pinturas de índios no brasil central: alto sucuriÚ

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PINTURAS DE íNDIOS NO BRASIL CENTRAL: ALTO SUCURIÚ, SERRANÓPOLlS E CAIAPÔNIA MARCUS VINíCIUS BEBER* RESUMO O Centro-Oeste representa hoje uma das grandes fronteiras da arqueologia brasileira. Sua posição geográfica e suas condições ambientais favoreceram um florescimento de culturas na pré-história que a arqueologia tem buscado resgatar. Nessa busca, o Instituto Anchietano de Pesquisas empreendeu dois grandes programas: o Programa Arqueológico de Goiás e o Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul. Neste trabalho, buscamos apresentar uma comparação entre as áreas estudadas, especialmente Alto Sucuriú, Serranópolis e Caiapônia. 1- INTRODUÇÃO Ao longo dos últimos trinta anos, o Instituto Anchietano de Pesquisas vem trabalhando nos estados do Centro-Oeste brasileiro, especialmente Goiás e Mato Grosso do Sul, onde vem desenvolvendo dois grandes Programas Arqueológicos: o Programa Arqueológico de Goiás e o Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul. Em ambos os casos houve a subdivisão em vários projetos, como forma de obter uma amostragem significativa das áreas em questão. Neste trabalho apresentamos os dados básicos quanto à arte rupestre dessas áreas, procurando uma comparação dos motivos encontrados nas três áreas pesquisadas pelo Instituto Anchietano de Pesquisas ao longo dos últimos trinta anos. São enfocadas as seguintes áreas: Alto Sucuriú, no Mato Grosso do Sul; Serranópolis e Caiapônia, no estado de Goiás. Para nós, arte rupestre é todo testemunho gráfico, deixado por populações passadas, utilizando como suporte a rocha, sejam paredes de abrigos, blocos de rocha ou lajedos horizontais. Apesar das discussões que a utilização desse termo tem levantado na bibliografia, sua utilização está suficientemente consolidada na comunidade Científica, e nesse sentido concordamos com Silva (1992, p. 57): - s * Instituto Anchietano de Pesquisas / UNISINOS. Caixa Postal 275, CEP 93001-970- ão Leop.oldo, RS, Brasil- Email: [email protected] BIBLOS. Rio Grande. 9: 107-116, 1997. 107

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PINTURAS DE íNDIOS NO BRASIL CENTRAL:ALTO SUCURIÚ, SERRANÓPOLlS E CAIAPÔNIA

MARCUSVINíCIUS BEBER*

RESUMOO Centro-Oeste representa hoje uma das grandes fronteiras da arqueologiabrasileira. Sua posição geográfica e suas condições ambientais favoreceramum florescimento de culturas na pré-história que a arqueologia tem buscadoresgatar. Nessa busca, o Instituto Anchietano de Pesquisas empreendeu doisgrandes programas: o Programa Arqueológico de Goiás e o ProgramaArqueológico do Mato Grosso do Sul. Neste trabalho, buscamos apresentaruma comparação entre as áreas estudadas, especialmente Alto Sucuriú,Serranópolis e Caiapônia.

1- INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos trinta anos, o Instituto Anchietano de Pesquisasvem trabalhando nos estados do Centro-Oeste brasileiro, especialmenteGoiás e Mato Grosso do Sul, onde vem desenvolvendo dois grandesProgramas Arqueológicos: o Programa Arqueológico de Goiás e o ProgramaArqueológico do Mato Grosso do Sul. Em ambos os casos houve asubdivisão em vários projetos, como forma de obter uma amostragemsignificativa das áreas em questão.

Neste trabalho apresentamos os dados básicos quanto à arte rupestredessas áreas, procurando uma comparação dos motivos encontrados nastrês áreas pesquisadas pelo Instituto Anchietano de Pesquisas ao longo dosúltimos trinta anos.

São enfocadas as seguintes áreas: Alto Sucuriú, no Mato Grosso doSul; Serranópolis e Caiapônia, no estado de Goiás.Para nós, arte rupestre é todo testemunho gráfico, deixado por populaçõespassadas, utilizando como suporte a rocha, sejam paredes de abrigos,blocos de rocha ou lajedos horizontais.

Apesar das discussões que a utilização desse termo tem levantado nabibliografia, sua utilização está suficientemente consolidada na comunidadeCientífica, e nesse sentido concordamos com Silva (1992, p. 57):-s * Instituto Anchietano de Pesquisas / UNISINOS. Caixa Postal 275, CEP 93001-970-

ão Leop.oldo,RS, Brasil- Email: [email protected]

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Independente, no entanto, de chamarmos de "Arte" determinadosvestígios arqueológicos, continuam as interrogações sobre a suaorigem, seus significados, usos e funções, cabendo portanto aoarqueólogo buscar o entendimento dos mesmos, na medida em que otermo, por si só, não é explicativo.

Não temos muitas condições atualmente de responder a boa partedessas questões, mas procuramos fornecer elementos que nos ajudem aencontrá-Ias, para que se possa, então, compreender melhor essefenômeno que é a arte rupestre do Planalto Central Brasileiro.

2 - ALTO SUCURIÚ

o Projeto Alto Sucuriú foi o primeiro dos quatro projetos previstos parao Programa Arqueológico do Mato Grosso do Sul. Está localizado entre51° 30' e 53° 22' de longitude oeste e 18° e 19° de latitude sul.

Foram encontrados quatro sítios com arte rupestre: o MS-PA-01; oMS-PA-02 - também conhecido como "Casa de Pedra"; o MS-PA-03 e porúltimo o MS-PA-04.

As pinturas estão concentradas preferencialmente em dois dos quatrosítios, o MS-PA-02, com pouco-menos de 35% das figuras, e o MS-PA-04,com cerca de 60% das figuras. Nos outros sítios encontra-se o restante dasfiguras.

Os grafismos predominantes são as figuras fechadas tanto de baseretangular como elipsóide - 18,61 % e 19,17%, respectivamente; juntas,chegam a quase 40% das pinturas da área. Se contarmos ainda os tipospróximos, que são figuras formadas pela combinação de elipses, ou mesmooutros geométricos fechados, que não formam exatamente elipses ouretângulos, e contabilizarmos ainda as figuras dos tipos 8 e 9, que devem tersido figuras fechadas, quer retângulos ou elipses, mas que foram alteradaspelas intempéries, o percentual alcança 52,78% das figuras.

As figuras abertas, representadas pelas retas, curvas e pontos, quese combinam de diferentes formas, representam juntas 26,21 %.

Os tipos naturalistas são poucos, e juntos não ultrapassam 15% dototal. Ocorrem fundamentalmente pisadas de mamíferos, pisadas de aves,com 5,14% e 5,83% respectivamente. As figuras antropomorfas ocorremvinte e duas vezes, ou 3,06% do total das pinturas. São figuras chapadas,em vermelho; em alguns casos, ocorrem por cima das figuràs geométricas,indicando terem sido pintadas posteriormente. Algumas medem até cerca de60cm de comprimento e 46cm de largura. Existem figuras maiores, mas sãopoucas.

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As sobreposições repre-sentam cerca de 16% daspinturas, encontradas predomi-nantemente no sítio MS-PA-04.As figuras que estão por cimasão na maioria em vermelho ebordô; já os grafismos que estãopor baixo são nas cores amareloou laranja. As figuras bicoloresaparecem predominantementepor baixo das outras nosmomentos de sobreposição.

Quanto à distribuiçãoespacial, parecem ocupar osespaços claros e acessíveis dossítios. Não existem casos defiguras em áreas de difícilacesso ou escuras. Estãodistribuídas uniformemente nossítios, em abrigos que possuemindícios de ocupação.

As gravações estãorestritas ao sítio MS-PA-02,onde o arenito mais friávelpermite a sua realização.

O Alto Sucuriú, portanto,apresenta um conjunto depinturas que não mostramcenas. O que predomina são aspinturas geométricas, de basetanto elipsóide como retangular.Em menor quantidade ocorremfiguras biomorfas, mas aindaassim completamente estáticas.

A coloração é vermelhaou bordô, com algumas figurasbicromáticas de vermelho e

A coloração é fundamentalmente o vermelho e o bordô, em mais de82% dos casos, obtida a partir do óxido do ferro aplicado em suspensão emgordura animal ou água. O amarelo, em várias tonalidades, é poucofreqüente e ocorre quase sempre em combinações bicolores com overmelho ou bordô.

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FIGURA 1 - Alto Sucuriú - Mato Grosso do Sul

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amarelo. As figuras biomorfas são claramente posteriores e fornecem umestrato mais recente sobre as geométricas.

3 - SERRANÓPOLlS

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Figura 2 - Serranópolis - Goiás

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FIGURA 3 - Serranópolis - Goiás.

SISLOS, Rio Grande, 9: 107-116, 1997

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o Projeto Paranaíba está inserido no Programa Arqueológico deGoiás, elaborado a partir de um convênio firmado em 1973 entre o InstitutoAnchietano de Pesquisas, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos e oInstituto Goiano de Pré-História e Arqueologia.

O objetivo básico do Programa está em "amostrar a arqueologia doestado, insistindo principalmente em elementos cronológicos, distribucionaise ecológicos" (Schmitz et aI., 1989, p. 16).

Parte dos dados foram publicados em vários trabalhos, especialmenteo de Schmitz, Barbosa, Jacobus e Ribeiro (1989), que reúne adocumentação dos sítios e o trabalho neles realizado .

Na Área Arqueológica de Serranópolis ocorre um total de 1159 signos,distribuídos em 14 dos 26 abrigos estudados.

As pinturas estão divididas em duas grandes categorias -geométricas e naturalistas.

Os geométricos são figuras compostas por linhas retas e curvas,figuras compostas por pontos, retângulos, triângulos, losangos e elipses,que juntos totalizam 633 figuras, ou 54,62%. Percebe-se a predominânciadas elipses, com mais de 20%, seguidas pelas linhas que se encontram emângulos retos, retângulos, linhas isoladas e os pontos. Em termos depreenchimento, são preferencialmente preenchidas por linhas, esecundariamente cheias e ponteadas, isso quando as figuras são fechadas.

As figuras naturalistas, por sua vez, apresentam um total de 239figuras, ou 20,62% do total. Os tipos que ocorrem são os quadrúpedes,anfíbios, figuras ovais com patas, lacertídeos, peixes, aves, pisadas deaves, figuras estilizadas de animais, figuras humanas e pisadasantropomorfas. Percebe-se a predominância dos lacertídeos, seguida pelosanfibios, aves, figuras e pisadas antropomorfas, com mais de 5%, e osdemais com menos que isso.

As figuras naturalistas são cheias na maior parte dos casos, mastambém apresentam preenchimentos como linhas, pontos ou a combinaçãode ambos, porém em menor quantidade.

Quanto à coloração, predomina o vermelho com 68,62% das figurasnaturalistas, seguida pelas figuras em marrom, com 22,59%. As pinturasbicromáticas representam 5,02%. Os grafismos em amarelo contribuem com2,09% e o branco com 1,26%. Em 0,42% das figuras não há indicação daColoração.

As figuras estão distribuídas em 14 dos 26 abrigos estudados, econcentradas preferencialmente em quatro deles: no GO-JA-01 com 8,63%,GO-JA-03 com 52,8%, GO-JA-13 com 19,33% e GO-JA-14 com 8,71% .J Já os petroglifos estão concentrados preferencialmente nos sítios GO-t-13, GO-JA-14 e. GO-JA-15, e associados às qualidades do arenito

otucatu, que é bem mais friável, facilitando a realização das gravações.

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Os motivos são formados por linhas retas e curvas que se justapõemcruzam e/ou se encontram; figuras que lembram pisadas de aves; forma~elípticas; formas triangulares; círculos ou depressões circulares; pisadas defelinos; figuras que lembram pés humanos; figuras fechadas sem simetria'figuras fechadas de tendências quadráticas; ocorrem ainda figuras qU~lembram escudos, lagartos, estrelas, cruzes, outras formas.

Um elemento que chama bastante a atenção em Serranópolis é adistribuição das pinturas e petroglifos. As variáveis que definem a seleçãodos locais a serem pintados ou gravados são diferentes, em função dosubstrato, ora mais friável, onde são feitas as gravuras, ora mais solidificado,onde são feitas as pinturas.

Dos 14 sítios com arte rupestre, apenas oito apresentam ambas asmanifestações; entretanto, nunca há um equilíbrio: ou predominam pinturasou predominam petroglifos.

4 - CAIAPÔNIA

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FIGURA 3 - Caiapõnia - Goiás.

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A área arqueológica de Caiapônía está situada entre 16°30' e 16°40'de latitude sul e 51°40 e 51°20' de longitude oeste, no município decaiapônia, GO. Foi pesquisada do ponto de vista arqueológico, por ocasiãodo Projeto Caiapônia, parte do Programa Arqueológico de Goiás, levado atermo pelo Instituto Anchietano de Pesquisas, UNISINOS e UCG.

O relatório final dessa etapa foi publicado em 1986, onde pode serencontrada toda a documentação, bem como a reprodução dos painéis,croquis dos sítios, vistas dos blocos e toda a documentação adicionalproduzida.

Na região de Caiapônia foram encontrados 42 sítios, a maioria deles(33) cobertos por pinturas; apenas três possuem gravações.

Os sítios estão concentrados em duas áreas: o Córrego do Ouro, com27 sítios, dos quais 14 apresentam pinturas e apenas dois deles petroglifos;as Torres do Rio Bonito, com 14 sítios, 11 deles com pinturas e um competroglifos.

Na área do Rio Bonito, foram registradas 2450 figuras. Destas, 73,7%são geométricas, 11% zoomorfas, 4% antropomorfas, 0,3% fitomorfas e11% indefinidas. São pintadas preferencialmente em vermelho (80,5%),alaranjado (14,5%), umas poucas em amarelo (1,5%), preto (0,5%) ealgumas policromáticas (3%).

Na área do Córrego do Ouro, foram registradas 1088 figuras, dasquais 73,3% são geométricas, 9,8% zoomorfas, 5,6% antropomorfas e11,1% não-definidas.

Nas figuras geométricas ocorrem retas independentes ou que secruzam e encontram em diferentes ângulos; curvas que também podem secruzar ou encontrar de diferentes formas; pontos que se combinam ora emlinhas, ora formando nuvens ou mesmo figuras; carimbos; triângulos com ousem preenchimento interno; retângulos, losangos, círculos, além de outrasformas não-identificadas.

As figuras são formadas por traços ou pontos e raramente chapadas.Entre as naturalistas, ocorrem peixes, répteis, aves, mamíferos,antropomorfos e fitomorfos, além de mãos.

Os antropomorfos formam cenas e podem vir isolados, associados oujustapostos a outras figuras zoomórficas e/ou geométricas.

As figuras zoomorfas, por sua vez, permitem, em alguns casos, adiferenCiação em nível de classe, percebendo-se mamíferos, répteis, aves epeixes. Os mamíferos estão representados em perfil com todas asextremidades visíveis, sugerindo movimento. Percebem-se representaçõesde macacos, as mais numerosas, veados, antas e felinos. Os répteis sãorepresentados pequenos, chapados, podendo ser lagartos e tartarugas. Asaves são variadas. na forma, mas geralmente são representadas chapadas,com pernas formadas por traços, bicos abertos em perfil lateral, sugerindo

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movimento. Ocorrem normalmente agrupadas mas podem estar isoladasOs peixes são bastante comuns, representados com o corpo alongadochapado, com as nadadeiras caudais evidenciàdas; ocorrem sozinhos, emduplas ou cardumes.

As figuras fitomorfas, por sua vez, são poucas, lembrando tubérculospalmeiras e outros vegetais não-identificados. '

Quanto ao tamanho das figuras, está entre 5 e 50cm na maiormedida, predominando as figuras entre 10 e 20cm, podendo ocorrer figurasextremas de até 150x80cm.

Resumindo, podemos dizer que na pintura de Caiapônia temos urnaarte ingênua, de representação, que usa sugestão em vez dedetalhamento e não conhece técnicas sofisticadas na execução. Asmensagens legíveis são extremamente simples: caça, família, dança,brincadeira, lutas humanas; animais isolados ou associadosocasionalmente ou em agrupamentos tiptcos, como cirandas demacacos, aves caminhando umas atrás das outras, fêmeas comfilhotes, cardumes de peixes; algumas plantas; ritual, como pessoasestendendo os braços sobre menores, procissão de animais (oumascarados) em atitudes estranhas. Os numerosos sinaisgeométricos ou livres, pertencentes ao seu mundo simbólico eprovavelmente portadores de mensagens compreensíveis para eles,certamente têm como função básica a decoração do ambiente, que deestranho se tornaria doméstico, como as mensagens legíveiscertamente marcariam a passagem do grupo pelo local (Schmitz et ai,1986, p. 300).

Pelos dados disponíveis, podemos ver que a arte rupestre do BrasilCentral apresenta uma tendência de geometrização do litoral para o interior.Ao compararmos as diferentes tradições rupestres, separados os trêsgrandes motivos - antropomorfos, zoomorfos e geométricos, notamos que:

* no Alto Sucuriú temos 1,36% das figuras antropomorfas, 7,33%zoomorfas e 87,57% geométricas;

* em Serranópolis temos 1,71 % de antropomorfas, 25,37% zoomorfase 73,14% geométricas;

* em Caiapônia temos 4% antropomorfas, 11% zoomorfas, 73,7%geométricas, além de 0,3% fitomorfas e 11% indefinidas;

Percebe-se, assim, um aumento nas representações antropomórficase zoomórficas em Serranópolis e Caiapônia, ao contrário do Alto Sucuriú,bem como as figuras com representações cênicas em Caiapônia são maisabundantes.

Mesmo se considerarmos apenas as geométricas, notamos algumas

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diferenças, pois no Alto Sucuriú são basicamente retas, curvas, elipses eretângulos; já nas outras áreas ocorrem, além destas, quadrados, losangos,triânguloS, e também variações, que são encontradas nas figurasnaturalistas.

Considerando que a ocupação do Brasil Central deve ter começadopor volta dos dez ou doze mil anos antes do presente, correspondendo aofinal do pleistoceno e início do holoceno, associada às condições ambientaisdo holoceno com um clima de sem i-aridez se desfazendo, os abrigos devemter sido procurados como refúgio e fonte de matéria-prima.

As pinturas rupestres desse momento, especialmente no Alto Sucuriúe Serranópolis, compreendem figuras geométricas, chapadas, e em algunscasos ocorre a bicromia. Essas figuras correspondem aos motivos doprimeiro estrato definido no Alto Sucuriú, que está caracterizado por figurasbicolores em vermelho e amarelo, preponderantemente geométricas.

A cultura material encontrada nas escavações é compostaespecialmente por artefatos fabricados sobre o arenito silicificadoencontrado nos abrigos, como raspadores, machados, facas, associados àtradição lítica Itaparica.

A ocupação seria de pequenos bandos caçadores-coletores, queocupariam os sítios como abrigos e fonte de matérias-primas. PossivelmenteSerranópolis tenha visto uma ocupação mais intensa, devido à maiorquantidade de abrigos e maior variabilidade nos motivos representados, oque poderia indicar uma maior quantidade de pessoas executando a pintura.Caiapônia, por sua vez, não parece ter visto uma ocupação maissignificativa nesse período.

O segundo momento de ocupação da área parece estar situado entreos sete e oito mil anos antes do presente, entre o início do holoceno e aentrada do "Ótimo Climático". As pinturas apresentam uma modificação noseu conteúdo, tanto em termos de cor como de forma. No Alto Sucuriú,sobre as figuras geométricas bicolores do momento anterior. estãosobrepostas figuras chapadas geométricas e biomorfas de cor vermelha abordô, o que indica uma execução posterior.

No Alto Sucuriú as pinturas desse momento são quantitativa mentepredominantes, do mesmo modo que em Serranópolis. A cultura materialassOciada a esse momento indica uma produção de lascas irregulares epouco retocadas conhecida como Tradição Serranópolis* , que seria degrupos de caçadores generalizados que estariam vivendo da caça e dacoleta, tendo nos abrigos um ponto de referência.

O terceiro momento estaria associado, então, às ocupações

s . * É importante frisar que a definição de Tradição Serranópolis apresentada porChmltz et aI. (1986: p. 327) é uma denominação tentativa que merece melhor caracterização.

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posteriores aos seis mil anos antes do presente, quando há um aumento naumidade, e a necessidade agora é por abrigos grandes e ventilados, cornoocorre nos de Serranópolis e Caiapônia. A arte rupestre agora apresentauma nova realidade, proliferando figuras biomorfas com motivos docotidiano, como cenas de caça, lutas, danças e brincadeiras, caminhandopara uma "naturalização", já que há uma diminuição da incidência de figurasgeométricas, ocorrendo, a exemplo de Caiapônia e Serranópolis, umaumento nas figuras naturalistas, e em Caiapônia a profusão de figurasnaturalistas, dançando, pulando, brincando, o que parece ser urnapenetração de elementos de tradições como a Planalto, Agreste e talvezNordeste.

Evidentemente que as conclusões apresentadas aqui sobre esse"movimento de geometrização" da arte rupestre são uma primeira reflexãosobre o assunto, mas parece claro que existem elementos que se difundemna arte rupestre brasileira. Em termos de Brasil Central, devemos levar emconsideração ainda que temos uma grande tradição lítica, a TradiçãoItaparica, com uma dispersão territorial de mais de 2000 quilômetros, quenos coloca questões ainda difíceis de serem respondidas, mas que nosfazem pensar nos mecanismos que devem ter articulado essas populações.

Nesse sentido, parece lógico pensar que a geometrização que sepercebe nas pinturas rupestres refletem, de alguma forma, essesmecanismos, sem contudo possibilitar que sejam percebidos claramente, atéporque as pesquisas ainda estão buscando a localização dos sítios eidentificação do que é a primeira expressão cultural autenticamentebrasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília, Editora da UnB, 1992.SCHMITZ, Pedra 1.; RIBERIO, Maira B.; BARBOSA, Altair S. et aI. Ceiepônie : Arqueologia nos

Cerrados do Brasil Central, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1986.SCHMITZ, Pedro 1.; BARBOSA, Altair S; JACOBUS, André L. et aI. Arqueologia nos Cerrados

do Brasil Central Serranópolis I. Pesquisas - Antropologia, São Leopoldo, n. 44, InstitutoAnchietano de Pesquisas, 1986.

SILVA, Fabíola Andréa. Manifestações Artísticas Pré-Históricas - Um estudo DescritivoClassificatório e Interpretativo da Arte Rupestre de Serranópolis - Goiás. Dissertação deMestrado apresentada à UFRGS -IFCH, 1992.

VERONEZE, Ellen. A Ocupação do Planalto Central Brasileiro .' O Nordeste do Mato Grossodo Sul. São Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.

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