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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X IMPEDIDAS: O SOM E A EXPERIÊNCIA DA INTERDIÇÃO EM OFFSIDE DE JAFAR PANAHI Pedro Silva Marra 1 Resumo: Este trabalho explora a forma como os sons são empregadas no filme Offside de Jafar Panahi a fim de possibilitar aos expectadores a experiência de interdição vivida por mulheres iranianas. Em seu trabalho com os materiais sonoros, o realizador emprega uma escrita feminina que entrelaça documentário e ficção. Como resultado, produz um cinema menor a partir do qual apresenta o indizível das restrições ao feminino em seu país natal. Palavras-chave: Gênero Feminino. Interdição. Irã. Futebol. Sonoridades. Uma das principais temáticas do realizador iraniano Jafar Panahi é as dificuldades cotidianas enfrentadas pelo gênero feminino em seu país, onde uma legislação baseada em preceitos religiosos impõe uma série de restrições às mulheres. Em Offside o diretor trata a proibição às mulheres desta nacionalidade de acompanhar partidas de futebol in loco por meio da história de um grupo feminino detido ao tentar entrar no estádio em que ocorria jogo decisivo entre Irã e Bahrain, pelas eliminatórias da Copa do Mundo 2006. Durante o filme, o espectador, assim como as protagonistas, quase não vê imagens da disputa: o foco está nas mulheres presas fora das arquibancadas e a única pista acerca do que acontece em campo são os sons da torcida. Este trabalho explora traços de escrita feminina (Branco, 1985; Branco, 1991) aquela na qual o material expressivo toma a frente com relação ao plano dos conteúdos em Offside (2007) do diretor iraniano Jafar Panahi. Analiso as formas como o filme se constitui a partir do emprego do som como matéria afetiva e estratégia narrativa, apropriando-se de uma lógica expressiva sonora mais propriamente sensível do que cognitiva sobretudo em situações de sensorialidade extrema (Daughtry, 2014) por meio da manipulação de elementos acústicos tais como: a intensidade da vibração coletiva oriunda das arquibancadas que torcem para uma partida que não se vê, o timbre, colocação e tonalidade da voz das personagens. Assim, o diretor apresenta o indizível: o amor das mulheres pelo esporte e as interdições ao gênero feminino no país, em um cinema menor que entrelaça ficção e documentário, no qual atoras não profissionais encenam situações que evidenciam seus artifícios para resistir e burlar tais interdições. Neste jogo entre sonoridades e (falta das) imagens, o expectador experiencia o político a partir das afecções e trajetórias subjetivas destas mulheres. Para realizar tal discussão, inicialmente relaciono as ideias de sonoridade, cinema menor e 1 Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail para contato: [email protected]

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

IMPEDIDAS: O SOM E A EXPERIÊNCIA DA INTERDIÇÃO EM OFFSIDE DE JAFAR

PANAHI

Pedro Silva Marra1

Resumo: Este trabalho explora a forma como os sons são empregadas no filme Offside de Jafar

Panahi a fim de possibilitar aos expectadores a experiência de interdição vivida por mulheres

iranianas. Em seu trabalho com os materiais sonoros, o realizador emprega uma escrita feminina

que entrelaça documentário e ficção. Como resultado, produz um cinema menor a partir do qual

apresenta o indizível das restrições ao feminino em seu país natal.

Palavras-chave: Gênero Feminino. Interdição. Irã. Futebol. Sonoridades.

Uma das principais temáticas do realizador iraniano Jafar Panahi é as dificuldades cotidianas

enfrentadas pelo gênero feminino em seu país, onde uma legislação baseada em preceitos religiosos

impõe uma série de restrições às mulheres. Em Offside o diretor trata a proibição às mulheres desta

nacionalidade de acompanhar partidas de futebol in loco por meio da história de um grupo feminino

detido ao tentar entrar no estádio em que ocorria jogo decisivo entre Irã e Bahrain, pelas eliminatórias

da Copa do Mundo 2006. Durante o filme, o espectador, assim como as protagonistas, quase não vê

imagens da disputa: o foco está nas mulheres presas fora das arquibancadas e a única pista acerca do

que acontece em campo são os sons da torcida.

Este trabalho explora traços de escrita feminina (Branco, 1985; Branco, 1991) – aquela na qual o

material expressivo toma a frente com relação ao plano dos conteúdos – em Offside (2007) do diretor

iraniano Jafar Panahi. Analiso as formas como o filme se constitui a partir do emprego do som como

matéria afetiva e estratégia narrativa, apropriando-se de uma lógica expressiva sonora – mais

propriamente sensível do que cognitiva sobretudo em situações de sensorialidade extrema (Daughtry,

2014) – por meio da manipulação de elementos acústicos tais como: a intensidade da vibração coletiva

oriunda das arquibancadas que torcem para uma partida que não se vê, o timbre, colocação e

tonalidade da voz das personagens. Assim, o diretor apresenta o indizível: o amor das mulheres pelo

esporte e as interdições ao gênero feminino no país, em um cinema menor que entrelaça ficção e

documentário, no qual atoras não profissionais encenam situações que evidenciam seus artifícios para

resistir e burlar tais interdições. Neste jogo entre sonoridades e (falta das) imagens, o expectador

experiencia o político a partir das afecções e trajetórias subjetivas destas mulheres.

Para realizar tal discussão, inicialmente relaciono as ideias de sonoridade, cinema menor e

1 Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail

para contato: [email protected]

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escrita feminina, a partir do indício de que o trabalho cinematográfico com os sons historicamente

apresenta e mantém um aspecto hierarquicamente mais baixo, ainda que omnipresente. O foco no som

como estratégia narrativa e afetiva dos filmes, portanto, pode apresentar-se como um dentre vários

caminhos a partir dos quais se produz um cinema menor, de escrita feminina. Em seguida, apresento

especificidades de uma lógica expressiva eminentemente sonora, sobretudo em situações de

sensorialidade extrema, na qual os aspectos sensíveis do mundo sônico se sobrepõem a sua potência

produtora de sentidos. Este breve estudo servirá de base para a análise do filme Offside, a partir da qual

reflito sobre as possibilidade do cinema oferecer uma experiência das condições de interdição a que

estão submetidas as mulheres no Irã e sobre a questão de tal experiência ser proporcionada por um

realizador de gênero masculino.

Sonoridades, cinema menor, escrita feminina:

Desde a publicação do artigo Quatro falácias e meia de autoria de Rick Altman (1992),

percebe-se um incremento no interesse sobre a temática da sonoridade por parte do campo de

estudos de cinema2. Contudo, o som do filme mantém-se como um aspecto cinematográfico menor,

seja nos contextos da produção audiovisual, crítica, ou acadêmica. Nesta primeira instância, é

comum encontrar profissionais que reivindicam maior reconhecimento de seu fazer: ao questionar

porque são chamados de técnicos de som enquanto os responsáveis pela confecção das imagens são

denominados diretor de fotografia, de arte, de produção, põem em causa hierarquias de saber entre

as diferentes práticas envolvidas na realização de um filme. Tais assimetrias permitem, por

exemplo, que um fotógrafo recuse a realização de uma tomada pela falta de luz natural, mas impede

que o técnico de som tome a mesma atitude pelo excesso de vento em uma locação. Nos outros dois

campos, encontramos análises fílmicas que focam o som do filme e que se obrigam a relacioná-los

com as imagens que se exibem simultaneamente. No entanto, nem sempre os trabalhos que focam

os aspectos imagéticos se impõem uma obrigação simétrica.

Estes indícios apontam para o som como um elemento expressivo menor na língua maior

cinematográfica, (Deleuze e Guattari, 2003, 38) não no sentido de diminuir sua potência como

elemento material produtor de sensorialidades e sentidos neste meio, mas naquele político que

remete a assimetrias de poder no interior de um campo de fazer ou de conhecimento. Deleuze e

Guattari explicam que uma literatura menor se faz sobre três categorias: a desterritorialização da

2 A criação de espaços de debate acadêmico dedicados à discussão do som em eventos como a Socine apontam tal

tendência.

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linguagem, a ligação do individual com o imediato político e o agenciamento coletivo de

enunciação. A primeira destas características remete aos percalços e limitações enfrentadas por uma

minoria ao se expressar, o que remete à impossibilidade da escrita. Altman (1992) afirma que uma

das falácias em torno da relação entre som e imagem na linguagem cinematográfica gira em torno

de uma pretensa ontologia do meio que favorece esta em relação àquele. Assim, cinema sem som

continuaria cinema, ao passo que cinema sem imagem torna-se radiofonia ou fonografia. A

persistência desta assertiva no imaginário de realizadores e público não só produz uma atenção

reduzida aos aspectos sônicos do filme, mas também contribui para que os cineastas apresentem

dificuldades em conferir certo protagonismo à sonoridade de sua obra. Filmar com sons, dar a eles o

mesmo status conferido às imagens, portanto, remete à impossibilidade de filmar em si.

A segunda categoria definidora de uma literatura menor implica que nela “todas as questões

individuais estejam imediatamente ligadas à política. A questão individual, ampliada ao

microscópio, torna-se muito mais necessária, indispensável, porque uma outra história se agita no

seu interior” (Deleuze e Guattari, 2003, 39). Desta forma, conflitos internos remetem diretamente a

assimetrias da ordem de opressões estruturais e expressar tais dimensões íntimas implica em

necessariamente discutir esferas coletivas que cerceiam as potencialidades daquele que enuncia tais

restrições. Finalmente, a última característica – que me parece uma contrapartida da anterior – liga-

se a um sujeito coletivo que se articula a partir da fala de uma personagem singular, de tal forma

que aquilo que diz não remete a uma questão individual, mas a algo que se apresenta como

condição comum a um grupo minoritário a qual o enunciador se associa. Deleuze e Guattari

exemplificam esta característica a partir de personagens de contos de Kafka que a todo momento

renunciam à individualidade em favor de fundir-se a uma comunidade fragilizada.

No cinema, algumas sonoridades dominantes são os textos enunciados pelas personagens, os

ruídos que ambientam um espaço ou apontam a presença de objetos dentro ou fora de cena, ou a

trilha sonora – diegética ou não diegética – que silencia todos os outros sons e carrega

emocionalmente uma sequência. Tal recurso, no entanto parece subordinado à imagem, na medida

em que apontam para elementos que se vê ou que se quer revelar em quadro. Assim, as falas colam-

se à corporalidade dos atores que mexem a boca, ao mesmo tempo em que costumam vincular-se ao

desenvolvimento da narrativa em si ou a explicar o que acontece na história. Os sons dos lugares e

dos objetos objetivam conferir veracidade à imagem ou indicar a importância de algo que

desencadeia a ação visível dos personagens. A música em primeiro plano pretende intensificar um

estado emocional já perceptível no corpo em cena que ri, chora ou dança. Este é o lugar que a

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linguagem cinematográfica maior costuma destinar às sonoridades. Em um outro plano de escuta,

no entanto, tomam a frente timbres e colocação de vozes e das sonoridades de lugares – incluindo

música. Neste regime audível, as sonoridades se singularizam umas frente às outras, tomam uma

outra dimensão, na qual não apenas completam o registro audiovisual, mas – em conjunto e em pé

de igualdade com aquilo que é visível - o constitui. Nestes casos, o foco desloca-se do sentido do

som para seus aspectos mais sensíveis, que permitem distinguir neles uma individualidade.

É nesta dimensão que podemos pensar a forma como as sonoridades podem ser empregadas

em uma língua cinematográfica menor. Ao dar ênfase a diferenças tímbricas e de tonalidades de

vozes e objetos, a reverberações distintas de lugares espacialmente diversos o realizador não só

individualiza os corpos que vibram, mas os coloca em relação. Tal procedimento insere neles

marcas estruturais que os localizam em relações de poder. Tomados em primeiro plano, o caráter

gutural do grito do agressor ou o registro agudo e até esganiçado do choro da vítima; o som magro

de um rádio de pilha ou cheio e imersivo de um fone de ouvido de qualidade; o farfalhar do vento

ou o marulho oceânico que distinguem um local tornam-se personagens do filme que escancaram as

assimetrias de poder em jogo nas relações em cena. Este trabalho sônico inscrito na película

encontra possibilidades de ressoar no corpo dos espectadores, evidenciando a natureza vibratória do

mundo sonoro, repleto de sinais que comunicam o movimento de um corpo (Wisnik, 1989) a

outros. Ao produzir tais vibrações em simpatia, harmonizações, sincronias ou disrupções, o som

atua diretamente sobre os corpos de quem experiencia este cinema produzindo um agenciamento

coletivo ao qual filme e público se agregam em bloco.

Em uma análise sobre o papel de gritos em filmes de horror e thriller psicológicos, Mary

Thompson discute como estes sons – sejam aqueles emitidos pelas personagens, sejam aqueles não

diegéticos ou sonoridades outras que os simulam – criam tanto estados de grande intensidade

afetiva quanto de catarse. Enquanto o primeiro caso cria uma continuidade entre o filme e os

expectadores, “o terror da vítima e o terror da narrativa tornam-se indiscerníveis do terror sentido

pelo espectador” (Thompson, 2013, 157), os segundos

não são uma expressão de um estado afetivo de um sujeito retratado; eles não pertencem a

alguém em particular. Estes gritos ou simulações-de-gritos também não são expressivos de

qualquer afecção particular, qualificada – elas nos permitem inferir o que poderia ter as

causado. Nem é tampouco que estas simulações de gritos soem como um grito humano (que

eles imitem com sucesso a forma como gritos humanos soam), mas que eles nos afetam

como gritos (THOMPSON, 2013, p. 158).

Deleuze e Guattari destacam ainda como – a partir da obra de Kafka – certa ênfase na

música como material sonoro, ao invés de conteúdo semiótico, produz desterritorialização “que

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escapa à significação, à composição, ao canto à palavra, sonoridade em ruptura a fim de escapar a

uma sujeição ainda demasiado significante. No som, só conta a intensidade em geral monótona,

sempre insignificante” (Deleuze, 2003, 23). Tal foco nos aspectos sensíveis da audição possui a

capacidade não só de carregar certos conteúdos, mas de transformar os sentidos que transporta por

combinar-se com estes elementos. Nesta dinâmica, reforçam conteúdos menos estruturados ou

formalizados ao mesmo tempo que desestabilizam aqueles mais rígidos. Na linguagem audiovisual,

esta propriedade de um foco à sensorialidade sonora abre a possibilidade de pensar os sons como

mediação entre as idéias de um cinema menor e de escrita feminina. Lúcia Castelo Branco ressalta

que um “percurso pela materialidade da palavra, que procura fazer do signo a própria coisa e não

uma representação da coisa, é típico da escrita feminina” (Branco, 1991, 21). Para a autora, tal tipo

de escritura não se restringe àquela que é praticada por mulheres, muito embora esteja

constantemente relacionada ao gênero feminino. O que importa é a ênfase no “como se diz” ao

invés do “que se diz”. Tal foco traz a frente do sentido, a voz ou o som; a frente do signo, a coisa.

Neste processo, corporifica-se os elementos relacionados na linguagem e, por conseguinte, as

estruturas sociais que os enredam. Aquilo que anteriormente parecia oculto, ou que deveria

permanecer escondido evidencia-se e vem a luz. “A tentativa de dizer o indizível parece ser, de fato,

um traço recorrente da escrita feminina” (Branco, 1985, 31).

Cabe ressaltar, no entanto, que a relação entre sonoridades, escrita feminina e cinema menor

não é necessária. De um lado, o trabalho com matérias expressivas sonoras é apenas um caminho

para a aproximação entre as perspectivas dos autores aqui convocados. Outros elementos

expressivos podem ser acionados a fim de realizar uma operação teórico-metodológica semelhante.

Por outro lado, para que o primeiro termo efetivamente funcione como um mediador entre os dois

outros, torna-se necessário que seja acessado de uma maneira particular, que ressalte as

especificidades de sua lógica expressiva. Tal dinâmica passa pela compreensão de que os sons, em

certas condições muito comuns, atuam como força, suspendendo processos cognitivos em favor de

dinâmicas sensoriais e corpóreas. Nestas condições, as sonoridades apresentam sua dimensão de

signo e de produção de sentido atenuadas e suas propriedades hápticas acentuadas. Como resultado,

passam a atuar como um meio imersivo a partir do qual os corpos se tocam a distância.

Aspectos drásticos, afetos e agência dos sons

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No último trecho de seu artigo citado anteriormente, Rick Altman debate a natureza sígnica

do cinema, apontando controvérsias acerca de seu duplo caráter de ícone e índice. O autor explica

que por um lado o registro audiovisual – por realizar-se no nível técnico a partir da exposição e

consequente escritura de uma película sensível a variações luminosas para a luz e de pressão

atmosférica para o som – se dá a partir de uma conexão indexical que confere à representação

fílmica uma contiguidade direta com aquilo que se representa. Esta dinâmica produz instantâneos da

realidade. No entanto, as relações entre as qualidades das imagens e sons capturados e os próprios

objetos presentes na película são icônicas, pois encerram uma semelhança a partir das formas de

ambos. Esta última característica permite que o produto audiovisual seja posteriormente

“melhorado” ou “embelezado”, a partir do realce de cores, formas das imagens ou de intensidade,

timbres e reverberações dos sons capturados.

Altman explica que apesar de tais possibilidades estarem presentes para o cinema desde seus

primórdios – seja a partir da colorização de películas em preto e branco, seja pela forma como o

cinema “mudo” abordava os sons – uma série de críticos influentes condenaram as relações icônicas

do filme em favor de sua natureza indexical. O principal argumento em jogo nesta controvérsia

indicava que o realce das imagens constituía um artifício, no sentido de farsa: alterar posteriormente

o material registrado constituiria uma trapaça que falsearia a relação entre o cinema e a realidade

representada. No entanto, nos meios fonográficos e radiofônicos tais operações de realce sempre

foram acessadas e até mesmo desejadas, como forma de conferir clareza sonora e, por conseguinte,

produzir uma maior fidelidade às vibrações registradas (Sterne, 2003; Devine, 2013). Tais

melhoramentos, contudo, não significam necessariamente uma maior proximidade do registro a

uma verdade objetiva, mas a um efeito de realidade baseado em sonoridades hiperrealistas, e por

isso, imersivas e capazes de embalar os corpos dos ouvintes. No mundo sonoro, percebemos estas

dinâmicas no corpo que dança – como se estivesse em transe – na boate ou no grande concerto

musical de arena.

No cinema, esta situação de sensorialidade sonora extrema realça aquele caráter de

percepção coletiva onírica ou psicótica que Benjamin (2008, 190) atribui à câmera. Não se trata

portanto de estar diante de uma representação de uma realidade ausente, mas de colocar-se imerso

na apresentação de um outro mundo que se faz presente na sala de exibição. O que Rick Altman

perde com sua crítica à meia falácia de que o filme é um registro do real é que tal desconexão com a

realidade promovida pelos meios digitais de pós-produção não necessariamente dessacraliza o

cinema. Pelo contrário, apresenta a possibilidade de ressacralizá-lo em outra chave, na medida em

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que cria novos mundos que são experienciados como reais durante a exibição, independente do grau

de proximidade que mantêm com o as realidades vividas.

Tal poder das sonoridades evidencia-se quando passamos a privilegiar suas características

de força vibratória, como potência de se agir diretamente sobre os corpos de outros agentes; em

detrimento de seu emprego como signo. Martin Daughtry aponta este caminho em estudo sobre os

sons da guerra no qual ressalta que neste contexto os “estímulos sensórios atacam corpos embebidos

em adrenalina, criando estados afetivos extremos de intensidade e vulnerabilidade, estímulo e

degradação, agressão e medo” (Daughtry, 2014, 25). O autor argumenta que as vibrações sônicas

apresentam um duplo caráter de força e de signo a qual correspondem recepções gnósticas ou

cognitivas e drásticas ou hápticas. Assim, além de produzir sentidos, o mundo sonoro produz

impacto sobre os corpos, já que o som tem tamanho ao ocupar um espaço equivalente à área em que

é escutado; possui massa na medida em que é percebido não só pelos ouvidos mas também na pele

numa interface entre o audível e o tátil, sobretudo no que diz respeito às frequências graves; bem

como apresenta tanto direcionalidade – objetivando um alvo – quanto omnidrecionalidade –

voltando-se também a seu emissor. Neste sentido, algo que soa sempre pressupõe alguém que

escuta e vibra em simpatia, de acordo não só com aquilo que se delineia pelas sonoridades em

questão, mas também com a disponibilidade corporal dos sujeitos imersos em uma cultura.

Simetricamente, a audição envolve ela também a produção de vibrações sonoras em uníssono, em

consonância ou em reação àquilo que se ouve.

Em contextos sensíveis e audíveis extremos, como a guerra – com seus sons repentinos e

muito intensos em meio ao silêncio do campo de batalha –, eventos esportivos – onde multidões

produzem uma sonoridade intensa e incessante –, ou o cinema – no qual o expectador se encontra

em estado de repouso em sala escura, rodeado de caixas de som que ressoam em dinâmicas que vão

do pianíssimo do farfalhar de paisagens naturais ao fortíssimo de explosões – tais propriedades

hápticas tomam a frente em relação ao aspecto cognitivo dos sons pois são “direcionados aos corpos

o que lhes revela como frágeis e vulneráveis à violência com as quais ressoam” (Daughtry, 2014, p.

32). Nestas situações, as sonoridades colonizam os corpos tornando-se capazes de suspender a

racionalidade dos agentes e modular suas ações de acordo com aquilo que suas características

acústicas delineiam. Tal estado de exasperação auditiva ativa também a memória, possivelmente

retornando posteriormente quando sonoridades semelhantes são novamente acessadas. Pensar as

sonoridades nestes termos aponta para um quadro teórico que lida com o som como afeto no qual os

corpos imprimem e deixam-se imprimir efeitos uns pelos outros (Thompson e Biddle, 2013, 9) a

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partir de afinidades que se desenrolam entre os planos físico-químico, biológico e cultural. Neste

quadro de referencia teórico, torna-se necessário interrogar-se não mais sobre o que um som

significa, mas o que um som faz. As sonoridades possuem agência na medida em que “provêm

parâmetros (estilísticos, físicos, convencionais) que são utilizados para enquadrar dimensões da

experiência (interpretação, percepção, avaliação, comportamento, sentimento, energia)” (DeNora,

2000, 27).

Vozes femininas, sons extremos das arquibancadas

O primeiro aspecto sonoro a se notar na construção da interdição feminina em Offside é a

forma como as mulheres que tentam adentrar o estádio onde acontece o jogo entre Irã e Bahrein,

válido pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, são identificadas pela

qualidade tímbrica de suas vozes. O filme inicia-se com um senhor fora do ônibus que procura a

filha que havia fugido da escola para tentar entrar na partida. Ele entra no veículo que logo cruza

com outro, onde um rapaz percebe um torcedor diferente dos demais. Vestido com roupas

masculinas largas e um boné preto que cobrem todo o corpo e escondem seus contornos, este

passageiro não canta, ao contrário dos outros presentes. O jovem então, percebe que trata-se de uma

garota disfarçada que tentará burlar o bloqueio policial – seu silêncio a denuncia.

A câmera acompanha a menina em sua jornada quando chegam finalmente ao estádio. Ela

segue então em busca de ingressos para o jogo e logo percebe-se porque ela permanecia muda

durante o trajeto: ao encontrar um cambista e pedir a ele as entradas, o vendedor percebe que trata-

se de uma mulher pelo timbre de voz. Contrariado, o homem vende à garota os bilhetes por um

preço muito acima do cobrado de outros torcedores homens. Ele teme ser descoberto e detido pela

polícia. A torcedora parte então para sua tentativa de adentrar as arquibancadas. Busca um caminho

pelo qual cruzará com menos soldados. No percurso, observa os artifícios utilizados por outras

mulheres para enganar a vigilância. Algumas conseguem. A personagem que acompanhamos desde

o princípio do filme, contudo, não. Ao ser abordada por oficiais que a revistariam, a garota paralisa

e pede, com sua voz feminina que os homens não a toquem. Ela tenta fugir em vão, é detida e

encaminhada para uma área de acesso às arquibancadas onde outras garotas também estão presas.

Todas as mulheres presas até o momento possuem timbre agudo. Além disso conversam em

um tom de voz arrebatado, choroso ou de lamentação. Inclusive, todas as vezes que a garota que

toma a cena no início da película fala, este traço está presente em sua performance vocal. As vozes

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femininas contrastam com as dos policiais, que não são necessariamente graves: apresentam um

registro médio agudo e uma colocação anasalada e gritada que lhes confere uma certa agressividade

aos ouvidos – os policiais parecem ao mesmo tempo brutos, débeis e imbecilizados. Surge então

uma nova detenta que caminha com passos firmes e irônicos. Sua voz está no mesmo registro de

frequências que os dos soldados, mas ela carrega uma colocação irônica e sarcástica. Tanto que o

guarda que vigia as moças presas inicialmente não reconhece nela uma mulher.

Em ensaio sobre a questão do gênero do som, Anne Carson (1992), a partir de exemplos

variados extraídos da literatura universal, de casos clínicos psicanalíticos e da mitologia grega e

romana, desenvolve a ideia de que é possível extrair julgamentos acerca das pessoas a partir do som

que produzem. Assim, a qualidade e o uso da voz permitem identificar traços de caráter e sanidade

dos sujeitos, mas sobretudo de seu gênero. A autora afirma que enquanto as vozes masculinas

possuem a virtude da sophorosyne, caracterizada por prudência, moderação, temperança e auto-

controle; as vozes femininas só apresentam tais características quando manifestam obediência ao

masculino. Caso contrário, denotam um caráter monstruoso e exaltado, manifesto como choro e

timbres estridentes. Esta dicotomia vocal expressa nos aspectos sensíveis das sonoridades que

carregam as palavras materializam em vibrações as restrições e interdições que sofrem as mulheres

em uma sociedade eminentemente machista e heteronormativa como a iraniana. Aqui, “parece que a

voz mantêm-se no eixo de nossos laços sociais, e que as vozes são a textura mesma do social, assim

como o núcleo da subjetividade” (Dolar, 2006, 14).

Noto, no entanto, que a presença de uma personagem feminina que não fala como mulher

não só borra a normatividade de gênero exposta no filme, mas remete ao próprio estado de espírito

destas mulheres que enfrentam um momento que as deixa a flor da pele: burlar leis injustas do país,

ser pega em flagrante em seu delito, encontrar-se tão perto de seu objetivo, sem contudo concretizá-

lo. As garotas detidas localizam-se em um cercado em um anel de acesso às arquibancadas.

Privadas de assistir ao jogo, elas ainda assim escutam a vibração dos torcedores – volumosa, pesada

e enorme – que vem da área adjacente. Este fato as deixa curiosas e ansiosas em saber o que se

passa dentro de campo. Assim, a sensorialidade extrema da multidão que grita, canta e torce com

sonoridades muito intensas aguça ainda mais o timbre estridente e o tom melancólico excessivo de

suas vozes. Este fato evidencia ao expectador que as meninas falam com estas características

sônicas não porque seu gênero assim determina, mas porque a situação pede.

O caráter excessivo das vozes das garotas é dirigido aos policiais e os irrita; as vozes destes

tornam-se também cada vez mais exacerbadas nas características sônicas que lhes confere

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agressividade. A fim de calá-las, os oficiais começam a ceder a algumas das vontades das

prisioneiras. Primeiro começam a narrar os eventos em campo, depois de as mulheres pedirem

insistentemente para saber como a partida se desenrolava. Depois, uma das meninas demanda ir ao

banheiro, em tom de voz choroso e desesperado. Um dos soldados a conduz pelas arquibancadas

trajando uma máscara feita a partir do pôster de um jogador da seleção iraniana. O oficial tenta

evitar que torcedores homens percebam a presença de uma mulher no toalete e por isso se distrai. A

torcedora, assim, aproveita a oportunidade e escapa com o auxílio dos outros homens para se perder

na multidão presente no estádio. O soldado volta sozinho para o local onde se encontrava

anteriormente e é repreendido por outro. No entanto, leal, a garota retorna depois de alguns minutos

para evitar que os policiais fossem punidos.

Em seguida um veículo aparece para remover as prisioneiras para a sede da Patrulha do

Vício, como forma de punição. Um garoto também é transportado, sob a acusação de trazer consigo

bombinhas e fogos de artifício. No caminho, as prisioneiras, visando acompanhar o final da partida,

dirigem uma verdadeira algazarra aos soldados para fazê-los ligar o rádio. Um dos oficiais cede

novamente aos desejos das garotas e se esforça em consertar o aparelho defeituoso segurando sua

antena em uma posição determinada. Atentas ao desenrolar do jogo, as mulheres abaixam o tom e

se acalmam. Quando a disputa termina e o Irã se vê classificado para a Copa do Mundo seguinte, o

veículo se vê preso pela multidão ruidosa que sai às ruas para festejar. Contagiados pelo ruído

celebratório intenso os soldados e as prisioneiras deixam a viatura e juntam-se à comemoração.

O que se percebe nestas passagens acima descritas é como o ânimo das prisioneiras é

modulado pelas intensidades e vibrações coletivas extremas produzidas pela prática esportiva.

Enquanto prevalecem características sensórias extremas em tais sonoridades – o imenso, volumoso

e pesado som da multidão no estádio e na celebração final –, as prisioneiras são arrebatadas por

afetos incontroláveis agenciados pelo esporte e soam também de maneira exacerbada. Assim que

aspectos cognitivos dominam as sonoridades – a voz do soldado e o som do rádio narrando o jogo –

as mulheres se acalmam. No entanto, esta dinâmica sônica não se configura como uma estratégia

masculina para silenciar as mulheres. Pelo contrário, é a voz exaltada feminina dirigida aos

soldados que funciona como uma arma e artifício para a conquista daquilo que as mulheres

pretendiam. Aqui o que opera não é a voz sedutora da sereia a ludibriar homens virtuosos, mas a

voz desmedida e coletiva de “monstruosas” garotas em grande estado de excitação a dobrar

soldados embrutecidos e imbecilizados. As sonoridades, portanto, agenciam tais embates e vitórias.

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Considerações Finais: Um duplo impedimento

Por meio do trabalho sonoro de Offside, o cinema proporciona a possibilidade de acessarmos

a experiência de interdição vivida pelas mulheres iranianas. Junto a elas, somos impedidos de

acompanhar a partida de futebol que está disponível ao expectador somente a partir dos sons da

arquibancada que nos chegam volumosos, enormes e pesados. Importante notar que uma das

justificativas dos policiais para a proibição de mulheres no estádio é a quantidade de insultos e

palavrões ali proferidos. Contudo, o que as arrasta para a partida, as aflige com relação ao resultado

e as iguala aos torcedores homens é a intensidade sônica da multidão e não o conteúdo daquilo que

é proferido. Suas súplicas chorosas por poder assistir a partida recolocam o público nesta

experiência de impedimento, não importa o partido que tomemos. Tomados pela ansiedade das

torcedoras detidas, somos também interditados de acompanhar o que se desenrola em campo.

Irritados com a voz aguda, estridente e sentimental das garotas, os expectadores compactuam com

os policiais e também interditam o futebol às torcedoras daquele país. Assim, o dispositivo fílmico

insere o público no centro mesmo da lei machista do país do Oriente Médio e exige dele um

posicionamento que se dá no campo da afetividade.

Finalmente, uma outra questão se coloca neste momento: pode um filme dirigido por um

homem proporcionar uma experiência eminentemente feminina? Um resposta positiva fácil poderia

ser obtida se levamos em conta que Jafar Panahi em Offside utiliza atoras não profissionais que

possuem relações íntimas com o futebol. O realizador abre-se também para o acaso ao realizar as

filmagens durante o evento esportivo, como em um documentário com personagens fictícias3. E no

processo, cria um mundo entre o sonho e a realidade, no qual mulheres dobram homens

imbecilizados com o poder se sua voz. No entanto, preferimos focar aqui um outro impedimento às

iranianas: sua interdição de realizar filmes em seu país natal. Mulheres desta nacionalidade apenas

podem produzir audiovisual fora de seu país natal, como é o caso de Persépolis, de Marjane Satrapi

que o realiza na França. Desta forma, aquilo que poderia atentar contra o lugar de fala feminino, na

verdade explicita as especificidades restritivas da mulher iraniana a quem é vedado qualquer forma

de expressão que não seja aquela que implica obedecer ao gênero masculino. Não se trata aqui de

um homem dando voz a mulheres, mas de um dispositivo de exibição da interdição feminina em

toda a sua crueldade e misoginia.

3 Estas informações foram obtidas em entrevista com o diretor, disponível em: https://www.opendemocracy.net/arts-

Film/offside_3620.jsp. Última visualização: 5 de julho de 2017.

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WISNIK, José Miguel. O Som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia

das Letras, 1989.

Offside: sound and the experience of interdiction on a film by Jafar Panahi

Astract: This paper explores the way sounds are employed in the film Offside, by Jafar Panahi in

order to make the Iranian women experience of interdiction available to the audience. In his use of

sonic material, the film maker employs a female writing in which documentary and fiction are

intertwined. As a result, the director produces a minor cinema through which he presents what is

unspeakable: the restrictions to the feminine in his native country.

Keywords: Feminine Gender. Interdiction. Iran. Soccer. Sonorities.