imunidade recíproca extensível as empresas públicas

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IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA EXTENSIVA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS BRASILEIRAS Gabriela Ketzer Peralta Aluna da Graduação em Direito da PUCRS Nota introdutória O presente artigo é fruto do trabalho de graduação de curso apresentado pela autora à banca examinadora realizada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1º de novembro de 2006. Compunham referida banca os professores Mestres Maria Eunice de Paula (orientadora), Márcia Weber Cadore e Arthur Maria Ferreira Neto, aos quais a aluna agradece pelas críticas construtivas e perguntas instigantes. Na dada citada, a acadêmica obteve o grau dez e o convite para redigir o presente artigo para a publicação no site da universidade. Feitas as necessárias considerações, é com humildade e certeza de não ter esgotado o tema, que se passa a apresentar o artigo extraído da monografia supra citada. 1 INTRODUÇÃO AO TEMA A imunidade tributária, como gênero, é tema de suma importância para o direito não só para o direito tributário, mas também para o constitucional e administrativo, pois se trata de regra constante da seção das limitações ao poder de tributar e tem fundamento na forma federal de Estado.

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IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA EXTENSIVA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

Gabriela Ketzer Peralta

Aluna da Graduação em Direito da PUCRS

Nota introdutória

O presente artigo é fruto do trabalho de graduação de curso apresentado

pela autora à banca examinadora realizada pela Faculdade de Direito da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul em 1º de novembro de 2006.

Compunham referida banca os professores Mestres Maria Eunice de Paula

(orientadora), Márcia Weber Cadore e Arthur Maria Ferreira Neto, aos quais a aluna

agradece pelas críticas construtivas e perguntas instigantes.

Na dada citada, a acadêmica obteve o grau dez e o convite para redigir o

presente artigo para a publicação no site da universidade. Feitas as necessárias

considerações, é com humildade e certeza de não ter esgotado o tema, que se

passa a apresentar o artigo extraído da monografia supra citada.

1 INTRODUÇÃO AO TEMA

A imunidade tributária, como gênero, é tema de suma importância para o

direito não só para o direito tributário, mas também para o constitucional e

administrativo, pois se trata de regra constante da seção das limitações ao poder de

tributar e tem fundamento na forma federal de Estado.

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A maior parte da doutrina nacional conceitua a imunidade tributária como

uma limitação ao poder de tributar em função de seus efeitos, uma vez que esta

limita o campo de tributação em relação a certas pessoas, fatos ou situações,

determinando uma não-competência. O doutrinador que representada o conceito de

imunidade tributária defendido pela doutrina majoritária1 é Aliomar Balleiro, que a

conceitua da seguinte forma:

[...] é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal2. É que a Constituição Federal, ao partilhar o poder tributário entre as pessoas estatais que integram a Federação, se utiliza da técnica de atribuição e de denegação (ou supressão parcial). De um lado, encontramos atribuições de poder para instituir tributo, concedidas em caráter positivo (arts. 145, 148, 149, 1453 e 156) e normas que reduzem, diminuem, suprimem parcialmente a abrangência das primeiras, realizando a enformação ou a modelagem da competência, constitucionalmente delimitada. A imunidade é, portanto, regra de exceção, somente inteligível se conjugada à outra, que concede o poder tributário, limitando-lhe a extensão, de forma lógica e não sucessiva no tempo3.

Para o renomado autor, as normas de competência para tributar resultam de

uma equação lógica, qual seja, norma de atribuição do poder de tributar menos as

imunidade. Sendo assim, as imunidades suprimem as normas que delegam poder

de tributar, amputando-lhes a abrangência4.

Paulo de Barros Carvalho critica severamente o conceito clássico defendido

pela doutrina majoritária. A principal crítica tecida pelo autor é a de que as

imunidade não podem ser vistas como supressão a qualquer poder que seja, sendo,

em realidade, normas de competência negativa. Na sua opinião, nunca surgiu poder

de tributar sobre os fatos, pessoas ou situações que a norma imunitória abrange,

1 No mesmo sentido: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004; CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 2 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 228. 3 Ibidem, p. 14. 4 Ibidem, p. 228-231.

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sendo que esta nada suprime, mas auxilia na delimitação do campo em que o

Estado está autorizado a tributar os contribuintes. Sintetiza seu conceito da seguinte

forma:

Recordamos o conceito de imunidade tributária, única e exclusivamente, com o auxílio de elementos jurídicos substanciais à sua natureza, pelo que podemos exibi-la como a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas

5.

A imunidade tributária é gênero que se subdivide em espécies, como por

exemplo a imunidade tributária recíproca, imunidade dirigida às entidades de

assistência social , aos templos de qualquer culto, aos partidos políticos, conforme

as alíneas do art. 150, VI, da Constituição Federal. O presente trabalho atem-se ao

estudo apenas da imunidade tributário recíproca.

A imunidade tributária recíproca atualmente está prevista na Constituição de

1988 em seu art. 150, VI, ‘a’, entre outras limitações ao poder de tributar, e consiste

na intributabilidade entre as pessoas de direito público interno, conforme ensina

Ricardo Lobo Torres, sendo regra essencial à sobrevivência do regime federalista e

forma de afirmação da liberdade6. Sinala, ainda, que esta imunidade classifica-se

como uma imunidade subjetiva, pois estabelecida em razão da pessoa a ser

protegida dos efeitos da tributação7.

Tratando-se do aspecto subjetivo, ou seja, de quais as pessoas destinatárias

da imunidade tributária recíproca, reza a Constituição que são elas: a União, os

Estados, o Distrito Federal, Municípios e, por força do art. 150, VI, § 2º, da CF, isto

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 185. 6 TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 193. 7 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 169-170. Este autor classifica as imunidades, isenções e incidência em três categorias: “Subjetiva é a incidência, isenção e imunidade prevista em razão da pessoa: ratione personae. Objetiva é a incidência, isenção e imunidade prevista em razão do objeto: ratione materiae. Sujetiva-objetiva – na aplitude casuística das situações, às vezes deparamos com disposições que levam em conta não só aspectos objetivos mas, concomitantemente, subjetivos. Nem sempre é fácil destacar a predominância ou maior carga de um desses dois aspectos. Se na vontade objetivada da lei ordinária ou na Constituição transparecem ambos é porque esses aspectos estão consorciados”.

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se aplica também às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder

Público, desde que vinculadas às finalidades essenciais deste ou delas decorrentes.

O art. 150, VI, § 3º veda de forma expressa a aplicação desta imunidade às

pessoas de direito público em relação ao patrimônio, renda e serviços que estejam

relacionados com a exploração de atividades econômicas, atividades estas que

devem ser regidas pelas normas aplicáveis ao setor privado, em homenagem ao

princípio da livre concorrência; às atividades em relação às quais haja a

contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas; em situação que exonere o

promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel8.

Tratando-se do aspecto objetivo, ou seja, em relação a quais tributos

aquelas pessoas são imunes, a Constituição determina que a imunidade abrange os

impostos sobre patrimônio, renda e serviços. Em relação ao tema, ainda há

discussões acessas no próprio Supremo Tribunal Federal.

Note-se que o STF decidiu que a palavra “impostos” deve ser interpretada

de forma ampla, estendendo-se a todos os impostos, inclusive aqueles que não

incidam sobre o patrimônio, renda e serviços, a exemplo do ICMS e IPI.

Particularmente, em relação aos impostos indireitos acolheu a tese da repercussão

econômica do tributo, ou seja, será imune ao pagamento de imposto se o patrimônio

onerado pertencer a ente público9. No entanto, em relação às contribuições, o

Pretório Excelso optou por fazer uma interpretação restritiva, não protegendo as

pessoas abrangidas pela regra da imunidade da incidência de referidas

contribuições, muito embora estas onerem o patrimônio público de forma

significativa destes entes10.

8 Conforme o parágrafo 3º, do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal brasileira de 1988. 9 Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade recíproca – ICMS. Recurso Extraordinário n.º 203755/ES. Recorrente: Estado do Espírito Santo. Recorrido: Instituto de Ensino Superior Professor Nelson Abel de Almeida. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 8 de novembro de 1996. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 ago. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária - repercussão. Recurso Extraordinário n.º 281433/SP. Recorrente: Assistência Social Assembléia de Deus. Recorrido: Estado de São Paulo. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, 14 de dezembro de 2001. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 30 ago. 2006. 10 Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade recíproca – contribuição. Agravo regimental n.º 378144/PR. Agravante: Município de Londrina. Agravado: União. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 22 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 ago. 2006.

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No entanto, tais polêmicas seguramente serão levadas novamente à

apreciação do Supremo Tribunal Federal, eis que surgem cada vez mais decisões

nas instâncias inferiores que se manifestaram de maneira diversa do

posicionamento adotado por aquele tribunal11.

A interpretação a ser dada à regra de imunidade tributária recíproca deve ser

a mais abrangente possível, visto que seu fundamento mais importante é a proteção

e manutenção da forma de Estado Federal, por isto sendo considerada cláusula

pétrea, nos termos do art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal. Pertinente se faz a

transcrição de trecho da doutrina de Roque Antonio Carrazza, sobre o ponto:

Decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir impostos de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim, porque, cobrando-lhe impostos, poderia levá-la a situação de grande dificuldade econômica, a ponto de impedi-la de realizar seus objetivos institucionais. Ora, isto a Constituição absolutamente não tolera, tanto que inscreveu nas cláusulas pétreas que não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir “a forma federativa de Estado” (art. 60, §4º, I)12.

Sendo assim, um dos meios de proteger a forma de Estado federal é

preservando a autonomia das pessoas políticas. Ainda que subsidiariamente, a

ausência de capacidade contributiva também seja considerada como fundamento da

imunidade em questão. Justamente por proteger a forma federada de Estado, a

imunidade recíproca deve ser tida como uma regra, uma cláusula pétrea e seu

fundamento deve ser levado em consideração pelos julgadores de todas as

instâncias, pela sua importância e hierarquia constitucional.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade recíproca – taxa. Recurso Extraordinário n.º 364202/RS. Recorrente: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Recorrido: Município de Viamão. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 28 de outubro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 ago. 2006. 11 Exemplo disso é a decisão liminar proferida nos autos do Mandado de Segurança n.º 2006.71.00.030740-9 que tramita perante a Justiça Federal. Restou deferida liminar para sustar a cobrança de contribuições sociais a ente imune. 12 CARRAZZA. Op. cit., 2005. p. 689-690.

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2 APLICAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ÀS EMPRESAS

PÚBLICAS BRASILEIRAS

A imunidade tributária recíproca, conforme sucintamente exposto

anteriormente, tem como destinatários a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, estendendo-se às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelos

entes que integram a administração pública direta em relação ao patrimônio, renda e

serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes. Em seguida,

através do art. 150, VI, parágrafo 3º, da CF, o legislador constituinte originário

inseriu, na Carta de 1988, vedação expressa da aplicação da imunidade recíproca

em relação ao patrimônio, renda e serviços relacionados com a exploração de

atividades econômicas, atividades estas que serão regidas pelas normas aplicáveis

a empreendimentos privados.

O texto constitucional, portanto, não determina sejam as empresas públicas

abrigadas pela regra da imunidade recíproca, muito embora, tal qual as autarquias e

fundações, elas façam parte da Administração Pública indireta.

A exploração de atividade econômica de forma direta pelo Estado constitui

exceção. Em regra, a atividade econômica deve ser praticada pela iniciativa privada.

Conforme sinalou Celso Antônio Bandeira de Mello, é justamente para a proteção do

setor privado que esta regra foi criada e para a efetividade dos princípios constantes

do art. 170, da CF, que referem-se mormente à livre iniciativa e à livre

concorrência13. Assim, reza o art. 173, da CF, que o Estado pode praticar atividade

econômica de forma direta, somente quando necessário aos imperativos da

segurança nacional ou quando presente relevante interesse coletivo. Ademais, as

empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem gozar de

13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 175. “No que concerne a esta modalidade de interferência do Estado no domínio econômico, isto é, sua atuação empresarial (por si mesmo ou por criatura sua), uma vez que poderia ser danosa para a “liberdade de iniciativa” – que é um dos fundamentos expressos da ordem econômica brasileira, consoante dispõe o art. 170, caput, da Constituição – e perigosa para a “livre concorrência” – que é um dos princípios obrigatórios de nosso sistema (art. 170, IV) -, o art. 173 tratou de balizar estritamente as possibilidades de o Estado atuar como empresário”.

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quaisquer privilégios fiscais que não forem extensivos ao setor privado, é o que

determina o parágrafo 2º, do art. 173, da CF.

Apesar de todas estas ponderações, muitos doutrinadores e algumas

decisões do Supremo Tribunal Federal têm manifestado posicionamento favorável à

aplicação da imunidade tributária recíproca também em relação às empresas

públicas. Reside justamente neste ponto o cerne desta pesquisa: a análise dos

argumentos da doutrina e a fundamentação das decisões do STF acerca desta

aplicação da imunidade. Antes, porém, de analisar as razões da doutrina e

jurisprudência, mister verificar-se o conceito de empresas públicas.

2.1 A dicotomia entre empresas prestadoras de serviços públicos e as

exploradoras de atividade econômica

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua empresas públicas fixando-lhes

algumas características essenciais, a saber: são pessoas jurídicas dotadas de

personalidade de Direito Privado, mas por serem instrumentos de ação estatal ficam

adstritas à observância de regras especiais; são criadas por força de autorização

legal; podem ser constituídas sob qualquer forma em direito admitida; o capital deve

ser formado unicamente por recursos de pessoas da Administração Pública direta ou

de suas respectivas pessoas da Administração Pública indireta, devendo residir na

esfera federal a predominância acionária14.

Note-se que o autor não fixa como traço característico essencial a

exploração de atividade econômica. Isto se dá em razão do que ele convencionou

chamar de “disseptação estritamente jurídica” das empresas públicas em duas

espécies: as exploradoras de atividades econômicas e as prestadoras de serviços

públicos. Em relação a este segundo tipo, destaca que hoje há inúmeras e

importantes empresas que prestam serviços públicos, como é o caso da Empresa

14 MELLO. Op. cit., p. 173.

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Brasileira de Correios Telégrafos, que presta o serviço postal de competência da

União, nos termos do art. 21, X15, da CF16.

Importante transcrever trecho da doutrina de Celso Antônio de Mello em

relação à existência de duas espécies de empresas públicas, conforme mencionado:

Há, portanto, dois tipos fundamentais de empresas públicas e sociedades de economia mista: exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos ou coordenadoras de obras públicas e demais atividades públicas. Seus regimes jurídicos não são, nem podem ser, idênticos, como procuraremos demonstrar em outra oportunidade. No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o máximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfrutem de situação vantajosa em relação às empresas privadas -, compreendendo-se que estejam, em suas atuações, submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades particulares de fins empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que em tais hipóteses regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas (art. 173, § 1º, II). Advirta-se, apenas, que há um grande exagero nesta dicção da Lei Magna, pois ela mesma se encarrega de desmentir-se em inúmeros outros artigos, como além será demonstrado. No segundo caso, quando concebidas para prestar serviços públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propriamente (como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram o influxo mais acentuado de princípios e regra do Direito Público, ajustados, portanto, ao resguardo de interesses desta índole17.

Hely Lopes Meirelles leciona no mesmo sentido, distinguindo dois tipos de

das empresas, conforme se depreende da citação que ora se transcreve:

Empresas públicas são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial18.

Diante dessas considerações, é possível afirmar que autores de renome no

direito administrativo brasileiro classificam as empresas públicas em dois tipos: as

exploradoras de atividade econômica e as prestadoras de serviços essenciais. A

15 “Art. 21. Compete à União: [...] X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. 16 MELLO. Op. cit., p. 177. 17 MELLO. Op. cit., p. 185-186. 18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 355-356.

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compreensão desta distinção é de suma importância para o estudo e a aplicação da

imunidade tributária recíproca em relação às empresas públicas brasileiras. Em

relação ao primeiro tipo, é certo que se aplica o regime destinado às empresas

privadas, no entanto, em relação ao segundo tipo, há doutrinadores que sustentam a

aplicação das regras atinentes à Administração Pública.

2.2 Critérios doutrinários para aplicação da imunidade tributária recíproca às

empresas públicas brasileiras

A literalidade do texto da Constituição permite afirmar que, em princípio, a

imunidade tributária recíproca não se aplica às empresas públicas brasileiras. Note-

se que o parágrafo segundo do art. 150, da Constituição, estende a regra às

autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, não fazendo

referência às empresas públicas. Além disso, o parágrafo terceiro do mesmo artigo

determina que a imunidade recíproca não se aplica ao patrimônio, renda e serviços

relacionados à exploração de atividade econômica. Ocorre que o caput do artigo 173

da CF prevê a realização de atividades econômicas por empresas públicas, o que

conduz a regra do parágrafo terceiro, do mesmo artigo a ser aplicada de imediato,

conseqüentemente, vedando a aplicação da imunidade neste caso. Ademais, há

disposição expressa da sujeição das empresas públicas ao regime jurídico das

empresas privadas, inclusive em aspectos tributários, sendo vedado o gozo por elas

de qualquer privilégio fiscal não extensivo ao setor privado (art. 173, §1º, II e §2º, da

CF).

Apesar de todas as ponderações feitas em relação aos dispositivos

constitucionais atinentes à matéria, alguns doutrinadores têm formulado teses que

defendem a extensão da imunidade tributária às empresas públicas e reformulam

as interpretações feitas a priori em relação aos artigos citados. De sorte que, cumpre

analisar estes argumentos, já que a doutrina parece estar influenciando as decisões

proferidas pelo Pretório Excelso, conforme analisado posteriormente.

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Atualmente, um dos doutrinadores que vem tratando do tema com maior

veemência é Roque Antonio Carrazza. Ele posiciona-se favorável à abrangência das

empresas públicas brasileiras pela imunidade tributária recíproca, desde que estas

prestem serviços públicos ou pratiquem atos de polícia.

Carrazza reconhece como incontroverso que o tratamento a ser dado às

empresas públicas que exerçam atividade atividades econômicas seja o mesmo

destinado às empresas privadas, inclusive no que diz respeito à tributação. Isto se

dá em razão da incidência da regra constitucional inserida no art. 173, caput, da

Constituição Federal, que deu preferência à iniciativa privada para a exploração de

atividades econômicas, vedando que as empresas públicas intervenham no mercado

desfrutando de privilégios fiscais, pois, caso estas empresas pudessem receber

benefícios desta natureza, certamente ocorreria concorrência desleal em relação às

empresas privadas. Resta claro que as empresas públicas não serão privilegiadas

quanto a tratamento tributário especial em detrimento das empresas privadas, por

força de disposição constitucional expressa19.

Entretanto, com muito lucidez, o autor supracitado ressalva que, do mesmo

modo que o art. 170, da CF, reserva um campo à livre iniciativa (e o art. 173 dá

preferência a esta em detrimento do Estado), o art. 17520, da CF, reserva um campo

à atuação estatal21. Portanto, em regra, o setor privado deve praticar as atividades

econômicas, sendo excepcional a atuação do Estado nesta seara e, em regra, deve

o Estado prestar os serviços públicos, podendo o setor privado prestá-los,

excepcionalmente, na forma de concessão ou permissão.

Pode ocorrer que, excepcionalmente, o Estado, por meio das empresas

públicas ou de outras pessoas a ele vinculadas, exerça atividades que em regra não

sejam a ele reservadas. De sorte que, se o Estado atuar no campo reservado à

iniciativa privada, por meio das empresas públicas, estas têm de se submeter ao

19 CARRAZZA. Op. cit., 2005. p. 698. 20 “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. 21 CARRAZZA, Roque Antonio. A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos: um estudo sobre a imunidade tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 40.

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regime jurídico aplicado às empresa privadas, conforme determina o art. 173,

parágrafo 2º, da Constituição. Isto por que estas empresas são consideradas

agentes empresariais, concorrendo no mercado com a iniciativa privada22.

Roque Antonio Carrazza está convicto, contudo, que, se as empresas

públicas forem delegatárias de serviços públicos, não concorrendo, portanto, com as

empresas privadas, não se submetem aos ditames de precitado art. 173, da Carta

Magna. Neste caso, são verdadeiros instrumentos do Estado e a ele se equiparam

em termos de privilégios fiscais. Desempenham, pois, atividades que as empresas

privadas jamais assumiriam, senão na forma de concessão ou permissão se pelo

próprio Estado fossem estas contratadas23, uma vez que o art. 175, da CF,

determina como regra a prestação de serviços públicos diretamente pelo Estado. Em

relação à prestação de serviços pelas empresas públicas conclui:

Podemos proclamar, pois, que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de Poder Público que exercitam, são, tão-somente quanto à forma, pessoas de Direito Privado. Quanto ao fundo, são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos. Na medida em que criadas pela lei, com a específica finalidade de levá-los adiante, acabam fazendo as vezes das autarquias, embora – damo-nos pressa em proclamar – com elas não se confundem24.

Sinalou o autor que há atividades que só podem ser exploradas pelo Estado,

ou seja, pelos entes da Administração Pública direta, uma vez que a Constituição

“entendeu que elas são tão essenciais, ou dizem tão de perto com a soberania

nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência”25. Estas

atividades são basicamente aquelas relacionadas nos arts. 21, 25, 30 e 32 da CF,

que referem-se às competências administrativas da União, Estados-membros,

Municípios e Distrito Federal, respectivamente. Logo, se uma empresa pública

prestar qualquer destes serviços ou atividades, cuja realização em princípio cabe a

um ente político, a ela devem ser extensivos os privilégios destinados àquele ente26.

22 CARRAZZA. Op. cit., 2004. p. 40. 23 Ibidem, p. 40. 24 Ibidem, p. 40-41. 25 Ibidem, p. 39. 26 Ibidem, p. 39.

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Nesta condição, qual seja a de instrumento do Estado para a prestação de

serviços públicos, a empresa pública não é, portanto, sujeitada à tributação27, por

força da interpretação extensiva do art. 150, VI, a, da CF. A finalidade disto é

possibilitar que estas pessoas integrantes da Administração Pública indireta prestem

os serviços públicos a elas incumbidos de forma satisfatória e alcancem os objetivos

públicos propostos. Neste sentido:

Aprofundando o assunto, as empresas estatais, quando delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia – e que, portanto, não exploram atividades econômicas -, não se sujeitam à tributação por meio de impostos, justamente porque são a longa manus das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar28.

Embora seja a empresa pública considerada a extensão do próprio Estado,

com ele não se confunde. A imunidade tributária deve ser estendida a estas

empresas, porquanto não deve a tributação prejudicar a consecução do serviço

público a ser prestado e a intributabilidade se dá justamente por que estas

atividades são de competência do Estado. Assim, como estes serviços podem ser

prestados pelas empresas públicas, os benefícios destinados ao ente político

competente por sua realização a elas deve ser aplicado extensivamente29.

Elucidativos os seguintes trechos da doutrina de Roque Antonio Carrazza:

Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública, por meio de impostos. Esta é a conseqüência de uma interpretação sistemática do art. 150, VI, “a”, da CF. Não se deve distinguir entre a empresa estatal e a pessoa política que a instituiu, mas, simplesmente, se a hipótese de incidência (fato gerador in abstrato) do imposto provém da prestação de serviços públicos, isto é, de atividades de competência governamental. Em caso afirmativo são alcançadas pelos benefícios do art. 150, VI, “a”, da CF30.

O autor acrescenta às empresas públicas prestadoras de serviços aquelas

empresas que praticam atos de polícia, as quais também serão abrangidas pela

imunidade tributária. Ressalva ainda que, mesmo que haja cobrança de preço, tarifa

ou taxa do usuário, a despeito da vedação da imunidade para estes casos, por força

do parágrafo 3º do art. 150, VI, da CF, em relação às empresas públicas prestadoras

27 CARRAZZA. Op. Cit., 2004. p. 38. 28 CARRAZZA. Op. cit., 2005. p. 699. 29 CARRAZZA. Op. Cit., 2004. p. 41. 30 Ibidem, p. 41.

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de serviços públicos ou que praticam atos de polícia, a imunidade é aplicável. Neste

sentido, leciona:

Vamos logo adiantando que, quando a empresa estatal presta um serviço público ou pratica um ato de polícia, em seu favor incide o disposto no § 2º do art. 150 da CF, sem as ressalvas do § 3º desse mesmo dispositivo. Irrelevante, pois, para o desfrute da imunidade em pauta, que a delegatária cobre preço, tarifa ou taxa do usuário31.

Sustenta Carrazza que “a contraprestação econômica pelo serviço público

prestado ou pelo ato de polícia praticado nunca é adequada”32uma vez que esta não

determina livremente o valor desta contraprestação, mas ao contrário, o valor é

regulado por lei (taxas) ou por ato do Poder Executivo (preços e tarifas)33. Ademais,

a empresa pública não pode se negar a prestar o serviço ou a praticar um ato de

polícia ainda que lhe seja desvantajoso, pois o fim primordial a ser atingido é a

consecução do serviço e não o recebimento da contraprestação econômica.

Para Roque Antonio Carrazza, portanto, a imunidade tributária recíproca

deve ser aplica às empresas públicas prestadoras de serviços públicos ou

praticantes de atos de polícia. Ele sintetiza:

Em suma, a empresa estatal delegatária de serviço público juridicamente é Administração Pública e tem os atributos (positivos e negativos) da Administração Pública. Desfruta, pois, do regime protetor que a Constituição Federal reservou aos bens e dinheiros públicos, inclusive no pertinente à imunidade tributária34.

Humberto Ávila defende que sejam as empresas públicas e sociedades de

economia mista também abrangidas pela imunidade tributária recíproca. Afirma que

a extensão feita pelo texto constitucional às autarquias e instituições mantidas pelo

Poder Público não pode ser interpretada de forma literal. Um dos principais

argumentos expostos é o de que as empresas públicas prestam serviços

qualificados como públicos dada a sua importância e, ao prestá-los, as empresas

são apenas instrumento do Poder Público. Neste sentido:

31 CARRAZZA. Op. cit., 2005. p. 694-695. 32 Ibidem, p. p. 695. 33 Ibidem, p. 695. 34 Ibidem, p. 709.

Page 14: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

14

Algumas atividades e alguns serviços são qualificados como públicos em razão da sua importância. A Constituição Brasileira atribuiu o caráter público a alguns desses serviços, exigindo que eles sejam prestados pelo Poder Público. Em função de razões operacionais, a realização desses serviços é transferida para determinadas entidades. Essas entidades são apenas instrumentos do Poder Público. É o Estado que presta o serviço por meio de uma instrumentalidade sua. Com razão, afirma Bandeira de Mello que empresas públicas e sociedades de economia mista são, acima de tudo, instrumento do Estado para atingir uma finalidade pública. Se, em razão do que foi dito, fica claro que as entidades públicas são apenas instrumentos do Estado, não resta dúvida de que a imunidade recíproca também abrange essas entidades que prestam serviços em nome do Estado. Caso contrário, o Estado seria prejudicado, já que ele mesmo é que presta, ainda que indiretamente, o serviço35.

Os critérios que o autor propõe para aplicação da imunidade são os

seguintes: a) tratar-se de um serviço com caráter de serviço público e não privado;

b) a entidade que presta o serviço é um poder público em virtude de lei,

independente da sua forma jurídica; c) o ente público que preste o serviço não

persiga finalidade econômica36.

Ávila sustenta que somente quando as empresas prestam serviços públicos

podem obter os privilégios fiscais concedidos aos entes públicos com a imunidade

recíproca. Caso explorem atividades econômicas propriamente ditas, se sujeitarão à

regra do art. 173, parágrafos 1º, II e 2º, da Constituição Federal, ou seja, a elas

serão aplicadas as mesmas regras destinadas à iniciativa privada37.

Sacha Calmon Navarro Côelho corrobora a tese de aplicação da imunidade

tributária recíproca às empresas públicas brasileiras. O critério para aplicação é que

estas empresas prestem serviços públicos vinculados às finalidades essenciais ou

destas decorrentes em relação aos entes políticos, caso em que, a empresa pública

é considerada a longa manus do próprio Poder Público encarregado pela prestação

daquele serviço, atuando, pois, como órgão da Administração indireta38. Além disto,

as atividades desenvolvidas não devem se equiparar às atividades econômicas

35 ÁVILA. Op. cit., p. 214-215. 36 Ibidem, p. 214-215. 37 Ibidem, p. 219. 38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005a. p. 297.

Page 15: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

15

próprias das empresas privadas39, caso em que às empresas públicas se aplicaria o

mesmo regime destinado ao setor privado.

O autor referido sinala que o artigo 175 da Constituição Federal dispõe que

incumbe ao Poder Público prestar os serviços públicos, sendo possível fazê-lo de

forma direta ou indireta, sob o regime da concessão ou permissão, através de

licitação. Logo, não havendo permissão ou concessão, o serviço deve ser prestado

diretamente pelo Poder Público, e a quem incumbir executar as atividades será

considerado a longa manus do Estado, neste sentido:

Se não houver concessionário ou permissionário, escolhido mediante licitação, na forma da lei, o prestador do serviço público terá de entender-se como o próprio Poder Público dele encarregado, sendo o órgão que o execute mera longa manus daquele, ainda que se trate de empresa pública40.

A INFRAERO é citada como exemplo de empresa a ser abrangida pela

imunidade tributária recíproca. Esta empresa pública é responsável pela

administração dos aeroportos do país, cabendo-lhe operar com a estrutura e infra-

estrutura aeroportuária. Tal serviço público é de competência da União, nos termos

do art. 21, XII, c, da CF41, ele pode ser prestado diretamente por esta ou mediante

autorização, concessão ou permissão. Logo, se a União incumbiu o serviço a uma

empresa pública, esta deve ser considerada sua longa manus, gozando dos

mesmos privilégios dirigidos ao ente político que delegou a prestação do serviço de

sua competência. Claro está que esta empresa não exerce atividade econômica,

mas sim a prestação de um serviço que serve a toda a coletividade e em nome da

União. Sacha Calmon Navarro Coelho sintetiza seu posicionamento da seguinte

forma: “se uma empresa ou sociedade de economia mista preta um serviço público,

atua como órgão da Administração indireta, e não desenvolve atividade econômica

própria das empresas privadas”42.

39 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 324. 40 COÊLHO. Op. cit., 2005b. p. 324. 41 “Art. 21. Compete à União: [...] XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: [...] c ) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária” 42 COÊLHO. Op. cit., 2005b. p. 326.

Page 16: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

16

Ricardo Lobo Torres sinala que, em relação ao destinatário da imunidade, “o

fundamental é que a pessoa imune não concorra com os particulares no mercado

econômico”43.

Claro está que a doutrina favorável à aplicação da imunidade tributária

recíproca às empresas públicas fixa como traço essencial que estas empresas não

exerçam atividades econômicas, caso em que se deverá aplicar-lhes as regras

pertinentes ao setor privado. A imunidade é extensiva tão somente às prestadoras

de serviços públicos (à exceção de Carrazza, que estende a aplicação às empresas

que praticam ato de polícia), uma vez que estas empresas são consideradas

extensão do próprio Estado, ou melhor, do ente político delegatário do serviço.

2.3 Análise do caso da Empresa Pública de Correios e Telégrafos

A jurisprudência do Pretório Excelso não é farta em relação a casos que

tratem da possibilidade de aplicação da imunidade tributária recíproca à empresa

pública brasileira, sob a égide da Constituição de 1988. Entretanto, há importantes

decisões do Tribunal Pleno proferidas por provocação da Empresa Brasileira de

Correios e Telégrafos que versam sobre a matéria, constituindo precedentes

importantes em relação a futuras demandas.

O primeiro caso a ser citado refere-se ao julgamento conjunto de três

recursos extraordinários interpostos pela Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos. Através destes recursos, a empresa pleiteou o reconhecimento de sua

equiparação à Fazenda Pública sendo-lhe aplicada a regra do art. 100 e seus

parágrafos, da Constituição, que determina que o pagamento de débitos pela

Fazenda Pública oriundos de sentenças judiciais se farão por precatório. A

fundamentação baseou-se na questão de ser a empresa prestadora de serviço

público de alta relevância, assim como o Decreto-Lei n.º 509, de 20 de março de

43 TORRES. Op. cit., p. 198.

Page 17: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

17

1969, que criou a ECT, em seu art. 1244 ter estendido a ela os privilégios

concernentes à Fazenda Pública, determinando a impenhorabilidade de seus bens.

As questões fundamentais enfrentadas foram: I – a possibilidade da ECT ser

equiparada à Fazenda Pública para que lhe fossem aplicados os privilégios dirigidos

ao Estado; II – o exame da recepção ou não do art. 12 do Decreto-Lei n.º 509, que

determina a impenhorabilidade dos bens da ECT, pela Constituição de 1998; III –em

vista dos questionamentos anteriores, se deveria, portanto, aplicar o art. 100, da CF,

em relação a ECT, determinando o pagamento das execuções movidas em face da

empresa por meio de precatório.

Os recursos extraordinários números 220.906, 225.011 e 229.696 que

tratam da matéria foram julgados conjuntamente na sessão Plenária de 16 de

novembro de 2000. Após muita discussão e votos-vista, os recursos foram

conhecidos e providos por maioria, restando assim ementados:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido45.

44 BRASIL. Decreto-lei n.º 509, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em: 15 set. 2006. “Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais”. 45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 220906/DF. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Ismar José da Costa. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Brasília, 14 de novembro de 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 225011/MG. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT.

Page 18: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

18

O voto vencido, conduzido pelo Ministro Ilmar Galvão, aduz que as

empresas públicas se sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas, por conta

do art. 173, §1º, II, da CF, sendo inquestionável que a sistemática de pagamento de

débitos por precatórios aplica-se tão somente às entidades de direito público. Logo,

sustenta que não poderia a ECT se beneficiar com os privilégios dirigidos às

pessoas que atuam sob o regime público, uma vez que ela exerce atividade

econômica. Transcreve-se o seguinte excerto:

Assim, conquanto se esteja, no caso, diante de empresa delegatária de serviço cuja manutenção as Cartas de 67, 69 e 88 incumbiram à União (art. 21, X), é fora de dúvida que não se trata de serviço público inerente ao Estado, mas de atividade econômica exercida em forma de monopólio estatal, o que, como visto, não pode conferir à ECT posição privilegiada em face das empresas privadas46.

Termina por declarar a inconstitucionalidade da expressão

“impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços” constante do art. 12 do

Decreto-Lei n.º 509, justamente sob o argumento de que às empresas públicas se

aplica o mesmo regime das empresas privadas.

O voto vencedor foi conduzido pelo Ministro Maurício Corrêa. Fundamenta o

posicionamento favorável à extensão da imunidade em comento basicamente no

fato de a empresa prestar um serviço público de competência da União e não exerce

atividade econômica, não sendo-lhe aplicado o §1º do art. 173, ou seja, o tratamento

dado às empresas privadas. Do voto extraem-se os seguintes excertos:

A recorrente é empresa pública criada pelo Decreto-Lei n.º 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído integralmente pela União Federal (art. 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública. [...] No caso sub examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X). [...]

Recorrido: Cláudio Rodrigues dos Santos. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 19 de dezembro de 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 229696/PE. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Edgar Henrique da Silva. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Brasília, 19 de dezembro de 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2006; respectivamente. 46 Fundamentação dos Recursos Extraordinários 220.906, 225.011 e 229.696 anteriormente citados.

Page 19: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

19

Assim, não se aplicam às empresas públicas, sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, §1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173, §2º). [...] Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da Constituição Federal (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição...”), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n.º 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei n.º 9.673/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento –Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à contra-capa destes autos. Logo, são impenhoráveis seus bens por pertenceram à entidade estatal mantenedora47.

Portanto, foi dado provimento ao recurso, determinando que a execução

fosse feita por meio de precatório uma vez que impenhoráveis os bens, rendas e

serviços da empresa, restando recepcionado pela Constituição o art. 12, do Decreto-

Lei n.º 509/69.

Conquanto a problemática não dissesse respeito diretamente à imunidade

tributária recíproca, o precedente tornou-se fundamental em relação às demandas

posteriores, especificamente em relação ao caso apresentado a seguir, uma vez que

já havia se debatido sobre a extensão dos privilégios da Fazenda Pública em

relação às empresas públicas, mormente em matéria tributária, assim como a

diferença entre as empresas prestadoras de serviços e as que exercem atividades

econômicas.

O segundo caso diz respeito diretamente à imunidade tributária recíproca.

Através do recurso extraordinário n.º 407.099, julgado em 22 de junho de 2004, pela

Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a ECT alegara ofensa ao art. 150, VI,

a, da Constituição pois este se aplicaria a ela a despeito do disposto pelo § 3º do

mesmo art. 150. Nas razões do recurso, sustentou a recorrente que o art. 173, § 2º,

da CF aplica-se exclusivamente às empresas públicas que exploram atividade

47 Fundamentação dos Recursos Extraordinários 220.906, 225.011 e 229.696 anteriormente citados.

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20

econômica em regime de concorrência com o setor privado, não incidindo essa regra

nas hipóteses em que a empresa pública se destinar à prestação de serviço público

reservado à União, como seria exatamente o caso da ECT.

O recurso foi conhecido na parte referente à aplicação da imunidade

tributária recíproca e, nessa parte, provido por unânime, tendo sido relator o Ministro

Calos Velloso. Restou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido48.

Da fundamentação consta a distinção feita entre as empresas públicas

prestadoras de serviços e as que exercem atividade econômica, sendo que as

primeiras tem natureza jurídica de autarquia, aplicando-se, portanto, o parágrafo 2º

do artigo 150, VI, a despeito do que dispõe o seu parágrafo terceiro. Segue trecho

do voto proferido:

É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F. , art. 173, §1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no §1º do art. 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, §6º). [...] fazendo-se a distinção entre empresa pública como instrumento da participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público – não tenho dúvida em afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art. 21, X. [...] É que o §3º do art. 150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica regida pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou

48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 407099/RS. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Marcelo Guimarães da Silva e outro. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 6 de agosto de 2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2006.

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21

tarifas pelo usuário. No caso, tem aplicação a hipótese inscrita no §2º do mesmo art. 15049.

Por fim, consta do voto que a questão fundamental é que a empresa pública

é imune, por força do artigo 150, VI, a, da CF, independentemente da discussão

acerca da recepção do Decreto-Lei n.º 509 pela Constituição Federal de 1988.

As decisões posteriores proferidas nos recursos extraordinários números

354.897, 424.227, 398.630 e 364.20250, julgados pela Segunda Turma do Pretório

Excelso, seguiram na mesma esteira da decisão supracitada. Recentemente, a

Primeira Turma do STF também se manifestou sobre a aplicação extensiva da

imunidade às empresas públicas, adotando com o entendimento que estava sendo

dado à matéria pela Segunda Turma. Neste sentido, segue transcrita a ementa do

agravo regimental no recurso extraordinário número 357.291:

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Imunidade tributária de empresa pública prestadora de serviços públicos. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte51.

Resta claro que o Pretório Excelso assentou jurisprudência favorável à

interpretação extensiva da imunidade tributária recíproca em relação à Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. A partir dos precedentes supracitados, certamente

outras empresas públicas também intentarão em Juízo ações visando ao

49 Da mesma decisão da nota n.º 48. 50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 354897/RS. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Município de Montenegro. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 3 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 407099/SC. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Município de Imbituba. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 10 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 398630/SP. Recorrente: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Recorrido: Município de Estrela d”Oeste. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 17 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Recurso Extraordinário n.º 364202; respectivamente. 51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade tributária recíproca – empresa pública. Agravo regimental n.º 357291/PR. Agravante: Estado do Paraná. Agravado: Empresa Pública de Correios e Telégrafos - ECT. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, 2 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2006.

Page 22: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

22

reconhecimento de sua imunidade tributária recíproca, ensejando, via recurso, o

exame da aplicação da imunidade estudada em relação a outras empresas que não

a ECT. Pelos fundamentos apontados parece bastante viável que a imunidade

recíproca seja extensiva também às empresas públicas que prestam serviços

diversos dos postais, desde que sejam serviços públicos e que as empresas não

concorram com a iniciativa privada.

3 CONCLUSÃO

A imunidade tributária é conceituada, por alguns doutrinadores, como uma

supressão ao poder de tributar e, por outros, como norma de competência negativa.

Seja como for, deve ser sempre entendida como uma norma constitucional

expressa, que determina a intributabilidade de uma pessoa, fato ou situação, não se

confundindo com os princípios, isenções e não incidência.

A imunidade tributária recíproca é norma de hierarquia constitucional que

determina a veda da tributação entre os entes de direito público interno, nos termos

do art. 150, VI, a, da Constituição Federal de 1988. O fundamento de tal imunidade

encontra-se na preservação da forma de Estado federal. por conta disso, é possível

sustentar ser esta imunidade cláusula pétrea, porquanto a forma federativa de

Estado não pode ser alterada sequer através de Emenda Constitucional, conforme

determina o art. 60, § 4º, I, da Carta Magna.

Em princípio, as pessoas protegidas pela imunidade recíproca são a União,

os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias e fundações instituídas

e mantidas por aqueles entes políticos. Objetivamente, a regra determina a

intributabilidade em relação aos impostos sobre patrimônio, renda e serviços. Esta

determinação constitucional gerou bastante polêmica entre os doutrinadores e,

ressalvado o debate ainda existente nesta seara, cumpre sinalar que o Supremo

Tribunal Federal fixou que esta imunidade refere-se tão somente aos impostos, de

modo que, privilegiando a interpretação literal do dispositivos, afastou qualquer

interpretação que se fizesse no sentido de estender a imunidade a outras espécies

Page 23: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

23

de tributos. No entanto, a aplicação da imunidade recíproca não se restringe apenas

aos impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços, mas se estende a

quaisquer outros impostos não classificáveis entre estes pela legislação

infraconstitucionais, incluindo os impostos indiretos, com clara adoção da teoria da

repercussão econômica explicada por Aliomar Baleeiro. Ou seja, sempre que o

encargo econômico causado pelo recolhimento do imposto recair sobre o patrimônio

de ente imune, se aplicará a regra da imunidade. No entanto, se o encargo recair

sobre patrimônio privado a imunidade não deverá ser aplicada.

Em relação ao critério subjetivo é possível afirmar, com base nas atuais

doutrina e jurisprudência pátrias, que a imunidade tributária recíproca deve abranger

também as empresa públicas, dependendo das atividades que estas pratiquem. A

doutrina classifica as empresas públicas segundo seu tipo de atividade, em duas

espécies: empresas públicas que exercem atividade econômica e empresas públicas

que prestam serviços públicos. Em relação à primeira espécie, a Constituição

consignou, em seu art. 173, caput e § 2º, que as empresas públicas só podem

exercer atividade econômica em casos excepcionais e, nestes casos, em relação a

elas fica vedado o gozo de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado. No

entanto, a tese de extensão da imunidade às empresas públicas apresenta-se

viável em relação àquelas empresas que não exercem atividade econômica, mas

prestação de serviços públicos. Deste modo, ao aplicar a imunidade tão somente às

empresas públicas prestadoras de serviços públicos não se estará a ferir a regra do

art. 173, da Carta Magna.

Ressalta-se, ainda, que, em regra, cabe ao Estado a prestação de serviços

públicos, conforme se depreende do art. 175, da Constituição, podendo este delegar

a atividade por meio de concessão, permissão ou autorização ao setor privado,

cabendo-lhe fiscalizar a prestação do serviço que lhe compete ou delegar a algum

ente da própria Administração Pública, na forma da lei, inclusive às empresas

públicas. Se o serviço público for prestado por empresas públicas, estas devem ser

consideradas como longa manus do próprio Estado, sendo-lhes aplicados os

benefícios relativos a ele.

Page 24: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

24

Evidentemente que a aplicação da imunidade está condicionada à

verificação de que as empresas públicas a serem protegidas da tributação não se

encontram em concorrência com as empresas privadas no mercado, sob pena de se

incentivar a concorrência desleal, em clara afronta ao art. 170, da Constituição, o

qual determina a valorização da livre concorrência e o incentivo à iniciativa privada.

Nesta esteira, quando da análise de caso concreto, restar assentado que se a

empresa pública pratica atividade econômica ou concorre no mercado com a

iniciativa privada, a ela deve ser aplicado o regime jurídico próprio das empresas

privadas, em obediência ao art. 173, § 1º, II, da Carta Magna.

Em princípio, as atividades que devem ser praticadas pelos entes políticos

são aquelas constantes dos artigos 21, 25, 30 e 32, do texto constitucional, que se

referem às competências administrativas da União, dos Estados-membros, dos

Municípios e do Distrito Federal, respectivamente. Quando as empresas públicas

prestam estes serviços estão atuando como instrumentos do Estado, devendo

aproveitar os privilégios concernentes ao respectivo ente que delegou a prestação

do serviço público de sua competência.

A empresa pública prestadora do serviço não pode perseguir finalidade

econômica para que seja abrangida pela imunidade recíproca. Observe-se que o

recebimento de contraprestação pelo serviço prestado não determina de forma

imediata que a empresa esteja perseguindo finalidade de ordem econômica, pois a

contraprestação nem sempre é proporcional ao serviço, não constituindo o

recebimento deste valor o fim primordial a ser atingido, mas sim a própria prestação

do serviço público.

A tese da aplicação da imunidade tributária recíproca foi apreciada e

acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a abrangência dela em

relação à Empresa Pública de Correios e Telégrafos – ECT. Fundamentalmente, a

interpretação extensiva da imunidade destinada às autarquias em relação à

empresas pública anteriormente citada, em razão desta prestar serviço público de

competência da União, nos termos do art. 21, X, da Constituição, e de ter restado

claro que a empresa não exercia atividade econômica e sim prestação de serviço

público.

Page 25: imunidade recíproca extensível as empresas públicas

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Ao analisar o fundamento do posicionamento do Pretório Excelso em favor

da extensão da imunidade recíproca à ECT e ao considerar os argumentos

apresentados pela doutrina, é possível afirmar ser bastante viável a aplicação da

tese a outras empresas públicas que prestam outros serviços públicos diversos do

serviço postal, desde que elas se enquadrem nos requisitos fixados pela doutrina e

jurisprudência para a abrangência das empresas públicas pela imunidade tributária

recíproca.