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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE EM UM
ESTALEIRO DE IATES
Guilherme Hansel dos Santos Gassen
Projeto de Graduação apresentado ao Curso de
Engenharia Naval e Oceânica da Escola
Politécnica, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Engenheiro
Orientadora: Marta Cecilia Tapia Reyes
Rio de Janeiro
Setembro de 2018
IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE EM UM
ESTALEIRO DE IATES
Guilherme Hansel dos Santos Gassen
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE
ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO NAVAL E OCEÂNICO.
Examinado por:
______________________________________
Prof.a Marta Cecilia Tapia Reyes, D.Sc.
______________________________________
Prof. Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.
______________________________________
Prof. José Marcio do Amaral Vasconcellos, D.Sc.
______________________________________
Prof. Isaias Quaresma Masetti, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
SETEMBRO DE 2018
iii
Gassen, Guilherme Hansel dos Santos
Implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade em
um estaleiro de iates / Guilherme Hansel dos Santos Gassen
– Rio de Janeiro: UFRJ/Escola Politécnica, 2018.
XII, 80 p.: il.; 29,7 cm.
Orientadora: Marta Cecilia Tapia Reyes
Projeto de Graduação – UFRJ/Escola Politécnica/
Departamento de Engenharia Naval e Oceânica, 2018.
Referências Bibliográficas: p. 75-76.
1. Gestão da Qualidade. 2. Construção náutica. 3.
Processos. 4. Lean Manufacturing. 5. Produção. I. Reyes,
Marta Cecilia Tapia. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia Naval e
Oceânica. III. Implantação de um Sistema de Gestão da
Qualidade em um estaleiro de iates.
iv
"Loyalty is a two-way street. If I'm asking for it from
you, then you're getting it from me."
Harvey Specter
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço principalmente à minha família pelo apoio incondicional. Aos meus
pais Gilmar e Milene, minha base na vida, que dedicaram suas vidas pela minha
educação e crescimento. Ao meu irmão Frederico, por estar sempre presente para mim.
Vocês são a base e a razão da minha vida, os responsáveis pelas minhas conquistas e
a quem dedico todo meu esforço, carinho e amor. Serei eternamente grato por tudo.
Agradeço aos meus tios e primos que torcem pelo meu sucesso, em especial
àqueles que estiveram mais presentes durante esta caminhada longe de casa. Faço
menção especial às tias Liane Lucia Gomes (in memoriam) e Liria Maria Ewald (in
memoriam), perdas recentes que fizeram parte do referido trajeto.
Agradeço ainda aos meus padrinhos Cláudio e Geci por sempre me apoiarem
com muito carinho e admiração.
Agradeço também a todos os amigos que de alguma maneira me apoiaram
durante esta longa e árdua jornada. Sou muito feliz de tê-los encontrado nesta vida.
Obrigado pela amizade e companheirismo.
Agradeço por fim a todos os docentes que fizeram parte da minha formação e
proporcionaram-me о conhecimento necessário para me tornar um profissional de
excelência. Desde a pré-escola, passando pelos ensinos fundamental e médio e
culminando no ensino superior, cada um tem uma parcela em tudo que aprendi ao longo
da vida. Gratifico especialmente aqueles que tratam seus alunos com carinho e
responsabilidade – esses são simbolizados aqui pela professora Marta Tapia, sempre
solícita e sensível no trato pessoal ao longo das disciplinas e principalmente na
orientação deste trabalho; professora Regina Barbosa, que me fez acreditar no poder
da escrita, competência fundamental e diferencial em um mundo de baixo nível
argumentativo de ideias; e professoras Marisa Hansel e Rosimeri Haas, pelo apreço ao
longo da vida e por acreditarem em mim desde criança. Cada uma dessas educadoras
representa uma etapa em minha trajetória acadêmica até aqui.
vi
Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Naval e Oceânico.
Implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade em um estaleiro de iates
Guilherme Hansel dos Santos Gassen
Setembro/2018
Orientadora: Marta Cecilia Tapia Reyes
Curso: Engenharia Naval e Oceânica
O crescimento comercial do mercado náutico brasileiro, aliado à incipiente
modernização de sua indústria, demanda desenvolvimento dos processos construtivos
utilizados no setor. Este trabalho traz uma proposta de sistema para gerir a qualidade
de forma proativa e holística em um estaleiro de iates, utilizando conceitos, técnicas e
ferramentas das metodologias Lean e da Qualidade Total. A partir da análise detalhada
de uma fábrica-modelo de pequeno porte em termos de cadeia de valor e setores de
apoio, desenvolve-se um modelo de Sistema de Gestão da Qualidade para efetiva
implantação ao estruturar uma filosofia-base adequada e princípios associados; e
aplicá-lo com um plano de ação que reúne uma série de medidas e ferramentas
particulares que permitem a operacionalização e exemplificação dos ideais da
metodologia. São apresentados ainda os resultados esperados da implantação e seus
efeitos.
Palavras-chave: Gestão da Qualidade, indústria náutica, Lean, construção de
barcos, processo produtivo, cadeia de valor
vii
Abstract of the Bachelor’s Degree Final Project presented to Escola Politécnica/UFRJ
(Polytechnic Institute/Federal University of Rio de Janeiro) as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Bachelor in Naval Architecture and Marine Engineering.
Implantation of a Quality Management System in a yacht shipyard
Guilherme Hansel dos Santos Gassen
September/2018
Advisor: Marta Cecilia Tapia Reyes
Course: Naval Architecture and Marine Engineering
The commercial growth of Brazil's recreational boating market, associated with
the just recent modernization of its industry, demands development of the building
processes used in the sector. This work brings the proposal of a system to manage the
quality in a yacht shipyard in a proactive and holistic way by the use of concepts,
techniques and tools of Lean and Total Quality Management methodologies. From a
detailed analysis of a small-sized factory in terms of value chain and support
departments, it is developed a model of Quality Management System for effective
implementation by structuring it with a suitable philosophical foundation and associated
principles; and applying it with an action plan that reunites a series of practices and
particular tools that allow the operationalization and exemplification of the methodology's
ideals. Furthermore, effects and results of the implementation are to be presented as
well.
Keywords: Quality Management, boating industry, Lean, yacht building,
production process, value chain
viii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 1
1.1 OBJETIVOS DO TRABALHO ......................................................................... 2
1.2 METODOLOGIA ............................................................................................. 2
1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................... 3
2 REVISÃO TEÓRICA .............................................................................................. 4
2.1 QUALIDADE ................................................................................................... 4
2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS ............................................................................. 5
2.3 GESTÃO DA QUALIDADE ............................................................................. 7
2.4 AS FILOSOFIAS DE PRODUÇÃO LEAN E DA QUALIDADE TOTAL ............ 8
2.4.1 GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL (TQM) ............................................... 9
2.4.2 MANUFATURA ENXUTA (LM) .............................................................. 11
2.4.3 SIMILARIDADES, DIFERENÇAS E PONTOS DE DESTAQUE ............. 15
3 OBJETO DE ESTUDO: O ESTALEIRO NÁUTICO ATUALMENTE ...................... 19
3.1 O ESTALEIRO EM ESTUDO ........................................................................ 19
3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL ............................................................... 19
3.3 CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ATUAL ............................................. 21
3.3.1 O PRODUTO ......................................................................................... 23
3.3.2 A PRODUÇÃO ...................................................................................... 23
3.4 MAPEAMENTO DOS FLUXOS .................................................................... 26
3.4.1 FLUXO GERAL ..................................................................................... 27
3.4.2 FLUXO DE PRODUÇÃO ....................................................................... 27
3.5 O ARRANJO FÍSICO DO ESTALEIRO ......................................................... 33
3.6 A QUALIDADE ATUALMENTE ..................................................................... 36
4 SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE PROPOSTO ....................................... 37
4.1 ESTRUTURA GERAL ................................................................................... 37
4.2 PRINCÍPIOS ................................................................................................. 41
4.2.1 CRIAÇÃO DE UM FLUXO DE PROCESSOS CONTÍNUO .................... 41
4.2.2 USO DE SISTEMAS PUXADOS ............................................................ 42
ix
4.2.3 NIVELAMENTO DA CARGA DE TRABALHO ........................................ 43
4.2.4 CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PARAR E RESOLVER OS
PROBLEMAS ...................................................................................................... 44
4.2.5 PADRONIZAÇÃO DE TAREFAS ........................................................... 45
4.2.6 USO DE CONTROLE VISUAL............................................................... 46
4.3 MEDIDAS E FERRAMENTAS ...................................................................... 48
4.3.1 REESTRUTURAÇÃO ORGANIZACIONAL ........................................... 48
4.3.2 CRIAÇÃO DA ILHA DE PEÇAS PEQUENAS ........................................ 50
4.3.3 IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS PUXADOS NO ALMOXARIFADO ....... 52
4.3.4 ALOCAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ATRAVÉS DO TAKT TIME ............... 54
4.3.5 NOVO PAVILHÃO E REESTRUTURAÇÃO DO LAYOUT ..................... 55
4.3.6 MAPEAMENTO COMPLETO DE SUBPROCESSOS (ATIVIDADES).... 58
4.3.7 (PPP)2: PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO DA PRODUÇÃO POR
PEÇAS, PROCESSOS E PESSOAS ................................................................... 58
4.3.8 DOCUMENTAÇÃO DE PROCESSOS DE NEGÓCIO ........................... 60
4.3.9 FORMAÇÃO DE KITS ........................................................................... 62
4.3.10 INSERÇÃO DE PONTOS DE INSPEÇÃO/VERIFICAÇÃO DE
QUALIDADE ........................................................................................................ 64
4.3.11 CÍRCULOS DE QUALIDADE ................................................................. 66
4.3.12 INSTALAÇÃO DE SINAIS VISUAIS NA FÁBRICA ................................ 67
4.3.13 APLICAÇÃO INCESSANTE DE CICLOS PDCA .................................... 68
4.3.14 ANÁLISE DE MODOS DE FALHA E EFEITOS (FMEA) ........................ 70
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 73
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 75
7 ANEXOS.............................................................................................................. 77
ANEXO I – ETAPA A DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA) ...................................... 77
ANEXO II – ETAPA B DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA) ..................................... 78
ANEXO III – ETAPA C DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA) .................................... 79
ANEXO IV – ETAPA ANEXA DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA) .......................... 80
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Componentes do sistema Lean .................................................................... 9
Figura 2 - Exemplo de cadeia de processos e os diferentes focos de TQM e LM ....... 15
Figura 3 - Organograma atual da empresa ................................................................. 20
Figura 4 - Processo de obtenção de moldes (tipo macho ou fêmea) ........................... 24
Figura 5 - Sequência de construção de um plug de Convés (1) .................................. 25
Figura 6 - Sequência de construção de um plug de Convés (2) .................................. 25
Figura 7 - Fluxo geral de atividades do estaleiro ......................................................... 27
Figura 8 - Fluxo de Produção (1º nível) ....................................................................... 28
Figura 9 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA A ..................................................... 29
Figura 10 - Legenda da ETAPA A ............................................................................... 29
Figura 11 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA B ................................................... 30
Figura 12 - Legenda da ETAPA B ............................................................................... 30
Figura 13 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA C .................................................. 31
Figura 14 - Legenda da ETAPA C............................................................................... 31
Figura 15 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA ANEXA ......................................... 32
Figura 16 - Legenda da ETAPA ANEXA ..................................................................... 32
Figura 17 - Layout básico do estaleiro ........................................................................ 34
Figura 18 - Estrutura do Sistema ................................................................................ 38
Figura 19 - Conceitos do Founder's Mentality - "Mentalidade de Fundação" ............... 40
Figura 20 - Aspecto cíclico do Programa 5S ............................................................... 48
Figura 21 - Nova estrutura organizacional .................................................................. 49
Figura 22 - Organização por processo com fluxo desordenado .................................. 50
Figura 23 - Célula de fluxo de peças organizada em forma de U ................................ 51
Figura 24 - Exemplo de sistema de sinalização .......................................................... 53
Figura 25 - Etapas trabalhando em ritmo (takt time igual a X dias) ............................. 54
Figura 26 - Planta baixa do novo pavilhão .................................................................. 55
Figura 27 - Novo arranjo físico do estaleiro ................................................................. 57
Figura 28 - Programação da alocação semanal de pessoal por processo .................. 59
Figura 29 - Planilha de controle da produção (Resumo Geral) .................................... 59
Figura 30 - Planilha de controle da produção (Peça G4) ............................................. 60
Figura 31 - Sequência de tarefas no processo de negócio de Compras ..................... 61
Figura 32 - Exemplo de kits sendo usados na Etapa C ............................................... 63
Figura 33 - Processo de negócio de Formação de kits ............................................... 63
Figura 34 - Procedimentos de inspeção adicionados ao longo do fluxo ...................... 64
xi
Figura 35 - Folha de inspeção de qualidade do Acabamento Geral ............................ 65
Figura 36 - Classificação dos graus para cada modo de falha .................................... 71
Figura 37 - Exemplo de preenchimento da Planilha FMEA ......................................... 72
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Principais pontos do TQM e Lean .............................................................. 16
1
1 INTRODUÇÃO
A despeito da crise econômica que vem abalando diversos setores da economia
nacional nos últimos anos, o mercado náutico brasileiro está cada vez mais aquecido –
evidência do desempenho robusto do setor é o sucesso contínuo das feiras de
exposição que acontecem no país. Rio Boat Show e São Paulo Boat Show, grandes
eventos que capitaneiam o comércio de lanchas e iates, registram continuamente
recordes de público, barcos cada vez maiores e sofisticados e mais negócios
concluídos.
Apesar dos números de sucesso do ramo, no entanto, o desempenho industrial
mesmo em grandes fábricas não se reflete em termos de qualidade como nas lideranças
de outros ramos do setor secundário. No Brasil, de modo geral, estaleiros náuticos
possuem origem familiar e ainda pouco utilizam ferramentas disponíveis para
gerenciamento de qualidade. Assim, abordagens de otimização da produção não são
usuais no contexto abordado, havendo necessidade de uma “quebra de paradigma”.
Ainda não tendo sido plenamente capazes de se modernizar tanto a ponto de
possuírem significativas vantagens competitivas de tecnologia/produtividade, as
fábricas possuem então margem para trabalhar em cima disso. Em grande parte delas,
inclusive, sua lista de empregados não compreende ou tem poucos engenheiros – é
composta por profissionais de larga experiência no setor, porém sem uma mentalidade
“engenheira”: voltada à otimização de processos, produtividade na fábrica e qualidade
de produto. Prova disso era a descentralização da produção, evidenciada por uma
distribuição geográfica dos estaleiros e empresas relacionadas com o setor náutico
bastante espalhada pelo país, sem que algumas delas tivessem tantas vantagens a
ponto de gerar muito domínio de mercado, sobretudo no início dos anos 2000. Essa
distribuição, porém, vem se alterando recentemente justamente em decorrência da
modernização da produção de grandes fábricas, estabelecendo o estado de Santa
Catarina como base para tal.
O sucesso e a desconcentração de mercado na indústria supracitados
respectivamente motivaram e permitiram de maneira relativamente facilitada a entrada
de novos players. Esse aumento contínuo da competitividade entre estaleiros de
embarcações de recreio, juntamente com o aumento do número de pessoas envolvidas
com este setor na indústria, faz com que as técnicas produtivas sejam aprimoradas,
permitindo-se cada vez menos perdas e desperdícios em processos, tanto em questão
de tempo e principalmente de dinheiro.
Tal aumento demanda um maior volume de técnicas e metodologias que possam
auxiliar de forma embasada o aperfeiçoamento de linhas produtivas. O presente
2
trabalho segue nesta linha e traz uma proposta de um Sistema de Gestão da Qualidade
com foco na identificação de oportunidades de melhorias em processos e uma
orientação de onde devem ser concentrados os esforços para o aprimoramento de
processos construtivos.
1.1 OBJETIVOS DO TRABALHO
O objetivo geral é, a partir dos conceitos de Gestão da Qualidade, desenvolver
um modelo e reunir medidas em um plano de ação para aperfeiçoamento dos processos
em uma fábrica de iates, visando conformidade e organização das embarcações,
redução de desperdício e melhoria da produtividade – estruturando assim um Sistema
de Gestão da Qualidade que englobe a produção como um todo.
Os objetivos em específico do trabalho são:
• Descrever a teoria por trás da estruturação de uma filosofia empresarial,
caracterizando conceitos de qualidade e gestão e definindo modelos já
consolidados – Total Quality Management e Lean Manufacturing, em
específico;
• Desenvolver um modelo de Gestão da Qualidade para ser aplicado em
um estaleiro de iates;
• Estabelecer um plano de ação em termos de medidas a serem
implementadas;
• Agregar valor e diferenciar a empresa estudada ainda mais no mercado,
deixando um legado de cultura e gestão;
• Fomentar os valores de produtividade e otimização para estimular o
desenvolvimento do setor náutico como um todo.
1.2 METODOLOGIA
A partir de um estudo de caso real, no qual imerge-se na produção de um
fabricante-modelo de pequeno porte, realiza-se uma análise de todos os processos
produtivos que envolvem a cadeia completa dos barcos (da venda à entrega) na
extensão necessária para planejar procedimentos de revisão que se julgam apropriados
em termos de qualidade e tudo que a cerca.
Para isso, são utilizados conceitos e ferramentas de Gestão da Qualidade e
Planejamento e Controle da Construção Naval já consolidados.
3
1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO
Este capítulo inicial, 1, introduz e conceitua, de forma sucinta, a proposta do
presente trabalho.
O capítulo 2 descreve a teoria que contextualiza e auxilia o entendimento do
“problema” abordado, reunindo trabalhos já desenvolvidos acerca de modelos de gestão
e apontando como eles se interligam para formar um modelo derivado.
O capítulo 3 detalha características do estaleiro náutico real abordado, seus
produtos, processos de fabricação, layout e características de operação.
No capítulo 4, aborda-se o Sistema de Gestão de Qualidade a ser implantado na
empresa e as ações a serem desenvolvidas sobre a produção atual da fábrica.
O capítulo 5 trata dos impactos que o sistema proposto traz à empresa e faz uma
avaliação do custo e do benefício das medidas implantadas.
Por fim, no capítulo 6 são apresentadas as conclusões sobre o trabalho
desenvolvido, apreciando-se sobre o alcance dos objetivos traçados.
4
2 REVISÃO TEÓRICA
Há registros do desenvolvimento de ferramentas e métodos específicos de
otimização da construção naval principalmente para processos em estaleiros de aço
como matéria-prima (embarcações mercantes etc.). Porém, nada sistemático e
integrado sobre o setor náutico de barcos de fibra.
Vê-se então a necessidade do desenvolvimento de um Sistema da Qualidade
para poder aplicar à produção de embarcações como lanchas e iates. Para a empresa
em estudo, são combinadas organizadamente ferramentas enxutas e tradicionais
adequadas à realidade de uma indústria do tipo.
2.1 QUALIDADE
Mas afinal, o que é Qualidade?
Por mais presente que esta palavra esteja no cotidiano das pessoas e das
empresas, trata-se de um conceito abstrato. Sua definição possui diversas
interpretações e diversos autores procuram simplificar para que seja acessível a todos
os níveis das organizações. Deve ser uma definição precisa e abrangente ao mesmo
tempo, de forma a apresentar sua importância em toda e qualquer atividade produtiva.
Ao longo da história, a evolução da sociedade como um todo vai guiando as
modificações do conceito de qualidade e suas aplicações. Grandes especialistas no
assunto a definem, de acordo com suas experiências e indústrias, à sua própria
percepção.
Crosby [1] cita que “qualidade é a conformidade do produto às suas
especificações.” As necessidades devem ser especificadas – e a qualidade é possível
quando essas especificações são obedecidas sem ocorrência de defeito.
Já Deming [2] define qualidade como “tudo aquilo que melhora o produto do
ponto de vista do cliente. Somente o cliente é capaz de definir a qualidade de um
produto. O conceito de qualidade muda de significado na mesma proporção em que as
necessidades dos clientes evoluem”.
Ishikawa [3], por sua vez, interpreta: “Qualidade é desenvolver, projetar, produzir
e comercializar um produto de qualidade que é mais econômico, mais útil e sempre
satisfatório para o consumidor.”
E Feigenbaum [4] assim a caracteriza: “Qualidade é a correção dos problemas
e de suas causas ao longo de toda a série de fatores relacionados com marketing,
projetos, engenharia, produção e manutenção, que exercem influência sobre a
satisfação do usuário.”
5
2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS
Toda empresa, seja ela de bens ou serviços, deve ter como finalidade buscar o
atendimento às necessidades do cliente. Como definida anteriormente, é notável a
importância da Qualidade no processo produtivo para atingir esse objetivo. O meio para
a melhor execução do mesmo, portanto, de forma consistente e otimizada, é o trabalho
com qualidade.
Sob um aspecto histórico, porém, inicialmente Qualidade estava relacionada
apenas a dar confiabilidade à inspeção do produto, mas assemelhando-se a um
atestado de óbito: nada mais havia a se fazer nele. Após a inspeção, direcionava-se
ações para conserto ou descarte daqueles inadequados.
Com o passar do tempo e a evolução dos conceitos, os dados fornecidos pelas
inspeções serviram como base para novas ações nas indústrias, auxiliando na
eliminação de grande número de defeitos. Como o produto é resultado do processo,
teve-se a necessidade de agir sobre o processo, isto é, sobre as causas e não mais
sobre os efeitos.
Assim, com o aumento da competitividade do mercado mundial característico do
início do século XX, desenvolveram-se diversos sistemas, ferramentas e teorias que
buscavam melhorar a eficiência dos processos das empresas, dentre os quais
destacam-se os princípios de administração científica de Taylor em 1911 [5], a produção
em massa de Henry Ford (1922) [6] e os princípios de organização das empresas por
Alfred Sloan Jr como presidente da General Motors a partir de 1923.
Já nos anos 30 e 40, o controle da qualidade evoluiu bastante devido ao
surgimento do sistema de medidas, das ferramentas de controle estatístico do processo
e de normas específicas para a área. Mas foi no período da Segunda Guerra Mundial
que o controle estatístico da qualidade se difundiu e sua aplicação possibilitou a
produção em larga escala de suprimentos militares de boa qualidade, com menores
custos e ainda atendendo às condições do período de guerra [7].
Tendo até então evoluído basicamente no Ocidente, a linha do tempo da
Qualidade pula para o outro hemisfério. Longo [8] descreve que no Japão, passada a
Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma revolução gerencial silenciosa, paralelamente
à revolução tecnológica do Ocidente, que proporcionou aos japoneses o sucesso de
que desfrutam até hoje como potência mundial. O país, que se encontrava notadamente
destruído e precisava iniciar seu processo de reconstrução, passou a desenvolver novas
práticas de gestão, mais adequadas à realidade em que se encontrava, para tentar
competir a nível mundial.
6
Willian Deming e Joseph Juran, importantes teóricos da área na época, foram
dois grandes contribuintes para a criação do modelo de Gestão da Qualidade japonês.
O método Deming de Administração, por exemplo, tinha ideias básicas centradas na
constância de propósitos, na motivação dos funcionários, na aplicação de métodos
estatísticos e na melhoria continua. Já Juran, em 1951, publicou o manual de controle
da qualidade [9], no qual a trata como uma "trilogia", constituída pelo planejamento
(preparação das metas), controle (obtenção das metas) e melhoria (busca de novas
metas).
Nessa época logo após a guerra, mesmo com a derrota do Japão e todas as
consequências devastadoras associadas, uma indústria automobilística japonesa
começava a se destacar com resultados economicamente diferenciados das demais: a
Toyota Motor Company.
Apesar do padrão de lucratividade acima da média por muito tempo, porém,
segundo Liker [10] a Toyota só foi realmente chamar a atenção a nível mundial pela
primeira vez na década de 80, quando ficou claro que havia algo de especial na
qualidade e na eficiência japonesas. Seus veículos duravam mais do que os automóveis
americanos e exigiam muito menos manutenção. E por volta dos anos 90 ficou evidente
que havia algo ainda mais especial em relação à Toyota em si, mesmo quando
comparada a outras indústrias automobilísticas do Japão como Mazda e Nissan: os
carros não surpreendiam apenas pelo design ou desempenho sofisticados, mas sim
pelo modo como a Toyota concebia e fabricava os veículos a partir de uma formidável
consistência em seus processos e produtos. E mesmo pagando salários relativamente
altos a seus funcionários, a Toyota consegue entregar esses produtos de qualidade a
um custo competitivo, sendo a empresa mais lucrativa do setor há muitos anos.
Mas qual é exatamente o segredo para a Toyota conseguir esse sucesso em
particular? A consistência no seu desempenho é um resultado direto da excelência
operacional. A Toyota transformou a excelência operacional em uma arma estratégica.
Essa excelência é baseada, em parte, nos métodos de melhoria da qualidade e
ferramentas que ela tornou famosos no mundo da indústria, tais como just-in-time,
kaizen, fluxo unitário de peças, autonomação (jidoka) e nivelamento da produção
(heijunka). Essas técnicas ajudaram a provocar a revolução da “produção enxuta”. Mas
ferramentas e técnicas não são armas secretas para transformar uma empresa. O
contínuo sucesso da Toyota na implementação dessas ferramentas origina-se de uma
filosofia empresarial mais profunda baseada na compreensão das pessoas e da
motivação humana. Seu sucesso, essencialmente, baseia-se em sua habilidade de
cultivar liderança, equipes e cultura para criar estratégias, construir relacionamentos
com fornecedores e manter uma organização de aprendizagem.
7
Os conceitos do Sistema Toyota de Produção, estudados durante anos por
vários pesquisadores da área de gestão de produção, foram analisados de forma
detalhada e significativa por Womack et al. [11]. Nele, os autores cunharam pela
primeira vez a denominação "produção enxuta" (Lean Manufacturing), uma das bases
deste trabalho.
Além do conceito Lean, o presente projeto também trabalha com o conceito de
Qualidade Total (Total Quality Management), uma de suas variantes e que se refere a
uma estratégia de administração orientada a criar consciência da qualidade em todos
os processos organizacionais. Como será visto no subcapítulo 2.4, as ideias não são
excludentes – são na realidade sistemas congruentes em princípios, embora tenham
diferentes focos em suas abordagens.
2.3 GESTÃO DA QUALIDADE
Para que uma organização tenha capacidade de alcançar seus objetivos e o
sucesso sustentado, é necessário atingir, contínua e constantemente, a satisfação das
necessidades e expectativas das partes interessadas. O atendimento a essas pode ser
alcançado por uma gestão eficaz, com a consciência do ambiente organizacional, pelo
aprendizado e pela introdução de melhorias e/ou inovações. Como essas necessidades
e expectativas estão sempre mudando, além das pressões competitivas e dos avanços
tecnológicos, as organizações precisam de processos que se ajustem continuamente a
essas novas necessidades e devem melhorar continuamente seus produtos, serviços e
processos, além da busca contínua de inovações, de forma a se manterem competitivas.
A Gestão da Qualidade é definida como todas as atividades da função gerencial
que determinam a política da Qualidade, em toda sua abrangência conceitual já exposta
no subcapítulo 2.1. A implementação de um sistema de gestão da qualidade conduz a
organização à avaliação contínua dessas necessidades e expectativas e
consequentemente ao planejamento e gerenciamento de tudo que for necessário para
o seu atendimento.
Nesse sentido, um sistema de gestão da qualidade é um conjunto de elementos
inter-relacionados e interativos para estabelecer filosofia, políticas e processos para
dirigir uma organização na busca do atingimento da qualidade. Esse deve ser uma
sólida estrutura de ideias capaz de guiar não só o setor de Produção, mas também a
empresa como um todo em termos de cultura e diretrizes. Mas como atingir as
concepções de Qualidade supracitadas da melhor forma? Qual linha de pensamento
seguir? O que há de consolidado na indústria atual?
8
Através da análise a ser exposta no capítulo 3, verifica-se que um estaleiro de
iates passa pelo mesmo panorama da indústria japonesa à época do desenvolvimento
do Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System): pequeno mercado interno,
demanda por grande variedade de produtos em pouco volume, baixa disponibilidade de
capital (alto custo), elevada competição, necessidade de alta flexibilidade das linhas de
produção e trabalhadores eficientes que exigem maior nível de envolvimento. As bem-
sucedidas soluções desenvolvidas pelos japoneses são então ótima base para vencer
esses desafios. TQM e Lean são duas dessas concepções-solução instituídas no
Modelo Toyota.
A partir disso, a filosofia por trás do modelo de qualidade proposto neste trabalho
busca integrar os aspectos técnicos que baseiam o Lean Manufacturing com elementos
associados à Gestão da Qualidade Total (Total Quality Management), culminando na
utilização tanto de princípios e ferramentas enxutas como de ferramentas tradicionais
de qualidade.
2.4 AS FILOSOFIAS DE PRODUÇÃO LEAN E DA QUALIDADE TOTAL
Diferentes “teorias” de gestão da produção foram estabelecidas ao longo da
história tanto em nível acadêmico quanto em nível prático. Com viés voltado à
otimização dos processos, as supracitadas Gestão da Qualidade Total (Total Quality
Management - TQM) e Manufatura Enxuta (Lean Manufacturing - LM) são duas dessas
doutrinas. Embora ideias bem definidas, porém, ambas têm compreensões e
abordagens variantes a depender do ponto de vista ou aplicação.
Gestão da Qualidade Total (TQM) é o “Gerenciamento da Qualidade em todo
estágio de operações, do planejamento e projeto, através da autoinspeção, até o
contínuo monitoramento de processos para oportunidades de melhoria” [12].
Entretanto, diferentes definições de TQM foram apresentadas ao longo dos anos –
Boaden [13] afirma que “tentar definir TQM é como atirar em um alvo em movimento”.
Alguns argumentam que TQM é uma cultura corporativa caracterizada por progressiva
satisfação do cliente através de melhoria contínua, na qual todos os colaboradores da
empresa participam ativamente. Dale, por sua vez, por exemplo, já afirma [14] que TQM
é tanto uma filosofia quanto uma série de princípios para gerir uma organização, com
foco no controle de processos e satisfação do consumidor. Atividades como
aperfeiçoamento, controle estatístico, controle de suprimentos e engenharia da
qualidade são seus ingredientes.
Já a Produção Lean, ou Manufatura Enxuta (LM), é uma prática de produção que
considera o dispêndio de recursos em qualquer finalidade, que não a criação de valor
9
para o cliente final, um desperdício – e, portanto, algo a ser eliminado; basicamente,
maior valor com menos trabalho. Alguns autores ainda observam que uma das
definições de Lean inclui tanto os componentes de processos e pessoas em uma mão
como componentes internos (relacionados à empresa) e externos (relacionados aos
fornecedores e clientes) em outra, ambas com o objetivo central de eliminação de
desperdícios.
Figura 1 - Componentes do sistema Lean
Tem-se, portanto, que ser enxuto é produzir “mais” bens usando “menos”: menos
perdas, menos retrabalhos, menos esforço humano, menos espaço físico, menos
investimento em ferramentas e menos engenharia para desenvolver um novo produto.
É conhecida por seu foco na redução de processos que não agregam valor, que então
passam a agregar valor ao cliente, sob as mais variadas formas: redução de preço,
maior variedade de produtos, entregas mais rápidas etc. Para isso, no entanto, são
necessárias algumas concepções-chave para implantação plena, como kaizen e
mapeamento de processos. Como resultado de tal implantação, tem-se uma filosofia
manufatureira que encurta o tempo entre o pedido do cliente, a construção e a entrega
de produto, com todos os ganhos diretos e indiretos associados a isso. E esse resultado
é magnífico para um tipo de empresa que fabrica um produto personalizado, como são
os estaleiros de iates de luxo.
2.4.1 GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL (TQM)
Como dito, há uma variedade de definições sobre Gestão da Qualidade Total.
Há entre elas, no entanto, uma compreensão comum a todos os autores que sobre ela
teorizaram: TQM é uma abordagem de gestão caracterizada por princípios e conceitos-
chave que, quando articulados e efetivamente incorporados ao modo de operação da
organização, levam a alta performance. Sobre os pontos que a definem, também é
entendimento geral que seu conceito possa ser definido em três grandes aspectos:
Eliminação de desperdícios
Componentes internos
Componentes externos
Processos
Pessoas
10
perspectiva bidimensional dos fundamentos, necessidade de integração entre eles e
axiomático resultado exitoso se corretamente aplicados.
Primeiramente, suas ideias-base podem ser classificadas em duas “dimensões”:
social (Soft TQM) e técnica (Hard TQM). O lado social é centrado no gerenciamento de
recursos humanos e enfatiza liderança, trabalho em equipe, treinamentos e
envolvimento dos funcionários. O lado técnico reflete uma orientação baseada no
aperfeiçoamento de sistemas produtivos e busca estabelecer métodos de trabalho
através de processos bem-definidos e procedimentos para conduzir a melhoria contínua
de bens e serviços aos clientes, como a filosofia se propõe.
Em segundo lugar, a gestão do lado social ou do lado técnico não pode ser feita
isoladamente. Os dois aspectos, junto a seus respectivos conceitos, devem estar inter-
relacionados e suportarem um ao outro, refletindo o caráter holístico das iniciativas da
metodologia.
Por terceiro, a literatura sugere que a aplicação dos princípios e ferramentas do
TQM leva inexoravelmente a uma melhor performance organizacional. Tal resultado tem
fundação teórica na suposição de que a filosofia de fato provê maior valor ao cliente por
identificar as demandas expressas e latentes dos consumidores, suas respostas às
mudanças no mercado, bem como por aprimorar a eficiência dos processos que
produzem o produto.
O método também trouxe luz ao fato de que tarefas podem ser classificadas em
agregadoras de valor ou não; o corolário óbvio disso é a busca pela eliminação das que
não agregam e otimização das que agregam. Muitas ferramentas operacionais foram
evidenciadas no TQM, tais como Controle Estatístico de Processo, kanban e arquitetura
organizacional flexível.
Resumem-se assim as principais definições/pontos de vista do TQM:
• Integração de filosofia de gestão e conjunto de práticas que enfatiza
melhoria contínua, atendimento aos anseios do cliente, redução de
retrabalhos, visão de longo alcance, grande envolvimento de funcionários
e trabalho em grupo, redesenho de processos, padrões e parâmetros
competitivos, solução de problemas em equipe, análise de resultados
constante e estreitamento de relações com fornecedores;
• Filosofia ou abordagem de gestão que pode ser caracterizada por seus
princípios, práticas e técnicas. Seus três princípios são foco no cliente,
melhoria contínua e trabalho em equipe;
• Método de gerenciamento guiado por preceitos que podem ser
compilados em três grupos: foco na satisfação do cliente, obstinação por
11
melhoria contínua e administração da organização como um sistema
inteiro;
• Abordagem para aumento da qualidade dos bens e serviços através da
melhoria contínua de todos os processos, atendimento aos desejos do
consumidor, produção sem defeitos e tomada de decisão a partir de
dados/fatos/informações.
Para atingir os valores desejados com sua implantação, a organização deve
utilizar-se de modos sistematizados de trabalho: as metodologias. Uma metodologia
consiste em uma série de atividades realizadas de uma determinada maneira. Como
suporte na definição dessas, existem as ferramentas: técnicas concretas, às vezes com
embasamento estatístico, para auxiliar na tomada de decisão ou facilitar a análise de
dados. No caso do TQM, ferramentas frequentemente mencionadas na literatura
incluem as sete ferramentas de controle da qualidade e as sete ferramentas de gestão.
Já em termos de metodologia, o modo de aprimoramento mais citado é o ciclo PDCA
(Plan, Do, Check, Act) – planejar, executar, checar e ajustar.
2.4.2 MANUFATURA ENXUTA (LM)
Assim como para Gestão da Qualidade Total, há várias definições e perspectivas
diferentes sobre a Produção Enxuta, a depender da indústria, do tempo de maturidade
da empresa nos conceitos Lean e sobre quais seus reais objetivos ao adotar a filosofia.
De modo geral, ela é enxuta porque utiliza menos de tudo quando comparado à
produção em massa: menos espaço físico, menos investimento em máquinas, menos
horas de engenharia para desenvolver um novo produto, menos estoque físico; e
resultando em reduções de defeitos e na produção de uma sempre crescente variedade
de produtos.
LM se refere a um novo processo de produção, dinâmico e envolvente, que
abrange a organização como um todo; compreende todos os aspectos das operações
industriais (desenvolvimento de produto, manufatura, recursos humanos, pós-venda) e
inclui redes com clientes e fornecedores. Governado por uma série sistêmica de
princípios, métodos e práticas, seus fundamentos são: fazer certo da primeira vez,
minimização de desperdício ao remover atividades que não agregam valor, melhoria
contínua, flexibilidade, relações de longo prazo, entre outros.
Já segundo Shah e Ward [15], é um sistema sociotécnico integrado cujo principal
objetivo é eliminar o desperdício através da minimização da variabilidade de fornecedor,
consumidor e interna. Ser "enxuto" pode ser considerado um elemento essencial em
abordagens que buscam eliminar os sete tipos de "perda" (muda): excesso de produção,
12
espera, transporte, movimento, o processo em si, estoque e defeitos. A meta final é
fabricar o produto logo após a ordem ser feita. Uma primeira abordagem de melhoria
com o LM é a sincronização do fluxo entre pedido e entrega.
Os sete principais tipos de perda são assim detalhados, segundo Liker [10]:
1. Superprodução: produção de itens para os quais não há demanda, o
que gera perda com excesso de pessoal e de estoque e com os custos
de transporte devido ao estoque excessivo;
2. Espera (tempo sem trabalho): funcionários que servem apenas para
vigiar uma máquina automática ou que ficam esperando pelo próximo
passo no processamento, ferramenta, suprimento, peça, ou que
simplesmente não têm trabalho para fazer devido a uma falta de estoque,
atrasos no processamento, interrupção do funcionamento de
equipamentos e gargalos de capacidade;
3. Transporte ou movimentação desnecessários: movimento de estoque
em processo por longas distâncias, criação de transporte ineficiente ou
movimentação de materiais, peças ou produtos acabados para dentro ou
fora do estoque ou entre processos;
4. Superprocessamento ou processamento incorreto: passos
desnecessários para processar as peças. Processamento ineficiente
devido a uma ferramenta ou ao projeto de baixa qualidade do produto,
causando movimento desnecessário e produzindo defeitos. Geram-se
perdas quando se oferecem produtos com qualidade superior à que é
necessária.
5. Excesso de estoque: excesso de matéria-prima, de estoque em
processo ou de produtos acabados, causando lead times mais longos,
obsolescência, produtos danificados, custos de transporte e de
armazenagem e atrasos. Além disso, o estoque extra oculta problemas,
como desbalanceamento de produção, entregas atrasadas dos
fornecedores, defeitos, equipamentos em conserto e longo tempo de
setup.
6. Movimento desnecessários: qualquer movimento inútil que os
funcionários têm que fazer durante o trabalho, tais como caminhar e
procurar, pegar ou empilhar peças, ferramentas etc.;
7. Defeitos: produção de peças defeituosas ou correção. Consertar ou
retrabalhar, descartar ou substituir a produção e inspecionar significam
perdas de manuseio, tempo e esforço.
As questões-chave do Lean podem ser consideradas, segundo Ohno [16]:
13
• Valor - Conhecer e entender a noção de valor como definido pelo cliente
final. Apenas o que “ele” percebe como valor é importante. Prover ao
consumidor o produto certo, pelo preço certo e no tempo certo.
• Cadeia de Valor - O conjunto de ações da concepção do produto à
realização, da ordem à entrega e assim vai. Tendo entendido o valor para
o cliente, analisar os processos de negócio para determinar quais deles
realmente agregam valor.
• Fluxo - Movimentação através de uma série de etapas nas quais se cria
valor. Foco na organização de um fluxo contínuo ao longo da cadeia
produtiva ao invés de mover produtos em grandes lotes.
• Sistema Puxado - Agir apenas para satisfazer as necessidades do
cliente. Gestão da cadeia de demanda previne a produção de
mercadorias para estoque. Demanda de consumo puxa os produtos ao
longo do sistema. Nenhum trabalho é realizado sem que seu resultado
seja o que se requere a jusante.
• Perfeição - Melhoria contínua do valor, cadeia de valor, fluxo e puxada
na administração do negócio. A eliminação de elementos que não
agregam valor (desperdícios) é um processo ininterrupto. Não há fim na
redução de tempo, custo, espaço, defeitos e esforço.
Como dito, a principal preocupação do LM é eliminar os desperdícios. Seu
principal desejo é a redução do ciclo de produção, o que seria atingido através da
eliminação dos desperdícios. O foco do sistema é na retenção de tarefas que agregam
valor e na eliminação de tarefas que não agregam valor. Para isso, sua direção é
orientada pela necessidade/desejo dos clientes. Afinal, o que deve guiar o
desenvolvimento de um negócio? As possíveis naturezas dos sistemas são "puxada" ou
"empurrada". Em um cenário tradicional, as companhias produziam para estoque,
enchendo armazéns com produtos que o marketing/comercial era responsável por
esvaziar. Tal método leva a custos e resultados que envolvem vários tipos de
desperdício, especialmente se a vida-útil do produto não é longa. No cenário Lean,
porém, a natureza do sistema é ser puxado - produzir para atender aos anseios dos
consumidores. O NIST, portanto, define [17] o Lean como "uma abordagem sistemática
na identificação e eliminação de desperdício através de melhoria contínua, fluindo o
produto ao encontro dos desejos do cliente e em busca da perfeição".
A partir disso, Womack e Jones, em [18], tratam de guiar as gerências em sua
tentativa de introduzir os princípios Lean na produção através de um processo lógico
em 5 passos, correspondentes às suas questões-chave supracitadas:
14
1. Definir o valor de cada família de produtos através do ponto de vista do
cliente final.
2. Identificar todas as atividades que formam a cadeia de valor de cada
família de produtos, eliminando tanto quanto possível aquelas que geram
desperdícios.
3. Organizar as atividades que agregam valor em uma sequência (fluxo) de
etapas claramente identificadas, para que o produto chegue ao cliente
final através de um processo tão contínuo quanto possível.
4. Após a introdução e estabelecimento da cadeia de valor, cada cliente
interno/externo pode aplicar o sistema “puxado” para puxar o produto ao
longo da linha de produção.
5. Após a definição de valor, identificação das atividades que agregam valor
e eliminação das que geram desperdício, definição e introdução da
cadeia de valor, o processo pode ser operacionalizado e repetido até
atingir um nível ótimo de máximo valor e nenhum desperdício.
As principais fontes de atividades que não agregam valor são as seguintes:
excesso de produção, excesso de processamento, atraso, transporte, estoque, defeitos
e movimentação.
Há uma variedade de abordagens para reduzir o desperdício. Tais abordagens
incluem análise da cadeia de valor, manutenção produtiva total, custos Kaizen, gestão
de engenharia e desenvolvimento e gerenciamento de documentos. Ferramentas
utilizadas incluem cartões Kanban para puxar a cadeia produtiva e o sistema just-in-time
para redução de estoque.
Sobre os efeitos esperados, há muitas razões para introduzir técnicas Lean em
uma organização. Além de contribuir substancialmente na redução de custos e
proporcionar vantagens competitivas, seus benefícios também incluem redução de
trabalhos-em-processo, aumento na capacidade produtiva, redução do tempo de ciclo
e aumento da satisfação dos clientes. Novamente de acordo com o NIST [19], melhorias
típicas são visíveis em três áreas:
• Melhorias operacionais (redução de lead time, aumento da produtividade,
redução do estoque em processo, entre outras)
• Melhorias administrativas (redução de erros no processamento das
ordens, simplificação de funções de serviço ao cliente, entre outras)
• Melhorias estratégicas (redução de custos, aumento do portfólio de
produtos, entre outras)
Entretanto, apesar das diversas histórias de sucesso associadas, o conceito
registra algumas fragilidades. Os exemplos encontrados na literatura sobre o assunto
15
estão relacionados à alta suscetibilidade da organização Lean a impactos em face de
mudanças no mercado consumidor. Ser “enxuto”, por si só, leva a reduzida flexibilidade
e menor habilidade de reagir a novas condições e circunstâncias. Em resumo, um
sistema Lean requer uma plataforma estável na qual eficiência de escala possa ser
maximizada. Condições altamente dinâmicas não podem ser tratadas por não haver
espaço para flexibilidade devido ao foco na perfeição, que é sempre uma função de
condições de mercado particulares em um certo instante.
2.4.3 SIMILARIDADES, DIFERENÇAS E PONTOS DE DESTAQUE
Apesar de se assemelharem e fazerem uso de diversos pontos em comum, há
dois aspectos particularmente notáveis que diferenciam o método Lean do TQM:
primeiramente, Lean foca na melhoria e aperfeiçoamento de cadeias de valor como um
todo, enquanto o TQM, assim como outros, tende a focar em processos individualmente;
em segundo lugar, o TQM tende a focar no aumento da produtividade/eficiência de
macroprocessos que agregam valor, enquanto o Lean enfatiza a redução/eliminação de
atividades que não agregam valor (desperdícios).
Figura 2 - Exemplo de cadeia de processos e os diferentes focos de atuação entre TQM e LM
As similaridades e diferenças de modo geral entre os conceitos acerca de
origem, teoria, visão de processo, abordagem, metodologias, ferramentas, efeitos e
pontos fracos são resumidas na Tabela 1:
Lean tende a focar na eliminação destes
TQM tende a focar na otimização destes
16
Tabela 1 - Principais pontos do TQM e Lean
TQM LEAN
ORIGEM Japão Japão
ABORDAGEM Qualidade Compreensão do valor na ótica do cliente
Foco no cliente Eliminação de desperdícios
VISÃO DE PROCESSO Aprimorar e uniformizar processos Aprimorar fluxo em processos
PERÍODO DE IMPLANTAÇÃO Melhoria contínua Melhoria contínua
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Basear-se em fatos Aperfeiçoar continuamente o valor para o cliente fazendo-o puxar valor através de uma cadeia
Guiar-se pelos colaboradores
Orientar-se por clientes e fornecedores
PARTICIPAÇÃO Normalmente todos + Fornecedores Todos
METODOLOGIA Planejar - Executar - Checar - Ajustar (Ciclo PDCA)
Valor para o cliente - Análise da cadeia de valor - Fluxo - Sistema puxado - Perfeição
FERRAMENTAS Analíticas e estatísticas Analíticas
EFEITOS PRIMÁRIOS Aumento da satisfação do cliente Redução do lead time
EFEITOS SECUNDÁRIOS
Conquista da fidelidade do consumidor Redução de estoque
Melhoria do desempenho Aumento da produtividade
Aumento da satisfação do cliente
TAXA DE MUDANÇAS Lenta, incremental Pode ser de incremental a substancial
TEMPO PARA ASSIMILAÇÃO Longo prazo, 5-10 anos Longo prazo
CRÍTICAS
Sem melhorias tangíveis
Congestionamento na cadeia de produção Alta demanda de recursos
Noção pouco clara
Além dela, faz-se uma análise dos pontos de destaque em vários aspectos, entre
premissas básicas, princípios de mudança e intervenções [20]:
- Qualidade: no Lean, qualidade não recebe o mesmo grau de atenção que no
TQM – o foco principal é na produção just-in-time. O JIT tem como efeitos pressupostos
a diminuição do custo total e realce dos problemas. Isso é feito através da redução de
recursos disponíveis no sistema, não permitindo que os problemas reais sejam abafados
com soluções-tampão. Numa perspectiva de curto prazo, a redução de recursos implica
em uma redução direta de custos. Em longo prazo, a diminuição e subsequente
eliminação de soluções paliativas tende a trazer à tona os problemas que existem na
produção, sendo assim uma fonte vital de melhoria contínua. Tal estrutura, porém, tem
em contrapartida possíveis perdas de qualidade em um primeiro momento, como por
exemplo atraso na entrega a um cliente.
- Perdas/desperdícios: embora alguns autores argumentem que a redução de
desperdícios se dá com o propósito de aumentar o valor para o cliente, enquanto outros
afirmem que é uma estratégia para reduzir custos, é simplesmente fato que a subtração
deles é um dos principais aspectos do propósito Lean. Reduzir o desperdício também é
17
uma parte significativa do TQM, mas sob a bandeira de "custos de baixa qualidade".
Uma grande diferença entre TQM e Lean nesse aspecto é a precisão em definir o
desperdício. Na literatura Lean, o conceito, definido como muda, é baseado nas sete
formas definidas por Ohno [16], enquanto o TQM tem para ele uma definição bem
generalista dos custos de baixa qualidade, incluindo tudo que possa ser eliminado
através de melhorias.
- Colaboradores e a qualidade de seu trabalho: uma grande crítica ao conceito
Lean é de que se mostra vago acerca da perspectiva dos funcionários. Embora haja
estímulo ao envolvimento da equipe, cultivando liderança e inserindo-os nas
metodologias de melhoria contínua, os proponentes da Manufatura Enxuta geralmente
possuem uma forte perspectiva instrumental e gerencial, debatendo os empregados
apenas como componentes no sistema produtivo. A extensa discussão sobre jidoka e
poka yoke na literatura Lean sugere que os colaboradores não podem ser confiáveis na
produção de boa qualidade, criando assim a necessidade de remover a possibilidade
de erro humano no sistema.
- Organizações como sistemas: uma coisa que Lean e TQM têm em comum é
a visão da organização como um sistema, embora haja uma pequena diferença de
perspectiva entre os dois conceitos. Enquanto TQM possui um forte foco na estrutura
interna e integração dos departamentos dentro da organização, o Lean salienta apenas
a perspectiva da cadeia de valor, visualizando assim as operações internas como parte
de uma cadeia de valor de “subfornecedores” ao cliente final.
- A alta gerência é responsável pela qualidade: essa é mais uma das
perspectivas que as duas abordagens compartilham, mas novamente com algumas
diferenças. Gerentes TQM devem criar estruturas que suportem os empregados na
produção de produtos de alta qualidade. A ideia é a mesma no Lean, mas a razão por
trás disso parece estar novamente centrada na eliminação do fator humano do sistema
através de jidoka e poka yoke, por exemplo.
- Foco nos processos: dentro do conceito Lean, o termo "cadeia de valor" é
usualmente preferido. O termo "processo" é geralmente usado em um nível inferior de
abstração que os teoristas de TQM chamariam de subprocessos ou atividades. TQM e
Lean também compartilham a concepção de que a gerência deve analisar e melhorar
os processos e treinar os colaboradores.
- Gestão por fatos: embora não esteja explícita na literatura Lean, a Gestão por
Fatos está implícita na descrição de práticas, muitas das quais são ferramentas
analíticas para atingir a produção just-in-time. Apesar se ser uma perspectiva comum
com o TQM, há uma diferença. Dentro do TQM a análise da variabilidade através do
uso de ferramentas estatísticas é um conceito central; na tradição Lean, não é vista com
18
essa importância. Na realidade, alguns de seus autores ainda argumentam contra o uso
de ferramentas estatísticas para analisar performance produtiva, recomendando
métodos alternativos como aumento da inspeção e visualização de problemas.
- Aprendizado e melhoria contínua: os aspectos de aprendizado e treinamento
são bem mais enfáticos na abordagem TQM. Como supracitado, a literatura Lean é mais
vaga em relação ao comportamento humano, focando mais em técnicas instrumentais
para desenvolver a performance do sistema. Há um claro foco em melhoria contínua, o
que implica em aprendizado de alguma forma; porém, a questão é quem está
aprendendo: TQM foca em estimular criatividade e esforço individual para melhoria,
enquanto Lean enfatiza fortemente a padronização do trabalho e aprendizado coletivo.
- Análise das exigências do cliente: foco no consumidor é uma das marcas
registradas do TQM, onde toda melhoria deve ser baseada em uma apuração das
exigências do cliente, seja ele interno ou externo. O conceito Lean por sua vez não
enfatiza os interesses do consumidor; sendo seu próprio propósito atender ao cliente, o
Lean foca na velocidade e eficiência do processo (o fluxo) de forma a aumentar o valor
ao cliente.
- Parcerias com fornecedores: fornecedores são vistos como importantes nos
dois conceitos. Ambos são enfáticos sobre a necessidade de formar parcerias de longo-
prazo e em desenvolver melhorias em forma de colaboração com os mesmos.
- Medidas e indicadores de desempenho: ambos empregam vários métodos
científicos para análise e avaliação de desempenho industrial. Entretanto, esses
métodos diferem significativamente: as ferramentas associadas a um conceito
geralmente não fazem parte do outro. O propósito das medidas também difere: no TQM,
são realizadas para identificação de problemas e documentação de melhoria, enquanto
no Lean devem ser feitas para planejamento e sincronização - como por exemplo a
definição da taxa produtiva em função da demanda do cliente (takt time).
19
3 OBJETO DE ESTUDO: O ESTALEIRO NÁUTICO
ATUALMENTE
Para poder implantar adequadamente um Sistema de Gestão da Qualidade em
termos de cultura e medidas a serem tomadas, é necessário primeiramente entender o
panorama atual referente aos processos na empresa. Tal entendimento se dá através
do mapeamento dos fluxos do estaleiro, sobretudo no setor de Produção.
É válido ressaltar, por motivos de confidencialidade, a supressão de menções e
alguns detalhes referentes a dados internos da fábrica. Tal omissão, porém, não causa
nenhum prejuízo ao trabalho desenvolvido e visa apenas preservar o sigilo das
informações da empresa em estudo.
3.1 O ESTALEIRO EM ESTUDO
A organização que serviu como objeto de estudo é um estaleiro fundado
recentemente, o qual em sua sede dispõe de uma planta fabril com cerca de 2.800 m²
para a produção dos barcos, além de uma pequena área administrativa em anexo.
Atuando no mercado interno, principalmente Santa Catarina e São Paulo, o estaleiro já
entregou alguns iates em sua história e possui no momento outros em carteira.
No portfólio da empresa, dois modelos de embarcação: um na faixa de 40 pés
(em duas versões distintas) e outro na faixa de 50 pés (em outras duas versões
diferenciadas). Ambos são barcos derivados de outro estaleiro tradicional, de quem
herdou-se as fôrmas. Tais modelos são reconhecidos no meio náutico por sua excelente
navegabilidade, resultado de ótimo desenvolvimento das linhas do casco. A empresa
em estudo, com essas fôrmas, repaginou o projeto interno dos iates, buscando agregar
sofisticação e luxo ao produto.
3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
A empresa conta atualmente com 24 colaboradores diretos, dos quais 15 fazem
efetivamente parte da mão-de-obra da Produção e 9 respondem por funções da
Administração. O organograma hierárquico completo é apresentado na Figura 3:
20
Figura 3 - Organograma atual da empresa
Cada célula envolvida é assim descrita:
- Diretoria: responsável por dirigir, planejar, organizar e controlar as atividades
de todas as áreas da empresa, fixando políticas de gestão dos recursos financeiros,
administrativos, estruturação, racionalização e adequação dos serviços.
- Controladoria: responsável por planejar, organizar e desenvolver planos
econômico-financeiros, analisar informações contábeis e indicadores de performance
para acompanhar projeções de faturamento, reduzir perdas e aumentar o lucro.
Também participa na definição de diretrizes em alinhamento ao planejamento
estratégico da empresa. Por experiência corporativa do profissional, ainda atua como
gestor dos responsáveis pelas áreas específicas de RH, financeiro/fiscal, administrativa,
almoxarifado e compras.
- Comercial: responsável por identificar e prospectar clientes em potencial para
desenvolver novos negócios, a fim de atender suas necessidades e garantir sua
satisfação. Planeja estratégias de venda e realiza o mapeamento de oportunidades para
alcance das metas e objetivos da empresa. Negocia as embarcações e executa a venda
com as devidas condições de pagamento tanto para clientes diretos quanto para clientes
indiretos (revendedores/concessionárias náuticas).
- Marketing: responsável por aumentar o alcance da empresa no mercado
através do planejamento e implementação de ações de marketing em mídias online e
21
offline, acompanhando os indicadores de performance dos produtos e identificando
oportunidades de melhoria no planejamento da área.
- Administrativo: responsável por prestar assistência nos processos da área
administrativa, auxiliando na organização de arquivos, controle de entrada e saída de
correspondências, emissão e lançamento de nota fiscal e elaboração de planilhas e
relatórios gerenciais. Também atua no atendimento direto aos clientes e fornecedores
como recepcionista/telefonista.
- Financeiro/Fiscal: auxilia no levantamento das transações financeiras e
acompanha fluxo de caixa, contas a pagar e receber. Realiza apuração e declaração de
impostos diretos e indiretos e demais rotinas da área de escrita fiscal e tributária.
- Recursos Humanos: área pouco estruturada na empresa. Além de
responsável pela folha de pagamento dos colaboradores, apenas realiza o recebimento,
controle e arquivamento de documentos nos processos admissionais e demissionais da
equipe.
- Almoxarifado: controla entrada e saída de materiais entregues ou retirados do
estoque, confere as notas fiscais com os pedidos e organiza a estocagem de materiais,
preservando sua integridade física e condições de uso.
- Compras: responsável pela compra e transporte de materiais e suprimentos.
Realiza pesquisa de mercado para cotações de preços, analisa e emite pedidos,
administra e negocia com fornecedores e acompanha entrada de notas fiscais no
almoxarifado.
- Produção: responsável por coordenar, programar e acompanhar os processos
de produção. Lidera todos os colaboradores no chão de fábrica, auxiliando na utilização
eficaz de equipamentos e material. Analisa e avalia os planejamentos de fabricação.
- Engenharia: responsável por estudar as atividades de produção e elaborar
proposta de melhorias em processos, equipamentos, dispositivos e métodos, correção
de tempos de fabricação de componentes de produtos e do produto final. Atua na gestão
de projetos e otimização de processos e sistemas, envolvendo recursos humanos,
materiais e equipamentos, acompanhando a produção do início ao fim na entrega do
produto. Também presta apoio à Produção em questões mais técnicas (estrutura,
hidrodinâmica e projeto).
3.3 CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ATUAL
Muito comum em pequenos estaleiros, a produção na fábrica aproxima-se muito
de um sistema artesanal: repleta de processos manuais e altamente dependente da
22
experiência individual dos colaboradores. Na manufatura de cada barco, as peças que
o compõem (Casco, Convés, Cabine, ...) são, sequencialmente:
1. Construídas separadamente em seus devidos formatos;
2. Encaixadas e devidamente unidas.
Com as peças já ligadas e formando um único produto, o barco é:
3. Devidamente acabado para conferir um aspecto exterior atrativo ao
cliente;
4. Devidamente equipado com seus componentes – parte elétrica,
hidráulica, móveis, itens em geral, motores, entre outros.
Além do aspecto artesanal característico do estaleiro, destaca-se o aspecto
químico presente nesse tipo de manufatura. Os barcos são estruturados em material
compósito através de um método chamado de laminação.
Compósitos são materiais formados pela união de outros materiais com o
objetivo de se obter um produto de maior qualidade – a qualidade aqui relacionada a
um balanço entre conferir à estrutura determinado nível de resistência a um certo custo,
peso e espessura correspondentes. As fases dos compósitos são chamadas de matriz
e dispersa; na produção náutica, a matriz é polimérica (resina) e a fase dispersa são as
fibras (geralmente de vidro) que servem como carga. O resultado é um composto de
boas propriedades mecânicas (resistência a esforços de tração, impacto e flexão), baixo
peso, flexibilidade de moldagem a qualquer geometria, entre outros.
Laminação é o ato de preencher um molde com os constituintes químicos do
compósito, no caso fibra de vidro e resina, de forma a gerar uma estrutura devidamente
rígida em conformidade com o formato pretendido. Se desejado, a estrutura pode ainda
ser reforçada com material para formar um núcleo, tornando o laminado uma construção
sandwich. Esse material é geralmente madeira (compensado naval) ou espuma (PVC,
poliuretano ou poliéster) em variadas espessuras.
As características inerentes a um sistema de produção como esse (artesanal e
químico) dificultam a obtenção de dados precisos em termos de lead times de
processos, já que sua variabilidade é alta devido à quantidade de fatores de elevada
incerteza envolvidos. Tal fato dificulta um planejamento adequado da produção,
trazendo consigo todos os efeitos negativos pertinentes à Gestão de Qualidade da
empresa. Contribuem ainda para isso a praticamente inexistente base de dados
processuais e falta de alguns padrões definidos, resultados de uma gestão sem a já
citada mentalidade “engenheira”.
Outro aspecto importante, esse relacionado ao ramo náutico em geral, é a
pequena base de fornecedores disponíveis, efeito do específico e reduzido mercado
consumidor a que esses atendem. A falta de competitividade entre fornecedores gera
23
serviços de má qualidade em praticamente toda a cadeia de fabricação na qual é
participante: desde o fornecimento de matéria-prima até o fornecimento de frete para
entrega das embarcações.
Apesar de tudo, as perspectivas do estaleiro são otimistas, principalmente para
o mais recente modelo disponível para venda: o barco da faixa de 40 pés na versão
Hard Top. Esta servirá de amostra no mapeamento do fluxo de valor dos produtos,
sendo a manufatura praticamente semelhante para outros modelos na fábrica.
3.3.1 O PRODUTO
De preço menor (e por isso mais facilmente comercializada), a embarcação de
40 pés tornou-se o carro-chefe do estaleiro. Por isso, dada sua representatividade,
entender e otimizar sua cadeia produtiva é de suma importância nesta busca pela
Qualidade e todos os ganhos a ela associados e detalhados no capítulo 2. Além disso,
a experiência adquirida serve como base para outros possíveis modelos a serem
fabricados, incluindo o modelo da faixa de 50 pés.
A embarcação em estudo pode ser produzida e comercializada em duas versões
populares no mercado náutico de lazer: Targa e Hard Top. Na primeira, o cockpit é
aberto, marcado pela vigia traseira fixa que pode suportar uma capota – toldo em lona
retrátil – para proteger a tripulação quando desejável.
Na versão Hard Top (HT) por sua vez, o teto do cockpit é rígido, com teto solar
embutido. Dada a significativa área útil de cockpit em modelos de maior porte, sendo
praticamente uma sala de estar adicional, essa é a versão que faz mais sucesso no
mercado para barcos acima de 30 pés. Para a marca em estudo não poderia ser
diferente, e, portanto, essa será a base do mapeamento da Produção.
A embarcação em questão tem 12,6 metros de comprimento e conta com itens
de série como plataforma submergível, espaço Gourmet com churrasqueira, salão do
cockpit confortável e equipado com uma cozinha, ótima visibilidade do posto de
navegação, entre outros muitos detalhes e equipamentos.
3.3.2 A PRODUÇÃO
Como se desenvolve um modelo de barco para ser produzido em série de
maneira minimamente competitiva? Tradicionalmente, os projetistas idealizam o barco
em suas linhas e estilo (hoje em dia através de softwares CAD) para que, a partir de
seus desenhos, plantas e detalhes, seja construído um conjunto de moldes de peças
que possibilite fabricar a embarcação a posteriori a partir do processo de laminação
24
usando cada um deles. Do projeto até chegar nos moldes, o caminho a ser percorrido
ainda requer engenharia, design e fabricação dos plugs. Plugs são peças das quais
podem ser “tiradas” fôrmas (moldes), dos tipos macho ou fêmea, em conformidade com
elas. O tipo a ser desenvolvido depende de qual “lado” da peça precisa ter melhor
acabamento e conformidade geométrica, bem como não ter ângulos negativos que
impossibilitem a desmoldagem. Na indústria náutica, são quase sempre do tipo fêmea.
Figura 4 - Processo de obtenção de moldes (tipo macho ou fêmea)
Para construção dos plugs que possibilitem obter seus respectivos moldes,
deve-se criar, portanto, “protótipos” das peças da embarcação a ser produzida em série,
os quais devem ser réplicas exatas do seu relativo produto final (Casco, Convés etc.).
O plug pode ser construído com qualquer material, como madeira (mais comum),
espuma sintética ou mesmo gesso. Qualquer material-base exige tempo e esforço de
acabamento, uma vez que a forma e dimensões devem ser exatas. Erros cometidos no
plug se reproduzirão em todas as peças laminadas e o reparo na linha de produção
custa tempo, dinheiro e, em suma, qualidade.
25
Figura 5 - Sequência de construção de um plug de Convés (1). Fonte: [21]
Figura 6 - Sequência de construção de um plug de Convés (2). Fonte: [21]
As fôrmas que servem como moldes para confecção das peças que compõem a
embarcação, entretanto, não foram desenvolvidas pela empresa, mas sim adquiridas de
outro estaleiro. Tem-se então o primeiro grande problema encontrado sob o aspecto de
Qualidade: a inexistência de planos construtivos, modelo CAD, planos de laminação ou
26
algo do gênero para suportar as ações de fabricação; o estaleiro conta simplesmente
com a experiência de profissionais que lá já trabalharam para execução dos processos.
Um segundo ponto de destaque e que demonstra uma falta de planejamento
adequado da gestão (de estaleiros em geral) foi o aumento do “tamanho” da
embarcação. Prática muito comum no meio náutico, a fôrma do casco, que antigamente
servia de molde para um modelo de 38 pés de outra marca, foi expandida na região de
popa para assim moldar um casco agora de mais de 40 pés. Tal procedimento é
corriqueiro quando as empresas pretendem “agregar valor” ao produto, empurrando-o
para uma faixa de mercado com preços mais altos por se tratar de um modelo “maior”.
Apesar da aparente lucratividade mais alta, não foi realizada uma análise mais
aprofundada em termos de impactos à hidrodinâmica da embarcação, dificuldades de
produção, perda de competitividade contra modelos originais da nova faixa de mercado
etc. No mapeamento do estado atual de Produção, por exemplo, são verificados
diversos desperdícios causados por uma modificação dessas: Convés que não encaixa
no Casco, aumento desproporcional da demanda de trabalhos no acabamento, entre
outros.
Em relação à produção em série da embarcação, as etapas construtivas são as
mesmas para todos os exemplares – mais detalhadas à frente, são elas: Laminação,
Edificação, Acabamento e Montagem. A diferenciação entre as unidades se dá apenas
em alguns pontos do processo que são resultado de escolhas do cliente: itens e
acessórios opcionais, paleta de cores interna, revestimentos adicionais, entre outros.
3.4 MAPEAMENTO DOS FLUXOS
Como dito, a base para todos os procedimentos de aumento da qualidade,
otimização da produção, redução de retrabalhos e melhoria da produtividade é a
compreensão e devida documentação da cadeia completa de processos atuais na
fábrica.
Segundo a filosofia Lean, qualquer que seja o tipo da organização, sua(s)
atividade(s) pode(m) ser resumida(s) em processos e pessoas. A partir deste conceito,
são desenhados fluxogramas representativos das tarefas referentes às transformações
que agregam valor ao cliente. O fluxograma é uma ferramenta utilizada para representar
a sequência e interação das atividades do fluxo por meio de símbolos gráficos. Os
símbolos proporcionam uma melhor visualização do funcionamento do processo,
ajudando no seu entendimento e tornando a descrição do mesmo mais visual e intuitiva.
No gerenciamento de processos, a ferramenta tem como objetivo garantir a
qualidade e aumentar a produtividade dos trabalhadores. Isso acontece porque a
27
documentação do fluxo das atividades torna possível realizar melhorias e esclarece
melhor o próprio fluxo de trabalho. Quando um fluxograma de processo é elaborado,
são identificados os fatores problemáticos que não eram percebidos anteriormente, os
quais podem ser trabalhados e melhorados para alcançar melhores resultados.
Para elaboração de tal diagrama, imerge-se na organização e simplifica-se até
certo nível, de maneira racional, toda metodologia atualmente utilizada para execução
da transformação supracitada. O encadeamento desses processos é representado por
uma gama de tarefas sequenciadas entre si com seus devidos pré-requisitos (quando
se aplicam) e demonstra o panorama atual dos sistemas.
3.4.1 FLUXO GERAL
Para um estaleiro de iates, a cadeia de valor completa compreende o seguinte
fluxo principal, acompanhando de seus correspondentes departamento executivo e
departamentos de suporte:
Figura 7 - Fluxo geral de atividades do estaleiro
3.4.2 FLUXO DE PRODUÇÃO
No escopo deste trabalho em específico, o foco se dá na área produtiva. Não por
isso ela também deixaria de ser resumida em processos e pessoas. Para esta, temos a
entrada de insumos, a execução de processos de transformação e montagem por
pessoal qualificado e o produto como saída: um iate com os devidos requisitos do cliente
atendidos pronto para entrega.
28
A partir do fluxograma geral, avança-se então um nível adentro da “hierarquia”
de atividades e monta-se um fluxograma dos processos que fazem a transformação dos
insumos de entrada no produto de saída a partir de tarefas no chão de fábrica. Para
melhor compreensão, estes também são organizados em níveis hierárquicos em
relação à abrangência do processo. Num primeiro nível, podem ser assim descritos:
Figura 8 - Fluxo de Produção (1º nível)
Os elementos são assim caracterizados:
I. ETAPA A: compreende os processos de Laminação, Pré-acabamento e
Edificação das peças de grande porte (Casco, Cavername, Convés,
Cabine, Teto da Cabine, Hard Top e Banheiro).
II. ETAPA B: compreende os processos de Acabamento nas regiões da
embarcação já edificada (“fechada”).
III. ETAPA C: compreende os processos de Montagem da embarcação –
Elétrica, Montagem Geral, Marcenaria, Estofaria, Mecânica, entre outros
opcionais “terceirizados”.
IV. ETAPA ANEXA: compreende os processos de Laminação e
Acabamento das peças de fibra de pequeno porte (tampas, caixas,
suportes, assentos, entre outros). Essa etapa ocorre em paralelo ao fluxo
“principal” de Produção, podendo se agregar a ele em diferentes
momentos durante as etapas B e C.
Avançando para detalhar cada um destes elementos, temos então quatro
fluxogramas de processos um nível adentro. A ETAPA A, primeiramente, fica assim
mapeada:
29
ETAPA A
Figura 9 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA A
LEGENDA POR TIPO DE PROCESSO:
Figura 10 - Legenda da ETAPA A
Essa etapa compreende o processo de construção de todas as partes do iate
em separado. Nota-se também elementos relacionados a processos de pré-
acabamento de algumas peças. Tais tarefas são incluídas neste momento da cadeia
produtiva devido à maior produtividade obtida quando feitas antecipadamente. Isso se
dá em função de fatores como melhor ergonomia do colaborador que a executa e
redução do desperdício de material ao evitar trabalhos como acabamentos sobre-a-
cabeça. Na peça “Hard Top”, por exemplo, o pré-acabamento antes de colocá-lo sobre
o Convés permite fazê-lo com a peça ainda no chão, na altura do trabalhador; caso
fosse feito posteriormente, com o barco já “fechado”, seria executado nas alturas, com
o colaborador precisando ficar suspenso para realizá-lo.
Além de laminação e pré-acabamento, são incluídos também nesta etapa os
processos de edificação, que buscam unir as peças laminadas em separado até formar
a embarcação completa. O último deles, quando são unidos Convés e Casco, é
comumente chamado de “Fechamento”, pela sua importância como processo na linha.
Ao final desta etapa, movimenta-se o iate já no berço para o setor de
acabamento, onde se inicia a ETAPA B:
30
ETAPA B
Figura 11 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA B
LEGENDA POR TIPO DE PROCESSO:
Figura 12 - Legenda da ETAPA B
Como a atividade de acabamento é praticamente artesanal e dependente dos
resultados químicos da laminação de cada unidade, é difícil fazer uma subdivisão
padronizada para todas. Por isso, agora trata-se a embarcação fechada não mais em
termos de peças, mas sim de regiões; e cada região consta como um processo único.
Nesses processos de acabamento em cada área, estão incluídos em geral as
seguintes tarefas, a depender da região e da necessidade para atingir o padrão
requerido:
• Abertura de janelas, vigias/gaiutas, entrada de ar, saídas de costado,
entre outras furações;
• Escareamentos;
31
• Pequenas laminações com manta para corrigir e/ou prover reforço a
áreas maiores;
• Lixamentos em variadas gramaturas e de variadas técnicas e
ferramentas (Hookit, “treme-treme”, taco, manual);
• Polimentos;
• Aplicações de Gelcoat (com parafina);
• Aplicações de massa plástica para correção de detalhes;
• Testes e ajustes para instalação de tampas e outras peças;
• Alinhamentos e nivelamentos em geral.
Ao final desta etapa, movimenta-se o iate acabado para o setor de montagem,
onde se inicia a ETAPA C:
ETAPA C
Figura 13 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA C
LEGENDA POR TIPO DE PROCESSO:
Figura 14 - Legenda da ETAPA C
Essa é a etapa na qual o iate, como “esqueleto”, passa a ser aparelhado com
todos os equipamentos, móveis, revestimentos, estofados, parte elétrica, hidráulica e
outros itens em geral. Nela, é notável o trabalho de cinco agentes (setores) distintos:
• Montagem Geral: responsável pela montagem de equipamentos em geral
(internos e externos) e sistemas hidráulicos;
32
• Elétrica: instalação dos circuitos e equipamentos elétricos;
• Marcenaria: ajuste e instalação de móveis, anteparas e acabamentos em
madeira;
• Estofaria: ajuste e instalação de estofados, forros e acabamentos;
• Mecânica: ajuste, instalação e testes dos motores e seus componentes.
Os únicos agentes diretos do estaleiro são os dois primeiros, executados pelos
colaboradores da Produção – montadores e eletricistas. Os outros (marcenaria,
estofaria e mecânica) são fornecedores contratados, o que dificulta o mapeamento
completo de tarefas e padronização em um primeiro momento. Observa-se então que o
fluxograma acima é apenas representativo até certo ponto, visto que são omitidos
alguns processos reais de montagem que tornariam o encadeamento ainda maior.
Mesmo assim, já é possível notar o emaranhado das relações de precedência entre as
tarefas. Além disso, contribui para a complexidade de programação de processos a
necessidade de espaço físico dentro do barco para cada setor desempenhar suas
atividades sem ser atrapalhado. Um bom planejamento nessa etapa, portanto,
contribuiria fortemente na redução do lead time geral.
Ocorrendo em paralelo às etapas principais, a ETAPA ANEXA contém os
processos de fabricação de cada uma das pequenas peças de fibra presentes no
produto. Para tal fabricação, os microprocessos incluem laminação e acabamento
destas peças, agregados como apenas um processo no fluxograma para melhor
visualização:
ETAPA ANEXA
Figura 15 - Fluxo de Produção (2º nível) - ETAPA ANEXA
LEGENDA POR TIPO DE PROCESSO:
Figura 16 - Legenda da ETAPA ANEXA
33
Quando todas as etapas (A, B, C e ANEXA) são finalizadas, a Produção se dá
automaticamente como concluída e o iate está pronto para Entrega.
Juntando todos os fluxogramas de etapas, a documentação do fluxo da
Produção, da forma como apresentada, permite assim, sob a ótica da Qualidade Total
(TQM) e da Manufatura Enxuta (LM):
• Identificar pendências, relacionamentos, pontos de estrangulamento,
atividades que não agregam valor;
• Localizar elos e elementos desconexos ou perdidos;
• Inserir pontos de verificação, decisão, revisão, registro, arquivamento;
• Entender a situação atual e planejar modificações posteriores
(otimizações) com facilidade;
• Elaborar um qualificado método de Programação e Controle da
Produção, a ser apresentado no capítulo 4;
• Verificar urgências momentâneas;
• Catalogar todos os recursos diretos (fôrmas, ferramentas, equipamentos,
materiais de uso e consumo etc.) necessários para a manufatura dos
produtos;
• Entre muitos outros benefícios.
Os fluxogramas de etapas aqui representados também se encontram ampliados
como Anexos deste trabalho para melhor visualização.
3.5 O ARRANJO FÍSICO DO ESTALEIRO
O arranjo físico da fábrica pode ser considerado um layout de manufatura mista,
em que a etapa A é por processo (os recursos – colaboradores e equipamentos – são
organizados em torno do processo), B e C são individualmente posicionais (o produto a
ser transformado fica parado e a movimentação fica por conta dos recursos
transformadores), e a ANEXA é predominantemente também por processo.
A sede do estaleiro é constituída de um grande galpão arejado e bem iluminado,
com grandes portões e janelas translúcidas. Sua planta, de 50 metros de largura por 60
metros de profundidade pode ser assim representada:
34
Figura 17 - Layout básico do estaleiro
É possível perceber claramente o panorama atual caótico do arranjo,
demonstrando a falta de organização do estaleiro já citada. As separações entre setores
são praticamente inexistentes – apenas virtuais: Laminação perto do portão ao fundo,
indicada apenas por uma lona para forrar os resíduos do processo; Montagem próxima
ao portão da frente, onde o barco já se posiciona para saída/carregamento; Edificação
FORMARIA
LAMINAÇÃO
MONTAGEM
FÔ
RM
A C
ON
VÉS (5
0+’)
FÔ
RM
A C
ASC
O (5
0+’)
MODELISMO
(NOVO HT)
TALHAS
ALMOXARIFADO ADMINISTRAÇÃO
35
onde estão posicionadas as talhas (já sem muito espaço para trabalhar em virtude de
uma 50+ pés imobilizada); e Acabamento em qualquer lugar disponível.
Ou seja, apesar do tamanho considerável, a falta de espaço é um sério problema
do estaleiro. Contribui para isso, além da falta de planejamento, duas coisas: o fato de
que os moldes do Casco e Convés do modelo de 50+ pés são fixos, impossibilitando
movimentações, e a existência de uma embarcação 50+’ já fechada e acabada, mas
ainda não vendida. Tais circunstâncias consomem bastante área útil da fábrica.
Estão contidos no layout da Figura 17 os seguintes itens:
• Almoxarifado, para armazenamento de todos os itens de matéria-prima,
uso e consumo e ferramentas;
• Área administrativa (recepção, salas, refeitório, cozinha, sanitários,
vestiário);
• Formaria, área onde estão armazenados “no chão” todos os moldes
grandes isoladamente (à exceção do Casco 50+’ e Convés 50+’) e os
moldes de pequeno porte em uma prateleira;
• Área de “Modelismo”, onde está se desenvolvendo o protótipo de um
novo Hard Top para o modelo de 40 pés;
• Um barco de 50+ pés “fechado”;
• Um barco de 40+ pés em montagem para comparação;
• Talhas manuais;
• Lona para não impregnar o chão com resíduos de resina e fibra de vidro;
• Três portões de 5 metros de largura;
• Janelas translúcidas para melhorar a iluminação;
• Três pilares de sustentação da estrutura;
• Áreas virtuais de laminação, edificação, pré-acabamentos/acabamento e
montagem.
Não estão contidas bancadas de trabalho, lixeiras, peças espalhadas, escadas,
plataformas e o compressor de ar (localizado externamente).
Nota-se ainda que, em virtude da inexistência de separação entre setores,
detritos como poeira (advinda de processos de acabamento) e resíduos químicos
(advindos do processo de laminação) se espalham com facilidade por todo o espaço,
impregnando desde a administração até itens de alto valor agregado no almoxarifado,
a formaria guardada e um eventual iate já na etapa de montagem.
36
3.6 A QUALIDADE ATUALMENTE
Em vista aos fatos apresentados ao longo do capítulo, pode-se afirmar que a
Qualidade de maneira geral no estaleiro é baixa. A conformidade dos produtos
intermediários é reduzida e altamente dependente de colaboradores específicos. Não
há procedimentos sistemáticos de melhoria contínua nem de processos de negócio.
Apesar de tudo, há um enorme potencial no estaleiro náutico. Os produtos têm
boas características e ótimo custo-benefício. É notável também a presença de
colaboradores dedicados e de bastante experiência e conhecimento prático.
Nesse sentido, deve-se caminhar em busca da excelência através de
ferramentas de qualidade, padronização de processos, implantação de princípios,
especificações de trabalho e muitas outras medidas de valor. Tudo sustentado por uma
sólida base de cultura e gestão. O Sistema de Gestão da Qualidade a ser proposto no
próximo capítulo é o primeiro passo dessa caminhada.
37
4 SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE PROPOSTO
Ao propor uma base essencial para o avanço da competitividade das empresas
instaladas no Brasil, Antunes e Klippel, em [10], comentam: (...) é necessário estudar
em profundidade os princípios, os métodos e as técnicas existentes no mercado. A ideia
que é possível defender com racionalidade é seguir um caminho longo, porém seguro,
para a obtenção dos resultados econômicos, financeiros e sociais desejados, que
envolve:
i. Ampla compreensão conceitual e prática dos princípios, métodos e
técnicas de abordagens como o Sistema Toyota de Produção e outras
técnicas modernas;
ii. Construção de sistemas de produção adaptados à realidade específica
de cada firma;
iii. Escolha de técnicas adequadas que permitam a operacionalização
destes modernos sistemas produtivos a cada firma em particular.
Após o capítulo 2 ter completado o passo (i) no detalhamento dos princípios e
métodos de sistemas, notadamente sob a abordagem Lean e abordagem do Total
Quality Management, e o capítulo 3 ter destrinchado a realidade específica da firma,
este capítulo 4 busca completar os passos (ii) e (iii) na estruturação de um Sistema de
Gestão da Qualidade particular a essa realidade. Tal sistema será descrito em termos
de estrutura filosófica geral e princípios básicos. Após, são descritas algumas medidas
e ferramentas práticas a serem efetivadas.
4.1 ESTRUTURA GERAL
Como visto no capítulo 2, nas experiências de implantação de sistemas
semelhantes, não é possível fazê-la apenas a partir de técnicas (por exemplo, Troca
Rápida de Ferramentas, Layout Celular, 5S, Diagramas de Ishikawa, Kanban) de forma
isolada. O sistema precisa ser compreendido de forma profunda a partir de um prisma
que atua de forma inter-relacionada. É difícil obter resultados significativos se as
dimensões associadas à técnica, à economia, à cultura e ao poder não forem
convenientemente percebidas. O foco inicial está na fábrica, mas os princípios são
amplos e devem permear a empresa como um todo, incluindo os serviços na
administração. Por isso, desenvolve-se uma estrutura em que o Sistema de Gestão da
Qualidade proposto se sustenta.
A estrutura em particular proposta para sustentar o sistema é elaborada em uma
ilustração simples: uma casa. Uma casa é um elemento representativo de um conjunto
38
estrutural cuja função é constituir um espaço para um conjunto de indivíduos. A casa só
é forte se as fundações, as colunas e o telhado são firmes. Uma conexão fraca fragiliza
todo o sistema. A casa do SGQ proposto é exibida na Figura 18:
No telhado, o norte do sistema: o cliente. Com ele, é introduzida a noção de valor
para o produto e consequentemente para os processos de transformação executados.
Esse produto então guia os trabalhos sob a lógica do “sistema puxado” já apresentado,
formando uma cadeia de valor continuamente aprimorada para melhor atender aos
anseios do consumidor.
Nas colunas externas, os pilares da filosofia: processos e pessoas. Sendo ambos
orientados pela busca da Qualidade, a excelência operacional na gestão desses é fonte
de vantagem competitiva e leva a empresa a um outro nível. Sobre os processos,
doutrinas enxutas que guiam sua sistematização: eliminação de desperdícios,
padronização de processos, melhorias contínuas, fluxo e estabilidade. Tudo conectado
à busca incessante da Qualidade e adequação às demandas dos clientes. É válido
ressaltar o caráter vivo do sistema; apesar de termos como padronização e estabilidade
Mentalidade de Fundação
Visão de Longo Prazo
Processos
Eliminação de perdas
Padronização
Melhoria contínua
Fluxo
Estabilidade
Pessoas
Envolvimento
Liderança
Trabalho em equipe
Aprendizagem contínua
A
Cliente
Valor; Sistema puxado
Criatividade
Inovação
Consciência
Responsabilidade
QUALIDADE
Figura 18 - Estrutura do Sistema
39
parecerem engessar a estrutura produtiva, na realidade eles são altamente orgânicos e
constituem apenas uma base de onde partem os aprimoramentos. Para esses
aprimoramentos, ferramentas como criatividade e inovação (de todos) são peças
primordiais e por isso recebem o devido destaque na casa do SGQ.
Sobre as pessoas, são elas que dão vida ao sistema: trabalhando, comunicando-
se, resolvendo questões e crescendo juntas. Todos os trabalhadores são participantes
ativos nas sugestões de melhorias. Mas o sistema proposto vai além: ele estimula,
ampara e de fato exige o envolvimento dos funcionários. Ao contrário do que possa
parecer, esse modelo significa mais dependência das pessoas, não menos; mas é um
outro sentido de dependência: não de colaboradores específicos, mas sim de maneira
geral em metas como redução de estoque, identificação de problemas ocultos e sua
solução.
Nesse sentido, é preciso que todos, da diretoria aos níveis mais baixos da
hierarquia, tenham a todo momento a consciência de seu papel no sistema. As
gerências devem estabelecer relações de confiança e conceder responsabilidades a
seus subordinados, trabalhando juntos na resolução de problemas e crescimento
incessante da empresa. Com isso, os funcionários têm um sentimento de pertencimento,
que dá propósito a todos e estimula o trabalho em equipe. Diariamente, supervisores,
trabalhadores especializados em outros setores (o acabamento, que recebe o trabalho
da laminação, por exemplo), especialistas em processos particulares e outros
operadores estão envolvidos no contínuo aperfeiçoamento geral, o que acaba por treinar
todos para se tornarem melhores na solução de problemas.
No alicerce da casa, suas bases filosóficas: visão de longo prazo e “mentalidade
de fundação”. Visão de longo prazo significa entender a empresa como um organismo
que nutre a si próprio, constantemente se protegendo e se desenvolvendo de forma que
possa continuar a crescer e a se fortalecer. É ter um senso de propósito maior do que
os efeitos de curto prazo previstos. É preocupar-se em gerar valor para o cliente e para
seu próprio pessoal com Qualidade em detrimento de metas financeiras do período
seguinte. Logicamente isso não significa que a busca da redução de custos, por
exemplo, não seja essencial. Contudo, quando se mede os resultados não por
orçamentos e lucros, mas sim quanto ao contínuo respeito que os clientes e funcionários
têm pela empresa e seus produtos, por exemplo, esses comprometidos consumidores
e colaboradores contribuem muito mais para o aumento da qualidade e redução das
perdas – o que impulsiona de fato os lucros a longo prazo.
Só a devida e adequada aplicação dos elementos supracitados já tenderia a
levar a empresa ao crescimento inicial. Mas como o crescimento cria complexidade, em
virtude de sua própria natureza, e a complexidade, por sua vez, é característica hostil
40
ao crescimento sustentável, adiciona-se um elemento às bases do sistema para
perpetuar o progresso contínuo: a mentalidade de fundação, detalhada por Zook e Allen
em [22].
Organizações que cresceram rapidamente em geral prosperaram por
“declararem guerra” com a indústria em que estão inseridas em favor dos clientes que
não eram atendidos adequadamente. Elas são “rebeldes”, com a missão muito clara de
servi-los melhor do que qualquer outra no mercado. Por isso, são obcecadas: com o
cliente, com seu próprio pessoal e com todos os detalhes a ela relacionados. E ainda
apresentam um forte senso de responsabilidade, no sentido de se preocuparem com
cada centavo do fluxo de caixa, em tomarem ações, serem velozes e odiarem a
complexidade da burocracia. Insurgência, obsessão e senso de responsabilidade são
os três subelementos que compõem a “mentalidade de fundação”; tomados
conjuntamente e devidamente conservados na cultura da empresa, levam à excelência
no desempenho qualquer que seja o tamanho da companhia.
Figura 19 - Conceitos do Founder's Mentality - "Mentalidade de Fundação". Fonte: Adaptado de [22]
Cada elemento da casa por si só é crítico, mas mais importante é o modo como
eles reforçam uns aos outros, formando realmente uma sólida estrutura. Junto a ela, a
definição de princípios anexos completa o Sistema de Gestão da Qualidade.
41
4.2 PRINCÍPIOS
Os princípios que constituem o modelo proposto buscam servir praticamente
como um estatuto para a gestão do estaleiro. Embora não sejam rigorosas regras da
empresa, devem ser pelo menos diretrizes que sustentam a condução da Qualidade na
organização. Com isso, baseado na experiência de empresas notadamente enxutas,
são instituídos princípios organizados em duas categorias: Processos e Pessoas. São
eles:
1. Criação de um fluxo de processos contínuo
2. Uso de sistemas puxados
3. Nivelamento da carga de trabalho
4. Cultura de parar e resolver os problemas
5. Padronização de tarefas
6. Uso de controle visual
7. Desenvolvimento de líderes que compreendam completamente o
trabalho, vivam a filosofia e ensinem aos outros
8. Desenvolvimento de pessoas e equipes excepcionais que sigam a
filosofia da empresa
Com o foco do trabalho voltado para a área de Produção, são considerados aqui
todos os seis conceitos da primeira categoria nas próximas seções.
4.2.1 CRIAÇÃO DE UM FLUXO DE PROCESSOS CONTÍNUO
O fluxo está no centro da lógica enxuta de que a redução do intervalo de tempo
entre os insumos e os produtos acabados leva a uma maior qualidade, em seu amplo
sentido. Sua criação expõe mais claramente situações de ineficiência, trazendo à tona
problemas que exigem soluções imediatas, já que o processo será interrompido se os
envolvidos não agirem. Com isso, ele força a busca pela eliminação de perdas através
de ferramentas como manutenção preventiva, por exemplo.
A maioria dos processos “tradicionais” é repleta de desperdícios, como
sintetizados no subcapítulo 2.4.2. Tal inconveniente resulta de um processo de
fabricação de lote-e-fila: grandes levas de material padronizado são colocadas na fila
em cada estágio do processo de produção e esperam por longos períodos (perda) até
que sejam levadas ao próximo estágio. No ambiente proposto, a meta é criar o “fluxo
unitário de peças”, eliminando constantemente o desperdício de esforço e de tempo que
não agregam valor.
O mundo ideal do fluxo unitário, porém, apesar de servir como uma direção clara
a seguir na melhoria contínua, deve se adequar à realidade. Deve haver um estoque
PR
OC
ES
SO
S
PE
SS
OA
S
42
amortecedor (buffer) em pontos onde o fluxo contínuo não é possível. Na realidade, se
colocados realmente onde são necessários, podem até melhorar o fluxo numa
perspectiva geral na fábrica. Mas de qualquer forma, o uso de pequenos lotes, a
aproximação de processos e a manutenção do material em movimento através dos
processos sem interrupção são melhores do que a produção de grandes lotes de
material que ficarão parados, à espera de utilização. Quando as operações são
conectadas, há mais trabalho de equipe, rápido feedback quanto a problemas de
qualidade precedentes, controle sobre o processo e pressão direta das pessoas para
solucionar problemas, pensar e desenvolver-se.
4.2.2 USO DE SISTEMAS PUXADOS
Aliado ao fluxo contínuo, o uso de sistema puxado significa que, quando o cliente
(interno ou externo) faz um pedido, isso aciona o processo de obtenção dos insumos
necessários apenas para o pedido daquele cliente. Esses insumos então fluem
imediatamente para as atividades de transformação até o cliente. Ninguém produz nada
antes que seja necessário para a próxima pessoa ou passo do processo. O
reabastecimento de material acionado pelo consumo é o princípio básico do just-in-time:
dar ao cliente o que ele quer, quando o quer e na quantidade que deseja.
Para uso dessa lógica, devem ser definidos os clientes internos que vão puxar a
produção. Em um mundo ideal, cada processo é um cliente interno do(s) processo(s)
imediatamente anterior(es). De maneira prática na Produção, porém, podem ser
instaurados pontos-chave, como a transferência para um outro setor (do acabamento
para a montagem, por exemplo). Nesse caso, os líderes de cada setor são os clientes
internos, os quais possuem anseios como data de entrega, certo padrão de qualidade,
entre outros – tal qual um cliente externo.
Com isso, a programação produtiva é feita pela demanda real, e não projetada,
do cliente. Uma das consequências disso é que, em caso de falta de demanda, é
sinalizado com claridade que há algum tipo de problema na área de vendas, seja a falta
de variedade de produtos, baixa qualidade do produto, ineficácia do departamento
comercial, entre outros. Esse é um problema que deve ser claramente resolvido, já que
a produção começa a parar.
No estaleiro em estudo, no qual perdurava a lógica do “sistema empurrado”, são
vários os exemplos de malefícios causados por tal lógica. Um deles é o início da
fabricação de uma unidade da faixa de 50 pés, mesmo sem ter sido vendida. Com isso,
além de todos os altíssimos custos de matéria-prima associados (prejudicando o fluxo
de caixa), a ocupação de espaço fabril (até hoje) e a ocupação da mão-de-obra durante
43
todo o tempo necessário (poderiam ter sido feitos treinamentos ou readequado-se a
folha), tal ação escondeu por um tempo um problema comercial da empresa: a
necessidade de mais produtos em seu portfólio. Só após um tempo tal problema foi
percebido e demandou uma solução, no caso a compra de moldes de um modelo da
faixa de 40 pés, como apresentado no capítulo 3.
4.2.3 NIVELAMENTO DA CARGA DE TRABALHO
Para plena aplicação de princípios como o fluxo contínuo e o sistema puxado, é
preciso primeiramente equilibrar/nivelar a carga de trabalho. Se os níveis de produção
variam demais, não há sentido em tentar aplicar esses sistemas, pois é impossível
estabelecer um trabalho padronizado sob tais circunstâncias. Começar e parar,
superutilizar e subutilizar constituem um problema porque não levam à qualidade, à
padronização do trabalho, à produtividade ou à melhoria contínua.
A eliminação dos desperdícios que não agregam valor como detalhados no
subcapítulo 2.4.2 é o foco da maioria dos esforços na Gestão de Qualidade da produção.
No entanto, há também outros dois aspectos que podem prejudicar a produtividade das
pessoas e do sistema: sobrecarga e desnivelamento.
Sobrecarga significa colocar uma máquina ou uma pessoa além de seus limites
naturais. A sobrecarga de pessoas resulta em problemas de segurança e de qualidade.
A sobrecarga do equipamento causa interrupções e defeitos.
O desnivelamento, por sua vez, ocorre quando no sistema de produção às vezes
há mais trabalho do que as pessoas ou máquinas podem realizar e outras vezes há falta
de trabalho. Resulta de um programa de produção irregular ou de volumes de produção
flutuantes devido a problemas internos, como paralisações, falta de material ou defeitos.
O desnivelamento pode significar a necessidade de equipamento, material e pessoal
para o mais alto nível de produção em alguns momentos – mesmo se as exigências
normais forem muito menores.
A solução para esses dois aspectos é um planejamento do plano de trabalho
sem muitas flutuações, equilibrando as “cargas” a partir de um uso balanceado de mão-
de-obra e máquinas. Isso estabiliza o sistema e cria “uniformidade”. A estabilidade, por
sua vez, ajuda a reduzir desperdícios e sobrecargas. É melhor ser lento e constante do
que veloz e atrapalhado. Três benefícios decorrem do nivelamento do plano de
produção: flexibilidade para fabricação em caso de mudança brusca na demanda, uso
balanceado de mão-de-obra e de máquinas e demanda uniformizada para os processos
e para os fornecedores da planta.
44
À título de exemplo, a fábrica deste estudo sofria muito com problemas em seus
equipamentos causados por sobrecarga ou grandes oscilações no uso. Em razão do
desnivelamento na carga de trabalho das máquinas spray-up da laminação, sendo
utilizadas excessivamente por um período e não utilizadas em outro, os componentes
químicos como resina e catalisador se “cristalizavam” nos tubos quando ficavam muito
tempo sem uso. Com isso, a máquina ficava danificada e interrompia processos quando
precisasse ser utilizada novamente. Já as lixadeiras angulares (esmerilhadeiras), por
sua vez, sofriam com períodos de sobrecarga, sendo constantemente queimadas e
demandando troca do induzido.
4.2.4 CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PARAR E RESOLVER OS PROBLEMAS
A produção enxuta eleva drasticamente a importância de se produzir de forma
correta já na primeira tentativa. Com níveis muitos baixos de estoque amortecedor
(buffer), problemas de qualidade em uma operação rapidamente paralisam aquela
imediatamente seguinte. Com isso, gera-se uma grande urgência/necessidade de se
resolver o problema que causou a interrupção. Embora possa parecer óbvio que se deva
detectar e resolver rapidamente um transtorno, na gestão “tradicional”, por exemplo,
peças defeituosas, quando percebidas, são simplesmente classificadas e separadas
para conserto, que será efetuado em outro momento e talvez até por outro setor. Tudo
para não interromper a produção em tempo integral.
Mas como é possível ser tão produtivo parando sempre que houver um
contratempo? É possível porque solucionar os problemas de qualidade na fonte
economiza tempo e dinheiro. Trazer continuamente os problemas à tona e resolvê-los
quando ocorrem são procedimentos que eliminam as perdas e aumentam a Qualidade.
De maneira contraintuitiva então, o SGQ proposto assume que é preferível parar parte
(ou toda) a produção se isso significar a resolução do problema de qualidade ocorrido.
E isso deve estar plenamente inserido na cultura da fábrica; o princípio se resume em
trazê-los à tona, torna-los visíveis e trabalhar imediatamente em soluções.
De forma ilustrativa, em uma das unidades de 40 pés em produção, foram
visualizados “rabos de porco” na parte superior do Hard Top no momento de fazer a
transferência do barco da Etapa B (Acabamento) à Etapa C (Montagem), que estava
aguardando para iniciar os trabalhos. Rabos de porco são marcas quase imperceptíveis
deixadas por máquinas Hookit no processo de lixamento.
Sob uma lógica tradicional, o iate prosseguiria ao setor de Montagem para iniciar-
se os trabalhos de marcenaria e elétrica, já programados para começar; como as
marcas estavam em um local que não atrapalharia os processos, poderia ser resolvido
45
posteriormente. A partir da nova filosofia proposta, porém, o barco ficou parado para
solucionar-se o problema de qualidade. Com isso, todos os colaboradores do
Acabamento (chapeadores), a partir da urgência que se instalou, reuniram-se próximos
ao Hard Top e discutiram a raiz do defeito. Após análise, concluiu-se que a causa foi
bem provavelmente um “salto” na sequência de lixas que deve ser aplicada no processo,
por descuido do operador. Também se discutiu porque o problema não havia sido
percebido antes, já que foi realizado polimento e até uma inspeção de qualidade naquela
área. A causa disso foi deduzida como um problema de iluminação no setor, que
dificultou a visualização dos colaboradores que por ali passaram os olhos. A cultura de
parar e resolver, portanto, encontrou rapidamente dois problemas que necessitavam
solução e foram logo sanados, além de terem sido percebidos por todos os
colaboradores dos respectivos setores responsáveis, reduzindo a probabilidade de que
venham a ocorrer novamente. Enfim, apesar da interrupção da linha de montagem,
aumentou-se a Qualidade a longo prazo em detrimento de um “prejuízo” imediato – a
base da estrutura do SGQ (Filosofia de Longo Prazo).
4.2.5 PADRONIZAÇÃO DE TAREFAS
A alta eficiência da produção é mantida evitando-se a recorrência de produtos
defeituosos, erros operacionais e acidentes e incorporando-se as ideias dos
funcionários. Tudo isso só é possível através de regras e procedimentos como
instrumentos/ferramentas das melhores práticas. Segundo Imai [23], é impossível
melhorar qualquer processo antes que ele seja padronizado. Se o processo muda de
maneira orgânica, então qualquer melhoria será apenas mais uma variação que
ocasionalmente é utilizada e quase sempre ignorada. Deve-se padronizar e, assim,
estabilizar o processo antes que o aperfeiçoamento contínuo possa ser efetuado.
Padronizar tarefas significa estabelecer especificações para a realização de
cada procedimento individual que é executado. Não especificações restritas, mas sim
um certo nível de padronização para sustentar os processos e sua conformidade. Seguir
padrões demasiadamente rigorosos traria dois contratempos: um é o reflexo no trabalho
dos operadores, que passariam a trabalhar apenas para acompanhar produtividade,
geralmente sem preocupação com a qualidade; outro é a imposição virtual de limites
aos processos, que interromperia o progresso dos mesmos.
Interligado aos outros princípios, o trabalho padronizado neste SGQ consiste em
três elementos para completar a tarefa:
1. Tempo exigido (baseado no takt time – ritmo do fluxo na Produção);
2. Sequência de atividades a serem realizadas
46
3. Recursos necessários (mão-de-obra, matéria-prima, material de uso e
consumo, ferramentas/equipamentos).
A importância de um procedimento como esse no acréscimo de qualidade é
notável. A garantia da condição de defeito zero, por exemplo, só se consegue com
trabalho padronizado. Dessa forma, toda vez que um defeito é descoberto, é possível
verificar, como parte do processo de solução de problemas, se o trabalho foi realizado
como “deveria” ser, investigando-se a folha de trabalho passo-a-passo à procura de
desvios. Se o funcionário estiver seguindo o trabalho padronizado e os defeitos
continuarem a ocorrer, então os padrões precisarão ser modificados.
O modelo proposto capacita os que desempenham o trabalho a criar e a
acrescentar qualidade redigindo eles próprios os procedimentos de tarefa padronizada.
Todos os procedimentos de qualidade devem ser simples e práticos o suficiente para
serem usados todos os dias pelas pessoas que realizam o trabalho.
A tarefa crítica quando se implementa a padronização é encontrar o equilíbrio
entre indicar procedimentos rígidos para que os funcionários os sigam e dar-lhes a
liberdade de inovar e de ser criativo para atingir metas desafiadores de modo coerente
em relação a custos, qualidade e prazos. A chave para alcançar esse equilíbrio reside
na maneira como as pessoas redigem os padrões, bem como em quem contribui para
sua criação.
Primeiramente, os padrões devem ser específicos o suficiente para serem guias
úteis, mas também gerais o suficiente para permitir alguma flexibilidade.
Segundamente, as pessoas que fazem o trabalho têm que melhorar os padrões. Mas
regras impostas e estritamente controladas tornam-se coercivas e passam a ser fonte
de atrito entre administração e trabalhadores. Entretanto, colaboradores concentrados
em fazer um bom trabalho apreciam receber dicas e recomendações práticas,
principalmente se têm alguma flexibilidade para acrescentar suas próprias ideias, além
de ser estimulante ver sua própria melhoria ser usada como um novo padrão.
Por tudo isso, o uso da padronização de tarefas no SGQ proposto é, de fato,
fundamental para a melhoria contínua, inovação e crescimento dos funcionários, o que
mais uma vez revela o caráter holístico e entrelaçado dos princípios e estrutura do
sistema.
4.2.6 USO DE CONTROLE VISUAL
O “controle visual” é qualquer dispositivo de comunicação usado no ambiente de
trabalho para dizer rapidamente como o trabalho deve ser executado e se há algum
desvio de padrão. Auxilia os funcionários que desejam fazer um bom trabalho a ver
47
imediatamente como o estão executando. Pode ser mostrar a que categoria os itens
pertencem, quantos itens devem constar naquela categoria, qual o procedimento padrão
para uma determinada tarefa, o status do estoque em processo e muitos outros tipos de
informações importantes para o fluxo de atividades de trabalho. No sentido mais amplo,
o controle visual está ligado à criação de informações just-in-time de todos os tipos para
garantir a execução rápida e adequada de operações e processos.
Os controles visuais devem ir além da identificação de desvios a partir de metas
definidas em quadros e gráficos e sua apresentação pública: devem ser integrados ao
processo de trabalho com agregação de valor. O aspecto visual significa a possibilidade
de ver um processo, um equipamento, um estoque, uma informação ou mesmo um
funcionário desempenhando seu trabalho e imediatamente perceber qual é o padrão
que está sendo usado para uma respectiva tarefa e se há desvio nesse padrão.
Essencialmente, o estaleiro deve utilizar um conjunto integrado de controles
visuais, como quadros de checklist, imagens do padrão de acabamento desejado,
calendários e cronogramas de atividades, entre outros, para melhorar o fluxo e criar um
ambiente transparente e sem perdas.
Uma ferramenta importante associada a esse princípio é a limpeza e
organização do local de trabalho, que ajudam a tornar visíveis as coisas realmente
importantes e dificultam que os problemas fiquem ocultos. Para sistematizar isso, são
muito comuns os “programas 5S”, que compreendem uma série de atividades para
melhoria do ambiente de trabalho e eliminação das perdas que contribuem para os
erros, defeitos e acidentes de trabalho. Os 5S, originários dos termos japoneses seiri,
seiton, seiso, seiketsu e shitsuke, são:
1. Classificar: classificar os itens, manter somente o que for necessário e
descartar o que não for;
2. Organizar: organizar e determinar um local para tudo;
3. Limpar: deixar tudo limpo, atuando como uma forma de inspeção que
expõe condições anormais e predisposição a falhas que podem
prejudicar a qualidade ou causar problemas no equipamento;
4. Padronizar: desenvolver sistemas e procedimentos para manter e
monitorar os três primeiros “S”;
5. Disciplinar: manter um ambiente de trabalho estável através da auto-
disciplina, fazendo verificações regulares.
48
Figura 20 - Aspecto cíclico do Programa 5S
4.3 MEDIDAS E FERRAMENTAS
Após apresentação das diretrizes que baseiam o sistema, é possível aplica-lo de
forma prática de maneira sustentável. As próximas seções expõem algumas das
medidas tomadas como parte de um plano de ação com foco na aplicação das doutrinas
e princípios anteriormente expostos e oportunidades de melhorias em processos,
visando redução de desperdício e melhoria da produtividade. Junto a elas, são também
explicitadas as principais ferramentas de qualidade implementadas no chão de fábrica.
Importantes e poderosas como essas medidas e ferramentas são, constituem
somente o aspecto tático/operacional do Sistema de Gestão da Qualidade. Como já
descrito, são eficazes apenas quando sustentados pela filosofia administrativa cunhada
na estrutura e nos princípios adequados.
4.3.1 REESTRUTURAÇÃO ORGANIZACIONAL
A primeira medida aplicada é a reestruturação organizacional da empresa sob a
lógica do novo SGQ. As diligências propostas são:
- Criação da área de Gestão de Processos como assistente do setor de
Produção: função a ser desempenhada por um colaborador interno que tenha pleno
conhecimento dos processos e visão do papel de cada um deles ao longo do fluxo de
produção, essa nova área busca focar nas atividades desempenhadas dentro de cada
procedimento, enquanto a supervisão de Produção trata da cadeia em um âmbito mais
global. Deve estabelecer exigências de acabamento, especificações de execução,
padronização de tarefas e procedimentos de inspeção com o objetivo de eliminar
desperdícios e melhorar continuamente, em busca da Qualidade.
Classificar
Organizar
LimparPadronizar
Disciplinar
49
- Sistematização da Produção em setores referentes às etapas do fluxo:
subdivisão dos colaboradores do chão de fábrica em suas respectivas etapas, com o
estabelecimento de coordenadores para cada uma delas. A partir disso, é possível
organizar as etapas como clientes internos umas das outras, concedendo
responsabilidades aos líderes de cada área, que passam a focar apenas em seus
processos e em suas demandas.
- Criação da função de Planejamento e Controle da Produção (PCP): ligada ao
departamento administrativo, busca fornecer à Produção, através do almoxarifado, os
insumos necessários para atender ao fluxo, no momento em que são necessários. Para
isso, deve estar muito bem conectada ao departamento de Produção através da
comunicação entre sua supervisão e a Controladoria. Além disso, busca analisar de
forma independente os custos das ordens através de relatórios, fornecendo às
instâncias superiores para apreciação, também em busca da melhoria contínua.
Outro ponto foi a movimentação do Marketing para ser assistente do setor
Comercial. Dessa forma, nivela-se a carga de trabalho da Diretoria para focar melhor
nos grandes setores. A nova estrutura hierárquica é exposta na Figura 21:
Figura 21 - Nova estrutura organizacional
50
4.3.2 CRIAÇÃO DA ILHA DE PEÇAS PEQUENAS
A partir do mapeamento de como estava ocorrendo a Etapa Anexa, verificou-se
uma enorme quantidade de desperdícios no processo: espera, superprodução,
movimentação desnecessária e defeitos. Como cada peça deve ser laminada, acabada
e testada na embarcação, seu deslocamento era desordenado e sem controle,
movendo-se por toda parte, de um setor ao outro e por vezes retornando, até estar
finalmente pronta.
Figura 22 - Organização por processo com fluxo desordenado
SPRAY-UP HAND LAY-UP
REBARBA
MESA
ACABAMENTO
MESA
ACABAMENTO
MESA
ACABAMENTO
MESA
ACABAMENTO
BARCO EM
ACABAMENTO
BARCO EM
MONTAGEM
51
Nenhuma programação consegue controlar a variação inerente no sistema
quando este faz com que os materiais se movimentem em todas as direções. A medida
proposta foi a criação da ilha de peças pequenas, que visa contribuir para a melhoria do
fluxo e redução das perdas. A ilha constitui-se como uma célula projetada para realizar
todas as tarefas referentes à Etapa Anexa e assim diminuir movimentação
desnecessária, defeitos, superprodução e espera.
Figura 23 - Célula de fluxo de peças organizada em forma de U
Localizada entre os setores de Acabamento (Etapa B) e Montagem (Etapa C),
para os quais serve como fornecedor interno (ver Figura 27), reduz consideravelmente
toda a movimentação desordenada anterior. Além disso, através da imposição do ideal
do fluxo unitário, diminui a ocorrência de defeitos por não permitir que eventuais falhas
MESA
ACABAMENTO
MESA
ACABAMENTO
SPRAY-UP HAND LAY-UP
REBARBA
BARCO EM
MONTAGEM
BARCO EM
ACABAMENTO
52
em um processo se repitam no lote todo. Em caso de problema com o Gelcoat, por
exemplo, sob a lógica antiga esse causaria defeitos em todas as peças em que se
aplicou-o até que o Acabamento ou outro departamento fosse notar. Sob a nova
orientação, porém, um eventual problema geraria defeito em apenas uma delas,
refletindo em enorme ganho de Qualidade.
Mais organizada, com controle visual, facilmente programável e com a
orientação de não manter estoque entre os processos, também diminui a espera e
superprodução. Isso era de fato uma grande fonte de desperdício no estaleiro. Muitas
vezes, em caso de falta de trabalho (ociosidade) no setor de Laminação (causada por
desnivelamento), os colaboradores iniciavam os processos das peças pequenas para
várias ordens de produção (barcos) futuras; em momentos logo à frente, porém,
mudava-se alguma configuração/padrão do modelo relacionada a elas e todo o trabalho
havia se tornado inútil, junto a todos os custos associados.
Para conseguir implantar essa medida, foi feito o treinamento de um colaborador
do Acabamento em técnicas e práticas de laminação. Esse, portanto, se tornou o líder
da Etapa Anexa, sendo responsável por reportar tudo a ela referente. Tal especialização
tem também benefícios para a melhoria contínua, em que pese o fato do foco específico
de um setor nesse tipo de produto em processo.
Outro efeito secundário foi a utilização da ilha como local de aprendizagem de
novos colaboradores. Como não há cursos específicos para essa mão-de-obra
(laminador e chapeador em fibra de vidro) em instituições acessíveis como o SENAI, o
conhecimento é passado através da experiência de quem mais a tem. As peças
pequenas são, portanto, ótimo lugar para formação de novos laminadores e
chapeadores, já que é possível entender os processos químicos que ocorrem e um
eventual erro na prática deles não custa tão caro em termos de material e fluxo de
produção.
4.3.3 IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS PUXADOS NO ALMOXARIFADO
Devido à “artesanalidade” do processo produtivo das embarcações, é difícil
mensurar com exatidão a demanda de muitos dos itens de uso e consumo para a
manufatura de uma unidade. Os processos de acabamento, por exemplo, dependem
bastante das condições recebidas da laminação, que por sua vez tem aspectos
químicos inerentes de alta variância (temperatura, tempo de cura, presença de bolhas
de ar, entre outros). Por isso, fazer a compra de itens como lixas, massas plásticas e
boinas de polimento com base em relatórios de unidades anteriores não é uma prática
ideal, já que podem ser desnecessários em uma (gerando excesso de estoque) ou
53
mesmo não serem suficientes em outra (interrompendo a produção e ocasionando
espera – tempo sem trabalho).
Uma medida baseada na filosofia do SGQ proposto é a implantação de sistemas
puxados no almoxarifado para esses tipos de insumo. Para tal, define-se um estoque
de segurança para cada um deles e aciona-se a reposição dos mesmos apenas quando
for necessário, guiado pelo consumo no chão de fábrica, que é seu cliente interno. O
estoque de segurança é definido da seguinte forma:
“Seja o prazo de entrega do fornecedor mais viável. Estoque de segurança é
aquele que suporta a utilização máxima (pior dos casos) durante o setup de
compra + prazo de entrega.”
Se essa medida fosse seguida fielmente como descrita, porém, gerar-se-ia
pedidos de compra pequenos e desordenados, que não se aproveitariam da economia
de escala referente a compras de maior volume, além de dificultar as previsões de
demanda para os fornecedores. Para fazer o nivelamento dos pedidos, portanto, são
utilizadas outras duas ferramentas: a definição de um estoque de alerta e o emprego de
sinalizações visuais no almoxarifado, como prega o Princípio 6. Estoque de alerta é uma
quantidade de alguma forma relacionada ao estoque de segurança que indica que a
reposição pode começar a ser preparada. No estaleiro, o estoque de alerta é definido
como:
“Seja o estoque de segurança. Estoque de alerta é igual ao dobro do estoque
de segurança.”
As sinalizações visuais podem ser qualquer sinal facilmente atualizável para
permitir melhor controle sobre a disponibilidade do estoque.
Figura 24 - Exemplo de sistema de sinalização - Cartões p/ cada gramatura de disco Hookit
P040 P080 P220 P320 P400 P600 P800 P1200 P1500
230
220
210
200
190
180
170
160
150
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
ESTOQUE DE DISCOS HOOKIT
estoque segurança estoque alerta estoque regular
54
A partir deles, não só o almoxarifado como também qualquer um que esteja
familiarizado com o sistema de sinalização definido pode comunicar facilmente alguma
demanda com o setor de PCP/Compras, evitando a possibilidade de paralisação da
produção pela falta de itens ao mesmo tempo em que não armazena grandes
quantidades dos mesmos.
4.3.4 ALOCAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ATRAVÉS DO TAKT TIME
Em uma condição ideal, sob a lógica do fluxo unitário e do sistema puxado
(ninguém produz nada antes que seja necessário para a próxima pessoa ou passo do
processo), a produção é ditada pelo ritmo da demanda dos clientes. Com isso,
estabelece-se o takt time, tempo que deve demorar cada processo que compõe o fluxo
unitário. Como na realidade, porém, a demanda dos consumidores tem certa variância,
principalmente por se tratar de um produto de alto valor agregado e pequeno volume de
vendas em quantidade, o takt time serve apenas como ponto de partida na definição
das necessidades de recursos para execução dos processos. O mais importante,
portanto, é que haja pelo menos um ritmo no fluxo, para que não haja desnivelamento
da carga de trabalho.
A medida para dar essa cadência é a alocação adequada da mão-de-obra entre
os processos. Ajusta-se não só a quantidade de funcionários, através de contratações,
demissões ou treinamento para que alguns atuem em processos que demandem
atributos/capacidades diferentes, como também se toma as decisões de hora extra e
até criação de novos turnos para atingir esse ritmo. Já que os processos como um todo
são realizados a depender do setor do colaborador, tal ajuste é feito conforme a Figura
25:
Figura 25 - Etapas trabalhando em ritmo (takt time igual a X dias)
Através dessa divisão, obtém-se facilmente um guia para a melhoria contínua da
produção, principalmente em termos de lead time: ajustando continuamente a alocação
de mão-de-obra em cada etapa para atender ao menor tempo de execução entre elas.
55
Tomando como ponto de partida uma quantidade média de vendas de 12
embarcações por ano, por exemplo, a demanda dos clientes é de uma unidade por mês.
O takt time que dita o ritmo da produção, portanto, é de 30 dias. Isso significa que a
Etapa A deve ter recursos de mão-de-obra alocados para cumprir com seus processos
nesse período, assim como a Etapa B e a Etapa C e a Etapa Anexa. Se uma das etapas
estiver com menor lead time (27 dias), por exemplo, pode-se optar por readequar as
outras através de ações como contratação de novos funcionários e treinamentos,
reduzindo o tempo de execução de cada uma delas para o novo takt time e produzindo
mais embarcações por período, elevando os lucros potenciais da empresa. O segredo
é alocar corretamente a mão-de-obra de forma a manter um ritmo constante, evitando
assim os desperdícios já citados.
4.3.5 NOVO PAVILHÃO E REESTRUTURAÇÃO DO LAYOUT
A partir dos detalhes apresentados no capítulo 3.5 sobre o arranjo físico do
estaleiro, uma medida fundamental para a organização dos processos sob a regência
do SGQ proposto era a reestruturação do layout. Em meio a isso, a diretoria do estaleiro,
já projetando um aumento no volume de produção, optou pela mudança para um novo
pavilhão. Este dispõe de uma infraestrutura de maior porte, tanto em termos de área
fabril quanto em termos das instalações de apoio e administrativas. Com isso, o trabalho
ficou facilitado, já que permitiu planejar o espaço físico do zero e reduziu
consideravelmente as restrições que existiam no pavilhão anterior.
Figura 26 - Planta baixa do novo pavilhão
60 m
120 m
56
O novo local compreende uma planta de 60 m de largura por 120 m de
profundidade, passando de 2.800 m2 para 7.200 m2. Nele, que também é um galpão
arejado com janelas translúcidas, porém, a iluminação não é tão adequada. Em virtude
da grande profundidade a iluminação natural não alcança as áreas “centrais”; ademais,
uma das laterais faz divisa com outro pavilhão, impedindo a instalação de janelas
translúcidas neste lado. Por isso, demanda-se certo investimento em iluminação
artificial, altamente necessária para a qualidade dos processos de laminação
(visualização de bolhas) e acabamento.
Sobre a divisão dos setores, planeja-se as separações, em um primeiro
momento virtuais, a partir de algumas premissas:
• Posicionamento de cada setor para gerar um fluxo contínuo das etapas,
aproximando os consecutivos e constituindo praticamente uma linha de
montagem;
• Posicionamento do almoxarifado próximo à administração e a um portão,
que servirá como doca para recebimento de itens;
• Visão de expansibilidade dos setores a médio prazo;
• Posicionamento da formaria e do almoxarifado distantes do setor de
acabamento, em razão da alta geração de poeira e outros resíduos;
• Almoxarifado de tamanho reduzido em razão dos princípios just-in-time e
visando eliminação de desperdícios;
• Manutenção de área livre para movimentação de peças grandes e
embarcações já fechadas.
O resultado é o layout mostrado na Figura 27.
Já se nota também a presença da ilha de peças pequenas entre acabamento e
montagem, como detalhado no subcapítulo 4.3.2. A formaria ficou posicionada em uma
área central, facilitando a retirada dos moldes para trabalho tanto pela laminação de
grandes peças quanto pela ilha supracitada. A área de formaria passou de 525 para 650
m2 (expansível até 750 m2), a laminação agora possui área dedicada de 750 m2,
rebarbas e edificações 850 m2, acabamentos/pré-acabamentos também têm 750 m2 e
a montagem passa a contar com sete “baias” dedicadas.
É válido ressaltar ademais que foi possível estabelecer de maneira adequada
uma linha imaginária de sequenciamento dos processos produtivos – como uma grande
célula de fluxo unitário em “U”; além de garantir uma área útil para posicionar alguns
itens em processo. O novo layout permite ainda um controle visual bastante satisfatório,
com os colaboradores e tarefas de cada setor fisicamente bem separados.
57
Figura 27 - Novo arranjo físico do estaleiro
ACABAMENTO REBARBA/EDIFICAÇÃO LAMINAÇÃO
FÔRMA
CONVÉS (50+’)
FÔRMA
CASCO (50+’)
PEÇAS PEQUENAS
MO
NTA
GEM
FO
RM
AR
IA
ALMOX
ADMINISTRAÇÃO
58
4.3.6 MAPEAMENTO COMPLETO DE SUBPROCESSOS (ATIVIDADES)
Após o mapeamento definitivo dos processos que compõem o fluxo de produção,
apresentado em 3.4.2, deve-se investigar cada um deles para verificar como estão
sendo realizados em termos de subprocessos, ou seja, cada movimento realizado em
prol do processo-pai. A partir da obtenção dessas atividades, avaliar sua importância
em termos de agregação de valor ou não. Se for operação que agrega valor, tentar
otimizá-la sem ônus à qualidade da execução; se não, empenhar-se em eliminá-la.
Após a documentação de todas, estabelecer a primeira padronização de tarefas
para cada uma, gerando folhas de trabalho padronizado para orientar os colaboradores
em suas ações. Como supracitado na definição do Princípio 5, a folha de cada processo
deve conter:
• Tempo de execução exigido (em função da quantidade de colaboradores
atuando);
• Sequência de atividades a serem desempenhadas;
• Recursos necessários para sua execução;
• Critério(s) de qualidade a ser(em) atingidos (se aplicável).
Essa medida é extremamente importante para a Qualidade, auxiliando desde o
Planejamento e Programação da Produção até o aumento da conformidade, redução de
defeitos e melhoria contínua. A responsabilidade do mapeamento fica com a Gestão de
Processos, cujo foco é exatamente esse.
4.3.7 (PPP)2: PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO DA PRODUÇÃO POR PEÇAS,
PROCESSOS E PESSOAS
Com o mapeamento de processos e subprocessos plenamente realizado em
termos de suas variáveis, é possível fazer o devido Planejamento e Programação da
Produção sob as doutrinas do novo Sistema de Gestão da Qualidade. Ele consiste
simplesmente em, a partir dos princípios e estrutura fundamentais já expostos, fazer a
alocação de pessoal disponível nos devidos processos para atender com maior
qualidade os respectivos clientes.
59
Figura 28 - Programação da alocação semanal de pessoal por processo
Seu controle baseia-se em uma grande planilha para cada ordem, na qual,
baseado no fluxograma da produção, faz-se o registro das ocorrências de cada peça ou
processo pela(s) referente(s) pessoa(s) que executa(m) da seguinte forma:
Figura 29 - Planilha de controle da produção por Peças e Processos (Resumo Geral)
07:30 08:00 08:30 09:00 09:30 10:00 10:30 11:00 11:30 12:00 12:30 13:00 13:30 14:00 14:30 15:00 15:30 16:00 16:30 17:00 07:30 08:00
001 Colaborador 1 LAM/EDI
002 Colaborador 2 LAM/EDI
003 Colaborador 3 LAM/EDI
004 Colaborador 4 LAM/EDI
005 Colaborador 5 LAM/EDI
006 Colaborador 6 LAM/EDI
007 Colaborador 7 ACAB
008 Colaborador 8 ACAB
009 Colaborador 9 ACAB
010 Colaborador 10 ACAB
011 Colaborador 11 ACAB
012 Colaborador 12 ACAB
013 Colaborador 13 MONT
014 Colaborador 14 ELET
015 Colaborador 15 ELET
016 Colaborador 16 PÇ-PQ
41.04.C1913
41.04.D1121 41.04.D8976 41.04.D7767
41.06.A4341 41.06.A5211
41.04.C0016
41.04.C1912
41.04.C2111 41.04.C8787 41.04.C1187 41.04.C1914
41.04.C008941.04.C0087
41.06.A7877 41.06.A7878 41.06.A7878 41.06.A8192
41.05.B004 41.05.B00841.05.B004
41.05.B005 41.05.B005
41.05.B006 41.05.B006
41.06.A4779
41.06.A4779
41.06.A4779
41.06.A4779
41.06.A4779
41.05.B0165 41.05.B0166 41.05.B0166
41.06.A4775
41.06.A4775
41.06.A3350
41.06.A3350
41.06.A3350
41.06.A3351
41.06.A3351
41.06.A3351
segunda-feiraCÓDIGO COLABORADOR SETOR
41.06.A4775 41.06.A4779
RESP TÉCNICO INÍCIO CONCLUSÃO RESP TÉCNICO INÍCIO CONCLUSÃO RESP TÉCNICO INÍCIO CONCLUSÃO
G1 Casco Francisco 16/05/18 30/05/18 E1 Teto da Cabine no Convés Francisco 27/06/18 27/06/18
G2 Cavername Francisco 14/05/18 16/05/18 E2 Cavername no Casco Francisco 22/05/18 22/05/18
G3 Convés Francisco 08/06/18 19/06/18 E3 Cabine no Casco Francisco 22/06/18 25/06/18
G4 Cabine Francisco 10/05/18 18/05/18 André 19/06/18 E4 Banheiro na Cabine Francisco 25/06/18 25/06/18
G5 Teto da Cabine Francisco 07/05/18 11/05/18 Luiz Silvério 18/06/18 20/06/18 E5 Hard Top no Convés Francisco
G6 Hard Top Francisco 02/05/18 13/06/18 Cristiano 15/06/18 E6 Teto solar no Hard Top Francisco
G7 Banheiro Francisco 28/05/18 30/05/18 E7 Convés no Casco (FECHAMENTO) Francisco
P1 Teto Solar Francisco E8 Colagem Fechamento (Porão) Francisco
P2 Tampa do Porão Francisco E9 Colagem Fechamento (Cabine) Francisco
P3 Plataforma de Popa Francisco
P4 Tampa porta-treco da plataforma Francisco
P5 Tampa da escadinha Francisco RESP TÉCNICO INÍCIO CONCLUSÃO
P6 Aumento do convés BB Francisco R1 Fundo Evaldo
P7 Aumento do convés BE Francisco R2 Casco (Bombordo)
P8 Goleira central da porta Francisco R3 Casco (Boreste)
P9 Goleira lateral da porta 1 Francisco R4 Espelho de Popa
P10 Goleira lateral da porta 2 Francisco R5 Convés (Bombordo)
P11 Base da lixeira Francisco R6 Convés (Boreste)
P12 Lixeira Francisco R7 Hard Top
P13 Tampa da lixeira Francisco R8 Proa
P14 Caixa do ar-condicionado 1 Francisco R9 Praça de Popa
P15 Caixa do ar-condicionado 2 Francisco R10 Salão Cockpit
P16 Tampa da caixa ar-condicionado 1 Francisco R11 Cockpit
P17 Tampa da caixa ar-condicionado 2 Francisco R12 Cabine/Quartos
P18 Calço central do motor Francisco R13 Banheiro André
P19 Calço lateral do motor BB Francisco
P20 Calço lateral do motor BE Francisco
P21 Tampa Espaço Gourmet Francisco RESP TÉCNICO INÍCIO CONCLUSÃO
P22 Tampa Paiol de Salvatagem Francisco M1 Montagem Geral Flademir
P23 Encosto do sofá interno Francisco M2 Elétrica Cleiton
P24 Painel Francisco M3 Marcenaria 3º (Norbi)
P25 Tampa do painel Francisco M4 Estofaria 3º (Adriano)
P26 Banco do piloto Francisco M5 Mecânica 3º (Volvo)
P27 Tampa do porta-treco Cabine Francisco M6
P28 Tampa da cama Qt meia-nau Francisco M7
P29 Base do limpador de para-brisa 1 Francisco M8
P30 Base do limpador de para-brisa 2 Francisco M9
P31 Asa entrada de ar BB Francisco M10
P32 Asa entrada de ar BE Francisco M11
P33 Caixa da entrada de ar BB Francisco M12
P34 Caixa da entrada de ar BE Francisco M13
P35 Suporte hidráulico do teto Francisco
P36 Suporte das luzes de navegação Francisco
P37 Base de mufla descarga gerador Francisco
P38 Tampa atuador Francisco
P39 Tampa da cama Qt proa Francisco
P40 Base da bomba do ar Francisco
P41 Tampa da âncora Francisco
P42 Tampa paiol de proa
P43 Base chuveirinho proa
P44 Escadinha Aumento Convés BB
O1 Porta-treco do banco Cockpit
O2 Kit geleira (3 peças)
MO
NTA
GEN
S
CÓDIGO REGIÃOACABAMENTO
REG
IÕES
CÓDIGO SETORMONTAGEM
CÓDIGO PROCESSOEDIFICAÇÃO
-
-
EDIF
ICA
ÇÕ
ES
LAMINAÇÃO PRÉ-ACABAMENTOCÓDIGO PEÇA/ESTRUTURA
-
PEÇ
AS
GR
AN
DES
PEÇ
AS
PEQ
UEN
AS/
OP
CIO
NA
IS
60
Figura 30 - Planilha de controle da produção por Peças e Processos (Peça G4)
A partir da planilha, desenvolve-se um software que automatiza os registros,
permitindo assim gerar relatórios por colaborador, por exemplo. Esse tipo de relatório
possibilita iniciar um trabalho de avaliação com indicadores de produtividade (os KPIs -
Key Performance Indicators), em que, a partir de métricas, faz-se análise de
desempenho do pessoal. Se bem executado, um procedimento como esse auxilia
fortemente na valorização e desenvolvimento de pessoas e equipes excepcionais,
Princípio 8 do SGQ.
4.3.8 DOCUMENTAÇÃO DE PROCESSOS DE NEGÓCIO
Além dos processos produtivos, é notável do mesmo modo a necessidade da
sistematização e padronização de outros processos repetitivos fundamentais que
ocorrem na empresa e que contribuem para o fluxo geral de alguma forma. Para isso,
outra medida que compõe o plano de ação do SGQ é a documentação de processos
organizacionais (em inglês, Business Process Management – BPM).
O BPM é a definição e representação das metodologias das atividades
realizadas na empresa. Assim como o fluxograma de produção, busca dar uma visão
global e estruturar como são ou como devem ser realizadas as tarefas, determinando
quem são os agentes que participam, quando participam, quais documentos devem ser
gerados, como a informação viaja entre eles, entre outros.
Um negócio é, essencialmente, um grupo de processos inter-relacionados; se
esses não estiverem escritos e documentados, falhas são mais suscetíveis de ocorrer.
A documentação dos processos de negócio serve então como roteiro para a
CÓDIGO G4
PEÇA/PROCESSO Cabine
RESP LAMINAÇÃO Francisco
RESP PRÉ-ACABAMENTO André
DATA DIA TURNO AÇÃO PARTICIPANTES OBSERVAÇÃO
10/05/18 quinta-feira PROCESSO INÍCIO DA LAMINAÇÃO
10/05/18 quinta-feira Manhã Limpeza e enceramento da fôrma; aplicação de Gel Francisco, Heliomir, Alvair, Will ian
10/05/18 quinta-feira Tarde Skin Coat na Cabine Francisco, Heliomir, Alvair, Will ian
(...) (...) (...) (...) (...)
18/05/18 sexta-feira Tarde Reforço nas laterais Francisco, Heliomir, Alvair, Will ian
18/05/18 sexta-feira PROCESSO FIM DA LAMINAÇÃO
12/06/18 terça-feira Tarde Desmoldagem da peça Francisco, Maicon, GiovaniDia sem compressor: desmoldagem
bruta. Rachaduras nos cantos.
19/06/18 terça-feira Manhã Posicionamento da peça Andre Alexandre, Lucas
19/06/18 terça-feira PROCESSO INÍCIO DO PRÉ-ACABAMENTO
19/06/18 terça-feira ManhãPassagem de controle de lixamento em toda
superfície; l ixamento 220 parcialAndre Alexandre Início 11h00
19/06/18 terça-feira Tarde
Finalização do lixamento 220; l ixamento 80 nas áreas
com mais cera; passagem de massa para correção de
"defeitos"
Andre Alexandre
20/06/18 quarta-feira Manhã Passagem de massa p/ correção de defeitos Andre Alexandre
20/06/18 quarta-feira Tarde Lixamento 40 nas massas; laminações localizadas Andre Alexandre, Giovani
21/06/18 quinta-feira Manhã Lixamento 40 nas massas; laminações localizadas Andre Alexandre, Giovani
21/06/18 quinta-feira Tarde Acabamento geral na peça André Alexandre, Lucas
22/06/18 sexta-feira Manhã Acabamento geral na peça André Alexandre, Lucas, Giovani
25/06/18 segunda-feira TardeCorreção de detalhes da peça com massa plástica.
Lixamento nas massas.André Alexandre Já em cima do casco
61
organização, ajudando a identificar o estado atual de um negócio para que se possa
melhorá-lo. Isso fornece consistência para a fábrica e permite monitorar e revisar
processos ao longo do caminho, por mais triviais que sejam. Ela também permite que
se saiba o que as pessoas estão fazendo e a ter maior noção sobre o funcionamento
interno da empresa. Se um processo não for documentado, essencialmente, ele estará
sendo redesenhado por alguém cada vez que for realizado. Quando um funcionário
deixa a empresa, o conhecimento do processo vai junto, a menos que tenha sido
devidamente registrado. Quando são contratados novos funcionários, também é
interessante haver um processo documentado para ajudá-los a compreender seus
papéis e como se encaixam dentro da organização de forma global. Processos
documentados facilitam o treinamento formal, permitindo uma melhor integração à
empresa.
Tomando o processo de Compras, por exemplo. Fazendo o devido mapeamento
do estado atual, é possível entender o panorama global de atividades da solicitação até
a chegada do produto/serviço, verificar se há problemas de comunicação entre os
setores, gargalos ou até falta/excesso de documentação gerada ao longo do processo.
Um bom processo deve ter prazos para as tarefas, envolver o mínimo possível de
setores, gerar informações mais enxutas quanto maior a hierarquia do agente, planejar
informes/feedbacks necessários a quem está envolvido e possuir padrões de
documentação para automatizar o fluxo. Um bom processo de negócio de Compras está
documentado na Figura 31.
Figura 31 - Sequência de tarefas no processo de negócio de Compras
62
Sistematizar e gerir proativamente os processos de negócio, portanto, organiza
o fluxo de apoio e melhora a comunicação entre todos os setores, através da definição
clara de suas responsabilidades em cada um deles. Com isso, eleva-se a produtividade
e eficiência da fábrica, principalmente em processos nos quais a Produção também
atua.
Para implantação adequada dessa medida, definem-se os seguintes
responsáveis:
• Equipe do projeto: a equipe do projeto é responsável pela documentação
do processo. Deve fazer parte da atividade da equipe para que a
aprendizagem se torne integral. No entanto, é interessante que alguém
que não esteja envolvido no projeto diariamente trabalhe na
documentação para que a equipe possa focar os processos de registro,
organizar as informações, estimular a reflexão e distribuir a informação.
• Outras partes interessadas: quaisquer partes interessadas envolvidas em
um projeto específico precisam estar envolvidas na documentação de
processo para que possam aprender sobre as opiniões e perspectivas
dos outros para ajudá-los a aprender e refletir.
• Pessoas de fora: pessoas de fora oferecem uma perspectiva nova e
imparcial, ajudando a melhorar os processos.
Embora possa demandar um certo tempo, a documentação proporciona um bom
nível de benefícios na busca da Qualidade Total, validando o esforço investido.
4.3.9 FORMAÇÃO DE KITS
No mapeamento de subprocessos realizado com a medida apresentada em
4.3.6, verifica-se enormes perdas no trajeto dos colaboradores do almoxarifado ao local
de execução de cada uma das tarefas, quase que de maneira generalizada. Como parte
das ações para redução de desperdícios, procede-se com a formação de kits que
contêm todos os recursos de material necessários para concluir as tarefas de
determinado período. Dessa forma, diminui-se consideravelmente a necessidade de
movimentação dos funcionários, permitindo aos mesmos o foco somente na realização
do processo com qualidade.
A metodologia para sucesso na implantação dessa medida é uma comunicação
precisa entre a Produção e o Almoxarifado. A supervisão de Produção, a partir do
Planejamento e Programação da Produção referido em 4.3.7, deve definir os processos
a serem realizados e, já tendo documentado o material necessário para os mesmos,
expressar sua demanda ao almoxarife de maneira clara. Os colaboradores da produção,
63
por sua vez, devem ser instruídos a fazer a retirada do respectivo kit sempre que forem
designados, podendo ser referente a uma tarefa ou até a várias tarefas a serem
realizadas ao longo do dia.
Figura 32 - Exemplo de kits sendo usados na Etapa C
No exemplo da Figura 32, ilustra-se o uso de dois kits sendo usados
simultaneamente no processo de montagem. Um dos kits contém itens da montagem
geral (parafusos, porcas, arruelas, abraçadeiras etc.) referentes às operações ao longo
do dia e o outro contém materiais elétricos (relé, fusíveis e fios, por exemplo) das
operações de montagem da parte elétrica.
Como visto em 4.3.8, essa dinâmica também constitui um processo de negócio,
que deve ser bem planejado e de fácil visualização para todos entenderem seu papel.
Organiza-se ele então da seguinte forma:
Figura 33 - Processo de negócio de Formação de kits
Observa-se ainda, como benefício secundário além da eliminação de
desperdício de movimentações desnecessárias, um maior controle sobre o consumo de
KIT ELÉTRICA
KIT MONTAGEM GERAL
DO ALMOXARIFADO
64
recursos na produção, reduzindo custos e aumentando a conformidade dos processos
– elementos substanciais para a Qualidade.
4.3.10 INSERÇÃO DE PONTOS DE INSPEÇÃO/VERIFICAÇÃO DE QUALIDADE
Com a produção completamente mapeada como detalhado em 3.4.2, insere-se,
em momentos “oportunos”, processos de inspeção de qualidade ao longo do fluxo. Tal
função deve ser desempenhada pela área de Gestão de Processos e busca, a partir da
criação (e constante melhoria) de folhas de verificação, estabelecer padrões a serem
avaliados por um agente que não seja do setor executor do processo. Com isso, tem-
se uma perspectiva nova e independente do trabalho realizado.
Folhas de verificação são uma das ferramentas da qualidade que compõem o
Total Quality Management e são tabelas ou planilhas usadas para organizar e facilitar a
coleta, análise e apresentação de dados. O uso de folhas de verificação economiza
tempo, eliminando o trabalho de se desenhar figuras ou escrever números repetitivos.
Além disso, elas evitam comprometer a análise dos dados, baseando-se apenas em
fatos objetivos.
Antes da colagem da Cabine no Convés, por exemplo, é conveniente fazer uma
auditoria das medidas das peças individualmente para verificar se o encaixe entre elas
será adequado, a partir de medidas-padrão e tolerâncias aceitáveis. Sem esse tipo de
procedimento, gera-se uma boa “dose” de desperdícios em caso de constatação de
impossibilidade de união das peças apenas durante a edificação.
Figura 34 - Procedimentos de inspeção adicionados ao longo do fluxo
65
Essa inspeção é então inserida para todas as peças quando concluídas,
verificando se cumprem o padrão de medidas estabelecido.
Uma das etapas em que essa ferramenta tem grande importância é durante a
fase de acabamento geral na embarcação. Nessa, é fundamental que os processos
atinjam o padrão definido para os iates antes de entrar na etapa de montagem. E como
a subdivisão em termos de sequência de processos é dificultada em razão da alta
variância das condições recebidas da laminação e impossibilidade de subdivisão
padronizada, a solução é realizar procedimentos de inspeção ao longo de sua execução.
Para isso, a Gestão de Processos preenche uma folha de verificação como a da Figura
35, apontando as necessidades específicas de cada região para completar o
acabamento no momento de cada uma das auditorias.
Figura 35 - Folha de inspeção de qualidade do Acabamento Geral
Modelo: 41 HT Ordem: 41.02
Inspeção A Inspeção B
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO DE QUALIDADE - ACABAMENTO
Referência
Fundo
Casco (Boreste)
Espelho de Popa
EX
TER
NO
Inspeção Final
Casco (Bombordo)
Convés (Bombordo)
Convés (Boreste)
Hard Top
Proa
Praça de Popa
Salão Cockpit
Cockpit
Cabine/Quartos
Banheiro
INTE
RN
O
66
4.3.11 CÍRCULOS DE QUALIDADE
Círculos da Qualidade são uma técnica de gestão participativa que tem como
objetivos principais identificar e debater problemas de qualidade e propor soluções para
os mesmos através da participação ativa dos trabalhadores na discussão de questões
relacionadas com seu próprio trabalho; não apenas o que agrega valor, mas também
em aspectos como segurança e higiene. A ferramenta é introduzida como mais um
elemento para validar a participação de todos os níveis da organização na solução de
problemas e melhoria contínua.
Os círculos da qualidade são constituídos por grupos internos de pequena
dimensão, os quais se reúnem periodicamente durante o expediente normal de trabalho
para desenvolver formas de melhorar a qualidade e eficiência das atividades. De caráter
autônomo, um ponto fundamental de ser ressaltado na prossecução desta ferramenta é
a necessidade de conceder treinamento aos membros de cada um deles em métodos
formais de solução de problemas como brainstorming, análise de Pareto e diagrama de
causa-e-efeito, por exemplo, e encorajá-los a aplicar esses métodos em problemas
gerais ou específicos da fábrica. Outro ponto é a imprescindibilidade de rotatividade do
responsável pelo círculo, visto que concede responsabilidade a todos e quebra a
hierarquia pré-existente.
A medida no estaleiro compreende a criação de quatro Círculos de Qualidade,
que devem se reunir mensalmente, por não mais que uma hora, sob a orientação de um
líder que muda a cada encontro. Eles são assim organizados:
1. Círculo da Produção:
• Supervisão
• Gestão de Processos
• Coordenação de Laminação/Edificação
• Coordenação de Acabamento
• Coordenação de Montagem
2. Círculo da Laminação:
• Coordenação de Laminação/Edificação
• Todos outros colaboradores do setor
3. Círculo do Acabamento:
• Coordenação de Acabamento
• Todos outros colaboradores do setor
4. Círculo da Montagem:
• Coordenação de Montagem
• Todos outros colaboradores do setor
67
Todos os círculos devem documentar os resultados dos debates da Qualidade,
apresentando-os à supervisão para apreciação. As ideias e conclusões obtidas são de
vital importância no aprimoramento contínuo da produção.
4.3.12 INSTALAÇÃO DE SINAIS VISUAIS NA FÁBRICA
Como detalhado no Princípio 6, sinais visuais que possam ser entendidos
claramente por todos são poderosas ferramentas no aumento da Qualidade pela
eliminação de desperdícios ou mesmo otimização de atividades que agregam valor.
Com isso, outra das medidas implantadas é a utilização de um conjunto integrado de
instrumentos de comunicação visual no chão de fábrica. A sistematização desse
conjunto é feita da seguinte forma:
• Comunicação visual geral: compreende a instalação de quadros
referentes à segurança de todos na fábrica e bom andamento da
produção de forma geral, como regras de utilização de EPIs, código de
boa convivência entre funcionários, avisos da administração, regras de
conduta para clientes e fornecedores, orientações em caso de
emergência, entre outros;
• Comunicação visual de fluxo produtivo: compreende a colocação de
tabelas de checklist ao longo do fluxo para próprio preenchimento dos
responsáveis pela execução de tarefas, cronogramas de processos,
calendários de entrega, quadros para anotação de não-conformidade,
lista de opcionais de cada embarcação, entre outros;
• Comunicação visual de armazenagem: compreende a instalação de
sistemas visuais para controle de estoque no almoxarifado;
• Comunicação visual de consulta: consiste em blocos de informações de
posse da supervisão de Produção para permitir fáceis consultas em caso
de dúvidas por parte de algum colaborador ou da própria gerência.
Compreende manuais de instalação dos componentes, especificações
dos processos padronizados, planos de laminação, entre outros. Pode
ser armazenado também de maneira digital, como por exemplo uma
compilação de fotos de um modelo acabado para que colaboradores
trabalhando na etapa de acabamento possam consultar como é o padrão
que devem atingir.
A meta da medida é facilmente orientar a todos ou rapidamente sanar dúvidas,
criando um trânsito de informações just-in-time de todos os tipos para garantir a
execução ágil e adequada de procedimentos e operações. Em essência, melhorar o
68
fluxo através da criação de um ambiente transparente em que se busca reduzir as
perdas.
4.3.13 APLICAÇÃO INCESSANTE DE CICLOS PDCA
Metodologia básica do Total Quality Management, o Ciclo PDCA é mais uma
ferramenta a ser aplicada na fábrica para melhoria contínua. Com ele, busca-se a
celeridade e aperfeiçoamento de todos os processos através do mapeamento do estado
atual de cada um na identificação dos desperdícios e/ou problemas em geral e
implementação de soluções para os mesmos.
De maneira geral, o ciclo é um método iterativo de gestão que compreende
quatro etapas para otimização de uma atividade através da solução de “problemas”.
Como mencionado no capítulo 2, PDCA é a sigla em inglês para Plan, Do, Check, Act –
planejar, executar, checar e ajustar. Seus estágios são assim detalhados:
1. Planejamento: fase em que se analisam os problemas existentes
através de sua identificação (sua origem e características), definição de
metas/objetivos da resolução e estabelecimento de um plano de ação;
2. Execução: momento de capacitar os agentes atuantes e executar o
plano de ação definido na etapa anterior, com a devida medição e registro
dos resultados;
3. Checagem: com a implantação, avaliar para verificar o funcionamento
das ações em termos das metas estabelecidas. É nessa fase que
poderão ser encontrados erros ou falhas no plano proposto;
4. Ajuste: agir assertivamente no ajuste e definição do processo atualizado,
corrigindo o que não funcionou e repetindo as soluções que se mostraram
adequadas.
De forma prática, a medida no estaleiro compreende a aplicação do método,
pelos setores responsáveis, em cada um dos processos e de forma individual, para
garantir foco e consistência. Como é importante também sempre registrar os ciclos em
uma grande planilha, de forma que a documentação constitua um valioso banco de
dados em ideias e soluções, os passos concretos devem ser planilhados na seguinte
sequência:
i. Fase Preliminar: escolha de um processo, preferivelmente a partir de
critérios de presunção de quantidade de desperdícios. Como a ideia é a
metodologia PDCA estar incluída na cultura da fábrica para sempre,
porém, não há tanta preocupação meticulosa na escolha, já que todos os
processos acabarão sendo contemplados no fim das contas.
69
ii. Fase de Mapeamento: identificação do estado atual do processo através
de análise detalhada de como é sua execução, utilizando indicadores
para mapear e mensurar os desperdícios e inconformidades
encontrados.
iii. Fase de Planejamento: entrando no ciclo de fato, o primeiro passo
consiste no estabelecimento de planos para eliminar os desperdícios que
estão sendo cometidos, conforme o que se espera atingir em termos de
metas para a organização e para o processo em questão. Quando se
estipula expectativas já num momento inicial, a coerência, a continuidade
e a precisão da execução do conjunto de elementos são, por si só,
objetivos. É interessante começar de maneira pequena e controlada, a
fim de fazer testes para verificação dos efeitos. Pode-se definir nessa
etapa mudanças na forma como as coisas são feitas, envolvimento de
mais ou menos pessoas e o uso de ferramentas acessórias. O importante
é pensar nos pequenos testes que podem ser feitos a partir dessas
resoluções antes de mirar grandes mudanças.
iv. Fase de Execução: etapa de capacitação do pessoal atuante no
processo e execução do plano de ação definido na fase anterior, com a
devida coleta de dados para utilização em etapas posteriores.
v. Fase de Verificação: momento de estudar e analisar profundamente os
resultados coletados na fase anterior. A partir deles, fazer uma apurada
comparação sobre o que foi obtido e o que era esperado na Fase de
Planejamento. As diferenças, positivas e negativas, são registradas para
fins de avaliação crítica e adequação na última etapa do ciclo.
vi. Fase de Ajuste: última etapa da metodologia, consiste em tomar todas
as medidas cabíveis para corrigir a “rota” e possíveis distorções que
tenham desviado os resultados obtidos dos esperados, determinando
suas causas e ajustando as ações referentes. Caso não haja nada a ser
aperfeiçoado, a metodologia pode ser um pouco mais detalhada, a fim de
pôr em prática possíveis melhorias no momento de repetição de uma das
fases. Normalmente nessa fase existem dois resultados possíveis: o
primeiro é aceitar que o ciclo funcionou em termos de amenização das
perdas; dessa forma, as mudanças propostas devem ser implementadas
e enraizadas na cultura da empresa e o ciclo se encerra neste momento,
passando-se a outros processos. A segunda possibilidade é perceber
que os planos propostos não resolveram de maneira satisfatória os
70
desperdícios mapeados. Nesse caso, o ciclo deve ser repetido para o
mesmo processo, com a elaboração de diferente plano de ação.
Cada vez que um problema é identificado e solucionado, o processo trabalhado
pelo Ciclo PDCA passa para um novo patamar de qualidade, uma vez que as perdas
que antes afligiam o processo em questão são continuamente reduzidas a cada volta.
Com isso, a ferramenta proporciona, de forma qualitativa, melhorias substanciais nas
atividades da fábrica. É importante lembrar que não há fim em sua aplicação; o novo
processo, que teve por base as ações corretivas de um primeiro ciclo, pode sempre ser
novamente aprimorado em busca da excelência, não por causa de novas ações mais
específicas e aprofundadas mas também porque o conceito de valor, e
consequentemente de Qualidade, ao ser puxado pelo cliente (mercado consumidor),
está em constante transformação.
4.3.14 ANÁLISE DE MODOS DE FALHA E EFEITOS (FMEA)
Análise de modos de falha e seus efeitos, em inglês Failure Mode and Effect
Analysis (FMEA), é um método utilizado para prevenir falhas e analisar os riscos de um
processo, produto ou equipamento através da identificação de causas e efeitos para
esboçar ações que serão utilizadas para inibir as falhas. Modo de falha está relacionado
ao fato de como um componente pode ser levado a operar de maneira deficiente e é
formado por três elementos: efeito, causa e detecção. Efeito é a consequência que a
falha pode causar ao cliente (interno ou externo); causa é o que indica a razão da falha
ter ocorrido e detecção é a forma utilizada no controle do componente para evitar as
falhas potenciais.
A FMEA tem por objetivo identificar, delimitar e descrever as potenciais não-
conformidades (modo da falha) geradas, seus efeitos e causas, para através de ações
de prevenção poder diminuí-las ou eliminá-las. Para aplicação no estaleiro, são
definidos três tipos de componente: processo, produto e equipamento. FMEA de
Produto está relacionada aos defeitos que podem ocorrer no produto, dentro das
especificações de projeto. FMEA de Processo está relacionada aos defeitos que podem
ocorrer na execução de um processo, levando-se em consideração os atributos
característicos do produto, relacionados às especificações do projeto. Já FMEA de
Equipamento refere-se às possíveis falhas nas máquinas e ferramentas que prestam
“serviço” ao chão de fábrica, seu cliente interno.
É criada então uma grande planilha para documentação de todos os modos de
falha mapeados, sendo constantemente atualizada quando da detecção de novos
modos. O preenchimento dessa se dá da seguinte forma:
71
1. Definir o tipo de item (produto, processo ou equipamento);
2. Definir qual o item em questão, com sua respectiva função a ser analisada;
3. Definir a não-conformidade (modo de falha);
4. Identificar potenciais efeitos da falha, atribuindo a eles um relativo grau de
severidade (S) em uma escala de 1 a 10 pela probabilidade em que o cliente
(interno ou externo) identifica e é prejudicado pela falha;
5. Identificar possíveis mecanismos ou causas de origem do modo de falha,
atribuindo a eles um relativo grau de ocorrência (O) em uma escala de 1 a
10 pela probabilidade de a causa existir e provocá-lo;
6. Identificar os atuais meios de detecção da falha, atribuindo a eles um relativo
grau de detecção (D) em uma escala de 1 a 10 pela probabilidade da falha
ser detectada antes do produto chegar ao cliente.
Figura 36 - Classificação dos graus para cada modo de falha
7. Calcular o respectivo índice de risco de cada combinação efeito-causa-meio
de detecção através da fórmula:
𝑹𝑰𝑺𝑪𝑶 = 𝑆 × 𝑂 × 𝐷
Equação 1 - Fórmula para obtenção do risco associado a cada combinação dos modos de falha
É com esse valor de risco que se faz o direcionamento das tratativas que cada
modo de falha receberá;
8. Recomendar ações para redução dos índices de risco, definindo responsável
pela sua implementação e prazo final para obtenção dos resultados e
recálculo dos graus. Além disso, todas as ações devem ser monitoradas
periodicamente a fim de avaliar continuamente o desenvolvimento e medir a
eficácia do plano.
A planilha fica com o seguinte formato básico:
Severidade do Efeito (S) Ocorrência de Causa (O) Controle de Detecção (D)
1 Efeito não detectável no sistema Chance remota de falha Detecção quase certa
2 Frequência muito baixa Probabilidade muito alta de detecção
3 Pouco frequente Alta probabilidade de detecção
4 Frequência baixa Moderadamente alta probabibilidade de detecção
5 Frequência ocasional Moderada probabilidade de detecção
6 Frequência moderada Baixa probabilidade de detecção
7 Frequente Probabilidade muito baixa de detecção
8 Frequência elevada Probabilidade remota de detecção
9 Frequência muito elevada Probabilidade muito remota de detecção
10 Frequência máxima Não é possível detectar
Severidade moderada: cliente
insatisfeito
Severidade alta com alta
insatisfação do cliente
Severidade muito alta: risco
potencial de segurança e problemas
graves de não-conformidades
Baixa severidade, causando
aborrecimento leve no cliente
Critérios do Modo de FalhaGrau
72
Figura 37 - Exemplo de preenchimento da Planilha FMEA
O principal objetivo dessa medida é identificar potenciais modos de falha de
forma a avaliar o risco associado a eles, para que sejam classificados em termos de
importância e assim priorizados para receber ações corretivas com o intuito de reduzir
as não-conformidades. A criação desse documento “vivo” também se integra a outras
atividades de melhoria contínua, como por exemplo a aplicação dos ciclos PDCA.
Como benefício secundário, seu caráter orgânico forma um poderoso banco de
dados memorial do estaleiro. Ao documentar todas as ações recomendadas, as ações
tomadas e a avaliação da eficácia de seus resultados, a empresa pode fazer um
acompanhamento ativo da maturação de seus processos e produtos. Isso é
especialmente útil para os estágios de desenvolvimento de um novo processo ou
produto; tais informações permitem que os departamentos utilizem toda a experiência
acumulada para planejá-los. Quando esse tipo de sistema é cuidadosamente mantido,
os níveis de desempenho dos novos produtos, processos e equipamentos
provavelmente ultrapassarão os níveis daqueles que estão substituindo ou se
anexando, refletindo em mais Qualidade para o estaleiro.
Tipo Item/FunçãoModo de Falha
PotencialEfeito da Falha S
Causa ou Mecanismo
PotencialO
Meio de Detecção
AtualD
ÍNDICE
DE RISCOAções Recomendadas Responsável Prazo Resultado das Ações
9Furo/brecha na
estrutura9
Inspeção de
Qualidade na Etapa B5 405
Revisar os planos de laminação
do Hard Top com a BarracudaMaurício 01/05/2018
Planos OK. Revisar a execução
da Laminação do Hard Top
9Má vedação do teto
solar5
Apenas nos testes de
mar8 360
Construção de piscina de testes
no estaleiroGuillherme 31/12/2018
8Furo/brecha na
estrutura9
Inspeção de
Qualidade na Etapa B5 360
Revisar os planos de laminação
do Hard Top com a BarracudaMaurício 01/05/2018
Planos OK. Revisar a execução
da Laminação do Hard Top
8Má vedação do teto
solar5
Apenas nos testes de
mar8 320
Construção de piscina de testes
no estaleiroGuillherme 31/12/2018
6Obstrução da
tubulação7
6
Fluxo excessivo
de catalisador
Interrupção do
Processo6
ProcessoMontagem da tubulação
de ar-condicionado
GelcoateadeiraEquipamento
Sem pressão na
saída de Gel
Interrupção do
Processo
Infiltração no
Cockpit
Inundação do
Cockpit
Molhar os
tripulantes
Hard Top/Proteção
contra intempériesProduto
73
5 CONCLUSÃO
A definição e implantação real do sistema proposto através de medidas como as
expostas neste trabalho busca elevar a empresa a um nível de excelência em sua
gestão, permitindo-a firmar sua posição no mercado náutico e crescer continuamente
ao longo do tempo.
A partir de um baixo custo, em que se demanda pouco investimento de capital
financeiro, os resultados esperados associados ao aumento da Qualidade inerente são
muitos, incluindo redução de custos, aumento da moral e segurança dos funcionários,
maior produtividade, aumento da flexibilidade, maior organização, aumento da
satisfação dos clientes, entre outros.
Apesar do pequeno custo monetário, porém, o SGQ demanda um alto custo do
capital humano da empresa: o esforço de todos na melhoria contínua. Para isso, é
essencial seguir a filosofia em sua essência, desde sua base de longo prazo até a
manutenção da mentalidade de fundação e a valorização das pessoas; só com isso é
possível envolver todos os recursos humanos em sua missão: criar valor para si mesmo
e àqueles que de alguma forma participam do desenvolvimento do estaleiro.
Com o objetivo geral de propor um modelo de Gestão da Qualidade para um
estaleiro de embarcações de lazer, é possível concluir o sucesso deste trabalho em seu
cumprimento. Através da definição de uma estrutura de bases e princípios adequados
e a associação de medidas e ferramentas a esses, os resultados práticos esperados
levam ao aumento da qualidade, como o mesmo se propõe – obtido em termos de
redução de custos, melhora do fluxo de caixa, aumento da produtividade, redução de
falhas e defeitos, entre outros.
Foram devidamente descritas as sustentações teóricas para apoiar o sistema
apresentado, definindo os conceitos de qualidade e gestão, expondo um contexto
histórico associado e evidenciando porque as concepções Lean e da Qualidade Total
se mostram adequadas para utilização no setor náutico. A partir disso, são revisados os
fundamentos dessas teorias, exibindo suas principais visões, conceitos, abordagens,
metodologias, ferramentas e efeitos esperados. Os conceitos e definições encontrados
na revisão teórica enriqueceram, fundamentaram e embasaram a realização deste
trabalho de forma a consolidar os conhecimentos necessários para implementar o
Sistema de Gestão da Qualidade na empresa.
Para ajuste do sistema à realidade da empresa em questão, o estaleiro teve seu
cenário atual compreendido de maneira apropriada. Foram detalhadas suas
informações principais, estrutura organizacional, arranjo físico e fluxo de valor. Os
74
processos produtivos foram caracterizados tomando como base o produto mais
importante do portfólio, esmiuçando suas etapas de maneira clara e organizada.
A metodologia de imersão utilizada foi um sucesso como facilitadora da transição
da teoria à prática. A análise da cadeia completa de manufatura permitiu estruturar o
sistema e planejar as medidas a serem implementadas.
Por fim, é possível reiterar não só o êxito no objetivo de agregar valor e
diferenciar a empresa em estudo, como também assumir a eficácia do trabalho no
fomento de valores de produtividade e otimização do setor náutico como um todo ao
estimular o senso "engenheiro" na referida indústria.
75
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[2] DEMING, W. E. Qualidade: A Revolução da Administração. Rio de Janeiro:
Saraiva, 1990.
[3] ISHIKAWA, K. Controle de Qualidade Total: À Maneira Japonesa. Rio de Janeiro:
Campus, 1993.
[4] FEIGENBAUM, A. V. Controle da Qualidade Total v.1. São Paulo: Makron Books,
1994.
[5] TAYLOW, F. W. Princípios de Administração Científica. 8 ed. São Paulo: Atlas,
1995.
[6] FORD, H. CROWTHER, S. Minha Vida e Minha Obra. São Paulo: Monteiro Lobato,
1925.
[7] WERKEMA, M. C. C. Lean Seis Sigma – Introdução às Ferramentas do Lean
Manufacturing. 1 ed. Belo Horizonte: Werkema, 2006.
[8] LONGO, R. M. J. A revolução da qualidade total: histórico e modelo gerencial.
Brasília: IPEA, 1994
[9] JURAN, J. M. Quality Control Handbook. New York: McGraw-Hill, 1951.
[10] LIKER, J. K. O Modelo Toyota. Porto Alegre: Bookman, 2005.
[11] WOMACK, J. P., JONES, D., ROOS, D. The Machine That Changed the World:
The Story of Lean Production. New York: Harper Perennial, 1991.
[12] RADNOR, Z. “Changing to a Lean Organisation: The Case of Chemicals Company”,
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pp. 444-454, 2000.
76
[13] BOADEN, R. J. “What is total quality management... and does it matter?”, Total
Quality Management & Business Excellence v. 8, n. 4, pp. 153-171, 1997.
[14] DALE, B. G. Managing Quality. 3 ed. Oxford: Blackwell Publishers, 1999.
[15] SHAH, R., WARD, P. T. “Defining and Developing Measures of Lean Production”,
Journal of Operations Management v. 25, n. 4, pp. 785-805, 2007.
[16] OHNO, T. Toyota Production System: Beyond large-scale production. Portland:
Productivity Press, 1988.
[17] NATIONAL INSTITUTE OF STANDARDS AND TECHNOLOGY (U.S.). Principles
of Lean Manufacturing With Live Simulation: Student Guide. Gaithersburg, MD:
Manufacturing Extension Partnership (NIST), 2000.
[18] WOMACK, J. P., JONES, D. T. Lean Thinking: Banish waste and create wealth
in your corporation. New York: Free Press, 2003.
[19] NATIONAL INSTITUTE OF STANDARDS AND TECHNOLOGY (U.S.). Utah
Manufacturing Extension Partnership. Gaithersburg, MD: Manufacturing Extension
Partnership (NIST), 2003.
[20] ISMAIL, M. Y., HOJJATI, S. M. H. “A Study on Total Quality Management and Lean
Manufacturing: Through Lean Thinking Approach”, World Applied Sciences Journal v.
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[21] NASSEH, J. Manual de Construção de Barcos. 4 ed. Rio de Janeiro: Barracuda
Advanced Composites, 2011.
[22] ZOOK, C., ALLEN, J. The Founder’s Mentality. Boston: Harvard Business Review
Press, 2016.
[23] IMAI, M. Kaizen: The Key To Japan's Competitive Success. New York: McGraw-
Hill, 1986.
77
7 ANEXOS
ANEXO I – ETAPA A DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA)
78
ANEXO II – ETAPA B DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA)
79
ANEXO III – ETAPA C DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA)
80
ANEXO IV – ETAPA ANEXA DE PRODUÇÃO (COM LEGENDA)