incentivos fiscais de icms e (in) segurança jurídica: é guerra, guerrilha … · 2015. 10....

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Incentivos fiscais de ICMS e (IN) segurança jurídica: é guerra, guerrilha ou terrorismo estatal? Sumário: 1. Introdução, 2. Segurança jurídica no sistema tributário nacional, 3. Um retrato da insegurança jurídica na guerra fiscal de ICMS, 4. Terrorismo estatal - retaliações no âmbito da guerrilha fiscal, 5. Pela proteção da confiança do contribuinte no front da guerra fiscal, 6. Considerações finais, 7. Bibliografia. Palavras-chaves: Segurança Jurídica- Incentivos fiscais unilaterais- Guerra fiscal- ICMS- Manutenção 1. Introdução: A própria palavra guerra nos indica desde sua enunciação um quadro de completa insegurança. Inconcebível compreender segurança num cenário de guerra. Em matéria fiscal, infelizmente, não tem sido diferente. No atual panorama de guerra fiscal, consistente em medidas de atração de investimentos privados por meio de incentivos fiscais de ICMS, seguidas das mais diversas contramedidas pelos entes políticos ditos prejudicados (ações diretas de inconstitucionalidades, glosa de créditos, retenção de mercadorias, etc.), se instalou um quadro de completa insegurança jurídica aos contribuintes adquirentes de mercadorias com origem nos Estados concedentes de incentivos fiscais. A interrogação contida no título não é despropositada. Revela, desde já, o espírito de dúvida que se instalou nos contribuintes diante das práticas empreendidas pelos Estados ditos prejudicados; consistentes em verdadeiros atos de terrorismo fiscal com autuações milionárias em função das glosas de créditos empreendidas e, inclusive, retenção de mercadorias nos postos fiscais.

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Incentivos fiscais de ICMS e (IN) segurança jurídica: é guerra, guerrilha ou

terrorismo estatal?

Sumário: 1. Introdução, 2. Segurança jurídica no sistema tributário nacional, 3. Um retrato da

insegurança jurídica na guerra fiscal de ICMS, 4. Terrorismo estatal - retaliações no âmbito da

guerrilha fiscal, 5. Pela proteção da confiança do contribuinte no front da guerra fiscal, 6.

Considerações finais, 7. Bibliografia.

Palavras-chaves: Segurança Jurídica- Incentivos fiscais unilaterais- Guerra fiscal- ICMS-

Manutenção

1. Introdução:

A própria palavra guerra nos indica desde sua enunciação um quadro de completa

insegurança. Inconcebível compreender segurança num cenário de guerra. Em matéria fiscal,

infelizmente, não tem sido diferente.

No atual panorama de guerra fiscal, consistente em medidas de atração de investimentos

privados por meio de incentivos fiscais de ICMS, seguidas das mais diversas contramedidas pelos

entes políticos ditos prejudicados (ações diretas de inconstitucionalidades, glosa de créditos,

retenção de mercadorias, etc.), se instalou um quadro de completa insegurança jurídica aos

contribuintes adquirentes de mercadorias com origem nos Estados concedentes de incentivos

fiscais.

A interrogação contida no título não é despropositada. Revela, desde já, o espírito de

dúvida que se instalou nos contribuintes diante das práticas empreendidas pelos Estados ditos

prejudicados; consistentes em verdadeiros atos de terrorismo fiscal com autuações milionárias em

função das glosas de créditos empreendidas e, inclusive, retenção de mercadorias nos postos

fiscais.

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O presente trabalho tem por propósito confrontar as contramedidas adotadas em face dos

incentivos fiscais de ICMS, autênticas normas tributárias indutoras1, com o sobreprincípio2 da

segurança jurídica, e seus consectários da proteção da confiança3 e boa-fé objetiva4 no direito

tributário5, que demandam postura coerente e previsível da Fazenda Pública, bem como, cortes

judiciais e administrativas.

2. Segurança jurídica no sistema tributário nacional

Entre os reclamos dos contribuintes brasileiros: alta carga tributária, complexidade das

obrigações acessórias, insegurança jurídica, justiça fiscal etc., ganha destaque o desejo por

segurança jurídica e certeza na tributação. Muito antes de pagar menos tributos almeja o

contribuinte ter a certeza do que e quanto vai pagar. Adam Smith já anunciava que o postulado

da “certainty” se sobrepõe ao postulado da justiça da tributação:

O imposto que cada indivíduo está obrigado a pagar deveria ser certo e não arbitrário. Sendo de outra maneira, toda pessoa sujeita ao imposto fica mais ou menos no poder do coletor de impostos, que pode agravar o imposto sobre qualquer contribuinte recalcitrante, ou extorquir, pelo terror de tal gravame, algum presente ou gratificação para si mesmo. A incerteza na tributação encoraja a insolvência e favorece a corrupção de uma categoria de homens que são naturalmente impopulares, mesmo que não sejam insolventes ou corruptos. A certeza do que cada indivíduo deverá pagar é, na tributação, uma questão de tamanha importância que creio que um grau bem considerável de desigualdade não é um mal tão grande como um pequeno grau de certeza.6

A partir desse cenário se constata que as sociedades empresárias adquirentes de

mercadorias com origem nos Estados concedentes de incentivos de ICMS muito antes de preços

competitivos almejam por segurança no creditamento do ICMS antes incidente, de modo que não 1 SCHOUERI, Luís Eduardo. Segurança Jurídica e normas tributárias indutoras. In RIBEIRO, Maria de Fátima. Direito tributário e segurança jurídica. São Paulo: MP, 2008. p.117 2 AVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. In CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Segurança jurídica na tributação e Estado de direito. São Paulo: IBET, 2005. p.251-277. 3 TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio da Proteção da Confiança do Contribuinte . Revista Fórum de Direito

Tributário - RFDT, Belo Horizonte, n. 6, nov./dez. 2003. p. 9-20. 4 RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito financeiro e tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.166. 5 DERZI, Misabel Abreu Machado. Mutações, complexidade, tipo e conceito sob o signo da segurança e proteção da confiança. In TORRES, Heleno Taveira (org.) Tratado de Direito Constitucional e Tributário: Estudos em

Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p.275. 6 SMITH, Adam. Riqueza das nações. São Paulo: Hemus, 1981. p.420.

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venham a ser surpreendidas diante da glosa de créditos por seus Estados em retaliação aos

incentivos fiscais unilaterais.

Oportuno observar que o sobreprincípio da segurança jurídica irradia efeitos não apenas

na ordem tributária, mas também na ordem econômica7. De acordo com Schoueri “a intervenção

do Estado sobre o Domínio Econômico haverá de assegurar a observância daquele

sobreprincípio, a exigir do Estado coerência e previsibilidade, próprios do planejamento

indicativo exigido pelo art.174 da Constituição Federal.”

Dificuldade que há na preservação das relações jurídicas tributárias travadas no âmbito da

guerra fiscal se refere justamente a forma federativa de Estado. Aspecto federativo que constitui

fator de complexidade se dá ao fato de que os incentivos fiscais de ICMS praticados com fulcro

na função de fomento prevista no art.1748 são hostilizados por outros Estados da federação sob os

quais o Estado concedente do incentivo não detém qualquer jurisdição.

Impende considerar, no entanto, que a Constituição Federal ao enunciar a República

Federativa do Brasil como Estado de direito, que corresponde a muito mais que um Estado de lei,

prescreve a segurança jurídica como sobreprincípio (art.5º, II e XXXVI, CF) tendo por

consectários a proteção da confiança do contribuinte e da boa-fé objetiva que vinculam o Poder

Público como um ente único. Tais padrões de conduta são demandados não apenas do Estado

concedente do incentivo fiscal, mas alcançam os outros entes políticos envolvidos nas operações

interestaduais, como também, o próprio Poder Judiciário, sobremodo, o Supremo Tribunal

Federal como guardião da Constituição (art.102, caput).

O fato do Brasil ainda se encontrar a busca de um modelo de federação não pode, jamais,

implicar punição aos contribuintes dado o quadro de (in)segurança jurídica inaugurado com as

contramedidas dos Estados ditos prejudicados.

Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, incumbe a função

preeminente de conferir justamente segurança jurídica, sobretudo, no julgamento das ações 7SCHOUERI, Luís Eduardo. Segurança na ordem tributária nacional e internacional: tributação do comércio exterior. In In CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Segurança jurídica na tributação e Estado de direito. São Paulo: IBET, 2005. p.376. 8FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Guerra Fiscal, Fomento e incentivo na Constituição Federal. Direito Tributário: Estudos em homenagem a Brandão Machado. Luís Eduardo Schoueri e Fernando Aurélio Zilvetti (coords.). São Paulo: Dialética, 1998. p.280.

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diretas de inconstitucionalidades ajuizadas em face das leis estaduais que veiculam programas de

incentivos fiscais de ICMS:

A Justiça é de ser feita nas instâncias inferiores e também é inerente à atuação do Pretório Excelso. Sua função maior, entendo, conforme enunciado logo no princípio do texto das competências, é a de ser "guardião da Constituição". É o Poder que dá estabilidade às instituições. Este é o motivo pelo qual, para que exista tal estabilidade das instituições e para que exerça adequadamente sua função de guardião - seu atributo maior - da "segurança jurídica", possui as alternativas de ofertar, conforme a realidade do momento, eficácia ou "ex tunc" ou "ex nunc" às suas decisões, objetivando o mínimo de efeitos negativos ao regime democrático e aos valores da lei suprema. 9

Mesmo que consolidada jurisprudência na Suprema Corte no sentido da

inconstitucionalidade dos incentivos fiscais unilaterais10 não há certeza quanto a modalidade do

incentivo fiscal de cada um dos programas estaduais: se tributários ou financeiros; vez que esses

prescindem da observância do procedimento do art.155, §2º, XII, g, CF. “A elasticidade que os

Tribunais têm dado, na interpretação das leis de estímulos fiscais, assim, como o pouco uso das

vias judiciais pelas unidades federativas”11 é suficiente para afastar qualquer certeza ao

contribuinte.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás em sede de apelação12, na qual a municipalidade

de Goianésia pretendia repasse imediato da parcela do produto da arrecadação de ICMS

subsidiada com base no Programa Fomentar (Lei Estadual nº 9.874/84), se posicionou pela 9 MARTINS, Ives Gandra da Silva.Efeitos Prospectivos de Decisões Definitivas da Suprema Corte em Matéria Tributária. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2005. p. 9- 25. 10 ADIn 84-MG, 15.2.96, Galvão, DJ 19.4.96; ADInMC 128-AL, 23.11.89, Pertence, RTJ 145/707; ADInMC 902 3.3.94, Marco Aurélio, RTJ 151/444; ADInMC 1.296-PI, 14.6.95, Celso; ADInMC 1.247-PA, 17.8.95, Celso, RTJ 168/754; ADInMC 1.179-RJ, 29.2.96, Marco Aurélio, RTJ 164/881; ADInMC 2.021-SP, 25.8.99, Corrêa; ADIn 1.587, 19.10.00, Gallotti, Informativo 207, DJ 15.8.97; ADInMC 1.999, 30.6.99, Gallotti, DJ 31.3.00; ADInMC 2.352, 19.12.00, Pertence, DJ 9.3.01; ADI 2.439-MS e 2.548-PA 11MARTINS, Ives Gandra da Silva. Temas de Direito Público. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p.115. 12 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Apelação. FOMENTAR- Cota de ICMS indevida- Parte fomentada não arrecadada. Apelação nº369222-33.2005.8.09.0049. Apelante Estado de Goiás e CELG e apelado Município de Goianésia. Relatora Juíza Elizabeth Maria. 1º de Julho de 2010. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Ação Direta de Inconstitucionalidade. FOMENTAR- Contratos de alienação antecipada- Leilões. Constitucionalidade. Decreto estadual nº 5.036/99 e Lei estadual nº 13.436/98. Apelação nº218/8. Autor Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás e requeridos Governador do Estado de Goiás e Assembléia Legislativa do Estado de Goiás. Relatora Deser(a). Beatriz Franco. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação. PRODEC. Apelação nº 2005.037551-7,. Apelante Estado de Santa Catarina e apelado Município de Timbó. Relatora Deser(a).xxxxxxxxxxxx. 30 de maio de 2006.

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natureza financeira dos incentivos concedidos. No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do

Estado de Santa Catarina acerca de seu programa de incentivos fiscais (PRODEC).

O próprio Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2.056/MS, ajuizada em face de benefícios

fiscais praticados pelo Estado do Mato Grosso do Sul, julgou que os incentivos fiscais,

consistentes no diferimento do tributo, concedidos no âmbito do Programa Fundersul têm

natureza financeira, logo, prescindiriam de deliberação pelo CONFAZ.

Nas lições de Ives Gandra da Silva Martins segurança e certeza, muito embora ambos

direitos e garantias fundamentais, não correspondem exatamente ao mesmo significado, in verbis:

"Certeza" e "segurança", na minha visão, são direitos e garantias fundamentais; a "segurança" é ofertada pelas disposições dos textos legislativos e a "certeza" pela interpretação que os Tribunais lhes ofertam. Desta forma, a "segurança", a que se refere a Carta Magna, só adquire "certeza" absoluta quando o Poder Judiciário oferta a decisão definitiva, a interpretação última, aquela que permite seja a interpretação seguida pelos cidadãos com confiança.13

Portanto, merecedora de análise percuciente os incentivos fiscais praticados por cada um

dos Estados da federação. Em existindo dúvida quanto à modalidade do incentivo praticado

impende se proceder a garantia de estabilidade às relações jurídico-tributárias estabelecidas

afrontando o sobreprincípio da segurança jurídica a declaração de inconstitucionalidade com

efeitos “ex tunc” conforme se verifica a seguir.

O assunto ganhou um colorido especial com a declaração de inconstitucionalidade, sem

modulação temporal dos efeitos da decisão, das leis veiculadoras de incentivos fiscais unilaterais

praticados pelos Estados do Pará, Roraima e Paraná.

3. Um retrato da insegurança jurídica no âmbito da guerra fiscal de ICMS

O Supremo Tribunal Federal em sede da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº

3.462-6/PA manejada em face da Lei estadual nº 6.489/2002 julgou, em 16 de abril de 2006,

inconstitucionais os incentivos paraenses concedidos a revelia do CONFAZ tendo a decisão

efeitos ex tunc, isto é, a Fazenda Pública deveria proceder a cobrança dos tributos não recolhidos

nos últimos cinco anos com base na lei de incentivo declarada inconstitucional. 13 MARTINS, Ives Gandra da Silva.Efeitos Prospectivos de Decisões Definitivas da Suprema Corte em Matéria Tributária. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2005, pag. 9 a 25.

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Não bastasse o quadro de insegurança jurídica inaugurado com a decisão, dada a ausência

de modulação dos efeitos temporais da decisão, com fulcro no art.27, da Lei nº 9.868/99, o

Estado do Pará editou, à revelia do CONFAZ, novas leis de incentivo fiscal (Leis nº 6.912/2006,

6.913/2006, 6.914/2006 e 6.915/2006) com vistas a “reinaugar” os incentivos antes praticados.

Autorizado pelo CONFAZ (Convênio ICMS nº51, de 18 de abril de 2007) o Estado do

Pará editou Decreto nº 309, de 30 de julho de 2007, instituindo programa de anistia fiscal com

vistas a promover a regularização dos créditos tributários decorrentes de fatos geradores

ocorridos até 31 de dezembro de 200614.

Neste ínterim, da declaração de inconstitucionalidade da lei paraense ao programa de

anistia fiscal, foi também declarada a inconstitucionalidade de incentivos fiscais unilaterais

editados pelos Estados do Paraná (ADI nº 2.548-1) e Rondônia. A matéria de remissão de débitos

conquistou coro no Conselho de Política Fazendária (CONFAZ).

Em janeiro de 2010, por meio do Convênio ICMS nº02, os vinte e sete Estados da

federação anuíram que os Estados do Pará15 e Rondônia16 deixem de cobrar os créditos advindos

da declaração de inconstitucionalidade de suas leis de incentivo fiscal de ICMS.

Muito embora o CONFAZ seja o foro legal para discussão e deliberação da matéria não

figura providência de bom alvitre deixar ao juízo político dos demais Estados decisão de caráter

eminentemente constitucional dado o princípio aqui envolto: segurança jurídica.

Considerando as inúmeras relações jurídicas tributárias já estabelecidas nesse ambiente de

guerra fiscal, e o inegável desenvolvimento regional proporcionado aos Estados em

desenvolvimento, é medida que se impõe, em respeito ao sobreprincípio da segurança jurídica e a

coesão social, a manutenção dos incentivos fiscais já usufruídos por meio da modulação temporal

dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade.

A partir de escorço da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da modulação

temporal dos efeitos da decisão em matéria tributária se constata certa resistência daquela corte

na conferência de efeitos pro futuro. De acordo com o Jorge Otávio Lavocat Galvão17 “ as 14 MENESCAL, Leonardo Alcantarino. Aspectos minerários e ambientais das leis de incentivo fiscal- um estudo de caso. In SCAFF & ATHIAS, Fernando Facury e Jorge Alex. Direito tributário e econômico- aplicado ao meio

ambiente e mineração. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.257. 15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3.246-1/PA. Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Brito, j. 19.04.2006. 16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.548/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10.11.2006. 17GALVÃO, Jorge Otávio Lavocat. Modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade em matéria tributária: mitos, consequencias e arranjos institucionais ideais. In: II CONGRESSO BRASILEIRO DE CARREIRAS JURÍDICAS DE ESTADO, 1, 2010. Brasília. Oficina Tributação e desenvolvimento do país. Brasília,

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implicações referentes a esta questão não se restringem aos aspectos patrimoniais ou econômicos

dos agentes envolvidos na lide, mas produzem impactos sociais relevantes que devem ser levados

em consideração por parte dos julgadores.”

A questão voltou à tona no último dia 1º de junho quando o Supremo Tribunal Federal

declarou inconstitucionais leis dos Estados do Rio de Janeiro (RJ), Mato Grosso do Sul (MS),

São Paulo (SP), Roraima (PR), Pará (PA), Espírito Santo (ES) e Distrito Federal (DF) que

veiculavam incentivos fiscais de ICMS a revelia do CONFAZ18.

Muito embora, as decisões proferidas em nada inovarem na jurisprudência deste sodalício

que já se posicionava no sentido da inconstitucionalidade dos incentivos fiscais concedidos pelos

Estados sem deliberação unânime perante o CONFAZ. O que se faz digno de registro é o fato de

ter havido uma espécie de conclave da presidência daquele Tribunal para um basta na guerra

fiscal o que ponderado, também, pelo Min. Gilmar Mendes com a necessidade de impulsionar a

Reforma Tributária que se avizinha.

A matéria da inconstitucionalidade das leis estaduais veiculadoras de incentivos fiscais

unilaterais conquista destaque, assim, nos atuais tempos de discussão de Reforma Tributária.

Como ficariam os incentivos fiscais concedidos a revelia do CONFAZ com a aprovação do

projeto de Reforma Tributária proposto pela Presidência da República que prevê alteração do

critério nas operações interestaduais exclusivamente para o destino?

A época da verdadeira Reforma Tributária, EC 18/65, discutiu-se muito se as isenções

contratuais concedidas pela legislação do IVC persistiam no regime do ICM. Tanto doutrina19

como jurisprudência20 se posicionaram pela manutenção dos incentivos fiscais de conteúdo

oneroso sob o argumento, inclusive, de figurarem ato jurídico perfeito e direito adquirido.

Ricardo Lobo Torres aduz pela impossibilidade de convalidação dos benefícios fiscais

“unilaterais” o que estaria a representar flagrante inconstitucionalidade: ...seria esdrúxula e

incompatível com os alicerces do Estado de direito por legitimar legislação inconstitucional o

que seria passível, inclusive, de Controle de Constitucionalidade com respaldo na Jurisprudência 2010. Disponível em: http://www.carreirasjuridicas.com.br/oficinas/dia08oficina01texto4. Acesso em: 14 de agosto de 2010. 18 ADI´s nº4152, 3803, 2352, Rel. Min. Dias Toffoli; 2549, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; 3674, 3413, 2376, 4457, 2906, Min. Marco Aurélio; 3247, Min. Carmen Lúcia; 3794, Min.. Joaquim Barbosa. 19 SOUZA, Rubens Gomes de. Isenções fiscais. Substituição de tributos. Revista de direito administrativo 88. 253-269,1967, 20BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 75. 430, Ac de 21.09.1973, da 1ª T, Rel Min. Rodrigues Alckmim, DJ 26.10.73.

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do próprio Supremo Tribunal Federal que estabelece que situações inconstitucionais jamais

convalescem, eis que é nenhum, em nosso sistema normativo, o valor jurídico dos atos eivados de

inconstitucionalidade21

.

Ives Gandra da Silva Martins22 se posiciona no sentido de que o novo regime dificultaria a

manutenção dos incentivos, o que não afasta a responsabilidade do Estado em compensar os

incentivos já concedidos com medidas outras.

Com razão o autor vez que porventura anulados os benefício surge ao contribuinte, até

mesmo, direito de indenização em face da Administração tributária adotando-se as regras da

responsabilidade civil objetiva (art.37, §6º, CF)23.

Ante a um iminente novo julgamento conjunto das demais ações diretas de

inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal os Estados, preferindo não

aguardar pela Reforma Tributária, já se articulam em sede do CONFAZ na busca de convalidação

dos incentivos fiscais já concedidos.

4. Terrorismo estatal- retaliações no âmbito da guerrilha fiscal

Não bastasse o quadro de insegurança institucional perante o Poder Judiciário, em sede de

contramedidas legítimas de hostilização dos programas estaduais de incentivos fiscais de ICMS

via ADI´s, alguns Estados da federação, capitaneados pelo Estado de São Paulo, passaram a

praticar a glosa de créditos nas operações interestaduais24.

Tal iniciativa, além de romper com as regras constitucionais da não-cumulatividade25

(art.155, §2º, II), não-discriminação geográfica (art.152) e de competência tributária (art.155, §2º,

21TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da isonomia, os incentivos de ICMS e a jurisprudência do STF sobre a guerra fiscal in MARTINS, ELALI & PEIXOTO, Ives Gandra da Silva, André e Marcelo Magalhães. Incentivos Fiscais:

Questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. SP: MP, 2007. p.342. 22MARTINS, Ives Gandra da Silva. Temas de Direito Público. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p.116. 23RUBINSTEIN, Flávio. A boa-fé-objetiva no direito financeiro e tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.172. SCAFF. Fernando Facury. Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista. 2ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 24 MELO, Fábio Soares. Incentivos fiscais e segurança jurídica. In: MARTINS, ELALI & PEIXOTO, Ives Gandra da Silva, André e Marcelo Magalhães. Incentivos Fiscais: Questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. SP: MP, 2007. p.155. 25 MELO, José Eduardo Soares de Melo. ICMS: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p.279.

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VIII)26, vulnera a segurança jurídica ao expor os contribuintes adquirentes de mercadorias dos

Estados concedentes de incentivos fiscais à autuações fiscais por suposto creditamento indevido.

O Estado de São Paulo editou Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004, publicado

no Diário Oficial do Estado de 20 de julho de 2004, contendo a seguinte disposição:

1 - o crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, correspondente à entrada de mercadoria remetida ou de serviço prestado a estabelecimento localizado em território paulista, por estabelecimento localizado em outra unidade federada que se beneficie com incentivos fiscais indicados nos Anexos I e II deste comunicado, somente será admitido até o montante em que o imposto tenha sido efetivamente cobrado pela unidade federada de origem; 2 - o crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou recebimento deserviço com origem em outra unidade federada somente será admitido ou deduzido, na conformidade do disposto no item 1, ainda que as operações ou prestações estejam beneficiadas por incentivos decorrentes de atos normativos não listados expressamente nos Anexos I e II.

O anexo I lista os programas estaduais de fomento a industrialização objetos de

questionamento em sede de ações diretas de inconstitucionalidades ajuizadas pelo Estado de São

Paulo enquanto que o anexo II enuncia, exemplificativamente, demais programas concessivos de

benefícios fiscais.

Não bastasse a manifesta ilegalidade de tal ato por afronta às regras constitucionais antes

citadas, dispõe ainda o ato normativo tratar-se de lista exemplificativa o que colabora ainda mais

para insegurança do contribuinte paulista adquirente de mercadorias de outros Estados.

O próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui jurisprudência no sentido da

“impossibilidade de negativa do direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue

prejudicada”.27 26BEVILACQUA, Lucas. Tributo como instrumento de desenvolvimento regional: a (i)legitimidade das contramedidas dos Estados na guerra fiscal de ICMS. In: II CONGRESSO BRASILEIRO DE CARREIRAS JURÍDICA DE ESTADO, 1, 2010, Brasília. Texto oficina Tributação e desenvolvimento do país. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.carreirasjuridicas.com.br/oficinas/dia08oficina01texto3>. Acesso em: 14 de agosto de 2010. 27BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. ICMS - Pretensão objetivando o reconhecimento do direito ao aproveitamento e utilização integral dos créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais de compra e venda de gado bovino em pé e de carne bovina junto a contribuintes de outras unidades da federação, sem as restrições impostas pela Fazenda Estadual, constantes do Comunicado CATn° 36/2004 e do art. 36, § 3°, da Lei n° 6.374/89 - Procedência do pedido decretada corretamente em primeiro grau – Contribuinte que, jundado em documentos formalmente em ordem adquire mercadorias ou toma serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue prejudicada, pois restrições normativas locais não podem sobrepor-se ao princípio da não cumulatividade insculpido no art 155, §2º, I, da CF - Reexame necessário e apelo da Fazenda Estadual não providos. Apelação Cível n° 529 218 5/0-00. Apelante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo e apelado Agro Carnes ATC Ltda. Relator Desor. Paulo Dimas Mascareti. 10 de outubro de 2007.

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Diante da jurisprudência firmada o Estado de São Paulo editou nova ofensiva com a Lei

nº 13.918, em 22 de dezembro de 2009. Editada aparentemente para disciplinar a comunicação

eletrônica entre a Secretaria da Fazenda e contribuintes traz em seu texto dispositivo (art.12, X,

acrescentando a Lei nº 6.374/89 o art.60-A) no mesmo sentido do Comunicado CAT 36/200428.

A prática empreendida consiste em exercício de auto-tutela, com violação frontal ao

princípio da separação dos poderes, o que corresponde a verdadeiro terrorismo estatal29 dada

ameaça constante do Estado de São Paulo face seus contribuintes adquirentes de mercadorias

com origem em outros Estados.

Em função da jurisprudência estabelecida no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

o governo paulista editou recentemente legislação (Lei Estadual n. 13.918/2009 e Decreto n.

55.437/2010) em busca de respaldo ao Comunicado CAT n. 36/2004, o que não convalesce a

glosa de créditos de ICMS nas operações interestaduais.

Gerd Willi Rothmann entende que com a glosa parcial de crédito, acrescida de juros e

multa30, não há por parte do Estado de São Paulo apropriação indevida ou enriquecimento ilícito,

in verbis:

[...] pois o Estado de São Paulo não se apropria indevidamente do imposto pertencente ao Estado de Goiás. Ele simplesmente aplica a sanção prevista, expressamente, no inciso I do Artigo 8º da Lei Complementar n. 24/75, diante da concessão inconstitucional do benefício goiano. Com esta sanção, a Lei Complementar visa coibir a concorrência fiscal danosa “da guerra fiscal” entre os Estados, prejudicial à Federação brasileira.31

Apesar do judicioso argumento invocado de preservação do pacto federativo para

aplicação do dispositivo como medida de combate à concorrência fiscal danosa (harmful tax

competition), não vislumbramos guarida constitucional à glosa de créditos pelo Estado de São

Paulo justamente em função das rígidas regras de discriminação de competência tributária que

tem por fundamento, muito antes da preservação da federação, sua própria concepção sob o

modelo estruturado na CRFB/1988. 28 MARQUES, Klaus Eduardo Rodrigues. A guerra fiscal do ICMS: uma análise crítica sobre as glosas de crédito. São Paulo: MP, 2010. p.136. 29 OLIVEIRA & MIGUEL, Júlio Maria de e Carolina Romanini. Guerra fiscal ou terrorismo estatal. In ZILVETI e SANTI, Fernando e Eurico. Tributação empresarial. São Paulo: Saraiva, 2009. p.98-148. 30

TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. Revista Fórum de Direito

Tributário - RFDT, Belo Horizonte, n. 6, p. 9-20, nov./dez. 2003. 31 Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. Guerra fiscal dos Estados na (des)ordem tributária e econômica da federação. In:

CARVALHO, Antonio Augusto Silva Pereira; FERNANDEZ, German Alejandro San Martin. Estudos em

homenagem a José Eduardo Monteiro de Barros - direito tributário. São Paulo: MP, 2010. p.342.

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Mesmo considerando que a LC n. 24/75 aplica-se aos incentivos financeiros ou que os

incentivos fiscais praticados pelo Estado de Goiás tratem de incentivos tributários submetendo-se

às regras do art. 155, § 2º, XII, g, CRFB, tem-se que este ente político deixar de recolher receita

ao erário ou inclusive recolher e, posteriormente, restituir, não outorga ao Estado de São Paulo

parcela de poder de tributar.

Nas lições de Luís Eduardo Schoueri, a Constituição, ao repartir o ICMS entre os Estados

de origem e destino nas operações interestaduais, realiza efetiva repartição de competência ao

que “o fato de um Estado não exercer sua competência (ainda que irregularmente) não autoriza o

outro Estado a exercê-la em seu lugar”32.

Nessa perspectiva, o Estado de São Paulo encontra-se circunscrito aos exatos limites da

competência constitucionalmente outorgada, isto é, à diferença entre a alíquota interna e

interestadual, sendo, assim, inconstitucional qualquer prática que vá além da competência que lhe

foi atribuída.

Ademais, tem-se que a previsão em lei da glosa de créditos pelo Estado de São Paulo não

convalida sua prática de considerar que “o exercício de uma competência legislativa conforme

norma superior de competência, fora de seus limites, é ato jurídico nulo e a norma criada por este

ato é inválida”33.

Portanto, considerando que a Lei nº 13.918/2009 ultrapassou os limites da regra

constitucional que estabelece a repartição de competência entre os Estados nas operações

interestaduais (art. 155, § 2º, VII), estamos diante de norma inválida. Isso autoriza, inclusive, o

ajuizamento de ADI pelos Estados que concederam incentivos fiscais unilaterais. Contudo, ainda

segundo as lições do Ministro Sepúlveda Pertence, “inconstitucionalidades não se compensam”34.

O Estado de Minas Gerais, com fundamento na Resolução nº 3.166/2001, empreende

igual prática em retaliação aos incentivos fiscais unilaterais. Em recente decisão proferida em

medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal35 publicou decisão liminar no sentido de conferir o 32 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:

Forense, 2005. p. 270. 33 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Competência tributária municipal. Revista de Direito Tributário, São

Paulo, v. 14, n. 53, p. 82, jul./set. 1990. 34 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 2377 MC, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno,

julgado em 22/02/2001, DJ 07-11-2003 PP-00081 EMENT VOL-02131-02 PP-00367 RTJ VOL-00191-03 PP-00848.

35 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, MC 1126, Relator(a): Min. Ellen Gracie.

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direito de creditamento ao contribuinte beneficiário de incentivos fiscais concedidos pelo Estado

de Goiás.

A contramedida de glosa de créditos nas operações interestaduais não é iniciativa

exclusiva do Estado de São Paulo. O Estado do Rio Grande do Sul, com supedâneo no art. 33, II,

do Decreto Estadual n. 37.699/199736, e IN/DRP n. 45/98, não reconhece o crédito presumido de

3% concedido pelo Estado de Goiás37 às sociedades empresárias atacadistas instaladas em

território goiano. Como consequência, o Estado do Rio Grande do Sul admite nos recebimentos

de mercadorias de estabelecimentos comerciais atacadistas goianos tão só o crédito de ICMS de

9% sobre a base de cálculo do referido imposto, isto é, dos 12% a que o adquirente faria jus

glosa-se 3%.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou com propriedade em

caso no qual o Estado do Mato Grosso (destino), com fundamento no Decreto Estadual nº

4.504/2004, se encontrava a glosar os créditos presumidos concedidos pelo Estado do Mato

Grosso do Sul (origem):

[...] constatado que o benefício fiscal concedido pelo Estado de origem não altera o cálculo do imposto devido, mas, apenas, resulta em recolhimento a menor em face da concessão de crédito presumido, deve ser descontado o percentual de 12% do ICMS/ST devido ao Estado destinatário. Pensar diferente resultaria, no caso concreto, na possibilidade de o estado de destino, em prejuízo ao contribuinte, apropriar-se da totalidade do incentivo fiscal concedido pelo estado de origem, tornando-o sem efeito, situação essa que conspira contra a autonomia fiscal dos entes federados, que só pode ser regulada por norma de caráter nacional.

Da prática generalizada de concessão de incentivos fiscais unilaterais, que caracteriza a

guerra fiscal, partiu-se para a generalização de contramedidas pelos Estados. A matéria, que já

aportou no Supremo Tribunal Federal, merece análise cautelosa, sob os prismas da competência

tributária, não cumulatividade, presunção de constitucionalidade e separação de poderes, podendo

afirmar-se, desde já, que as inconstitucionalidades dos incentivos fiscais unilaterais não

autorizam a prática de contramedidas dessa natureza pelos Estados que se julgam prejudicados. 36 Art. 33. Para efeito de apuração do montante devido a que se referem os artigos 37 e 38, não é admitido crédito

fiscal: [...] II- destacado em documento fiscal relativo a mercadorias entradas no estabelecimento ou a serviços a ele prestados, quando o imposto tiver sido devolvido, no todo ou em parte, ao próprio ou a outro contribuinte, por outra unidade da Federação, mesmo sob a forma de prêmio ou estímulo; Nota – A vedação de crédito prevista neste inciso aplica-se às operações alcançadas por benefícios concedidos, por outras unidades da Federação, em desacordo com o disposto na Lei Complementar n. 24, de 07/01/75, relacionados em instruções baixadas pelo Departamento de Receita Pública.

37 BRASIL, Estado de Goiás, Lei 13.194/97, artigo 2º, II, ‘h’, e Decreto n. 4.852/97, anexo IX, artigo 11, III.

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Além da violação às regras constitucionais da não cumulatividade e de discriminação da

competência tributária, observa-se, também, que a glosa de créditos implica rompimento com os

princípios da presunção de constitucionalidade das leis, e o que é mais grave: da separação dos

poderes, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 2º, CRFB/1988)38.

Pelo fisco paulista, o entendimento estabelecido é que quando da prática da glosa de

créditos não há qualquer inferência a legislação de outro Estado, veja:

O que houve foi a simples constatação factual da concessão unilateral de crédito presumido (incentivo fiscal) a estabelecimento de outro Estado da federação remetente de mercadorias para estabelecimento paulista, sendo que sua subsunção ao ordenamento prescreve a proibição ao contribuinte destinatário de creditar-se do valor correspondente ao irregular benefício fiscal. Houve, por parte dos órgãos da administração ativa e judicante do Estado de São Paulo, simples aplicação da lei a uma situação específica de irregularidade em face do CONFAZ, cujo efeito jurídico atinge somente o contribuinte paulista adquirente. De forma alguma atingiria o ordenamento do Estado onde situado o estabelecimento remetente.39

Os argumentos expendidos não prosperam considerando que a subsunção ao ordenamento ao qual

o autor se refere se realiza a partir de um juízo acerca da constitucionalidade da lei veiculadora do

incentivo fiscal. Esta “simples aplicação da lei a uma situação de irregularidade em face do CONFAZ”

demanda análise percuciente da modalidade do incentivo fiscal praticado e sua submissão ou não ao

CONFAZ, portanto, da constitucionalidade da lei veiculadora do incentivo fiscal.

Não subsiste a escusa de que ao deixar de aplicar a lei de outro Estado não há declaração de

inconstitucionalidade, vez que a moderna legislação em matéria de processo administrativo tributário

orienta-se em sentido exatamente contrário: “No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos

órgãos judicantes afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto,

sob o fundamento de inconstitucionalidade”40.

Contramedida legítima que os Estados ditos prejudicados dispõem é o ajuizamento de

Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo vedado o uso de expedientes administrativos e

38 ROTHMANN, Gerd Willi. Guerra fiscal dos Estados na (des)ordem tributária e econômica da federação. In:

CARVALHO, Antonio Augusto Silva Pereira; FERNANDEZ, German Alejandro San Martin. Estudos em

homenagem a José Eduardo Monteiro de Barros - direito tributário. São Paulo: MP, 2010, p. 343. 39 SIMÕES, Argos Campos Ribeiro. O princípio da não-cumulatividade no ICMS e suas restrições. In: SANTI,

Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e processo. São Paulo: Noeses, 2007. p. 108. 40 Art. 26-a, Dec. n. 70.235/72.

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legislativos com o fim de alcançarem os efeitos exclusivos de ADI, conforme entendimento do

próprio Superior Tribunal de Justiça41:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO AO FORNECEDOR NA ORIGEM. PRETENSÃO DO ESTADO DE DESTINO DE LIMITAR O CREDITAMENTO DO IMPOSTO AO VALOR EFETIVAMENTE PAGO NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO. LEI. AUTORIZAÇÃO. AUSÊNCIA. (...) 5. Se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS sem a observância das regras da LC 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao Estado lesado obter junto ao Supremo, por meio de ADIn, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de outro Estado- como aliás foi deito pelos Estados de São Paulo e Amazonas nos precedentes citados pela Ministra Eliana Calmon- e não simplesmente autuar os contribuintes sediados em seu território. Vide ainda: ADI 3312, Rel. Min. Eros Grau, DJ 09.03.07 e ADI 3389/MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 23.06.06).

Não bastassem os argumentos propriamente jurídicos sustentados com fundamento nas

normas constitucionais da não cumulatividade, de competência tributária, da separação dos

poderes há, ainda, que se perquirir a legitimidade do Estado de São Paulo no que concerne à

moralidade administrativa42 em questionar os incentivos unilaterais de ICMS.

Como registrado, com propriedade, pelo Ministro Sepúlveda Pertence “ninguém parece

poder “jogar a primeira pedra”. Ou cuidando-se de guerra, que todos se pretendem no direito de

jogá-la [...] nem o Estado de São Paulo se abstém por completo de entrar na peleja e - embora a

título de retaliação a dois outros Estados - favorece suas empresas com inequívoca isenção de

ICMS em prejuízo não apenas dos dois rebeldes, mas de todas as demais unidades da federação

concorrentes nos setores acobertados pela benesse unilateral.”

O princípio da moralidade43 da administração pública44, quando aplicado em sua atividade

financeira de arrecadação de receitas, parece vincular o Estado45 não apenas em face aos seus 41 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 31.714/MT, Relatoria Min. Castro Meira. 42 Cf. Júlio Maria de Oliveira, ob. cit (nota 111), p. 134. 43 TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETTI, Fernando A.

(Coords.). Estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. p.173-198. 44 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

45 TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes. Trad. de Pedro Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002.

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contribuintes, como também em suas relações com os demais entes políticos. Parte-se da

premissa de que “conduta imoral não é aquela que viola um preceito subjetivo, mas sim aquela

que agride o conceito de justiça à luz das circunstâncias do caso em concreto”46.

Humberto Ávila47 alerta com propriedade que o fato de o art.37 da CF incluir a

moralidade como um dos princípios fundamentais da Administração Pública, constitui mero

ponto de partida, vez que a construção da moralidade realiza-se por vários dispositivos

constitucionais que (i) fixam valores fundamentais (dignidade, trabalho, justiça, igualdade,

liberdade, propriedade e segurança); (ii) determinam ação objetiva e impessoal da Administração

(legalidade, impessoalidade, princípios do Estado de Direito); (iii) criam mecanismos de defesa

do cidadão (universalização da jurisdição, controle da atividade administrativa por mandado de

segurança ou ação coletiva); criam requisitos para ingresso na função pública (concurso público,

vedação de acumulação de cargos etc.); e (iv) fixam mecanismos de controle da atividade da

Administração (Tribunais de Contas).

A partir disso se constata que os Estados se encontram vinculados à cada um desses

consectários da moralidade administrativa, não só na relação fisco-contribuinte, como também

nas relações entre si.

É possível concluir, desde já, que a moralidade exige “condutas sérias, leais, motivadas e

esclarecedoras”48 afastando-se o arbítrio e o desrespeito à boa-fé objetiva49 a exemplo do

ocorrido na “glosa de créditos”.

Sob o panorama da ausência de uma efetiva política nacional de desenvolvimento regional

e da prática generalizada de incentivos fiscais unilaterais, inclusive pelos Estados que se julgam

prejudicados50, as contramedidas adotadas pelo Estado de São Paulo afiguram-se por imorais

consistindo em violação frontal ao conceito de justiça entre os Estados que deve prevalecer no

federalismo solidário51, bem como, à proteção da confiança ao contribuinte.

46 GRECO, Marco Aurélio. Notas sobre o princípio da moralidade. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Org.). Direito

tributário - homenagem a Alcides Jorge Costa. v.1. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 376-392. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 94-96.

48 Cf. Humberto Ávila, ob. cit., pp. 94-96. 49 RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito tributário e financeiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009. 50 ROTHMANN, Gerd Willi. Guerra fiscal dos Estados na (des)ordem tributária e econômica da federação. In:

CARVALHO, Antonio Augusto Silva Pereira; FERNANDEZ, German Alejandro San Martin. Estudos em

homenagem a José Eduardo Monteiro de Barros - direito tributário. São Paulo: MP, 2010. p. 337. 51 Cf. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ob. cit. (nota 65), p. 277.

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5. Pela proteção do contribuinte no front da guerra fiscal:

A frustração de legítimas expectativas consideradas no planejamento empresarial dos

contribuintes aderentes a programas estaduais de industrialização implica violação do princípio

da boa-fé-objetiva.

Por ocasião da primeira fase do procedimento de concessão dos incentivos fiscais de

ICMS, consistente na análise das condições de legitimação, é demandado do agente econômico,

em geral, a apresentação de um projeto do empreendimento a ser instalado contemplando: plano

de investimentos, expectativa de receita, estimativa de empregos, etc.

Porventura aprovado o projeto empresarial o agente econômico se encontra vinculado a

sua execução para regular fruição dos incentivos fiscais. Nesta segunda fase do procedimento, de

exame do cumprimento dos requisitos da lei, à Administração Pública, no exercício de seu poder

de regular52, incumbe “ver se o projeto aprovado foi rigorosamente respeitado e se a execução

observou o prazo convencionado. Tanto que implementada a condição, o contribuinte terá direito

de não pagar o imposto pelo prazo estipulado”53.

Do mesmo modo que ao ente político são conferidos direitos de fiscalização e cobrança da

execução do empreendimento projetado, sob o risco de revogação dos incentivos concedidos, lhe

é de dever a observância dos benefícios fiscais concedidos. Nas lições de Almiro do Couto e

Silva a aplicação da boa-fé-objetiva conquista toque especial nas relações jurídicas em que ocorra

assunção recíproca de compromissos pelo indivíduo e pela administração54.

O protocolo de intenções firmado primeiramente pelo Estado contratante e contribuinte já

é instrumento que gera expectativas na sociedade empresária que, porventura frustradas, podem

gerar direito de indenização do particular-contribuinte em face do Estado, com fulcro no art.37,

§6º, da Constituição Federal55. 52SCHOUERI, BELAN & ANDRADE JR. Luís Eduardo, Daniel e Luís Carlos. Limites da competência da Receita Federal do Brasil quanto à Revisão de Incentivos Fiscais: Análise dos casos de incentivos a projetos culturais e drawback. In ROCHA, Valdir Oliveira (coord). Grandes questões atuais do direito tributário. 12ºvol. São Paulo: Dialética, 2008. p.xxx 53LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. Vol.II. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p.515. 54COUTO E SILVA, Almiro. Responsabilidade do Estado e problemas jurídicos resultantes do planejamento. In:

Revista de Direito Público, nº63, 1982. p.33. 55RUBINSTEIN, Flávio. A boa-fé objetiva no direito tributário e financeiro. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.172.

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O contrato estabelecido entre Estado e, de outro lado, contribuinte tem natureza de

contrato fiscal econômico56, caracterizado pela execução de determinada política econômica. Os

contratos econômico não têm por propósito alcançar prestações para o Estado, porém realizar a

política de intervencionismo concebida e decidida pelo Estado.57 Os incentivos fiscais concedidos

são instrumentos de realização dessa política. Sérgio D’andrea FERREIRA leciona com precisão:

É básico considerarmos que nos encontramos no campo, não do direito administrativo, mas do Direito Econômico, ramo do direito social. Estamos, assim fora do campo dos contratos administrativos da subjetividade ou objetividade regida pelo ius

administrativum. A subjetivação e a contratualização são de Direito Econômico, e, especificamente, sob a modalidade incentivante. Não se trata, portanto, de contratação administrativa, eis que nesta o contratado – particular- passa a colaborador da AP, no desenvolvimento da tarefa da mesma. No campo do fomento econômico, a posição é inversa. Quem é a colaboradora é AP, que vem auxiliar o particular no desempenho de atividade do setor privado da economia. O ato administrativo - seja contratual, seja unilateral – é de atribuição em favor do destinatário particular.

Ao que respeita às partes contratantes, “os contratos econômicos são concluídos, como os

outros contratos administrativos, entre o poder público e parceiros privados”58 o que impõe

aplicação da Lei nº 8.666/93 que dispõe em seu art.54 que os contratos administrativos de que

trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-

lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito

privado.

Dentre os preceitos de direito público se situa justamente o princípio da boa-fé que

conforme esclarece Régis Fernandes de Oliveira59 todas as pessoas, entre as quais o próprio

Estado, deverão se ajustar: a boa-fé é princípio geral que se constitui em regra de conduta a que

se hão de ajustar todas as pessoas em suas relações.

O princípio da boa-fé, em sua acepção objetiva, que estabelece um padrão de conduta60

entre as partes e, simultaneamente, uma série de deveres anexos tem aplicação também no direito

econômico, financeiro e tributário com a importante missão de conferir estabilidade e lealdade 56FERREIRA, Sérgio D’andrea. Incentivo fiscal como instituto de direito econômico. Revista de direito

administrativo, v.211. jan/mar. 1998. São Paulo: Renovar, 1998. p.44. 57 LAUBADERE, André. Direito Público econômico. Coimbra: Almedina, 1985. p. 423 58 LAUBADERE, André. Direito Público econômico. Coimbra: Almedina, 1985. p. 423 59OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Proteção da boa-fé no Direito Administrativo. In Revista dos Tribunais, nº688, 1993, p.267-9. 60DERZI, Misabel Abreu Machado. Mutações, complexidade, tipo e conceito sob o signo da segurança e proteção da confiança. In TORRES, Heleno Taveira (org.) Tratado de Direito Constitucional e Tributário: Estudos em

Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p.273.

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às relações tributárias e financeiras61. A boa-fé opera no direito tributário como instrumento de

garantia de confiança e lealdade62.

O art.150, §6°, da Constituição Federal, ao dispor que qualquer subsídio ou isenção,

redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão relativos a

impostos, taxas ou contribuições só poderá ser concedido mediante lei específica federal,

estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o

correspondente tributo ou contribuição (...) termina por reforçar a proteção da confiança do

contribuinte63- pressuposta pela boa-fé objetiva- ao estabelecer regra de transparência fiscal que

incute no contribuinte expectativa legítima de fruição do incentivo fiscal ante ao princípio da

presunção de constitucionalidade das leis.

6. Notas finais

A partir dessas considerações a propósito da aplicação do princípio da proteção da

confiança do contribuinte e da boa-fé-objetiva no direito tributário constata-se que as

contramedidas adotadas no âmbito da guerra fiscal de ICMS, seja por meio da ausência de

modulação dos efeitos das decisões de ADI´s, sejam aquelas arbitrariamente empreendidas pelos

Estados ditos prejudicados através da glosa de créditos, representam violação frontal aos

princípios da não-cumulatividade, presunção de constitucionalidade, separação de poderes,

segurança jurídica e proteção da confiança do contribuinte.

Ademais, considerando que os investimentos já realizados assim se deram a partir de

fomento do próprio Poder Público é medida que se impõe, por lealdade, a manutenção dos

benefícios fiscais já concedidos sob o grave risco de violação frontal do Estado de direito, ainda

que se esteja em face de incentivos fiscais unilaterais. O Estado serve ao cidadão e assim deve

ser-lhe leal64.

61RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito financeiro e tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.81. 62DERZI, Misabel Abreu Machado. A imprevisibilidade das decisões judiciais e suas conseqüências. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TORRES, Heleno Taveira (org.) Princípios de direito financeiro e tributário: estudos em

homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.992. 63 DERZI, Misabel Abreu Machado. Mutações, complexidade, tipo e conceito sob o signo da segurança e proteção da confiança. In TORRES, Heleno Taveira (org.) Tratado de Direito Constitucional e Tributário: Estudos em

Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p.275 64 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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7. Referências bibliográficas

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