iii. a cultura - arquitectura paisagista · boa sorte, entre outros representados nos jardins...
TRANSCRIPT
Jardim Japonês shakkei
30 30
III. A CULTURA 6. INFLUÊNCIAS EXTERNAS A China Grande parte das influências no Japão vieram da China, as religiões, o Confucionismo e o
Budismo, os sistemas de Governo, influências urbanas como é o caso de Nara que tenta
imitar a cidade de T’ang na China, entre outras.
Todas as formas de ciência existentes até à chegada dos portugueses se baseavam nos
conhecimentos Chineses, estas ciências não partiam de uma observação da Natureza,
tinham na sua base princípios de feitiçaria e superstição.
A evolução do Japão até ao século XV depende inteiramente da China, o vestuário, a
linguagem, a escrita, a arquitectura, a própria estrutura social e o seu governo. A Reforma
Taika foi levada a cabo por dois jovens Japoneses em 645: o príncipe Nakanôoe e
Nakatomi. Estes estavam embrenhados nos valores da civilização chinesa, levando a cabo
uma reforma até aí recusada pelos soga. Esta tenta ser uma cópia fiel do modelo político-
social Chinês.
As influências da China no Japão são tantas e tão notórias que seria absurdo tentar
nomeá-las uma por uma.
Em relação ao Paisagismo as Influências mais relevantes são a importação para o Japão
de conceitos, não só as religiões, mas conceitos que em parte lhes estão associados; os
mitos representados nos jardins, como o Monte Shumisen no centro do Universo, o Monte
10. Cenas da vida quotidiana no Japão
Jardim Japonês shakkei
31 31
Horai, o Monte Fudaraku o mito da barca sagrada que desce à terra com sete Deuses da
boa sorte, entre outros representados nos Jardins Japoneses.
Outro conceito importado da China é a crença do Yin e
Yang. O Yin representa o feminino, profundo, destrutivo,
negativo, o Yang, por sua vez, representa o macho,
estado elevado, construtivo e positivo. Estes dois
poderes complementam-se e formam o conjunto de
todos os fenómenos Naturais. Todos os elementos vivos
oscilam entre estes dois opostos, criando harmonia.
Outra influência é a geomância, arte de adaptar as
residências dos vivos e mortos à energia local, energia
chi’i, a orientação do elementos construídos é a primeira
coisa a ser pensada num espaço, pela elaboração de um
mapa energético, crendo que um pagode pode
concentrar uma energia positiva, um
ribeiro de norte para sul, pois o Norte
representa a água e o sul o fogo, a
harmonia é atingida pelo encontro do Yin
e Yang, ou do positivo e negativo.
O conhecimento de outras culturas, e
novos dados tecnológicos, científicos,
entre outros fizeram o Japão dar uma
reviravolta na sua cultura, em parte
virando-se contra as suas tradições.
11. Representação do Monte Horai no Lago de um Jardim Japonês.
Estes mitos vêm justificar mais tarde a disposição de certos elementos no Jardim, como a distribuição das pedras, da vegetação, ou mesmo a modelação do terreno. Os princípios do Yin e Yang vão definir a distribuição dos elementos principais dentro do Jardim, a habitação ou templo, o lago, a ilha, a montanha e a direcção de fluxo do ribeiro.
12. Equilíbrio entre o Yin e Yang
13. Distribuição dos principais elementos de uma propriedade.
Jardim Japonês shakkei
32 32
“O Japão durante mais de mil anos alimenta-se espiritualmente da cultura chinesa, pela
pena do mais notável e esclarecido do século XIX, Fukuzawa Yukichi, repudiar toda essa
herança nestes termos radicais, que parecem ter, hoje, um significado quase profético: «A
verdadeira razão por que me oponho à sabedoria chinesa com tal vigor é o crer que nesta
idade de transição, se esta doutrina retrógrada continuasse no espírito dos nossos Jovens,
a nova civilização não poderia dar o seu Inteiro benefício a este país».” (Janeira, A. 1988)
A Coreia A influência da Coreia, passa essencialmente pelo efeito de canal de ligação à China, o
Confucionismo e Budismo foram da China para a Coreia e daí para o Japão. As suas
influências eram derivadas dos conhecimentos herdados da China.
Os Portugueses No século XVI, altura da chegada dos Portugueses ao Japão, este terminava uma época
de reclusão de aproximadamente dois séculos, vivendo num Xógunato governado na altura
por Oda Nobunaga, este governo era rígido, pois tentava centralizar o país pelo domínio
dos Dáimios que detinham o poder em cada região.
Uma das maiores influências da chegada dos portugueses nesta fase foi a introdução da
espingarda, assim que os Japoneses a aprenderam a utilizar, depressa a reproduziram e a
utilizaram nos campos de batalha. Esta deu um grande
benefício contra os guerreiros não armados, um
pequeno número de homens armados podiam fazer
frente a um exercito de guerreiros de sabre.
O sistema de organização social e governo, está,
nesta fase, muito ligado à religião. O confucionismo, é
a base da estrutura social, da disciplina e obediência
sobre a qual o governo feudal se apoia, este atribuí
um carácter divino ao imperador ou governador do
país. O Xintoísmo, o Budismo e o Confucionismo
coexistem no Japão com uma grande tolerância.
Os portugueses trazem consigo uma nova religião, o
Cristianismo, uma religião muito mais exigente na sua
adesão, depressa seduz a curiosidade dos Japoneses.
Esta afirma que só há uma verdade, a cristã, por outro
Inicia-se nesta altura uma fase de abertura que termina apenas com o afastamento dos portugueses e holandeses das águas do Ocidente. O Japão retoma o contacto com a China mantendo o fecho das fronteiras até ao século XIX.
14. Uma pintura retractando a introdução da espingarda no Japão.
Jardim Japonês shakkei
33 33
lado os novos conceitos religiosos colidem com o conceito que dá unidade à família
japonesa, que vem de uma tradição imemorial do culto dos mortos.
“Este novo culto, vem substituir conceitos culturais confirmados pela experiência milenar
de um povo, por novos conceitos que ao serem introduzidos no corpo dessa cultura
provocam desajustes de pensamento e perturbações graves de consciência” (Janeira, A.
1988)
Além da religião outras grandes influências se notam da chegada dos portugueses,
simples como a vestimenta, o chapéu, ou sobre ciências e artes, em disciplinas mais
abrangentes, como a medicina, geografia, astronomia, ciências náuticas e militares; nas
artes a influência dá-se mais na Pintura (arte Namban), a música, arquitectura (a
Construção de castelos para defesa militar), urbanismo ( a construção da cidade de
Nagasaki, a única cidade até então construída numa encosta e não numa planície),
tipografia e a arte do chá.
Até à chegada dos portugueses a ciência existente no Japão era a mesma que fora
trazida da China, na qual a adivinhação, a superstição, os ritos religiosos e o feiticismo
tomavam parte importante.
A própria linguagem sofreu muitas alterações, houve a introdução de palavras
portuguesas no vocabulário japonês, como Pão – pan, Botão – Botan; Banco – Banko;
copo – Koppu; ouro – uru; Paraíso – Haraiso, Paraíso terreal – Haraiso-Terearu.
Os Holandeses A influência dos holandeses no Japão, foi uma influência contínua em relação à influência
dos portugueses, embora esta se tratasse de relações meramente comerciais, e não de
uma cruzada cristã.
A sua permanência no Japão foi mais curta, resumindo-se a escassas dezenas de anos. O
medo dos japoneses de serem conquistados sobrepôs-se aos interesses comerciais do
Imperador, ordenando a expulsão de todos os ocidentais do país, retomando o contacto
com os chineses.
O papel dos holandeses num Japão fechado aos estrangeiros, embora forçosamente
modesto devido às restrições que lhes eram impostas, teve o alto mérito de evitar a
A introdução do chá é de muita importância, pois este é rapidamente assimilado na cultura, sendo utilizado pelos monges Zen para evitar a sonolência durante a meditação zazen. O chá é introduzido em inúmeras cerimónias, originando a cerimónia do chá ao qual está associada uma tipologia específica de Jardim: aquele que antecede a casa do chá e que a ela conduz: o jardim do Chá.
De notar a introdução da palavra “Paraíso - Haraiso”, com a chegada dos portugueses, ou seja no século XVI, bastante depois do próprio aparecimento dos Jardins do Lago e da Montanha no século VIII, que segundo a Bibliografia Ocidental dão pelo nome de Jardins do Paraíso. A utilização da linguagem católica, numa época em que as religiões existentes no território japonês são: o Xintoísmo, o Budismo e o Confucionismo. A utilização do nome: Jardins do Paraíso, ao longo deste trabalho, pretende facilitar a conexão do leitor com a bibliografia consultada, embora exista a consciência de possível incoerência na utilização deste termo.
Jardim Japonês shakkei
34 34
interrupção de relações com o Ocidente. Os holandeses continuavam a levar para o Japão
livros da Europa, e mesmo da China, relacionados com os assuntos europeus, embora
sujeitos a severas limitações. Os saberes que mais interessavam ao Japão eram as ciências,
sobre, medicina, astronomia, matemática, botânica, agronomia, etc. Os japoneses
limitavam-se a acumular informações. A conexão das leis naturais ia de encontro com o
pensamento Confucionista.
A importância desta entrada de saber pela porta de Nagasaki, foi de grande relevância,
pois ia alastrando pela camada intelectual. No século XIX as ideias ocidentais abalam as
estruturas da cultura tradicional Confucionista, abrindo uma porta para a ocidentalização do
Japão.
Os Americanos A influência outrora exercida pela China passou a ser desde 1945 exercida pelos Estados
Unidos da América.
O próprio sistema governamental foi imposto pelos Estados Unidos, assim como a
constituição aplicada em 1947.
Nos seis anos que se seguiram à guerra e à bomba de Hiroshima os Estados Unidos
mantiveram um policiamento em todo o Japão, tendo influenciado o seu caminho em toda
essa fase de falta de identidade e recuperação da unidade japonesa.
Todo o tipo de introduções ocidentais a partir do século XIX são levadas pelos Estados
Unidos. Após a última guerra, o país que se encontrava em fase de reclusão, abre as suas
portas, instala-se um verdadeiro frenesi de tudo o que era americano, Jazz, cinema,
literatura, entre outros. Agora esta onda começa também a acalmar, embora as ideias
ocidentais dessem um novo rumo ao Japão. O Nippon é um pais de terramotos, e parece
que estes de algum modo influenciam o temperamento dos seus habitantes.
A partir deste segundo contacto com o ocidente, o Japão não mais deixou de seguir na
esteira do progresso técnico – cientifico, combinando os seus valores tradicionais com os
valores importados.
Jardim Japonês shakkei
35 35
7. AOS OLHOS DO OCIDENTE Desde a chegada dos portugueses ao Japão que se tem registos de impressões sobre o
Japão, relatadas por três missionários Luís de Frois, João Rodrigues e Alexandre Valignano.
Luís de Frois faz muitas referências a contradições e diferenças de costumes entre a
Europa e o Japão, João Rodrigues dedica-se mais à geografia, aos costumes e à cultura do
país, Alexandre Valignano dedica o seu estudo compreensão da alma japonesa.
Sobre os templos xíntoistas e budistas:
“Havia naquella terra hûa Mia mui fermosa, que e o templo onde se adoram os Kamis”
(Frois, L. 1565)
A beleza única dos jardins japoneses, a originalidade com que neles se imitam os
acidentes naturais, também não podiam escapar à observação dos missionários, que os
descrevem com encantamento como nestas linhas de Luís de Frois:
“Defronte das Janelas deste aposento estava hum jardim das mais frescas, e , e
estranhas arvores que vi, assi de cedros, aciprestes, pinheiros e laranjeiras, como de
outras árvores não conhecidas entre nos, e todas por artifício criadas, de maneira que
ficam huas sendo amaneiras de sinos, outras como torres, outras como abobadas, e assi
de varias maneiras. Os lirios, cravos, rosas, boninas e flores são tantas, e de tão diversas
cores, e cheiros, por ser cousa em que se mais revem, e estreitão por seu passatepo, q
15. Um Enquadramento a que se refere Luís de Frois.
Jardim Japonês shakkei
36 36
aos que as vem, continuamente causam admiração quanto mais aos que a ellas são
estranhas”1
“... te no meo do jardim, hua alagoa de vinte passos de comprimeto, de agoa singolar,
que trouxe a poder de dinheiro, dali a duas, ou tres legoas, e entralhe dentro por hum
rochedo de penedia, e trabalhado a mão, que parece obra da mesma natureza. No meo
desta lagoa há muita maneiras de ilhas, e ilheosinhos, que se passam de huas as outras
com pontes muito frescas de pao, e de pedra, e tudo isto fica de baixo de mui frescas
arvores, e sem nenhua duvida, que disto se não pode escrever a Terça parte do que he” 1
Sobre a pintura no Japão João Rodrigues comenta:
“Tem tres sortes de pintura: Yeroye (Iroe), Sumiye (Sumie), Dey (Dei). A primeira he para
coisas alegres, de cores e douradas, a Segunda de tinta preta eu aguada, e a terceira he
pintura com oiro moido em pó.”
“São também muito lestos em pintar arvores, e ervas, rozas, passaros e animaes de toda
a sorte muito ao natural... Ermidas e hermitaens nos desertos e vales entre arvores e rios,
lagos, e mares com embarcaçoens nelles ao longe. Item há em suas histórias sinicas oito
lugares nomeados solitários que elles chamam fackei (hakkie), que quer dizer oito vistas.”2
“He a cidade de Miyaco limpíssima com ruas muy largas, em todas há agoas de fontes
excelente, e ribeiros que correm pelo meyo dellas...
A gente de Miyaco, e morador he muy branda de condição e muito cortez e grande
agasalhadora; e muy bem trajada e diciosa (sic), e muy dada em continuas recreações, e
folguedos, e passatempos como he ir ao campo com banquetes, a ver comedias,
representaçoens e entremezes e outros vários cantos que tem a seu modo; he gente de
muita romagem e devação aos templos, e de ordinário há tanta frequencia de homens e
molheres que a elles vão orar, e ouvir pregações que parece um jubuleo. A lingoa he a
melhor e mais polida de todo o reyno, por estar ali a Corte e os Cughes (nobres) em que
isto se conserva; as sahidas desta cidade, por qualquer parte são as mais lindas e
agradáveis de frescura e campinas que há em todo o Japão.
No contorno da Cidade há lugares de bosque e arvoredos de muita recreação onde todos
os dias há concurso dos da Cidade a se recrearem com banquetes, estendendo certo modo
1 Carta de Luís de Frois de 27 de Abril de 1565, in cartas, I, f. 182 – 182v.
Jardim Japonês shakkei
37 37
de tendas com que ficam resguardados huns dos outros. São os da cidade muy dados a
poezia, que esta nação tem muy excellente e artificiosa a seu modo”3
Rodrigues fala ainda dos grandes mosteiros com jardins muito frescos que são às
centenas dentro da cidade, das universidades e dos palácios, só os principais ele conta
cerca de 380.
No século XVIII e XIX começa a aumentar o interesse pelo Japão, pela sua cultura e
formas artísticas.
Antes do aparecimento das imagens japonesas aparecem desenhos de jardins chineses,
das habitações – Pavilhões e Pagodes. Na imaginação ocidental os jardins chineses eram
espaços idílicos, onde os Senhores e Senhoras se divertiam, bebendo vinho e tocando
instrumentos musicais. Em Inglaterra, nos Kew Gardens começam a ser construídos
Pagodes chineses.
As primeiras imagens no Ocidente do Japão apareciam desenhadas em peças de
porcelana ou no mobiliário, os motivos eram as flores, pássaros, pinheiros, e as ilhas.
Assim que os japoneses abriram as suas portas houve uma elevada procura nestes
mercados, com um efeito imediato nos artistas, os pintores experimentavam técnicas
japonesas, aumenta a procura de objectos exóticos do Oriente, Operas e Operetas foram
escritas sobre temas Japoneses, todos eles descrevem o Japão como a terra da fantasia.
2 João Rodrigues, História da Igreja do Japão, II, p.11 3 João Rodrigues, Idem, I, cap. 13.
16. Porcelana Japonesa 17. Desenhos nas Portas entre Divisões
Jardim Japonês shakkei
38 38
Vários romances foram redigidos sobre Japonesas e ocidentais, Giacomo Puccino compôs
Madame Butterfly (1904), o musical The Geisha. Os jardins japoneses eram associados a
uma grande mistura de flores e uma bonita e jovem mulher.
No fim do século XVIII tornou-se moda entre as famílias mais abastadas ter um jardim
japonês num canto das suas propriedades. Nestas colocavam plantas Orientais que
mandavam vir do Japão.
Um dos pormenores mais apreciados do jardim japonês pelo Ocidente foi a utilização da
água. Os lagos de formas tão naturais foram retractados pelo Impressionista Claude Monet.
Os conceitos adjacentes na arte japonesa, foram mais difíceis de entender, mas nos
últimos 30 anos o interesse por outras culturas religiosas têm aumentado, principalmente o
aspecto esotérico do jardim japonês, nas tradições Zen. Um grupo de rochas pode
simbolizar um ensinamento budista, meditação, ou criar simplesmente um sentimento de
solidez e permanência.
“O japonês é por natureza emotivo, cheio de vivacidade, romântico, por vezes exaltado
até à violência. «Raça poética e utilitária», alguém lhe chamou. «O seu génio, de modo geral,
tem sido empírico e prático, o seu sentimento mais romântico do que apaixonado» escreve
Sansom. Estas características são sobretudo visíveis em dois períodos da sua história: na
Era Heian, em que uma admirável literatura escrita por mulheres expande os sentimentos
do coração, e no Período Genro, em que artistas, novelistas e dramaturgos de origem
18. Madame Butterfly de Giacomo Puccini.