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III COLÓQUIO CULTURA E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA PORTUGUESA Curitiba, de 25 a 27 de abril de 2016 Auditório Alcides Munhoz da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná CADERNO DE RESUMOS

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III COLÓQUIO CULTURA E EDUCAÇÃO

NA AMÉRICA PORTUGUESA

Curitiba, de 25 a 27 de abril de 2016

Auditório Alcides Munhoz da Faculdade de Direito

da Universidade Federal do Paraná

CADERNO DE RESUMOS

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III COLÓQUIO CULTURA E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA PORTUGUESA

Organização Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa [GCEAP] Apoios Departamento de História da Universidade Federal do Paraná; Programa de Pós-Graduação em História da UFPR; Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR; Centro de Pesquisa em História da Educação da UFMG (GEPHE); Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (CEDOPE-UFPR); Centro Universitário UniCuritiba; CNPq; FAPEMIG. Financiamento

Acesse https://coloquioceap.wordpress.com/

[email protected]

APRESENTAÇÃO

O período colonial ainda é relativamente pouco estudado do ponto de vista da História da Educação, em contraste com a vasta produção historiográfica relativa a outros temas. Recentemente, por meio da iniciativa de alguns pesquisadores e grupos de pesquisa, tem sido renovado o interesse pelo estudo dos múltiplos aspectos assumidos pelas diferentes formas de educação presentes no Brasil naquele período. Em articulação com pesquisas sobre a atuação do Estado e da Igreja, tem sido abordados: o contexto relacionado à disseminação das ideias ilustradas e sua influência sobre as instituições, a cultura escrita e a história do livro e da leitura e a história de práticas culturais e educativas. Além da produção de pesquisadores já consolidados no campo, tem crescido o desenvolvimento de dissertações de mestrado e de teses de doutorado voltadas para esses objetos de investigação. O Colóquio Cultura e Educação na América Portuguesa pretende oferecer espaço de reunião e de intercâmbio entre pesquisadores sobre o tema, a fim de estreitar o diálogo que envolve as pesquisas relacionados aos processos em foco e fundar bases mais amplas nas quais essas pesquisas possam ser estendidas.

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PROGRAMAÇÃO

25 de abril (segunda-feira)

8:00h-12:00h: Credenciamento

14:00h-17:30h: Comunicações Livres

19:00h-21:00h: Conferência de Abertura

As primeiras gerações de estudantes Luso-Brasileiros na Universidade de Coimbra, após a reforma pombalina - Prof. Dr. Magnus Roberto de

Mello Pereira (UFPR)

26 de abril (terça-feira)

9:30h-11:30h: Mesa Redonda – Administração, Instrução e Educação: uma nova mentalidade administrativa para o mundo luso-brasileiro setecentista.

Instruções de governo e práticas ilustradas na América portuguesa - Prof. Dr. Antonio Cesar de Almeida Santos (UFPR) – coordenador

Um governador “ilustrado” no sul da América portuguesa: José da Silva Pais (1735-1760) - Prof. Dr. Fábio Kuhn (UFRGS)

A cultura jurídica dos ‘rústicos’ da América Portuguesa - Prof. Dr. Luís Fernando Lopes Pereira (UFPR)

14:00h-17:30h: Comunicações Livres

19:00h-21:00h: Mesa Redonda – Cultura escrita e práticas culturais e educativas: traduções e processos culturais no mundo luso-brasileiro setecentista.

Em busca da tradução perfeita; os discursos de tradutores e censores portugueses na segunda metade do século XVIII - Prof. Dr. Cláudio Luiz Denipotti (UEPG) - coordenador

Infidelidades do “traslado fiel”: tradução e interpretação de trechos da Nova Escola de Manoel de Andrade de Figueiredo

pelo Professor Thomas da Silva Campos em Ponte de Lima, março de 1755 - Profa. Dra. Márcia Almada (UFMG)

A tradução e o iluminismo luso-brasileiro: homens, livros e a aplicação do conhecimento - Profa. Dra. Alessandra Harden (UNB)

27 de abril (quarta-feira)

9:30h-11:30h: Mesa Redonda – Instituições e práticas culturais e educativas: ações e perspectivas no mundo luso-brasileiro setecentista.

Instituições, concepções educativas e práticas culturais na América portuguesa - Profa. Dra. Thaís Nívia de Lima e Fonseca (UFMG) - coordenadora

Companhia de Jesus na América portuguesa: organização, catequese e educação - Prof. Dr. Célio Juvenal Costa (UEM)

Instituições e práticas culturais e educativas: implicações metodológicas na escrita da história intelectual - Prof. Dr. Carlos Eduardo Vieira (UFPR)

13:30h-16:00h: Comunicações Livres

16:15h-18:15h: Sessão Especial do Grupo de Pesquisa Cultura e Educação na América Portuguesa (GCEAP). Reflexões metodológicas e perspectivas de pesquisa.

Profa. Dra. Ana Cristina Pereira Lage (UFVJM); Prof. Dr. Álvaro de Araújo Antunes (UFOP); Prof. Dr. José Newton Coelho Menezes (UFMG)

18:30h: Encerramento do III Colóquio Cultura e Educação na América Portuguesa.

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Comunicações livres (25 de abril)

Algumas considerações acerca do iluminismo em Portugal José Roberto Braga Portella

Universidade Federal do Paraná

O que define o clima da opinião pública do século XVIII tal como definido por Jurgen Habermas, e a sua identificação com as Luzes, seria o privilégio concedido à ciência como a porta de entrada ao mundo do conhecimento: o envolvimento com determinadas questões pelos ilustrados europeus, a utilização de um mesmo vocabulário, cujas palavras-chaves seriam natureza, razão, perfectibilidade, entre outras.

A razão foi valorizada como o instrumento principal para se alcançar o verdadeiro conhecimento e a busca da verdade. Propunha-se a afirmação da ciência experimental e aplicada, em oposição à ciência escolástica. Buscava-se encontrar no mundo natural os princípios que regiam o mundo e se procurava arrancar o seu segredo, submetê-lo à luz do entendimento e penetrá-lo com os poderes do espírito. A natureza sendo considerada como o locus perfeito para o exercício da sensibilidade e da razão.

A crença na razão, como a única forma de se alcançar o verdadeiro conhecimento; a observação e a experimentação, como os elementos chaves do “fazer ciência”; a busca do domínio e conhecimento da natureza; a preocupação com a verdade científica e a afirmação da ciência útil são as características presentes e que nos permite integrá-los ao clima de opinião pública típico da Ilustração.

Para Thomas Broman, é ao tomarmos o conceito de esfera pública habermasiano tanto como fenômeno empírico como categoria analítica, o que nos fornece uma chave para entendermos o movimento de alargamento do público interessado em ciência para além dos scholars e sua presença no discurso público.

O universo das Luzes portuguesas é bastante variado e multifacetado, embora ao longo das chamadas ‘Luzes Joaninas” e ‘Luzes pombalinas” não se detecte algum laivo de originalidade propriamente dita. Esta falta de originalidade em sentido estrito coloca em questão uma pretensa unidade conceitual que pudesse ser

atribuída aos pensadores e/ou vulgarizadores portugueses do Iluminismo.

Percebe-se certo comodismo em diversos autores, que aceitam um tanto acriticamente, o conceito de Iluminismo em Portugal como derivado do termo italiano illuminismo, para caracterizar o movimento das ideias que se contrapôs à escolástica na filosofia e educação, à herança seiscentista no campo da literatura, das artes e do pensamento.

Além do reformismo educacional de Pombal, as décadas de 1750 e 60 do século XVIII representam um ponto de viragem importante na recepção das diferentes correntes de pensamento europeu ilustrado. No entanto, essa recepção do pensamento europeu ilustrado também é alvo de dúvidas e incertezas, principalmente quanto ao efetivo alcance das relações entre a cultura portuguesa e a cultura científica européia alicerçada na revolução científica. De acordo com alguns viajantes europeus setecentistas, como Giuseppe Gorani de 1765 a 1767 e ao qual se junta no ano de 1796, a voz de J. B. F. Carrère, o panorama em Portugal era de muitas dúvidas quanto à sua inclusão na Europa bem pensante. Esses são, sem dúvida, olhares reducionistas, simplistas e mesmo distorcidos acerca da realidade portuguesa da segunda metade do século XVIII. No entanto, não se pode deixar de notar que estes dois testemunhos pessoais comportam uma carga cultural e historicista própria a cada um dos seus autores, pois, estes também tem interiorizado o modelo operatório da ciência ilustrada, decorrente do seu espaço e tempo cultural de origem.

De qualquer modo, pode-se afirmar que a atitude desses dois viajantes europeus por Portugal, não deixa de mostrar-se paradigmática do que corresponderiam ao papel que cabia aos chamados homens cultos. Em nome da ciência, da verdade e do progresso, eles deveriam denunciar, por todos os meios disponíveis, a ignorância e os erros do passado.

Independente da interpretação que se possa atribuir à emergência da opinião pública no período das Luzes – em razão das diferentes acepções filosóficas e/ou ideológicas que tal conceito foi desenvolvendo, seja de Locke a Bayle como de Rousseau a Kant -, ela nunca manifestou-se de modo pacífico.

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No plano político, instaurou uma modalidade alternativa de representação, sem ligação a qualquer poder instituído (seja ele monárquico, parlamentar ou administrativo) e, no plano cultural, “postula a evidência de uma unanimidade”, suportada, sem distanciamento aparente, por aqueles que realmente dão voz à chamada opinião pública, ou seja, as elites esclarecidas. Formar homens úteis à nação: o projeto verneyano e o ideário

reformista português Eduardo Teixeira de Carvalho Junior

Centro Universitário Curitiba

Esta comunicação tem por objetivo apresentar alguns resultados de minha tese de Doutorado, na qual procurei discutir sobre a centralidade da ideia de método como um dos traços específicos do iluminismo português. O ideário reformista pode ser compreendido como um conjunto de ideias, propostas e medidas elaboradas por alguns portugueses do século XVIII para que Portugal pudesse seguir o modelo das “Luzes” da Europa, especialmente aquela parte que havia logrado um crescimento comercial mais expressivo. Luis Antonio Verney publicou uma obra intitulada Verdadeiro Método de Estudar em 1746, cujo objetivo era livrar a sociedade portuguesa do que considerava um estado de “atraso” e “decadência” por meio de uma ampla reforma do sistema educacional. Verney defendia o projeto de um novo homem, um homem capaz de entender “os interesses dos Príncipes” para poder aconselha-lo, “premeditar um projeto avantajoso” e “estipular um contrato útil” ao estado. No projeto verneyano a defesa do método experimental torna a Física a parte mais importante de sua Filosofia e assim todas as disciplinas, incluindo Teologia e o Direito, deveriam ter como guia o modelo da filosofia natural, sobretudo o modelo newtoniano, ou seja, tudo deveria ser submetido a um mesmo princípio. Para Verney todos os problemas do ensino em Portugal tinham a mesma “doença” (a filosofia escolástica) e o mesmo “remédio” (a filosofia moderna). Portanto, argumentava que os verdadeiros inimigos de Portugal eram aqueles que impediam a entrada do “novo método”, e a tarefa mais importante para se reformar e restituir o lugar de importância da cultura portuguesa era

combater o método antigo, o que levaria inexoravelmente à necessidade de se destruir a filosofia escolástica. As ideias de Verney causaram uma série de reações do setor mais tradicional da sociedade portuguesa, principalmente os jesuítas, que não concordavam com o seu diagnóstico de atraso e de decadência. Os jesuítas e os defensores do modelo vigente não viam razão para mudanças e acusavam Verney de aderir a uma moda passageira, assim como a chamada moda das experiências científicas, alimentadas por “uma idiota curiosidade”. Observavam que os jovens aderiam a esta moda primeiramente por serem livros de estrangeiros, que tinham boa aceitação entre os portugueses. E por preguiça, preferiam o caminho mais curto dos “livrinhos” da filosofia moderna, do que toda a erudição necessária para os conhecimentos que consideravam ser os mais fundamentais. Após a expulsão dos jesuítas, houve uma apropriação de elementos deste debate travado entre Verney e seus inimigos, em alguns documentos das “reformas pombalinas da educação”, como a Dedução Cronológica e Analítica(1769), o Compêndio Histórico(1771) e os Estatutos da Universidade de Coimbra(1772). Neste contexto, os jesuítas foram acusados de serem os responsáveis por todo o atraso da sociedade portuguesa, por terem destruído o comércio e agricultura do reino e reduzido a nação portuguesa a um estado de ignorância. Argumentava-se que os jesuítas haviam utilizado intencionalmente de um método “confuso”, carregado de “escolásticos sofismas”, para “enganar aos homens doutos” portugueses. Por outro lado, Verney foi recuperado como um herói, que “iluminando a nação”, usou de todo artifício para “extirpar toda a peste imaculada” pelos jesuítas que havia infeccionado “os engenhos portugueses”.A interpretação histórica apresentada nestes documentos acabou se tornando um modelo nas abordagens historiográficas sobre o século XVIII português. O lugar que foi dado a Verney na Dedução Cronológica, como “o iluminado Zeloso, que despertou a mocidade portuguesa do letargo, em que estava”, acabou se propagando para muito além do século XVIII, como é possível observar nas abordagens de José Sebastião da Silva Dias, Francisco José Calazans Falcon e Laerte Ramos de Carvalho. Ao analisar as polêmicas causadas pelo Verdadeiro Método de Estudar e sua relação com o discurso das “reformas pombalinas”, procuro

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contribuir para a compreensão da diversidade cultural do Iluminismo europeu, tentando ampliar o espectro deste debate historiográfico. Teodoro de Almeida e a literatura de divulgação da Filosofia Moderna em Portugal, na segunda metade do século XVIII

Patrícia Govaski Universidade Federal do Paraná

Mestranda/Bolsista CAPES Palavras-chave: Século XVIII; Ilustração Portuguesa; Recreação Filosófica

Analisar a natureza e o significado da Ilustração no interior do campo de investigação histórica é uma tarefa bastante complexa. Muitos são os trabalhos especializados nas áreas de História Cultural e Intelectual do século XVIII que se dedicaram a tal tarefa. Boa parte desses estudos, entretanto, procuraram mostrar a Ilustração como um movimento cultural, intelectual, filosófico e científico de dimensão continental europeia, tendo, por vezes, como o principal representante ou centro difusor de ideias o reino da França.

Adotando essa forma de interpretação, outras localidades fora dos territórios franceses foram por vezes esquecidas. Por muito tempo, trabalhos inspirados em autores como Ernest Cassirer e Paul Hazard interpretaram o movimento de Ilustração como um conjunto de ideias harmoniosas elaboradas por diferentes pensadores, deixando de levar em consideração as especificidades, os debates, as diferenças e as tensões inerentes a difusão dos ideais ilustrados nas diferentes tradições culturais em que podem ser observados.

O reino de Portugal não ficou alheio ao movimento de Ilustração. A identificação de acepções ilustradas no contexto sociopolítico de Portugal setecentista, entretanto, é vista pela produção historiográfica atual como um tema polêmico e controverso. Isso porque o ambiente político e intelectual lusitano apresentou naquele contexto características muito próprias, predominantemente católicas.

Como um dos desdobramentos da crítica ilustrada, podemos observar no decorrer do século XVIII o desenvolvimento de um movimento renovação dos planos científico, cultural e educacional no

reino português. Dentre os aspectos mais relevantes do contexto sociopolítico em questão, podemos certamente destacar as transformações que as formas de ensino e divulgação que os conhecimentos científicos e filosóficos obtiveram. Por aquela época, o ensino, a leitura e divulgação da cultura escrita passou a ser não exclusivamente uma preocupação em relação a formação de religiosos ou de profissionais intelectuais. Desse modo, a questão do ensino na formação dos indivíduos passou a ocupar um lugar de destaque em todo o reino português, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVIII.

Nesse contexto, a produção filosófica portuguesa obteve visibilidade e apreço, como se pode perceber considerando a produção intelectual do padre Teodoro de Almeida. Membro da Congregação do Oratório e expressivo representante do pensamento ilustrado em Portugal, em sua vasta produção intelectual Teodoro de Almeida considerou, entre outros elementos, que as inovações filosóficas de seu tempo eram ainda algo obscuro e inacessível para muitos nobres e homens de grande estirpe, em especial entre aqueles que não possuíam acesso às universidades ou aos círculos intelectuais letrados. Tendo em vista esta questão e demonstrando profunda inserção nas principais discussões de sua época, Teodoro de Almeida escreveu a Recreação Filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural para a instrução de pessoas curiosas que não frequentaram as aulas, obra de proporções enciclopédicas, em 10 volumes, escrita e publicada entre os anos de 1751 e 1800, que teve por objetivo tornar as inovações filosóficas provenientes da experimentação científica acessíveis entre aqueles que não detinham as técnicas ou habilidades necessárias para entendê-las.

Partindo das considerações acima, a presente proposta de comunicação tem por objetivo apresentar algumas considerações a respeito do perfil assumido pela Ilustração em Portugal, durante a segunda metade do século XVIII, assim como do tratamento dispensado ao tema por um de seus mais expressivos representantes: o padre oratoriano Teodoro de Almeida. Guiando essa proposta por abordagens que marcam o “contextualismo linguítico”, professado por historiadores como Quentin Skinner, pretendemos apresentar de que forma as páginas da obra Recreação Filosófica abordam e revelam

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a importância da divulgação da Filosofia Moderna durante a segunda metade do século XVIII, um período da história de Portugal fortemente marcado por uma iniciativa de universalização dos saberes e de reorganização da educação. Correspondência entre os “Zeladores da Pátria”: de Manuel do

Cenáculo para António Ribeiro dos Santos Jamaira Jurich Pillati

Universidade Estadual de Ponta Grossa Palavras-chave: Império português; livros e bibliotecas; letrados

Entre os anos de 1796 e 1798,Manuel do Cenáculo, importante letrado da Reforma Pombalina, manteve correspondência com o desembargador António Ribeiro dos Santos, bibliotecário-mor da Real Biblioteca de Lisboa. Estas correspondências recebidas e enviadas constam em uma coletânea transcrita pelo Frei Vicente Salgado,chamadaO Catalogo Methodico dos Livros, que o Ex.mo e R.mo D. Fr. Manoel do Cenaculo Villas-Boas, bispo de Béja Doou à Real Bibliotheca Publica da Corte No anno de 1797, e encontra-se no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal. O objetivo deste artigo é ater-se a essas relações estabelecidas entre os letrados iluministas, em Portugal, e sua relação com as bibliotecas, principais, instituições de conhecimento, os livros que a compunham e o papel que ambos desempenharam enquanto detentores do conhecimento.

No que se remete a aspectos culturais fortalecidos no século XVIII, a organização de bibliotecas, Academias de “Sciencias”, música e literatura foi um fenômeno comum aos reinos europeus afoitos por ostentar o legado e as práticas de cultura de suas majestades e suas cortes. Interessados na ascensão do reino através das luzes da razão e do cientificismo, pensadores e estudiosos de época passam a angariar coleções inteiras as instituições de educação e cultura. Em Portugal não foi diferente. Uma cultura do conhecimento há muito solidificada, fazia com que a nobreza quisesse se mostrar letrada, o que incluía práticas de obtenção de livros, manuscritos e obras e, também, através da construção de grandes bibliotecas.

Como erudito de seu tempo, Cenáculo se envolveu nas mais diversas atividades letradas, seja como historiador, filósofo, humanista, arqueólogo e, como é citado em vários estudos, bibliófilo. Acrescentam-se, ainda, os cargos de deputado e presidente da Real Mesa Censória. Cenáculo era grande comprador de livros, tendo reunido diversos tomos em sua biblioteca. O exercício de censor só fez com que adicionasse seu contato com todos os tipos de obras, proibidas ou não, aumentando não só suas listagens como seus interesses em diversas áreas da erudição. O reconhecimento de obras que acordassem com os ideais de leituras da Ilustração portuguesa e que contemplassem os debates intelectuais do período, regulamentava que tipo de conhecimento deveria, ou poderia, circular entre os súditos como maneira de controle. O bispo mantinha uma preocupação primordial com a educação e não foi só fundador de várias bibliotecas públicas, em Beja e em Évora, como também fez doações importantes a outras tantas, assim como manteve correspondência e troca de obras com diversas figuras da Europa da sua época.

Os diálogos mantidos por Cenáculo, para a doação à Real Biblioteca, foram dirigidos à outra figura da Reforma, o desembargador e bibliotecário-mor António Ribeiro dos Santos. Nascido em 1745, estudou humanidades no Brasil e direito na Universidade de Coimbra, onde, também, exerceu o magistério. Era membro da Academia das Ciências de Lisboa, cronista da Casa de Bragança e, assim como o Beja, censor régio. Dedicou-se a historiografia, linguística, literatura e direito.

António Ribeiro organizou a biblioteca da Universidade de Coimbra. Em plena Reforma Pombalina, redigiu documentos sobre parâmetros para bibliotecas, como criação de catálogos, atualização de coleções e regimento interno, além disso, defendeu sua maior abertura ao público. Em 1796, foi nomeado diretor da Real Biblioteca Pública da Corte, sob o reinado de Maria I. Sua troca de correspondência com D. Frei Manuel do Cenáculo diz respeito a uma doação para a respectiva biblioteca, da qual se referem as epistolas fontes para as analises feitas neste artigo.

As relações de sociabilidade geradas pela cultura escrita nos setecentos vão desde a circulação das ideias através dos manuscritos, da escrita epistolar, à conjuntura gerada pela palavra impressa e o

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mundo dos livros, do editor, autor, leitor, da censura e das bibliotecas. Interessa-nos aqui transitar pelas complexas relações estabelecidas entre os dois letrados, buscando nos discursos das correspondências quais os atributos que são acrescidos a suas figuras e a própria biblioteca, assim como ao conhecimento escrito. Uma biblioteca nas periferias da América portuguesa: o acervo

bibliográfico de Antonio Vieira dos Santos (Morretes e Paranaguá 1812-1851)

André Luiz Moscaleski Cavazzani Universidade Federal do Paraná

Sandro Aramis Richter Gomes

Universidade Federal do Paraná

Este artigo apresenta um estudo de caso acerca da composição da biblioteca doméstica de Antonio Vieira dos Santos (1784-1854), comerciante de origem portuguesa que residiu no litoral sul. Trata-se de um trabalho qualitativo, que busca, em primeiro lugar, demonstrar tal biblioteca indicando: quantos eram os títulos, quais eram os títulos, critérios de divisão dos mesmos e, por fim, levantar hipóteses sobre como e por que ela foi conservada. Além disso, se buscará apresentar o perfil desse colecionador de livros e, também, traçar alguns comparativos entre o repertório bibliográfico disponível na biblioteca doméstica, e os quadros mais gerais do elenco de livros presentes no Brasil do período coevo. A fonte principal para este estudo de caso, de orientação qualitativa, corresponde ao Breve resumo das memórias dos sucessos mais notáveis acontecidos de 1797 até 1827. Tal obra, de fundo autobiográfico, escrita pelo próprio Vieira dos Santos, permitiu não somente que se recuperasse o acervo bibliográfico do autor como, também, trouxe subsídios para se entender a relação que ele manteve com os mesmos. Nessa direção, procura-se demonstrar que, mesmo comerciante, Antonio Viera dos Santos mantinha predileção por livros de temática histórica. Fato que lhe permitiu, inclusive, escrever livros de história municipal.

A intertextualidade nos escritos científicos do viajante Carl Friedrich Philipp von Martius: o caso do espetáculo da colheita

dos ovos de tartaruga Daniela Casoni Moscato

Universidade Federal do Paraná Doutoranda/Bolsista CAPES

Palavras Chaves: Leitura, Viagens, Brasil Colônia

Em Munique durante janeiro de 1817, von Martius ocupava-se dos últimos preparativos na realização de um sonho que há tempos perseguia: a viagem à América. Desde 1815, tinha ele o plano de percorrer Buenos Aires, Chile, Quito, Caracas e México, refazendo a clássica viagem de Alexander von Humboldt. Porém, o primeiro planejamento não se concretizou, e a viagem que ele iniciou naquele janeiro seguia para a Colônia Portuguesa.

Despachou para Trieste o que era necessário nessa expedição, como os livros, os utensílios de viagem, os instrumentos e uma botica portátil; e embarcou em direção a Viena. Ali, na cidade Imperial, encontrou-se com os outros homens de ciência que seriam seus companheiros nessa viagem: botânicos, médicos, mineralogistas, zoólogos, um pintor de paisagem, um pintor de plantas, um jardineiro, um caçador e um mineiro.

Não era sem motivos que todos aqueles homens aguardaram impacientes a partida a Trieste, ponto inicial da grande viagem. Nos meses anteriores, dedicaram seu tempo no preparo dessa “aventura”, instruíram-se através de livros de viagens, científicas e imaginárias, usaram os Gabinetes de História Natural existentes em centros como Munique e Viena e ouviram experiências de todos os tipos de viagens nos cafés e nas bibliotecas particulares. Eles viviam em um período que a viagem era uma fonte de informação, o estágio amadorístico das ciências estava superado e, mesmo que ainda não se possa falar de profissionalização e especialização, os contornos das áreas estavam delimitados. Esses homens de ciência eram a soma de muitas experiências e tinham responsabilidades definidas pelos pares. A expedição que participava Martius tinha financiamento real e instruções claras de Academias e Museus do que deveria ser

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observado e enviado. Era uma prática que cada um desses locais elaborassem instruções com regras de observação, procedimentos técnicos e comportamentos a serem seguidos pelos viajantes durante as viagens.

Nesse caso, a América era uma espécie de consagração desse trabalho científico. Sabe-se que desde a descoberta no século XV as terras do além-mar tinham um lugar importante no imaginário europeu, mas no caso desses homens instruídos as terras dos trópicos permitiam testar os conhecimentos adquiridos nas cadeiras dos cursos de História Natural, confirmar as descrições de nomes como Carlos Lineu, levar para a terra uma cultura economicamente lucrativa e até mesmo colaborar com a descoberta de uma nova espécie. O projeto de conhecimento e reconhecimento do mundo, pelas viagens, tinha justificativas universais como a de que a viagem contribuiria com o conhecimento, desenvolvimento dos reinos e progresso dos povos, por isso uma viagem tão valorizada.

A Missão Científica partiu de Trieste em duas fragatas armadas com 44 canhões e 260 homens. Junto a essas embarcações estava uma comitiva real: a da arquiduquesa Leopoldina da Áustria que partia ao novo lar, onde se estabeleceria ao lado do então príncipe herdeiro Pedro de Alcântara.

Martius seguia as instruções de viagens e levava consigo um objeto importante: seu Diário. O Diário de viagem auxiliava nas possíveis falhas de memória e era um testemunho escrito das experiências e observações naturalistas; além dele, levava livros para consultar durante suas investigações. Desse conjunto de elementos que era a viagem científica – o preparo anterior, os estudos de observação e de experimentação, as leituras, apropriação e observação - o viajante publicou em 1823 a obra completa de suas andanças. Seguia, como muitos de seu tempo, algumas regras de escrita e entre elas uma prática que apresentaremos nesta comunicação: o uso de outros textos na elaboração de memórias de viagens.

Escolheu-se para tal exercício de análise o trecho no qual Martius narra o Espetáculo da colheita dos ovos de tartaruga que ocorria na antiga Capitania do Grão-Pará e Rio Negro. Nesse fragmento, interessa-nos algumas citações de outros viajantes sobre o mesmo

episódio e, em especial, perceber possíveis intertextualidades e apropriações de leituras com um deles: o naturalista setecentista Luso-brasileiro Alexandre Rodrigues que, ocasião de sua viagem a América entre 1783 e 1792, escreveu três memórias sobre o esse cultivo: a Memória sobre as Tartarugas, a Memória sobre as variedades de tartarugas que há no Estado do Grão-Pará e do uso que lhe dão e a Memória sobre a Jurararetê.

No limite dessa comunicação, o estudo de possíveis nós de escrita entre Rodrigues e Martius e outros nomes referenciados, tem como objetivo identificar representações do naturalista luso-brasileiro nessa literatura de viagem oitocentista. Para tal, utilizaremos como apoio teórico-metodológico as noções de comunidades de leitores e da apropriação de leituras, ambas desenvolvidas por Roger Chartier em suas pesquisas sobre a produção da cultura escrita. Ainda nesse sentido, outros autores podem auxilar a pensar possíveis camadas textuais na fonte em questão, como os estudos de Roland Barther sobre os intertextos e os de Bruno Latour sobre os acúmulos dos conhecimentos científicos. Cultura jurídica e libellos: modos de ser e agir registrados nos

processos da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba

Lara Pastorello Panachuk Universidade Federal do Paraná

Palavras-chave: Cultura jurídica; Curitiba; libelos

A presente pesquisa desenvolvida durante a graduação em Direito na Universidade Federal do Paraná, com orientação do Professor Doutor Luís Fernando Lopes Pereira, tem como escopo a análise da cultura jurídica em Curitiba, sendo pertinente observar, dentro do enfoque adotado, o andamento educacional relacionado à aprendizagem e aos modos de ser e agir dentro do fenômeno jurídico. Considera-se o ser humano como alguém que se constitui através das interações, assim como o direito, que não é apenas um produto estatal, hermético ou distanciado da realidade, pois adquire nuances próprias dos locais em que é aplicado e (re)interpretado. Deste modo,

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pode-se falar em cultura jurídica, à medida que se estuda o cenário e seus personagens com as interações realizadas com o dialogismo, e a pluralidade de vozes ocasionadas com a polifonia, ambos instrumentais propostos por Bakhtin. O direito não apenas aquele das leis régias e das ordenações emanadas do longínquo centro, mas também o das práticas judiciais realizadas na América Portuguesa, inclusive em locais extremamente periféricos do império marítimo português, como a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, no período colonial, tendo como recorte temporal o período compreendido entre 1750-1760. Nos ensinamentos trazidos por manuais e cursos de direito, normalmente há o enfoque na legislação geral e abstrata, com um certo reducionismo da ambiência em padrões certos e determinados. Em contraponto, neste estudo pretende-se analisar o micro, com a óptica de detalhes e particularismos de Ginzburg, a fim de, com o método indiciário, buscar provas e indícios deixados em processos de época, pois, ao mesmo tempo que o genérico não comporta as exceções, pode-se considerar que estas trazem em si a norma geral, seja por serem, em parte, complementações, seja por encontrarem-se em situação oposta. Cabe acrescentar que a aplicação do direito local buscava uma certa conciliação em relação às emanações do centro, para, em vez de embates frontais, ocorrer a acomodação dos interesses de ambos os lados da moeda. Assim, para encontrar hipóteses de reconstituição do passado através da tessitura construída com o entrelaçamento de fragmentos, a utilização de fontes primárias para o estudo pauta-se na análise de processos encontrados no Arquivo Público do Paraná. Nesta primeira etapa da pesquisa, a observação voltou-se, considerando como seu objeto a ser diligenciado, a aprendizagem dos libelos. Tais peças processuais escritas são genericamente classificadas como pertencentes ao âmbito do Direito Processual Penal, em que a acusação narra o caso concreto (fato criminoso), características e circunstâncias, assim como indicando provas a serem produzidas para comprovar as alegações realizadas e, ao fim, conclui-se com requerimento da condenação do acusado, assim como sugere-se a punição a ser realizada. Porém, na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, dentre as peculiaridades encontradas nos processos analisados, também aparece a categoria cível para esta

peça processual, assim como também é relevante destacar a participação de uma viúva, que aparece em um polo de relação jurídica, sendo interessante tal fato, a considerar o patriarcalismo da época, mesmo que posteriormente houvesse a representação dela pelo procurador nomeado pelo juízo.

A escrita político-administrativa na Época Moderna: “Exposição dos abusos que se praticam na Administração da

Real Extração dos Diamantes” Sílvia Rachi

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Palavras-chave: Cultura escrita; Escrita Administrativa, Minas Colonial

Esta comunicação é recorte de pesquisa mais ampla que pretende analisar modalidades de linguagem escrita como componentes das relações de poder entre Portugal e as autoridades administrativas na Colônia. Aqui, o exame volta-se para a realidade do Distrito Diamantino no período da Real Extração. Utilizamos fontes praticamente inexploradas pelos pesquisadores, quais sejam: documentos do Fundo Erário Régio, parte do acervo do Tribunal de Contas de Portugal.

Para a análise pretendida, selecionamos um único registro. Trata-se de texto constituído por 14 folhas, pertencente ao livro de número 4088 daquele Fundo. Intitula-se “Exposição dos abusos que se praticam na Administração da Real Extração dos Diamantes no Serro do Frio, em o seu governo econômico, e particular, para servir de instrução ao desembargador fiscal da mesma Extração a fim de se aplicar na sua averiguação, e em todos os meios mais eficazes para os coibir”.

Acreditamos que a análise das formas de comunicação escrita,em especial do manuscrito selecionado,possibilita-nos entrever, além de outros fatores, aspectos pertinentes às ações delineadoras da administração do contexto abordado.

Daí procurarmos, via investigação da produção/recepção/circulação da escrita, evidenciar marcas dos

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exercícios políticos e administrativos de então. Partimos da hipótese de que os papéis produzidos pelas instâncias de poder, ademais de figurarem como caminhos para a condução dos procedimentos metropolitanos, trazem à tona, em sua materialidade (e não apenas por meio dos conteúdos veiculados), traços das diretrizes administrativas. Os mecanismos de elaboração,recepção e difusão das tipologias documentais de mando,tais como cartas, instruções, decretos, ofícios, bandos, avisos podem desencobrir o ideário político, revelando conexões entre o Império português e a configuração colonial.

Na condução do trabalho pautamo-nos em autores dedicados ao estudo da administração/política lusitana no que tange à Capitania de Minas Gerais e, em particular, ao Distrito Diamantino. Baseamo-nos, também,em teorizações da História da Cultura Escrita, entendendo que a análise de elementos atinentes a este conceito na Época Moderna se dá talvez e, em alguma medida, em detrimento da ênfase concedida à observação da sucessão factual. Seguimos o pensamento de Russell Wood, para quem “devemos deixar de lado um pouco essa obsessão com o processo para ter uma visão maior das mentalidades e das ideias”.

A partir da década de 1990, a história da cultura escrita figura nos debates acadêmicos, representada, sob óticas diversas e as proposituras e reflexões dizem respeito, sobretudo,aos impactos/modos de produção, divulgação e recepção da escrita e à interpretação das práticas escriturais. Ultrapassam, assim, as discussões que se limitam a entender os hábitos de consumo/aquisição de obras, para contemplarem as perspectivas dos domínios do discurso, das práticas e das representações que atravessam o universo da escrita. Destarte, os suportes materiais e sua circulação assumem importância, pois apresentariam intrínseca ligação com as informações que carregam.Assim, para a execução desta análise, as produções redacionais são vistas vinculadas às ações que as engendraram, com nomeada atenção para a necessidade do registro escrito enquanto dispositivo de conformação das políticas coloniais.

Mesa redonda (26 de abril) Administração, instrução e educação: uma nova mentalidade administrativa para o mundo luso-brasileiro setecentista Instruções de governo e práticas ilustradas na América portuguesa - Prof. Dr. Antonio Cesar de Almeida Santos (UFPR) - coordenador

A expedição de Instruções de Governo era prática corrente no Império luso. Por intermédio dessas instruções, o soberano expressava sua vontade, indicando os pontos para os quais os governadores ou vice-reis deveriam voltar as suas atenções. Também ocorria a expressão de como esses oficiais régios deveriam exercer as tarefas de que haviam sido comissionados. Como bem registrou D. Sebastião, se fosse feito um bom governo, “far-vos-ei mercê; se o fizerdes mal, mandar-vos-ei castigar”. Ainda que esta disposição permaneça, o reinado de D. José I irá conhecer alterações profundas no que se refere aos conteúdos das Instruções de Governo, à medida que elas se tornam mais detalhadas e ganham um estatuto de norma geral, que é partilhada entre diferentes oficiais. Assim, se, por um lado, nota-se um maior cuidado com os assuntos de governo, por outro, o conselho continua presente, como mostram as palavras do Conde de Oeiras a Joaquim de Melo e Povoas, nomeado governador do Maranhão, em 1761: “observe essas três coisas – prudência para deliberar, destreza para dispor e perseverança para acabar”. Um governador “ilustrado” no sul da América portuguesa: José da Silva Pais (1735-1760) - Prof. Dr. Fábio Kuhn (UFRGS)

A apresentação será dividida em duas partes: inicialmente vou tratar das origens sociais, formação educacional e trajetória profissional do militar e engenheiro José da Silva Pais em Portugal. Em seguida, vou abordar alguns aspectos da sua atuação no extremo sul da América portuguesa, com passagens pela Colônia de Sacramento, Rio Grande de São Pedro e Santa Catarina. Segundo Jaime Cortesão, aquele "que se aproxima mais do ideal do engenheiro setecentista em que se fundem o técnico, o político, e o organizador, é José da Silva Paes, que constrói fortalezas, desenha mapas e funda províncias". Em um segundo momento, vou tratar brevemente da sua participação na

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Academia dos Felizes, efêmera instituição cultural que funcionou no Rio de Janeiro até 1740. Para finalizar, vou investigar o "mundo da leitura" de um oficial militar setecentista, através do exame da sua alentada biblioteca pessoal (317 títulos, divididos em 437 volumes), indagando acerca da possível influência das obras lidas na sua prática administrativa, especialmente no contexto colonial.

A cultura jurídica dos ‘rústicos’ da América portuguesa - Prof. Dr. Luís Fernando Lopes Pereira (UFPR)

O objetivo da apresentação é, a partir das fontes primárias que tratam do Conselho Camarário de Curitiba, revisar a visão corrente da relação entre letrados e rústicos no que tange à cultura jurídica colonial. A visão tradicional, construída à época, coloca a cultura jurídica dos chamados rústicos como oral, informal e inferior e a dos letrados como requintada e sofisticada. A ideia é apresentar os juízes ordinários (apresentados aqui como personagens fronteiriços sob inspiração de Carlo Ginzburg) como os nós da cultura jurídica, demonstrando que sua educação e sua formação como juristas, embora construídos na prática, apresenta traços de formalismo, conhecimento técnico e apuro nas práticas jurídicas, inclusive com conhecimento mais que razoável das Ordenações e das formas da alta cultura jurídica. A partir das ideias de circularidade cultural pode-se perceber como os chamados rústicos produziram um conhecimento jurídico próprio que circulou e afetou, inclusive a chamada alta cultura jurídica (o que se pode deduzir da relação destes personagens fronteiriços e os letrados como Ouvidores de comarca e das capitanias).

Comunicações livres (26 de abril) A musa Sóror Mariana: inspiração das práticas de freiratices

por Gregório de Matos. Maureen Elina Javorski

Universidade Estadual de Ponta Grossa Palavras-chave: Gregório de Matos; amor freirático; Convento de Santa Clara do Desterro

A temática do amor freirático teve presença marcante na

literatura lusitana barroca dos séculos XVII e XVIII. De prática e costume ibérico os devotos por freiras ou galanes de monjas eram homens dados aos amores de freiras. Tais comportamentos vinham de encontro aos interesses aflorados com a ascensão do Barroco, em Portugal, que se debruçou para as questões relacionadas ao sagrado e a sua profanação. Os mesmos autores que escreviam sobre a exaltação de santos eram os mesmos que se debruçavam pelas denúncias de freiratices, aos quais acusavam de cometer também. Na América portuguesa tal assunto foi reproduzido pelo poeta que representou esta vertente literária que abordava da lírica religiosa às sátiras de escárnio e maledicentes ficando conhecido pela alcunha de Boca do Inferno. Gregório de Matos e Guerra foi uma figura polêmica, do século XVII, que transitou pelos territórios luso-brasileiros ocupando cargos públicos, mantendo boas e más relações com os reis D. Afonso VI e D. Pedro II, além dos conflitos com os governantes da Bahia, que povoarem algumas das suas reconhecidas obras, até os dias atuais. Adentrando pelos caminhos tortuosos das relações freiráticas Gregório de Matos marca sua presença como o único brasileiro de seu tempo a escrever sobre tal assunto do qual também se declarava praticante e fez questão de se nomear e a delatar suas aventuras e galanteios por onde passou. Os envolvimentos com as religiosas pertencentes ao Convento de Odivelas, em Portugal, e, posteriormente, no Convento de Santa Clara do Desterro, na cidade da Bahia são façanhas confessadas pelo autor. Desvelando o prazer pela profanação do sagrado ao alcançar a aprovação do amor de uma “alegre freirinha”, como denominava o poeta para as religiosas que habitavam o convento de clarissas, da Bahia, suas obras revelam que as gélidas rodas, ralos e grades destes mosteiros femininos foram cúmplices de comportamentos desviantes de freiras que movidas pelos seus desejos se encontravam com seculares e clérigos, para manterem relações amorosas. Mesmo com a conversação permitida por sua musa escolhida o só amar não era suficiente. A partir do então consentimento um desenrolar de obstáculos se abria a frente e os quais deveriam ser combatidos pelo freirático que se deparava com: concorrentes, birras, traições, maledicências, entrega de presentes

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luxuosos, entre outras exigências que lhes faziam as freirinhas. Dentre os romances elencados pelo poeta, sem dúvidas, o que mais lhe rendeu poesias foi direcionado para a freira Mariana pertencente ao Convento de Santa Clara com quem divulgou ter tido com ela conversas das quais lhe renderam o apelido de Urtiga e as crises de ciúmes contra os clérigos que sabia que lhe faziam concorrência. Para esta fala, levantamos este caso para apresentar e exemplificar os percursos discorridos por Gregório de Matos que levantam os sabores e dissabores pelos quais passou com seu envolvimento com Mariana que além de buscar transpassar a fronteira que era imposta pelas fortalezas da clausura, com regras e punições, mas também pelas determinações que este jogo de amor onde os limites eram sempre impostos pela religiosa escolhida.

O Governo das Almas: Práticas de conversão, retórica e educação jesuítica na América portuguesa

Alexandre Alves UNISINOS/PPGEDU

Como bem demonstrou João Adolfo Hansen, a retórica estava o

centro do discurso e da prática dos jesuítas na medida em que as missões jesuíticas no Brasil fizeram da pregação oral o instrumento privilegiado para a conversão do “gentil”. O objetivo deste texto é analisar algumas das estratégias retóricas postas em prática pelos jesuítas com base numa complexa base teológico-política emanada das determinações do Concílio de Trento. Para esse objetivo, proponho uma interpretação baseada nos últimos cursos de Michel Foucault no Collège de France, nos quais o filósofo francês faz uma genealogia do “poder pastoral” da Igreja tomando como guia conceitos como “governo”, “aleturgias” e “regime de verdade”. Foucault entende por “governo”, num amplo sentido, os procedimentos destinados a dirigir a conduta dos homens. Por “aleturgias”, o filósofo francês designa os atos e ritos por meio dos quais se manifesta e se transmite a verdade (entendendo “verdade” não no sentido metafísico-platônico, como um ideal transcendente, nem no sentido científico, como correspondência empírica com fatos observáveis, mas como um valor que se quer transmitir). Por “regime de verdade”, Foucault entende o paradigma

que determina a forma dos atos de verdade, das aleturgias, e define suas condições de efetivação.

Destarte, práticas cristãs como o batismo, a penitência, a confissão, a conversão e a direção de consciência são analisados por Foucault como modos de produção da verdade e como formas de poder. A análise genealógica de Foucault evidencia que as relações de poder necessitam da manifestação da verdade para se exercerem. Assim, a contrapelo das análises em termos de “ideologia” e “superestrutura”, a interpretação foucaultiana ressalta a importância da subjetivação e das racionalizações políticas na efetivação das relações de poder. A sujeição se produz na medida em que a verdade que se quer inculcar é subjetivada por aqueles aos quais se destina. A retórica jesuítica revela-se, nesse contexto, um instrumento privilegiado para o governo das almas por meio da palavra, uma “aleturgia” que tem a função de convencer, converter, educar, edificar, conduzir e, em última análise, inculcar as verdades canônicas dos evangelhos, atualizar o “pacto de sujeição” que subordina a colônia à monarquia e reafirmar as posições hierárquicas da sociedade colonial. Recorrendo a exemplos tirados das cartas e discursos dos jesuítas do século XVI pretendo analisar desse ponto de vista as racionalizações políticas, as táticas de conversão e direção como formas aletúrgicas que caracterizam os discursos e práticas jesuíticos nos primeiros tempos da colonização na América portuguesa. O auto de São Lourenço e o uso de vocábulos indígenas para

inculcação da moral e da fé cristã Paulo Romualdo Hernandes

Universidade Federal de Alfenas Palavras-chave: teatro-educação; teatro jesuíta; Século XVI; educação e cultura

O século XVI foi período de intensas reformas e descobertas para a cultura religiosa europeia. No velho continente as classes subalternas querem participar cada vez mais da religiosidade cristã e os jesuítas foram os campeões no trabalho evangelizador dessa classe (Manacorda). No Novo Mundo, o homem natural dessas terras precisa

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ser incluído na cristandade. Ser que tem pouca memória da Graça de Deus pela redenção do homem, segundo os jesuítas, e precisa ser rememorado, mas que traz muitas dificuldades por seu pouco entendimento das coisas da fé, por sua pouca vontade, e, sobretudo, por sua línguaque pouca memória tem de Deus (Hansen). No novo mundo, na América portuguesa, o teatro esteve entre as ações empregadas pelos jesuítas para conversão e, sobretudo, mudança de costumes, do nativo das selvas (Hernandes). Neste estudo que apresento, analisa-se o II ato do Auto de São Lourenço, de José de Anchieta, que traz informações importantes sobre o emprego do teatro como forma de formação educativa na moral e vida cristã, também os encontros e desencontros entre a cultura que queria se impor e a cultura que resistia. O II ato do auto de São Lourenço compostoem língua brasílica que constituiria a parte principal do Auto e percebe-se, nele, a marca da pedagogia de Anchieta, visando, com a utilização de aspectos da cultura indígena, ao ensino da fé e da moral cristã. O ato II traz a tradicional luta dos autos de moralidade entre o Bem e o Mal, sendo o Bem os ensinamentos dos padres e seus aliados e o Mal a cultura antiga defendida pelos inimigos dos padres – no caso, os índios tamoios, os pajés, velhos e velhas que não obedeciam aos padres, entre outros. Interessante nesse segundo ato que os aliados da personagem do Bem, o Karaibebé, foram São Lourenço, que no primeiro ato havia sido queimado em uma grelha e que no III ato ficará sob a guarda do Karaibebé, e de São Sebastião; os dois aparecem mais como guerreiros indígenas que santos. A mando do Karaibebé os santos guerreiros aprisionam, à moda indígena, as personagens Aimbiré, Guaixará e Saravaia e os mandam para o fogo. Há nesse segundo ato uma “humanização” de personagens divinas, o que Benjamin, no seu clássico estudo “Drama Barroco Alemão”, relacionou ao Barroco cristão, ao Barroco de formação. Leodegário de Azevedo, no seu estudo sobre Anchieta e o Barroco, considera o teatro de Anchieta com essa possível humanização de personagens divinas Barroco cristão originário. As personagens Karaibebé, São Lourenço e São Sebastião parecem fazer parte, no entanto, do que Bosi em “Dialética da Colonização” chamou de “imaginário estranho sincrético” ao se referir à personagem “mítica” anchietanaKaraibebé; segundo este estudioso não haveria humanização do Anjo, mas mistura, pois

para os cristãos ele talvez seria o Anjo, com suas asas com penas da arara Canindé, mas para os indígenas poderia ser um “profeta que voa” (BOSI), ou seja, os adorados caraíbas e pajés. Essa mistura de anjo e caraíba aliado dos padres, para atrair o interesse do espectador indígena, invenção de Anchieta, marca a singularidade de seu teatro. Alguns elementos dessa tentativa de adaptação da língua nativa para transmitir a religião cristã, misturando elementos da cultura autóctone com a europeia, cristã e católica, serão apresentados neste artigo.

A noção de ciência no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra

Yris Alves Rosa Universidade Federal do Paraná

Palavras-chave: Ilustração, Compêndio histórico, Ciência

O século XVIII foi o pano de fundo não só para duas revoluções — a francesa e a americana —, mas também para um fenômeno intelectual, que se estendeu por todas as sociedades ocidentais, conhecido como “Iluminismo”. A obra de mesmo título (Aufklärung, em alemão), do pintor Daniel Chodowiecki, pode nos passar uma imagem do que representavam as Luzes para os pensadoresdo setecentos: uma pequena comitiva se direcionando a uma povoação acastelada, onde o sol da alvorada desponta ao fundoda paisagem, iluminando o local de destino. “Luz” nada mais era que uma metáfora para “razão” e, durante o século XVIII, era para a construção desse“saber crítico e esclarecido” que pensadores iluministas de diversas nacionalidades direcionavam seus esforços. No entanto, não se deve pensar nas Luzes como um fenômeno uno e coeso, mas multifacetado. Portugal, por exemplo, se diferenciava pela dimensão religiosa que marcava seu Iluminismo (também conhecido como Iluminismo católico),pois a religião continuava ocupando uma esfera importante dessa sociedade, cabendo ao Estado conduzir assuntos temporais.

Naquela época, diversos portugueses acreditavam que Portugal se encontrava em estado de decadência se comparado aos demais países europeus.Neste contexto, uma série de reformas foiproposta

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sob a égide de Sebastião José de Carvalho e Melo — Marquês de Pombal, Conde de Oeiras, secretário de estado por mais de vinte anos, durante o reinado de D. José I.Uma das mais importantes reformas foi a do ensino de nível superior. Assim, em 1771, foi publicado oCompêndio Histórico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados Jesuítas e dos estragos feitos nas ciências, nos professores e directores que a regiam pelas maquinações, e publicações dos novos Estatutos por eles fabricados, tendo como principal objetivo o de apontar os males causados à dita instituição de ensino e os responsáveis (os jesuítas) por aqueles males. Esse documento reflete dois conceitos importantes presentes no discurso pombalino: se, por um lado, “jesuitismo” está carregado de um caráter negativo, de decadência, por outro, “Europa” aparece como um modelo desejável, que reflete o ideário iluminista almejado pelos letrados portugueses.

Mais que isso, a redação doCompêndio Histórico remete ao tipo de ciência que se almejava ensinar e praticar na Universidade de Coimbra. Uma ciência que não abandona os livros, mas os critica, sem tomá-los como detentores de verdades absolutas. Uma ciência racional, que adquire novos conhecimentos partindo da prática e da experimentação. Enfim, uma ciência de caráter experimental, construída a partir de uma crítica racional ao conhecimento, e que está exatamente de acordo com os ideais iluministas do período.A partir destas considerações, propomos apresentar uma discussão sobre algumas das características do Iluminismo(ou Ilustração) em relação à noção de ciência utilizada pelos elaboradores do Compêndio Histórico do estado da Universidade de Coimbra, com o intuito de perceber a presença de ideias da Ilustração no pensamento de intelectuais portugueses do setecentos.

Uma revisão sobre a matemática jesuítica Thiago Phelippe Abbeg (CEUCLAR)

Leticia Trzaskos (UFPR) Samara Elisana Nicareta (UFSC)

Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg (UNIFESP/UTFPR) Palavras-chave: Ratio Studiorum; historiografia; jesuítas

Este trabalho trata de uma revisão de literatura acerca do ensino

das “ciências matemáticas” e do “contar”, circunscrevendo as inferências dos jesuítas na formação da ciência e desenvolvimento da tecnologia na América portuguesa. Inicialmente deve-se reconhecer que a chegada dos padres jesuítas, nas terras “portuguesas” em 1549, não só demarca o início tradicional de uma história da educação no Brasil, uma vez que implica na criação de um modelo escolar, percebido unicamente a partir da estrutura formal ocidental; mas inaugura a intervenção cultural católica, a formação de ritos, práticas de ensino, que resultariam em consequências diretas na construção da nossa cultura e concepção de civilização. A urgência de analisar o estado da arte configura ao mesmo tempo um patamar inicial de pesquisa e uma necessidade latente para delimitação de novos problemas e questionamentos próprios do historiador. Utiliza-se, desta forma, a metodologia de revisão sistemática de literatura, pois, ao lançar olhos ao passado, ao transformar os vestígios em documentos, e por consequência as fontes para os questionamentos urge ladear os trabalhos já realizados. Entre discursos históricos produzidos percebe-se um adensamento sobre questões fundamentais que asseveram tanto a presença quanto a difusão de determinados preceitos da matemática europeia, como expõe Baldini (2013), a eloquência de estudos sobre o Ratio Studiorum em relação aos apontamentos do jesuíta Christopher Clavius (1538-1612). Enquanto, poucos destacam a perspectiva da história intelectual, versando sobre o missionário Valentin Stansel (1621-1705), difusor da matemática jesuíta na Bahia, no trabalho de Camenietzki (1999); a maior parte articula o discurso de Serafim Leite, através dos dez tomos publicados entre 1938 e 1950. Mesmo considerando uma obra chave na circunscrição do pensamento jesuíta nos tempos coloniais, não convém, neste trabalho, um aprofundamento especial sobre o trabalho de Serafim Leite, visto que já existem diferentes estudos historiográficos sobre o assunto (Paixão, 1979; Pinho, 1985; Fernandes, 1996, entre muitos outros). A dimensão do ratio evidencia as teorias matemáticas com bases aristotélicas, questionado no ensino superior europeu. Supressão de elementos formais da matemática evidenciaram um utilitarismo, um praticismo no processo de inserção dos conteúdos, carecendo de

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bases conceituais para o desenvolvimento do conhecimento matemático. Os estudos universitários organizados pelo ratio construíram uma perspectiva na formação profissionalizante do homem, os cursos secundários por sua vez facultavam uma finalidade mais humanista, já os estudos iniciais forneciam as primeiras letras. Na América Portuguesa, o ratio sofreria a inferência, interferência e adaptação de Manoel da Nóbrega, movidos pela perspectiva de consolidação das populações no território americano, pertinente aos empecilhos políticos do estado moderno e a necessidade da educação cristã deste novo homem. Urge diferenciar a catequese do indígena da formação letrada desenvolvida para o filho do colono português, uma discrepância que visava não somente a manipulação da estruturas políticas, do saber, mas também uma forma de estabelecer a diferenciação na interferência jesuíta nas populações. A perspectiva do ensino da matemática, assume um papel primordial na educação escolar no período colonial, tanto na formação de subjetividades quanto das práticas sociais. A indução advento do ensino jesuíta forma uma rede de poder no período colonial e o ensino da matemática atua como um instrumento de poder para aqueles que se apoderaram desse instrumento.

O discurso barroco nos Sermões do Padre Antônio Vieira Andrea Gomes Bedin

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Palavras-chave: Barroco, Sermões, Discurso

“Estilo” artístico característico do século XVII, da Europa para o restante do mundo, o Barroco figurou no cenário colonial luso-brasileiro com todo seu espetáculo visual, tanto no âmbito civil, como no universo religioso do qual foi senhor e dono, dadas as circunstâncias históricas de um período marcado por intensas disputas religiosas entre protestantes e católicos e à consequente reafirmação do poder da Igreja católica, aliada ao Estado Português, num ambiente de conquistas empreendidas pelos Estados Nacionais Europeus.

Nesta jornada de conquista e reconquista de fiéis para o mundo católico, empreendida pela Contrarreforma, a Companhia de Jesus

assume liderança significativa, atuando nas missões coloniais e, em muitos casos, nos “bastidores” do poder constituído, o que pode ser atestado pela figura emblemática do padre Antônio Vieira, que atuou, não somente na esfera religiosa, mas com grande vigor na esfera política, no cotidiano colonial. Portador de notável capacidade oratória, Vieira revelou nos Sermões a força de sua retórica. De acordo com Ávila (2009, p.9),

(…) o sermão constituía ainda um eficiente instrumento de comunicação[...] Em plena luta da contrarreforma e na sua faina de expansão colonizadora no Oriente e nas Américas, a igreja católica soube utilizar convenientemente esse instrumento, explorando-lhe os efeitos de persuasão mágico-pragmática. Forma literária revestida de magia verbal, o sermão barroco atingia simultaneamente a sensibilidade e a inteligência, comunicando com maior eficácia a mensagem religiosa. Os Sermões se constituíram em poderosas ferramentas de

propagação da fé cristã e requeriam por parte de seus pregadores, um comportamento moral exemplar e uma retórica persuasiva; estes elementos se compunham de forma prestigiosa na pessoa de Vieira.

A quantidade de obras produzidas pelo jesuíta foi considerável, e abarcou, desde cartas diplomáticas, de cunho político, cartas de cunho missionário, até os sermões.

São muitas as produções neste período, com o aparecimento de grandes obras e autores; mas, não resta dúvida quanto à proeminência das obras de Vieira. Neste sentido, este trabalho propõe uma reflexão sobre os estudos da literatura barroca luso-brasileira, a partir dos sermões do padre Antônio Vieira. Pretende-se, por meio de uma análise geral de seus escritos, compreender o universo do barroco, próprio ao século XVII, abordando-o em sua multiplicidade de sentidos.

Para tanto, será discutido o uso de recursos alegóricos e metafóricos utilizados pelo jesuíta ao longo dos sermões, o que resultou na constituição de um “decoro” apropriado para cada ambiente social por ele frequentado. O emprego engenhoso destes recursos, certamente foi responsável pela monumentalidade do discurso barroco produzido por Vieira, chegando até nossos dias como importantes fontes de pesquisa para o estudo do período em apreço.

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A metodologia de pesquisa utilizada é predominantemente bibliográfica e encontra-se sustentada pelos seguintes referenciais teóricos: VIEIRA, Antonio.(2008) Sermão de S. Antonio aos peixes; Sermão da sexagésima. Sermão do demônio mudo. Org.Manuel Cândido Pimentel./ VIEIRA, A. (1989). A oratória barroca de Vieira. Lisboa, Caminho./PÉCORA, Alcir(1994). Teatro do Sacramento.- São Paulo: Unicamp/Edusp./ COUTINHO, Afrânio. et al. A Literatura no Brasil, São Paulo, Global, 2004. / ÁVILA, Affonso. O Barroquismo no Sermão de Vieira. Padre Antônio Vieira: 400 anos depois. Belo Horizonte, 2009.

A construção de uma imagem mais completa da cultura erudita na América Portuguesa nos sistema físico e outros

tesouros descobertos pelos jesuítas José Monteiro da Rocha e João Daniel

Eulália Maria A de Moraes UNESPAR – Campus de Paranavaí

Palavras-chave: Jesuítas Iberos; Século das Luzes; Humanismo Universalista.

Nas obras Sistema Físico-Matemático dos Cometas (1759) e Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas (1757-1776) dos jesuítas José Monteiro da Rocha (1734-1819) e João Daniel (1722-1776), respectivamente, buscamos compreender o momento da efervescência Iluminista do século das Luzes e o estatuto fundamental que alicerçou, para o religioso, a ideia de “natureza” no século XVIII. Os jesuítas encontram-se, ora como guardiões da visão Escolástica da Ordem, ora, transitoriamente, na interrupção do curso do pensamento Teológico para mostrarem-se conhecedores do desenvolvimento científico. Contudo, quando se trata das atividades intelectuais, não é fácil entendermos a relação entre Teologia, Filosofia e Ciência. Aliando as possibilidades das fontes às perspectivas teórico-metodológicas da historiografia – que em momento oportuno abordaremos –, o objetivo desta pesquisa é correlacionar as informações que aparecem nas obras de José Monteiro da Rocha e João Daniel a um ideário Iluminista que saía em defesa dos “pais fundadores” da Moderna Ciência. Em

suas reflexões ou afirmações – sobre a natureza terreal ou cósmica – estão presentes o misto de magia e erudição clássica, este último, dado pelo excesso de rigor na aplicação do conhecimento dos textos antigos, ao mesmo tempo em que nas indagações e dúvidas aparecem os resultados de informações que estavam colocando em xeque certezas seculares. Mesmo sem autorização para assumir tais ideias e ideais, os jesuítas tinham um conhecimento das propostas iluministas o que aparece em suas obras, notadamente em José Monteiro da Rocha. Em seus escritos pode-se observar que o conhecimento no século XVIII era constituído por uma instável mistura do saber racional e da física moderna, cujas noções teóricas derivavam da prática da magia e de toda uma herança cultural que se pautava nos poderes da autoridade e na redescoberta de textos antigos. De que forma os jesuítas a interpretaram, considerando o treinamento dentro de uma tradição Escolástica – com obediência ao Papa e à Fé Católica – mas, ao mesmo tempo, de interesses voltados para o desenvolvimento no campo da ciência da Natureza? Preocupados com a busca da verdade e o uso da razão, historicamente, a trajetória da existência da Companhia de Jesus coincidiu com o início da ciência moderna. Serafim

Leite escreveu a História da Companhia de Jesus no Brasil, e por meio de seu esforço de pesquisador, na reunião de documentos produzidos pelos jesuítas, podemos ter um maior entendimento da presença dos inacianos no que diz respeito ao poder temporal, uma vez que as atividades dos jesuítas, nas lidas das missões na colônia, os ressaltam como uma Ordem religiosa de padres empreendedores, o que nos permite uma leitura de que os jesuítas não restringiam suas atividades à vida contemplativa e doutrinária. Temática polêmica, uma vez que no exercício temporal foram acusadas sumariamente, pelo representante da reforma de Pombal no Estado do Grão Pará e Maranhão – Francisco Xavier de Mendonça Furtado –, de práticas direcionadas à economia com a manutenção de “altíssimos cabedais” e sob tais acusações foram desapropriados e expulsos da colônia em 1759.

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Inventário dos povos: indígenas e africanos abordados no universo científico luso-brasileiro (1750-1820)

Gabriela Berthou de Almeida Unicamp

Palavras-chave: história da ciência; história natural; naturais da terra

Propõe-se apresentar os principais objetivos e hipóteses de uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Campinas. O trabalho em questão está inserido no campo da história da ciência e concede especial atenção aos debates em torno da caracterização dos povos que habitavam o Império colonial português em sua dimensão pluricontinental. Dialoga-se com uma abordagem historiográfica já consolidada, caracterizada pelo rompimento com uma noção dicotômica no que se refere às relações estabelecidas entre Portugal e seus domínios na África e América. Deste modo, se considera fundamental o entendimento das formas de contato e comunicação entre estas porções geográficas.

O objetivo central da tese consiste em compreender como indígenas e africanos – designados muitas vezes por autoridades coloniais como “naturais da terra”, “negros da terra”, “nacionais” – foram descritos, analisados e as atribuições que lhes foram reservadas no universo científico luso-brasileiro entre 1750 e 1820. Interessa também compreender como os conhecimentos referentes à natureza que possuíam esses povos foram apropriados por uma “elite do conhecimento” empenhada em inventariar o mundo. Considera-se relevante e plausível analisar a abordagem desses dois grandes grupos de forma correlata, pois ambos estiveram envolvidos nos encontros coloniais portugueses levados a cabo nos continentes separados pelo Atlântico.

A análise recai sobre as memórias, diários, dissertações, coleções e desenhos produzidos por homens das ciências nascidos em terras brasileiras, que seguiram para Europa para cursar ensino superior, em sua maioria na Universidade de Coimbra, reformada em 1772. Esses sujeitos depois de adquirirem formação intelectual e treinamento

prático realizaram viagens científicas pelo Brasil, Moçambique, Cabo Verde e Angola a serviço da Coroa. No interior da máquina administrativa portuguesa foram idealizadores das viagens científicas os Ministros da Marinha e Negócios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro (1777-1795) e D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1796-1802).

Em diálogo com as abordagens historiográficas que reconhecem a existência e constituição de um universo científico luso-brasileiro, visamos, portanto, matizar como o arcabouço teórico e científico foi mobilizado por uma elite do conhecimento que circulou pelo Império português com o objetivo de inventariar e descrever o mundo natural. Resta dizer que, embora a comunicação tenha características de um estudo ainda em desenvolvimento, será de suma importância o compartilhamento dos objetivos e hipóteses com especialistas no tema. Mesa redonda (26 de abril) Cultura escrita e práticas culturais e educativas: traduções e processos culturais no mundo luso-brasileiro setecentista Em busca da tradução perfeita; os discursos de tradutores e censores portugueses na segunda metade do século XVIII - Prof. Dr. Cláudio Luiz Denipotti (UEPG) – coordenador

Este trabalho visa interpretar a valorização da língua portuguesa verificada em Portugal ao final do século XVIII, através das traduções de livros “técnicos”, literários e científicos. Para isso, voltar-se-á aos “paratextos” editoriais, (ou seja, textos adicionais à obra, como prefácios, posfácios, cartas ao leitor, pós-escritos, etc.), particularmente aqueles escritos pelos tradutores (mais raramente, pelos editores). Situadas no contexto de continuidade das reformas pombalinas (apesar do afastamento do Marquês de Pombal do foco de poder) focadas em um nascente nacionalismo imperial de cunho iluminista, tais traduções também ocorrem em meio à crise do antigo regime português, proporcionando amplo material para estudo das redes de relações e das formas de compreensão, à época, de questões-chave como são o próprio Iluminismo e antigo regime, bem como a ideia central de uma cultura escrita, na qual se inserem todos estes pontos.

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Infidelidades do “traslado fiel”: tradução e interpretação de trechos da Nova Escola de Manoel de Andrade de Figueiredo pelo Professor Thomas da Silva Campos em Ponte de Lima, março de 1755 - Profa. Dra. Márcia Almada (UFMG)

A comunicação tem por objetivo apresentar o caderno manuscrito de um professor de Ponte de Lima, Portugal, que foi iniciado nos anos de 1755 com a intenção de registrar alguns conhecimentos da arte da escrita e auxiliar seus discípulos neste aprendizado. Thomas da Silva Campos, além de professor, prestava serviços escriturários a particulares de sua localidade. A principal parte do caderno foi preparada a partir da obra Nova Escola para aprender a ler, escrever e contar, de Manoel de Andrade de Figueiredo. Embora o professor tenha atestado que as cartas e as lições para aprender a ler e a escrever tenham sido “fielmente trasladadas” do livro impresso em 1722, são evidentes inúmeras alterações e traduções realizadas pelo professor no processo de construção de seu caderno. Estas “infidelidades” nos estimulam a refletir sobre as possibilidades técnicas e as capacidades de apreensão do conteúdo apresentado por Manoel de Andrade de Figueiredo. O caderno também será analisado sob a perspectiva de uma obra aberta, ou seja, um manuscrito encadernado que permaneceu em construção contínua, extrapolando sua finalidade original ao abrigar, nas glosas e nas páginas em branco, anotações curiosas e registros da memória e das reflexões de um profissional da escrita do século XVIII. A tradução e o iluminismo luso-brasileiro: homens, livros e a aplicação do conhecimento - Profa. Dra. Alessandra Harden (UNB)

Com este trabalho, o que se quer é discutir o papel da tradução enquanto atividade de cunho oficial na divulgação do ideário iluminista referente à ciência aplicada. O foco será dado ao frei mineiro José Mariano da Conceição Veloso, homem de talentos múltiplos escolhido pelo governo português para coordenar o projeto editorial da Casa do Arco do Cego, tipografia lisboeta criada para tirar o Império Lusitano, e especialmente “os estabelecimentos do Brazil”, do “atrazo” e “atonia” econômica por meio da publicação de traduções de obras úteis. Com Veloso como coordenador e editor das traduções, a Arco do

Cego fez chegar ao mercado obras que foram dirigidas também ao ensino das ciências nas academias em Portugal e Brasil, nas áreas de matemática, engenharia e química, por exemplo. Assim, esta comunicação tem o objetivo de demonstrar as ligações inquebrantáveis entre tradução, história e transmissão do conhecimento. Mesa redonda (27 de abril) Instituições e práticas culturais e educativas: ações e perspectivas no mundo luso-brasileiro setecentista Instituições, concepções educativas e práticas culturais na América portuguesa - Profa. Dra. Thaís Nívia de Lima e Fonseca (UFMG) – coordenadora

Para além da análise dos processos educativos presentes na sociedade luso-americana durante o chamado Antigo Regime, é importante considerar as concepções vigentes de educação à época e suas apropriações por diferentes esferas institucionais da vida daquela sociedade. Nos campos administrativo, eclesiástico e juridico houve produção significativa de escrita nas quais as representações de educação mostravam-se marcadas pela produção intelectual europeia mais influente, como também pela interposição de ambientes culturais em diferentes partes da América Portuguesa e pelas experiências dos indivíduos. O objetivo deste trabalho é a análise de tais representações de educação por meio da análise dos escritos presentes nos campos apontadas acima, em situações em que o uso da educação – qualquer que fosse a sua forma - surgiu como uma solução para os problemas presentes no processo de inserção da América no contexto Império Português. Companhia de Jesus na América portuguesa: organização, catequese e educação - Prof. Dr. Célio Juvenal Costa (UEM)

Os padres da Companhia de Jesus desembarcaram na América Portuguesa em 1549, com a incumbência principal de catequizar os "gentios da terra". Liderados por Manuel da Nóbrega, os primeiros jesuítas se depararam com inúmeros desafios à sua missão, especialmente a falta de uma estrutura de trabalho e o "mau exemplo"

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dos brancos portugueses que aí estavam. Com uma experiência de sete anos das missões nas Índias, aliado à presença no reino português desde 1540, aqueles padres principiaram seu empreendimento religioso com os planos de fundação do primeiro colégio, o da Bahia, terminado em 1553. A atuação jesuíta teve na conversão, catequização e educação dos índios o seu foco especial, porém não se restringiu a isto, pois participaram ativamente da vida colonial, tanto na educação de filhos dos colonos portugueses como da vida política e econômica. O propósito desta comunicação na mesa-redonda, é apresentar a atuação jesuítica como um projeto que foi elaborado ao longo do tempo, fruto da experiência e da troca constante das informações, por meio da extensa correspondência interna da Companhia de Jesus, e que era articulado com as outras missões e, especialmente, fruto de uma preparação intelectual e cultural que marcou a diferença com padres de outras ordens religiosas. Instituições e práticas culturais e educativas: implicações metodológicas na escrita da história intelectual - Prof. Dr. Carlos Eduardo Vieira (UFPR)

O objetivo desta apresentação está em discutir determinados aspectos da escrita da história intelectual, particularmente em relação aos estudos das instituições e das práticas culturais educativas. Sob a denominação de história intelectual identificamos uma multiplicidade de possibilidades, envolvendo, tanto os estudos dos pensadores clássicos da política, da filosofia ou da ciência, como as formas de pensamento ou representações sociais produzidas por homens e mulheres que viveram às margens do campo intelectual e/ou editorial. Diante da amplitude deste campo, privilegiaremos uma perspectiva da história intelectual denominada de contextualismo linguístico (CL). O CL tem as suas origens na escrita da história do pensamento político, porém se disseminou e se tornou uma das mais importantes referências para o debate de questões atinentes à história intelectual. Skinner e Pocock estão entre os seus principais formuladores e, sendo assim, as fontes privilegiadas nesse estudo são as obras de caráter metodológico desses historiadores. Nas conclusões, discutiremos dois

aspectos: a ênfase assumida pelo CL no exame do funcionamento da linguagem e a questão do protagonismo do sujeito na história. Comunicações livres (27 de abril) O Discurso Epistolar e os Manuais de Civilidade no imaginário

feminino na América no início do Oitocentos Samara Elisana Nicareta

Universidade Federal de Santa Catarina

Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg UNIFESP/UTFPR

Palavras-chave: cartas; impressos; mulher

Ambientado no Brasil oitocentista, sedente de editoras e escritos, encontra-se diversas publicações oriundas de traduções do espanhol, inglês, francês, destacando-se os manuais de civilidade; que dada sua natureza impeliam o leitor a determinadas formas de conduta. A metodologia adotada considera que a escrita atua como tecnologia de linguagem (Orlandi, 2001), definida como tal, nos melindres dos mecanismos e técnicas utilizadas, evidenciando e permeando as práticas sociais, políticas, ideológicas e estéticas. Argumenta-se que um discurso, através de um mecanismo pode proporcionar a construção de um imaginário, de uma identidade, de uma razão histórica peculiar e particular. Mais que evidenciar uma tecnologia de poder (Foucault, 1987), procura-se estabelecer uma relação entre o imaginário e tecnologia do discurso enquanto a prática na construção do imaginário feminino. Fairclough (2001) apresenta a perspectiva de que as tecnologias discursivas são pensadas, planejadas e aplicadas para ter efeitos particulares sobre o público. A linguagem neste caso passa a ser pensada como uma forma de controlar, modificar e manipular a estrutura social ou para desestabilizar este controle. O imaginário consagra prerrogativa semelhante, pois enquanto elemento de ilustração transcende para a realidade, transborda para a política, mistura-se nas práticas corriqueiras do cotidiano, manifesta-se nas instituições, e torna-se imbricadas nas histórias particulares, na

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subjetividade e identidade; um discurso difuso presente tanto na memória das pessoas quanto na sua prática social. O imaginário não pode ser recusado, tal como um pressentimento secreto, por vezes ofusca o olhar, substitui a verdade e transmuta-se numa nova realidade, trata de uma acepção absoluta da verdade envolta pela fabulação. Evidencia-se mais que uma análise do discurso, um olhar sobre o documento, evidenciando suas peculiaridades históricas, contextuais, analisando, sistematizando, sua constituição, não sendo concebido como um discurso pronto e acabado, mas em constante mutação dado o acesso às novas fontes e novos debates. A obra supracitada, “Cartas sobre a educação das meninas por uma senhora americana” traduzida para o português por João Cândido de Deos e Silva, de suposta autoria de uma “senhora americana”, tornou-se mais que um manual de civilidade, ganhou as salas de aula, sendo indicado para a leitura em cursos normais, formando a mentalidade das professorasacabou por ditar uma forma de imaginário feminino. Este trabalho visa debater além da falseta de autoria imposta ao leitor, a imposição de um determinado padrão normativo de condutas a partir de um produto literário posto em circulação na América do Sul, espanhola (Argentina) e portuguesa (Brasil). A crença no anonimato autoral feminino da obra ainda repercute em dias atuais na academia, consagrando a sua redação concisa e precisa. A obra de José Joaquin de Mora, o autor real, não apenas incide no imaginário feminino, ao se esconder sob o manto de uma americana anônima, mas, denota a necessidade de autoidentificação no processo de leitura e apropriação do texto pelo leitor, no caso, leitora. Utiliza-se do discurso criando laços identitários para atrair seu público, produzindo intimidade, cumplicidade e serve-se da forma epistolar como associação ao catolicismo remetendo a determinadas características desejadas à mulher. Escravizados e libertos nas escolas noturnas baianas no final

do século XIX Jucimar Cerqueira Santos

Universidade Federal da Bahia Palavras chave: Escolas noturnas; Escravizados; Libertos; Cidadania

O texto em tela tem a finalidade de discutir a presença de

escravizados e libertos nas escolas noturnas baianas no final do século XIX, a partir do artigo 179 da Constituição brasileira de 1824, o qual previa que a instrução primária e gratuita era somente a todos os cidadãos. Cidadania no Brasil do período era uma noção construída “em estreita relação com o dilema teórico entre liberalismo e escravidão”. Cidadãos eram aqueles que podiam votar conforme o valor da renda que possuíam. O texto parte da apresentação do que foram as escolas noturnas e a partir de seu segundo ano de criação, na Bahia, houve casos de escravizados e libertos frequentando as aulas. Será feito o cruzamento entre correspondências de professores aos diretores da Instrução Pública e aos presidentes da Província, os relatórios de presidentes da Província e a bibliografia escolhida sobre a época, para discutir como se deu a frequência desses sujeitos nas aulas noturnas. Partiremos da ideia de que as mobilizações das “camadas populares” podem gerar impactos nas determinações legais e até alcançarem conquistas significativas para essas populações, como sugere Thompson.

Maria Graham: uma professora inglesa na corte do Brasil Nara Marques Soares

Universidade Federal de Santa Catarina - NULIME Palavras-chave: Maria Graham; Literatura; Iluminismo

Durante o período de transição do Brasil colonial para o independente, mais especificamente na segunda década do século XIX, uma intelectual inglesa foi contratada como professora das princesinhas da corte de D. Pedro I, entre elas a futura rainha de Portugal, D. Maria da Glória.

Maria Graham veio pela terceira vez ao Brasil sozinha, pagando por todas as suas despesas para assumir o novo emprego, e após 3 meses foi demitida, sem receber remuneração ou ressarcimento de seus gastos. Em duas publicações posteriores ela contou o que acontecia no palácio real naquele período da transição à

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independência do Brasil; como foi sua tarefa como professora e por que foi demitida.

Maria Graham ficou mais conhecida nos estudos de Literatura e de História como escritora viajante, referência para teóricos brasileiros, como Gilberto Freire. Porém pouco se fala sobre sua formação, sua conduta como educadora e por que ela aceitou este cargo de preceptora de Maria da Glória. Em sua maioria, quando citada como professora, há a ressalva (ou discriminação, no duplo sentido) de ter sido ela conservadora, puritana e com propósitos (obscuros?) de educar as princesas dentro de preceitos anglicanos. Porém, o que se lê em seus diários, cartas etc mostra outros aspectos dessa educadora.

Esta proposta de comunicação é resultado inédito de uma parte de minha pesquisa de pós-doutorado financiada pela Capes, feita nos arquivos pessoais da escritora em Londres e Oxford, que tenta rever a vida de Lady Maria Graham Callcott de outro ponto de vista: como escritora (com 16 livros publicados), biógrafa e artista plástica, que transitava por entre os centros de poder e intelectualidade da época, movida pela tensão entre vida artística e vida artista – conceito de Michel Foucault relativo a uma existência estética, à vida como obra de arte.

Durante a pesquisa, chamou-me a atenção o fato de que Maria Graham já era uma intelectual reconhecida pelos ingleses (com cinco livros publicados), quando aceitou o cargo no Brasil. Além de já ter sido professora em uma escola de fundamentos iluministas para moças perto de Londres. Ela fazia parte de um grupo seleto de intelectuais (ingleses e escoceses) que a aceitava e a considerava de uma nova geração das Bluestockings, que hoje são incluídas entre as pioneiras do movimento feminista mundial. Ela levava uma vida bastante independente e “progressista” para uma mulher de sua época: viajava sozinha e se autossustentava como seus livros e trabalhos de revisão, consultoria e tradução. Também era excelente desenhista e gravurista e teve uma rede de amizades com os principais artistas da época, como Turner, Thomas Lawrence (pintor real), Charles Eastlake (1º. Diretor da National Gallery) etc; artistas/colegas próximos que conheceu quando viajou para a Itália em 1819.

Ao aceitar o cargo no Brasil, Maria Graham deixou claro que pretendia dedicar-se à educação de Maria da Glória, abraçando o projeto brasileiro de independência com ideias iluministas de formação (de suas pupilas princesas à nova nação). Como exemplo de sua dedicação, organizou um material didático em Londres e, o que poucos sabem, traduziu e imprimiu, ela mesma, esse material que trouxe em sua bagagem. Em seu diário, ela conta que um dos livros foi muito bem recebido pela princesinha Maria da Gloria: “quando lhe apresentei o ‘Little Charles’, da Senhora Barbauld, traduzido para seu uso e li-o com ela, exclamou: ‘Todas estas palavras são portuguesas!’ Pulou de repente da cadeira, tomou o livro e correu para o quarto de sua mãe (...)”

Os livros de Anna Letitia Barbauld transformaram a educação e o mercado editorial infantil nos anos de 1770-80 na Inglaterra e na América do Norte. Faz parte deste estudo uma pequena análise deste livro e das mudanças propostas. Anos mais tarde, a própria Maria Graham iria se dedicar à literatura infantil (tendo Barbauld e a amiga Maria Edgeworth como modelos), e um dos seus livros, Little Arthur's History of England, fez tamanho sucesso que foi reeditado 70 vezes, e teve 800 mil cópias (dado da editora em 1962).

A proposta deste trabalho é de rever sua vida enquanto educadora e tentar reconsiderar historicamente a proposta pedagógica dessa intelectual para as crianças reais.

O uso de dados demográficos na pesquisa em História da Educação

Talítha Maria Brandão Gorgulho Universidade Federal de Minas Gerais

O trabalho proposto tem como objetivo apresentar a metodologia

utilizada nas coletas de dados, bem como algumas análises que foram base para minha dissertação de mestrado defendida em 2011, na Faculdade de Educação da UFMG, e que servirão de suporte para minha tese de doutoramento na mesma instituição, cujos estudos se iniciam este ano. No primeiro estudo foram investigadas as estratégias e práticas educativas de órfãos de famílias abastadas da segunda metade do século XVIII na Comarca do Rio das Velhas. Deste

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modo, baseada na historiografia econômica e demográfica pretende-se, por ora, discutir a metodologia utilizada para a coleta dos dados e como se deu a escolha desses sujeitos. Pretende-se ainda, de maneira resumida, apontar como se caracteriza o grupo estudado através de uma análise quantitativa desses sujeitos.

Para o referido estudo foram utilizados os 488 inventários que se encontram alocados no IBRAM de Sabará – MG. A leitura e coleta de dados desses inventários deram origem a um banco de dados que serviu como um quadro geral para a pesquisa. Este banco de dados possui os seguintes campos de informação: Nome – em que se apresenta o nome do inventariado; Referência – identificação do documento no arquivo de origem; Anos abertura/encerramento – ano de início e término do processo; Sexo; Localidade – onde morava o inventariado; Naturalidade; Valor de Monte-mor; Número de escravos; Número de filhos; Testamento/translado – se o inventariante possuía testamento e se tinha cópia no inventário; Observações – onde foram colocadas informações mais específicas ao tema deste trabalho, tais como se há ou não assinaturas dos filhos, tutores ou pais, se há meação, etc. Tais dados se apresentam em tabelas elaboradas no Excel e divididas por década (de 1750 a 1800).

Para explorar o tema proposto, extraíram-se da população de inventariados levantados duas amostra. A amostra 1, que foi chamada de “mais abastados”, corresponde a 20% dos inventariados classificados, seguindo critérios que serão objetivamente elucidados no presente trabalho, como sendo os mais abastados daquela população. A amostra 2, chamada de “demais”, representa os 80% restantes da mesma população.

Cabe esclarecer, inicialmente, o que se entendia por “abastado” no período. Segundo o Vocabulário português e Latino escrito por volta de 1712 por Raphael Bluteau, abastado significa “Homem abastado, aquele que tem o que lhe abasta, bastantemente rico.” Contudo, sabe-se que a abastança podia representar mais do que a capacidade de se acumularem riquezas, e, por esse motivo, achou-se por bem levar em conta a associação de dois critérios, o monte-mor e a posse de escravos, para classificar os inventariados, homens e mulheres, como abastados para os padrões desejados neste estudo.

Definir os critérios para chegar a esse padrão foi um trabalho difícil, e há a consciência de que este tipo de categorização, muitas vezes, pode se mostrar impreciso e questionável. Então, buscando maior segurança, desenvolveu-se uma metodologia que combinou metodologias consagradas para esse tipo de classificação com questões mais específicas e subjetivas aos sujeitos dessa pesquisa.

A aproximação com metodologia demográfica tem se mostrado muito útil para as análises em História da Educação, já que há um considerável número de documentos que podem ser utilizados para estudos em séries. Portanto, emprestando-se dessa metodologia mostra-se possível demonstrar padrões como, por exemplo, das práticas educativas realizadas por determinados grupos no período estudado. Alguns poucos historiadores da educação já vêm se utilizando dessa metodologia. O presente trabalho, acredita-se, irá acrescentar à discussão, a medida que pretende ajudar a observar e aprimorar o uso de dados demográficos, ainda pouco utilizados, mas que demonstram-se muito ricos para as análises da História da Educação.

Cavalhadas no Brasil: festas coloniais para uma pedagogia social

Carolina Minardi de Carvalho Universidade Federal de Alfenas

Palavras-chave: Cavalhadas; Festas; Pedagogia Social

A presente proposta se originou no trabalho desenvolvido para a conclusão do bacharelado em História, pela PUC-MG. Na ocasião, foram estudadas as cavalhadas realizadas em um dos distritos de Ouro Preto/MG, Amarantina, em período atual. Para a compreensão de tal evento, foram necessários estudos voltados à origem dessa prática festiva, ainda no Brasil colonial. Busco, aqui, abordar análises de caráter amplo e geral a respeito dessa origem, apontando seus aspectos relacionados a uma pedagogia social, voltada à afirmação de projetos políticos.

As cavalhadas são manifestações festivas originadas na Península Ibérica que passaram a ser praticadas no Brasil desde o período

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colonial, perpassando os diversos períodos históricos brasileiros e permanecendo no folclore ainda hoje. Elas surgiram, aqui, na forma de jogos, sem encenações dramáticas a princípio. “No século XVI, quando aparecem as primeiras notícias de sua presença no Brasil, cronistas se referem a elas como jogos de canas, argolinhas ou patos” (GONÇALVES, 2001, p.952). Corridas, desde o princípio, pelos “grandes da terra” (MEYER, 2001, p.229) ainda hoje as cavalhadas “não se manifestam isoladas, elas se associam a uma festa religiosa” (MARTINS, 1991, p.62) e se davam, no começo, “por ocasião de festejos de padroeiros locais, ou na oportunidade de festas civis” (BRANDÃO, 1974, p.38). Era usual que algum abastado e proeminente homem, por vezes um comerciante, ordenasse e financiasse a execução de cavalhadas em honra aos casamentos da nobreza portuguesa, aos célebres nascimentos, aos acontecimentos políticos de maior relevância (quer fosse no Brasil, quer fosse em Portugal, mesmo depois da declaração de Independência), às mais importantes festividades da Igreja e em inúmeras outras ocasiões consideradas dignas de festejos pomposos.

Assim, faz-se necessária uma discussão mais aprofundada acerca das cavalhadas como integrantes de um conjunto de mecanismos de notável potencial estratégico para projetos de afirmação política, assumindo formas de instrumentos de pedagogia social.

Um dos fatores políticos relacionados não apenas às cavalhadas, mas às festas coloniais, de modo geral, diz respeito à formação de uma sociedade submetida a mecanismos de controle e afirmação de poder. Tais mecanismos buscavam garantir que os que aqui viviam fossem súditos da coroa portuguesa, cristãos praticantes da ordem e respeitadores das hierarquias. Esses mecanismos foram elementos de eficiente colaboração para consolidar, na mentalidade dos agentes envolvidos na execução das festas, a ideia de superioridade das sociedades europeias e dos moldes de civilização por elas oferecidos de modo que, pouco mais tarde – durante o período imperial e, em especial, no período regencial e no princípio do segundo reinado, quando os esforços do governo se voltavam à contenção dos diversos conflitos que eclodiam por todo o Brasil – a monarquia brasileira, ainda que em teoria independente de Portugal, se posicionasse como continuadora da civilização europeia nos trópicos.

O ideal salvacionista europeu que se iniciou nos primórdios da colonização sob a roupagem da conversão de nativos para a salvação de suas almas e se estendeu até o século XIX, se concentrando então na disseminação da civilização francesa em oposição à barbárie carente de refinamento e ao estabelecimento da ordem e do controle social, servia não apenas à moldagem de uma população às formas cristãs de comportamento ou às tendências de polidez que se espalhavam pela Europa. A função política embutida nesses ideais pode ser detectada quando pensamos que essa moldagem e adequação às tendências ao longo dos séculos propiciaram a construção e afirmação de uma identidade brasileira atrelada a uma suposta dependência política, econômica e principalmente cultural em relação a Portugal por sua acentuada civilização em contraste com a barbárie natural do indígena e do negro no Brasil.

A suposta permissividade temporária dos festejos funcionava, acima de tudo, como um lembrete de que durante a festa os papéis sociais podiam se inverter, se confundir, se misturar, mas, no final do período festivo, breve e muito bem delimitado, cada um devia assumir seu devido lugar na sociedade para que a ordem fosse mantida e para que tudo voltasse a caminhar nos eixos.

Ser tutora - os requisitos e as práticas em torno da função (São Luís - MA, 1770-1830)

Kelly Lislie Julio Universidade Federal de Minas Gerais

Palavras-chave: mulheres; tutoria; provisão régia

O presente trabalho tem como interesse trazer algumas considerações sobre os processos de solicitação de tutorias feitos por mulheres e que foram registrados em São Luís - MA, entre os anos 1770 e 1830. Conforme as Ordenações Filipinas, quando a esposa falecia, o marido era naturalmente o administrador dos bens e dos filhos menores de vinte e cinco anos de idade e ainda solteiros. Com a morte do pai, ao contrário, esses filhos eram considerados órfãos, pois a família havia perdido sua principal autoridade, sendo necessária a nomeação de um tutor. Essa nomeação poderia ocorrer de diferentes

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formas: a partir da eleição feita pelo próprio pai em testamento; por meio da escolha perpetrada pelo Juiz dos Órfãos entre os parentes ou algum "homem bom do lugar"; e também a partir de uma solicitação ao rei, via Desembargo do Paço. Restringiremos a esta última. Geralmente, ela acontecia quando o pai havia falecido sem o testamento e poderia ser feita pela esposa, as avós ou por algum homem da família. Mas, essa solicitação poderia ser feita também quando, já existindo um tutor nomeado, houvesse um interesse por parte de um parente em assumir essa função. No que se refere às mulheres, para fazer um pedido dessa natureza, era necessário que ela atendesse a alguns requisitos. Em primeiro lugar, não poderia ter contraído um novo matrimônio. Além disso, deveria "viver honestamente" e, por fim, demonstrar "ter capacidade" para administrar os filhos e os bens da família. Essas informações deveriam ser confirmadas por testemunhas a partir de um processo chamado Instrumento de Justificação que era julgado pelo Juiz dos Órfãos. Uma vez atestada "as condições" para assumir a tutoria, a mulher fazia um requerimento ao monarca que poderia conceder ou não a provisão régia. Assim, nossa intenção é, a partir da análise das diferentes etapas dessa solicitação, problematizar os "requisitos" necessários e evidenciar as redes de relações lançadas para que uma mulher pudesse ser tutora. Depois, alcançada a provisão, apresentaremos as fases seguintes até a assinatura do Termo de Tutoria que dava o direito ao exercício da função. Nessa etapa, nosso interesse é evidenciar os laços de solidariedade que se faziam necessários, já que a mulher dependia de fiadores que pudessem abonar aquele exercício. Finalmente, analisaremos alguns casos coletados na documentação que revelam o exercício da tutoria por parte das mulheres. Nesse último aspecto, buscaremos mostrar o trabalho realizado pelas tutoras, de modo especial, para a educação dos órfãos. Para realizar essa discussão utilizaremos os Requerimentos de Tutoria e os Instrumentos de Justificação de Tutoria presentes no Arquivo Histórico Ultramarino. Além disso, serão usados alguns Inventários que estão sob a guarda da "Coordenadoria do Arquivo e Documentos Históricos do Tribunal de Justiça do Estado Maranhão" - CADHTJEM. Acreditamos que a solicitação da tutoria representava uma estratégia feminina que não estava encerrada apenas na preocupação com a administração dos

bens da família e de seus filhos. Mas, também, no interesse de participar do processo educativo deles e garantir melhores condições de vida para sua prole. A partir da análise da documentação tem sido possível perceber que a avaliação a respeito da "capacidade", mas de modo especial, do "viver honestamente", quer dizer, com honra, estava fundamentada em alguns ideais propalados pelas autoridades civis e religiosas. Entretanto, esse julgamento se fazia também a partir da observação cotidiana, que continha parâmetros próprios, baseados nas necessidades e condições vivenciadas. Outro detalhe é que as mulheres já estavam com os órfãos mesmo antes de alcançar a provisão régia. Ao mesmo tempo, que, na maioria das vezes, a tentativa de manter a gestão das "pessoas e bens dos filhos" era um reflexo de uma parceria existente no casal antes do falecimento do marido. Finalmente, que as estratégias educativas despendidas pelas mulheres estavam relacionadas com as intenções de garantir a subsistência dos órfãos e a promoção ou manutenção socioeconômica da família.