. 26.

16

Exemplo de materiais apropriados e integrados na prática de atelier como matrizes:

Fig. 1 - Individual de mesa, PVC e Poliéster, 30 x 45 cm

Fig. 2 - Rede em PVC, 100 x 100 cm.

17

1.4. Objeto perturbado

Se, num primeiro momento, o Dadaísmo visou a libertação da arte da esfera do

manufacturado para a situar na mente favorecendo a apreensão cognitiva, o Surrealismo

(c.1920), por conseguinte, introduziu o automatismo e propôs-se a penetrar nas camadas

mais profundas do pensamento ou, ainda, do subconsciente, alegando desde o início

uma «revolução nos valores, uma reorganização do modo como o real era concebido».23

Note-se, primeiramente, que um dos principais pressupostos do Surrealismo se centrou

no desejo de «resolver a dualidade entre perceção e representação».24

André Breton

(1896- 1966), poeta e fundador do movimento, no seu entender, considerou estas duas

formas de experiência desiguais: «A perceção é melhor, mais verdadeira, porque é

imediata à experiência, enquanto que a representação deve sempre manter-se suspeita

pois nunca é nada mais do que uma cópia, uma re-criação numa outra forma.»25

Neste

sentido, «[…] a perceção conduz diretamente para o real, enquanto que a representação

[…] (faz) a realidade apresentar-se apenas sob a forma de substitutos, isto é, através da

procuração de signos.»26

Como tal, numa palestra proferida por Breton em Praga, a 29 de Março de 1935

intitulada Surrealist Situation of the Object, é declarado que a atividade artística

Surrealista (e também literária) se centra numa prática «liberada da necessidade de

reproduzir formas retiradas essencialmente do mundo exterior» mas que «beneficia, por

seu turno, […] da representação interior, da imagem presente na mente.»27

Assim, a

Pintura confrontaria «esta representação interior com aquela das formas concretas do

mundo real, procurando por sua vez […] tomar o objeto na sua generalidade, e […]

tenta dar o passo supremo que é o passo poético por excelência: excluir (relativamente)

o objeto externo como tal, considerando-o naturalmente somente na sua relação com o

mundo interior da consciência.» 28

23

KRAUSS, Rosalind, LIVINGSTON, Jane – L’amour fou: Photography and Surrealism, 1985. p.15. 24

André Breton – Océanie, 1948 , reedição in Breton, La Clé des champs, Paris, Sagittaire, 1953, edição

1973, p. 278 citado por Rosalind Krauss in The photographic conditions of Surrealism, 1981. The MIT

Press, October, Vol. 19, p. 10. 25

Explicação relativa à distinção entre perceção e representação sustentada pelo Surrealismo por

Rosalind Krauss. In The photographic conditions of Surrealism, 1981, p. 10. 26

Ibidem. 27

BRETON, André – Surrealist situation of the object, 1935 In Manifestoes of Surrealism (1924), p. 260.

Ann Arbor Paperbacks, The University of Michigan Press, 1969. Formato PDF. pp. 255 - 278.

[Consult. 2017-01-10], disponível em: http://new-territories.com/blog/2013GSAPP-UPENN/wp-

content/uploads/2013/08/Pages-de-manisfesto2.pdf 28

Ibidem.

18

Ademais, considerando-se que, até então, a captação de imagens através da fotografia29

se resumia à possibilidade mecânica de representação (exterior) indefinidamente

perfeita e de uma semelhança que era imediatamente satisfatória, os princípios do

Surrealismo confirmaram que «o único domínio deixado para o artista explorar tornou-

se o da pura representação mental, já que esta se estende para além da exata

perceção».30

Tal representação mental desenrolar-se-ia fora da presença física do

objeto, assumindo-se o exterior como modo de canalizar algo que seria, ao artista,

interior. Isto porque, mais concretamente, o recurso à representação mental

possibilitava o contacto com sensações e processos que se desdobram zonas mais

diversas do mecanismo psíquico:

Em arte, a procura mais sistemática por estas sensações funciona em função da

abolição do ego […] e consequentemente esforça - se por tornar o princípio do

prazer mais claro sobre o princípio da realidade. Esta procura tende cada vez mais

a liberar impulsos instintivos, a quebrar a barreira que o homem civilizado encara,

uma barreira que os homens primitivos e as crianças não experienciam.

Ainda neste contexto e citando Hegel, Breton declara: «O objeto artístico […] situa-se

entre o sensível e o racional. É algo espiritual que parece ser material.»31

Assim, o

Surrealismo levou à valorização da imagem metafórica irracionalmente concebida por

via de diversas condutas: «[…] em sonho, em associações livres, em estados hipnóticos,

em automatismo, em êxtase ou delírio, as puras criações da mente emergiam».32

A transposição dos ideias Surrealistas foi feita em favor de técnicas empregues já antes

do seu advento - nomeadamente o Desenho, a Pintura, a Fotografia e até a Colagem –

estas foram sistematizadas e modificadas, permitindo a certos artistas combinar diversas

imagens do seu pensamento e dos seus desejos sobre papel e sobre tela. Neste sentido

Breton prossegue, aludindo ao considerável contributo prestado por Max Ernst (1891-

1976) no desenvolvimento da estrutura do espírito Surrealista, sobretudo através das

suas colagens e frottages, citando o mesmo:

29

Conforme será abordado adiante no presente estudo, o Surrealismo atuou de forma distinta na

subversão da imagem fotográfica como possibilidade de „„transgressão do real‟‟. 30

BRETON, André - Op. Cit., p.273. 31

Hegel citado por André Breton, In Op. Cit. 1969, p. 255. 32

KRAUSS, Rosalind, LIVINGSTON, Jane – L’amour fou: Photography and Surrealism, 1985, p.15.

19

A pesquisa sobre o mecanismo da inspiração que tem sido fervorosamente

pesquisado pelos Surrealistas levou à descoberta de certos procedimentos de uma

natureza poética que são capazes de remover a elaboração do trabalho plástico do

domínio das assim chamadas faculdades conscientes. 33

Expressando-se de um modo peculiar, Ernst aborda o readymade enquanto

procedimento que proporciona a «exploração do encontro fortuito de […] realidades

distantes num plano inapropriado».34

Essas realidades, objetos que irão «escapar ao seu

propósito ingénuo e perder a sua identidade», criam um novo desígnio que é ilustrado

através do seguinte exemplo:

[…] (um guarda-chuva), encontrando-se repentinamente na presença de outra

realidade muito distante e não menos absurda (uma máquina de costura), num lugar

onde ambos devem sentir-se fora do seu meio (numa mesa de operações) […]

passarão de uma absoluta falsidade para um novo absoluto que é verdadeiro e

poético: o guarda-chuva e a máquina de costura irão fazer amor. […] Uma

completa transmutação seguida por um ato puro tal como o amor irá

necessariamente ser produzida cada vez que os fatos dados – o acasalamento de

duas realidades que aparentemente não podem ser conjugadas num plano que

aparentemente não é apropriado para elas – tornam as condições favoráveis.35

33

ERNST, Max, Op. cit. 1969, p.274. 34

Idem, p. 275. 35

Ibidem.

Fig. 3 – À luz da ideia acima mencionada reconheço, no contexto do meu processo criativo, a

seguinte situação:

Um tapete antiderrapante, encontrando-se repentinamente num lugar onde deve

sentir-se fora do seu meio (na mesa do atelier), num plano que aparentemente não é

apropriado para ele.

20

Possível primeiramente através de Duchamp e influenciada pelos escritos de

Lautréamont36

, esta metáfora capta evidentemente um dos preceitos mais importantes da

estética Surrealista cujo propósito se centrou especificamente em desafiar o

entendimento da realidade concreta pelo observador, privilegiando a experiência da

mesma através dos sentidos, dos impulsos instintivos e da imaginação.

Mas, embora o artista deste tempo tivesse sido levado a elaborar os elementos da sua

intervenção específica a partir da percepção interior, Breton sublinha a significância do

mundo físico exterior, prevenindo o artista de incorrer na sua (impossível) negligência:

No domínio do mental, não mais do que no físico, é bastante claro que não pode

haver uma questão de geração „„espontânea‟‟. As criações dos pintores Surrealistas

que parecem ser mais livres podem, naturalmente, surgir apenas através do retorno

aos „„resíduos visuais‟‟ decorrentes da perceção do mundo exterior. 37

Efetivamente, Ernst afirmou: «[…] quando me posiciono em frente a uma tela branca

para iniciar algo, para pintar algo, simplesmente acho impossível inscrever a primeira

marca».38

Surge assim o ato de apropriação como recurso a uma incerteza de todo

agradável - a «falta de uma ideia ou axioma de partida»39

que leva um artista à

inevitável procura de «algo que possa ser usado para orientação, algo de onde

começar».40

Quando, em 1925, ao encontrar-se no seu quarto surpreso pelo modo como os seus

olhos eram «obsessivamente irritados pelo chão cujas gretas tinham sido acentuadas

devido a muitas limpezas»,41

o artista decidiu averiguar o simbolismo de tal obsessão.

Para isso, cobriu aleatoriamente as tábuas de madeira com folhas de papel e friccionou-

as seguidamente com lápis de carvão. Constou então que os desenhos obtidos através

deste método «perdiam progressivamente – através de uma série de sugestões e

transmutações que ocorrem espontaneamente […] – o caráter do material investigado»,

36

BRETON, André - Op. Cit., 1969, p. 262. 37

Ibidem., p. 273. 38

[s.n.] – Texture Tile: Ernst 02 [Registo de vídeo]. [s.d.] [s.l]. (04:34 min.) [online][Consult. 2017 - 02 -

15], Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CHdU4JfY-bU 39

DIDI-HUBERMAN, Georges – Formes généalogiques: L’empreinte comme matrice. In La

ressemblance par contact: Archéologie, anachronisme et modernité de l’empreinte. Paris.: Les Éditions

de Minuit, 2008, p.31. 40

MIJUSKOVIC, Slobodan – Discourse in the Indefinite person, 1987 in Appropriation – Documents of

Comtemporary Art, p. 144. 41

ERNST, Max, In Surrealist situation of the object, 1935. Op. Cit., 1969 p. 276.

21

neste caso a madeira, e assumiam a «aparência de imagens de uma inesperada

precisão». 42

Crente na promessa de fissuras e imperfeições, Ernst descobria uma de diversas técnicas

Surrealistas para inteirar o acaso na construção da obra artística, a qual nominou

frottage (do verbo francês „„frotter‟‟, traduzindo-se „„esfregar‟‟43

). Rapidamente a sua

curiosidade se estendeu à experimentação dos mais diversos tipos de materiais – «[…]

folhas e os seus veios, as margens em relevo de um pedaço de tecido […]»,44

descobrindo-se absorto na especulação de imagens por via da recolha de texturas. Face a

esta possibilidade de replicação técnica indeterminada das formas do meio físico

envolvente, surge a noção de impressão como «[…] como um gesto que consiste em

produzir uma marca pela pressão de um corpo sobre uma superfície».45

Assim, no

presente estudo, propõe - se a leitura da matéria-prima por Ernst investigada - a madeira

- como matriz, enquanto «lugar de origem, onde alguma coisa se gera, cria ou forma»

ou ainda, num sentido mais abrangente, como «factor primeiro de uma realidade ou de

um acontecimento».46

Ernst, questionando «todos os tipos de materiais que entrassem no seu campo visual»47

presenciava, por analogia a processos de impressão, as relações implícitas de

«interdependência […] entre a matriz e as provas micro - diferenciadas»48

que se

produziam como resultado da sua ação – os desenhos. Então, ao referir-se à aparência

de imagens de uma „„inesperada precisão‟‟, o artista alude a uma marca produzida sobre

o suporte que permite transmitir «fisicamente […] a semelhança da coisa ou da entidade

impressa».49

Porventura, a série de „„sugestões e transmutações‟‟ gráficas divulgadas

pelo artista, ocorridas de „„modo espontâneo‟‟ e conducentes à perda gradual do carácter

42

Ibid. 43

PRESENTI, Allegra - Apparitions: Frottages and Rubbings from 1860 to Now. Los Angeles: The

Hammer Museum, 2015.[s.p.]. De acordo com o curador Alex Kitnick, frottage poderá compreender

também „„o ato de esfregar-se contra o corpo de outra pessoa, como numa multidão, para obter

gratificação sexual‟‟. In KITNIK, Alex – Frottage, 2010. Texto elaborado por ocasião da exposição

Frottage decorrida entre 22/10/2009 e 10/01/2010 na Galeria Miguel Abreu, Nova Iorque. [Consult.

2017-10-01], disponível em: http://miguelabreugallery.com/exhibitions/frottage/ 44

ERNST, Max - Op. Cit.1969, p.276. 45

DIDI-HUBERMAN, Georges – Formes généalogiques: L’empreinte comme matrice. In La

ressemblance par contact: Archéologie, anachronisme et modernité de l’empreinte. Paris: Les Éditions de

Minuit, 2008, p. 27. 46

SOARES, Marta - A matriz: De feuille de vigne a sem título, sobre tela. Lisboa, 2011., p.50. 47

ERNST, Max - Op. Cit., 1969, p.276. 48

QUARESMA, José - Mundo da vida (Lebenswelt), Reprodução e Reprodutibilidade, p.93. 49

Cf. DIDI-HUBERMAN, Georges – Formes généalogiques: L’empreinte comme matrice. In Op.Cit.

Paris: Les Éditions de Minuit, 2008, p.53.

22

do material por si investigado, derivam da simultaneidade entre o acaso e a técnica,50

particulares ao próprio procedimento e que dão origem a uma diversidade de soluções

pictóricas nunca totalmente conjecturadas. Talvez também por este motivo, o poeta e

pintor francês Henri Michaux intitulou os seus trabalhos com a técnica de frottage como

„aparições‟.51

De acordo com Georges Didi-Huberman (1953), para esta indeterminação

relativa, inerente a processos de impressão por contacto comparáveis ao caso em

estudo, contribui a variação de determinados factores que abrangem desde as

características do suporte utilizado, às qualidades dos materiais empregues bem como a

destreza física52

e as condicionantes psicológicas do próprio artista.

Por conseguinte, ao considerar a possibilidade do uso de objetos ou de superfícies

alternativas tais como lugares do quotidiano enquanto ponto de partida para a

construção de imagens, verifica-se que o propósito da sua escolha não se limita à

proliferação ou à recriação de formas idênticas a essas matrizes, mas antes na

abordagem das mesmas como hipótese plástica para a «obtenção de resultados que vão

necessariamente transcender a sua mera aplicação».53

Como exemplo disto, note-se que

Ernst seguramente assistia ao progressivo „„desaparecimento‟‟ do carácter do referente

inicial não só pelas consequências da casualidade mas também por re-trabalhar posterior

e livremente as frottages obtidas a lápis de grafite, atribuindo-lhes um novo sentido.

50

Ibidem, p.33. 51

Cf. PRESENTI, Allegra - Apparitions: Frottages and Rubbings from 1860 to Now. Los Angeles: The

Hammer Museum, 2015. 52

Cf. DIDI-HUBERMAN- Archéologie, anachronisme et modernité de l’empreinte. Paris: Les Editions

de Minuit, 2008, p.34. 53

SOARES, Marta - A matriz: De feuille de vigne a sem título, sobre tela. Lisboa, 2011, p. 53.

Fig. 4 – Max Ernst - La Roue de la lumière. Reprodução em colotipia de frottage executada c. 1925,

26 x 43 cm. Costesia Galerie Jeanne Bucher.

23

Dentro deste contexto, que identicamente concerne ao meu projeto artístico, reconheça-

se «o étimo „matriz‟ […] do latim matrix,icis e os seus múltiplos significados nesta

língua: fêmea que está a cuidar dos filhos […]; árvore que deita rebentos; mãe; tronco,

origem, útero, ventre»54

, sendo também importante referir que a etimologia latina da

palavra «[…] possui o elemento de composição antepositivo matr – que vem da raiz

indo-europeia *matr – „mãe‟.»55

Similarmente, através da frottage, Ernst pôde concluir

o paradigma do objeto artístico que permite transmitir a forma de uma presença anterior.

É desta relação entre a matriz „„ausente‟‟ e a marca através dela produzida sobre um

dado suporte que o termo indício se faz notar no presente estudo. Pois é igualmente o

sinal de uma forma inicial e distante que se manifesta na superfície dos trabalhos por

mim produzidos. Argumenta Rosalind Krauss que:

Distintos de símbolos, os indícios estabelecem o seu significado ao longo do eixo

de uma relação física com os seus referentes. São as marcas ou vestígios de uma

causa particular, e essa causa é a coisa à qual se referem, o objeto que significam.

Na categoria de índice, colocaríamos vestígios físicos (como pegadas), sintomas

médicos […] Sombras projetadas podiam também servir como sinais indiciais de

objetos. 56

2. Indício

2.1.Fenómenos de significação

Atendendo ao projeto artístico que tenho vindo a desenvolver, a ideia acima exposta

revela-se de particular pertinência pelo modo como tão bem permite pensar o Desenho e

a Pintura enquanto vestígio ou marca gráfica de uma forma matricial, sublinhando a

importância da relação física que é estabelecida entre o objeto artístico e o seu respetivo

referente de partida; salienta-se pois o facto de que tal relação é experimentada não

apenas durante o processo da execução dos trabalhos mas também a partir do momento

em que são por mim dados por terminados: trata-se de uma conexão que perdura

ostensivamente nos mesmos.

54

HOUAISS, Antônio, e VILLAR, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001

citado por Marta Soares in A matriz: De feuille de vigne a sem título, sobre tela. 2011, p.3. 55

Ibidem. 56

KRAUSS, Rosalind - Notes on the Index: Seventies Art in America. October, Vol. 3, 1977, p. 70.

24

„„Indício: o signo que persiste‟‟ dá título à presente investigação e importa, antes de

mais, elucidar o seu sentido.

De acordo com Umberto Eco, vivemos numa realidade constituída por signos, distante

daquela que «[…] Jonathan Swift imaginou para os habitantes da ilha de Laputa, que

andavam com um saco contendo os objetos que precisavam nomear. E assim, quando

tinham de falar de uma maçã, de uma pena ou de uma caixa, tiravam o objeto do

saco.»57

Compreende-se que esses personagens estavam, na realidade, a servir-se de

«coisas presentes para indicar coisas ausentes, porque, evidentemente, a maçã que

tiravam do saco não devia representar somente aquela maçã, mas todas as maçãs

possíveis.» Neste sentido, o escritor italiano apontou para «a natureza dupla do signo,

de qualquer signo, seja ele verbal, imagético, sonoro, tátil […]»58

: em qualquer

abordagem, o signo estrutura-se como presença de algo ausente e como ausência

daquilo a que remete. Por conseguinte, no contexto da semiótica, Charles Sanders

Peirce (1839-1914) identificou e distinguiu três classes de signos: um signo é um ícone,

um índice ou um símbolo.59

57

MUCCI, Latuf Isaias – Signo. In E-dicionáro de termos literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia.

[online]. [Consult. 2016-12-05]. Disponível em: http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6115/signo/ 58

Ibidem. 59

Ibidem.

Fig. 5 – Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2016. Óleo sobre papel, 24 x 32 cm.

Fig. 6 – Matriz em plástico utilizada na execução da obra sem título (fig.5), 26,5 x 30,5 cm.

25

Atente-se à classificação de índice, também possível a sua designação indício: «Do

latim „„indicĭum‟‟, termo que significa informação, denúncia, revelação, prova, sinal ou

vestígio. Um indício é algo que insinua qualquer facto ou evento, sem o desvendar na

totalidade.»60

Então, de acordo com Peirce, entende-se por índice «[…] aquilo que

mantém uma relação de contiguidade entre o signo e o objeto. Desta forma, o apito de

um comboio constitui-se como índice da sua aproximação ou passagem.»61

Face a esta

explicação, no presente estudo, a noção de indício surge, portanto, associada à categoria

do signo imagético, isto é, ao desenho e à pintura.

Neste sentido, deve-se um mais atento aprofundamento reflexivo ao ensaio acima

citado, Notes on the Index (1977), por Rosalind Krauss.

Começando por vincular o termo „„indício‟‟ à categoria de signo linguístico, a autora

explica como, por exemplo, os pronomes pessoais „„eu‟‟ e „„tu‟‟ se estabelecem como

referentes de identidade pessoal que adquirem significado apenas através da relação que

constituem com aquilo a que se referem – neste caso, o próprio sujeito.62

Identicamente,

«a palavra „„este‟‟ é um signo, esperando cada vez que é invocado que o seu referente

seja fornecido. „„Esta cadeira‟‟, „„esta mesa‟‟ […]»63

Assim, segundo Krauss, na medida

em que o significado dos pronomes pessoais (tal como acontece com os demonstrativos

e restantes classes) «depende da presença existencial de um dado orador, […]

anunciam-se como pertencentes a um tipo de signo denominado indício.» Deste modo e

conforme anteriormente sugerido, os indícios estabelecem o seu significado pela relação

física com os seus referentes: a acumulação de pó, por exemplo, é um vestígio físico da

passagem do tempo.

Tendo como base esta afinidade entre referente - significado, Krauss reconhece a obra

de Duchamp «como matriz para um conjunto relacionado de ideias que se interligam

através do eixo do indício.»64

Precisamente, Duchamp atuou através do distúrbio no

modo como usualmente se atribui significado a determinados elementos em função da

relação física com os seus referentes - uma ideia possível de compreender através dos

seus readymades e na disfunção do processo de significação da sua própria identidade

60

MAGARREIRO, Vanda – Indício. In E-dicionáro de termos literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia.

[online]. [Consult. 2017-06-08]. Disponível em: http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6370/indicio-/ 61

Ibidem. 62

Cf. KRAUSS, Rosalind, Op. Cit., p. 69. 63

Ibid. 64

Ibid., p.71.

26

por via da adoção de heterónimos. Note-se, a partir deste último factor, que é Duchamp

quem primeiro estabelece a ligação entre o indício e a fotografia, segundo Rosalind

Krauss. Veja-se o enigma patente na «divisão do próprio num „„ eu‟‟ e num „„tu‟‟

através da adoção de um alter-ego […]».65

Krauss observa que «os auto-retratos

fotográficos de Duchamp em drag66

enquanto Rrose Sélavy anunciam um eu que é

dividido, duplo ao longo do eixo da identidade sexual.» Rrose Sélavy nasce de um

projeto colaborativo com Man Ray (Emmanuel Radnitzky, 1890 - 1976) e sublinha a

questão do indício nos termos em estudo, uma vez que «[…] o nome que usa para esse

„„duplo‟‟ projeta uma estratégia para infetar a própria linguagem com uma confusão

sobre o modo como as palavras denotam os seus referentes. „„Rrose Sélavy‟‟ é uma

homofonia que sugere aos seus ouvintes dois significados inteiramente diferentes. O

primeiro é um nome próprio; o segundo uma frase.» 67

Pois fulcral para Duchamp foi precisamente a ruptura entre imagem e discurso. Como

exemplo disto é também possível referir a curta frase em tom de controvérsia que

ocasionalmente inscrevia nos readymades ou que inclusivamente escolhia para os

nomear e que «[…] em vez de descrever o objeto como um título, se destina a levar a

mente do espetador em direção a outras regiões mais verbais.»68

Através da dissonância

entre texto e objeto, a perceção é movida para o fenómeno do pensamento. Desta forma,

o título e seu referente não se somam a fim de fundamentar uma compreensão lógica do

objeto artístico, prevenindo mesmo qualquer possível explicação do mesmo, o que

origina, em último caso, «[…] uma tremenda arbitrariedade com respeito ao seu

significado».69

No contexto do meu projeto prático, identicamente, o desvio provocado no elemento

quotidiano ao destituí-lo da sua elementar funcionalidade suporta em certa medida um

carácter de desobediência que atua na subversão do seu sentido. É, portanto, possível

compreender uma ideia de distúrbio no modo como usualmente se atribui significado a

determinados elementos - nesse caso os desenhos e pinturas - em função da relação

física com os seus referentes uma vez que, pela sua própria natureza, esses mesmos

referentes ocupariam idealmente funções outras que não aquelas de matrizes em atelier.

65

KRAUSS, Rosalind – Notes on the Index: Seventies Art in America. October, vol. 3, 1977, p. 72. 66

Expressão estrangeira utilizada para descrever alguém do sexo masculino que se veste e age com

exagerada feminilidade. 67

Ibidem. 68

Ibid. 69

Idem, p. 77.

27

2.2. Registo Fotográfico

Em 1834 William Henry Fox Talbot (Dorset, 1800 – Lacock, 1877) realizava as

primeiras experiências que questionavam «[…] se a Natureza, através da ação da luz

sobre substâncias materiais, poderia ser levada a desenhar a sua própria imagem»70

.

Descobriu então que uma folha de papel coberta com sal e pincelada com uma solução

de nitrato de prata escurecia ao sol, e que uma segunda cobertura de sal impedia um

posterior escurecimento ou esbatimento da imagem. Talbot utilizou este procedimento

para realizar traçados precisos de espécimes botânicos: «[…] posicionando uma folha

ou planta, por exemplo, sobre um pedaço de papel sensibilizado, cobrindo-o com um

vidro e expondo estes elementos ao sol: Aonde a luz incidia, o papel escurecia, mas

aonde a planta bloqueava a luz, permanecia branco. Denominou esta experiência a arte

do desenho fotogénico»,71

a qual se revelou uma descoberta determinantemente

revolucionária ao permitir quimicamente, a partir daquele momento, o registo de

sombras de objetos por contacto direto sobre uma superfície, atualmente designados

fotogramas. 72

No seu ensaio, Rosalind Krauss propõe a existência da fotografia como paradigma do

indício valendo-se, para a fundamentação desta ideia, da invenção do fotograma. Esta

última deve a Man Ray sob o título de rayograph (o que é contestável pelo facto acima

mencionado). Conforme observa:

Os fotogramas são produzidos pela colocação de objetos sobre papel foto-sensível,

pela exposição do conjunto à luz e, depois, pela revelação do resultado. A imagem

criada deste modo é a de traços fantasma de objetos ausentes; assemelham-se a

pegadas na areia, ou a marcas que foram deixadas para trás.73

70

MALCOM, Daniel – William Henry Fox Talbot (1800-1887) and the invention of photography,

Outubro 2004. In Heilbrunn Timeline of Art History. Nova Iorque: The Metropolitan Museum of Art,

2000.[online].[Consult.2017-09-05]. Disponível em: http://www.metmuseum.org/toah/hd/tlbt/hd_tlbt.htm 71

Idem.

72 Note-se, no entanto, que inconsistentes na sua permanência em consequência de estarem apenas

parcialmente estabilizados com uma solução de sal, estes seus primeiros desenhos fotogénicos são

efémeros ao ponto de nunca poderem ser exibidos ou expostos a qualquer tipo de iluminação sob o risco

de sofrerem alterações aparentes. 73

KRAUSS, Rosalind, Op. Cit., p.75.

28

Com isto, diz-nos a autora que o fotograma se configura como veículo para o

entendimento da imagem fotográfica na sua generalidade como indício, uma vez que

«toda a fotografia é o resultado de uma uma marca física transferida por reflexos de luz

para uma superfície foto-sensível». Como tal, cada fotografia traduzirá sempre «[…] um

tipo de […] semelhança visual que sustenta uma relação indexical com o seu objeto».74

A fotografia é uma impressão ou transferência do real; é um traço

fotoquimicamente processado casualmente conectado a essa coisa no mundo à qual

se refere de um modo paralelo àquele de impressões digitais ou pegadas ou anéis

de água que os copos de vidro gelados deixam nas mesas. 75

Consequentemente, o registo fotográfico pode ser entendido como «documento de

presença»76

sendo que a imagem, suspensa do contínuo da realidade, nos proporciona a

„„história‟‟ do seu referente: uma determinada realidade física num dado momento e

lugar específicos. Deste modo, de acordo com Krauss, «o seu poder [da fotografia]

como indício e o seu significado residem nos modos de identificação que são associados

74

Ibid. 75

KRAUSS, Rosalind – The photographic conditions of Surrealism, 1981, p.26. 76

KRAUSS, Rosalind, Op. Cit., 1977, p.80.

Fig. 7 – William Henry Fox Talbot - Wrack, 1839. Photogenic drawing (desenho fotogénico),

22 x 17,5 cm, recortado irregularmente. Harris Brisbane Dick Fund, 1936.

Fig. 8 – Man Ray (Emmanuel Radnitzky) - Rayograph, 1922. Impressão de gelatina e prata

(fotograma). 23,8x 19,7 cm. Cortesia James Thrall Soby.

29

com o Imaginário»77

por induzir uma «tentativa de aproximar […] (algo) que é

fisicamente distante» - a realidade material e temporal da qual é origem. Assim, pode

compreender-se que esta prática se manifesta «através da relação de complementaridade

entre um presente […] e um ausente […]»,78

relação essa que se coloca como factor

fundamental na experiência de contemplação que a obra estabelece com o observador.

Deste modo, a função do Imaginário encontra-se combinada com a exploração plástica

Surrealista em resultado da sua obstinada subversão do real. Constata Rosalind Krauss

que «[…] processos em câmara escura eram técnicas que podiam preservar a superfície

uniforme da imagem final e também reforçar o sentido de que esta imagem, sendo uma

fotografia, documenta a realidade da qual é uma transferência.»79

77

Idem., p.75. 78

SOARES, Marta – Op.Cit. 2011, p.34. 79

KRAUSS, Rosalind, LIVINGSTON, Jane - L’ amour fou: Photography and Surrealism, 1985, p. 28.

30

Figs. 9 a 18 – Isabel Madureira Andrade – Fotografias sem título (da série Cliché Verre), 2015.

10 Impressões de gelatina e prata sobre papel Ilford. Gramagens variadas, dimensões

variadas (Altura máxima - 15 cm; largura máxima - 19 cm).

31

2.3. Cliché verre

Conforme previamente mencionado no presente estudo, a par da valorização do

subconsciente no Surrealismo «[…] existiam técnicas associadas diretamente com

procedimentos automatistas e a ação do acaso»80

das quais os rayographs de Man Ray

são exemplo direto. É ainda possível enumerar uma diversidade de técnicas fotográficas

abrangidas pelo movimento, designadamente: solarização, impressão em negativo,

cliché verre, exposição múltipla, fotomontagem e fotocolagem.81

Cliché verre é uma combinação de pintura e ou desenho com fotografia. É um método

de gravar, pintar ou desenhar sobre uma superfície translúcida, como vidro, papel fino

ou filme fotográfico, por exemplo, e imprimir a imagem num papel foto-sensível em

câmara escura. Em síntese, trata-se de um método de criar imagens fotográficas através

da produção de um negativo executado à mão livre. Este processo foi primeiramente

praticado por pintores franceses durante o século XIX. O artista desta altura defumava

um pedaço de vidro plano com uma vela82

e em seguida desenhava sobre essa superfície

coberta de fuligem com um instrumento afiado e pontiagudo.83

Isto resultava na criação

de uma imagem que podia ser transferida para outro suporte, um negativo. A placa de

vidro era então colocada sobre papel foto-sensível e ambos eram expostos ao sol, o que

provocava a transposição do desenho gravado para o papel84

: Quando a luz passava

através das zonas do vidro que haviam sido raspadas, produzia uma linha negra sobre o

fundo branco do papel. É possível reconhecer as semelhanças que existem entre este

processo e aquele do fotograma, conforme estudado anteriormente. As imagens criadas

deste modo refletem um íntimo diálogo entre o desenho e a fotografia.

Assim, de acordo com a sua etimologia «Clichê» (do francês cliché) é um termo técnico

utilizado no contexto de processos de impressão referindo-se a uma matriz gravada em

80

Ibidem, p.24. 81

Ibid. 82

Nalguns casos o vidro era revestido com terra. Isto impedia a passagem de luz permitindo preservar as

zonas que se pretendiam brancas no papel. 83

MORELL, Abelardo – Cliché verres, 2017. [online]. [Consult. 2017- 09 -25], disponível em:

http://www.abelardomorell.net/project/cliche-verres/ 84

KETELSEN, Thomas – An un/certain eye I: Drawn by light. Camille Corot and his ‘‘cliché

verre’’experiments [s.d.], Melton Prior Institute. [online]. [Consult. 2017 - 09 - 25], disponível em:

http://www.meltonpriorinstitut.org/pages/textarchive.php5?view=text&ID=165&language=English

32

chapa metálica e destinada à reprodução de imagens e textos numa prensa tipográfica,85

enquanto que «verre» significa vidro.

Atualmente são desenvolvidas diversas técnicas de cliché verre contemporâneas que

exploram a variedade de linhas, a sua espessura, tonalidade ou textura e que abrangem a

experimentação com vários suportes transparentes, tintas e instrumentos de registo

gráfico.86

Como tal, a raspagem de um negativo é, por exemplo, outra forma de cliché

verre. É também possível imprimir uma imagem digital em papel transparente, como

acetato, e intervir ou não sobre o mesmo antes de o expor à luz.

Neste sentido, apenas no decorrer desta investigação tive a oportunidade de esclarecer

que a técnica por mim utilizada na criação de uma série de imagens em câmara escura

no ano de 2015 (figs. 9 a 18) compreende a designação de cliché verre. O processo da

sua execução consistia fundamentalmente em criar manchas de aguada a tinta-da-china

preta e branca sobre papel vegetal ou filme fotográfico e deixar os tons fundir-se entre

si, diluídos o suficiente de modo a preservar a sua natureza translúcida sobre o suporte

também semi-transparente. Uma vez secas, as imagens criadas eram projetadas sobre

papel foto-sensível: a ação da luz por um período limitado de apenas alguns segundos

bastava para reproduzir neste último um positivo dos desenhos iniciais.

85

Significado de „„Clichê‟‟, disponível em: https://www.significados.com.br/cliche/ 86

Veja-se o caso de Gyorgy Kepes (1906-2001) que desenvolveu inovações desta técnica ao pintar sobre

vidro com substâncias que se repelem mutuamente atingindo efeitos infinitamente variáveis. (LOTHA,

Gloria – Silverprint info: Cliché verre, 2007. In Encyclopedia Britannica. [online]. [Consult. 2017-09-

25]. Disponível em: https://www.britannica.com/art/cliche-verre

33

Noutros casos, procedi à criação de máscaras de papel: folhas de pouca gramagem (80

g/m2) eram pintadas a negro e furadas ou recortadas nalgumas zonas de modo a que,

quando fossem sobrepostas sobre papel foto-sensível, a luz passasse livremente por

entre as aberturas criadas mas fosse constrangida nas áreas isoladas por efeito da tinta.

No desenvolvimento desse projeto e até hoje, designei-os fotogramas por um

desconhecimento da sua possível inserção noutra tipologia de experimentações

fotográficas. Efectivamente, afirma Helmut Gernsheim:

De facto, muitas das chamadas inovações em fotografia são antigas: desenhos de

luz, fotomontagem, cliché-verre, […] solarização e outras técnicas foram

reinventadas de tempos em tempos simplesmente porque as pessoas esqueceram,

ou talvez nunca soubessem, o que havia sido feito antes. É uma falha comum

ignorar o passado em vez de aprender com ele. 87

87

GERNSHEIM, Helmut – A concise history of photography, 1986, p.112.

Fig. 19 – Isabel Madureira Andrade, 2015. Tinta-da-china sobre tiras de papel vegetal,

dimensões variáveis (aproximadamente 3 x 21cm).

34

2.4. Constatar o invisível

A produção artística combinada com os termos explícitos do indício em estudo pode ser

identificada na obra da artista brasileira Anna Maria Maiolino (nascida em Calabria,

Itália, 1942-). Através da vasta exploração plástica de diversos media,88

o seu trabalho

(sobretudo dos anos 60) é motivado pelos «humildes aspectos da vida quotidiana» e

evoca o pulsar de situações diárias e de gestos mundanos: «[…] comida, trabalho

manual, desenho, costura, modelação»89

. Estes são por si assumidos como experiência

basilar para atividade criativa90

e é a partir deles que a artista assume posteriormente um

processo de elaboração de signos e metáforas relacionados com corpo e respetivos

processos fisiológicos: «[…] digestão, defecação, o interior e o exterior».91

Deste modo, a linguagem plástica de Maiolino move-se entre as dicotomias dentro -

fora, positivo - negativo, presença - ausência, que são constantemente reconectadas num

processo de transformação,92

de repetição e de serialidade. Esta fusão de opostos, que

estabelecem relações transversais entre si, revela-se de grande importância na medida

em que contribui para o entendimento do interesse fundamental que a autora declara

pelo «espaço que não é visível, o espaço escondido».93

Como exemplo disto distingue-

se uma série de trabalhos intitulada Gravuras/Objetos (1971-72) na qual o papel é

experienciado como mais do que uma superfície na qual inscrever uma imagem.

Através de dobras, de modelação e de cortes este material torna-se, a dada altura,

tridimensional:

A matriz ou chapa utilizada no processo de Gravura desperta a nossa intimidade

com o exterior e o interior do espaço da impressão. Estava intrigada com o espaço

do lado reverso do papel: o que está por detrás, o que está fora de vista – o outro

espaço do ausente, o latente, o oculto. Comecei a imprimir em ambas a frente e o

verso do papel. Depois, através de cortes e dobragens, fui capaz de mostrar o que

estava impresso no verso e de incorporá-lo no trabalho, juntamente com o vazio

88

Referência ao seu recorrente uso do Desenho, Gravura e Poesia desde os anos 60. Regista-se, a partir

dos anos 70, a sua utilização de novos media como a fotografia, vídeo (filmes em super 8), performance e

instalação e, a partir dos anos 80, escultura. 89

Anna Maria Maiolino entrevistada por Helena Tatay (2012). [Consult. 20 - 09 - 2017], Disponível em:

http://d13.documenta.de/research/assets/Uploads/A-Conversation-between-Anna-Maria-Maiolino-and-

Helena-Tatay.pdf 90

É relevante mencionar que, de acordo com a artista, através do corpo se manifestam as diversas

temáticas subjacentes à sua obra. Estas estendem-se a questões relacionadas com identidade, linguagem, e

topologia: mapas, fronteiras e território; Registam-se numerosas alusões à situação política do Brasil

durante os anos de ditadura. (Helena Tatay [curadora], 2011). 91

Op. Cit. (2012). 92

TATAY, Helena – S.N. Fundação Tàpies, Barcelona, 2011. [Consult. 20-09 -2017], disponível em:

https://www.fundaciotapies.org/site/spip.php?rubrique995 93

Op.cit., (2012).

35

deixado pelos recortes. Agora, a impressão não residia apenas na folha plana de

papel, mas pela adição de outras dimensões tornou-se um objeto gráfico.94

Nas gravuras, as superfícies dobradas e espaços recortados expõem planos invisíveis e

definem a presença do cheio dentro vazio sendo «[…] a lâmina afiada o que revelava o

outro espaço e o tornava presente».95

Segundo a artista, esta série que combina os

aspectos da gravura com aqueles do objeto ocupa um lugar determinante no seu

percurso por preceder consequentes trabalhos em que se verificam cortes, rasgos e

costura como componentes do seu vocabulário visual. O corte permite ver o espaço

invisível e experimentar o aspeto tridimensional que é latente em qualquer plano, uma

vez dobrado. De acordo com Paul Herkenhoff, para Maiolino «o vazio não é nada ou

ausência, mas uma substância gráfica e um lugar.»96

A ausência ou vazio como campo ativo é tão presente nas referidas obras sobre papel

ou, mais propriamente, com papel97

dos anos 70, como nos seus objetos escultóricos de

cimento moldado iniciados em 1993. Esse mesmo interesse pelo outro espaço - pelo

negativo - reaparece, por exemplo, na série intitulada A sombra do outro (1993).

Relembre-se que, em termos de escultura tradicional, um objeto pode começar por ser

modelado em barro (um positivo) para que se possa executar o molde (um negativo)

dessa mesma forma e finalmente, desta última conceber-se em gesso ou em cimento um

94

Anna Maria Maiolino citada por Cornelia H. Butler, M. Catherine de Zegher In On Line: Drawing

Through the Twentieth Century. Museu de Arte Moderna (Nova Iorque), 2010. p. 72. 95

DE ZEGHER, Catherine – Ciao Bella: uma migrante por dentro e por fora, 2001. In Anna Maria

Maiolino: Vida afora/ A life line. 2001, The Drawing Center, Nova Iorque, p. IV. 96

Paulo Herkenhoff citado por Catherine de Zagher In Op. Cit. , p. 331. 97

Declara a artista utilizar a expressão „„com‟‟ para indicar aqueles trabalhos nos quais a folha de papel é

utilizada como espaço/corpo.

Fig. 20 - Anna Maria Maiolino – Buraco negro

1974. Obra da série Os Buracos/ Desenhos

objetos. Papel rasgado, 68,6 x 68,6 cm.

36

positivo (a obra final). Conforme explica Maiolino, ao trabalhar em escultura a partir de

moldes, tornou-se consciente da existência, no processo, de «uma constante copulação

entre o cheio e o vazio, o vazio e o cheio. O positivo gera o negativo que, por sua vez,

gera o positivo, e um molde preserva a memória do positivo que gerou.»98

A artista

reconhece então a importância do molde como «[…] espaço vazio que costumava conter

o positivo quando o positivo e o negativo estavam unidos.»99

Com isto, surge reforçada

a ideia de que no procedimento ambos os momentos são igualmente indispensáveis.

Assim, o método tradicional é subvertido em certa medida: o negativo ou matriz - essa

possibilidade de forma que normalmente é descartada no processo escultórico - é por si

recuperada e adquire o estatuto de obra de arte sendo «[…] investido de um novo valor

pelo ênfase dado às suas propriedades generativas, ao espaço vacante, em que a

memória do outro existe em não estar lá: o presente - positivo na ausência».100

Assim,

«estar em presença é constatar o invisível».101

Deste modo e conforme comenta a

autora, o título da série em questão, A sombra do outro, refere-se precisamente ao

positivo ausente102

àquilo que falta, à forma positiva que foi separada do negativo:

Eles formavam um só corpo em um dado momento do processo de execução da

escultura moldada. Portanto esta obra incorpora o processo de trabalho na nostalgia

da matriz, do molde. Constroem-se estas obras matriciais, na vontade de dignificar

o que é esquecido, a matriz destruída no processo de moldagem na hora que vem a

luz, o positivo.103

98

Ibidem. 99

Ibidem. 100

Esther Emilio Carlos: A memória do outro, 1997. Texto extraído do catálogo Joel Eldestein Arte

Comtemporânea, Rio de Janeiro 1997 e citado por Catherine de Zagher in Anna Maria Maiolino: Vida

afora/ A life line. 2001, The Drawing Center, Nova Iorque, p. X. 101

JACINTO, João – Arder de mão, 2013, Lisboa, p. 80. 102

Idem. 103

Anna Maria Maiolno in Op. Cit., p. 250. Rio de Janeiro, 23 de Março de 1996.

Fig. 21 - Anna Maria Maiolino – Três esculturas sem título da série A Sombra do Outro,

1993. Cimento, 46 x 37 x 30 cm (cada). Coleção da artista.

37

A relação que a autora vai estabelecer entre estes trabalhos e a questão da visibilidade -

invisibilidade pode ser compreendida no presente estudo como paradigma do Indício:

As obras, interpretadas à luz deste pensamento, adquirem significado como indícios

pela relação física que estabelecem com os seus referentes: Em A Sombra do Outro, a

noção de indício é evidenciada precisamente através da ausência do próprio referente: a

forma em positivo que não é dada a ver. Já no caso de Gravuras Objetos, veja-se o

vazio como potência de forma: vazio é indício que estabelece o seu significado ao longo

da relação física (corte) que estabelece com o seu referente igualmente omisso (papel

recortado).

2.5. Considerações sobre o indício

A convocação dos casos apresentados e o processo de negociação de ideias

aparentemente cruzadas - de Ernst a Man Ray e Maiolino - justificam a sua correlação

com a vertente prática da presente dissertação na medida em que possibilitam o

entendimento do objeto artístico enquanto «totalidade apercebida através da junção de

duas coisas: o que está presente e o que está ausente […]» sendo que «nesta totalidade,

que envolve todo o sistema perceptivo (ocorre) um pulsar entre o que é „„dado‟‟ e o que

é „„omisso‟‟»104

Pois conforme foi possível verificar, a marca provocada sobre uma

superfície por um processo de frottage, a captação ou fabricação de imagens por via

fotográfica ou a inter-relação de formas escultóricas em positivo-negativo, partilham um

conceito matricial que traz para a experiência estética «um real que é desconhecido,

embora intuído».105

Por outras palavras, a marca do referente de partida - a matriz - de igual modo intrínseca

ao corpo de trabalho prático de que esta dissertação se faz acompanhar, remete para a

singularidade da sua própria ausência: os desenhos e as pinturas apelam diretamente à

nossa capacidade de reconhecimento de uma forma que esteve na sua origem.

Com isto, reafirma-se a importância do modo como o observador poderá arbitrariamente

ser transportado para além do objeto artístico concreto uma vez que este último, pelas

104

SOARES, Marta, Op. Cit., 2011, p.31. 105

Ibidem., p.40.

38

suas características formais, «remete para um ausente (que) […] indefinido por

natureza, converte-se num lugar possível».106

Pela sua abstração, esse lugar possível

estabelece a sua relação com o imaginário:

«É que o tornar visível […] não o resgata da invisibilidade. […] O pintor nunca

considera o invisível como um outro visível possível, ou o possível visível para um

outro. O invisível está ali sem ser objeto. O invisível advém do visto.107

Deste modo, a curiosidade por mim sentida e que suscita a experimentação material de

que nascem os trabalhos produzidos em atelier poderá ser remetida como experiência

ativa ao próprio observador conferindo, em último caso, um sentido cíclico à

experiência artística.

Note-se ainda que a ideia de indício aqui exposta poderá reportar ao Mito de Plínio,

segundo o qual a filha de Butades de Sición, encontrando-se apaixonada por um jovem

coríntio que dela em breve ser iria ausentar, quis preservar a presença do jovem

esboçando a sinuosidade do seu rosto a partir da sua sombra:

[…] ao passar a mão sobre os limites da sombra do seu amante projetada na parede

para aí lhe fixar os limites a traços de carvão, procura fixar presente algo do que

sabe vir inevitavelmente a ser ausente. E, mais do que registar o que os seus olhos

miravam, tenta fixar pelo contacto com a sua mão, algo que não sendo

propriamente o corpo do ser desejado, está com ele sempre em contacto e dele

provém: a sua sombra.108

Este caso, que sustenta mitologicamente origem do Desenho, de acordo com João

Jacinto «não está tão relacionado com a observação direta da natureza quanto o está

com o tocar nas suas primeiras imagens: a sombra e o reflexo.»109

Por analogia,

relembrem-se as duas formas de experiência que o Surrealismo procurou distinguir,

perceção e representação, estudadas anteriormente: o lugar privilegiado atribuído à

perceção por ser imediata à experiência, já a representação tida com grande suspeição

por ser «[…] nada mais que uma cópia, uma recriação numa outra forma, um conjunto

de sinais para a experiência.»110

Ainda, definido pelo autor citado como um «encontro

106

Ibid. 107

MERLEAU-PONTY,M - Le visible et l’invisible, suivi de notes de travail, Paris 1964, p. 311 citado

por João Jacinto in Arder de Mão 2013, Lisboa, p.48. 108

JACINTO, João, Op. Cit.,p 90. 109

Ibidem., p..89. 110

KRAUSS, Rosalind - KRAUSS, Rosalind – The photographic conditions of Surrealism, 1981, p.10.

39

com o „„Outro‟‟ (e o reflexo é, tal como a sombra, um encontro com o „„Outro‟‟)»,111

o

Mito de Plínio remete para a noção de indício estudada previamente de acordo com

Rosalind Krauss a partir da questão do referente de identidade que é subjacente aos

pronomes linguísticos „„eu - tu‟‟ mas, no entanto, «não é aqui […] uma mera intenção

ou vontade de nomeação mas sim um „„acontecimento‟‟ […] concreto, visível (…) força

súbita que irrompe, na quase revelação de algo que vem de uma origem.»112

Ainda, conforme referido na introdução desta investigação, o termo indício alude à

marca ou sinal gráfico produzido como resultado do contacto físico entre uma matriz e

um dado suporte. No entanto, essa é uma interação momentânea que compreende o

fazer do desenho e da pintura e, portanto, finita, uma vez que o processo por mim

estabelecido na produção de imagens subentende, num momento final da sua criação, a

disjunção entre essas duas realidades – matriz e suporte. Então, a correlação efémera de

ambos da qual resulta, por fim, a independência do trabalho, vem atestar a ideia de que

«não só nos esforçamos por nos apropriarmos do mundo como pensamos a apropriação

como posse. Mas é a apropriação o que efectivamente nos coloca distantes da posse.

Tudo aquilo de que nos apropriamos revela-se puro fluxo entre os dedos.113

Sobra o

desenho, o signo que persiste.

111

JACINTO, João – Op. Cit., p. 89. 112

Ibidem., p.89. 113

Ibid., p. 56.

Fig. 22 – Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2015. Grafite sobre papel Canson, 40 x 50 cm.

40

3. Sistema Dominante

Das direções subconscientes que caracterizam grande parte do meu processo criativo,

uma das mais evidentes revela-se na constante propensão para preferências formais e

estruturais de ordem geométrica, da qual resultam pinturas e desenhos de áreas

padronizadas baseadas num sistema de grelhas. Trata-se de uma opção objetiva pela

geometria e assumo antecipadamente que qualquer panorama teórico não aspira de

modo algum fundamentar uma escolha entendida como individual e intuitiva.

3.1. Geometria como tendência

No seu ensaio The Crisis in Geometry (1984) o artista e crítico americano Peter Halley

(1953-) examina a geometria em relação ao seu papel na História cultural. Halley

declara uma crise do seu «significado». Segundo o autor, isto indica que, se outrora foi

possível apreender a forma geométrica pura, símbolo despretensioso de «estabilidade,

ordem e proporção», atualmente a sua abordagem confina-se à procura dos

«significados velados que o signo geométrico pode produzir».114

«Porque está a sociedade moderna tão obcecada com a forma geométrica que […] nos

temos esforçado para construir e viver em ambientes geométricos de crescente

complexidade e exclusividade?» Esta questão, de clara assertividade e em tom de

provocação àquilo que de tão implícito se tornou indiscutível a nível global, faz-se

acompanhar de ainda outra: «Porque tem sido a arte geométrica tão amplamente aceite

no nosso século e porque é que a imagem geométrica ganhou uma importância sem

precedentes na nossa iconografia pública?»115

Para responder a estas perguntas, Halley começa por inserir a sua reflexão no

enquadramento de uma sociologia histórica da geometria baseado no texto Discipline

and Punish de Michel Foucault. Nessa obra, as estruturas ubíquas de caráter geométrico

organizadoras do espaço da sociedade industrial - «cidades, fábricas, escolas,

alojamento, transportes e hospitais» - abordam-se como um estratégico «mecanismo

114

HALLEY, Peter – The Crisis in geometry. [s.p.]. In Arts Magazine, Nova Iorque, 1984. Vol.58, No.

10. Disponível em: http://www.peterhalley.com/ARTISTS/PAGES/Crisis%20in%20Geometry.FR2.htm 115

Ibidem. Talvez a crise „„sem precedentes‟‟ seja mais expressiva nas sociedades ocidentais. Veja-se a

importância tradicional da geometria no mundo oriental ou, por exemplo, no islâmico.

41

pelo qual a ação e o movimento (e todo o comportamento) podiam ser canalizados,

medidos e normalizados».116

O supervisionamento da população, segundo o autor por si citado, teria em vista um

maior rendimento do labor e facto é que o sistema de ordenação se estendeu

evidentemente para lá do ambiente físico para atuar também através do relógio, do

calendário, do gráfico.117

Este ideal de disciplina, de acordo com Halley, justificaria a

«obsessão moderna com a geometria (uma obsessão que qualquer pessoa a viver no

mundo industrial pode confirmar ao simplesmente sair e olhar em volta)». Prossegue,

discutindo o uso do da mesma por artistas do Século XX que frequentemente encontram

o seu fundamento em «fontes antigas e religiosas», sugerindo ainda um questionamento

em relação à leitura do misticismo com que nos habituamos a contemplar Mondrian,

Malevich, Rothko e Newman, por exemplo. Contudo, sinta-se o grau elevado de

contemplação que tais artistas nos convidam a experimentar por assumirem a geometria

precisamente como objeto de glorificação artística.

Halley apresenta uma profícua argumentação para um possível entendimento relativo à

posição favorável atribuída à geometria nos mais diversos campos da existência humana

(desde o físico, ao sonoro ou escrito). No que respeita à perceção visual, o seu

pensamento pode levar a considerar a geometria como necessidade humana, sendo que

através dela parecem os sentidos inconscientemente encontrar o seu equilíbrio.

3.2. A grelha

A convicção de Peter Halley relativa a um sistema omnipresente é partilhada por

Rosalind Krauss no seu célebre ensaio intitulado Grids (1979). Nele, a autora assume a

presença «[…] de uma estrutura que permaneceu emblemática da ambição Modernista

dentro das artes visuais» 118

- a grelha. De acordo com Krauss, este elemento reflete o

desejo vanguardista de alcançar «[…] uma originalidade, um grau zero, um

nascimento»119

fazendo-se notar através da sua repetição e recorrência formal ao longo

de gerações de artistas. Conforme observa:

116

Ibid. 117

Ibid. 118

KRAUSS, Rosalind – Grids, 1979, p. 50. 119

KRAUSS, Rosalind – The originality of the Avant-Garde and other modernist myths, 1986, p. 6.

42

[…] a grelha possui várias propriedades estruturais que a tornam inerentemente

suscetível à apropriação […] Uma delas é a sua impermeabilidade à linguagem.

[…] a grelha promove este silêncio, expressando-o sobretudo como uma recusa do

discurso. A estática absoluta da grelha, a sua falta de hierarquia, de centro, de

inflexão, enfatiza não só o seu carácter anti-referencial mas - mais importantemente

- a sua hostilidade à narrativa. Esta estrutura, impermeável ambos ao tempo e ao

incidente, não irá permitir a projeção da linguagem no domínio do visual, e o

resultado é o silêncio.120

Esse silêncio seria, portanto, resultado da recusa a todo o tipo de „„intrusão‟‟

proveniente do exterior, protegendo a obra artística de uma possível leitura sequencial

de qualquer género.121

Deste modo, segundo a crítica, seria duplo o poder da grelha em

promover a ideia de princípio ou de origem: por um lado, ao excluir formalmente todo o

„„excesso‟‟, «[…] a grelha facilitava o sentido de ter nascido no recentemente evacuado

espaço de uma pureza e liberdade estética»122

e, por outro, pela sua capacidade em «[…]

evidenciar a base material do objeto pictórico, simultaneamente inscrevendo e

descrevendo-o para que a imagem da sua superfície pudesse ser vista como nascida da

organização da matéria-prima.»123

Por conseguinte, Krauss supõe que talvez devido a esta sensação de um novo começo,

um número indefinido de artistas tenha assumido a grelha como estrutura dominante no

seu vocabulário plástico, entendendo-a como um ato de originalidade ao „„descamar

camada após camada de representação para chegar finalmente a uma redução

esquematizada.‟‟ A autora prossegue, defendendo o modo como, estruturalmente, a

grelha pode apenas ser repetida e, na medida em que se transforma no objeto de trabalho

estereotipado por vários artistas, o ideal de descoberta, „„autenticidade‟‟ ou de

„„originalidade‟‟ revela-se falso,124

uma vez que se trata de um «[…] sistema sem

fundo»125

que está «[…] constantemente a ser paradoxalmente redescoberto».126

Curiosamente, Krauss equipara tal procedimento à «psicanálise, onde a „„história‟‟ de

uma vida é similarmente vista como uma tentativa de resolver contradições primordiais

que ainda assim se mantêm na estrutura do inconsciente. Porque são elementos

120

Ibid., p.7. 121

Cf. KRAUSS, Rosalind - Grids, 1979, p.55. 122

KRAUSS, Rosalind - The originality of the Avant-Garde and other modernist myths, 1986, p.7. 123

Ibid. 124

Ibid., p.10. 125

Ibidem. 126

Idem, p.9.

43

reprimidos, funcionam para promover repetições infinitas do mesmo conflito.»127

Por

este motivo, de acordo com o seu entendimento, a grelha mostra-se extremamente

restritiva no actual exercício da liberdade. A autora refuta, portanto, a impossibilidade

da originalidade do artista por efeito da repetição. Mas considera também falsa ou

ficcional128

a noção do «status original da superfície pictórica […] do grau-zero para

além do qual não existe mais modelo, referência ou texto» pois a grelha, ao invés de

sugerir o espaço despido e neutro da estrutura tecida da tela, realça em vez disso as suas

características próprias: através de uma repetição, a trama cria uma imagem velada da

sua superfície. 129

Em suma, Krauss sustenta que a grelha condena os artistas e o objeto

artístico não à originalidade mas à repetição. Mas é no desenvolvimento da sua crítica

que se encontra um ponto de vista fundamental para o presente estudo.

Flattened130

, geometrizada, ordenada, anti-natural, anti-mimética e anti-real. É

como a arte se parece quando vira as costas à natureza. No plano que resulta das

suas coordenadas, a grelha é o meio de excluir as dimensões do real e substitui-las

com a difusão lateral de uma única superfície. Na total regularidade da sua

organização, […] a grelha é o meio de revogar as reivindicações dos objetos

naturais possuírem uma ordem particular a si próprios; as relações no campo

estético são mostradas pela grelha como estado num mundo aparte […] com

respeito aos objetos naturais.

Este pensamento proclama a grelha como símbolo da autonomia da arte em relação à

Natureza. No entanto, leva à consideração do sistema inicial de grelhas na História,

mais especificamente, das primeiras utilizações desta estrutura como instrumento a

partir da necessidade de sistematização gráfica do conhecimento humano:

No século XIX o estudo da óptica havia sido dividido em duas partes. Uma

consistia na análise da luz e nas suas propriedades físicas: o seu movimento; as

suas características de refração […] a sua capacidade de ser quantificada ou

medida. […] O segundo ramo da ótica concentrava-se no mecanismo da fisiologia

da perceção […] (luz e cor) […] Uma característica interessante dos tratados sobre

a ótica fisiológica é que estão ilustrados com grelhas. Porque é uma questão de

demonstrar a interação de partículas específicas através de um campo contínuo,

esse campo era analisado segundo a estrutura modular e repetitiva da grelha. Pela

sua abstração, a grelha convinha uma das leis básicas do conhecimento - a

separação do ecrã percentual daquele do mundo „„real‟‟.131

127

KRAUSS, Rosalind - Grids, 1979, p.55. 128

Cf. Op. Cit., 1986, p.9. 129

Idem., p. 10. 130

Termo estrangeiro utilizado para descrever uma superfície perfeitamente lisa, sem relevo nem

saliências. 131

Cf. Krauss, Rosalind - Op. Cit. 1979, p.57.

44

Ora, considerando que, num primeiro momento, é por Krauss apresentada a grelha

como um ato de virar costas à Natureza veja-se, em contrapartida, que esta necessidade

humana de organização por via de um sistema geométrico é comum e visível também

nos sistemas de organização do próprio ambiente natural. De facto, é precisamente na

Natureza onde se podem encontrar os mais exímios sistemas de auto-organização

estrutural.

3.3. Sistemas de auto-organização na Natureza

Na visão mecanicista do mundo, nascida da física clássica do século XIX, o jogo

sem objetivo dos átomos, governado pelas leis inexoráveis da casualidade,

produziu todos os fenómenos no mundo inanimado, vivo e mental. Nenhum

espaço era deixado para qualquer diretriz, ordem ou telos. O mundo dos

organismos parecia um produto do acaso, acumulado pelo jogo sem sentido de

mutações aleatórias e da seleção […] Correspondentemente, a casualidade foi

essencialmente unidirecional: um sol atrai um determinado planeta […], um gene

no óvulo fertilizado produz tal e tal característica hereditária, um tipo de bactéria

produz esta ou aquela doença […].132

De acordo com Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), é possível afirmar, quanto à

natureza da ciência moderna, que este esquema de unidades isoladas que atuam

casualmente se revelou insuficiente.133

O autor sugere que, em última análise,

poderemos pensar em termos de sistemas de elementos em interação mútua.

Que causa está por detrás dos padrões de organização que vemos no mundo – onde

a organização ocorre sem a direção de líderes ou planeamento? Que força

elementar mais profunda dá origem a tudo isto?134

No seu texto intitulado The unplaned organization: learning from Nature’s emergent

criativiy (2007), Margaret Wheatley (1944-) expõe algumas situações por si

experienciadas que a levaram a conceber os princípios teóricos básicos daquilo a que

designa a Organização não planeada, no contexto do comportamento emergente da

132

VON BERTALANFFY, Ludwig – General System Theory: foundations, development, applications,

1968, p. 45. Nova Iorque. Formato PDF. [Consult. 2017-10-20], disponível em:

https://monoskop.org/images/7/77/Von_Bertalanffy_Ludwig_General_System_Theory_1968.pdf 133

Ibidem. 134

WHEATLEY, Margaret – The unplanned organization: learning from nature’s emergent creativity,

1996. [s.p.] In Noetic Sciences Review, Primavera 1996 [s.l.].

45

Natureza. Afirma a autora que vivemos num mundo que é auto-organizador: «[…] A

vida é capaz de criar estruturas e organização constantemente, sem direção

conscientemente racional, projecto ou controlo […] vemos isto a todos os níveis de

escala, quer estejamos a olhar para os mais ínfimos micróbios ou para as galáxias».135

Tal como Peter Halley, Wheatley reconhece que, para onde quer que olhemos, a vida

procura sistemas. Neste sentido, importa notar que sistema compreende, genericamente,

um conjunto de elementos interdependentes que interagem entre si de modo a formar

um todo organizado.136

Segundo a autora, a razão porque isso acontece prende-se com o

facto de os sistemas permitirem mais diversidade, encontrar novas combinações: «a vida

procura afiliar-se com outra vida e ao fazer isso disponibiliza mais possibilidades […]».

A tendência para a criação de padrões de regularidade no meio natural é por Wheatley

ilustrada através de um processo químico denominado „„Reação Belousov-

Zhabotinsky‟‟ (B-Z). Esta experiência, executada com dois grupos de reagentes de cor

vermelha e branca, «[…] demonstra que existe uma capacidade de auto-organização na

matéria» quando induzida a distúrbios na sua estabilidade.137

Conforme relata:

(Inicialmente) […] na reação B-Z, os químicos vermelhos e brancos misturaram –

se em perfeito equilíbrio. O próximo estado discernível para este sistema […] seria

de que iria desintegrar-se, ou na melhor das hipóteses, permanecer em equilíbrio

desordenado. De facto, quando os cientistas adicionaram (novas substâncias)

químicas, as agitaram, acenderam uma chama por baixo da mistura e nela

trespassaram um arame cálido […] o que aconteceu foi que o sistema se separou

nos seus grupos químicos constituintes, vermelho e branco, e em vez de se

desintegrarem e dissiparem, os químicos reestruturaram-se. Para lá de dissipação,

houve reorganização espontânea – auto-organização. […] O que estes químicos

inertes, (alegadamente) inconscientes criaram foram espirais intrincadas.138

Sob a influência de estímulos, os padrões desenvolvem-se naquilo que caso contrário

seria um ambiente inerte. Assim, esta solução química oscila entre dois estados que são

indicados por ondas de espirais que se desdobram continuamente. Este apresenta-se

como exemplo de auto-organização no contexto de sistemas termodinâmicos que

135

Ibid. 136

BOEING, Geoff - Chaos Theory and the Logistic Map, 2015. [Online], [Consult. 2017-10-24], disponível em: http://geoffboeing.com/2015/03/chaos-theory-logistic-map/ 137

Uma solução inicialmente composta pela mistura de brometo de potássio, sulfato de cério, ácido

cítrico e ácido sulfúrico realizada em 1951, pelo bioquímico B. Belousov (1893-1970). Mais tarde, nos

anos 60, Anatolij Zhabotinski (1938-2008) substituía o ácido cítrico por ácido malónico. (GUNTERN,

Gottlieb - The Spirit of Creativity: Basic Mechanisms of Creative Achievements. 2010. Capítulo 2, p.296). 138

WHEATLEY, Margaret – The unplanned organization: learning from nature’s emergent creativity,

1996. [s.p.] In Noetic Sciences Review, Primavera 1996 [s.l.].

46

ocorrem longe do equilíbrio, um dos modelos de formação de padrões mais ricos no

contexto da biologia.139

A autora explica como esta experiência contraria a Segunda Lei

da Termodinâmica, a qual defende, de modo genérico, que «a tendência geral dos

eventos na natureza física é para estados de máxima desordem».140

Em contraste a essa

ideia, «o mundo vivo demonstra, no desenvolvimento embrionário e na evolução, uma

transição para uma ordem superior, heterogeneidade e organização. […]».141

Os

sistemas vivos, ao manterem-se num estado estacionário – conforme é possível verificar

no caso da reação B-Z através de continuadas ondas em espiral – «podem evitar o

aumento da entropia e podem até desenvolver-se para estados de maior ordem e

organização.»142

Em síntese, a reação B-Z viria a demonstrar que o aumento de entropia pode até

produzir ordem. Por outras palavras, sistemas como o da reação B-Z evoluem para

estados mais elevados de organização ao usarem novas conexões produzidas

precisamente por entropia ou desordem.

139

[S.n.][online] Disponível em: http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo5/modulo4/topico1.php 140

VON BERTALANFFY, Ludwig – General System Theory: foundations, development, applications,

1968, p. 40. Nova Iorque. Formato PDF. [Consult. 2017-10-20], disponível em:

https://monoskop.org/images/7/77/Von_Bertalanffy_Ludwig_General_System_Theory_1968.pdf 141

Ibidem, p.41. 142

Ibidem.

Fig. 23 – Formação de ondas em espiral na reação Belousov-Zhabotinsky

47

Assim, «[…] o caos tenderia para a descoberta de uma forma de organização que

resultaria para múltiplas espécies» no contexto da biodiversidade.143

Essa forma de

organização promove a criação de padrões e estruturas - um fenómeno recorrente na

constituição dos ecossistemas e que permite maiores níveis de complexidade e

diversidade. Reconheçam-se simetrias, fissuras, ondas e riscas - regularidades visíveis e

constantes nas formas do meio natural. Do mesmo modo, de acordo com Wheatley, as

pessoas procuram organização: «[…] cada vez que tentamos que algo funcione, estamos

a criar mais possibilidades dentro do sistema» sendo que «[…] cada caminho de

oportunidade leva ao seu próprio padrão de ordem. Pode ser imprevisível, mas a vida é

atraída pela ordem. É a natureza dos sistemas vivos.»144

No entanto, nesta dissertação, não pretendo discutir leis da física - o que deve ser

sublinhado - mas sim sugerir o facto de existir uma forma de comportamento

organizado «[…] que pode ser bem definido em termos científicos e para o qual as

condições necessárias e mecanismos possíveis podem ser indicados.»145

Significa isto

que «o mundo - o total de eventos observáveis - revela uniformidades estruturais que se

manifestam por traços de ordem em diferentes níveis ou reinos.»146

O princípio

unificador é que encontramos organização a todos os níveis.147

Talvez por esse motivo,

«Mondrian e Malevich […] falam sobre o Ser ou Mente ou Espírito. Do seu ponto de

vista, a grelha é a escada para o Universal […]». 148

Ou, possivelmente, esta seja a minha perspectiva pessoal errada em relação a uma

natureza de facto governada por leis sem propósito. No entanto, à luz da teoria

anunciada, coloco a hipótese de refletir-se o papel da entropia ou caos no âmbito da

produção artística e o modo como, similarmente, este pressupõe um sistema de auto-

organização interna relativamente à própria obra. Em alusão a este processo, veja-se o

conflito entre estrutura e espontaneidade com o qual se envolveu continuamente a artista

Eva Hesse (Alemanha, 1936 – Nova Iorque, 1970).

143

WHEATLEY, Margaret – Op. cit. (s.p.). 144

Ibidem. 145

VON BERTALANFFY, Ludwig, Op. cit. 1968, p. 46. 146

Ibidem., p. 49. 147

Ibidem.. 148

KRAUSS, Rosalind - Grids, 1979, p. 52.

48

3.4. Ordem e caos: em diálogo

Gostaria de alcançar uma pintura livre e espontânea delineando uma poderosa e forte

imagem estruturada. Uma deve ser possível com a outra. Um problema difícil em si

mesmo, mas um que conseguirei alcançar.149

Neste sentido, considere-se que:

Em Agosto de 1966, numa pausa necessária devido à ansiedade, Hesse foi visitar

os Honigs […] em Nova Jérsia. […] Foi (também) nesta visita que começou a fazer

os profundamente bonitos desenhos de círculos a aguada e tinta que continuou até

1968. Estes providenciaram outro escape para as suas energias […].150

Lucy Lippard (1937-) descreve a referida série de desenhos subdividindo-os em dois

tipos predominantes, sendo «[…] o primeiro constituído de filas de círculos

normalmente concêntricos contidos numa grelha visível ou invisível [e] o segundo de

círculos maiores ou „„alvo‟‟[…] também contidos em compartimentos rectangulares.»151

149

No original lê-se: „„I should like to achieve free, spontaneous painting delineating a powerful strong

structured image. One must be possible with the other. A difficult problem in itself, but one I shall

achieve.‟‟ Entrada de diário de Eva Hesse (Novembro de 1960) citada por Lucy Lippard In Eva Hesse,

1992. p,14. Da Capo Press, Nova Iorque. 150

LIPPARD, Lucy – Op.cit., p.71. 151

„„Existem também os dissidentes – aqueles nos quais nem todas as grelhas são preenchidas por

círculos, ou os círculos cobrem quatro dos quadrados das grelhas […]‟‟ LIPPARD, Lucy – Eva Hesse. In

Op. cit.,p. 72.

49

No caso do desenho aqui apresentado, presume-se que a grelha acolhe ondas que se

propagam em direção às suas fontes – os círculos – e a sua presença poderá ser pensada

como forma de organização da própria composição pictórica ou, talvez, como possível

resposta ao desejo expressado pela artista – seis anos antes da sua realização – de

alcançar uma „„poderosa e forte imagem estruturada‟‟. Ainda, atendendo à intenção

declarada por Hesse, compreende-se que, provavelmente, essa mesma estrutura não

abdicaria de factores como a liberdade e a espontaneidade mas deveria, de facto,

conciliar-se com os mesmos.

Assim, coloca-se a hipótese da comunicação entre os agentes aversos estudados

anteriormente - ordem e caos - que se propõem concordantes com o caso em questão

através da dualidade estrutura e espontaneidade, promover a formação de um padrão

compositivo (percetível tanto na imagem exposta quanto na referida série de desenhos)

e, por conseguinte, a constituição de um sistema: um conjunto de elementos

interdependentes que interagem entre si de modo a formar um todo organizado.152

Dentro deste contexto e evocando Margaret Wheatley, recapitula-se a capacidade dos

sistemas permitirem maiores níveis de complexidade e diversidade de modo a encontrar

novas combinações: «quando chegou aos círculos, um motivo já presente no seu

152

Cf. BOEING, Geoff, Op. cit., 2015.

Fig. 24 – Eva Hesse – Sem título, 1966. Aguarela e lápis sobre papel, 30 x 23,1 cm.

Espólio Eva Hesse. Galeria Hauser & Wirth, Zurique.

50

trabalho tridimensional, extraía dessa fórmula muito simples – principalmente filas de

círculos com ou sem centros – uma indefinidamente vitalidade interna que fazia com

que cada um fosse diferente.»153

Paul Válery afirma que o real recusa a ordem e a unicidade que o pensamento lhe quer

infligir.154

Talvez, precisamente por via da experimentação do real - que se constitui de

factores como a liberdade, o acaso ou o caos – seja provável criar mais possibilidades

dentro do sistema e, por conseguinte, no contexto da criação artística, sob a influência

de tais estímulos encontrar novas condições de desenvolvimento para a própria obra.

Em conversação com Eva Hesse, afirma Cindy Nemser:

No seu livro Man’s rage for chaos, Morse Peckham define a arte como um desejo

de caos, como uma espécie de abertura para o desconhecido. O artista busca o

desconhecido, procura-o para atribuir-lhe ordem, mas ele ou ela tem de encontrar o

caótico antes de conseguir dar-lhe ordem. A arte basicamente torna as pessoas

conscientes do caos que as rodeia para que possam tornar-se atentas a ele.155

Recorde-se a já mencionada visão mecanicista do mundo, respeitante ao século XIX, em

que o jogo sem objetivo dos átomos - governado pelas leis inexoráveis da casualidade,

produziu todos os fenómenos no mundo inanimado, vivo e mental sem que nenhum

espaço fosse deixado para qualquer diretriz, ordem ou telos - se revelou insuficiente,

convidando a ciência moderna a pensar em termos de sistemas de elementos em

interação mútua. Porventura «[…] Jackson Pollock mostrou-nos isso. O que é mais

caótico que aqueles drips [?] mas ele fazia a sua ordem disso, portanto era a pintura

mais ordenada.»156

Neste sentido, mediante a minha atividade criativa, poderei refletir acerca do conceito

de ordem em diversos pontos do processo de trabalho estabelecido. O primeiro,

conforme já mencionado, passará precisamente pela escolha do sistema físico segundo o

qual trabalhar – a matriz – esta que, por sua vez, carrega consigo a regularidade da

grelha. Tal preferência estrutural, recorrente nos elementos de que me aproprio, surge

como reflexo da minha necessidade de um tipo de estrutura gráfica constituída por

formas simétricas, padrões e ritmos visuais, facto que à luz das ideias já estudadas

153

LIPPARD, Lucy – Op.cit., p.71. 154

VÁLERY, Paul - Discurso sobre Estética, Poesia e Pensamento Abstracto, Vega, Lisboa, 1995, p. 31. 155

Cindy Nemser em conversação com Eva Hesse, 1970. In NIXON, Mignon (et.al.) – Eva Hesse, 2002.

October files 3. The MIT Press, p. 10. 156

Ibidem.

51

poderá levar-me a considerar uma tendência pessoal que se mostra partilhada com a

Natureza: a de auto-organização; De facto, da Natureza provenho. Na origem de um

padrão encontra-se um princípio de harmonia segundo o qual um elemento se repete de

um modo constante ou previsível. Recentemente, componho matrizes de maiores

dimensões através da junção de vários objetos. Estas permitem criar, sobre uma dada

superfície, áreas de aspeto uniforme constituídas por motivos que se duplicam e que

seguem uma disposição aparentemente precisa.

Mas dentro deste contexto processual, a referida necessidade de ordem compreende

também a minha recorrente utilização de papel autocolante ou de fita adesiva de papel,

uma vez que estes materiais permitem a criação de máscaras que estabelecem

analogamente uma estrutura segundo a qual atuar ao bloquearem a passagem de tinta

em determinadas áreas do suporte.

Fig. 25 – Construção de matriz no atelier

Fig. 26 – Papel autocolante recortado e utilizado como máscara na produção de um desenho

52

Ainda, no que respeita à necessidade de estruturas no desenvolvimento dos meus

trabalhos práticos, atento novamente à definição de matriz segundo a etimologia da

palavra, «como ponto de partida para algo que „„nasce‟‟ ou que é gerado „„a partir de‟‟»;

a matriz que, neste caso e como anteriormente explorado no presente estudo, poderá

adquirir em determinados contextos a designação de madre, ventre ou útero».157

Observe-se a mãe como estrutura primeira do seu filho: este que, não obstante a sua

autonomia, irá conter implícito o vínculo de ambos ao longo da vida inteira: O filho que

é indício da sua mãe; o desenho que é indício da sua matriz.

Seguindo a linha de pensamento aqui descrito, é possível entender que esta propensão

para estruturas terá finalmente em vista a abertura à sua própria transformação:

pretendo, através da utilização de um modelo matricial, a criação de novas variantes que

permitam a expansão infinita dos trabalhos por via da sua contínua experimentação

plástica e concetual. Por outras palavras, este apresenta-se como um modo de explorar

mais possibilidades dentro do sistema. Colabora com esta finalidade a componente

inevitável do imprevisto e do caótico como condições de aparente desequilíbrio na

produção artística: surge a importância do „erro’ no fazer criativo ao considerar-se a sua

definição como aquilo «que está imperfeito ou mal feito; defeito, falha, imperfeição;

diferença entre o valor real e o valor calculado ou registado por observação», podendo

ainda referir-se ao «desvio em relação a uma norma».158

Depreendo assim que tudo aquilo que se mantém disponível como hipótese de criação

artística será procedente apenas do que por mim for provocado. Neste contexto, o acaso,

ao qual procuro manter um estado de abertura e disponibilidade, anima a imaginação e

incentiva a procura daquilo que não se sabe pela certeza de como o encontrar:

desenhando, pintando, fotografando.

Neste sentido, evoco as ocorrências do imprevisto relembrando uma certa tarde em que

saí do atelier convicta do meu melhor desenho até então: uma larga mancha de óleo que

para minha simultânea surpresa e desencanto havia quase desaparecido no dia seguinte,

sorvida pelo papel. Este figura como exemplo do diálogo entre regularidade e

157

SOARES, Marta, Op. Cit., 2011,p. 5,. 158

Definição de „„erro‟‟ in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP). [Online],[Consult. 2017-

10-25], disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/erro

53

espontaneidade que em inúmeros outros momentos estabelece uma estreita ligação com

o meu projeto prático e que permite o seu desenvolvimento ao longo de lugares nunca

totalmente conjecturados. E porque é do projeto pessoal que aqui se escreve, importa

por agora terminar com uma imagem auto-referencial alusiva ao ano de 2015. Nessa

altura, havia muito caos.

54

55

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Arches, 28,5 x 27,7 cm

56

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Arches, 20,6 x 20 cm

57

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2015. Óleo sobre papel (Moleskine), 14 x 9 cm

58

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2015. Óleo sobre papel (Moleskine), 14 x 9 cm

59

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2016. Óleo sobre papel Arches, 56,5 x 34,5 cm

60

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Ingres, 70 x 80 cm

61

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Ingres, 72 x 51 cm

62

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel japonês, 35 x 32,4 cm

63

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2015. Óleo e acrílico sobre papel Ingres, 12 x 16,5 cm

64

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel de arroz, 40 x 50 cm

65

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Canson, 29 x 20,5 cm

66

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2015. Óleo e acrílico sobre madeira, 32 x 24,5 x 2 cm

67

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2016. Óleo sobre papel japonês, 36 x 30 cm

68

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2016. Óleo sobre linho cru, 50 x 60 cm

69

Isabel Madureira Andrade - Sem título, 2017. Óleo sobre papel Canson (pormenor).

70

Considerações finais

A investigação desenvolvida ao longo deste texto permitiu estabelecer um diálogo que

espero coerente entre os diversos focos de interesse que até hoje têm vindo a direccionar

um conjunto de decisões formais baseadas na intuição e que caracterizam o meu

projecto artístico. O documento procurou assim reunir, num todo, os aspetos e ideias

fundamentais subjacentes ao fazer: este revelou-se como um exercício fundamental

onde procurei atender teoricamente às minhas motivações e onde, por conseguinte, tive

a oportunidade de constatar a possível inserção das mesmas num tempo que atravessa e

coincide linhagens históricas diversas.

A partir da posição elementar por mim ocupada e aqui utilizada como ponto inicial da

escrita – a de ver e de estar no mundo – procurei tornar consciente o ato de apropriação

do meio físico envolvente como raiz de muitos gestos que medeiam a produção artística

e que permitem posteriormente a elaboração de uma visão crítica e pessoal. O vínculo

desta temática com a do objeto readymade tornou clara a necessidade partilhada do

sujeito criador olhar para além dos sentidos comuns atribuídos àquilo que o rodeia,

reconsiderando-os.

Nesta dissertação revelaram-se pontos fundamentais de concordância entre o processo

por mim estabelecido na produção criativa e os ideais Surrealistas, uma relação que até

ao momento da concretização deste estudo jamais havia ponderado e a que espero dar

seguimento por considerar tal movimento artístico como grande propulsor de

motivações subconscientes que por vezes parecem suprimidas do mundo concreto ou

real onde me encontro.

O conceito de indício conforme proposto por Rosalind Krauss, autora citada

frequentemente ao longo deste estudo, tornou-se indispensável para uma estruturação

teórica que acompanha paralelamente as imagens por mim criadas, sejam desenhos,

pinturas ou fotografias, a partir de um referente – este que deixa presente a sua marca

física sobre uma superfície, deste modo perpetuando a sua existência e motivando a do

objeto artístico.

71

A leitura de textos diversos que em comum refletem acerca do papel da geometria como

linguagem na produção artística favoreceu a construção de uma visão pessoal mais

informada com respeito às decisões subconscientes que são implícitas na minha

investigação plástica da imagem e que se manifestam nomeada e formalmente sob a

aparência de grelhas. Consequentemente, a partir da exploração deste tema tive ainda a

oportunidade pensar o conceito de caos ou desordem como factor inerente à própria

natureza do ser humano e, logo, como algo a não ser renegado: visto como potencial

agente de produção artística, a ideia de caos, nas suas diferentes acepções, revelou atuar

de modo contínuo e inevitável com o sentido de ordem que em tantos momentos

procuro garantir.

Finalmente, em virtude do momento em que foi escrito e em concordância com o

desenvolvimento que espero contínuo do meu projeto artístico, este é um documento

que pressinto inevitavelmente alvo de futuras transformações.

72

Referências

Legenda de imagens

Fig. 4 (página 22) – Max Ernst - La Roue de la lumière. Reprodução em colotipia de frottage

executada c. 1925, 26 x 43 cm. Imagem extraída de um portfolio de 34 colotipias a

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(ARS), New York/ADAGP, Paris. [Consult. 20.10.2017], disponível em:

https://www.moma.org/collection/works/94253

Fig. 7 (página 28) – William Henry Fox Talbot - Wrack, 1839. Photogenic drawing (desenho

fotogénico), 22 x 17,5 cm, recortado irregularmente. [Consult. 18.09.2017], disponível

em: Harris Brisbane Dick Fund, 1936. https://www.metmuseum.org/toah/works-of-

art/36.37_25/

Fig. 8 (página 28) – Man Ray (Emmanuel Radnitzky) - Rayograph, 1922. Impressão de

gelatina e prata (fotograma). 23,8x 19,7 cm. Cortesia James Thrall Soby. Doação de

James Thrall Soby, Society (ARS), New York / ADAGP, Paris. [Consult. 18.09.2017],

disponível em: https://www.moma.org/collection/works/46433?locale=en

Fig. 20 (página 35) - Anna Maria Maiolino – Buraco negro 1974. Obra da série Os Buracos/

Desenhos objetos. Papel rasgado, 68,6 x 68,6 cm. [online]. [Consult. 13-09-2017],

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Fig. 21 (página 36) - Anna Maria Maiolino – Três esculturas sem título da série A Sombra do

Outro, 1993. Cimento, 46 x 37 x 30 cm (cada). Coleção da artista. Imagem extraída do

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Fig. 23 (página 46) – Ondas em espiral na reação Belousov-Zhabotinsky. [Consult. 22.09.2017],

disponível em: http://cargocollective.com/turing/following/turing/Belousov-

Zhabotinsky-reaction

Fig. 24 (página 49) – Eva Hesse – Sem título, 1966. Aguarela e lápis sobre papel, 30 x 23,1 cm.

Espólio Eva Hesse. Galeria Hauser & Wirth, Zurique. [Consult. 24.09.2017], disponível

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