ii sij 2012 - corte internacional de justiÇa - o caso battisti
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GUIA DE ESTUDOS
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IIII SSIIMMUULLAAÇÇÃÃOO IINNTTEERRNNAACCIIOONNAALL DDEE JJUUSSTTIIÇÇAA
Homenagem ao Ministro Francisco Rezek
GUIA DE ESTUDOS ITÁLIA VS. BRASIL: A EXTRADIÇÃO DE CESARE BATTISTI
Realização Diretório Acadêmico Tarcísio Burity Comissão Acadêmica André Borges Coelho de Miranda Freire Henrique Lenon Farias Guedes Ildeci Vieira Tavares Filha Ílina Cordeiro de Macedo Pontes Jan Marcel Lacerda Juvencio Almeida Costa Neto Renato José Ramalho Alves Richelle de Macedo Monteiro Sarah Delma Almeida Vasconcelos Yulgan Tenno de Farias Lira Comissão Estrutural David Targino Falcão Farias Eduardo Queiroga Estrela Maia Paiva Gustavo Troccoli Carvalho de Negreiros Igor Barbosa Beserra Gonçalves Maciel Igor Isídio Gomes da Silva Luana Almeida Vasconcelos Yan Cavalcanti Aragão
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Sumário 1. APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 4
2. HISTÓRICO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA................................................. 5
3. ORGANIZAÇÃO ............................................................................................................................. 6
4. AS FONTES FORMAIS DO DIREITO INTERNACIONAL UTILIZADAS NA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA ........................................................................................................ 8
5. A JURISDIÇÃO E PROCEDIMENTOS DA CORTE .............................................................10
6. A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA E SUA COMPETÊNCIA CONTENCIOSA: O CASO CESARE BATTISTI .............................................................................................................17
7. A EXTRADIÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL ...........................................................21
8. RECONSTITUIÇÃO FÁTICA ....................................................................................................28
9. CRONOLOGIA-RESUMO DO CASO BATTISTI ..................................................................43
10. REFERÊNCIAS ........................................................................................................................46
ANEXO I. TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A REPÚBLICA ITALIANA ...............................................................................................................48
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1. APRESENTAÇÃO
O Diretório Acadêmico Tarcísio Burity, organizador do
evento, congratula os participantes da II Simulação Internacional de Justiça, em
primeiro lugar, pelo interesse em participar deste momento tão enriquecedor das
suas experiências jurídicas.
A Simulação Internacional de Justiça foi originalmente uma
proposta concretizada pelo Diretório Acadêmico Tarcísio Burity, em 2011, por
meio da gestão “Sala de Justiça”, que estava em seu terceiro mandato. Na primeira
versão, o evento simulou o Conselho de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas, discutindo planos de ações para os países árabes, especificamente
Líbia e Síria, os quais, à época, passavam por difíceis convulsões institucionais. O
evento foi reconhecido como uma novidade que supria lacunas na Faculdade de
Direito.
De fato, as escolas jurídicas nem sempre manifestam
preocupação com o Direito Internacional Público ou com o Direito Internacional
dos Direitos Humanos. A partir desse prestígio entre os docentes e do sucesso de
público entre os discentes, a II Simulação Internacional de Justiça pretende ampliar
as discussões e aprimorar o aprendizado, envolvendo os estudantes da Faculdade
de Direito e de outras instituições em debates sobre Direito Internacional, Direitos
Humanos, Ciência Política, História Mundial, entre outras temáticas.
Nesta segunda versão, simular-se-á o Tribunal Internacional
de Justiça, Corte das Nações Unidas sediada na Haia, nos Países Baixos. O caso a ser
simulado, o da possível lide entre Itália e Brasil em torno da extradição de Cesare
Battisti, é de grande interesse dos brasileiros. O caso concreto, longe de um
desfecho, contou com grande repercussão midiática e tem afetado as relações
diplomáticas entre esses países.
A II Simulação Internacional de Justiça é promovida pela
gestão “Sala de Justiça”, em seu quarto mandato à frente do Diretório Acadêmico
Tarcísio Burity, com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, da
livraria Prática Forense, do Zarinha Centro de Cultura e da Cultura Inglesa.
O Diretório Acadêmico Tarcísio Burity espera que todos
tenham uma ótima simulação.
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2. HISTÓRICO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
As origens da Corte – ou Tribunal – Internacional de Justiça
da Organização das Nações Unidas remetem ao período entreguerras, quando, em
1920, por determinação do Pacto da Sociedade das Nações, surgiu com o nome de
Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), com sede na cidade de Haia, na
Holanda.
De acordo com LASMAR e CASARÕES (2006, p.7), com o fim
da Segunda Guerra, a Comissão de Juristas da Conferência de São Francisco (1945)
decidiu encerrar os trabalhos da CPJI e criar uma nova jurisdição, dessa vez no
âmbito da ONU, com escopo na Carta das Nações Unidas (art. 92). Dessa forma,
também com sede em Haia, criou-se a Corte Internacional de Justiça (ou Corte de
Haia). Segundo BORGES (2011, p. 217), tal medida foi essencial para garantir a
efetividade ao art. 94 da Carta, que trata da possibilidade de coerção para execução
das sentenças por meio do Conselho de Segurança, que poderá fazer
recomendações ou tomar medidas que garantam a produção de efeitos da decisão
judicial.
Celso D. Albuquerque de Mello (2004, p. 614) comenta que a
mudança do nome para Corte Internacional de Justiça (CIJ) ocorreu pelo fato de se
considerar um equívoco a utilização do termo “internacional” para a justiça,
partindo do pressuposto de que esta é una, não havendo distinção entre a justiça
interna e a internacional, devendo se caracterizar como internacional a Corte.
Também foi discutido o emprego do adjetivo permanente, sendo considerado um
pleonasmo, visto que todo tribunal judicial possui esse caráter.
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3. ORGANIZAÇÃO
Atualmente, a Corte Internacional de Justiça está localizada
em Haia, na Holanda e seus idiomas oficiais é o francês e o inglês. Ela é composta
por quinze juízes, obrigatoriamente, de diferentes nacionalidades. De acordo com o
artigo 2º do Estatuto da Corte, os juízes devem estar entre as pessoas que gozem
de alta consideração moral e possuam as condições exigidas em seus respectivos
países para o desempenho das mais altas funções judiciárias ou que sejam
jurisconsultos de reconhecida competência em direito internacional. O mandato
dos juízes é de nove anos, que pode ser renovado.
Os juízes são eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho
de Segurança (sem direito ao poder de veto). A eleição nesses dois órgãos é feita
por maioria absoluta, não havendo, no Conselho de Segurança, qualquer diferença
entre os membros permanentes e não permanentes. A Assembleia e o Conselho
decidem entre os nomes constantes de uma lista de pessoas apresentadas pelos
grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem (CPA). O Secretário Geral
convida, através dos Governos, os grupos nacionais da CPA a se manifestarem três
meses antes das eleições.
A Corte funciona em sessões plenárias com um quorum
mínimo de nove juízes e o fim do mandato de todos os juízes não é coincidente,
havendo eleições a cada três anos para a renovação de cinco (1/3) juízes por vez,
com o intuito de impedir uma ruptura brusca na continuidade do pensamento do
tribunal. A demissão de um Juiz só é feita por decisão unânime da própria Corte. O
Presidente e o Vice-Presidente são eleitos por três anos. A Corte de Haia também
possui um escrivão e um escrivão-adjunto, que são eleitos por sete anos.
Em julho de 1993, com o objetivo de solucionar as
controvérsias em torno de questões ambientais, a Corte criou a Câmara dos
Assuntos Ambientais formada por sete membros.
Além do mais, nenhum membro do Tribunal pode exercer
qualquer função política ou administrativa, ter qualquer outra ocupação de
natureza profissional (art. 16º, n.º 1, do Estatuto), agir como agente ou advogado
em qualquer causa, ou participar na decisão de uma causa à qual tenha estado
anteriormente ligado noutra qualidade (art. 17º do Estatuto).
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Ao lado dos Juízes que compõem permanentemente a CIJ,
existem ainda os Juízes ad hoc, que são temporários. O Juiz ad hoc, também
chamado de “Juiz nacional", é indicado pelos Estados que se encontram em litígio.
É uma instituição remanescente da arbitragem e visa atender à igualdade entre os
Estados e dar às partes maior confiança na Corte. A utilização de um Juiz ad hoc é
uma faculdade para as partes, podendo não ser invocada. Além disso, não é
necessário que a parte escolha um Juiz de sua nacionalidade, podendo ser de
qualquer outra.
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4. AS FONTES FORMAIS DO DIREITO INTERNACIONAL UTILIZADAS NA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
Se, por um lado, temos as fontes materiais do Direito, assim
entendidas como as razões pelas quais a norma surge no ordenamento jurídico,
por outro, entende-se por fontes formais as diversas maneiras pelas quais o Direito
se manifesta. Segundo BORGES (2011, p. 31), em Direito Internacional, as fontes
são os modos de constatação da própria existência do ramo jurídico.
No âmbito do Tribunal de Haia, as fontes formais, as quais
fundamentam as decisões e pareceres da Corte, estão previstas no art. 38 de seu
Estatuto, quais sejam:
a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que
estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos
Estados litigantes;
b) O costume internacional, como prova de uma prática geral
aceita como sendo de Direito;
c) Os princípios gerais do direito, reconhecidos pelas nações
civilizadas;
d) Excepcionalmente, as decisões judiciais e a doutrina dos
publicistas mais qualificados das diferentes nações.
Como ensina BORGES (2011, p. 32), é consenso que a
enumeração supra possui um caráter exemplificativo, visto que a própria CIJ tem-
se utilizado de normas que não se enquadram nos moldes do art. 38 do Estatuto,
notadamente os atos unilaterais dos Estados e das organizações internacionais,
além do reconhecimento generalizado do chamado soft law como fonte do Direito
Internacional hodierno.
A CIJ ainda prevê a possibilidade de decisões em questões
contenciosas com base no princípio ex aequo et bono, ou seja, com base na
equidade, caso as partes assim concordem.
Em relação aos costumes, está sendo dado um novo sentido
para a prática geral, visto que a Corte também tem aceitado costumes restritos a
certas regiões do globo ou até mesmo a dois Estados, quando tais regem as partes
litigantes.
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No que tange aos princípios gerais do direito, podem ser
aplicados princípios internos dos Estados, caso possuam um significativo grau de
generalidade, e princípios de Direito Internacional, sendo os mais comuns, por
exemplo, a proibição do uso ou ameaça da força, a solução pacífica de
controvérsias, a não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, o dever de
cooperação internacional, a igualdade de direitos e autodeterminação dos povos, a
igualdade soberana dos Estados e a boa-fé no cumprimento das obrigações
internacionais.
A questão relativa à jurisprudência também demonstra o
peso de sua importância, pois, apesar de a Corte não ser obrigada a se vincular aos
seus julgados anteriores, o que se observa é uma continuidade na sua linha de
pensamento. Além disso, a jurisprudência funciona como uma forma de
reconhecimento dos costumes, não sendo também raras as vezes em que a posição
do Tribunal diante de um assunto influenciou a produção de regras propriamente
ditas.
A doutrina, bastante aceita no âmbito internacional, tem,
como principal escopo, individualizar a regra, fixando seu sentido e os critérios
para a sua aplicação.
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5. A JURISDIÇÃO E PROCEDIMENTOS DA CORTE
A Corte Internacional de Justiça assume grande importância
na resolução das controvérsias internacionais, sendo órgão cuja atuação volta-se
precipuamente à manutenção da paz e da segurança internacionais por meio da
adequada interpretação e aplicação do ordenamento jurídico internacional. Para
atingir tais objetivos, a Corte assume duas formas de jurisdição: a contenciosa e a
consultiva.
5.1. A jurisdição contenciosa
Mediante a forma contenciosa, a CIJ não é acessível às
organizações internacionais, nem aos particulares. Só os Estados podem ser partes
em causas perante o Tribunal. Todos os Estados-membros da ONU
automaticamente fazem parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Um
Estado não membro poderá fazer parte do Estatuto também, seguindo, para tanto,
determinações específicas da Assembleia Geral.
É importante ressaltar que nenhum Estado soberano pode
ser parte perante a Corte ao menos que, de uma ou outra forma, haja consentido.
Dessa forma, a Corte há de resolver os litígios entre os Estados somente se estes
assim aceitarem. O artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, sobre a
matéria, prescreve:
Artigo 36.
1. A competência da Corte abrange todas as questões que as partes lhe
submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na
Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em vigor.
2. Os Estados, partes do presente Estatuto, poderão, em qualquer
momento, declarar que reconhecem como obrigatória, ipso facto e sem
acordos especiais, em relação a qualquer outro Estado que aceite a
mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de
ordem jurídica que tenham por objeto: [omissis]
O que se extrai do referido dispositivo é que, não obstante
sua condição de membro da Organização das Nações Unidas ou de haver aderido
ao Estatuto da Corte, para que a controvérsia seja analisada pela Corte, é
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necessário que os Estados submetam-lhe voluntariamente suas diferenças. Para
tanto, existem quatro formas distintas.
Primeiramente, pode à Corte ser submetido acordo especial,
que corresponde a instrumento jurídico bilateral por meio do qual as partes, em
face de conflito já instaurado, acordam no sentido de reconhecer a jurisdição da
Corte para um caso específico.
Em segundo lugar, é possível que algum tipo de disputa seja
enviado à Corte, sem que um dos Estados lhe haja reconhecido jurisdição com
antecedência, fazendo-o posteriormente, ocorrendo o que se pode denominar de
prorrogação de foro (forum prorogatum).
Segundo Celso D. de Albuquerque Mello (2004, p. 686),
ainda existem mais dois outros caminhos para que haja, por parte dos Estados
litigantes, o reconhecimento da CIJ para dirimir determinado conflito: (1) a
jurisdição obrigatória predisposta em tratado e convenções, quando reveem
cláusulas que submetem a interpretação e a aplicação de determinado instrumento
à CIJ; (2) a jurisdição compulsória, decorrente de cláusula por meio da qual os
Estados declaram que se obrigam a submeter à apreciação da Corte todos os
litígios em que forem partes e que tenham por objeto a interpretação de um
tratado ou qualquer ponto de Direito Internacional.
Não obstante apenas Estados poderem figurar como partes,
tal característica não significa uma desconsideração dos interesses particulares,
visto que muitos dos casos litigiosos e consultivos levados à CIJ pelos Estados
visam à defesa de interesses comuns aos particulares. Em relação a organizações
internacionais, embora não possuam representatividade no polo passivo ou ativo
de uma lide, podem contribuir para o andamento de um processo contencioso com
o envio de informações, por iniciativa própria ou quando assim solicitadas.
5.2. Procedimentos na jurisdição contenciosa
Nos casos de jurisdição contenciosa, há duas maneiras de
estabelecer-se um processo na CIJ: um acordo especial ou um pedido. O artigo 40°
do Estatuto da Corte determina que:
Artigo 40.º
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1 - As questões serão submetidas ao Tribunal conforme o caso por
notificação do acordo especial ou por uma petição escrita dirigida ao
escrivão. Em qualquer dos casos o objeto da controvérsia e as partes
deverão ser indicados.
2 - O escrivão comunicará imediatamente a petição a todos os
interessados.
3 - Notificará também os membros das Nações Unidas por intermédio do
Secretário-Geral e quaisquer outros Estados com direito a comparecer
perante o Tribunal.
Seja qual for o meio, o documento deve ser entregue ao
Ministro de Relações Exteriores ou ao Embaixador em Haia, que o entregará ao
Escrivão da Corte. Uma vez que constatar que o documento está em conformidade
com as exigências formais do Estatuto e demais regras da Corte, ele é incluído na
Lista Geral da Corte, sendo apresentada cópia à outra parte e aos demais membros
da Corte.
Depois de registrado e traduzido – para o inglês e o francês,
obrigatoriamente – o pedido ou acordo é enviado ao Secretário Geral das Nações
Unidas e a todos os Estados, ficando disponível para qualquer pessoa que possua
interesse. As partes são representadas por agentes. Estas podem ser assistidas
perante o Tribunal por consultores ou advogados (Art. 42°, n° 1 e 2, do Estatuto).
Estabelecido o processo, os Estados discutem a questão,
etapa que dura, em média, seis anos e divide-se em duas fases. A primeira fase do
processo é fase escrita, em que uma petição será submetida à Corte, contendo uma
exposição detalhada dos pontos de fato e de direito (memória), a qual será
comunicada também às outras partes envolvidas, contando cada uma delas com
direito de resposta (contramemórias), havendo, se necessário, direito a réplica, a
qual não poderá apenas repetir os argumentos apresentados na inicial, mas deve,
necessariamente, elucidar pontos divergentes. Em seguida, o Presidente reúne-se
com as partes e determina o número de alegações escritas, assim como a ordem de
apresentação e o prazo destas.
O procedimento escrito, até o julgamento final, possui um
caráter confidencial, seguindo a prática dos tribunais arbitrais, a fim de se
assegurar uma condução equânime dos debates.
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Em cada uma das exposições das alegações, a parte indica
suas conclusões nesta etapa do caso. Tais conclusões finais correspondem ao
pedido de uma decisão da Corte com base nos fatos e fundamentos apontados nas
alegações iniciais, bem como em quaisquer contra-alegações da parte contrária;
entretanto, não incluem, em tese, nenhum relato, mesmo que resumido, dos fatos e
fundamentos anteriormente mencionados. Definem o limite do pedido e a
estrutura dentro da qual a Corte terá que alcançar sua decisão. A CIJ terá não só o
dever de responder aos pedidos das partes como expressos em suas conclusões
finais, mas também se abster de decidir pontos não inclusos nos pedidos
constantes destas conclusões.
Concluída a primeira fase, há um intervalo de alguns meses e
passa-se para a fase oral. Nessa etapa, as partes fazem seu pronunciamento, o mais
breve possível, seguindo a ordem de depósito das alegações, sendo que todo
discurso deve ser disponibilizado nas duas línguas oficiais da Corte, por meio de
tradução simultânea. Normalmente, cada parte possui dois turnos para sua
manifestação oral. O pronunciamento da parte aborda pontos ainda divergentes
entre as partes, não devendo ser, em hipótese alguma, reiteração das questões já
abordadas. Ainda nessa fase há a colheita e apresentação de provas seja por meio
de documentos, peritos, ou testemunhas. Será lavrada ata de cada audiência,
assinada pelo escrivão e pelo presidente (art. 47 do Estatuto). Os debates serão
dirigidos pelo presidente ou, no impedimento deste, pelo vice-presidente (art. 45°
do Estatuto). O Tribunal proferirá decisões sobre o andamento do processo, a
forma e o tempo em que cada parte terminará as suas alegações e tomará as
medidas relacionadas com a apresentação das provas (art. 48 do Estatuto).
Após a conclusão dos argumentos orais de cada parte, os
consultores respondem ou terminam de responder às perguntas da Corte ou dos
Juízes individualmente e os agentes das partes leem suas conclusões finais, das
quais entregam um texto assinado ao Escrivão. Às vezes, as respostas a algumas
perguntas podem ser enviadas por escrito à Corte e mais perguntas ainda podem
ser colocadas por escrito. Tais perguntas e respostas serão devidamente
comunicadas a cada Juiz da Corte e a cada parte do litígio.
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A Corte pode, a qualquer tempo, antes ou durante as
audiências, indicar quaisquer pontos ou questões que gostaria de ver expostos
pelas partes ou aqueles que considerar suficientemente discutidos.
Quando os agentes, consultores e advogados tiverem
concluído a apresentação da sua causa, o Presidente declarará encerrados os
debates. O Tribunal retirar-se-á, para deliberar. As deliberações do Tribunal serão
tomadas em privado e permanecerão secretas (art. 54 do Estatuto). Todas as
questões serão decididas por maioria dos Juízes presentes. No caso de empate na
votação, o Presidente, ou Juiz que o substitua, decidirá com o seu voto (art. 55 do
Estatuto).
As duas fases acima descritas constituem o rito ordinário na
Corte, que pode ser interrompido por uma das partes, no levantamento de
exceções preliminares. Alguns exemplos de exceções em nível preliminar são:
a) Incompetência ratione personae: quando as partes
deveriam ser julgadas por um tribunal específico, que não
seja a CIJ. Tal tipo de incompetência relaciona-se com as
qualidades dos envolvidos no litígio. Entretanto, ressalta-se
que, segundo LASMAR e CASARÕES (2006, p. 85) os autores
podem fazer referência ao forum prorrogatum, que é um
princípio não previsto pelo Estatuto, mas que é aplicado pela
Corte, segundo o qual os próprios Juízes podem determinar,
a partir dos atos e práticas concretas de uma das partes, que
esta deu o seu consentimento em ser julgada, mesmo que ela
não reconheça tê-lo feito;
b) Incompetência ratione materiae: quando a natureza da
suposta infração não possibilita que o caso seja julgado pela
Corte;
c) Incompetência ratione temporis: quando há
incompetência “em razão do tempo”. Exemplo disso é
quando a data dos fatos debatidos na lide remonta a período
anterior à origem dos tratados que fundamentam a
acusação;
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d) Ilegitimidade do demandante por lhe faltar interesse
de agir;
e) Ausência de citação de partes cuja presença seria
essencial para o regular prosseguimento do feito;
f) Ausência de esgotamento das negociações diretas.
Após a deliberação da própria Corte acerca exceções
preliminares, é proferida decisão que poderá: acolher a exceção, extinguindo o
processo; rejeitar, dando continuidade a ele; ou declarar o caráter não preliminar
das alegações, dando um novo início ao rito.
O andamento do processo pode, ainda, ser interrompido por
uma intervenção, ou seja, quando um terceiro Estado - não litigante - intervém no
caso, uma vez que possui um interesse jurídico que pode ser afetado pela decisão
na lide. A segunda parte do artigo 34 do Estatuto da Corte dispõe que:
Artigo 34
2 - Sobre as causas que lhe forem submetidas, o Tribunal , nas condições
prescritas pelo seu Regulamento, poderá solicitar informação de
organizações internacionais públicas e receberá as informações que lhe
prestadas, por iniciativa própria, pelas referidas organizações.
Além do mais, a qualquer momento do desenvolvimento do
caso, se for da compreensão do Estado demandante que o objeto do seu pedido
está em perigo imediato e de difícil ou impossível reparação, este pode solicitar
que a Corte indique medidas cautelares, cuja efetividade é temporária. O artigo
41°, em sua primeira parte, prevê que:
Artigo 41.º
1 - O Tribunal terá a faculdade de indicar se julgar que as circunstâncias
o exigem quaisquer medidas provisórias que devam ser tomadas para
preservar os direitos de cada parte.
O processo é findo, quando há decisão definitiva do caso,
com sentença proferida pela Corte; ou quando da desistência do Estado
demandante, sem objeções do Estado demandado.
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Como ensina BORGES (2011, p. 219), a decisão da Corte
Internacional de Justiça é definitiva e obrigatória em todos os seus termos. A
sentença deverá declarar às razões em que se funda e deverá mencionar os nomes
dos Juízes que tomaram parte na decisão (art. 56 do Estatuto da Corte). A sentença
será assinada pelo Presidente e pelo escrivão. Deverá ser lida em sessão pública,
depois de notificados devidamente os agentes (art. 58 do Estatuto). Em caso de
controvérsia quanto ao sentido e ao alcance da sentença, caberá ao Tribunal
interpretá-la a pedido de qualquer das partes (arts. 59 e 60 do Estatuto).
Em caso de descumprimento de decisão da Corte, o Estado
prejudicado poderá recorrer ao Conselho de Segurança, para que sejam tomadas as
medidas cabíveis (art. 94 da Carta das Nações Unidas).
5.3. Jurisdição consultiva
A Corte Internacional de Justiça poderá ainda exercer
competência consultiva através de pareceres não-obrigatórios. Esse modo de
jurisdição não é aberto à participação dos Estados. Podem solicitar estes
pareceres, além da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, outros órgãos da
ONU e entidades especializadas, desde que autorizadas pela Assembleia Geral.
Segundo BORGES (2011, p. 219), materialmente, a competência consultiva da
Corte é bastante ampla, já que pode emitir pareceres sobre qualquer questão
jurídica, existindo apenas uma limitação de ordem interna a esta competência,
cabendo aos membros da Corte proceder a uma avaliação de conveniência e
oportunidade para tal manifestação.
Dessa forma, após entendermos, em brevíssima síntese,
sobre o funcionamento da Corte Internacional de Justiça, resta-nos apresentar o
caso que será simulado na II Simulação Internacional de Justiça (SIJ), o qual possui
um caráter contencioso, sendo inspirado em fatos verídicos e que permitirá que
nos insiramos em uma realidade bastante diferente daquela encontrada nas salas
de aula, trazendo-nos benefícios acadêmicos e profissionais valiosos, notoriamente
no que concerne ao Direito Internacional.
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6. A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA E SUA COMPETÊNCIA CONTENCIOSA: O CASO CESARE BATTISTI
A Corte Internacional de Justiça é a instância judiciária
suprema das Nações Unidas, conforme estabelece o artigo 92 da Carta da ONU. Sua
competência "se estende a todas as questões a ela submetidas pelos Estados e a
todos os assuntos previstos na Carta das Nações Unidas e nos tratados e nas
convenções em vigor" (United Nations Information Centre Rio de Janeiro) além dos
Costumes Internacionais com evidências de uma praxe geralmente aceita como de
direito; Princípios Gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
Jurisprudência e pareceres de competentes juristas das várias nações, como
elementos subsidiários para determinar as regras de direito, conforme artigo 38
do Estatuto da CIJ.
Além disso, sua jurisdição atinge, ipso facto, todos os
Estados-membros da Organização das Nações Unidas, os quais automaticamente
aceitam o Estatuto da Corte no momento de seu ingresso na Organização. Outros
Estados, que não estão inclusos na ONU, podem tornar-se parte do Estatuto, caso
obedeçam às estipulações da Assembleia Geral.
Basicamente, a Corte atua por meio do controle de
convencionalidade dos atos estatais, procurando interpretar as fontes do Direito
Internacional, garantindo seu efetivo respeito e aplicação ao caso concreto. Sendo a
atuação estatal ilícita, busca-se a responsabilização internacional do Estado,
emitindo ações sancionatória internacionais de cunho 'moral-coercitivo'
(denominado no presente Guia), típica do Direito Internacional, por se tratar de
normas que não possuem uma resposta à violação como as normas tradicionais de
direito interno, que se utilizam da força física legítima, mas que coage o Estado a
cumprir os mandamentos estipulados, já que "estão em jogo" as frágeis vigas
diplomáticas que sustentam as relações internacionais. Na ótica do Direito
Internacional, essas sanções vão desde a desmoralização internacional, a exclusão
do Estado recalcitrante de sistemas de cooperação entre Estados ou Blocos
Econômicos, até reais crises diplomáticas.
No entanto, tal procedimento somente poderia ocorrer
através do Conselho de Segurança da ONU, órgão autorizador das determinadas
sanções, que serão permitidas caso sirva para efetivar os fins que pretende o CS:
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manutenção da paz e segurança internacionais. Como bem aduz a ciência do artigo
94.2 da Carta da ONU:
Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que
lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a
outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que
poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir
sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.
O caráter de uma sanção mais "ferrenha" aparece como de
atribuição do Conselho de Segurança quando declarado pelo artigo 41 da mesma
Carta da Paz:
O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem
envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para
tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das
Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a
interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos
meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,
telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o
rompimento das relações diplomáticas.
Caso não haja o voto unânime dos membros permanentes,
mais nove dos demais, do Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça
carece de uma sanção material, ficando retida ao dano na imagem externa do país,
"isto é, ele pode passar a ser visto pelos seus pares internacionais como um país
que viola as normas internacionais e isto poderá gerar instabilidades até mesmo
políticas e econômicas" (VALENTINI, A.P).
Os Tribunais Internacionais não devem ser vistos como uma
quarta instância além daquelas da jurisdição interna. O Processo Internacional é
uma estrutura nova, que envolve novas perspectivas, novos fatos e novos direitos,
chegando até novos autores. No caso de Cesare Battisti, o Supremo Tribunal
Federal do Brasil discutia a legitimidade da decisão do então Presidente Lula. Foi
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decidido que o chefe de Estado agiu com seu poder de império, aceitando a
permanência de Battisti em detrimento do pedido da Itália de extradição.
No entanto, a Itália argumentou que disposições do Tratado
de Extradição entre Brasil e Itália haviam sido violadas, enquanto que o Brasil
realizou uma outra interpretação sobre o mesmo tratado, arguindo que o
extraditando teria seus direitos fundamentais ignorados caso chegasse a sua terra
natal.
É preciso ter em mente que a lide que gerou o episódio
envolvia um particular. Todavia, a Corte Internacional de Justiça é competente
para julgar relação entre dois Estados, nunca entre particular-Estado. O que nos
leva a crer que a questão de fundo será a análise objetiva da violação da normativa
internacional, mas sem perder de vista as consequências da decisão para o mesmo
indivíduo, o que despenca numa análise também subjetiva, relacionada aos
Direitos Humanos.
Portanto, um dos aspectos a ser tratado na Corte faz
referência à violação de tratados de cooperação internacional, relacionado com
outras normas de jus cogens, em busca da responsabilização internacional de um
país, o que perfeitamente se encaixa no âmbito de competência da Corte, dirimido
pelo respectivo Estatuto, já que se relaciona com a possível violação da normativa
internacional por conta de uma decisão de soberania estatal.
Ressalta-se que a Corte Internacional de Justiça irá
interpretar os termos do tratado de acordo com os princípios basilares dos
Direitos Humanos. No entanto, esclarecem alguns doutrinadores que dificilmente a
CIJ reverteria a decisão do país de não extraditar Cesare Battisti, e que a única
possibilidade de a Corte atuar como uma verdadeira "quarta instância" para
reformar a decisão soberana de não extraditar do Brasil, seria se ambos os países
aceitassem a sua jurisdição sobre o caso, admitindo uma última opinião, advinda
da CIJ, que funcionaria como uma Corte subsidiária para a questão.
Caso contrário, segundo a opinião desta doutrina, careceria
este Tribunal Internacional de competência para obrigar a extradição do referido.
"O Brasil poderia, no máximo, ser constrangido por violar o tratado bilateral, o que
poderia gerar, nos representantes do Estado, a vontade de cumprir os termos do
20
acordo" (Acordo de 1954 pode garantir que caso Battisti seja levado a Haia, diz
especialista).
Aduz Paulo Borba Casella que "a razão é o fato do
descumprimento de uma norma explicitada em um tratado internacional. A Corte
não iria [chegar] ao ponto de dizer que o Brasil tem que entregar a pessoa, mas
pode colocar se havia obrigação e se houve descumprimento pelo Brasil” (ibidem).
A defesa de Battisti afirmou que "o Tratado de Extradição
entre Brasil e Itália não prevê a jurisdição da Corte para dirimir controvérsias
fundadas em suas disposições, (...) segundo o advogado Luís Roberto Barroso, o
artigo 36 do estatuto da Corte de Haia dispõe que ela só pode atuar se as partes
envolvidas concordarem em se submeter a ela. Nem a República Federativa do
Brasil e tampouco a República Italiana emitiram declaração reconhecendo em
caráter geral a jurisdição da Corte da Haia” (Consultor Jurídico).
No entanto, para a inteligência do artigo 36, pár 10, do
Estatuto da Corte de Haia: "em caso de disputa sobre se a Corte tem ou não
jurisdição, a Corte decidirá". Portanto, como primeiro ponto do Processo, os "Juízes
da Paz" terão que decidir, destarte, em Exceção de Preliminar, se são competentes
para julgar o mérito do caso. Afinal, não seria a primeira vez que um Tribunal
relativizaria determinadas normas, de procedimento ou materiais, em prol da
salvaguarda dos Direitos Humanos.
21
7. A EXTRADIÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL
Carlos Roberto Husek aduz, em seu Curso de Direito
Internacional Público: “O Estado exerce jurisdição exclusiva em seu território
sobre todas as pessoas que nele existam: nacionais e estrangeiros.” (HUSEK, 2000,
p. 74) Desse modo, o autor explana alguns fenômenos jurídicos que podem ocorrer
aos estrangeiros, a saber: deportação, expulsão, extradição e asilo político (idem, p.
79). Entender esses referidos fenômenos é essencial, para compreendermos qual
deles foi aplicado ao caso Cesare Battisti, pois:
a) Deportação - É forma de exclusão do território nacional de
estrangeiro que entrou irregularmente ou cuja estada se
tenha tornado irregular.
b) Expulsão - É outra forma de exclusão do estrangeiro
ocasionada, de forma geral, pelo: “i) ofensa a dignidade
nacional; ii) a mendicidade e vagabundagem; iii) atos de
devassidão; iv) atos de propaganda subversiva; v)
provocação ou desordem; vi) conspiração; vii) espionagem;
viii) intriga contra países amigos; ix) entrada ilícita no
território nacional” (ACCIOLY, 1996, p. 367). Caso um
estrangeiro sofra um Processo Criminal, pressupondo
inquérito, que tem curso no âmbito do Ministério da Justiça,
sendo ele condenado, ao final, o presidente da República, por
meio de decreto, materializa a expulsão. Não se trata,
portanto, de uma pena, mas uma medida preventiva. Tanto a
deportação quanto a expulsão dependem de certa
discricionariedade do Estado, do seu Poder Executivo.
c) Extradição - É a entrega de um indivíduo de um Estado a
outro, a pedido deste, para responder a processo penal ou
cumprir pena. Nesse caso envolve o Poder Judiciário.
Normalmente, a extradição tem por fundamento um tratado
entre os países envolvidos ou o princípio de reciprocidade.
d) Asilo político - É o acolhimento pelo Estado de estrangeiro
perseguido, em seu país, por causa de dissidência política,
delitos de opinião, crimes relacionados com a segurança do
22
Estado, não configurando quebra do Direito Penal Comum
(HUSEK, 2000, p. 79).
Os conceitos de extradição e asilo político são fulcrais para o
caso simulado. No transcurso do caso Battisti, a Itália já havia requerido ao Brasil a
extradição de seu nacional. No entanto, esse país, utilizando-se do poder soberano,
optou por não concedê-la, aliado ao argumento de que o referido teria sofrido
perseguições políticas em sua Nação de origem, já que, nesse caso, a Constituição
brasileira veda expressamente a extradição (art. 5º, Inc. LII), justificando também
sua permanência no país na condição de asilado político. Destarte, configura-se um
primeiro ponto de debate na Corte Internacional de Justiça, na arguição sobre a
efetiva interpretação do real sentido dos instrumentos jurídicos internacionais
avocados. Trata-se de uma discussão de direitos, envolvida por princípios e regras
internacionais e pela hermenêutica dos atores, no sentido de uma maior
investigação e enquadramento do fenômeno jurídico apropriado para o caso
analisado.
Francisco Rezek preconiza o instituto da extradição como
sendo: “A entrega por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu
território deva responder a processo penal ou cumprir pena. Cuida-se de uma
relação executiva, com envolvimento judiciário de ambos os lados.” (REZEK, 2011,
p. 231). Desta forma, percebemos a necessidade de que haja um processo penal
findo ou em curso do governo que exige a extradição, devendo o país onde se
encontra o extraditando decidir sobre o atendimento ou não do pedido apenas
após o pronunciamento da justiça local.
Conforme alerta Celso de Mello (MELLO, 2000, p. 949),
apesar de haver uma solidariedade entre os Estados na luta contra o crime e o
dever moral de assistência mútua, essas razões invocadas em favor da extradição
não foram ainda suficientes para criar um direito e o correspondente dever de
extradição na ordem jurídica internacional, pois o direito e o dever só existem
quando houver um tratado internacional que se consagre. No Brasil, esses
pressupostos necessários dizem respeito à condição pessoal do extraditando, ao
fato que se lhe atribui e ao processo que contra ele tem ou teve curso no Estado
requerente (REZEK, 2011, p. 236). Segundo o Ordenamento Jurídico brasileiro, a
extradição de um nacional só poderá ter seu transcurso caso haja observação da
23
exceção Constitucional: do brasileiro naturalizado por crime anterior à
naturalização ou por tráfico de drogas. Alude a Constituição Federal de 1988:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LI: nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em
caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, na forma da lei;
LII: Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime
político ou de opinião (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Há duas espécies de extradição, são elas: a extradição ativa é
aquela requerida pelo Brasil a outros Estados; já a extradição passiva é a que se
requer ao Brasil, por parte de Estados. Essa segunda é a espécie de extradição
analisada na II SIJ, visto que a Itália requereu ao Brasil a extradição de Cesare
Battisti.
A extradição pode ter como fundamento um tratado
internacional ou um compromisso de reciprocidade, para que seja feita a entrega
do súdito reclamado. No entanto, Valério Mazzuoli alerta que os tratados de
extradição celebrados entre os Estados interessados não criam direito, que
preexiste à extradição, mas estabelecem as condições para a sua efetivação. Desta
forma, esses tratados enumeram os crimes suscetíveis da medida, a qual, contudo,
não se aplica de forma ampla, mas somente em relação a determinados tipos de
delito e às respectivas penas, constituindo um processo preventivo contra os
criminosos, “a fim de que não sintam o sabor da impunidade” (MAZZUOLI, 2007, p.
604).
No caso Cesare Battisti – Itália versus Brasil – há um
fundamento jurídico de extradição, como observado anteriormente por Mazzuoli,
que é um tratado bilateral entre os países envolvidos, devendo estabelecer os
24
pressupostos para que aconteça a entrega da pessoa reclamada. Trata-se do
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República
Italiana, assinado em 17 de outubro de 1989, em Roma/Itália; aprovado pelo
Decreto Legislativo Brasileiro nº 78, de 20 de novembro de 1992; ratificações
trocadas em Brasília, em 14 de junho de 1993; promulgado pelo Decreto nº 863, de
9 de julho de 1993; por fim, publicado no Diário Oficial de 12 de junho de 1993,
vigorando até hoje. Vale destacar que, tal tratado está disponibilizado na íntegra no
tópico Anexos deste Guia de Estudos e é de fulcral importância e análise
pormenorizada para os participantes da simulação.
Além do instituto bilateral supracitado, é necessário que os
participantes estejam cientes dos seguintes requisitos formais para a extradição:
a) Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80, especialmente
artigos. 91 e seguintes):
Em destaque:
Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente
assuma o compromisso:
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos
anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por
força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou
de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei
brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do
Brasil, a outro Estado que o reclame; e
V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a
pena.
b) Lei Federal nº 6.964/81
25
c) Regimento Interno do STF (principalmente artigos.
207 a 214, visualizá-los no tópico Anexos).
A autoridade competente para pedir e conceder a extradição
é o Poder Executivo, por ser o órgão das relações entre os Estados, sendo o pedido
geralmente apresentado e respondido por via diplomática. No Brasil, o pedido de
extradição reclamado pela justiça estrangeira é apresentado ao Ministério das
Relações Exteriores (ACCIOLY, 1996, p. 359). O papel da autoridade judiciária do
Supremo Tribunal Federal limita-se ao exame do pedido de extradição quanto à
sua legalidade, procedência ou regularidade, não entrando no mérito do caso; mas
pode examinar, contudo, se há erro evidente quanto à pessoa do extraditando.
Desta forma, o Estado requerente deve justificar, mediante documentos regulares,
o pedido de extradição e estabelecer, com precisão, a identidade do extraditando, o
fato incriminado e a acusação.
O pedido de extradição deverá ser feito pelo Estado
estrangeiro por meio diplomático e endereçado ao Presidente da República, cuja
autoridade constitucionalmente autoriza a manter relações com Estados
Estrangeiros, conforme o artigo 84, inciso VII, da CF/88. Em conseguinte, o pedido
será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que não se concederá
a extradição sem que haja prévio pronunciamento acerca da legalidade e
procedência do referido pedido. Além de que, somente haverá prosseguimento ao
pedido se o extraditando estiver preso e à disposição do Tribunal.
Tal procedimento ocorreu no caso Cesare Battisti e é
importante que os participantes da II SIJ estejam cientes do Acórdão 1085 do STF
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=610034&tipo=AC&d
escricao=Inteiro%20Teor%20Ext%20/%201085%3E >, no qual consta a decisão
de que, por cinco votos favoráveis e quatro contrários, fosse deferido o pedido de
extradição feito pela Itália, contudo, determinou-se que a decisão final ficasse a
cargo do Presidente da República brasileira, tendo em vista abrangência de
matéria constitucional (STF, 2010) e o princípio da soberania estatal.
Em 31 de dezembro de 2010, o então presidente, Luiz Inácio
Lula da Silva, não acatou a decisão do STF e, com isso, instaurando uma crise
diplomática com a Itália (G1, 2010). Tal decisão brasileira se pautou pelo tratado
26
de extradição bilateral Brasil-Itália anteriormente mencionado nesse guia,
atestando ato de soberania nacional e argumentou-se a negação do pedido de
extradição pelo artigo 3º, inciso 1, alínea f:
se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a
pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e
discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade,
língua, opinião política, condição social ou pessoal, ou que sua
situação possa ser agravada por um dos elementos antes
mencionados.
Do lado italiano, destacou-se que o caso Battisti não se
encaixa nos aspectos do tratado supracitado, já que os crimes atribuídos a Battisti
foram considerados crimes comuns. Sendo assim, o primeiro passo italiano foi o
pedido de criação de uma comissão de conciliação, prevista na Convenção sobre
Conciliação e Solução Judiciária, assinada pelos dois países em 1954, para então
chegar a uma “solução jurídica amigável”, através de um árbitro neutro indicado
pela Corte de Haia (SETTI, 2011). Contudo, em setembro de 2011, o Brasil não
aceitou tal proposta italiana e, assim, faz-se necessário que a Corte Internacional
de Justiça intervenha na celeuma Brasil v. Itália, provocado pelo emblemático caso
de Cesare Battisti.
Neste contexto, como é o caso aqui analisado, um assunto
polêmico no âmbito da extradição diz respeito aos crimes políticos por causa da
divergência doutrinária acerca da sua conceituação, pois há quem pretenda que
nesta categoria só deveriam incluir os delitos contra a segurança interna do
Estado, ou seja, os que têm por finalidade modificar a forma de governo ou sua
constituição política; enquanto que outros doutrinadores, grande parte deles,
compreendem também os crimes dirigidos contra a segurança externa do Estado,
contra sua independência, a integridade do seu território e as boas relações com os
outros Estados. (ACCIOLY, 1996, p. 353). A maioria da doutrina e dos tratados de
extradição é favorável à exclusão do crime político dos atos suscetíveis de motivar
a extradição, visto que, de forma sucinta, Celso de Mello fundamenta a relação
entre extradição e crime político da seguinte maneira:
27
A não extradição do criminoso político tem o seu fundamento em
diversas razões: a) o aspecto anti-social deste crime é relativo, o
que se acentua no Direito Internacional, que admite a validade dos
mais diferentes regimes políticos (ex: um governo “capitalista”
pode não considerar criminoso o homem que tenta derrubar um
governo “comunista” e vice-versa); b) o criminoso político não
teria no seu Estado nacional um julgamento imparcial; c) tem sido
apresentado como argumento decisivo em favor destes princípios
a não intervenção nos assuntos de um Estado estrangeiro. Na
verdade, ao não extraditar um criminoso político há também uma
intervenção no sentido de que se mantém “viva” uma facção
política. (MELLO, 2000, p. 955-956)
Além do mais, como já foi analisada, a Constituição brasileira
de 1988 veda a extradição motivada pelo crime político. Portanto, figura-se o caso
contencioso entre o Brasil e a Itália, a ser analisado pela Corte Internacional de
Justiça na II SIJ.
28
8. RECONSTITUIÇÃO FÁTICA
8.1. Quem é Cesare Battisti?
Cesare Battisti, nascido em 1954, em Cisterna di Latina, na
Itália, começou cedo sua saga de ativista político. Segundo ele, nasceu em uma
família comunista, em cuja sala havia um retrato de Stálin, e foi, desde cedo,
incitado pelo pai a gritar slogans de esquerda, nas ruas. Participou do Partido
Comunista Italiano e das agitações estudantis de 1968. Nos anos 70, a Itália vivia
uma guerra civil, consequência da Segunda Guerra Mundial, polarizada pelos
grupos “vermelhos” e pelos grupos “negros” (neofacistas). De 1969 a 1980, foram
12.690 atos de violência, com 380 mortes, cerca de 2000 feridos e 15.000 presos. À
extrema esquerda são imputadas 128 mortes; à direita atlantista, 143, e à extrema
direita, pouco menos de 100. 1
Battisti integrava o grupo esquerdista e, desde jovem,
participou na execução de pequenos crimes. Afastou-se do PCI e entrou para a
Lotta Continua, movimento de esquerda extraparlamentar. Após sair da Lotta
Continua, aderiu à Autonomia Operária e foi preso, pela primeira vez, em 1972, por
furto, em Frascati. Em 1974, foi novamente detido e condenado a seis anos de
prisão, por assalto a mão armada. Libertado em 1976, foi novamente preso em
1977. 2
Na prisão de Udine, conheceu Arrigo Cavallina, ideólogo dos
Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que o introduz na organização. Os
PAC eram um grupo regional de pouca expressividade, caracterizado pela fraca
organização e hierarquização de seus membros. Battisti alega ter deixado o grupo
logo após o assassinato pelas Brigadas Vermelhas de Aldo Moro, Primeiro-Ministro
democrata-cristão, em 1978, devido à larga repressão contra os grupos de
esquerda, na Itália, após isso.3
Instaurou-se, posteriormente, uma legislação de emergência
que diminuía garantias individuais e permitia tempos de prisão preventiva mais
longos. Muitos dizem que houve tortura e depoimentos falsos de arrependidos, que
trocaram testemunhos por abrandamento, ou até, por supressão de suas penas. O
1 VARGAS, Fred. La verité sur Cesare Battisti. França: Éditions Viviane Hamy, 2004. 2 VARGAS, Fred. Ibid. 3 VARGAS, Fred. Ibid.
29
caso Battisti ganhou notoriedade na Itália, pela alegação do Governo italiano de
que cometera cerca de 60 roubos; quatro assassinatos, um deles contra um agente
de prisão, chamado Antonio Santoro, em 6 de junho de 1978, sob a justificativa de
que ele maltratava prisioneiros; outro, contra um joalheiro, Pierluigi Torregiani,
morto em Milão, em 16 de fevereiro 1979. 4
No mesmo dia, teria matado o açougueiro Lino Sabadin
Veneza, sob a alegação de ser simpatizante do fascismo, e, em 19 de abril do
mesmo ano, Andrea Campagna, agente policial que participara das primeiras
prisões no caso Torregiani. Ele é acusado pela execução de Santoro e de Campagna,
de cumplicidade direta no assassinato de Sabadin e de cumplicidade intelectual
pelo assassinato de Torregiani, já que esses dois últimos crimes foram realizados
em cidades distintas e relativamente distantes entre si, quase ao mesmo tempo.
Battisti alega que nunca poderia ser acusado dos três últimos homicídios,
ocorridos em 1979, já que garante que deixou os PAC em 1978. 5
8.2. Primeiro julgamento e fuga à França
Em seu primeiro julgamento, em 1979, foi condenado a 13
anos de prisão, por participação em grupo armado, falsificação de documentos,
assaltos, além de receptação de armas. No entanto, não teria havido sequer menção
a assassinatos, envolvendo Battisti. Na instância superior, a única alteração foi que
Battisti teve sua pena reduzida para 12 anos e 10 meses. Conseguiu fugir da prisão
em 1981, com a ajuda de Pietro Mutti, futuro “arrependido”, que acusaria Battisti
de ter papel central nos assassinatos atribuídos aos PAC. Ele, então, foge para a
França e casa em Paris. Muda-se para o México, onde nasce sua filha, e escreve seu
primeiro livro. 6
Em 1987, é julgado, pela segunda vez, na Itália, após
depoimento do arrependido Pietro Mutti e Sante Fatone, ambos ex-integrantes dos
PAC. O julgamento ocorreu in absentia e à revelia, por estar foragido no México, e
resultou em sua condenação à prisão perpétua. O condenado atesta que, antes do
depoimento de Pietro Mutti, nunca tinha sido acusado dos homicídios. Além disso,
4 VARGAS, Fred. La verité sur Cesare Battisti. França: Éditions Viviane Hamy, 2004. 5 VARGAS, Fred. Ibid. 6 LE NOUVEL OBSERVATEUR. Cesare Battisti, "responsable mais pas coupable". Disponível em: <http://tempsreel.nouvelobs.com>. Acesso em 09 ago 2012.
30
o julgamento imputa a pena pelos delitos em bloco e não discrimina as penas
correspondentes a cada delito. 7
Em 1990, volta para a França, pretendendo beneficiar-se da
doutrina Mitterrand, que afirmou, no 65º Congresso da Liga de Direitos do
Homem, que pessoas envolvidas em atividades políticas extremistas, na Itália, até
1981, as quais tivessem abandonado a violência, poderiam optar pela não
extradição para a Itália, caso não praticassem mais crimes. Pela doutrina
Mitterrand, nenhum acusado que abdicasse da violência seria extraditado, caso
não houvesse, no país de origem, garantia de direito de ampla defesa. Apesar disso,
ao voltar para a França, ele é inicialmente preso por um pedido de extradição da
Justiça italiana, mas, declarado por duas vezes não extraditável pela Corte de
Apelação de Paris, é libertado. Em 1997, recebe visto de permanência da França,
onde escreveu vários romances policiais e trabalhou como zelador. 8
Em 2004, a polêmica contra os asilos de militantes italianos
de esquerda, na França, é reacesa no cenário político do país, com novo pedido de
extradição, pelo Governo Berlusconi. Battisti foi preso pela Polícia antiterrorista
em 10 de fevereiro de 2004, sob alegação de que teria ameaçado de morte um
vizinho, o que, segundo seus defensores, não passou de uma falácia, e é libertado
em 3 de março. Na França, o Conselho de Estado defere o pedido de extradição da
Itália, e o Presidente Jacques Chirac afirma que não se oporia a essa decisão. À
época, a argumentação da França, para aceitar o pedido de extradição, foi baseado
no direito de defesa de Battisti, abandonando a análise dos crimes cometidos por
ele.
O documento que regula a extradição na França, com relação
a vários países europeus, é a Convenção Europeia de Extradição, que entrou em
vigor na França, em 1986, e veio, para substituir acordos bilaterais, inclusive o que
havia entre França e Itália. A legislação tem alguns pontos de semelhança com a do
Brasil, como a de que não há extradição no caso de crimes políticos, mas excetua o
assassinato de líderes de Governo. Afinal, percebe-se que a controvérsia que houve
na França, em 2004, foi parecida com a que houve em 2010, no Brasil. A questão é
se Cesare Battisti é um terrorista comum ou um militante político. Na França, no
7 BARROSO, Luís Roberto. Memorial: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>. Acesso em 09 ago 2012. 8 VARGAS, Fred. La verité sur Cesare Battisti. França: Éditions Viviane Hamy, 2004.
31
entanto, há complicações, como a existência da doutrina Mitterrand e uma
sociedade dividida sobre o tema. 9
Além disso, em 1997, com a entrada da Itália na zona de
Schengen, a doutrina Miterrand é abalada, já que os países signatários devem
obedecer a mandados de prisão internacionais nessa zona. 10
A Justiça francesa entendeu que Cesare Battisti tinha
conhecimento da ação contra ele, na Itália, e que poderia ter retornado e se
defendido, se assim desejasse. Na fuga, ele teria recebido assistência do serviço
secreto francês, que, além de ter fornecido um passaporte italiano, ter-lhe-ia
sugerido o destino. Ele fugiu de carro para a Espanha, passou por Portugal, Ilha da
Madeira, Ilhas Canárias e Cabo Verde, de onde embarcou para Fortaleza, no
Brasil.11
8.3. Refúgio no Brasil
Após um período de mais de 10 anos, na França, Cesare
Battisti foge para o Brasil, em 2004, onde é detido, em março de 2007, para fins de
extradição. Em 24 de abril de 2007, a Embaixada da Itália formaliza o pedido de
extradição, enviando um requerimento não instruído pela íntegra da anterior
decisão da Justiça italiana, mas apenas por trechos dela. Foram excluídas, por
exemplo, passagens que se referiam expressamente à condenação por crimes
políticos puros.12
A defesa de Battisti acusa o documento enviado pelos
representantes da Itália também de não fazer menção ao fato de que os homicídios
foram praticados como práticas políticas, reivindicadas por diversos grupos de
oposição; de que a sentença julgou todas as ações criminosas em conjunto,
tratando os quatro homicídios e outros atos de subversão como parte integrante
de uma unidade factual e jurídica; ou que a condenação também ocorreu em bloco,
9 PERSEE REVUES SCIÉNTIFIQUE. La France et la Convention Européene d’Extradition. Disponível em: <http://www.persee.fr/>. Acesso em 10 ago 2012. 10 Le Monde. Chronologie: Battisti. Disponível em: http://www.lemonde.fr/web/module_chrono/ifr/0,11-0,32-1080875,0.html. Acesso em: 14/08/2012. 11 COURIEL INTERNATIONAL. La France m’a aide. Disponível em: <http://www.courrierinternational.com/>. Acesso em 10 ago 2012. 12 BARROSO, Luís Roberto. Memorial: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>. Acesso em 09 ago 2012.
32
por um amplo conjunto de delitos, o que tornaria artificial o pedido de extradição
por apenas alguns deles, como também não teria informado que houvera um
julgamento anterior, com outras pessoas condenadas, sendo dada a reabertura do
processo com base em delação premiada de um dos acusados. 13
Battisti insiste na inocência, frente às acusações a ele
propostas e, em junho de 2008, solicita refúgio político ao CONARE (Conselho
Nacional para os Refugiados), mas o órgão rejeita o pedido de refúgio no país, por
3 votos a 2. 14 Em conformidade com o art. 29 da Lei 9.474/97, também conhecida
como “Estatuto dos Refugiados”,15 Battisti recorre ao Ministro da Justiça, que
decide favoravelmente à concessão do status de refugiado ao italiano,
fundamentando:
[...] percebe-se do conteúdo das acusações de violação da ordem
jurídica italiana e das movimentações políticas que ora deram
estabilidade, ora movimentação e preocupação ao Recorrente, o
elemento subjetivo, baseado em fatos objetivos, do “fundado
temor de perseguição”, necessário para o reconhecimento da
condição de refugiado.16
O Ministro embasou o relatório ainda no fato de que não
teria sido concedido a Battisti direito à ampla defesa, na Itália, e abrir-se-ia,
consequentemente, “uma profunda dúvida se o recorrente [Cesare Battisti] teve
direito ao devido processo legal.” Destacou também a importância do “caráter
humanitário”, a que se referiu como sendo “Princípio da proteção internacional da
pessoa humana”.
Assinala-se que não há impedimentos jurídicos para o
reconhecimento do caráter de refugiado do Recorrente. Embora
13 BARROSO, Luís Roberto. Ibid. Acesso em 09 ago 2012. 14 SPULDAR, Rafael. Entenda as polêmicas envolvendo o caso Battisti. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk>. Acesso em 09 ago 2012. 15 BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de junho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 ago 2012. 16 GENRO, Tarso. Processo nº. 08000.011373/2008-83. Recurso. Negativa. Condição de Refugiado. Carência de Pressupostos. Interessado: Cesare Battisti. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em 09 ago 2012.
33
se reporte a diversos ilícitos que teriam sido praticados pelo
Recorrente, em nenhum momento o Estado requerente noticia a
condenação do mesmo por crimes impeditivos do reconhecimento
da condição de refugiado, estabelecidos no art. 3º, inc. III, da Lei
nº. 9.474/97, o que importa no afastamento das vedações
estabelecidas no citado comando legal. 17
O art. 3º, inc. III do Estatuto dos Refugiados, citado pelo
Ministro, aponta as seguintes restrições:
Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos
que: (…)
III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime
contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos
terroristas ou tráfico de drogas; 18
O Ministro Tarso Genro finaliza o processo justificando: “Na
dúvida, a decisão de reconhecimento deverá inclinar-se a favor do solicitante do
refúgio.” 19
8.4. Reação da Itália
A decisão de Tarso Genro incendiou debates por parte dos
governos e da mídia, sobretudo brasileira e italiana. Em resposta, o Chanceler da
Itália, Franco Frattini, acusou o Ministro brasileiro de “apoiar ideias de guerrilha” e
de ter confundido os contextos de revolta da década de 1970, no Brasil, com os de
seu país. Ele disse ainda que a posição brasileira teria sido “errada juridicamente e
inaceitável politicamente”. 20
17 GENRO, Tarso. Processo nº. 08000.011373/2008-83. Recurso. Negativa. Condição de Refugiado. Carência de Pressupostos. Interessado: Cesare Battisti. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em 09 ago 2012. 18 BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de junho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 ago 2012. 19 GENRO, Tarso. Ibid. Acesso em 09 ago 2012. 20 FOLHA DE S. PAULO. Para chanceler italiano, Tarso apoia guerrilha. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012.
34
Frattini assevera que “a Itália soube fazer justiça dentro da
legalidade, sem violar os direitos humanos. Em um sistema judiciário
absolutamente democrático, fez justiça por muitos crimes.” Ao comentar as
declarações de Battisti, em entrevista à imprensa brasileira, o Ministro afirmou
apenas que "são palavras de menosprezo à dor das vítimas" e "não ouviremos
palavras de verdadeiro arrependimento". 21
O Procurador-Adjunto do Tribunal de Milão, Armando
Spataro, responsável pelo processo que levou à condenação de Battisti na Itália, em
consonância com as declarações do Chanceler do país, considera como sendo
"política" e "sem base jurídica" a decisão do Ministro da Justiça de dar refúgio ao
ex-militante de esquerda. Para Spataro, as alegações de Genro "ofendem a
democracia italiana" e "comprometem a cooperação", acusando o argumento
apresentado pelo Ministro brasileiro de "fundado temor de perseguição política".
Em entrevista, Armando Spataro refere-se a Cesare Battisti como “assassino
puro”.22
O Presidente da República, Giorgio Napolitano, expressou
“profundo estupor e pesar”, em carta enviada ao Presidente Lula. O Ministro da
Defesa italiano, Ignazio La Russa, declarou que a decisão “coloca em risco a
amizade entre a Itália e o Brasil” e ameaçou, até mesmo, “acorrentar-se à porta da
embaixada brasileira em Roma”.23
Francesco Cossiga, ex-Presidente italiano, afirmou, em
entrevista que o Ministro brasileiro teria proferido “umas cretinices”, sob a
conivência do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou de “populista
católico”. “Na Itália, nós os chamamos de ‘cato - comunistas’”, disse. Para o italiano,
Battisti é indubitavelmente um terrorista, mas nega qualquer possibilidade de
perseguição política contra o ex-militante dos PAC. 24
21 G1 - O Portal de Notícias da Globo. Genro tem visão ideológica e apoia ideias da guerrilha, diz chanceler italiano. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em 09 ago 2012. 22 SEQUEIRA, Claudio Dantas. Decisão sobre refúgio a ex-militante comunista ofende a democracia, diz procurador. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012. 23 BARROSO, Luís Roberto. Memorial: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>. Acesso em 09 ago 2012. 24 SELIGMAN, Felipe. Para senador italiano, Tarso disse "umas cretinices" para conceder asilo. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012.
35
O Ministro italiano para Assuntos Europeus considerou
vergonhosa a decisão do Governo brasileiro. Outro representante político,
Riccardo De Corato, Vice-Prefeito da cidade de Milão, propôs boicote aos produtos
brasileiros, como forma de pressionar o Brasil a “reconsiderar a decisão de
conceder refúgio político a Battisti”. 25 O Vice-Presidente da Comissão das
Relações Exteriores do Senado da Itália, Senador Sergio Divina, defendeu o
“boicote turístico ao Brasil”, em repúdio à decisão do Governo brasileiro. 26
O Deputado Ettore Pirovano, satiriza o trabalho de juristas
brasileiros, ao comentar o refúgio político concedido ao ex-militante. “Não me
parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas.
Portanto, antes de pretender dar-nos lições de Direito, o Ministro da Justiça
brasileiro faria bem, se pensasse nisso não uma, mas mil vezes”, declara.27 A
AIVITER (Associção Italiana para Vítimas de Terrorismo) também publicou uma
nota contestando o documento emitido pelo Ministro Tarso Genro. 28
Em janeiro de 2009, políticos italianos chegaram a organizar
um protesto em frente à Embaixada brasileira, no país. Os manifestantes
carregavam cartazes com dizeres, como "Battisti assassino" e "Lula defende os
terroristas". 29
O Presidente Lula respondeu às críticas afirmando não
acreditar que as medidas tomadas pelo Brasil seriam capazes de dar início a uma
crise diplomática, com a Itália, e que “o país pode ‘não gostar’ das decisões aqui
tomadas, mas deverá respeitá-las”, reforçando, no discurso, o princípio da
soberania nacional. 30 O então Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota,
negou haver crise diplomática entre Brasil e Itália e afirmou que as relações
bilaterais estão mantidas. Marco Aurélio Garcia, assessor especial para Assuntos
25 G1 – O Portal de Notícias da Globo. Itália convoca embaixador no Brasil para consultas após caso Battisti. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em 09 ago 2012. 26 FOLHA DE S. PAULO. Senador italiano defende "boicote turístico" ao Brasil após asilo a terrorista. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012. 27 UOL – Notícias. 'O Brasil é conhecido por suas dançarinas, e não por seus juristas', diz deputado italiano. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012. 28 AIVITER. Eventi e Rassegna stampa: Caso Battisti. Associazione Italiana Vittime del Terrorismo e dell'Eversione Contro l'Ordinamento Costituzionale dello Stato. Disponível em: <http://www.vittimeterrorismo.it>. Acesso em 09 ago 2012. 29 G1 – O Portal de Notícias da Globo. Políticos italianos protestam em frente à embaixada do Brasil por caso Battisti. Disponível em <http://g1.globo.com>. Acesso em 09 ago 2012. 30 FOLHA DE S. PAULO. Italianos podem não gostar, mas terão de respeitar refúgio a Battisti, diz Lula. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em 09 ago 2012.
36
Internacionais da Presidência, disse que a decisão da Suprema Corte não afetaria o
relacionamento com a Itália, por estar limitada ao campo jurídico. 31
8.5. Argumentos pró-extradição
A Agência Italiana de Notícias (Ansa), reiteradas vezes,
mostrou posição de discordância frente às decisões, tomadas pelo Governo
brasileiro, de manter Battisti no país. “De terrorista de extrema esquerda a autor
de sucesso”, destaca a entidade em manchete. 32 A qualificação de Cesare Battisti,
enquanto criminoso comum, é o maior argumento da Itália, na tentativa de
justificar o requerimento de sua extradição, em conformidade com o registrado no
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República
Italiana, assinado em Roma, em 17 de outubro de 1989. 33
Em entrevista, dois ex-companheiros de Cesare Battisti
denunciaram as acusações “infames” do ex-ativista, que teria “atirado sobre eles a
inteira responsabilidade pelas mortes pelas quais foram condenados”; uma carta
sobre o assunto foi entregue à Ansa. “Fomos condenados e pagamos pelos
acontecimentos dramáticos em que estivemos envolvidos há 30 anos. Não
negociamos nossa liberdade em detrimento dos outros. Consideramos abjeto o fato
de Battisti nos tratar de arrependidos”, declararam os dois ex-integrantes do
movimento armado dirigido por Battisti, os Proletários Armados para o
Comunismo. 34
Nessa linha de entendimento, a Procuradoria Geral da
República emitiu parecer rechaçando a posição do Ministro Tarso Genro. Ao
analisar os documentos juntados no Mandado de Segurança 27.875, Antonio
Fernando de Souza, Procurador-Geral da República, concluiu que tanto a decisão
de Tarso Genro quanto às alegações da Itália, no pedido ao STF, são baseadas no
31 GIRALDI, Renata. Entenda o Caso Battisti. EBC – Empresa Brasileira de Comunicação. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br>. Acesso em 10 ago 2012. 32 ANSA. Cesare Battisti: Una vita fra carcere e fughe, da terrorista a scrittore di noir, fra Francia Messico e Brasile. Disponível em: <http://www.ansa.it>. Acesso em 09 ago 2012. 33 BRASIL; ITÁLIA. Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. Roma, 1989. Disponível em: <http://s.conjur.com.br>. Acesso em 10 ago 2012. 34 FOLHA DE S. PAULO. Ex-companheiros de Battisti chamam de "infames" acusações de italiano. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>. Acesso em 10 ago 2012.
37
mesmo conjunto fático e jurídico, tendo havido, segundo ele, “discordância da
interpretação que foi dada ao conjunto de fatos”. 35
Para Antonio Fernando, “a concessão do status de refugiado
a Cesare Battisti constitui ato manifestamente ilegal, inconstitucional e abusivo,
cujo único fim foi o de obstar o seguimento do processo de Extradição nº 1.085.”
Dessa forma, não haveria “perfeita identidade temática” entre o requerimento da
extradição e os fatos que teriam fundamentado a concessão do status de refugiado
a Battisti, embora a decisão do Ministro de Estado tivesse feito, segundo o
Procurador, “menção genérica e imprecisa aos crimes de homicídio qualificado”. Os
“crimes de natureza hedionda” impediriam a concessão de refúgio.36
Antonio Fernando continua sua fundamentação,
asseverando:
A Corte Europeia de Direitos Humanos confirmou a legalidade do
julgamento a que Cesare Battisti foi submetido, não tendo
verificado nenhum vício ou indício de perseguição que pudesse
comprometer os acórdãos condenatórios.
O Ministro da Justiça teria agido “como se tivesse a intenção
de conceder asilo político”, mas, no entanto, sem ter competência para tanto,
sendo, para o Procurador-Geral, atestadamente legítima a reivindicação da
República Italiana, por constituir o caso “manifesto desvio de poder e patente
desvio de finalidade”.
O Procurador Antonio Fernando conclui o parecer
relembrando que se deve atentar para a natureza política do ato questionado,
respeitando-se o Princípio da Separação dos Poderes, por envolver questões
atinentes “única e exclusivamente ao Poder Executivo”. “A independência e a
harmonia, fundamentos da Separação de Poderes, dizem respeito justamente ao
livre exercício por cada Poder do Estado das atribuições que lhes são próprias.”,
finaliza.37
35 ITO, Marina. Leia parecer da PGR contra a extradição de italiano. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em 10 ago 2012. 36 ITO, Marina. Leia parecer da PGR contra a extradição de italiano. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em 13 ago 2012. 37 ITO, Marina. Ibid. Acesso em 13 ago 2012.
38
8.6. Argumentos pró-refúgio político
A justificativa de “fundado temor de perseguição política”,
utilizada na já apresentada argumentação contida no parecer emitido pelo
Ministro Tarso Genro em 2009, também foi largamente aceita por Lula e por
outros integrantes de seu Governo, em tentativas de explicar a posição de que o
julgamento de Battisti, promovido à revelia, na Itália, não seria válido. 38 A defesa
do italiano, em semelhante linha de abordagem, explora o “Ambiente de
perseguição política e de riscos para o requerente [Battisti]”, como motivo, para
que a ele seja concedido refúgio:
O retorno de Battisti à Itália o colocaria ao alcance de forças
políticas diversas, cujo ódio ou ressentimento contra ele são
manifestos. Em 2005, a imprensa de diversos países noticiou a
existência de um plano, para sequestrá-lo na França, organizado
por uma associação de extrema direita denominada DSSA, descrita
como uma espécie de polícia paralela. O sequestro de Battisti era
denominado Operação Porco Vermelho. 39
O segundo argumento apresentado pela defesa constitui em
atacar a promoção do chamado “Julgamento in absentia, ou à revelia, chegando ao
ponto de afirmar que Cesare Battisti fora julgado, sem que sequer fosse-lhe
constituído pleno direito de defesa. Apontam: “[...] o advogado que teria
representado Battisti firmou documento declarando que jamais se avistou ou
conversou com seu cliente, tornando impossível uma defesa consistente, tendo em
vista que a delação premiada apresentava nova versão sobre fatos.”40
A defesa de Cesare Battisti assevera ainda que ele teria
“rejeitado a ideia de luta armada após o assassinato do ex-Primeiro Ministro Aldo
Moro pelas Brigadas Vermelhas, em 1978, além de abandonado os PAC após o
assassinato de Santoro, um mês depois.” Tentam endossar, assim, a ideia de que ele
38 SPULDAR, Rafael. Entenda as polêmicas envolvendo o caso Battisti. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk>. Acesso em 14 ago 2012. 39 BARROSO, Luís Roberto. Memorial: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>. Acesso em 14 ago 2012. 40 BARROSO, Luís Roberto. Memorial: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>. Acesso em 14 ago 2012.
39
sequer estivesse fazendo parte do grupo, por conta dos homicídios de Torregiani,
de Sabaddin e de Campagna, tendo adotado um diferente estilo de vida, desde
então. 41 Asseguram:
Passados mais de trinta anos do último fato imputado a Cesare
Battisti pela Justiça italiana, jamais teve ele qualquer
envolvimento com prática antissocial, em qualquer dos países em
que viveu. Pelo contrário, tem atividade produtiva, família, filhos e
uma carreira literária de razoável sucesso, sendo seus livros
editados por uma das principais editoras francesas. Nada menos
do que três centenas de intelectuais franceses pedem pelo fim da
perseguição empreendida contra ele. 42
A decisão de concessão do asilo político foi defendida por
vários juristas, como o especialista em Direito Internacional Durval de Noronha
Goyos Jr, o quais se baseavam no princípio da soberania do país, como principal
fundamento da posição.43 José Afonso da Silva também aponta: “A decisão do
Ministro da Justiça, concedendo a condição de refugiado a Cesare Battisti, sob ser
um ato da soberania do Estado brasileiro, está coberta pelos princípios da
constitucionalidade e da legalidade.”44
8.7. Aspectos relevantes do processo de extradição no Brasil
Em seu voto45, o Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Gilmar Ferreira Mendes, delineou as três fases do processo de extradição no
ordenamento brasileiro:
Fase de natureza administrativa
41 BARROSO, Luís Roberto. Ibid. Acesso em 14 ago 2012. 42 BARROSO, Luís Roberto. Ibid. Acesso em 14 ago 2012. 43 D’AGOSTINO, Roseanne. Decisão de refúgio político a Battisti está dentro da lei, afirmam juristas. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br>. Acesso em 14 ago 2012. 44 DA SILVA, José Afonso. Parecer: Caso Battisti. Disponível em: <http://www.oab.org.br>. Acesso em 14 ago 2012. 45 MENDES, Gilmar Ferreira. Caso Battisti – Relatório. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em 14 ago 2012.
40
Corresponde ao recebimento do pedido, realizado pelo país
estrangeiro, ao Ministério da Justiça. Nesse primeiro momento, o Governo pode
recusar a análise do pedido. No entanto, por respeito às boas relações políticas
internacionais e aos tratados firmados não se cogita a recusa em primeira
instância.
Havendo tratado, todo o processo de extradição deverá observar
as suas normas. E, no caso de conflito entre a lei interna e o
tratado, o entendimento é consolidado, principalmente, na
jurisprudência do STF no sentido de que prevalece o tratado, pelo
critério da especialidade. Ressaltem-se, nesse aspecto, os
princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina
que nenhum Estado pactuante “pode invocar as disposições de
seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado”. (p. 22)
Por conseguinte, como expõe o ministro, não se pode
esquivar das diretrizes delineadas no tratado já firmado.
Fase de natureza jurisdicional
Corresponde ao direcionamento da análise do pedido para
ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. É de responsabilidade da Corte
verificar a conformidade do requerimento com a Constituição e com o respeito aos
direitos humanos.
Assim, o art. 83, da Lei n.º 6.815/80: “Nenhuma extradição
será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal
Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”.
3ª Fase – STF e Executivo
Após o trânsito em julgado e o arquivamento do processo, o
caso não é afastado da jurisdição do Tribunal. Novas questões podem surgir, como,
no próprio caso Cesare Battisti, em que a Itália interpôs recurso incidental, após a
41
decisão presidencial de não realizar a extradição, o que exigiu o desarquivamento
do processo.
Parece óbvio que a competência do STF não se encerra com a
decisão que põe fim à segunda fase da extradição. Isso decorre de
uma razão muito simples: até sua definitiva entrega ao Estado
requerente, o extraditando permanece preso sob a custódia do
Tribunal, e apenas a decisão do próprio Tribunal pode determinar
sua soltura. (p. 31)
Cesare Battisti só foi liberado quase dois anos depois da
decisão do Supremo de não extradição.
Parece óbvio que a competência do STF não se encerra com a
decisão que põe fim à segunda fase da extradição. Isso decorre de
uma razão muito simples: até sua definitiva entrega ao Estado
requerente, o extraditando permanece preso sob a custódia do
Tribunal, e apenas a decisão do próprio Tribunal pode determinar
sua soltura. (p. 28)
Após a decisão do STF, cabe ao Presidente da República
decidir se acatará ou não o que foi estabelecido. A legitimidade do Presidente, para
repudiar a decisão do colegiado, é motivo de grandes controvérsias. A questão foi
suscitada na EXT.1085, porém decidiu-se pela legitimidade de seu poder
discricionário, para extraditar ou não, desde que respeitasse os limites do tratado.
8.8. Julgamento do STF e repercussão da decisão presidencial
Após amplos debates, o Supremo decidiu que o status de
refugiado político concedido pelo Ministro da Justiça não era válido, visto que
Cesare Battisti cometera crimes comuns dentro do funcionamento do Estado
Democrático de Direito. Assim, sua extradição foi deferida, tendo em vista que não
havia suporte fático, para comprovar o temor de perseguição, caso retornasse ao
país de origem. Além disso, por maioria, foi decidido que o Presidente não se
42
vincula à decisão do Tribunal. No entanto, deve ater sua decisão ao tratado
celebrado entre os países. 46
No dia 31 de dezembro de 2010, o Presidente da República
resolveu não conceder a extradição. Teve, como respaldo, a decisão do STF sobre a
legalidade de seu poder, para acatar ou não o pedido, desde que observasse o
Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana
de 1989.
Assim, baseou-se no parecer da AGU/AG 17/2010,
sustentado pela alínea f, número 1 do art. 3 do Tratado entre os dois países:
[...] se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que
a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e
discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade,
língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua
situação possa ser agravada por um dos elementos antes
mencionados.
Dessa maneira, ressaltou-se a possibilidade de o
extraditando vir a sofrer perseguições políticas na Itália, mesmo que o Supremo
tenha entendido que não havia evidência atual, para justificar tal temor.
Insatisfeito, o Governo italiano moveu ação contra decisão presidencial, apontando
a fragilidade de sua argumentação. O pedido motivou o desarquivamento do
processo e uma nova rodada de discussões.
Nesse ínterim, Battisti foi mantido preso até que o colegiado
apreciasse o requerimento italiano. Após entenderem que se tratava de questão de
soberania estatal a discricionariedade presidencial, os Ministros rejeitaram o
pedido e expediram o alvará de soltura do acusado.
Determinado a conseguir a extradição, o Governo italiano
anunciou a pretensão de encaminhar o pedido à Corte Internacional de Justiça, em
Haia. Para que não o fizesse, sugeriu que ambos os Governos buscassem uma
solução através do diálogo, tendo, como base, a criação de uma Comissão de
46 PELUSO, César. Ext. nº 1.085 (Extradição). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em 13 ago 2012.
43
Conciliação estabelecida na Convenção sobre conciliação e solução judiciária entre
o Brasil e a Itália de 1954. 47
O Ministro das Relações exteriores brasileiro anunciou, por
outro lado, a falta de interesse em prosseguir com o caso.48
9. CRONOLOGIA-RESUMO DO CASO BATTISTI
1. Junho de 1979: Prisão de Cesare Battisti, em Milão, como parte de uma
investigação pelo assassinato de um joalheiro;
2. Maio de 1981: Battisti é condenado a 12 anos e 10 meses de prisão por
"participação em grupo armado" e por "ocultamento de armas";
3. Outubro de 1981: Battisti escapa da prisão de Frosinone, perto de Roma, e
se refugia na França;
4. 1982: Fuga para o México;
5. 1985: O Presidente francês, François Mitterrand, compromete-se a não
extraditar os ex-ativistas de extrema-esquerda italianos que rompessem com o
passado, embora tenha excluído os que cometeram "crimes de sangue";
6. 1990: Battisti regressa à França e se torna autor de romances policiais;
7. 21 de maio de 1991: A Corte de Apelações de Paris nega uma demanda
italiana de extradição;
8. 31 de março de 1993: A Corte de Apelações de Milão condena Battisti à
prisão perpétua por quatro "homicídios agravados" praticados entre 1978 e 1979,
contra um guarda carcerário, um agente de polícia, um militante neofascista e um
joalheiro de Milão, cujo filho ficou paraplégico, ao ser atingido também;
9. 20 de julho de 2001: Demanda de naturalização francesa. Uma decisão
favorável de julho de 2003 foi anulada em julho de 2004;
10. 20 de dezembro de 2002: Demanda italiana de extradição;
11. 10 de fevereiro de 2004: Battisti é detido em Paris a pedido da Justiça
italiana, em meio a protestos de intelectuais, de artistas e de personalidades
políticas francesas de esquerda;
12. 3 de março de 2004: É libertado, mas mantido sob vigilância;
47 PORTAL TERRA. Itália apela a Comissão de Conciliação com Brasil por Battisti. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/>. Acesso em 16 ago 2012. 48 PORTAL TERRA. Itália apela a Comissão de Conciliação com Brasil por Battisti. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/>. Acesso em 16 ago 2012.
44
13. 30 de junho de 2004: A Câmara de Instrução da Corte de Apelações de Paris
se declara favorável à extradição. Battisti recorre;
14. 2 de julho de 2004: O Presidente Jacques Chirac declara que "é nosso dever
responder favoravelmente à extradição";
15. 21 de agosto de 2004: Battisti não se apresenta ante a polícia, como exige o
sistema de vigilância judicial, e passa para a clandestinidade;
16. 22 de agosto de 2004: A Promotoria da Corte de Apelações de Paris expede
uma ordem de detenção;
17. 13 de outubro de 2004: Rejeitado o recurso de Battisti. A extradição para a
Itália torna-se definitiva;
18. 23 de outubro de 2004: O Primeiro-Ministro francês, Jean Pierre Raffarin,
assina o decreto de extradição;
19. 18 de março de 2005: Conselho de Estado da França confirma a extradição;
20. Agosto de 2005: Os advogados de Battisti apresentam um recurso ante a
Corte Européia de Direitos Humanos, contra o decreto de extradição;
21. 18 de março de 2007: Detenção de Battisti, no Rio de Janeiro.
22. 24 de abril de 2007: Pedido de extradição apresentado pela Embaixada
italiana ao Governo brasileiro;
23. 04 de maio de 2007: Entrada do processo de extradição no STF;
24. 07 de maio de 2007: Prisão preventiva de Battisti;
25. 13 de janeiro de 2009: Ministro da Justiça brasileiro concede status de
refugiado político a Cesare Battisti, mesmo após ter sido negado pelo CONARE;
26. 09 de fevereiro de 2009: Itália impetra mandado de segurança contra a
concessão do status de refugiado político, alegando que Battisti cometera crimes
comuns e não políticos;
27. 18 de novembro de 2009: STF declara nulidade do refúgio e defere a
extradição;
28. 16 de dezembro de 2009: STF reafirma a posição do Presidente, para
decidir sobre a extradição observando os limites do Tratado entre os dois países;
29. 31 de dezembro de 2010: O Presidente da República nega a extradição de
Cesare Battisti;
45
30. 04 de janeiro de 2011: Itália apresenta impugnação incidental nos autos da
Extradição n. 1085, para contestar a validade da decisão do Presidente, alegando
não ter apoio legal;
31. 04 e janeiro de 2011: Battisti requer expedição de seu alvará de soltura,
tendo em vista a decisão presidencial de não extradição;
32. 08 de junho de 2011: Expedido o alvará de soltura de Cesare Battisti;
33. Setembro de 2011: Itália manifesta vontade de recorrer à Corte de Haia,
caso o Brasil não cumpra o estabelecido na Convenção sobre Conciliação e Solução
Judiciária entre o Brasil e a Itália de 1954;
34. Setembro de 2011: O Ministro das Relações Exteriores afirma que o
Governo não tem a intenção de levar a questão adiante ou de prejudicar as relações
diplomáticas com a Itália.
46
10. REFERÊNCIAS
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Saraiva, 1996.
Acordo de 1954 pode garantir que caso Battisti seja levado a Haia, diz
especialista. (s.d.). Acesso em 1 de Setembro de 2012, disponível em Uol Notícias
Internacionais:http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2011/06/10/acordo-de-1954-pode-garantir-que-caso-battisti-seja-
levado-a-haia-diz-especialista.htm
BORGES, Thiago Carvalho. Curso de Direito Internacional Público e
Comunitário. São Paulo: Atlas, 2011.
Consultor Jurídico. (s.d.). Acesso em 1 de Setembro de 2012, disponível em Corte
de Haia não tem competência sobre Battisti: http://www.conjur.com.br/2011-jun-
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G1. Lula nega extradição de Battisti para Itália (2010). Disponível em:
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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São
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47
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STF, Supremo Tribunal Federal. ACÓRDÃO 1085. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=610034&tipo=AC&d
escricao=Inteiro%20Teor%20Ext%20/%201085>. Acesso em: 25 de agosto de
2012.
TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE BRASIL E ITÁLIA. Disponível em:
<http://s.conjur.com.br/dl/tratado-extradicao-brasil-italia.pdf>. Acesso em: 25 de
agosto de 2012.
United Nations Information Centre Rio de Janeiro. (s.d.). Acesso em 1 de Setembro
de 2012, disponível em Site da United Nations Information Centre Rio de Janeiro:
http://unic.un.org/imucms/rio-de-janeiro/64/790/como-funciona-a-corte-
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VALENTINI, A.P. A Eficácia das Sanções Determinadas pela Corte
Internacional de Justiça no Caso do Direito de Proteção Consular. Trabalho de
Conclusão de Curso de Direito - Universidade do Vale do Itajaí. Defendida em Julho
de 2008. p 65.
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ANEXO I. TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
E A REPÚBLICA ITALIANA
Assinado em Roma, em 17 de outubro de 1989.
Aprovado pelo Decreto Legislativo nº 78, de 20 de novembro de 1992.
Ratificações trocadas em Brasília, em 14 de junho de 1993.
Promulgado pelo Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993.
Publicado no Diário Oficial de 12 de julho de 1993.
A República Federativa do Brasil e a República Italiana (doravante denominados partes,
desejando desenvolver a cooperação na área judiciária em matéria de extradição,
acordam o seguinte:
Artigo I
Cada uma das partes obriga-se a entregar à outra, mediante solicitação, segundo as
normas e condições estabelecidas no presente tratado, as pessoas que se encontrem em
seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais da parte requerente,
para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de
liberdade pessoal.
Artigo II
Casos que autorizam a Extradição
1. Será concedida a extradição por fatos que, segundo a lei de ambas as partes,
constituírem crimes puníveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja duração
máxima prevista for superior a um ano, ou mais grave.
2. Ademais, se a extradição for solicitada para execução de uma pena, será necessário que
o período da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses.
3. Quando o pedido de extradição referir-se a mais de um crime e algum ou alguns deles
não atenderem às condições previstas no primeiro parágrafo, a extradição, se concedida
por um crime que preencha tais condições, poderá ser estendida também para os demais.
Ademais, quando a extradição for solicitada para a execução de penas privativas de
liberdade pessoal e aplicada por crimes diversos, será concedida se o total de penas ainda
por cumprir for superior a 9 meses.
4. Em matéria de taxas, impostos, alfândega e câmbio, a extradição não poderá ser negada
pelo fato da lei da parte requerida não prever o mesmo tipo de tributo ou obrigação, ou
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não contemplar a mesma disciplina em matéria fiscal, alfandegária ou cambial que a lei da
parte requerente.
Artigo III
Casos de Recusa da Extradição
1. A Extradição não será concedida:
a) se, pelo mesmo fato, a pessoa reclamada estiver sendo submetida a processo penal, ou
já tiver sido julgada pelas autoridades judiciárias da parte requerida;
b) se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das partes, houver
ocorrido prescrição do crime ou da pena;
c) se o fato pelo qual é pedida tiver sido objeto de anistia na parte requerida, e estiver sob
a jurisdição penal desta;
d) se a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a julgamento por um tribunal
de exceção na parte requerente;
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político;
f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será
submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo,
nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação
possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados;
g) se o fato pelo qual é pedida constituir, segundo a lei da parte requerida, crime
exclusivamente militar. Para fins deste tratado, consideram-se exclusivamente militares
os crimes previstos e puníveis pela lei militar, que não constituam crimes de direito
comum.
Artigo IV
Pena de Morte
A Extradição tampouco será concedida quando a infração determinante do pedido de
extradição for punível com pena de morte. A parte requerida poderá condicionar a
extradição a garantia prévia, dada pela parte requerente, e tida como suficiente pela parte
requerida, de que tal pena não será imposta, e, caso já o tenha sido, não será executada.
Artigo V
Direitos Fundamentais
A Extradição tampouco será concedida:
a) se, pelo fato pelo qual for solicitada, a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser
submetida a um procedimento que não assegure os direitos mínimos de defesa. A
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circunstância de que a condenação tenha ocorrido à revelia não constitui, por si só,
motivo para recusa de extradição; ou
b) se houver fundado motivo para supor que a pessoa reclamada será submetida a pena
ou tratamento que de qualquer forma configure uma violação dos seus direitos
fundamentais,
Artigo VI
Recusa Facultativa da Extradição
1. Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do
Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a
extradição, a parte requerida, a pedido da parte requerente, submeterá o caso às suas
autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal.
Para tal finalidade a parte requerente deverá fornecer os elementos úteis. A parte
requerida comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente, a
decisão final.
2. A Extradição poderá igualmente ser recusada:
a) se o fato pelo qual for pedida tiver sido cometido, no todo ou em parte, no território da
parte requerida ou em lugar considerado como tal pela sua legislação; ou
b) se o fato pela qual for pedida tiver sido cometido fora do território das partes, e a lei da
parte requerida não previr a punibilidade para o mesmo quando cometido fora do seu
território.
Artigo VII
Limites à Extradição
1. A pessoa extraditada não poderá ser submetida à restrição da liberdade pessoal para
execução de uma pena, nem sujeita a outras medidas restritivas, por um fato anterior à
entrega, diferente daquele pelo qual a extradição tiver sido concedida, a menos que:
a) a parte requerida estiver de acordo; ou
b) a pessoa extraditada, tendo tido oportunidade de fazê-lo, não tiver deixado o território
da parte à qual foi entregue transcorridos 45 dias da sua liberação definitiva, ou, tendo-o
deixado, tenha voluntariamente regressado.
2. Para o fim previsto na letra a, do parágrafo 1º acima, a parte requerente deverá
apresentar pedido instruído com a documentação prevista do artigo XI, acompanhado das
declarações da pessoa reclamada, prestadas perante autoridades judiciárias da dita parte,
para instrução do pedido de extensão da extradição.
3. Quando a qualificação do fato imputado vier a modificar-se durante o processo, a
51
pessoa extraditada somente será sujeita a restrições à sua liberdade pessoal na medida
em que os elementos constitutivos do crime que correspondam à nova qualificação
autorizem a extradição.
4. A pessoa extraditada não poderá ser entregue a um terceiro Estado, por um fato
anterior à sua entrega, a menos que a parte requerida o permita, ou na hipótese do
parágrafo 1º, letra b.
5. Para os fins previstos no parágrafo precedente, a parte à qual tiver sido entregue a
pessoa extraditada deverá formalizar o pedido, ao qual juntará a solicitação de extradição
do terceiro Estado e a documentação que o instruiu. Tal pedido deverá ser acompanhado
de declaração prestada pela pessoa reclamada perante uma autoridade judiciária da dita
parte, com relação à sua entrega ao terceiro Estado.
Artigo VIII
Direito de Defesa
À pessoa reclamada serão facultadas defesa, de acordo com a legislação da parte
requerida, a assistência de um defensor e, se necessário, de um intérprete.
Artigo IX
Cômputo do Período de Detenção
O período de detenção imposto à pessoa extraditada na parte requerida para fins do
processo de extradição será computado na pena a ser cumprida na parte requerente.
Artigo X
Modo e línguas de Comunicação
1. Para os fins do presente tratado, as comunicações serão efetuadas entre o Ministério da
Justiça da República Federativa do Brasil e o Ministério de Grazia e Guistizia da República
Italiana, ou por via diplomática.
2. Os pedidos de extradição e as outras comunicações serão apresentados na língua da
parte requerente, acompanhados de tradução na língua da parte requerida.
3. Em caso de urgência, poderá ser dispensada a tradução do pedido de prisão preventiva
e documentos correlatos.
4. Os atos e documentos transmitidos por força da aplicação do presente tratado serão
isentos de qualquer forma de legalização.
Artigo XI
Documentos que fundamentam o Pedido
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1. O pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia autenticada da
medida restritiva da liberdade pessoal ou, tratando-se de pessoa condenada, da sentença
irrecorrível de condenação, com a especificação da pena ainda a ser cumprida.
2. Os documentos apresentados deverão conter a descrição precisa do fato, a data e o
lugar onde foi cometido, a sua qualificação jurídica, assim como os elementos necessários
para determinar a identidade da pessoa reclamada e, se possível, sua fotografia e sinais
particulares. A esses documentos deve ser anexada cópia das disposições legais da parte
requerente aplicáveis ao fato, bem como aquelas que se refiram à prescrição do crime e
da pena.
3. A parte requerente apresentará também indícios ou provas de que a pessoa reclamada
se encontra no território da parte requerida.
Artigo XII
Suplemento de Informação
Se os elementos oferecidos pela parte requerente forem considerados insuficientes para
permitir decisão sobre o pedido de extradição, a parte requerida solicitará um
suplemento de informações, fixando um prazo para este fim. Quando houver pedido
fundamentado, o prazo poderá ser prorrogado.
Artigo XIII
Prisão Preventiva
1. Antes que seja entregue o pedido de extradição, cada parte poderá determinar, a
pedido da outra, a prisão preventiva da pessoa, ou aplicar contra ela outras medidas
coercitivas.
2. No pedido de prisão preventiva, a parte requerente deverá declarar que, contra essa
pessoa, foi imposta uma medida restritiva da liberdade pessoal, ou uma sentença
definitiva de condenação à pena restritiva da liberdade, e que pretende apresentar pedido
de extradição. Além disso, deverá fornecer a descrição dos fatos, a sua qualificação
jurídica, a pena cominada, a pena ainda a ser cumprida e os elementos necessários para a
identificação da pessoa, bem como indícios existentes sobre sua localização no território
da parte requerida. O pedido de prisão preventiva poderá ser apresentado à parte
requerida também através da Organização Internacional de Polícia
Criminal – Interpol.
3. A parte requerida informará imediatamente à outra parte sobre o seguimento dado ao
pedido, comunicando a data da prisão ou da aplicação de outras medidas coercitivas.
4. Se o pedido de extradição e os documentos indicados no art. 11, parágrafo 1º não
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chegaram à parte requerida, até 40 dias a partir da data da comunicação prevista no
parágrafo terceiro, a prisão preventiva ou as demais medidas coercitivas perderão a
eficácia. A revogação não impedirá uma nova prisão ou a nova aplicação de medidas
coercitivas, nem a extradição, se o pedido de extradição chegar após o vencimento do
prazo acima mencionado.
Artigo XIV
Decisão e Entrega
1. A parte requerida informará sem demora à parte requerente sua decisão quanto ao
pedido de extradição. A recusa, mesmo parcial, deverá ser motivada.
2. Se a extradição for concedida, a parte requerida informará à parte requerente,
especificando o lugar da entrega e a data a partir da qual esta poderá ter lugar, dando
também informações precisas sobre as limitações da liberdade pessoal que a pessoa
reclamada tiver sofrido em decorrência da extradição.
3. O prazo para a entrega será de 20 dias a partir da data mencionada no parágrafo
anterior. Mediante solicitação fundamentada da parte requerente, poderá ser prorrogado
por mais 20 dias.
4. A decisão de concessão da extradição perderá a eficácia se, no prazo determinado, a
parte requerente não preceder à retirada do extraditando. Neste caso, este será posto em
liberdade, e a parte requerida poderá recusar-se a extraditá-lo pelo mesmo motivo.
Artigo XV
Entrega Diferida ou Temporária
1. Se a pessoa reclamada for submetida a processo penal, ou deva cumprir pena em
território da parte requerida por um crime que não aquele que motiva o pedido de
extradição, a parte requerida deverá igualmente decidir sem demora sobre o pedido de
extradição e dar a conhecer sua decisão à outra parte. Caso o pedido de extradição vier a
ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do
processo penal ou até o cumprimento da pena.
2. Todavia, a parte requerida poderá, mediante pedido fundamentado, proceder à entrega
temporária da pessoa extraditada que se encontre respondendo a processo penal em seu
território, a fim de permitir o desenvolvimento de processo penal na parte requerente,
mediante acordo entre as duas partes quanto a prazos e procedimentos. A pessoa
temporariamente entregue permanecerá detida durante sua estada no território da parte
requerente e será recambiada à parte requerida, segundo os termos acordados. A duração
dessa detenção, desde a data de saída do território da parte requerida até o regresso ao
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mesmo território, será computada na pena a ser imposta ou executada na parte
requerida.
3. A entrega da pessoa extraditada poderá ser igualmente adiada:
a) quando, devido a enfermidade grave, o transporte da pessoa reclamada ao território da
parte requerente puder causar-lhe perigo de vida; ou
b) quando razões humanitárias, determinadas por circunstâncias excepcionais de caráter
pessoal, assim o exigirem, e se a parte requerente estiver de acordo.
Artigo XVI
Comunicação da Decisão
A parte que obtiver a extradição comunicará à que a concedeu a decisão final proferida no
processo que deu origem ao pedido de extradição.
Artigo XVII
Envio de Agentes
A parte requerente poderá enviar à parte requerida, com prévia aquiescência desta,
agentes devidamente autorizados, quer para auxiliarem no reconhecimento de identidade
do extraditando, quer para o conduzirem ao território da primeira. Esses agentes não
poderão exercer atos de autoridade no território da parte requerida e ficarão
subordinados à legislação desta. Os gastos que fizerem correrão por conta da parte
requerente.
Artigo XVIII
Entrega de Objetos
1. Dentro dos limites impostos por sua própria lei, a parte requerida seqüestrará e, caso a
extradição vier a ser concedida, entregará à parte requerente, para fins de prova e a seu
pedido, os objetos sobre os quais ou mediante os quais tiver sido cometido o crime, ou
que constituírem seu preço, produto ou lucro.
2. Os objetos mencionados no parágrafo precedente também serão entregues se, apesar
de ter sido concedida a extradição, esta não puder concretizar-se devido à morte ou à fuga
da pessoa extraditada.
3. A parte requerida poderá conservar os objetos mencionados no parágrafo 1º pelo
tempo que for necessário a um procedimento penal em curso, ou poderá, pela mesma
razão, entregá-los sob a condição de que sejam restituídos.
4. Serão resguardados os direitos da parte requerida ou de terceiros sobre os objetos
entregues. Se se configurar a existência de tais direitos, ao fim do processo os objetos
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serão devolvidos sem demora à parte requerida.
Artigo XIX
Trânsito
1. O trânsito pelo território de qualquer das partes, de pessoa entregue por terceiro
Estado a uma das partes, será permitido, por decisão da autoridade competente,
mediante simples solicitação, acompanhada da apresentação, em original ou cópia
autenticada, da documentação completa referente à extradição, bem como da indicação
dos agentes que acompanham a pessoa. Tais agentes ficarão sujeitos às condições do art.
17.
2. O trânsito poderá ser recusado quando o fato que determinou a extradição seja
daqueles que, segundo este tratado, não a justificariam, ou por graves razões de ordem
pública.
3. No caso de transporte aéreo em que ano seja prevista a aterrissagem, não é necessária
a autorização da parte cujo território é sobrevoado. De qualquer modo, esta parte deverá
ser informada com antecedência, do trânsito, pela outra parte, que fornecerá os dados
relativos à identidade da pessoa, as indicações sobre o fato cometido, sobre sua
qualificação jurídica e eventualmente sobre a pena a ser cumprida, e atestará a existência
de uma medida restritiva da liberdade pessoal. Se ocorrer a aterrissagem, esta
comunicação produzirá os mesmos efeitos do pedido de prisão preventiva previstos pelo
art. 13.
Artigo XX
Concurso de Pedidos
Se uma parte e outros Estados solicitarem a extradição da mesma pessoa, a parte
requerida decidirá, tendo em conta todas as circunstâncias inerentes ao caso.
Artigo XXI
Despesas
1. As despesas relativas á extradição ficarão a cargo da parte em cujo território tenham
sido efetuadas; contudo, as referentes a transporte aéreo para a entrega da pessoa
extraditada correrão por conta da parte requerente.
2. As despesas relativas ao trânsito ficarão a cargo da parte requerente.
Artigo XXII
Disposições Finais
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1. O presente tratado é sujeito a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão trocados
em Brasília.
2. O presente tratado entrará em vigor no primeiro dia do segundo mês sucessivo ao da
troca dos instrumentos de ratificação.
3. O presente tratado vigorará por tempo indeterminado.
4. Cada parte pode, a qualquer momento, denunciar o presente tratado. A denúncia terá
efeito 6 meses após a data em que a outra parte tenha recebido a respectiva notificação.
Feito em Roma, aos 17 dias do mês de outubro de 1989, em dois exemplares originais,
nos idiomas português e italiano, sendo ambos os textos igualmente autênticos.
Pelo Governo da República Federativa do Brasil: Roberto Abreu Sodré.
Pelo Governo da República da Itália: Gianni de Michelis.