impeachment é pouco
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IMPEACHMENT É POUCO
Você na rua, de novo. Que interessante. Fazia tempo que não aparecia com toda a sua família. Se me lembro
bem, a última vez foi em 1964, naquela "Marcha da família, com Deus, pela liberdade". É engraçado, mas não
sabia que você tinha guardado até mesmo os cartazes daquela época: "Vai para Cuba", "Pela intervenção
militar", "Pelo fim do comunismo". Acho que você deveria ao menos ter tentado modernizar um pouco e inventar
algumas frases novas. Sei lá, algo do tipo: "Pela privatização do ar", "Menos leis trabalhistas para a empresa do
meu pai".
Vi que seus amigos falaram que sua manifestação foi uma grande "festa da democracia", muito ordeira e sem
polícia jogando bomba de gás lacrimogêneo. E eu que achava que festas da democracia normalmente não
tinham cartazes pedindo golpe militar, ou seja, regimes que torturam, assassinam opositores, censuram e
praticam terrorismo de Estado. Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que lugar de gente que sai
pedindo golpe militar não é na rua recebendo confete da imprensa, mas na cadeia por incitação ao crime. Mas é
verdade que os tempos são outros.
Por sinal, eu queria aproveitar e parabenizar o pessoal que cuida da sua assessoria de imprensa. Realmente,
trabalho profissional. Nunca vi uma manifestação tão anunciada com antecedência, um acontecimento tão
preparado. Uma verdadeira notícia antes do fato. Depois de todo este trabalho, não tinha como dar errado.
Agora, se não se importar, tenho uma pequena sugestão. Você diz que sua manifestação é apartidária e contra
a corrupção. Daí os pedidos de impeachment contra Dilma. Mas em uma manifestação com tanta gente contra a
corrupção, fiquei procurando um cartazete sobre, por exemplo, a corrupção no metrô de São Paulo, com seus
processos milionários correndo em tribunais europeus, ou uma mera citação aos partidos de oposição, todos
eles envolvidos até a medula nos escândalos atuais, do mensalão à Petrobras, um "Fora, Alckmin", grande
timoneiro de nosso "estresse hídrico", um "Fora, Eduardo Cunha" ou "Fora, Renan", pessoas da mais alta
reputação. Nada.
Se você não colocar ao menos um cartaz, vai dar na cara de que seu "apartidarismo" é muito farsesco, que esta
história de impeachment é o velho golpe de tirar o sujeito que está na frente para deixar os operadores que
estão nos bastidores intactos fazendo os negócios de sempre. Impeachment é pouco, é cortina de fumaça para
um país que precisa da refundação radical de sua República. Mas isto eu sei que você nunca quis. Vai que o
povo resolve governar por conta própria.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.