iii dos versos e canÇÕes de gota d’Água- pensamentos sÓcio-polÍticos e a estrutura dramÁtica...

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  • 8/7/2019 III DOS VERSOS E CANES DE GOTA DGUA- PENSAMENTOS SCIO-POLTICOS E A ESTRUTURA DRAMTICA DA PE

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    DOS VERSOS E CANES DE GOTA DGUA: PENSAMENTOS SCIO-POLTICOSE A ESTRUTURA DRAMTICA DA PEADolores Puga Alves de Sousa (INHIS-UFU mestranda)Este trabalho busca analisar a pea teatral Gota Dgua, escrita em 1975 no Brasil, por PauloPontes e Chico Buarque; uma re-elaborao da tragdia grega Media de Eurpides (431 a.C.).No se pode negar a influncia que estes autores brasileiros tiveram com a obra Media de

    Oduvaldo Vianna Filho (o Vianinha), de 1972 feita para a televiso, na Rede Globo , umaprimeira adaptao da pea de Eurpides. Esta inspirao apontada no prefcio da pea publicadaem livro.1 Alm disso, questes sociais e polticas so comuns s duas obras nacionais, sobretudo seanalisarmos as diversas parcerias entre Vianinha e Paulo Pontes perodos antes da criao de GotaDgua.2Da mesma forma, segundo Fernando Marques, um jornalista estudioso do teatro musical brasileirode meados dos anos de 1960 at fins de 1970, a pea de Chico Buarque e Paulo Pontes contmtraos de sua estrutura dramtica que a aproximam, em alguns pontos, de caractersticas das teoriasde Brecht um dos principais tericos teatrais em que se basearam a maioria dos artistas do perododitatorial , acerca da utilizao dos elementos musicais como recurso pico.3 Os estudos de Brechtpodem ser considerados como um dos pontos de significativa atrao para se compreender o teatro

    engajado brasileiro. Porm, o equilbrio entre o texto declamado e os nmeros musicais, prprio doteatro de revista,4 pode ser um dos principais fatores aos quais arrisca-se tambm a articularGotaDgua com este estilo cnico devido sua linguagem sofisticada em versos, e a marcantepresena de suas canes.Todavia, relacionando os mais diversos fatores para refletir a complexidade da pea de Paulo Pontese Chico Buarque, ainda necessrio estabelecer relaes com as questes que1 HOLLANDA, C. B. de; PONTES, P. Gota Dgua. 29. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998. 2 Dentre osmomentos de parceria de maior destaque entre Vianinha e Paulo Pontes, de relevncia a criao do Grupo Opinio,em 1964 ano de instaurao do Golpe Militar , discutindo, juntamente aos atores Z Kti, Joo do Vale e Nara Leo(substituda posteriormente por Maria Bethnia), a falta de liberdades polticas, de expresso e as injustias sociais pormeio de um show musical. Foi, tambm, atravs dos conselhos de Paulo Pontes que Vianinha convencido a trabalhar

    na televiso primeiramente na extinta Tupi e depois na Rede Globo, nesta ltima onde produz os chamados CasosEspeciais; dentre eles, Media. Cf. MORAES, D. de. A Globo, um caso especial. In: . Vianinha cmplice dapaixo. Rio de Janeiro: Nrdica, 1991, p. 232-238. Gota Dgua surge, assim, de um planejamento inicial deVianinha, buscando transformarMedia em uma pea teatral. Vianna Filhofalece em 1974 e Paulo Pontes convida Chico Buarque para desenvolver o projeto. 3 MARQUES, F. Com ossculos nos olhos teatro musical e expresso poltica no Brasil, 1964-1979. 2006.386 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) Universidade de Braslia, Braslia, 2006. Disponvel em: Acesso em: 19 abril 2008, f. 298.4 Cf. VENEZIANO, N. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenes. Campinas, SP: Pontes: Editorada Universidade Estadual de Campinas, 1991, p. 92.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    permeavam o imaginrio dos autores em meio ao ano de 1975 no Brasil, sobretudo no processo decriao da obra. Fazer este exerccio construir uma ponte entre o ntimo dos ideais e o seucontedo social, poltico e histrico. Perceber essa ligao ter a possibilidade de conhecer umapea de maneira mais aprofundada e, ao mesmo tempo, saber que as idias pertencentes a umlegado cultural no esto pr-determinadas.Peter Szondi, ao discutir a historicidade do drama, aponta os equvocos dos intelectuais quetradicionalmente fundamentam uma forma estanque para este estilo teatral em todo e qualquerperodo, e que, ao se depararem com os contedos temticos, advindos do mundo social, muitasvezes no percebem a contradio presente entre eles. De acordo com Szondi, a forma de umaobra deve acompanhar seu contedo, j que ambos so categorias histricas. O contedo sempreprecipita-se, pois o elemento que demonstra os valores scio-culturais, os quais se modificam

    com as mudanas no processo histrico. Antes de refletir, ento, sobre as bases formais de GotaDgua como fatores estveis para todo um estilo dramtico, seu contedo (que de

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    determinncia social) ultrapassa este pensamento e se coloca como elemento primordial paracompreender conseqentemente, toda a sua estrutura artstica.A identificao de forma e contedo aniquila igualmente a oposio de atemporal e histrico, contida naantiga [e tradicional] relao, e tem por conseqncia a historicizao do conceito de forma, e, em ltimainstncia, a historicizao da prpria potica dos gneros. A lrica, a pica e a dramtica se transformam, decategorias sistemticas, em categorias histricas.5

    Partindo das premissas apontadas por Szondi, possvel perceber que, at mesmo as questessistematizadas pelos intelectuais do drama cujas teorias abordam preferencialmente o mbitoesttico devem ser trabalhadas por meio do aspecto histrico. Desta maneira, ao retornar anlisedas influncias que a obra de Chico e Paulo Pontes possui, observa-se que, se determinadasideologias polticas de Vianinha podem ser vistas na pea, sobretudo algumas escolhas estticasdeste autor na sua obra Mdia so distintas de Gota Dgua, e isso deve ser igualmenteconsiderado. preciso diferenciar a linguagem voltada para a televiso ao relacionar com quelareferente ao teatro, principalmente para compreender as formas das duas obras em questo.Alm disso, necessrio perceber que as relaes entre o teatro de revista e Gota Dgua no soapenas no estilo, mas se baseam no conhecimento de que a revista tambm foi, sua maneira e sua poca devido sua historicidade , um movimento poltico. Fernando Marques, em sua tese

    na rea de literatura brasileira afirma que a pea de Chico Buarque e Paulo Pontes, em conjuntocom as peas musicais dos anos ditatoriais, foi uma espcie de5 SZONDI, P. Teoria do drama moderno [1880-1950]. So Paulo: Cosac & Naify Edies, 2001, p. 24. Textointegrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    reciclagem do teatro de revista, em que Gota Dgua fazia parte do estilo das comdiasmusicais advindas sobretudo do estilo majoritariamente dramtico6 e tambm de uma variantenorte-americana de musicais, mas com intenes novas, construdas pelo iderio poltico.7 Mas esta uma anlise que ainda deve ser levada s discusses acadmicas, na medida em que, para vriosestudiosos, como o prprio Marques, seriam polticas apenas as obras ditas e fundamentadas comoestrita e claramente engajadas.8

    Quanto a Brecht e sua teoria, deve-se pensar que so mais do que ensinamentos polticos, sotambm estticos mas no so como ferramentas que podem simplesmente se encaixar numarealidade distinta da sua. Existem, assim, adaptaes e re-significaes; a presena inegvel dosindivduos agindo sobre o bulioso processo histrico, em constante construo.O contato entre o teatro de Vianinha e a msica foi um fator determinante para a busca de umtrabalho cnico que fosse, sobretudo, de carter didtico. Nestes termos, muito embora o teatro derevista brasileiro tivesse sido um primeiro contato do autor com as formas de utilizao da canocomo instrumento dramtico, certamente Vianinha construiu positivos dilogos com a revistapoltica de Erwin Piscator, em que a base do teatro de agitao se apontou como elemento a favordas questes que abordava a partir da dcada de 1960 suas caractersticas picas e no-realistascomo fator, tanto para a riqueza potica da criao artstica no-objetiva, quanto para uma base dediscusso social mais ampla.9 A pea A mais-valia vai acabar, seu Edgar, de 1960, foi frutodessa fase experimental do Grupo Arena em que o autor era integrante , pois j existia a procuracada vez maior pela aproximao com as camadas6 O que entendemos por comdia musical liga-se histria talhada em estilo dramtico, assim como definem PeterSzondi e Anatol Rosenfeld, estilo correspondente a uma estrutura de eventos que aristotelicamente supe atoresagindo, no narrando. MARQUES, F. Com os sculos nos olhos teatro musical e expresso poltica noBrasil, 1964-1979. 2006. 386 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) Universidade de Braslia, Braslia, 2006.Disponvel em: Acesso em: 19abril 2008, f. 298.7 Idem, f. 13;15. 8 Segundo o crtico teatral Paulo Francis, Toda arte poltica, a despeito de si prpria, ainda que oartista descrevaas relaes individuais entre duas pessoas numa ilha deserta. FRANCIS, P. Polmica interminvel apresentao de

    Paulo Francis. In: BENTLEY, E. O teatro engajado. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969, p. 10. Sobre a questode toda arte ser poltica, Cf. Tambm PATRIOTA, R. Vianinha um dramaturgo no corao de seu tempo.So Paulo: Hucitec, 1999.

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    A respeito do Teatro de Revista, podemos observar seus elementos polticos quando, por exemplo, nas obras de ArthurAzevedo, conseguimos abstrair as cidas crticas aos personagens tipos, representantes comuns da sociedadebrasileira carioca de fins do sculo XIX (como o padeiro, o dono do bar, a senhora de famlia, etc;), ao buscarem naslinguagens e nos costumes dos europeus, sobretudo de Paris, as referncias de civilizao e modernidade. Cf.AZEVEDO, A. Contos fora da moda. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra, 1982 e VENEZIANO, N. O teatro derevista no Brasil: dramaturgia e convenes. Campinas, SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas,1991.9

    De acordo com Szondi: A frmula das tentativas de Piscator a elevao do elemento cnico ao histrico, ou, em suaacepo formal, a relativizao da cena atual em funo do elemento no atualizado da objetividade destri a naturezaabsoluta da forma dramtica, permitindo que um teatro pico se desenvolva. SZONDI, P. Teoria do dramamoderno [1880-1950]. So Paulo: Cosac & Naify Edies, 2001, p. 130.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    populares, pela sada das pequenas salas de espetculos10 (impasse discutido nos Seminrios deDramaturgia pelo qual fez parte), alm de constar em sua estrutura, as idias de Vianinha aliadas steorias estticas e polticas, neste momento, sobretudo das teorias de Piscator. De acordo comVianna Filho: preciso uma outra forma de teatro que expresse a experincia mais ampla da nossa condio. Uma forma

    que se liberte dos dados imediatos, que organize poeticamente valores de interveno e responsabilidade.Peas que no desenvolvam aes; que representem condies. Peas que consigam unir, nas experinciasque podem inventar e no copiar, a conscincia social e o ser social mostrando o condicionamento daprimeira pelo ltimo.11O elemento pico e didtico talvez tenha sido um dos maiores fatores de encontro de idias entreVianinha e Paulo Pontes. Essa caracterstica levaria s futuras relaes teatrais de ambos com acriao do Centro Popular de Cultura (CPC):Foi exatamente por meio de uma agitao poltica e pedaggica que Paulo Pontes fazia um trabalho paraleloao realizado pelo CPC e a UNE de maneira geral. E justamente pelas semelhanas, o encontro entre Vianinhae Paulo se deu em um dos projetos da UNE a UNE Volante. Esta, ao buscar alcanar a maior parte dasregies brasileiras, chegou a Joo Pessoa e prtica de Pontes. Unem-se, assim, duas vises que secompletavam no processo que envolveu o desenvolvimento do teatro engajado brasileiro.12

    de suma importncia compreender que medida em que Vianinha passa pelos anos de 1960 nabusca desses ideais de povo brasileiro alavancados com os resultados de peas tais quais Elesno usam black-tie (1958), de Gianfrancesco Guarnieri suas obras dialogam mais com asteorias de Brecht quanto defesa da esttica teatral aliada ao engajamento.As personagens-tipo ganham novos e aprofundados olhares quanto uma percepo social epoltica. Cada expresso dos atores significaria um contato com as consideraes de Brecht acercado Gestus como elemento primordial da compreenso dramtica: A atitude que os personagensassumem em relao uns aos outros o que chamamos esfera do Gestus. Atitude fsica, tom devoz e expresso facial so determinadas por um Gestus social: os personagens injuriam-se,cumprimentam-se, esclarecem-se uns aos outros, etc.1310 Sobre a sada de Vianinha do Arena, Cf. PUGA, D. Medias e Joanas: a tragdia grega transformada em Gota

    Dgua. 2006. 97 f. Trabalho de concluso de curso (bacharel em Histria) Instituto de Histria INHIS,Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2006.11 VIANNA FILHO, O. Apud. MARQUES, F. Com os sculos nos olhos teatro musical e expresso polticano Brasil, 1964-1979. 2006. 386 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) Universidade de Braslia, Braslia,

    2006. Disponvel em: Acesso em: 19 abril 2008, f. 29.12 PUGA, D. Medias e Joanas: a tragdia grega transformada em Gota Dgua. 2006. 97 f. Trabalho deconcluso de curso (bacharel em Histria) Instituto de Histria INHIS, Universidade Federal de Uberlndia,Uberlndia, 2006, f. 23.13 BRECHT, B. Teatro dialtico - ensaios. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967, p. 209. Dentre as peas deVianinha as quais percebe-se com mais clareza a caracterstica da teoria do Gestus desenvolvida por Brecht, tem-Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    4Contudo, o golpe militar em 1964 trouxe consigo outras atribuies ao significado poltico. Nestemomento histrico, falar em teatro engajado constitua-se na tentativa constante de dizer sobre a

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    falta de liberdades na ditadura, cujas prticas se viam, cada vez mais, na luta pela sobrevivncia.Uma luta contra a censura, a violncia e o conturbado cotidiano dos brasileiros em geral; e noapenas pela idealizao do que fosse o povo do pas.14Paulo Pontes aponta, assim, a renovada dimenso poltica: cada vez mais, representar os problemasdo pas significava discutir temticas comuns s vrias camadas sociais. Foi exatamente nessemomento histrico que Chico Buarque iniciaria a criao de suas obras e construiria um dilogo

    poltico, fazendo parte desse novo tipo de pensamento por parte dos intelectuais.15No repertrio artstico, de acordo com Adlia de Menezes estudiosa da poesia de Chico ,traduziria o domnio de espetculos musicais no perodo.16 Cada vez mais os musicaisrepresentariam o amadurecimento poltico e esttico desses artistas, cujos elementos estudados aolongo do tempo foram se incorporando de maneiras diversas, porm mais apuradas para responders questes de cada poca.Nestes shows, onde a msica se torna o elemento principal, o teatro de revista volta a ser umainfluncia (que marcaria, por exemplo, at o fim da carreira de Vianinha, sobretudo na dcada de1970), pelo seu carter de proximidade com o pblico devido urgncia e clareza na informao damensagem; mas tambm, segundo Patriota, por contribuir [...] elaborao de um texto dinmico,com personagens, estrutura e ritmo definidos, dilogos geis [...].17 Foi com essas caractersticas

    que Vianinha desenvolveria um texto como Se correr o bicho pega, se ficar o bichocome, de 1967, contendo elementos da cultura popular nordestina, tais como a fala.18 Mas tambmpela capacidade que o verso e a msica detinham de construir uma reflexo crtica; fatores pelosquais seriam usufrudos em Gota Dgua, tanto pelas longas parcerias entrese, alm de A mais-valia, a obra O auto dos 99% (1962), em que as personagens se fundamentam e se expressamsegundo caricaturas sociais. 14 Cf. PUGA, D. Medias e Joanas: a tragdia grega transformada em Gota Dgua.2006. 97 f. Trabalho deconcluso de curso (bacharel em Histria) Instituto de Histria INHIS, Universidade Federal de Uberlndia,Uberlndia, 2006. 15 Chico Buarque comeou sua carreira ainda no perodo do golpe militar, com a msica A Banda eposteriormentesendo [...] convidado pelo escritor e psicanalista Roberto Freire para musicar o poema Morte e Vida Severina obra de Joo Cabral de Melo Neto que foi levada ao palco pelo grupo do Teatro da Universidade Catlica de So

    Paulo. PUGA, D. Medias e Joanas: a tragdia grega transformada em Gota Dgua. 2006. 97 f. Trabalho deconcluso de curso (bacharel em Histria) Instituto de Histria INHIS, Universidade Federal de Uberlndia,Uberlndia, 2006, f. 25. As discusses levantadas pelas obras de Chico (sobretudo ao final dos anos de 1960 em diante)situavam sua indignao tanto pelas injustias sociais, quanto aos problemas que assolavam os brasileiros em geral peloacirramento da censura fator que se desenvolveu ainda mais aps o AI-5 de 1968.16 Cf. MENEZES, A. B. Desenho mgico: poesia e poltica em Chico Buarque. 3. ed. ampl. So Paulo: AteliEditorial, 2002.17 PATRIOTA, R. A crtica de um teatro crtico. So Paulo: Perspectiva, 2007, p. 17.18 Cf. PATRIOTA, R. Ibid., p. 16. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso.ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    Paulo Pontes e Vianinha, quanto pela presena marcante da produo de Chico Buarque. SegundoMarques, necessrio compreenderO modo como os aspectos estticos se mobilizam para sustentar o contedo poltico [que ao mesmo tempoum contedo histrico]; a pesquisa (ou a simples utilizao) das fontes populares, vital para boa parte dessestrabalhos; o uso do verso e o casamento feliz do teatro com a msica popular, em que se observam por vriasvezes nessa fase [entre 1964 e 1979 perodo em que Marques estuda] [...]. Para ficar apenas em um dessestpicos, diga-se que o verso afim a espetculos nos quais a msica assume papel estrutural ento volta aser praticado, como em Se correr o bicho pega e em Gota Dgua, [...] exemplos paradigmticos.19Com as mudanas no processo histrico, as questes de intelectuais do teatro tais como Vianinha ePaulo Pontes e, nesse novo momento, Chico Buarque, permeavam tanto as peculiares convivnciascom a vida social, quanto a busca de respostas por meio de cada obra. De tempos em tempos,Brecht continuava presente nas caractersticas bsicas das peas, ajudando-os a encarar as

    possibilidades de um desenvolvimento teatral com os aspectos no- realistas das canes, cujasatribuies teatralistas, fantasistas e no-mimticas palavras de Marques20 eram capazes deconstruir o distanciamento necessrio para a reflexo crtica do pblico.

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    Entretanto e ao mesmo tempo, o realismo como um auxiliar do gnero dramtico e nocompletamente pico foi o principal aliado na busca pela construo de textos que melhorrespondessem aos anseios desses artistas; os quais, por isso, tantas vezes defenderam o que PauloPontes chamaria de valorizao da palavra como recurso cnico como apontam ele e seuparceiro Buarque no prefcio do livro publicado da pea Gota Dgua. Compreendia-se assim,um teatro cada vez mais formado pela profundidade dramtica dos dilogos, aliadas as vantagens da

    msica como elemento de reflexo, tanto das cenas, quanto das personagens suas caractersticas eaes durante a pea.Foi de uma sntese de obras complexas que compreendeu o final da dcada de 1960 e durante osanos de 1970, no Brasil. Disso decorre de toda uma ebulio poltica com o recrudescimento daditadura militar ps 1968, com o AI-5. De acordo com Dnis de Moraes, um jornalista e estudiosode Vianinha:A unidade que a classe artstica construra em torno da defesa da liberdade de expresso no impediria que setravasse entre as diversas faces que a compunham um apaixonado debate poltico. No ringue, osreformistas que seguiam a linha do PCB, e os revolucionrios ou porra-loucas, como19 MARQUES, F. Com os sculos nos olhos teatro musical e expresso poltica no Brasil, 1964-1979. 2006.386 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) Universidade de Braslia, Braslia, 2006. Disponvel em: Acesso em: 19 abril 2008, f. 14-15.20 Cf. MARQUES, F. Ibid. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP.So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    eram chamados pelos adversrios. Revolucionrios, a rigor, todos eram: o que determinava os rtulos era aconcepo adotada. Ou a ruptura violenta, conduzida por uma vanguarda iluminada que logo transferiria opoder classe operria, ou a acumulao de foras, tecida gradualmente por um conjunto hererogneo dealiados [...].21As cises cada vez mais aguadas nos ideais da esquerda contra a ditadura militar viriam determinara necessidade cada vez maior dos intelectuais que dialogavam com Vianinha e Paulo Pontes desistematizar as novas questes de maneira estruturada, demonstrando a heterogeneidade do povobrasileiro, e as dificuldades de transformar os problemas sociais na prtica. Ao recente perodocabia, sobretudo, um momento de plena reflexo sobre os caminhos tomados, bem como suasderrotas as quais se marcariam ainda mais com o insucesso dos radicais na luta armada. SegundoPatriota, descortina-se, assim,[...] algumas concepes que nortearam a sua dramaturgia [de Vianinha]: a existncia de um processo quesuscitou a proposio de temticas e perspectivas de interveno. Em termos polticos, traduziu em um idealde povo e de prticas de conscientizao, compreendidas, pelos prprios agentes, como revolucionria. Da,aqueles que comungaram dessa interpretao viram- se no s derrotados, como concluram que aspossibilidades de mudana estavam adiadas. Uma nova oportunidade histrica deveria se apresentar e a elescaberia pensar criticamente o que ocorrera, aprender com os equvocos e empreender a construo daresistncia democrtica.22Para os intelectuais da resistncia democrtica, a dcada de 1970, ao permitir uma viso mais crtica

    do que seria o povo brasileiro, construiria, em termos estticos, uma [...] atitude menosexortativa e menos didtica em relao aos espectadores,23 funo fundamental para se pensar oteatro da dcada anterior e por entender que eles mesmos estavam em constante processo deaprendizado. Certamente possvel avaliar as influncias que uma pea como Se correr o bichopega, se ficar o bicho come (de 1967) poderia ter para a criao de obras como GotaDgua, em 1975. Ambas contm em sua estrutura, versos e canes. Mas nesse ltimo momentohistrico, autores como Paulo Pontes e Chico Buarque consideraram mais relevante conseguirreunir formas cultas e populares para recriarem o significado e a estrutura do musical em meio defesa de uma idia mais elaborada do pas e de seus problemas.Em meio derrota apresentada nos recentes momentos histricos, Pontes suscitou diversas dvidasa respeito de como seria um teatro nacional capaz de abarcar todas as problemticas de umasociedade que precisava conviver com um autoritarismo extremo, mas, principalmente com umcapitalismo dinmico, capaz de deixar ainda mais evidente as

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    21 MORAES, D. de. Vianinha Cmplice da paixo. Rio de Janeiro: Nrdica, 1991, p. 183. 22 PATRIOTA, R. Acrtica de um teatro crtico. So Paulo: Perspectiva, 2007, p. 31. 23 MARQUES, F. Com os sculos nosolhos teatro musical e expresso poltica no Brasil, 1964-1979. 2006.386 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) Universidade de Braslia, Braslia, 2006. Disponvel em: Acesso em: 19 abril 2008, p. 22.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    desigualdades. Ainda no mbito esttico, simbolizou a observao da carncia na produo de obrascapazes de compreender os equvocos dos intelectuais. Para este autor, a defesa por um contato como teatro de revista se fazia de maneira ainda mais significativa e urgente que em meados dos anos de1960, como uma forma de aprofundar em suas categorias mais crticas o cotidiano brasileiro ponto crucial para desenvolver temticas que envolviam a complexidade scio-poltica pela qualpassava o pas.O teatro que estamos fazendo hoje no Brasil talvez seja o mais pobre do sculo. De Martins Pena at adcada de 40, tivemos um teatro pouco profundo ideologicamente, mas que tinha como matria-prima a vidabrasileira. Estavam l o preo do leite, a crtica moral estreita da pequena burguesia. Estava l ahumanidade brasileira de uma forma profundamente crtica. A revista vitalizava isso. Alm de ser uma formade espetculo brasileiro, tinha uma capacidade crtica extraordinria. O grande momento da revista era o

    quadro poltico. [...] A sociedade brasileira estava sendo refletida naquele teatro. De Martins Pena at 40 asociedade e teatro brasileiros estavam mais ou menos paralelos. Da dcada de 50 em diante Jorge Andrade,Vianinha, Guarnieri, Boal, Millr, Callado, Lauro Csar Muniz a temtica do teatro brasileiro aprofundou-se e o teatro ficou um pouco frente da conscincia do pblico. Os problemas estavam a, sendo vividos portodo mundo, mas o teatro brasileiro, ao invs de apresent-los na superfcie, investigava-os profundamente.Esse teatro se caracterizava por estar na frente da sociedade brasileira. O que caracterizava o teatro de 1968para c estar a quilmetros atrs da sociedade. Qualquer edio do Pasquim, qualquer edio de OEstado de S. Paulo, qualquer coluna do Castello, qualquer papo de botequim mais rico, denso,dramtico e profundo do que qualquer pea brasileira em cartaz.24Essas discusses de Pontes foram abordadas tambm tanto no prefcio de Gota Dgua, quantonos dilogos que construiu com demais intelectuais e artistas do perodo entre eles Chico Buarque

    , preocupados com o que se fazer frente a situao das artes nos anos de 1970 maisespecificamente, em 1975, ano em que ocorreram os debates sobre a Cultura Contempornea noteatro Casa Grande, originando, posteriormente, uma publicao.25 Esses debates foram umexemplo das diversas inquietaes que circulavam no Brasil entre esses profissionais, os quais noconseguiam mais, como nos anos anteriores, respostas e caminhos fceis a seguir sobre questessociais, polticas e culturais do pas.Em fins dos anos de 1960 e durante a nova dcada, vrios intelectuais seguiram visesdiferenciadas. No teatro, a radicalidade da luta armada se determinou como vanguarda artstica, talqual o chamado teatro de agresso, em que as investidas hostis e provocaes ao pblico seconstruam como forma de expressar a ansiedade por respostas.Todavia, para artistas que concordavam com os ideais de Vianinha, o novo perodo que se seguiu

    aprofundara ainda mais a dvida do que significaria, sobretudo, ser um intelectual e/ou24 PONTES, P. 1976. In: PONTES, P. O teatro de Paulo Pontes. v. 1. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998,p.129.25 Ciclo de Debates do teatro Casa Grande. Rio de Janeiro: Inbia, 1976. Texto integrante dos Anais do XIX EncontroRegional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    um profissional da arte em uma sociedade de classes. E, alm disso, compreender que, por maisdifceis as condies de vida, era preciso continuar a atuar criticamente, embora lidassem com umaluta dentro de um mercado de trabalho.26Esses fatores estavam presentes tambm em Gota Dgua. Mesmo traando um eixo temticodefinidor do enredo, a pea composta de personagens que no so capazes de legitimar um

    conceito homogneo de povo brasileiro e, por isso mesmo, so fragmentadas, possuempensamentos e atitudes diferenciadas em relao aos seus sonhos pessoais ou s suas ideologiaspolticas.

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    As caractersticas estticas como um todo revelam uma questo importante para compreender oprocesso histrico, tanto para Vianinha, quanto para os demais artistas que com ele dialogavam.Para Patriota: [...] a diversidade de recursos estticos se fez presente, no como processo evolutivo,mas como uma apreenso cclica de idias e formas a serem (re)significadas pelo prprio momento[...].27 Tais consideraes so reveladoras ao pesquisador, que necessita observar cada um dessesintelectuais como, tambm, sujeitos histricos pensando e agindo sobre a sua poca. Vianinha,

    Paulo Pontes e Chico Buarque atuaram, assim, a todo momento, buscando corresponder sespectativas que eles mesmos criaram acerca de um instante scio- poltico e cultural do Brasil.Nestes termos, o campo esttico simboliza a busca de caminhos sistematizados na forma de cadapea teatral.A poeticidade dos versos, da mesma forma como a msica utilizada em termos dramticos, alm denos apresentar imagens so capazes de suscitar a reflexo do pblico, que passa a observar demaneira distanciada o julgamento das personagens e cenas. somente assim que se torna possvelcompreender a autoria de Buarque em Gota Dgua: Eu fazia aquilo para juntar as canes, parafazer as canes funcionarem [...].28 E as msicas passavam a constituir uma funo dramticaespecfica. Segundo o crtico teatral Dcio de Almeida Prado:Para certos temas, os autores ficavam mais livres no teatro musicado do que no teatro de prosa. Porque o

    teatro de prosa tinha um cunho muito realista, [...] no podia haver uma certa liberdade. Ao escrever ummusical, ao contrrio, a pessoa podia dar muito mais vazo fantasia. Quando entra a msica, o teatro setorna mais teatral; quando o teatro quer, ao contrrio, reproduzir a realidade tal e qual a realidade cotidiana, amsica no aparece. A no ser por meio de uma festa [...]. Seria o efeito realista da msica.2926 Sobre os novos desafios dos artistas, Cf. PATRIOTA, R. A crtica de um teatro crtico. So Paulo: Perspectiva,2007.27 PATRIOTA, R. A crtica de um teatro crtico. So Paulo: Perspectiva, 2007, p. 31. 28 HOLLANDA, C, B.Chico Buarque 6 - Bastidores. Chico Buarque (DVD-vdeo). RWR Comunicaes LTDA;EMI Music Brasil LTDA: 2005. [verso transcrita] 29 PRADO, D.A. Apud. MARQUES, F. Com os sculos nosolhos teatro musical e expresso poltica no Brasil, 1964-1979. 2006. 386 f. Tese (Doutorado em LiteraturaBrasileira) Universidade de Braslia, Braslia, 2006. Disponvel em: Acesso em: 19 abril 2008, f. 367.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    Dessa maneira, em Gota Dgua no existe a necessidade de criar razes pelas quais aspersonagens cantam. O fato de cantarem uma forma de induzir o pblico a assistir um espetculocujos elementos musicais so atribudos a todos, independente de qualidades ou dotes especficos por isso o fator no-realista.Esse efeito de verossimilhana consegue fazer com que o pblico tenha um contato mais amplo damensagem que se quer passar. Cada cena da pea no teria, assim, um significado simples e voltadopara referncias diretas da realidade mostrada. Por meio da msica e dos versos, a obra torna-se emsi um instrumento para compreender algo que vai alm, e que est relacionado com as intenespolticas dos autores: aquilo que remete s suas vises da vida social.Em termos gerais, tanto os versos quanto as canes de Gota Dgua tornam-se grandes aliadosdramticos, porque alm de fornecerem, ora representao de seriedade, ora de humor ou ambos ecom isso, complexidade obra , so a principal via de comunicao dos autores por serem oselementos de interrupo e de comentrio s aes das personagens . De acordo com a teoriabrechtiana:D-se nfase ao Gestus geral da representao o que sempre sublinha o que est sendo mostrado pormeio de apelos musicais dirigidos ao pblico atravs de canes. Os atores jamais devem passarnaturalmente da fala para o canto, mas antes destac-lo nitidamente do restante, atravs de recursos cnicosadequados, como mudana de iluminao ou emprego de ttulos. Por sua vez, a msica deve resistir sintonizao que lhe geralmente exigida, tornando-se um apndice subserviente. A msica no deveacompanhar, a no ser como comentrio. No deve simplesmente exprimir-se a si mesma, desgastando as

    emoes com as quais coexiste durante os acontecimentos. [...] A msica pode, assim, revestir-se de diversasformas, sem perder sua independncia. Pode tambm dar sua prpria reao em relao ao tema tratado.30

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    Dessa forma, para Brecht, a msica revela momentos da pea que apenas ela (em conjunto comoutros recursos cnicos) poderia salientar. A mensagem da cano nem sempre baliza aquilo queest sendo dito pelas personagens. Ela pode circunstanciar ainda mais uma opinio sempre seapresentando de maneira independente ao restante da obra , mas pode tambm ter efeitoscompletamente diferentes da prpria temtica da cena, propositalmente. interessante observar a maneira como Paulo Pontes e, sobretudo Chico Buarque usufruram

    dessas idias picas para Gota Dgua. Nestes trechos, onde a msica ganha relevncia, existeuma inteno em se unir elementos trgicos com cmicos. Se em algumas passagens, aspersonagens da pea cantam alegremente com intenes de produzir um efeito30 BRECHT, B. Teatro dialtico - ensaios. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967, p. 216-217. Texto integrante dosAnais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    crtico ao pblico, muitas vezes retorna-se ao teor srio, no qual o clime de teor e tristezadeterminam, como na msica Bem querer.A cano ressalta a dor da personagem Joana que trada pelo sambista Jaso quando este vai casarcom Alma (filha de Creonte) e tem que conviver com o abandono para os cuidados de duas crianasque teve com ele. Joana vive em um lugar pobre do subrbio carioca, onde Creonte a personagemresponsvel por controlar a Vila do Meio-Dia.Com a visita de Jaso casa de Joana, ela convencida por Egeu a voltar ao lar e receb- lo para secertificar de que se arrependeu. O recurso pico da iluminao ressaltando a presena de Jaso dolado oposto ao palco, enquanto Joana ainda faz gestos de que caminha para o seu set auxiliam noefeito da msica que a personagem canta enquanto realiza cada passo: Bem querer. Seusmovimentos demarcam ainda mais o que est sendo mostrado seguindo a teoria brechtiana traando uma relevncia maior ao apelo musical.Apaga a luz do set das vizinhas; orquestra sobe; JASO vai aparecendo no outro lado dopalco; JOANA, fazendo movimentos que correspondero a sua caminhada at emcasa, comea a cantar Quando meu bem-querer me virEstou certa que h de vir atrs H de me seguir por todos Todos, todos, todos os umbrais E quando o seu

    bem-querer mentir Que no vai haver adeus jamais H que responder com jurasJuras, juras, juras imorais E quando o meu bem-querer sentir Que o amor coisa to fugaz H de me abraarcoa garra A garra, a garra, a garra dos mortais E quando o seu bem-querer pedir Pra voc ficar um poucomais H que me afagar coa calma A calma, a calma, a calma dos casais E quando o meu bem-querer ouvir Omeu corao bater demais H de me rasgar com a fria A fria, a fria, a fria assim dos animais E quando oseu bem-querer dormir Tome conta que ele sonhe em paz Como algum que lhe apagasse a luz Vedasse aporta e abrisse o gs. No fim da cano, JASO e JOANA encontram-se frente a frente31Bem querer criada para que o leitor/espectador tenha em resumo e repetidamente como seobserva na produo musical de Chico toda a histria da personagem e, de pouco em pouco,noo antecipada de que vinganas ainda viro. A iluminao e cada gesto de Joana31 HOLLANDA, C. B. de; PONTES, P. Gota Dgua. 29. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998, p. 83- 84.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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    permitem que o caminho seja virtualmente longo o suficiente para que ela revele seus planos, passoa passo e de forma sutil, unicamente ao pblico, muito embora Jaso estivesse em sua frente aofinal da msica. A cano, juntamente aos seus movimentos, se constituem como os grandesnorteadores da caracterizao de Joana: unem-se razes pessoais (ser mulher trada) e sociais(abandono e pobreza) sobretudo na passagem: [...] h de me rasgar com a fria assim dosanimais.O primeiro ato de Gota Dgua termina com a utilizao desses recursos de contraste aoabsurdo, defendidos por Marques, quando da passagem da casa da Joana onde acontece umabriga longa e cruel entre a protagonista e Jaso para a cena final com a corrente de boatoscoreografada. Entre o ressentimento e descompostura de Joana, a troca de insultos e o soco queleva de Jaso, a msica entoada pelos vizinhos curiosos em saber como ser o casamento daquelecom Alma, bem como as compras e luxos de Creonte cerimnia e festa transmitida para

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    determinar uma caracterstica ftil. Os contrrios de humor e tragicidade so novamente ressaltadoscomo forma de construir um dilogo crtico.De maneira geral, Gota Dgua prope, com uma maneira rica e heterognea de formas estticas,construir um dilogo ativo com o pblico, chamando sempre a ateno de que existem problemasconcernentes ao seu perodo que devem ser resolvidos, mas que at o momento, os dramaturgostinham conscincia da falta de respostas. Se os anos de 1970 (sobretudo 1975) exigiram dos

    intelectuais e artistas que repensassem idias polticas, buscando novas formas de compreender osequvocos, a pea de Pontes e Chico representou toda essa complexidade aos olhos desses autores.Para corresponder quilo que observaram, construram uma obra com mltiplos discursos e aesde personagens. Da mesma maneira, inmeras possibilidades de compreender a utilizao dosversos e msicas como instrumentos dramticos para o exerccio crtico daqueles que a receberam.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro

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