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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 121 Os saberes dos alunos de uma escola de ensino fundamental de Vitória sobre o manguezal Jeane Pignaton Agostini 1 *, Glória Maria Martins Bermudez ¹, Valderes Bento Sarnaglia Junior² ¹Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Ciências Biológicas, Av. Fernando Ferrari 514, Goiabeiras, 29075-910, Vitória, ES, Brasil 2 Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rua Pacheco Leão 915, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil * e-mail de contato: [email protected] Introdução Vitória é um arquipélago cercado por manguezais, um ecossistema de transição entre ambientes aquáticos e terrestres, que está associado ao bioma Mata Atlântica. Ele é formado pela mistura de água doce e salgada e tem um solo rico em matéria orgânica. O manguezal também é um refúgio para os animais se alimentarem, se reproduzirem e se protegerem (Quinõnes, 2000). Dessa forma, os manguezais são tão importantes para a fauna e para flora, quanto para as comunidades locais, que dependem desse ecossistema para a sua sobrevivência. Uma comunidade local que vive no entorno das áreas de manguezal é o bairro Inhanguetá. Este bairro fica na região noroeste do município de Vitória (Silva et al, 2009). Uma parte desse bairro se desenvolveu devido aos aterros entre a década de 80 e 90. Nessa época não havia preocupação da sociedade e do poder público com a preservação do manguezal e esse ecossistema foi muito destruído. Hoje, os resquícios de manguezal da região continuam sendo destruídos por causa do lixo e esgotos que são lançados. Diante desse quadro, busca-se entender melhor a relação dos alunos que vivem e/ou convivem em espaços próximos ao manguezal, com esse ecossistema e como eles percebem a sua importância para a comunidade local. Além de conhecer as ideias sobre preservação que estes alunos tem e tentar contribuir para a formação da consciência ambiental desses alunos. Material e métodos Foi utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa utilizando como metodologia a pesquisa-ação (Barbier, 2002; Franco, 2008), com a coleta de dados através da observação dos sujeitos ao longo da pesquisa com roda conversa e oficinas de desenhos envolvendo o tema manguezal. Os sujeitos da pesquisa são alunos de uma turma da 4ª série do ensino fundamental da EMEF Professora Regina Maria Silva, situada no bairro Inhanguetá em Vitória/ES. A escola ainda utiliza o sistema de divisão por séries e não anos. No primeiro contato com os alunos nos apresentamos e convidamo-los a participar de uma oficina de desenhos intitulada “Histórias do manguezal”, onde eles narraram através de desenhos histórias sobre o manguezal que tinham vivenciado ou relatos populares que ilustravam a relação da comunidade local e o ecossistema. Escolhemos os desenhos como forma de investigação pelo fato das crianças gostarem de desenhar, “sendo o desenho um canal privilegiado de expressão de suas idéias, vontades,

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II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 121

Os saberes dos alunos de uma escola de ensino fundamental de Vitória sobre o manguezal

Jeane Pignaton Agostini1*, Glória Maria Martins Bermudez ¹, Valderes Bento Sarnaglia

Junior² ¹Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Ciências Biológicas, Av. Fernando Ferrari 514, Goiabeiras, 29075-910, Vitória, ES, Brasil 2 Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rua Pacheco Leão 915, 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil *e-mail de contato: [email protected]

Introdução Vitória é um arquipélago cercado por manguezais, um ecossistema de transição

entre ambientes aquáticos e terrestres, que está associado ao bioma Mata Atlântica. Ele é formado pela mistura de água doce e salgada e tem um solo rico em matéria orgânica. O manguezal também é um refúgio para os animais se alimentarem, se reproduzirem e se protegerem (Quinõnes, 2000). Dessa forma, os manguezais são tão importantes para a fauna e para flora, quanto para as comunidades locais, que dependem desse ecossistema para a sua sobrevivência.

Uma comunidade local que vive no entorno das áreas de manguezal é o bairro Inhanguetá. Este bairro fica na região noroeste do município de Vitória (Silva et al, 2009). Uma parte desse bairro se desenvolveu devido aos aterros entre a década de 80 e 90. Nessa época não havia preocupação da sociedade e do poder público com a preservação do manguezal e esse ecossistema foi muito destruído. Hoje, os resquícios de manguezal da região continuam sendo destruídos por causa do lixo e esgotos que são lançados.

Diante desse quadro, busca-se entender melhor a relação dos alunos que vivem e/ou convivem em espaços próximos ao manguezal, com esse ecossistema e como eles percebem a sua importância para a comunidade local. Além de conhecer as ideias sobre preservação que estes alunos tem e tentar contribuir para a formação da consciência ambiental desses alunos.

Material e métodos

Foi utilizada uma abordagem qualitativa de pesquisa utilizando como metodologia a

pesquisa-ação (Barbier, 2002; Franco, 2008), com a coleta de dados através da observação dos sujeitos ao longo da pesquisa com roda conversa e oficinas de desenhos envolvendo o tema manguezal.

Os sujeitos da pesquisa são alunos de uma turma da 4ª série do ensino fundamental da EMEF Professora Regina Maria Silva, situada no bairro Inhanguetá em Vitória/ES. A escola ainda utiliza o sistema de divisão por séries e não anos.

No primeiro contato com os alunos nos apresentamos e convidamo-los a participar de uma oficina de desenhos intitulada “Histórias do manguezal”, onde eles narraram através de desenhos histórias sobre o manguezal que tinham vivenciado ou relatos populares que ilustravam a relação da comunidade local e o ecossistema. Escolhemos os desenhos como forma de investigação pelo fato das crianças gostarem de desenhar, “sendo o desenho um canal privilegiado de expressão de suas idéias, vontades,

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emoções, enfim, do modo como lêem a realidade” (Derdyk, 1989 apud Natividade et al., 2008).

Para uma melhor compreensão das relações dos alunos com o manguezal fizemos investigações dos saberes locais e tradicionais, assim como os científicos, através de diálogos em rodas de conversa sobre o manguezal. Na roda de conversa acreditamos que ao investigarmos um tema estamos ao mesmo tempo contribuindo com os nossos conhecimentos. Segundo Nascimento e Silva (2009), as rodas de conversa:

consistem em um método de participação coletiva de debates acerca de uma temática, através da criação de espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os envolvidos nesta metodologia.

Na roda de conversa apresentamos as imagens do manguezal da região onde os alunos moram (Figura 1 e 2). Os objetivos era servir de ponto de partida para a roda de conversa e perceber se eles reconheciam as fotos pertencentes ao bairro deles.

Resultados e Discussão

Os desenhos apresentados na oficina de desenho surpreenderam os pesquisadores.

Os alunos conhecem muito bem sobre o ecossistema manguezal; a importância deste ecossistema para os animais e a comunidade local; e sobre a conservação deste ecossistema: “não devendo assim tomar banho na maré porque está muito suja”, como foi escrito na estória ou que “os peixes não conseguem viver porque está sujo” e que muitas pessoas jogam esgotos no manguezal, estudos anteriores indicam que alunos que moram em comunidades próximas ao mangue detêm um maior conhecimento relativo sobre esse (Pereira et al., 2006; Vairo & Rezende Filho, 2010). Outra observação importante foi em relação ao modo como os alunos descreveram suas vivências através dos desenhos. Como a maioria deles moram no bairro ou em bairros vizinhos a temática do manguezal faz parte da realidade destes, de forma que em suas produções narravam essa relação bem próxima que existe entre alguns alunos e o manguezal local, inclusive em alguns desenhos foram reproduzidas imagens de lugares reais do bairro e do entorno facilmente identificáveis, tais como uma barragem da localidade para evitar que quando a maré suba alague as ruas, a passarela do bairro e a vista da cidade vizinha (Cariacica-ES) do outro lado do canal.

Na roda de conversa foi verificado que muitos dos familiares dos alunos utilizavam o manguezal para a pesca e a cata de caranguejo; os alunos utilizavam o manguezal para brincar; eles sabiam que o ambiente é importante para os animais, por isso não devem jogar lixo e esgoto.

Quanto ao reconhecimento das imagens do manguezal local os alunos conseguiram identificá-las, verificando que elas pertenciam ao bairro que eles moram e interagiram com os pesquisadores, semelhante há um estudo do mesmo tema na cidade de Recife (Rodrigues & Farrapeira, 2008). Isso foi importante para verificar como é o envolvimento do aluno com a região que ele está inserido.

A contribuição dos pesquisadores, ou seja, a intervenção foi de levar para os alunos alguns conhecimentos científicos que eles não sabiam como a diferença do uso dos termos mangue e manguezal, o conhecimento de que a água do manguezal é salobra e de que o ecossistema é um berçário natural. Além disso, de sistematizar os saberes que os alunos já possuíam.

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Conclusão

O trabalho possibilitou concluir que, os alunos têm a consciência de que o ecossistema está poluído devido à ação dos próprios moradores que jogam lixo e esgotos no manguezal, mas que essas ações devem ser evitadas para proteger o ecossistema remanescente. Mesmo que os alunos tenham essa consciência, a educação ambiental deve sempre ser um assunto transverso devido à importância da temática.

Agradecimentos

Agradecemos a todo corpo pedagógico da EMEF Professora Regina Maria Silva por nos receber para a realização deste trabalho.

Referências bibliográficas

Barbier, R. A. 2002. Pesquisa-ação. Brasília: Plano editora. Franco, M. A. S. 2008. Pesquisa-ação e prática docente: articulações possíveis. In:

Pimenta, S. G. & Franco, M. A. S. (orgs). Pesquisa em educação: possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação. São Paulo: Edições Loyola, 103-138 p.

Nascimento, M. A. G; Silva, C. N. M. S. 2009. Rodas de conversa e oficinas temáticas: experiências metodológicas de ensino-aprendizagem em geografia. In: Anais do 10º Encontro Nacional de Prática de Ensino de geografia, Porto Alegre, RS, 1 p.

Natividade, M. R; Coutinho, M. C. & Zanella, A. V. 2008. Desenho na pesquisa com crianças: análise na perspectiva histórico-cultural. Contextos Clínicos 1(1):9-18.

Pereira, E. M.; Farrapeira, C. M. R. & Pinto, S. L. 2006. Percepção e educação ambiental sobre manguezais em escolas públicas da região metropolitana do recife. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 17:244-261.

Quiñones, E. M. 2000. Relações água-solo no sistema ambiental do estuário de Itanhaém. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 133-155 p.

Rodrigues, L. L. & Farrapeira, C. M. R. 2008. Percepção e educação ambiental sobre o ecossistema manguezal incrementando as disciplinas de ciências e biologia em escola pública do Recife - PE. Investigações em Ensino de Ciências 13(1): 79-93.

Silva, L.M; Souza, E. H.; Arrebola, T. M.; Jesus, G.A. 2009. Ocorrência de um surto de hepatite A em três bairros do município de Vitória (ES) e sua relação com a qualidade da água de consumo humano. Ciência e saúde coletiva 14(6): 2163-2167.

Vairo, A. C. & Rezende Filho, L. A. 2010. Concepções de alunos do ensino fundamental sobre ecossistemas de manguezal: o caso de um colégio público do Rio de Janeiro. Revista Eletrônica do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente 3 (2): 15-25.

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Figura 1. Escola do bairro Inhanguetá, Vitória, ao lado do manguezal.

Figura 2. Margens do manguezal onde os pescadores atracam seus barcos. Ao fundo vista do bairro Santo Antônio, Vitória.