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INCIDÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM MULHERES QUILOMBOLAS DO RN Higor Melo Igor Silva Emanuelly Martins Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1 - Introdução Este estudo faz parte de uma pesquisa maior intitulada "Condições de Vida e Pobreza em Comunidades Quilombolas do RN". Para este trabalho será dado enfoque à saúde mental das mulheres quilombolas da comunidade de Grossos, localizada no município de Bom Jesus, no estado do Rio Grande do Norte, a partir do mapeamento da incidência de Transtornos Mentais Comuns (TMC). O Transtorno Mental Comum (TMC) é um conceito sistematizado por Goldberg & Huxley (1992), o qual tem sido amplamente reconhecido e utilizado por diversos pesquisadores em saúde mental. Tal conceito caracteriza um conjunto de sintomas somáticos e depressivo- ansiosos, os quais não preenchem critérios formais para diagnóstico de depressão e/ou ansiedade segundo as classificações Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders Fourth Edition (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10). Todavia, não devem ser ignorados seus efeitos biopsicossociais, já que produzem incapacidade funcional comparável e, por vezes, superior aos transtornos mentais graves. Segundo informes do Ministério da Saúde (2013) se faz necessária uma compreensão mais abrangente dos TMCs sendo importante ressaltar que a saúde mental não está, e não deve ser vista, de forma apartada da saúde geral das pessoas e que, principalmente, os usuários da atenção básica de saúde no Brasil se queixam de diversas outras demandas que podem estar atreladas às condições de sofrimento psicológico pelo qual estes vêm passando. A partir do que foi exposto por Ludemir e Melo Filho (2002), é possível verificar o caráter multifatorial dos Transtornos Mentais Comuns, os quais fazem associação com as condições de vida e trabalho, ressaltando a prevalência mais alta de TMC em pessoas inseridas em contextos de vulnerabilidades referentes às classes sociais, baixa escolaridade, o gênero, exclusão do mercado formal de trabalho e a sobrecarga de trabalhos. Anais do VI Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais João Pessoa – PB | 22 a 24 de novembro | 2017 | ISSN 2447-5416

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INCIDÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM MULHERES

QUILOMBOLAS DO RN

Higor Melo Igor Silva

Emanuelly Martins Universidade Federal do Rio Grande do Norte

1 - Introdução

Este estudo faz parte de uma pesquisa maior intitulada "Condições de Vida e Pobreza em

Comunidades Quilombolas do RN". Para este trabalho será dado enfoque à saúde mental das

mulheres quilombolas da comunidade de Grossos, localizada no município de Bom Jesus, no

estado do Rio Grande do Norte, a partir do mapeamento da incidência de Transtornos Mentais

Comuns (TMC).

O Transtorno Mental Comum (TMC) é um conceito sistematizado por Goldberg &

Huxley (1992), o qual tem sido amplamente reconhecido e utilizado por diversos pesquisadores

em saúde mental. Tal conceito caracteriza um conjunto de sintomas somáticos e depressivo-

ansiosos, os quais não preenchem critérios formais para diagnóstico de depressão e/ou ansiedade

segundo as classificações Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders Fourth Edition

(DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10). Todavia, não

devem ser ignorados seus efeitos biopsicossociais, já que produzem incapacidade funcional

comparável e, por vezes, superior aos transtornos mentais graves. Segundo informes do

Ministério da Saúde (2013) se faz necessária uma compreensão mais abrangente dos TMCs

sendo importante ressaltar que a saúde mental não está, e não deve ser vista, de forma apartada da

saúde geral das pessoas e que, principalmente, os usuários da atenção básica de saúde no Brasil

se queixam de diversas outras demandas que podem estar atreladas às condições de sofrimento

psicológico pelo qual estes vêm passando.

A partir do que foi exposto por Ludemir e Melo Filho (2002), é possível verificar o

caráter multifatorial dos Transtornos Mentais Comuns, os quais fazem associação com as

condições de vida e trabalho, ressaltando a prevalência mais alta de TMC em pessoas inseridas

em contextos de vulnerabilidades referentes às classes sociais, baixa escolaridade, o gênero,

exclusão do mercado formal de trabalho e a sobrecarga de trabalhos.

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Neste sentido se faz necessário caracterizar, de maneira geral, as comunidades

quilombolas do Brasil, uma vez que diversos trabalhos (Silva, 2015; Volochko, 2009; Marques,

Caldeira, Souza & Zuzzhi, 2010; Silva, Lima, Hamann, 2010) indicam que a maioria destas

comunidades se encontram em contextos de vulnerabilidades. O documento oficial "Guia de

Políticas Públicas para Comunidades Quilombolas" Secretaria Especial de Políticas e Promoção

da Igualdade Racial (SEPPIR) (2013), de acordo com o decreto 4887/2003, defende que

comunidade quilombola é toda aquela composta por grupos étnicos-raciais que possuem

trajetória histórica e relações territoriais específicas. Com presunção a ancestralidade negra e

lutas por resistência frente as opressões sofridas no decorrer da história. Ainda de acordo com

este documento, estima-se que o Brasil possua 2.197 comunidades quilombolas, destas 2.040 são

certificadas pela Fundação Cultural Palmares, das quais 63% estão localizadas na região nordeste

do Brasil.

É relatado também que além dos altos índices de extrema pobreza que chega a quase 75%,

grande parte da população quilombola (82%) tem como principal fonte de sustento o

desenvolvimento de atividades agrícolas, extrativismo ou pesca artesanal e que quase 25% das

pessoas não sabem ler (SEPPIR, 2013), o que deixa as comunidades quilombolas do Brasil muito

próximas das realidades rurais de uma maneira geral, conforme descrito por Costa, Dimenstein e

Leite (2014), que apresentam um cenário com condições de vida semelhantes nos assentamentos

rurais do nordeste brasileiro.

Um importante conceito para entender esse cenário é o de vulnerabilidade socioambiental.

Ludemir (2008) aponta o atravessamento de gênero no sofrimento psíquico, uma vez que é

possível observar uma distribuição desigual entre homens e mulheres, seja em razão da exclusão

do mercado de trabalho formal, da baixa renda ou dos baixos níveis de escolaridade que,

conforme já demonstrado, são entraves presentes na realidade das comunidades quilombolas do

Brasil (SEPPIR, 2013). Ainda tendo em vista as semelhanças supracitadas entre a população rural

e a população que vive em comunidades remanescentes de quilombos, é importante ressaltar que

estudos anteriores (Costa, Dimenstein & Leite, 2014; Parreira, Haas, Silva, Monteiro & Santos,

2017) demonstram que no meio rural predominância de transtornos mentais entre mulheres se

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repete com os agravos decorrentes das condições de vida do meio rural brasileiro1 e da

feminização da pobreza2.

Portanto, levando em consideração a escassez de estudos relacionando a experiência de

ser mulher em comunidades quilombolas e a frequência de TMC's, objetivou-se investigar a

incidência de TMC em mulheres moradoras da comunidade de Grossos, localizada no município

de Bom Jesus, Rio grande do Norte, no nordeste brasileiro. Além disso, buscou-se investigar os

possíveis fatores que fazem emergir estes casos a partir da relação do contexto ambiental e sócio-

econômico que estas mulheres vivem, identificando os possíveis fatores disparadores relatados

por estas.

2 – Aspectos Metodológicos

As ferramentas utilizadas foram, consecutivamente, uma versão modificada do

Questionário Sócio-Demográfico-Ambiental (QSDA), o Self-reporting Questionnaire (SRQ-20),

e uma entrevista semiestruturada voltada para aquelas participantes que atingiram o ponto de

corte (>7) do SRQ-20. O QSDA, desenvolvido pelo Departamento de Geologia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi construído com a finalidade de avaliar as condições

socioeconômicas, culturais e educacionais de um determinado grupo, relacionando estes fatores

com a qualidade de moradia, acesso à saúde, práticas sociais, culturais e educativas, assim como

as condições de sustentabilidade básica destas famílias. Já o SRQ-20, recomendado pela OMS, é

um instrumento que se baseia nos sintomas que o sujeito está sentindo nos últimos 30 dias, tendo

em vista a finalidade de rastrear os Transtornos Mentais Comuns (TMC) e na sua versão

brasileira conta com 20 questões acerca da busca dos sintomas de transtornos não-psicóticos.

As participantes do estudo são 60 mulheres, maiores de 18 anos, que aceitaram participar

da pesquisa, destas 19 atingiram o ponto de corte e 14 aceitaram responder livremente da

entrevista. A análise dos dados foi realizada em duas etapas: 1) Análise descritiva: Através do

¹ Para maiores informações vide Fernandes, 2016. 2 O termo "feminização da pobreza" pode ser entendido a partir os processos que sustentam as mulheres como a parcela da população mais pobres tentando entender estas condicionalidades (MACEDO, 2008).

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software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), em sua vigésima versão para a

plataforma Windows e 2) Mapas Dialógicos: A construção do Mapa Dialógico, que de acordo

com Spink (1999) pode ser caracterizado como uma ferramenta que viabiliza a organização de

discursos, aproximação com o material coletado e norteamento de discussões. Para a construção

do Mapa Dialógico foram realizadas quatro etapas: transcrições integrais das entrevistas;

categorização das respostas por eixo de análise; Discussão coletiva acerca destas categorias e

sínteses de análise; elaboração final dos mapas dialógicos.

3 – Apresentação dos dados

As mulheres pesquisadas se situam nas faixas etárias de 18 até 29 anos (23%), de 30 e 49

anos (43%), e também aquelas que estão acima de 49 anos (32%). No que diz respeito a

escolaridade estas mulheres, em sua maioria (45%), cursaram o ensino fundamental, tendo-o

completado ou não, em seguida aparecem as pessoas com até um ano de escolaridade3 (27%). As

mulheres possuem, em grande maioria (78,9%) como principal fonte de sustento a agricultura

familiar associada com alguma outra renda, e a participação em programas sociais. No que se

refere ao estado civil, a maior parte é casada (75%), seguida de solteiras (18%) e viúvas

compreendem apenas 6,7% das pesquisadas.

No que se refere à renda, os dados mostram que 68% das mulheres vivem com até um

salário mínimo para toda sua família, das mulheres que possuem renda entre 1 e 2 salários

mínimos representam 27% e pouco mais de 4% têm rendimentos superior a dois salários

mínimos. Deste modo, é possível notar que os dados colhidos na comunidade de Grossos

refletem um cenário nacional das comunidades quilombolas, onde os altos índices de pobreza,

analfabetismo e a falta de inserção no mercado formal de trabalho são bastante presentes

(SEPPIR, 2013), causando assim precarização das condições de vida das mulheres quilombolas.

Em relação ao SRQ-20, das 60 pesquisadas 19 (32%) atingiram o ponto de corte (>7) e

foram convidadas a participar da entrevista semiestruturada. Apesar de que os indicativos de

3 ³ (incluindo pessoas analfabetas e que só conseguem escrever o nome)

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TMC serem levemente inferiores aos estudos anteriores em outras realidades rurais do Brasil,

conforme demonstram Costa, Dimenstein e Leite (2014) e Costa e Ludemir (2005), ainda são

dados preocupantes. Conforme Lucchese (2017), Santos e Siqueira (2010), Ludemir e Melo Filho

(2002) e Costa, Dimenstein e Leite (2014), tais índices podem estar associados a fatores como os

altos índices de pobreza, os atravessamentos de gênero, exclusão do mercado de trabalho formal

e sobrecarga laboral.

Ao relacionar os resultados da ferramenta SRQ-20 com os dados obtidos nas entrevistas,

verifica-se a existência de, pelo menos, quatro eixos de análise, sendo estes: 1) Histórico dos

sintomas; 2) recorte de gênero; 3) Relação com a comunidade 4) Histórico do uso de serviços de

saúde

3.1 - Histórico dos sintomas

Majoritariamente as mulheres da comunidade dizem que os sintomas começaram na fase

adulta, duas afirmam que foi na adolescência e uma diz não saber. Quanto aos fatores

disparadores, a família ocupa o papel principal nos eventos relatados, principalmente com relação

a preocupação entre os membros sobre a questão ser um fator de desgaste em vários momentos.

Somam-se a essa situação: o consumo de álcool e outras drogas por membros da família, a

gravidez e o nascimento dos filhos e o enlutamento por familiares falecidos. As vulnerabilidades

sociais também se mostram como uma questão: partindo desde as dificuldades financeiras em

prover o sustento da família, até a criminalidade relacionada à assaltos e assassinato de

familiares. Ainda em um caso foi trazida uma situação específica, a qual seja: a dificuldade em

dar continuidade aos estudos e adentrar o ensino superior.

3.2 - Recorte de Gênero

As entrevistadas ficaram divididas na questão sobre achar que há diferenças entre a

vivência desse mal-estar entre homens e mulheres. Das 7 que responderam afirmativamente,

falam da maior sensibilidade feminina, outras falam da falta de sensibilidade masculina, como é

relatado pela Mulher 2: "Homens se importam menos. Sofrem calados. Compartilham menos,

geralmente só com a esposa". Uma das respostas fala sobre as mulheres serem mais fracas que os

homens e outra sobre as mulheres trabalharem mais que os homens. As que afirmam não haver

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diferença, em grande parte, não justificaram suas respostas. As que o fizeram relatam que

possuem a mesma carga laboral ou que os homens "não tão nem aí pra ajudar" (MULHER 8).

Voltando à questão sobre o início dos problemas emocionais, idade e o motivo que as

pesquisadas atribuem para tal, é possível observar que as respostas estão circundadas por um

discurso ainda muito enraizado no papel estigmatizado da mulher na sociedade que, de acordo

com Silva (2010), é caracterizado pelos cuidados com a casa, marido e criação dos filhos.

Exemplos podem ser encontrados nas falas da Mulher 4, que afirma que os sintomas começaram

quando seu marido voltou a beber e que por este motivo sente vontade de tirar a própria vida; da

Mulher 3, sobre os afazeres domésticos, que afirma: " às vezes é falta de dinheiro pra comprar as

coisas, eu não tenho prazer em varrer, ir pra escola às vezes eu até falto aula [...]". Estas falas

podem demonstrar uma representação da responsabilidade destas características enraizadas na

sociedade na subjetividade destas mulheres.

Ainda é possível perceber uma forte influência de gênero quando as entrevistadas

responderam sobre a existência de pessoas passando pelo mesmo problema na comunidade. Das

que responderam afirmativamente uma delas fala sobre a existência de outras mulheres separadas

(MULHER 4) e a qualidade de "mãe" e as preocupações entorno deste papel também são citados

pelas mulheres 1 e 2, reforçando assim as características patriarcais ainda presentes na

comunidade.

3.3 - Relação com a comunidade

No questionamento sobre se elas achavam se existiam mais pessoas na comunidade

passando pelo mesmo problema a resposta, em grande parte, foi sim. Uma das que nega afirma:

"só eu que sou doida, eu acho" (MULHER 11) e a outra não dá nenhum motivo para tal

suposição. As mulheres, de maneira geral, não reconhecem ligação entre o fato de morar em

comunidade quilombola com os seus sofrimentos psíquicos, as que afirmam que há ligação

referem-se à distância da comunidade de instituições como universidades e o fato da

"comunidade fica pra trás em tudo" (MULHER 5) o que denota a questão do racismo ambiental

na comunidade pesquisada, uma vez que este fenômeno é definido quando as questões étnico-

raciais envolvem a sobreposição de classe, a luta por território e descasos na articulação e

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desenvolvimento de práticas de defesa dos territórios que, como nos casos das comunidades

quilombolas, são protegidos por lei (ABREU, 2013).

Quanto à forma como a comunidade lida com essas situações, foi apresentado um cenário

de estranhamento e julgamento moralizante da comunidade frente aos comportamentos

desviantes, indiferença ou ignorância sobre a existência desses, o que reflete uma falta de

acolhimento dessas pessoas em sofrimento.

3.4 - Histórico do Uso dos Serviços de Saúde

Em face aos problemas identificados, a grande maioria relata não haver procurado

qualquer tipo de apoio nos recursos formais de cuidado, apenas 31% das mulheres buscaram

ajuda nos serviços de saúde, das quais comumente referiram uso dos serviços de saúde (UBS),

sobretudo destacando o atendimento clínico médico, sendo evidenciado ainda encaminhamentos

ao psicólogo. A forma mais comum de cuidado, em vistas a esta forma de acesso é o uso de

remédios alopáticos, destacando-se o uso de benzodiazepínicos (Diazepam, Neosaldina) e anti-

hipertensivos.

Quase a totalidade não relata quaisquer episódios de internação vinculados a problemas

em saúde mental. Poucas citam acesso aos serviços, mas por outras necessidades de saúde como

gravidez/pré-natal e problemas cardíacos, e não aos de saúde mental. As demais entrevistadas

revelam que, em alguns casos, o tratamento nestes serviços resvala para a moral religiosa e para o

apelo à instituição família. Verifica-se também aconselhamentos pouco úteis, do tipo "não pense

nisso". Referem, todavia, que se sentiram bem acolhidas nos serviços procurados, recebendo

acolhimento profissional satisfatório. Diante das condições dos aparelhos de saúde, reclamam

sobre a falta do posto de saúde na comunidade, de modo que o atendimento é precário. Apontam

também a falta de especialidades profissionais, das quais a mais citada é o dentista, no entanto é

referida a falta de cobertura de saúde geral, desde a básica até mais especializadas. Também

foram apresentadas queixas da falta de grupos terapêuticos, especialmente para mulheres

grávidas. Portanto, acerca do que gostariam de ter disponível para a comunidade em termos de

tratamento pelas equipes de saúde e assistência social, relatam a necessidade de dentista, além de

maior número de vagas para o atendimento médico.

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3.5 - Relação com o Racismo Institucional

O racismo apareceu em algumas falas, no entanto o racismo institucional só foi citado por

apenas uma mulher. Em muitos casos em que apareceram situações de preconceito ou de

dificuldade no acesso dos serviços de saúde e da própria condição de vulnerabilidade que estão

localizados, foi respondido que a pobreza era o motivo, ou que é difícil para todos. De tal modo

que ocorre uma espécie de naturalização do tratamento diferenciado, e quando se é percebido

alguma situação de desrespeito a prática citada foi o não enfrentamento. Teve um caso que disse

sentir uma diferença positiva no tratamento pelo fato de ser quilombola quando foi acessar o

serviço de saúde.

4 - Conclusões

Sendo resultado de uma série de opressões vividas, seja na vida familiar ou no trabalho, as

mulheres da comunidade de Grossos pouco têm falado sobre as questões acerca do adoecimento

mental. Partindo da necessidade de um melhor esclarecimento do que pode ser um transtorno

mental, percebe-se como importante uma maior atenção aos serviços de saúde, primordialmente

na rede de Atenção Primária a Saúde (APS). Desta forma pode-se colocar em prática métodos

preventivos e de cuidado que são indicados pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da

Mulher: princípios e diretrizes (Ministério da Saúde, 2004) e o Projeto Terapêutico Singular

como plano de ação compartilhado, com intenção no cuidado integral da pessoa (Ministério da

Saúde, 2014). Neste sentido os profissionais da atenção básica poderiam realizar atividades

educacionais junto com a comunidade a fim de melhor esclarecer o que são os TMCs e quais são

as formas de tratamento/encaminhamento que se enquadram em situações específicas.

Percebe-se que os Transtornos Mentais Comuns são frutos de vários fatores sociais,

ambientais e de acesso aos serviços básicos. No caso das mulheres da comunidade pesquisada, o

sofrimento mental está relacionado as múltiplas vulnerabilidades sofridas, como baixa renda e

escolaridade e precarização das condições de trabalho, somando-se a estas condições as

desigualdades específicas do gênero. Dá-se então a necessidade do empoderamento feminino a

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fim de fomentar um modelo de saberes que seja emancipador, tanto no ponto de vista do género,

quanto da questão quilombola (identidade e território) e suas relações com os TMCs.

5 - Referências

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Anais do VI Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais João Pessoa – PB | 22 a 24 de novembro | 2017 | ISSN 2447-5416