imagens de Índios no brasil

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  • Imagens de ndios doBrasil: O Sculo XVIMANUELA CARNEIRO DA CUNHA*

    H vrios discursos sobre os ndios no sculo XVI:toda uma literatura e uma iconografa de viagens,com desdobramentos morais e filosficosfirma seus cnones ao longo do sculo; um corpus legiferante e dereflexo teolgica e jurdica elabora, passada a era do escambo, umaordenao das relaes coloniais; paralela conquista territorial, aconquista espiritual, por sua vez, se expressa sobretudo em um novognero, inaugurado pelos jesutas e destinado a obter grande sucesso:as cartas, que se fazem cada vez mais edificantes. Excepcionalmente,temos o relato de um colono, e no finzinho do sculo, o olhar curiosoda Inquisio na Bahia e em Pernambuco.

    Os ndios do Brasil so, no sculo XVI, os do espao atribudo aPortugal pelo Papa no Tratado de Tordesilhas, ele prprio incerto emseus limites, algo entre a boca do Tocantins a boca do Parnaba aonorte at So Vicente ao sul, talvez um pouco alm se incluirmos azona contestada dos Carijs. Os ndios do rio Amazonas, na pocasobretudo um rio "espanhol" , no contribuem propriamente paraa formao da imagem dos ndios do Brasil. Essa imagem ,fundamentalmente, a dos grupos de lngua Tupi e, ancilarmente,Guarani. Como em contraponto, h a figura do Aimor, Ouetaca,Tapuia, ou seja aqueles a quem os Tupi acusam de barbrie.

    Primeiros Olhares

    Os portugueses, fascinados pelo Oriente, pouco especularam sobre oNovo Mundo. Nem objeto de conhecimento ou reflexo, nem sequerainda de intensa cobia, o Brasil passou em grande parte despercebidodurante os primeiros cinqenta anos de seu contato. Cames

    *Manuela Carneiro da Cunha professora do Departamento de Antropologia da Faculdadede Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP. autora de Antropologia do Brasil - Mito,Histria e Etnicidade (So Paulo, Brasiliense/Edusp, 1986).

  • dedica-lhe quatro magros versos - evocando o pau brasil - no ltimocanto dos Lusadas (estrfe 1086, v. 138-141), publicados em 1572,e at o espanhol Ercilla falar mais dos brasileiros do que o poetaportugus. s na dcada de 1570 que Gandavo escreve seu Tratadoda Terra do Brasil (circa 1570) e sua Histria da Provncia de SantaCruz (1576),' obras provavelmente de incentivo imigrao e ainvestimentos portugueses, semelhantes s que, bem mais cedo, osingleses haviam feito para a Virgnia. No prlogo Histria daProvncia de Santa Cruz, Gandavo fala do "pouco caso que osportugueszes fizeram sempre da mesma provncia" e diz que " osestrangeiros a tem noutra estima, e sabem suas particularidades melhor emais de raiz que ns'(p.76). Todo o interesse, todo o imaginrioportugus se concentra, poca, nas ndias, enquanto espanhis,franceses, holandeses, ingleses, esto fascinados pelo Novo Mundo,cada qual alis, a partir de regies especficas: a Amrica dosEspanhis antes de tudo o Mxico e o Peru, a dos ingleses, a Flrida,e a dos franceses sobretudo o Brasil (N.Broc 1984: 159).

    A primeira carta sobre o Brasil, a belssima carta de 1500, escrita porPero Vaz de Caminha a El-Rei Dom Manuel, fica indita e soterradaat 1773 nos arquivos portugueses. So as cartas de Amrico Vespucci- as autnticas e as apcrifas - talvez por serem endereadas aLoureno de Medici e, atravs dele, ao pblico letrado europeu, quenotabilizaram a ento Terra de Vera Cruz e seus habitantes.

    Por mais exatas que sejam (e certamente so mais escrupulosas do quemuitos relatos posteriores), as primeiras cartas j se assentam emidias propagadas desde o Dirio da Primeira viagem de Colombo,elas prprias enraizadas nos relatos de viagens - reais ou imaginrias -de Marco Polo, de Mandeville, do Preste Joo: idias de Parasoterreno e de fonte da juventude sua proximidade, de Amazonas e deseus tesouros, mitos de origem medieval ou clssica que povoam oimaginrio dos "descobridores" (1), e que se insinuam nas maisverazes descries. Os viajantes vem por indcios e ouvem dos ndios,sabe-se l em que lngua, o que a Europa procura e antecipa: seusrelatos, confrontados s tradies clssicas, so por sua vezsistematizados por cosmgrafos - como Pedro Mrtir, o milans, queescreve em Sevilha - que, em pouco tempo, estabelecem um corpocannico de saber sobre o novo mundo, realimentador da observao.Tero vida particularmente longa as primeiras notcias de Colombosobre a inocncia, a docilidade, a ausncia de crenas da gente queencontrou, elaboradas, segundo Gerbi (1978(1975):27-28), para

    (1) Uma excelente anlise desses antecedentes e de sua repercusso encontra-se no livroclssico de Srgio Buarque de Holanda, Viso do Paraso (1977 (1958)).

  • convencer os Reis Catlicos da facilidade de se dominarem terras toprodigiosamente frteis e ricas de ouro e especiarias.

    A carta de Pero Vaz de Caminha , na verdade, um dirio, que registrade 22 de Abril a 10 de Maio de 1500, uma progressiva descoberta doshomens (desde o primeiro instante, no h dvida de que so homens)e das mulheres de Porto Seguro. A primeira imagem, a mesma queColombo tivera nas antilhas, de que todos vo nus e so imberbes:" homens pardos, todos nus, sem nenhuma coisa que lhes cubrisse suas

    vergonhas, traziam arcos nas mos e suas setas' (P.V.Caminha 1968(1773):21). E Caminha compraz-se em um jogo de palavras e em umaprimeira comparao, dizendo das moas que tinham " suas vergonhasto altas, to serradinhas e to limpas de cabeleiras que, de as ns muitobem olharmos, no tnhamos nenhuma vergonha" (P.V.Caminha, ibidem:36-7). E, mais adiante, dir de outra ndia que era " sua vergonha (queela no tinha) to graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra,vendo-lhe tais feies, fizera vergonha, por no terem a sua como ela"(ibidem: 40).

    A essa imagem de nudez que ser retomada, com menos talentoliterrio, por Vespucci (2), associa-se a idia de inocncia (p.25, 91),Caminha, com aparente candura, contrasta a ingenuidade comercial e aconfiana inicial destes homens que, desde o primeiro dia, se estendeme dormem no convs do navio, com a deslealdade, a cupidez e a sedede ouro e prata dos portugueses (pp.27,30,53,49,66,76). Esseshomens so formosos, gordos e sadios, como as " alimrias montesess quais f az o ar melhor pena e melhor cabelo que s mansas". Essa idiade no domesticao dessa gente que nada domestica - nem plantasnem animais - , em Caminha, to poderosa, que o leva a ignorar aagricultura dos ndios, a no dar realce s redes e jangadas quemenciona, e a presumir, s para ser desmentido no dia seguinte, queeles sequer tenham casas onde se abriguem (pp.81,59, 65-66). Gente"bestial" a ser amansada (pp.59,58,77,82), por quem Caminhanutre uma evidente simpatia e sobre a qual inaugura uma srie deduradouros e etnograficamente duvidosos lugares-comuns: no tmchefe ou principal (sequer distinguindo o capito-mor que os recebeem toda a sua pompa) (pp. 46,52,27); no tem nenhuma idolatria ouadorao (pp.90-91, 80); so uma argila moldvel, uma tabula rasa,uma pgina em branco - " e imprimir-se- com a ligeiresa neles qualquercunho, que lhes quiserem dar" (p.80). Gente, em suma, que no sujeita a

    (2)" Encontramos que la tierra estaba habitada de gente toda ella desnuda, as los hombres como lasmujeres, sin cubrirse ninguna verguenza. Son de cuerpo bien dispuestos y proporcionados, de colorblanco -Colombo dizia-os brancos tambm, mas Caminha dizia-os pardos e Vespuccihavia dito em 1500 " de color pardo y leonado" aos habitantes do caribe - de cabellosnegros y de poca o ninguna barba" (Vespucci, Carta a Lorenzo de Medici, Lisboa, outonode 1501 in L.N. d'Olwer 1963: 541).

    A primeira cartasobre o Brasil, a

    belssima carta de1500, escrita por

    Pero Vaz deCaminha a El-ReiDom Manuel, ficaindita e soterrada

    at 1773 nosarquivos

    portugueses.

  • natureza como no se sujeita a si mesma a jugo algum: gente montesa,gente " selvagem" (3).

    Vespucci era o cosmgrafo da segunda expedio, a que Dom Manuelmandou em 1501, e que percorreu a costa durante dez longos meses,do cabo So Roque at So Vicente. Conta que passou 27 diascomendo e dormindo entre os "animais racionais" da Nova Terra,e ele quem completa o inventrio bsico do que, da por diante, sedir dos ndios(4). Vespucci, que fala da sua nudez, no fala mais dasua inocncia: ao contrrio, ele quem relata pela primeira vez aantropofagia indgena. O retrato que faz paradoxal: entre si, tudotm em comum, mas vivem em guerra cruel contra seus inimigos. Asrazoes dessa guerra perptua, diz Vespucci, so misteriosas j que notm propriedade particular, j que no guerreiam para seassenhorearem de terras ou de vassalos, j que ignoram o que seja acobia, o roubo ou a ambio de reinar. Dizem eles apenas quequerem vingar a morte de seus pais e antepassados. Fica assimintroduzida a idia de uma guerra desinteressada embora bestial e deuma antropofagia de vingana e no alimentar: distino importante aque retornaremos mais adiante.

    A ausncia de propriedade e portanto de cobia e de herana soelementos novos que Vespucci acentua. E Vespucci tambm quem,pela primeira vez - resqucio do mito da fonte da juventude? - fala dalongevidade dos brasileiros: " Son gente que vive muchos ans, porquesegn sus descendencias conocimos muchos hombres que tienen hasta lacuarta generacin de nietos. No saben contar los das ni el ao ni los meses,salvo que miden el tiempo por meses lunares, y quando quierem mostrar laedad de alguna cosa lo muestran con piedras, poniendo por cada luna unapiedra, y encontr un hombre de los ms viejos que me seal con piedrashaber vivido 1700 lunas, que me parece son 130 aos, contando trece lunaspor ao" (Vespucci, Carta a Lorenzo de Mdici, Lisboa, outono de1501 in L.N.d'Olwer 1963: 542) (5). De resto, com pequenos

    (3) Caminha no usa a palavra "selvagem". O termo usado pelos franceses Thvet e Lry,e glosado por Montaigne: " ils sont sauvages, de mesme que nous appellons sauvages lesfruicts que nature, de soy et de son progres ordinaire, a produicts: l, o la vrit, ce sont ceuxque nous avons alterez par nostre artifice et detournez de l'ordre commun, que nous devrionsappeller plutost sauvages (Montaigne 1952 (1580): 234). Inverso tpica que Rousseauretomar: a selvageria no antecede a civilizao, ao contrrio, seu produto, enquantocorrupo e desvio do curso espontneo da natureza.

    (4) A palavra ndios aqui usada anacronicamente: ela parece comear a ser empregada pormeados do sculo aparentemente para designar os indgenas submetidos (seja aldeados,seja escravizados), por ocasio ao termo mais geral " gentio" que designa os indgenasindependentes. Caminha e Vespucci dizem "gente", "homens" e "mulheres". Aolongo do sculo, usar-se-o para designar as etnias os termos " geraes", " naes" e

    " linhagens". Pela metade do sculo, comear-se- tambm a empregar a expresso" negro da terra" por escravo - alm dos termos tradicionais " gentio", " brasil" e " bra-sileiro" .

    (5) At Jean de Lry (1972 (1578): 73) ainda se fala da longevidade dos brasileiros.

  • acrscimos sobre costumes matrimoniais no necessariamente corretos(mas tambm com boa descrio de casas, redes e adornos), Vespuccirepete a Caminha: essa gente no tem lei, nem f, nem rei, noobedece a ningum, cada um senhor de si mesmo. Vive secundamnaturam e no conhece a imortalidade da alma (6).

    Est assim formado o lastro de uma concepo dos brasileiros quevigorar, com poucos retoques, entre os que praticarem o escambo depau-brasil, papagaios, macacos e outras riquezas, ou seja entre osportugueses, at 1549, e entre os outros europeus, at muito maistarde. Os sucessivos navios de vrias nacionalidades e os intrpretesnormandos ou degradados portugueses aqui estabelecidos devem terconsolidado esse saber, de tal forma que, em 1519, o italiano AntonioPigafetta, de passagem na expedio de Ferno de Magalhes, fornecej algo como um "dictionnaire des ides recues" sobre o Brasil doincio do sculo XVI. Condensado, j tudo est l: brasileiros ebrasileiras vo nus, vivem at 140 anos, " no so cristos mastambm no so idolatras, porque no adoram nada" , comem a seusinimigos, tecem redes, fazem canoas, moram em grandescasas,...(A.Pigafetta 1985(1524?):57 ss.).

    somente a partir da dcada de 50 que o conhecimento do Brasil seprecisar, e agora de maneiras divergentes. Teremos duas linhasdivisrias bsicas: uma que passa entre autores ibricos, ligadosdiretamente colonizao - missionrios, administradores, moradores- e autores no ibricos ligados ao escambo, para quem os ndios somatria de reflexo muito mais que de gesto; a outra que separa,nesse perodo de intensa luta religiosa, autores usados por protestantesde autores usados por catlicos.

    Nesta ltima categoria, temos o detestvel, pedante, condescendente e- segundo o huguenote Lry - mentiroso, franciscano Andr Thvet,que afirma ter visto o que no viu, ter estado onde no esteve epreenche suas lacunas com fastidiosos e desconexos exemplos clssicospara cada uma das instituies descritas (7). Contrapondo-se a Thvet,(6) Os jesutas, por motivos teolgicos e jurdicos, prestaro grande ateno, meio sculo

    mais tarde, aos usos matrimoniais e s crenas dos ndios. Sua busca, como veremos, vaino sentido de encontrar, pelo menos em embrio, instituies ou crenas sobre .a qualpossam se assentar costumes cristos: so eles que atestam, contrariando Vespucci, acrena tupi na imortalidade da alma.

    (7) Thvet conseguiu, com tudo isso, uma consagrao invejvel: nomeado "cosmgrafodo rei", conservador do " Cabinet do rei", ou seja um museu de curiosidades, ele foicomparado por Ronsard a Ulisses, alis mais do que Ulisses, por ter visto e por terescrito o que viu: - Ainsi tu as sur luy un double d'avantige, C'est que tu as plus veu, et nousa ton voyage Escrit de ta main propre et non pas luy du sien " (apud N.Broc 1984: 153).Mas Montaigne no se ilude e publica, nos seus "Canibais", um trecho ferino prova-velmente dirigido a Thvet, preferindo-lhe seu prprio informante, o normando seuempregado que havia passado de dez a doze anos na Frana Antrtica. " Ainsi je me

  • direta ou indiretamente, temos tambm dois autores excepcionais queestiveram entre os Tupinamb mais ou menos na mesma poca, masem posies simtricas, um como inimigo destinado a ser comido,outro como aliado: o artilheiro do Hesse, Hans Staden, que viveuprisioneiro dos Tupinamb, e os descreve como inteligncia epragmatismo em livro publicado originalmente em 1557 que conheceuimediato sucesso - quatro edies em um ano -, e o calvinista Jean deLry que passa alguns meses, em 1557, com os mesmos Tupinambquando a perseguio que Villegagnon move aos huguenotes os obrigaa se instalarem em terra firme. O livro de Lery s publicado em1578, e embora o autor afirme que o redigiu em 1563, vriaspassagens atestam interpolaes posteriores a esta data. Seja como for,a edio em 1592, em Francforte, da terceira parte da Coleo deGrandes Viagens ilustrada pelo ourives, gravurista e propagandistahuguenote Theodor de Bry, que reunia os livros de Hans Staden e deJean de Lry, publicados simultneamente em alemo e em latim,consagra a influncia desses autores fundamentais. Tambmrepublicado alguns anos mais tarde por Bry, provavelmente por atestaros pssimos hbitos dos conquistadores espanhis, que chegam, entreoutras coisas,a devorar enforcados, quando a fome os aperta emBuenos Aires, est o mercenrio alemo Ulric Schmidel, que passouvinte anos perambulando pelo rio Paraguai a partir de 1537, e quefornece uma espcie de roteiro gastronmico das mltiplas etnias porque passou, entre os quais os carijs.O Teu e o MeuUm dos traos que mais ser celebrado nesse contexto sobretudo porJean de Lery , sem dvida, o da suposta ausncia de propriedadematerial e de cobia, com sua crtica explcita a sociedades movidaspelo lucro e pelo entesouramento (p.ex. J.de Lry 1972 (1578):125-126,180, 230). No que os Tupinamb no desejassem bensmateriais, e todo o comrcio baseava-se nesse desejo: simplesmenteno acumulavam, no transmitiam a herdeiros e entre si partilhavam acomida (H.Staden 1972(1557): 167, A.Thvet 1972(1558) (:144)." Tm estes Tupinambs uma condio muito boa para frades franciscanos,escrever Soares de Sousa (1971 (1587):313) que neste pontoconcorda com os autores no ibricos, porque o seu fato, e quanto tm, comum a todos os da sua casa que querem usar dele; assim das ferramentasque o que mais estimam, como das suas roupas se as tm, e do seumantimento; os quais, quando esto comendo, pode comer com eles quemquiser, ainda que seja contrrio, sem lho impedirem nem fazerem por issocarranca"

    contente de cette information, sans m "enqurir de ce les cosmographes en disent"(Montaigne1952(1580): 233-234).

  • Sem F, Sem L, Sem R

    Desde Caminha e Vespucci, e, j vulgarizada a idia, em 1515 naNova Gazeta Alem (apud S.B.de Holanda 1977(1959): 106),menciona-se com certa ambivalncia - seria o den? seria a barbrie? -a ausncia de jugo poltico e religioso entre os brasis. A idia tornar-selugar-comum ao longo do sculo (p.ex. Thvet 1978(1558): 98,), masganha com Gandavo uma forma cannica em que palavras e coisas seconfundem: "A lingua, deste gentio toda pela Costa he, huma: carece detrs letras - scilicet, no se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna deespanto, porque assi no tm F, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivemsem Justia e desordenadamente" (P.M.Gandavo 1980 (1570): 52).Uma dcada e meia mais tarde, Gabriel Soares de Sousa retoma afrmula de Gandavo com particular graa: " Faltam-lhes trs letras dasdo ABC, que so F,L,R grande ou dobrado, coisa muito para se notar;porque, se no tm F, porque no tm f em nenhuma coisa que adorem;nem nascidos entre os cristos e doutrinados pelos padres da Companhiatm f em Deus Nosso Senhor, nem tm verdade, nem lealdade e nenhumapessoa que lhes faa bem. E se no tm L na sua pronunciao, porque notm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; e cada umfaz lei a seu modo, e ao som da sua vontade; sem haver entre eles leis comque se governem, nem tm leis uns com os outros. E se no tm esta letra Rna sua pronunciao, porque no tm rei que os reja, e a quem obedeam,nem obedecem a ningum, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai (sic), ecada um vive ao som da sua vontade; para dizerem Francisco dizemPandeo, para dizerem Loureno, dizem Roreno (sic), para dizeremRodrigo dizem Rodigo (sic); e por este modo pronunciam todos os vocbulosem que entram essas trs letras"(G.S.de Sousa 1971 (1587) :302).

    Na Frana, onde os mercadores normandos continuam prosperandocom o comrcio de pau-brasil obtidos por escambo com osTupinamb, essa carncia de letras e de jugos no preocupam, mas aocontrrio fazem sonhar. Ronsard, em sua "Complainte contreFortune" de 1559, fala dessa Amrica da Idade do Ouro para ondedeseja ir.

    " O le peuple incognuErre innocemment tout farouche et tout nuD 'habis tout aussi nu qu 'il est nu de maliceQui ne cognoist les noms de vertu, ny de vice,De Snat, ni de Roy, qui vit son plaisir,Port de l "aptit de son premier dsir"

    O Brasil e os brasileiros esto l em to alta estima que, em 1550,quando o rei Henrique II e a rainha Catarina de Mdicis fazem suaentrada triunfal em Ruo, -ihes oferecida uma festa brasileira. Para a

    Colombo, ao oporos pacficos

    antilhanos aoscaribes insularesque os devoram,

    permite umaprimeira

    localizaoamericana desse

    fantasma

  • circunstncia, trezentosfigurantes, entre verdadeirosndios de trazidos Frana,marinheiros normandos eprostitutas, todos despidos moda Tupinamb,representam cenas de caa,de guerra, de amor, e at deabordagem a um navioportugus. Os choupos sopintados e carregados debananas, papagaios emacacos so soltos noarvoredo (F.Denis 1851). OBrasil o paraso terreal.

    Ces, Canibais

    Paradoxalmente, a outraimagem que se vulgariza, eque se torna emblemtica doBrasil a dos ndios comocanibais. Em 1540, porexemplo, o mapa deSebastian Munster, naGeografia de Ptolomeupublicada em Basileia, colocalaconicamente, no espaoainda largamente ignotoentre a boca do Amazonas ea boca do rio da Prata, apalavra Canibali, e a ilustracom um feixe de galhos deonde pendemuma cabea e uma perna (Schwartz e Ehrenberg 1980, p.50, pl. 18 ep.45)." So cis em se comerem e matarem" escrever Nbrega(Nbrega in Leite vol.II:321), implicitamente evocando a assimilaoque o Renascimento fez entre canibais e cinocfalos, homens comcabea de ces, como explica Rabelais no seu glossrio do QuartoLivro de Pantagruel: " Canibales, peuple monstrueux en Afrique,ayant la face comme chiens et aboyant au lieu de rire" (Rabelais1955(1552): 737). ps canibais so, na verdade, um fantasma, umaimagem, que flutua por muito tempo no imaginrio medieval semlograr ser geograficamente atribudo. Colombo, ao opor os pacficos

  • antilhanos aos caribesinsulares que os devoram,permite uma primeiralocalizao americana dessefantasma, assimilandocaribes e canibais numasinonimia que ir perdurar,no sculo XVIII, at Enciclopdia (8).Antropfagos MasNo CanibaisOs Tupi, no entanto, noso canibais, e simantropfagos: a distinoque , num primeiromomento lxica, e maistarde, quando os termos setornam sinnimos (9),semntica, crucial nosculo XVI, e ela quempermitir a exaltao dondio brasileiro. A diferena esta: canibais so genteque se alimenta de carnehumana; muito distinta asituao dos tupi quecomem seus inimigos porvingana.

    assim que Pigafettadistingue os brasileiros queso antropfagos, doscanibais, imediatamente aosul (A.Pigafetta 1985(1524?). Thvet

    que assimila canibais, caribes insulares das Antilhas e possivelmente oscaets ou os potiguaras, escreve: " Os canibais, cujas terras vo do Cabode Santo Agostinho s proximidades do Marinho, so os mais cruis edesumanos de todos os povos americanos, no passando de uma canalha

    (8) O verbete " canibais" na Grande Encyclopdie figura com a seguinte redao: " canniba-les - voyez Caraibes ou Cannibales: Sauvages insulaires de l 'Amrique qui possdent une partiedes les Antilles, tristes, rveurs, paresseux...vivant cmnmunment un sile... Ils mangent leursprisionniers rtis et en envoient les morceaus leurs amis...,

    (9) Segundo Michle Duchet (1977:38), a sinonmia entre canibais e antropfagos vulga-riza-se a partir de Montaigne. Mesmo depois de assimiladas as duas palavras, porm, adiferena que encerravam permanece, com a mesma conotao moral.

  • habituada a comer carne humana do mesmo jeito que comemos carne decarneiro, se no at com maior satisfao" (A.Thevet 1971(1558): 199).Thvet chega a declarar que os "canibais" alimentam-seexclusivamente de carne humana (A.Thevet 1978 (1558): 100). Masos Tupinamb, se comem aos inimigos, "fazem isto, no para matar afome, mas por hostilidade, por grande dio" (H.Staden: 176).

    Quanto a Amrico Vespucci, o primeiro a falar da instituio entre ostupi, uma leitura desatenta que poderia sugerir que ele esteja relatandouma antropofagia alimentar. O que ele diz, no entanto, falando dadieta variadssima dos ndios (ervas, frutas timas, muito peixe,mariscos, ostras, camares e caranguejos), que, quanto carne, porno terem cachorros que os ajudem na caa, a que mais comem carnehumana (Vespucci, Carta a Lorenzo de Medici, Lisboa, outono de1501 in L.N.d'Olwer 1963: 542). Um ano antes, em outra carta,relatando sua viagem ilha da Trinidad, Vespucci havia falado, a sim,dos canibais que vivem de carne humana (Vespucci, Carta a Lorenzo deMediei, Sevilha, 18.07.1500 in L.N.d'Olwer 1963: 43).

    A antropofagia, nisso no se enganaram os cronistas, a Instituiopor excelncia dos tupi: ao matar um inimigo, de preferncia comum golpe de tacape, no terreiro da aldeia, que o guerreiro recebenovos nomes, ganha prestgio poltico, acede ao casamento e at a umaimortalidade imediata. Todos, homens, mulheres, velhas e crianas,alm de aliados de outras aldeias, devem comer a carne do morto.Uma nica exceo a esta regra: o matador no come sua vtima.Comer o corolrio necessrio da morte no terreiro, e as duas prticasse ligam: " No se tm por vingados com os matar sino com os comer"(A.Blasquez a Loyola, Bahia, 1557 in Navarro e outros, 1988, p. 198).Morte ritual e antropofagia so o nexo das sociedades tupis (10).

    So esses canibais que conhecero com Montaigne uma consagraoduradoura. Tornam-se a m-conscincia da civilizao, seus juizesmorais, a prova de que existe uma sociedade igualitria, fraterna, emque o Meu no se distingue do Teu, ignorante do lucro e doentesouramento, em suma, a da Idade de Ouro. Suas guerrasincessantes, no movidas pelo lucro ou pela conquista territorial, sonobres e generosas. Regidos pelas leis naturais, ainda poucoabastardas, esto prximos de uma pureza original e atestam que possvel uma sociedade com " peu d'artfice et de soudeure humaine". Em uma passagem que Shakespeare retomar na sua Tempestade,

    (10) H uma extensa literatura a respeito da morte guerreira e do canibalismo Tupinamb,instituio central dessa sociedade. Para analises, vejam-se por exemplo Mtraux1967(1928), Fernandes 1963(1949), Clastres 1972, Cunha e Castro 1986.

  • Montaigne resume essas virtudes: " C 'est une nation... en laquelle iln*y a nulle espce de trafique; nulle cognoissance de lettres; nulle science desnombres; nul nom de magistrat, ny de supriorit politique; nul x usage deservice, de richesse ou de pauvret; nuls contracts; nulles successions; nulspartages; nulles occupations qu 'oysives; nul respect de parent quecommunnuls vestemens: nulle agriculture: nul mtal; nul usage de vin oude bled. Les paroles mesmes qui signifient le mensonge, la trahison, ladissimulation, I'avarice, I 'envie, la dtraction, le pardon, inouies"(Montaigne 1952(1580): 235-236) (11). At sua culinria semartifcios! Este resumo das virtudes dos canibais, com seus lapsosevidentes - a agricultura por exemplo, existe entre os Tupis (12) - no um discurso de etnlogo e sim de moralista, e como tal deve serentendido: constitui o advento de uma duradoura imagem, a doselvagem como testemunha de acusao de uma civilizao corruptorae sanguinria. No fortuito que Montaigne, no fim de seu ensaio,mencione as objees que ouviu de trs ndios brasileiros com quem orei Carlos IX (que entrava em Ruo, em 1562, aps a rebelio e asubjugao da cidade), conversou. Estranhavam que homens feitosobedecessem a uma criana - o rei. E estranhavam que existissem namesma sociedade ricos e mendigos (Montaigne, ibidem: 243-4).

    Semelhanas, DessemelhanasProcuram-se de um lado, semelhanas, continuidades. Os ndios sohumanos, ningum que os tenha visto o pe em dvida no sculoXVI: a bula de Paulo III em 1534 serve menos provavelmente paradissipar dvidas a respeito do tema do que para reivindicar a

    (11) Compara-se a verso de Shakespeare (datada de 1611), na orada de Gonzalo na"Tempestade" (ato II, cena I):

    " I 'the commonwealth I would by contrariesExecute all things; for no kind of trafficWould I admit; no name of magistrate;Letters should not be known; riches, poverty,And use of service none; contract, succession,Bourn, bound of land, tilth, vineyard, none;No use of metal, corn, or vine, or oil;No occupation; all men, idle all;And women too, but innocent and pure;No sovereignty...All things in common nature should produceWithout sweat or endeavour: treason, felonySword, pike, knife, gun or need of any engine,Would I not have; but nature should bring forth,Of its own kind, all foison, all abundance,To feed my innocent peopler."

    (12) Essa " primitivizao" do tupi, com eliminao sistemtica da referncia sua agricul-tura percorre o sculo XVI: Pero Vaz de Caminha poderia no t-la observado noscurtos dias que passou na costa, mas Vespucci e Pigafetta no a mencionam tampouco.Mais deliberadamente ainda, as gravuras com que Theodor de Bry ilustra o relato deHans Staden omitem detalhes de agricultura que figuravam nas xilogravuras em quese inspirou, como observa B.Bucher (1977:56).

  • jurisdio da Igreja sobre uma parcela do globo. Com o Novo Mundodescobre-se tambm uma Nova Humanidade. Resta o problemacrucial de inseri-la na economia divina o que implica inseri-la nagenealogia dos povos. Para isso, no h outra soluo seno a dacontinuidade, seno abrir-lhe um espao na cosmologia europia. Porque a humanidade uma s, os habitantes do Novo Mundodescendem necessariamente de Ado e Eva, e portanto de um dosfilhos de No, provavelmente do maldito, Cam, aquele que desnudouseu pai - razo, especula Nbrega, da nudez dos ndios -; comocamitas e descendentes de No, os Tupi da costa guardariam alis umavaga lembrana do dilvio - " sabem do dilvio de No, bem que noconforme a verdadeira histria" (Nbrega 1988(1549): 91) -,suficiente no entanto, para atestar sua origem (13). E por que nopoderiam ter ficado margem da Boa Nova, teriam sido visitados peloapstolo So Tom, que seria lembrado (e cujas pegadas Nbrega teriaido ver em 1549, na Bahia, gravadas na pedra) sob o nome levementedeturpado de Sum ou Zom (Nbrega 1988 (1549): 78,91,101)(14). H a, claramente, toda uma problemtica de confluncia, emque a mitologia tupi de Sum e do dilvio interpretada comovestgio, confuso e distorcido, de uma origem e de um conhecimentocomuns humanidade. A essa reciclagem do mito de Sum, j evocadadesde 1515 na Nova Gazeta Alem (15), e que visa tornar inteligvel eteologicamente aceitvel para os jesutas uma situao totalmenteindita, corresponder, por parte dos ndios, uma tentativa anloga deachar lugar para os recm-chegados em sua cosmologia,assignando-lhes inicialmente o lugar de caraibas, ou seja de profetas(Thvet 1978 (1558): 100), que Hans Staden saber usar, quandoprisioneiro dos Tupinamb, para salvar a pele.

    Por outro lado, na Frana e, mais como eco, na Inglaterra, as viagensou melhor, os relatos de viagens, daro incio a uma reflexohumanista sobre a dissemelhana. Nota-se porm que pressupostobsico, aqui tambm, uma similitude suficiente para garantir acomparabilidade: pois a reflexo renascentista muito menos umatentativa de compreender o outro do que de se ver a si mesmo " emperspectiva" , de se compreender a si mesmo em um mundo cuja(13) Sobre a lembrana e as verses do dilvio, vejam-se entre outros H.Staden 1974-

    (1557): 174, J. de Lry 1974(1578): 165-6, A.Thvet 1953(1575): 39-40,43-45.(14) O mito missionrio de Sum e, no Per, de Pay Tum, amplia-se como bem observa

    Srgio Buarque de Holanda em estudo magistral que lhe explicita as razes e os desdo-bramentos, quando passa para as colnias espanholas. No Brasil, avalia Srgio Buar-que, a histria " no passa, se tanto, de um mito vagamente propedutico" (S.B.Ho-landa 1977:125).

    (15) Esse relato (Neue Zeitung), publicado em 1515 e baseado em expedio de anoanterior, j menciona entre os brasis e a " recordao de So Tom", suas pegadas esuas cruzes, expandindo assim a lenda de So Tom, originalmente apstolo das ndiasOrientais (S.B.Holanda 1977(1959): 104 ss.).

  • ordem, com as guerras de religio, passou a ser relativa. O"selvagem" que Jean de Lry pe em cena e que um dos nicospersonagens "falantes" do sculo, por mais real que seja sua fala - ea traduo interlinear que Lry fornece do dilogo atesta suaveracidade - , nao obstante, figura de retrica, contraponto positivode todos os horrores que o huguenote perseguido que denunciar emsua Frana natal (Fr.Lestringant 1983). Shakespeare com seu infameCaliban, anagrama de canibal e to retrico quanto o Tupinamb deLry, s inverte os valores, sem inverter os personagens e cria assimum anagrama semntico ao ndio de Montaigne.

    Nos jesutas, no entanto, preocupados com a gesto das almas, adissemelhana assunto de outro tipo de reflexo, no sobre simesmo, seno sobre o estatuto do alheio. Reflexo cuidadosa de quemno se pode deixar enganar, e que imputa semelhana um carterilusrio. Iluso que provem do grande deceptor, o Demnio, que fazda semelhana um arremedo: as santidades, santos ou carabas,profetas tradicionais que assumem, no processo colonial, aspectosmilenaristas, so obra de inspirao sua (F.Cardim 1980: 87-88,Nbrega aos Pes. de Coimbra, Baa, agosto de 1549 in S.Leite vol.I:150-151). H nas santidades uma competio implcita pela lideranaespiritual e material. Mas h tambm um esforo notvel, simtrico aodos missionrios, de abranger o dissemelhante, de incorporar e tornarinteligveis os estrangeiros e suas crenas.

    Colocada sob suspeita e passada ao crivo dos valores que encerra, asemelhana passa a no ser percebida: em 1554, dois irmos daCompanhia, Pero Correia e Joo de Souza, so mortos a frechadaspelos Carijs, que teriam sido incitados por um espanhol. Os irmos,relata Anchieta de segunda mo, aceitam seu martrio com fora dealma: todos os missionrios anseiam por fecundar com seu sangue aseara de almas que est sendo plantada - o topos recorrente, porexemplo em Anchieta e em Nbrega. " No foi pequena", escreveAnchieta ao relatar a morte dos irmos a Santo Incio de Loyola, " aconsolao que recebemos de morte to gloriosa, desejando todosardentemente e pedindo a Deus com oraes contnuas morrer deste modo"(Anchieta a Loyola, So Vivente, fim de maro de 1555 in H.Viottiorg. Anchieta, Cartas. So Paulo, ed. Loyola: 98). A descrio e osanseios encontram paralelos claros na descrio da morte ideal doguerreiro Tupi. Digna do guerreiro, s a morte cerimonial nas mosdos inimigos, aps um enfrentamento em que se ressalta a dignidade ea altivez de quem vai morrer. A nica sepultura almejada o estmagodos inimigos: " At os cativos julgam que lhes sucede nisso coisa nobre edigna, deparando-se-lhes morte to gloriosa, como eles julgam, pois dizemque prprio de nimo tmido e imprprio para a guerra morrer de maneira

    Os ndios sohumanos,

    ningum que ostenha visto o pe

    em dvida nosculo XVI

  • que tenham de suportar na sepultura o peso da terra, que julgam ser muitogrande" (Anchieta a Loyola, So Paulo de Piratininga, l de Setembrode 1554, ibidem, p.74). O trecho faz parte de carta escrita porAnchieta a Santo Incio apenas 6 meses antes da outra, e a semelhanacom o martrio dos irmos jesutas chama nossa ateno, mas no a deAnchieta: mesmas cenas, mesmo nimo, mesma crena no valor de talmorte. Mas so valores diferentes, e esta diferena cega o jesuta,incapaz de perceber a estrita semelhana entre as cenas que descreve.

    O ndio dos Jesutas

    H vrios gneros na literatura jesutica do perodo,e, talvez comexceo da lrica, todos eles pedaggicos. H as cartas a que j nosreferimos, que mais do que simples relatos, so tambm assunto parareflexo e estudo na metrpole. H o catecismo de Anchieta. H oteatro, ainda de Anchieta, que pretende fornecer ao ndio uma novaauto-imagem. H por fim uma pea bastante extraordinria pelorealismo de pelo menos sua primeira parte que o "Dilogo daConverso do Gentio" , em que Nbrega pe em cena as dvidas eos preconceitos dos missionrios, deixando perceber que a viso jesutados ndios no homognea. Ele prprio, alis, parte de uma posiohumanista e letrada para chegar a um pragmatismo de administrador:comparem-se as cartas de 1549, ano da chegada de Nbrega ao Brasil,em que louva aos ndios por no entesourarem riquezas e partilharemseus bens, e por "em muitas coisas, guardarem a lei natual"(Nbrega 1988: 100), com as cartas desencantadas dos anos

    subseqentes.

    O "Dilogo da Converso do Gentio" escrito por Nbrega naBahia em 1556 e 1557 pe cena dois jesutas, que no so padres, esim irmos, e que representam a voz corrente entre os menosgraduados da Companhia de Jesus. Um dos irmos pregador, outroferreiro, e Nbrega acaba evangelicamente dando ao ferreiro o papelde maior sabedoria. A concluso de Nbrega otimista - no h porque os missionrios desesperarem da converso dos ndios - mas adiscusso inicial que ele imputa aos dois irmos reveladora de umhiato entre uma viso "vulgar" do missionrio e uma versoteologicamente elaborada. O gentio no tem rei, se o tivera,poder-se-iam converter reinos, como se dera no tempo dos apstolos,como se dava ento na Amrica Espanhola e se estava tentando noOriente (16). A converso portanto era, forosamente, de .natureza

    (16) A questo da lei e da sujeio ponto de algumas hesitaes por parte dos jesutas. Oradeclaram que de nada vale serem os ndios christos por fora e gentios na vida e noscostumes, ora mais freqentemente desabafam como Anchieta: "No se pode por-tanto esperar nem conseguir nada em toda esta terra na converso dos gentios, sem

  • individual. Mas os gentios careciam de f, no adoravam coisa alguma.Como no se apegavam a velhos dolos, tampouco se aferravam novaf:" Sabis qual h a mor dificuldade que lhes acho? Serem tm fciles dediserem a tudo si ou p, ou como vs quizerdes; tudo aprovo logo, em com amesma facilidade com que dizem p (sim), dizem aani (no)" (Nbrega inLeite 1954. vol. II: 322). Da sua inconstncia: " Com um anzol quelhes d, os converterei a todos, com outros os tornarei a desconverter, porserem incostantes, e no lhes entrar a verdadeira fee no corao' (Nbregain Leite, vol.II, p.320). Falta aos gentos a lei que os tornaria"polticos" , membros de uma sociedade civil que lhes conferiria a

    "razo" , estirpando-lhes a rudeza e a bestialidade em que vivem.Este diagnstico cru de que os ndios carecem de rei, de lei e de razo o mesmo que o Irmo Antonio Blzquez expe sem rodeiosteolgicos em carta de 1555 aos irmos de Coimbra.

    " O Hermanos mos en Jes Christo charssimos, quntas lgrimasderramaran vuestros ojos si vissedes estas criaturas de Dios vivir quassi amanera de vestias (quase maneira de bestas) sin rey, sin ley y sin razn,encarniados en comer carne humana y tan embebidos en esta bruteza queantes consentirn perder quanto tienen que dar un negro contrario, quetienen determinado de comer (17). Entre ellos no ay amor ni lealtad.Vndense unos a otros estimando ms una cun o podn que la libertad deun sobrino o pariente ms cercano que truecan por hierro, y es tanta sumisseria que a las vezes se lo cambian por un poco de harina (18). Notienen a quien obedezcan sino a sus prprias voluntades, y de aqu es quehazen quanto se les antoja encinndose con ellas a vicios sucssimos y tantorpes, que tengo por mejor callarlos debaxo de silencio que escriviendodescubrir maldades tan enormes" (Ir. Blzquez, Baa, 8 de Julho de1555, in Leite vol.11, p.252).

    A este retrato negro e cheio de contradies da torpeza e dabestialidade dos ndios, pode-se opor o discurso ainda humanista deNbrega que contrasta os filsofos empedernidos da antiguidade aosndios que apenas infringem a bagatela de dois ou trs mandamentos,e de resto "entre si vivem mui amigavelmente" . Em suma, resume

    virem pra c muitos cristos, que conformando-se a si e a suas vidas com a vontade deDeus, sujeitem os ndios ao jugo da escravido e os obriguem a acolher-se bandeirade Cristo." (Anchieta a Loyola, So Vicente, fim de Maro de 1555, in Leite, vol.II,p.207). Nbrega acaba por optar pela sujeio, que posta em prtica pelo gover-nador Mem de S.

    (17) Referncia resitncia dos ndios a venderem como escravos aos portugueses os prisio-neiros destinados a serem ritualmente mortos em terreiro.

    (18) Esta passagem, que parece contradizer a frase anterior, uma referncia questo devenda de si mesmo e dos seus filhos em escravido, praticada em momentos de penria,e que deu origem a uma discusso jurdica em que os jesutas tomaram parte (videCunha 1986(1985)).

    A sexualidadeindgena, como

    de se prever,suscitou grande

    interesse tantoentre cronistas

    filosofantesquanto entre

    gestores de almas.

  • Nbrega, " sua bem-aventurana matar e ter nomes, e esta sua glriapor que mais fazem. lei natural, no a guardam porque se comem; somuito luxuriosos, muito mentirosos, nenhuma coisa aborrecem por m, enenhuma louvam por boa;tm crdito em seus feiticeiro". Eis tudo.(Nbrega in Leite vol.II,p.344-345).

    Sem f, mas crdulos: os jesutas imputam aos ndios uma extremacredulidade, e a coisa s aparentemente contraditria. No fundo, a f a forma centralizada da crena, excludente e ciumenta. A carncia def, de lei, de rei e de razo poltica no so seno avatares de umamesma ausncia de jugo, de um nomadismo ideolgio que faz pendanta atomizao poltica. A credulidade uma forma de vagabundagemda f. por isso que a sujeio tem de se dar em todos os planos aomesmo tempo; nisso parecem convergir afinal tanto os jesutas, quantoos colonos e os administradores. A sujeio poltica a condio dasujeio religiosa.

    Seja como for, entre " feiticeiros" e jesutas instaura-se desde cedouma concorrncia, que se trava curiosamente no terreno ora de uns orade outros: ou seja, os jesutas competem em curas e milagres com osxams, arvorando-se em xams mais poderosos (p.ex. A.Navarro,Carta da Bahia, 1550, in Navarro 1988:76), enquanto os xamsdesafiam aos padres: um caraiba, em 1550, afirma que transformaria atodos em pssaros, destruiria a igreja e o engenho, e a lagarta das roasque os padres no destruiam, ele a eliminaria (Nbrega a Torres, Baa5 de julho de 1559 in S.Leite 1954, III: 53). notvel que os padres,embora muito mais cticos do que ser, no sculo XVII, o Pe.Montoya, no contestam necessariamente aos feiticeiros a realidade desuas curas, milagres e prodgios, contestam-lhes sim a fonte dessespoderes sobrenaturais que no viriam de Deus seno do Demnio.

    Em demnios ou espritos - os anhang- pelo menos, falta de creremem Deus, os ndios acreditam (H.Staden 1974 (1557): 158) e, semgrandes hesitaes, os europeus tambm (A.Thvet 1978(1558): 115,J.de Lry 1972(1578): 159-60; F.Cardim: 87). De Bry, a partir dexilogravura da edio original de Jean de Lry difunde a imagem dendios atormentados constantemente por esses demnios. E Anchietachega a montar todo o seu teatro destinado aos catecmenos indgenasem cima de um roteiro nico, em que vrios demnios ( entre os quaisfaz s vezes irreverentemente figurar seus prprios inimigos como oTupinamb Aimbir que o manteve prisioneiro), tentam impedir asalmas de chegarem ao cu. Numa das verses, inspirado, Anchietaencena o ritual mximo da antropofagia tupi: um principal quebra acabea a um diabo - o Macaxera - e sobre ela toma novo nome -Anhangupiara.ou seja inimigo de Anhang:

  • Pronto! Matei Macaxera!J no existe o mal que era...Eu sou Anhangupiara!(J. de Anchieta 1977 (1589): 244)

    Luxuriosos, Sodomitas

    A sexualidade indgena, como de se prever, suscitou grande interessetanto entre cronistas filosofantes quanto entre gestores de almas. Jeande Lry sustenta, segundo seu uso, que, em matria de lascvia, oseuropeus so piores que os brasileiros (J.de Lry 1972(1578): 177).Os costumes matrimoniais, a poliginia associada ao prestgioguerreiro, o levirato, o avunculado - ou seja o privilgio de casamentodo tio materno sobre a filha da irm - a liberdade pr-nupcialcontrastando com o cime pela mulher casada e o rigor com oadultrio, a hospitalidade sexual praticada com aliados mas tambmcom os cativos, a iniciao sexual dos rapazes por mulheres maisvelhas, os despreocupados casamentos e separaes sucessivos, tudoisto era inslito. Os jesutas debruar-se-o com especial cuidado sobreestes costumes (vide p.ex. Anchieta 1846), e isto por uma razopratica: tratava-se de construir famlias crists com os nefitosindgenas. Para tanto, era preciso reconhecer a verdadeira esposa entreas mltiplas esposas, sucessivas ou concomitantes, ou seja, a primeiraque havia sido desposada com nimo de ser vitalcia. Por outro lado,as regras de aliana dos ndios contrariavam os impedimentoscannicos, e os missionrios logo so levados a pedirem dispensas aoPapa dos impedimentos pelo menos de terceiro e quarto grau.

    Quanto sodomia, fazia parte dos grandes tabus europeus e, naAmrica, parece estar sempre associada ao canibalismo, como sehouvesse equivalncia simblica entre se alimentar do mesmo ecoabitar com o mesmo. Essa correspondncia entre homofagia ehomossexualismo discernvel entre outros em Michele de Cuneo,Corts e Oviedo: significativamente, as duas acusaes so rechaadasem conjunto por Las Casas (A.Gerbi 1978(1975): 48-49, 118, 412 e424), No Brasil, sua existncia, como entre os portugueses - haja vistaa Inquisio - certa, mas seu estatuto moral entre os ndios incerto.Jean de Lry e Thvet mencionam-na para dizer que reprovada pelosndios (J.de Lry 1972(1578): 174 e A.Thvet 1953(1575): 137). Osjesutas, curiosamente, no parecem falar dela. Mas Gabriel Soares deSousa (1971(1587): 308), j para o fim do sculo, carrega nas tintas:" So os Tupinambo, to luxuriosos que no h A pecado de luxria que nocometam...so muito afeioados ao pecado nefando, entre os quais se no tmpor afronta; ...e nas suas aldeias pelo serto h A alguns que tm tendapblica a quantos os querem como mulheres publicas".

    Reencontram-seaqui as aposies

    clssicas, entreuma antropofagia

    nobre, devingana, e o

    apetite bestial porcarne humana

    cujo paradigmaso os citasnrdicos de

    Hrodoto.

  • Outras Naes de ndios

    Aos poucos vo se conhecendo, sobretudo terra adentro, outras"castas de gentio". Pelo fim do sculo, Gabriel Soares de Souza eFerno Cardim fornecem inventrios complexos destas outras etnias.Um dos atributos que repartido entre elas sintomtico dacolonizao: as naes so leais ou traioeiras, o que supe suainsero na rede de alianas coloniais, e deixa transparecer uma polticaindgena, com estratgias prprias, fazendo uso da poltica indigenista.

    Mas, no sculo XVI, ainda prevalece uma viso que adereestreitamente ao etnocentrismo tupi. Denuncia-se assim a inauditaselvageria dos Aimors de Porto Seguro e de Ilhus: " So estesaimors to selvagens que, dos outros brbaros so havidos por mais quebrbaros' (G.S.de Sousa 1971(1587): 79). So nmades, no lhesconhecendo aldeias. No plantam roas e vivem de caa e coleta defrutos silvestres; sua fala travada e no passivel de escrita. Sotraioeiros e no enfrentam os inimigos em campo aberto, seno lhesarmam ciladas. Comem sua caa crua ou mal assada, omofagia queprenuncia o que constitui o paroxismo da selvageria, sua antropofagiaalimentar (G.S.de Sousa, ibidem), tema crucial que tratamos acima.Distingue-se assim um canibalismo de vingana - o dos Tupi - e umcanibalismo alimentar, dos brbaros Aimors, dos Oitacs, e algunsmais. Uns seguem risca um ritual elaborado e se comem carnehumana, " no por gosto ou apetite que a comem" (A.Pigafetta1985(1524?): 58) mas por vingana. Os outros apenas comem para sealimentar: " Comem estes selvagens carne humana f or mantimento, o queno tem o outro gentio que a no come seno por vingana de suas brigas eantiguidade de seus dios"(G.S.de Sousa 1971(1587): 79).

    Reencontram-se aqui as oposies clssicas, entre uma antropofagianobre, de vingana, e o apetite bestial por carne humana cujoparadigma so os citas nrdicos de Hrodoto. A antropofagia e suasmodalidades, ser, no sculo XVI, um tema quase obsessivo e queservir de operador para as grandes cises do sculo. Os casos deantropofagia alimentar e de crueldades inauditas durante as guerras dereligio, na Frana, ou na conquista espanhola das Amricas, sorememorados acusatoriamente por catlicos e protestantes. De umlado como de outro, publicam-se cenas de esquartejamento e suplciosatribudos ora a calvinistas, ora a catlicos. Dentro da selvageria emque a Frana se encontra imersa, como se a antropofagia Tupinambfigurasse como a forma mais civilizada dentro do gnero. Em 1500,Caminha viu "gente" em Vera Cruz. Falava-se ento de homens emulheres. O escambo povoou a terra de "brasis" e "brasileiros" .Os engenhos distinguiram o "gentio" insubmisso do "ndio" e

  • do "negro da terra" que trabalhavam. Os franceses que noconseguiram se firmar na terra, viram "selvagens" .

    Pelo fim do sculo, esto consolidadas, na realidade, duas imagens dendios que s muito tenuamente se recobrem: a francesa que o exalta,e a ibrica, que o deprecia. Uma imagem de viajante, outra de colono.

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