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149 Í NDICE IGREJA LUTERANA VOLUME 61 - NOVEMBRO 2002 - NÚMERO 2 Artigos Que Dizer dos Evangelhos Apócrifos? Vilson Scholz .......................................................................... A Importância da Música Sacra na História da Igreja Evangélica Luterana do Brasil David Karnopp ...................................................................... Movimento G-12 - O que é? Edgar Züge ............................................................................ A Eucaristia nas Origens do Culto Cristão Paulo G. Pietzsch .................................................................. Auxílios Homiléticos ............................................................. Devoções ............................................................................... Recensão ...............................................................................

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Igreja Luterana - nº 2 - 2002

ÍNDICE

IGREJA LUTERANA

VOLUME 61 - NOVEMBRO 2002 - NÚMERO 2

ArtigosQue Dizer dos Evangelhos Apócrifos?Vilson Scholz ..........................................................................

A Importância da Música Sacra na Históriada Igreja Evangélica Luterana do BrasilDavid Karnopp ......................................................................

Movimento G-12 - O que é?Edgar Züge ............................................................................

A Eucaristia nas Origens do Culto CristãoPaulo G. Pietzsch ..................................................................

Auxílios Homiléticos .............................................................

Devoções ...............................................................................

Recensão ...............................................................................

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ARTIGOS

De uns tempos para cá, houve um renovado interesse nos assim chama-dos evangelhos apócrifos. Até se publica livros sobre Jesus segundo osApócrifos. Ainda outro dia a revista Galileu (sucedânea de Globo Ciência)quis uma entrevista sobre o assunto. Diante disto, cabem alguns dados arespeito dessa literatura.

1. A razão do interesse — Fica a pergunta: Por que tal interesse nosevangelhos apócrifos? Teria algo a ver com o famigerado “Jesus Seminar”,que ganhou notoriedade nos Estados Unidos na década passada? Paraquem não lembra, o “Jesus Seminar”, além de se posicionar, por voto demaioria, quanto à autenticidade das palavras de Jesus nos Evangelhos,chegou à conclusão que Jesus era muito mais um sábio, um filósofo detendência cínica ou gnóstica (mais ou menos como se pensava a respeitodele, em círculos acadêmicos europeus, no século XIX), do que propria-mente um profeta apocalíptico (como muitos teólogos passaram a vê-lono início do século XX). Também se pode perguntar se as própriasconclusões do “Jesus Seminar” não são um reflexo dessa releitura deJesus, feita, em parte, a partir dos apócrifos? Seja como for, é possíveltraçar uma linha entre o “Jesus Seminar” e esse interesse pelos apócrifos,pois a imagem de Jesus que emerge dos apócrifos é, em síntese, a ima-gem de um mestre gnóstico. Isto porque muitos desses evangelhos fo-ram produzidos num contexto gnóstico. O exemplo mais evidente é oEvangelho segundo Tomé, uma coletânea de 114 palavras ou sentenças

Vilson Scholz *

QUE DIZER DOS EVANGELHOS APÓCRIFOS?

* Dr. Vilson Scholz é professor de Teologia Exegética (Novo Testamento) no Seminário Concórdia e naUniversidade Luterana do Brasil (ULBRA).

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atribuídas a Jesus, muitas delas sem paralelo nos evangelhos canônicos.1

2. O termo apócrifo – Pela etimologia, apócrifo é “coisa escondida, oculta”.Na antiguidade, designava livros que se destinavam unicamente parauso particular dos adeptos de uma seita ou membros de uma religião demistério.2 Entre os cristãos, veio a designar escritos cujo autor era des-conhecido ou, então, cujo autor se ocultava sob um nome conhecido erespeitado, para conseguir mais crédito junto ao público.3

3. Apócrifo versus canônico — Os apócrifos são livros que não pertencemao cânone bíblico. No caso dos evangelhos apócrifos, trata-se do cânonedo Novo Testamento (NT). Entende-se que o cânone estava definitiva-mente fixado por volta do quarto século depois de Cristo,4 embora suaestrutura básica já estivesse definida por volta do ano 200 depois deCristo. Logo, é a partir da noção de canônico que se define o que éapócrifo. Em outras palavras, apócrifos do NT são livros que desenvol-vem temas semelhantes aos dos livros canônicos e que pretendem deforma mais ou menos velada arrogar-se o caráter de livros sagrados eestar em pé de igualdade com aqueles que o cristianismo considera ins-pirados, sem que tenham conseguido de fato entrar no cânone.

4. Tipos de apócrifos — Existem quatro grupos de apócrifos: evangelhos,atos, epístolas, apocalipse. A maioria se enquadra nos dois primeirosgrupos: evangelhos e atos.5 Entre os muitos apócrifos do NT estão oEvangelho segundo os Hebreus, o Proto-Evangelho de Tiago, o Evange-

1 Este evangelho apócrifo começa assim: “Estas são as palavras secretas que o Jesus vivo disse,e Dídimo Judas Tomé escreveu: 1 – E ele disse: Quem descobre o sentido destas palavras nãoexperimentará a morte”. Evangelhos apócrifos. Tradução e introdução de Urbano Zilles.Caxias do Sul e Porto Alegre: Pyr Edições, 1987, p. 59. O dito de número 10 ilustra asemelhança desse material com os evangelhos canônicos: “Disse Jesus: Lancei fogo ao mundoe o conservo até que arda”. Ibid., p. 60. O caráter gnóstico, e herético, transparece na últimasentença, a de número 114: “Simão Pedro disse-lhe: Maria afaste-se de nós, pois as mulheresnão são dignas de viver. Disse Jesus: Eis que a atrairei para fazê-la masculino, para que tambémse faça um espírito vivo semelhante a vós homens, pois, toda mulher que se transforma emvarão entrará no reino dos céus. Evangelho segundo Tomé”. Ibid., p. 73.

2 OTERO, Aurelio de Santos. Los evangelios apocrifos: colección de textos griegos y latinos, versióncrítica, estudios introductorios, comentarios e ilustraciones. 2 ed. Madrid: Biblioteca de AutoresCristianos, 1963, p. 1.

3 DATTLER, Frederico. Os evangelhos da infância de Jesus segundo Lucas e Mateus. São Paulo:Edições Paulinas, 1981, p. 102.

4 O primeiro documento que traz a lista dos 27 livros, nem mais nem menos, é uma carta deAtanásio, escrita em 367 depois de Cristo.

5 Convém notar que são poucos os casos de epístolas apócrifas, ou seja, epístolas escritas por umapessoa e atribuídas a alguém outro. Isto já era assim no período apostólico (primeiro séculodepois de Cristo), e tem implicações para a discussão das assim chamadas “deuteropaulinas”.

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lho de Tomé, os Atos de Paulo e Tecla, etc. De alguns dos apócrifos sóse sabe que existiram, e isto a partir de outros documentos. Em outraspalavras, o texto desses apócrifos não foi preservado. De grande núme-ro dos apócrifos só restam pequenos trechos, alguns preservados emescritos de Pais Eclesiásticos, outros em fragmentos de papiros desco-bertos recentemente em lugares secos como o Alto Egito. Pode-se afir-mar que desapareceram os apócrifos mais antigos, de caráter mais duvi-doso ou tendencioso. Sobreviveram os mais recentes, que estavam maispróximos da teologia ortodoxa.6

5. Origem – Há quem diga que uma das influências para a escrita dosevangelhos apócrifos foi a passagem de João 21.25. A isto se deveacrescentar o gosto pelo extraordinário e misterioso, que caracteriza opovo simples de qualquer parte do mundo, em especial também o povoque habitava a parte oriental do mundo mediterrâneo. À ingenuidade dopovo crédulo se precisa acrescentar a astúcia dos hereges — docetistas,gnósticos, e outros. Há momentos, ao que parece, em que até os assimchamados ortodoxos recorreram ao gênero apócrifo para defender umdogma. É o caso do Proto-Evangelho de Tiago, que defende a perpétuavirgindade de Maria.7 Aliás, parece que os evangelhos apócrifos surgi-ram, em boa parte, da vontade de conhecer mais detalhes da vida deJesus, especialmente da natividade e infância (os assim chamados 18anos de silêncio), bem como acontecimentos ligados à Sexta-feira Santae Páscoa (aqui entra o Evangelho de Pedro).8 Detalhes da vida deMaria e dos apóstolos também foram assunto de alguns dos apócrifos.O mesmo interesse em complementar o quadro pintado pelo relatocanônico se percebe nos atos apócrifos. Afinal, o Atos canônico se

6 OTERO, op. cit., p. 3.7 No capítulo 19 deste apócrifo, que em alguns manuscritos recebe o título de “História do

nascimento da Santíssima Mãe de Deus e sempre virgem Maria”, uma parteira hebréia afirmaa virgindade de Maria. O texto reza assim: “Retirando-se a parteira da caverna, veio-lhe aoencontro Salomé; e disse-lhe: Salomé, Salomé, contar-te-ei um novo prodígio; uma virgem deuà luz, e não se lhe rompeu a ‘natureza’.” DATTLER, op. cit., p. 112. Na seqüência, Salomé“estendeu o seu dedo à ‘natureza’ dela, mas soltou um grito e disse: Ai do meu crime e daminha incredulidade, porque acabo de tentar o Deus vivo, e eis que a minha mão desprende-se de mim como fogo!” Idem ibidem.

8 O evangelho de Pedro narra que, na noite que precedia o domingo, dois homens desceram doalto, o sepulcro se abriu e eles entraram no mesmo. O relato segue assim: “Quando os soldadosviram isso, acordaram o centurião e os anciãos, pois também esses se encontravam aí paravigiar. E, enquanto narravam o que tinham visto, vêem três homens sair do sepulcro, servindodois de apoio a um terceiro, e uma cruz os seguia. A cabeça dos dois primeiros tocava até o céu,enquanto a do terceiro ultrapassava-o. Ouviram uma voz do céu a clamar: ‘Pregaste aos quedormem’. [?] A partir da cruz ouvia-se uma resposta: ‘Sim’.” Evangelhos apócrifos, p. 52.

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limita às atividades de Pedro e Paulo. Em resumo, os apócrifos tentampreencher lacunas, com apelo a uma imaginação não raras vezes bas-tante fértil.

6. Influência — Ao longo dos tempos, os apócrifos exerceram influênciana piedade popular, na liturgia, na arte e na literatura. Algumas festas docalendário católico não existiriam, não fossem os apócrifos. Ninguémfalaria em São Joaquim e Santa Ana, não fossem os apócrifos.9 Os trêsreis magos (o dado de que eram reis, em número de três), bem como osseus nomes, Melkon (=Melquior), Baltasar e Gaspar, derivam dosapócrifos.10

7. Valor — Em geral os livros apócrifos são mais recentes do que oscanônicos (alguns do segundo século; muitos do quarto século). Quandonão são heréticos, têm pouco valor teológico. Na Igreja Antiga, não hánenhum decreto oficial condenando categoricamente os apócrifos, as-sim como também não houve um concílio ou coisa parecida para fixar ocânone. Mas os teólogos, ou Pais Eclesiásticos, se manifestaram a res-peito. Jerônimo achava que nada de bom podia ser encontrado neles. JáAgostinho reconhecia que neles se podia encontrar “alguma verdade”(aliqua veritas).11 Em tempos mais recentes, também há opiniões di-vergentes. No século XVIII, por exemplo, a escola de Tübingen pensa-va que os apócrifos serviram de inspiração aos canônicos. O curioso éque ainda hoje muita gente pensa assim! Mais comum é simplesmenteignorar os apócrifos, especialmente no mundo protestante.

Os apócrifos interessam ao historiador da igreja e da liturgia, e talvezinteressem à história da arte, mas têm pouca ou nenhuma importância paraa biografia de Jesus. Em geral, basta ler comparativamente um evangelhocanônico e um apócrifo para se notar a diferença. A linguagem dos apócrifostende a ser pobre, e muitos dos episódios são esquisitos, triviais e de mau

9 Os nomes de Joaquim e Ana aparecem no Proto-Evangelho de Tiago.10 Lê-se no Evangelho Armênio da Infância, um apócrifo que foi traduzido do siríaco ao armênio

no final do sexto século: “E um anjo do Senhor se apressou em ir ao país dos persas paraprevenir os reis magos e ordenar-lhes que fossem adorar o menino recém-nascido. E estes,depois de caminhar durante nove meses, tendo a estrela por guia, chegaram ao lugar de destinono mesmo momento em que Maria veio a ser mãe. .... E os reis magos eram três irmãos:Melkon, o primeiro, que reinava sobre os persas; depois Baltasar, que reinava sobre a Índia; eo terceiro, Gaspar, que tinha em sua posse o país dos árabes”. OTERO, op. cit., p. 362 (nossatradução). Otero lembra que, na tradição latina, os magos são quatro, e não três. Na tradiçãosiríaca posterior, são doze.

11 OTERO, op. cit., p. 7.

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gosto. No entanto, este é um critério meramente estético. É na visãoteológica que se percebe a grande diferença em relação aos canônicos. Aprópria estrutura de muitos dos evangelhos apócrifos, que, em geral, têm umfundo gnóstico, já indica algo de sua orientação teológica. Falta-lhes umaestrutura narrativa, ou seja, tendem a ser um aglomerado de sentenças atri-buídas a Jesus. Além disso, não trazem uma narrativa da paixão de Cris-to.12 A morte de Cristo, se não é de todo omitida, é tratada apenas de leve.Na visão cristã gnóstica, a iluminação da mente possibilita que se evite osofrimento. Assim sendo, a glória de Jesus acaba engolindo seu sofrimento.Em contraposição, os evangelhos canônicos, que também culminam com aressurreição de Jesus, mantêm esta realidade em tensão com o seu sofri-mento e morte. Em nenhum dos quatro evangelhos canônicos o escândaloda cruz é removido pela ênfase na sua glória. Em cada um deles, a rotapara a glória passa pelo vale do sofrimento. Nisto os evangelhos canônicosconcordam entre si e divergem fundamentalmente dos apócrifos.13

12 Os evangelhos canônicos são, na clássica frase de Martin Kähler, narrativas da paixão de Cristocom uma longa introdução.

13 Quem acentua esta diferença é Luke Timothy Johnson, em The Real Jesus: The Misguided Questfor the Historical Jesus and the Truth of the Traditional Gospels (San Francisco: HarperCollins,1997), uma obra escrita para fazer frente aos pontos de vista do “Jesus Seminar”.

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David Karnopp*

AIMPORTÂNCIA DA MÚSICA SACRA

NA HISTÓRIA DA

IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL

A igreja luterana já foi chamada de “a igreja que canta”. Deve-se issoao grande impacto que causou a música na vida e obra do ReformadorMartinho Lutero. Não me proponho, porém, a entrar no mérito dessa afir-mação. Fato é que na história da Igreja Evangélica Luterana do Brasil(IELB) a música tem exercido um papel importante. Isso já se pode notarpela 22ª Convenção Nacional de 1934, que elegia uma comissão “para di-fundir a música e o canto sacros no seio da igreja”.1 No momento em que seestá vivendo o espirito do centenário dessa instituição, é saudável resgatar asua história com relação à música. Neste texto me proponho resgatar, pelomenos em parte, dois aspectos: um pouco da história e da filosofia da músi-ca na IELB.

1. UMA VISÃO PANORÂMICA DA MÚSICA

1.1 A IELB E SEUS MÚSICOS

Ao rever a história, nada mais justo do que lembrar aqueles que deramvaliosas contribuições na área da música. Fazendo assim, sempre se corre orisco de se esquecer nomes importantes. Mas Deus viu a obra de cada umdeles, que certamente não foi em vão. Sem menosprezar outros, mencionoalguns nomes cuja obra musical foi de grande importância na história daIELB.

Um dos que mais se dedicou na área musical foi o pastor e professor doSeminário Concórdia de Porto Alegre, Werner K. Wadewitz. Na sua épo-ca, foi um grande incentivador da música na igreja. Foi tradutor e escritorde hinos e regente de corais. Um dos hinos mais queridos na IELB, “Res-surgiu Jesus Senhor” (Hinário Luterano 117), é de sua autoria. Marcoutambém forte presença outro professor do Seminário Concórdia, JohannesH. Rottmann, como músico e regente de coral.

* Rev. David Karnopp é pastor em Panambi, RS.1 Carlos Warth, Crônicas da Igreja (Porto Alegre: Concórdia, 1979), p. 246.

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Uma das atuações mais significativas no campo da música em nossaigreja é de Hans-Gerhardt Rottmann. Hans-Gerhardt foi professor de mú-sica e liturgia no Seminário Concórdia, regeu vários corais, editou livros demúsicas. Foi também coordenador da última edição do Hinário Luterano egravou vários discos. Ele “sempre será lembrado como o primeiro grandemúsico e maestro oriundo da IELB”2. Seu trabalho foi marcado pela pre-servação da arte sacra luterana.

Jamais se pode esquecer de Rodolpho Hasse. Só no Hinário Luteranotemos, de sua autoria, 63 hinos e mais 83 de sua tradução, num total de 146hinos. Em termos de música sacra o Hinário Evangélico Luterano foi asua grande obra, pois ele encabeçou a sua compilação e revisão.

Outro nome é o de Martinho Luthero Hasse. No âmbito da poesia, hinose melodias, ninguém, talvez, na história da IELB, tem tanta expressividadecomo ele. Numa carta que enviou para a pesquisa deste trabalho, o pastorHasse informa o seu acervo poético-musical. O número de hinos, desdecomposições sobre os mais diversos temas até algumas adaptações e tradu-ções, ultrapassa o número de 400 hinos. Os poemas sacros que escreveu,ultrapassam os 500, dos quais 145 para sua esposa. Além disso, ainda com-pôs várias melodias para seus hinos e canções e escreveu hinos e poemasem inglês e alemão. Todo seu acervo poético-musical ultrapassa o númerode 1000 títulos.3 É interessante notar que Paul Gerhardt, considerado omaior poeta da história do luteranismo, tem um acervo de apenas 123 hi-nos.4 Além de todo este cabedal, Martinho L. Hasse foi o primeiro a sepreocupar em tornar conhecida a história dos hinos. No final da década de1950 e início de 1960, publicou histórias de alguns hinos, através da revistaO Jovem Luterano. Numa destas revistas ele lamenta o “quase completodesconhecimento que as congregações têm da origem destes hinos, do nomedos seus autores e das circunstâncias em que surgiram”. No mesmo artigoele alimenta um sonho de um dia ter “condições de publicar alguma obrahistórica referente aos hinos luteranos e sua origem”.5 A obra musical, abeleza poética, a clareza e profundidade doutrinária dos seus hinos fazemdele quiçá o maior poeta da história da IELB. Além disso, a genialidade dasua poesia não é em nada menor do que a poesia dos grandes poetas dahistória da igreja cristã.

2 Walter O. Steyer, “O maestro foi transferido”, Mensageiro Luterano (Maio de 1992): 13.3 Martinho Luthero Hasse. Em carta enviada para este trabalho. Documento não publicado.4 David Karnopp, Música e Igreja (Passo Fundo: Pe. Berthier, 1999), p. 67.5 Martinho Luthero Hasse “Conhece os hinos que cantas?”. O Jovem Luterano, Porto Alegre, v.

22 (5,6): 26. Um exemplo de comentário sobre hinos luteranos está na edição de Julho-Agostode 1956, p. 19. A primeira obra na IELB que trata da história dos hinos foi publicada somente1999, de autoria nossa (cf. nota anterior).

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Ainda é merecedor de lembrança Leonido Krey, que se tornou conheci-do como tradutor e escritor de hinos e canções folclóricas, cuja vasta obralhe possibilitou publicar várias coletâneas de músicas. Notabilizaram-se tam-bém por traduzir e compor hinos: Theodor Reuter e Nestor Welzel.

1.2 A IELB E SEUS HINÁRIOS

Quando os missionários americanos vieram ao Brasil para iniciar o tra-balho da igreja, empregaram a língua alemã. O hinário que trouxeram con-sigo também era em língua alemã,6 que aqui foi usado por muito tempo. Emesmo o cantar de hinos alemães em muitos lugares ainda persiste. Em1917, o Brasil, porém, rompeu relações diplomáticas com a Alemanha. Emconseqüência, o uso da língua alemã foi proibido nas igrejas e nas escolas.Como nem todos os pastores e membros sabiam falar ou entender portugu-ês, várias igrejas permaneceram fechadas. Esta proibição, no entanto, “le-vou os pastores a traduzirem os primeiros hinos, orações e porções da liturgiapara o português”.7 Os primeiros pastores a traduzirem hinos foram MartinF. Frosch e Emil F. Mueller.8 Quando terminou a Primeira Guerra mundial,a língua alemã voltou a ser usada até o período da Segunda Guerra. Mas abase para a nacionalização da nossa linguagem cúltica havia sido lançada.Outro fator relevante a dar impulso no uso da língua nacional foi a aberturada missão Luso-brasileira em Lagoa Vermelha no estado do Rio Grande doSul.9 Em prol desta missão foi elaborado, em 1920, um hinário em línguaportuguesa com 23 hinos e algumas orações chamado Hymnos e Orações.Outras edições seguiram com 25 hinos. Este Hinário basicamente é obra dopastor Rodolpho Hasse, que traduziu hinos da língua alemã e adaptou outrosdo hinário, Salmos e Hinos.10

Em 1938 o então Sínodo Evangélico Luterano, hoje IELB, dava um pas-so decisivo no uso da língua nacional, quando editava o Hinário Evangéli-co Luterano, com 217 hinos, encabeçado pelo pastor Rodolpho Hasse. Aconvenção nacional da IELB de 1940 reconheceu o trabalho do pastor Hassee “expressou sinceros votos de agradecimentos pelo seu trabalho na con-fecção do hinário português”.11 Mas cedo constatou-se que este hinário erainsuficiente. Por isso em 1946 ele recebeu um apêndice dos hinos 218 ao315, sendo este apêndice reeditado em 1947. O estoque deste hinário esgo-

6 Kirchengesanbuch. Posteriormente foi publicado pela Casa Publicadora Concórdia, com 479hinos.

7 Paulo Wille Buss, Histórico da nossa Prática Litúrgica. Monografia não publicada.8 Warth, op. cit., p. 40, 41. No Hinário Luterano não constam hinos destes pastores.9 Id., p.39-43 .10 Salmos e Hinos é o primeiro hinário evangélico publicado no Brasil. Sobre sua história veja em

Karnopp, op. cit., 96-99.11 Warth, op. cit. p. 248.

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tou e o único hinário que a IELB tinha à disposição era este apêndice. Mashavia uma comissão que estava “em franca atividade”, trabalhando numnovo hinário e que pretendia entregá-lo em breve.12 Pois em 1949 foi publi-cado o novo hinário com 340 hinos e assim permaneceu por 25 anos. Em1972 a convenção nacional da IELB elegeu uma comissão para revisar estehinário13. O resultado saiu em 1974 quando foi editado um novo apêndicecom 112 hinos sob o nome de Hinário Luterano: Segunda Parte. Esteapêndice era provisório, pois um hinário em caráter definitivo devia ser pu-blicado. Finalmente no dia 9 de outubro de 1986, depois de 14 anos de traba-lho com uma equipe de 20 integrantes,14 o novo hinário foi apresentado àIELB,15 sob o nome Hinário Luterano, com 573 hinos.

Sob muitos aspectos, o novo hinário teve boa receptividade. Sua beleza equalidade poética foram muito elogiadas. Seu conteúdo doutrinário foi vistocomo “autêntico tesouro teológico”, como “obra monumental” e como “obramissionária de maior peso já lançado pela IELB”.16 No entanto foi bastantecriticado.17 Entre as críticas levantadas, ele foi acusado de estar fora darealidade brasileira, principalmente no que se refere à música.18 Foramquestionadas algumas melodias, alegando-se que são “difíceis de seremcantadas” e cheias de “floreios”. Questionou-se também a pauta musicalque acompanha a primeira estrofe de cada hino com a alegação de quepoucas pessoas conheciam notas musicais e, assim, o proveito seria míni-mo. Outro aspecto criticado foi seu tamanho, o que é compreensível se ocompararmos com o do hinário anterior. O atual consta de 951 páginas,enquanto o antigo hinário tinha 490 páginas. Mais tarde este problema foiresolvido quando foram publicados hinários com o mesmo número de pági-nas, porém, com letras menores.

Vimos assim que o hinário oficial tem uma trajetória de várias edições.Esta é uma forma de se atestar que um hinário não é eterno. O passar dostempos e o avanço da igreja para novas frentes de missão, requerem acontextualização da música.

12 Id., p. 251.13 Id., p. 262.14 Hinário Luterano: Igreja Evangélica Luterana do Brasil. 4. ed. (Porto Alegre: Concórdia,

1991), p. 8 apresenta a listagem dos integrantes da equipe que o elaborou.15 Mensageiro Luterano, (Novembro 1986): 23.16 Como mostram cartas publicadas no Mensageiro Luterano (Maio 1987): 2; (Julho 1987): 33;

(Outubro 1987): 31.17 Mensageiro Luterano, (Maio 1987): 2; (Junho 1987): 32; (Julho 1987): 33; (Agosto 1987): 2;

(Setembro 1987): 2; (Outubro 1887): 31.18 O Hinário Luterano compõe-se de 573 hinos. Algumas músicas, porém, aparecem mais de uma

vez, o que o reduz a 405 músicas. Destas, apenas 27 são brasileiras, apenas 18 são decomposição de autores da IELB. Destas 18 melodias, 16 são do pastor Martinho Luthero Hassee duas são do pastor Theodor Reuter.

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Não é propósito deste trabalho avaliar as criticas levantadas ao HinárioLuterano. Me proponho, sim, a resgatar o fato histórico do hinário. O Hi-nário Luterano é uma grande obra. Nas palavras de quem coordenou osseus trabalhos, “a comissão fez sete revisões dos textos originais e tradu-ções para que se chegasse ao melhor texto final possível. Para se chegar àseleção final dos 573 hinos pesou-se muito o conteúdo bíblico-doutrinário, aimportância do hino na história do louvor do povo de Deus, a linguagemclara e beleza poética e a melodia”.19

Uma característica marcante na formação da hinódia evangélica brasi-leira, é o “empréstimo” de hinos de outras igrejas, de forma especial dohinário Salmos e Hinos. A maioria das igrejas evangélicas no Brasil bene-ficiou-se deste hinário para formar sua hinódia.20 No caso da IELB, estehinário e também outras fontes têm forte presença.21 Para termos umaidéia, basta ver que a sua maior compiladora, Sara Poulton Kaley tem noatual Hinário Luterano, 26 hinos de sua autoria e mais três de sua tradu-ção. O filho adotivo desta autora, João Gomes da Rocha, tem seis hinos desua autoria e mais cinco de sua tradução no Hinário Luterano. E por queeste hinário teve tamanha influência na formação do Hinário Luterano?Ocorre que o hinário Salmos e Hinos nasceu no Rio de Janeiro, onde tam-bém viveu por longos anos Rodolpho Hasse, o maior responsável pela for-mação do Hinário Evangélico Luterano. É compreensível que ele esti-vesse bastante familiarizado com estes hinos e os tivesse “tomado empres-tado” para o hinário da IELB. Além disso, tais hinos já estavam em línguaportuguesa. Repentinamente, quando o uso da língua alemã foi proibido, erafácil de “tomá-los emprestados”. É possível que este empréstimo de hinos,de certa forma, nos tenha ajudado a nos aproximar e a nos identificar comas igrejas evangélicas no Brasil.

Paralelamente ao Hinário Luterano, a IELB tem, na sua história, vári-os outros livros musicais. Entre eles constam coletâneas de hinos commúsicas e livros para corais e organistas. Na década de 1960, com a ex-pansão missionária, o Departamento de Missão da IELB preocupou-se emoferecer um hinário voltado para as missões. Por isso em 1968 foi editadoum hinário com essa visão e que constava de 54 hinos selecionados doHinário Luterano e do Cantor Cristão. Em 1974 este hinário foi amplia-

19 Hans Gerhard F. Rottmann, “Hinário Luterano”, Igreja Luterana, 47 (1), (1988): 78.20 Henriqueta Rosa Fernades Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil (Rio de Janeiro: Kosmos,

1961).21 Por exemplo o hinário Louvai ao Senhor” recebeu vários hinos do hinário batista Cantor

Cristão.

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do para 90 hinos com a edição de 5.000 exemplares.22 Em 1988, catorzeanos após, quando já havia sido lançado o novo hinário da IELB, este hináriofoi substituído pelo Louvai ao Senhor, com 158 hinos. Como é mencionadona sua página de apresentação, o Louvai ao Senhor não quer atingir umpúblico específico, mas pretende “ser um hinário para fins e usuários diver-sos”. Uma vez que seu estilo é de “melodias mais leves e andamentos maisfluentes”23 e por nele haver vários hinos de autores brasileiros, preencheude certa forma aquela lacuna pela qual o Hinário Luterano fora criticado.

Um setor onde a IELB não se omitiu em termos de música foi com osseus jovens. Há muito que ela vem procurando oferecer música mais apro-priada para o público jovem. Os primeiros livros de canções voltados parajovens foram Hinos e Canções de Rodolfo A. Warth e Lira Juvenil deLeonido Krey.24 Mais tarde a própria Juventude Evangélica Luterana doBrasil (JELB) começou a editar hinos em pequenos livretes fotocopiados.O passo mais decisivo foi dado em 1982 pelo Distrito Porto-Alegrense (DIPA)ao lançar a coletânea Musi Jovem, com 100 hinos e cânticos. Esta coletâ-nea tinha o objetivo de trazer “hinos para a juventude de hoje” e “parareuniões de jovens”25, servindo de base para o hinário Todos os Povos oLouvem, que a JELB editou em 1982.

Outro trabalho relevante na IELB, ainda que tarde, foi o lançamento dohinário Cânticos de Louvor, em dois volumes, com músicas próprias paracrianças. A primeira edição saiu em 1985. Até então, não havia um hináriooficial da IELB com músicas para crianças. Esta lacuna era, em grandeparte, preenchida com os hinários da APEC, Cânticos de salvação.26

Pelos vários hinários, cancioneiros e livros musicais que a IELB produ-ziu na sua história, podemos concluir que ela soube abraçar os desafios quetinha diante de si. Já o lançamento do primeiro hinário em língua portuguesaé prova disso. Desde cedo ela procurou voltar a sua hinódia e música pararealidades diferentes e não ignorou o contexto em que viveu e atuou. Assimfoi descobrindo que, ao lado do harmônio, era possível usar o violão e outrosinstrumentos para louvar ao Senhor e propagar a Palavra. Em conseqüên-cia ela também se viu cantando em ritmos diferentes do que o tradicional,com o bater palmas e coreografias.

22 DEPARTAMENTO DE MISSÃO. Mensageiro Luterano (Abril 1974): 6.23 LOUVAI AO SENHOR, (Porto Alegre: Concórdia, 1988), p. 7.24 Warth, op. cit., p. 221.25 Gijsbertus van Hattem, comp.MUSIJOVEM (Porto Alegre: DIPA), 1980.26Aliança Pró Evangelização das Crianças – APEC, que através da Imprensa Metodista, São

Bernardo do Campo, produziu hinários, com notas musicais, próprio para crianças.

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1.3 A MÚSICA NAS ESCOLAS PAROQUIAIS

Quando missionários americanos se estabeleceram aqui no Brasil, trou-xeram consigo uma forte política educacional, firmada no lema “ao lado decada igreja uma escola”.27 Várias escolas foram criadas, sendo que, nofinal da década de 1950, a IELB chegou a ter 150 escolas paroquiais.28 Emmuitos casos elas foram o único meio de os filhos dos imigrantes teremacesso ao ensino fundamental. Estas escolas não serviram apenas paraensinar seus alunos a ler e escrever. O ensino religioso, por exemplo, ocu-pava uma boa parte do currículo escolar. E é nesta parte que a música teveum lugar importante e deixou marcas na igreja.

As primeiras escolas já tinham aulas de música, canto e memorização dehinos no seu currículo.29 A memorização de hinos foi uma característica fortenas escolas, o que contribuiu para que a IELB aprendesse a cantar muito.Sobre este aspecto diz Carlos Fürstenau que “geralmente era cantado o mes-mo hino durante um mês”, com o objetivo de memorizá-lo. Ele diz mais:“antigamente se cantava muito nas escolas”. E, na sua opinião, “muitos doshinos hoje conhecidos na igreja foram aprendidos nas escolas paroquiais”.30

Henriqueta Rosa Fernandes Braga registra este aspecto, quando fala da vidadevocional no Instituto Santíssima Trindade de Moreira e diz que “no orfanato,os hinos sacros acompanham diariamente as crianças”. Ela diz também:

Após o café da manhã, antes que se dispersem... reúnem-se emfamília para o culto doméstico, no qual não faltam os cânticos. O[hino] da abertura é chamado de hino da semana porque se mantémo mesmo pelo espaço de sete dias a fim de que todos possam aprendê-lo e decorá-lo, havendo grande preocupação em que seja claramentecompreendido o espírito da letra. Desta maneira as crianças adqui-rem, sem muito esforço, um rico cabedal de textos e melodias.31

Nota-se que havia um grande interesse pelo ensino da música sacra nasnossas escolas, principalmente no aprendizado de hinos. Preocupado com aimportância da música na escola foi que Wadewitz escreveu um artigo ondeincentiva o cantar de hinos nas escolas porque “a palavra de Cristo opera nocoração das crianças através dos hinos” .32 Vê também um aspecto instru-

27 Walter O. Steyer, Imigrantes alemães no Rio Grande do Sul e o Luteranismo (Porto Alegre:Singulart, 1999), p. 36.

28 Warth, op. cit., 256.29 Steyer, op. cit., p. 41, 88, 90, 91.30 Carlos Fürstenau, em Entrevista não publicada. Além de ter recebido sua formação básica em

escola da IELB, formou-se professor pelo Seminário Concórdia em 1941.31 Braga, op. cit., p. 215.

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tivo no cantar de hinos: “criança que canta não briga; e, cantando hinos,estará louvando a Deus. O ambiente todo duma escola pode mudar pelosimples canto de um hino”. Nota-se, porém, que ao escrever este artigo, oque Wadewitz mais almejava é que os hinos fossem aprendidos na escolapara serem aproveitados nos cultos. Na sua opinião, o canto congregacionaldeveria começar na escola paroquial. Por isso chama a escola de “van-guarda da música, dos hinos e da liturgia”.33

1.4 A MÚSICA CORAL

Na história da música da IELB, o que sempre teve lugar privilegiado foio coro. A maioria das congregações teve algum tipo de trabalho coral. Ogrande interesse por eles pode estar vinculado ao germanismo e à própriahistória do luteranismo, que estão fortemente ligados à música coral. Daí écompreensível que o coral faça parte da nossa história.

Um dos primeiros registros de uma apresentação de coral na história daIELB é de 1908 pelo coral da congregação Cristo de Porto Alegre, que“apresentou um belo concerto por ocasião da 4ª Convenção Nacional”.34

A atuação mais significativa de um coral na história da IELB é a do CoralLuterano de Porto Alegre. Ele surgiu em 1956 como “Orfeão Juvenil Luterano”formado por jovens da uniões juvenis da IELB de Porto Alegre, sob a regênciado então estudante do Seminário Concórdia, Hans-Gerhard Rottmann. Em1960 a 36ª Convenção Nacional da IELB o transformou em coro oficial daigreja sob o nome de “Coral Luterano”. O coral gravou vários discos, cuja maiorparte eram hinos do Hinário Luterano, que contribuíram para que as congre-gações aprendessem a cantar os hinos deste hinário. Foram também diversasas excursões pelo sul do Brasil. O coral também participou em diversos festi-vais nacionais e internacionais de coros, sempre se classificando entre os finalistas.Possuía um vasto e variado repertório, desde músicas simples até obras degrandes compositores, algumas inéditas no país. Merecem destaque os cultos“Cantate” realizados anualmente em Porto Alegre, que era certamente um dosmaiores eventos sacros da capital gaúcha. Durante muitos anos, o Coral Luteranofoi um dos mais respeitados e prestigiados corais na grande Porto Alegre.35

Outro coral de grande expressão na história da IELB é o coral do Semi-nário Concórdia. Ele surgiu em 1940, sob a direção de Werner K. Wadewitz,integrado pelos alunos do Seminário. Inicialmente era conhecido como “Coro

32 Werner Karl Wadewitz, “A Importância da Música na Igreja e Na Escola”, Igreja Luterana,Porto Alegre, v. 19, (5) (1958): 195-206.

33 Id., p. 199, 200, 203, 204, 206.34 Warth, op. cit., p. 237.35 Hans G. Rottmann, “Vinte e Cinco Anos do Coral Luterano”, Mensageiro Luterano, Porto

Alegre, (Janeiro 1982): 9-13.

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Radiofônico”, pois “gravava hinos luteranos em discos que eram usados nasdiversas irradiações”36 dos programas da Hora Luterana. Wadewitz falada função do coro na igreja e incentiva as congregações a formarem corais,tendo “em vista o bem da igreja, servindo assim ao Senhor em adoração elouvor”.37 Isso demonstra que o coral tem, desde o início, um lugar assegu-rado na IELB. Qual é função dele na história e objetivos da igreja?

Primeiramente quer se ver o coro inserido no culto. Por isso incentiva-se uma unidade na linguagem do culto. O coro não pode destoar desta uni-dade. Pietzsch diz que esta unidade do culto “é salutar para um melhoraproveitamento e retenção da mensagem por parte da congregação”. Dizainda que “por isso o coral sempre deveria estar inserido nesta unidade e ostextos de suas músicas deveriam estar relacionados com a mensagem cen-tral”.38 Wadewitz salienta que “o hino do coro deve combinar com o espíri-to do culto do dia. Não se canta um hino só porque o coro o conhece e osabe cantar, para servir à congregação meramente um prato musical e ar-tístico”.39 Estando inserido nesta unidade, o principal objetivo do coral nahistória da IELB é o de ensinar, ensaiar, conduzir e estimular o cantocongregacional. Não se quer um coral apenas para fazer apresentações.Esta linha de pensamento transparece em vários escritos. Segundo Rottmann,

O coro, sendo parte integrante da comunidade, deve dirigir a mes-ma no louvor. Deve o coro saber que sua função não é somente deembelezar fazendo com que a congregação seja mera platéia. Não éum concerto que o coro dá no culto. O cantar do coro é dirigido aDeus em primeiro lugar e quer fazer com que toda congregação tam-bém participe deste louvor. O coro deve ser o elemento vivo a condu-zir todo cantar da comunidade, tanto nos hinos como na liturgia. É ocoro que zela pelo cantar correto...40

Rottmann afirma também que “na congregação em que o coro realmen-te cumpre sua tarefa encontraremos uma comunidade que canta com ale-gria contagiante”.41 Blum, ao falar da implantação do novo hinário, diz: “Sea congregação tiver um coral, este deverá exercer sua função de líder no

36 Warth, op. cit. p. 226, 228.37Werner K. Wadewitz, “O Coro da Igreja”, Igreja Luterana, Porto Alegre, v. 5 (Setembro –

Outubro 1944): 149-152.38 Paulo Gerhard Pietzsch, “A importância da música no culto divino”, Igreja Luterana , São

Leopoldo, v. 58, n. 1 (Junho 1999): 55.39 Wadewitz, “O coro da igreja”, op. cit., p. 150.40 Hans Gerhardt Rottmann, “O coro da congregação”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre

(Dezembro 1980): 10.41 Ibid.

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canto congregacional”.42 Também Wadewitz vê este como objetivo do co-ral: “Vêm João e Pedro, vêm Alma e Luísa. Forma-se o coro. Verdadeira-mente um coro misto para iniciar o trabalho. Que fazer? Primeiro cantar àuma voz hinos do hinário, os hinos do próximo culto, para os membros docoro poderem guiar e orientar o canto, para que não seja necessário o pas-tor enrouquecer antes do sermão por gritar alto os hinos”.43

De fato, muitos dos hinos hoje cantados na IELB o são porque algumcoral os ensaiou antes. Além disso, muitas congregações perderam o medode cantar porque um grupo coral serviu de apoio e estímulo. Daí a suaimportância. Justamente a opinião de que “toda congregação, por menorque seja, deve procurar organizar o seu coro”.44

2. A FILOSOFIA COM RELAÇÃO À MÚSICA SACRA

Como se pensou e se compreendeu a música sacra na história da IELB?Qual é o lugar que ela ocupa como meio de propagação do que a IELBensina? É certo que nunca houve nela uma filosofia de música estabelecida.No entanto, aquilo que se escreve sobre música e hinódia da igreja, eviden-cia a sua posição.

2.1 A MÚSICA COMO ARTE

A música sacra é um lago que não tem um fim em si mesmo; é antesuma vertente de fluxo circular. Ela serve tanto para conduzir a mensagemde Deus ao povo como levar a resposta do povo a Deus. Por isso ela temservido para embelezar, dar brilho e enriquecer o culto divino. Ela é vistacomo expressão viva da fé cristã, que responde de forma criativa ao Senhorque ama seu povo. “Quando pensamos em música sacra, podemos dizerque ela é arte que brota da cruz e é levada até a cruz”.45 Ou, então, “é porintermédio da música que se pode melhor expressar o júbilo perante Deus erender-lhe graças. A palavra revestida de música impressiona mais...”46

Pode-se dizer que “o nosso cantar é uma resposta da fé ao amor de Deus.Daí não é possível que os cristãos cantem tristes lamúrias ao Senhor quetanto os amou”.47 Ao se fazer referência à milagrosa travessia do povo deIsrael pelo Mar Vermelho e o conseqüente Cântico de Moisés, pode-seafirmar que:

42 Raul Blum, “Implantação do Novo Hinário”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Julho1987): 30.

43 Wadewitz, “O coro na igreja” op. cit., p. 151.44 Rottmann, “O coro da congregação”, op. cit., p. 10.45 Pietzsch, op. cit., p. 43.46 Wadewitz, “A importância da música na igreja e na escola”, op. cit., p. 200.47 Karnopp, “Música e adoração”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Junho 1998): 18.

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É certo que nós não vemos um mar aberto para passarmos, mastemos diante de nós um milagre maior. Por meio da morte e ressur-reição de Cristo, Deus realizou a maior de todas as obras, abrindo-nos a passagem pela porta do céu, para a bem-aventurada vida eter-na. Isso é motivo para cantarmos com fervorosa alegria. A música éumas das formas mais brilhantes e criativas de adorar a Deus porcausa do seu grande amor. Por Deus ter feito tão grande benefíciopor nós, façamos da nossa música uma alegre adoração... Nossocantar precisa ser um fervoroso testemunho para o mundo, de queestamos certos de que Deus triunfou gloriosamente no meio de nós.48

Por estas opiniões, vemos que a música na IELB é uma arte que enri-quece o culto.

2.2. A CONFESSIONALIDADE NA MÚSICA

A IELB, desde o seu início, tem uma forte característica confessional. Issosignifica que ela adota documentos oficiais como exposição correta da SagradaEscritura os quais estão reunidos no Livro de Concórdia49. Tais documentosexpressam a doutrina que ela confessa e ensina. E a música não foge disso. Opróprio regimento da IELB compromete seus pastores e congregações a “usarformas cúlticas, hinos... que estejam de acordo com a Escritura Sagrada e asConfissões Luteranas.”50 A IELB tem registrado na sua história um grandecuidado quanto ao conteúdo doutrinário dos hinos, para que eles sejam umaforma correta de proclamação e defesa da doutrina pura. Em outras palavras,aquilo que se canta, deve estar coerente com o que se prega. Essa preocupa-ção está clara em vários escritos. Blum, ao falar do pastor como responsávelpela escolha dos hinos a serem cantados pela congregação, afirma:

Quanta asneira doutrinária muitas vezes é dita através de hinosprovindos das mais diversas fontes. E nós os consumimos às vezesaté dentro do culto. Acha-se um hino fácil e bonito para o coral e porisso ele é cantado, esquecendo-se de olhá-lo em seu conteúdo doutri-nário. Encontra-se um hino vibrante para os jovens e engraçadinhopara as crianças e não raras vezes menospreza-se o estrago doutri-nário que ele vai incutir na mente de crianças e jovens ...51

48 Id., “O Cântico de Moisés, um exemplo de adoração”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre(Agosto 1998): 18.

49 LIVRO DE CONCÓRDIA. Arnaldo Schüler, trad. (Porto Alegre/São Leopoldo: Concór-dia/Sinodal, 1980).

50 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL: Estatutos, Regimento e Código de Ética(Porto Alegre: Diretoria Nacional, 2002), p. 48, 56.

51Raul Blum, “O pastor Como Líder do Canto na Congregação”, Vox Concordiana: SuplementoTeológico, São Paulo (Ano 1, n.º 2, 1985): 9.

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A Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da IELB emitiu um pare-cer oficial da IELB em relação ao hinário Louvai ao Senhor, editado porum Conselho Distrital. O documento alerta: “Verifica-se no cancioneiro apresença de elementos que comprometem a doutrina pura segundo a Bíbliae as confissões luteranas. Tal fato, portanto, impede que congregaçõesluteranas entoem cânticos em desacordo com aquilo que confessam”.52

A responsabilidade com a teologia luterana nos hinos também é preocu-pação de Pietzsch quando diz: “... não basta o hino ser bonito e agradável aoouvido... O cuidado com a pureza doutrinária é fundamental, pois através docantar o Evangelho deve ser anunciado. Cuidado com os famosos hinos deapelo à fé, ou que meramente descrevem experiências particulares, ou ain-da, que confundem Lei e Evangelho”.53

Um comentário sobre a música jovem na IELB na década de 80 resumea preocupação da IELB quanto à questão doutrinária dos hinos:

Apesar disso, no entanto, ainda são relativamente poucas as músi-cas encontradas neste hinário jovem citado [Todos os Povos o Lou-vem]. Isto faz com que algumas uniões juvenis recorram a músicasde outras denominações cristãs, utilizando estas músicasfreqüentemente em suas reuniões ou até mesmo publicando seus hi-nários locais com tais músicas sem terem submetido as tais cançõesa qualquer supervisão teológica de seus pastores. Isto vem a consti-tuir-se num risco bastante grande para aqueles jovens e cristãos emgeral que cantam as músicas sem prestar atenção na teologia envol-vida nas mensagens destas músicas.54

Muito antes destas afirmações terem sido emitidas, Hasse já chamava aatenção para uma maior valorização do conteúdo doutrinário dos hinos. Dizele que, “por nossos hinos serem substancialmente doutrinários”, precisa-mos nos apegar a eles “com quase o mesmo ardor com que nos apegamosà pureza evangélica”. Mais adiante, ao comentar sobre o sentimentalismoem torno do sermão e dos hinos, declara: “Não é o gosto, mas a necessidadeda congregação que deve decidir a escolha tanto do sermão como do hino”.

E finaliza: “Não percamos tempo no templo agradando aos sentidos, masfalando à alma com os nossos hinos“.55

52 COMISSÃO DE TEOLOGIA E RELAÇÕES ECLESIAIS, “Parecer quanto ao hinárioLouvai ao Senhor”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Abril 1992): 31.

53 Pietzsch, op. cit. p. 56.54 COMO VAI A MÚSICA NA IELB, Vox Concordiana, São Paulo (Ano 8, n.2, l989): 3.55 Hasse, op. cit., (Março Abril (3, 4). 1961): 25.

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Esta profundidade teológica, doutrinária e confessional o próprio Hiná-rio Luterano a demonstra. Seus hinos são profundos na pregação da Lei deDeus sobre o pecado. Também são muito claros na pregação do Evange-lho, da graça e amor de Deus ao pecador. Sua linguagem clara e acessívelé também altamente cristocêntrica.56

Assim pode-se ver que o conteúdo da letra está acima do valor da músi-ca e dos ritmos. Isso está claro no conceito de música na IELB, comopodemos ver no comentário de um grupo musical ao destacar que a músicaé o condutor da mensagem e o captador da atenção do ouvinte; mas éatravés da mensagem dela que o Espírito Santo age, porque o ouvinte cap-tou a palavra de Cristo pregada por meio da música.57

2. 3 A BUSCA PELO APERFEIÇOAMENTO

Pelas declarações, nota-se que há consciência, na IELB, do quanto seushinos devem primar pela profundidade teológica e doutrinária. Em funçãodisso, tem havido incentivo no sentido de que as congregações aprendambem e cantem com alegria os hinos e a liturgia e aprendam conhecer novoshinos e novos ritmos.58 Ou seja, o rico conteúdo teológico dos hinos precisaser valorizado e não pode ser mal cantado. Pois, “se Deus nos deu formatão bela e rica para louvá-lo, precisamos lhe oferecer o que temos de me-lhor em música e de forma abundante”.59 Da mesma forma se pergunta:

56 David Karnopp, “O Índice Remissivo do Hinário Luterano”, Igreja Luterana, São Leopoldo(Nov. 1996): 186-208, revela o quanto o nome de Cristo e sua obra estão presentes no hinário.Destaco dois exemplos que mostram esta clareza e profundidade. O primeiro é a quarta estrofedo hino 535 do Hinário Luterano, que fala em palavras claras da Lei de Deus, que condena opecado.

Mas ai daquele que tiver a Cristo desprezadoem vida sempre só houver riquezas ajuntado!Jamais subsistirá em paz, devendo então com Satanássofrer no inferno horrendo.O segundo exemplo é a primeira estrofe do hino 292 do Hinário Luterano, que mostra commuita clareza o consolo que a graça de Cristo traz ao que crê:Sou cordeiro de Jesus, e a alegria em mim reluz,pois o meu Pastor querido tem-me sempre concedidosua graça e seu favor, e me chama com amor.

57 “Grupo musical Centelhas. Sua música e Cristo caminham juntos?”, Vox Concordiana SãoPaulo, v. 8 (l989): 5.

58 Veja por exemplo Martinho Krebs, “Música Sacra”, In: Lar Cristão (Porto Porto Alegre:Concórdia Editora, 1986), p. 62-71; Hans Gerhardt Rottmann, “O coro da congregação”, op.cit., p. 10; Raul Blum “O pastor Como Líder do Canto na Congregação”, op. cit., p. 9.

59 David Karnopp “Música e adoração”, op. cit., p. 18.

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“Se a IELB possui o conteúdo da Palavra de Deus e se fora dela existemritmos agradáveis, por que não unir o útil e o agradável?”60

E cantar bem e com alegria não surge do nada. Este é um aspecto querequer treinamento nas congregações. Este treinamento começa por umaboa formação musical dos ministros61, que não são vistos como os únicosmúsicos, mas como responsáveis por toda parte musical na congregação.Por isso tem havido um grande esforço pelo aperfeiçoamento dos músicosexistentes, bem como pela formação de novos. Uma das primeiras tentati-vas de aperfeiçoamento musical, em nível nacional na IELB, foi o “Cursode Regência e Órgão”, voltado para pastores e leigos, cujo objetivo era“dinamizar e reavivar o canto e a música nas congregações”.62

Mas a prova mais concreta por um aperfeiçoamento musical está no“Mutirão pela música na IELB” e no “Curso de diaconia em música”. O“Mutirão pela música” foi um projeto lançado em 1996 que atingiu 10 regi-ões do Brasil. Sua meta: “em cada congregação da IELB pelo menos ummúsico habilitado”.63 O projeto, dirigido por pessoas da própria região, foiexecutado durante três anos. O crescimento musical que ele trouxe para aIELB foi que despertou novos músicos e aperfeiçoou os que já existiam. O“curso de diaconia em música” é promovido anualmente pelo Instituto Con-córdia de São Paulo. No conceito de música sacra da IELB, o aperfeiçoa-mento musical é uma preocupação constante.64 Nesse sentido, beneficiadoé o próprio povo de Deus:

O canto da congregação precisa ser treinado e estimulado. Umhino mal cantado pode aborrecer e desestimular as pessoas a partici-parem do culto, enquanto que um hino e uma liturgia bem cantadossão estimulantes e conduzem as pessoas a buscarem, no contato coma palavra e sacramentos, maior comunhão com Deus. Se as congre-

60 Id., “Ainda somos a igreja que canta?”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Fevereiro e Março1997): 10.

61 A preocupação com a formação musical de qualidade dos futuros pastores da IELB estáexpresso no documento emitido pela COMISSÃO DE MÚSICA E ARTE SACRA da IELB,“Ensino de música em nossas escolas pré-teológicas” de junho de 1982. Neste documento, acomissão propõe as regras que deveriam reger a formação musical dos pastores. Estas regrasestabelecem a carga horária mínima, os tipos e a quantidade de instrumentos a serem ensinadose que os professores contratados tivessem igualmente boa formação musical.

62 Há registros de dois cursos, um em Janeiro de 1981 no Seminário Concórdia de Porto Alegre eoutro em Janeiro de 1982 no Instituto Concórdia de São Leopoldo, cada um com uma semana deduração. Cf. Judith D. Thomé, “Cursos de regência e órgão”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre(Maio 1881): 7. Veja também Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Março/Abril 1982): 23.

63 Raul Blum, “Mutirão pela música na IELB”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Fevereiro/Março 1996): 6.

64 Id., “O pastor Como Líder do Canto na Congregação”, op. cit., p. 9.

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gações forem estimuladas a louvarem a Deus de uma forma alegre ebonita, e se forem ensaiadas desta forma, normalmente, elas cantammuito bem.65

2.4 A DIMENSÃO MISSIONÁRIA NA MÚSICA SACRA

No conceito de música sacra na IELB, um aspecto que não aparececom muita freqüência nos escritos é a música como meio da missão deDeus. Como vimos, o aspecto confessional e doutrinário nos hinos aparececom muita clareza. E isso por si só os torna evangelísticos. Fala-se muito doconteúdo da música como meio de pregação e instrução nas congregaçõese como meio de comunhão com Deus. Mas em se tratando da música comomeio de evangelização, temos falado menos e as palavras não têm sido tãoclaras. O próprio autor deste trabalho publicou uma palestra na revista VoxConcordiana com o título: “O testemunho da fé através da música”66. Estetrabalho destaca a relevância da música na igreja, mas não é muito claro aofalar da música como meio de evangelização.

Um exemplo mais claro é do Coral Luterano de Porto Alegre. Uma dasintegrantes do coral diz que um dos objetivos do coral era “anunciar o evan-gelho através do canto”. Ela relata também de uma excursão do coral pelosul do Brasil e comenta as oportunidades que o coral teve de testemunhar afé. E, com muito entusiasmo, comenta a respeito do motorista do ônibus daexcursão, que “teve um encontro com Cristo” por causa do testemunho docoral. E conclui: “se a excursão não tivesse dado nenhuma outra satisfação,só este depoimento do novo amigo valeria por todo esforço que a excursãoexigiu”.67 O maestro do Coral Luterano, ao falar dos 20 anos de atividadedo coral e do lançamento de um novo disco, destaca o evangelismo comoum dos objetivos: “difundir cada vez mais o evangelho pela música”68.

Outro exemplo é do conjunto musical Centelhas, de São Paulo, que dizque escolheu o evangelismo como objetivo para tornar suas músicas “emveículo para a proclamação da palavra de Deus”. Com este objetivo emmente, o grupo pergunta ao leitor: “por meio daquilo que cantamos estamosrealmente tendo em vista a salvação de nosso semelhante pela mensagemde Cristo em nossa música?”69 Este talvez seja o exemplo mais claro edireto sobre o assunto na história da IELB.

65 Erni Walter Seibert, Congregação Cristã: Enfoques Teológicos e Práticos, (São Paulo: EST, 1988),p. 58.

66 David Karnopp, “O Testemunho da fé através da música”, Vox Concordiana: SuplementoTeológico, São Paulo, v. 9, (1993): 63-69.

67 Norma Schoen, “Coral Luterano”, Mensageiro Luterano, Porto Alegre (Abril 1979): 6.68 Hans Gerhard Rottmann, “A Igreja Canta Louvores a Deus”, Mensageiro Luterano, Porto

Alegre (Janeiro/ Fevereiro 1980): 72.69 Grupo musical Centelhas, op. cit., p. 6.

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Os nossos hinários também não possuem muitos hinos que falem sobre oassunto. No entanto, quando o fazem, falam com muita clareza e convic-ção. Todos os nossos hinários, sem exceção, mesmo que poucos, têm hinosque nos chamam ao compromisso da evangelização do mundo. Destaca-mos dois exemplos.70 O primeiro é a primeira estrofe do hino 79 do hináriopara as crianças Cânticos de Louvor:

Ide já! É ordem de Jesus: Contar a todas as naçõesque andando vão, sem luz, a Boa Nova de perdão,que traz a paz ao coração. Oh quem quer ir?Oh quem quer ir?

O Hinário Luterano também não possui muitos hinos que chamam aoevangelismo. Mas quando fala sobre o assunto, fala com clareza. Talvez oexemplo mais evidente seja a terceira estrofe do hino 330, que faz umapergunta inquietante:

E nós que conhecemos brilhante luz da fé,nas trevas deixaremos aquele que não crê?Sem mais demora vamos falar-lhe do perdãoque por Jesus gozamos: a eterna salvação.

CONCLUSÃO

Conhecer a fundo a função da música na história da IELB ainda é umdesafio a ser vencido. Certamente uma pesquisa mais abrangente revelaráaspectos ainda não conhecidos desta função. Neste trabalho apenas mepropus a resgatar alguns fatos dessa história. Que eles possam nos ajudar aabraçar, com mais firmeza, os desafios que, nesta área, se avizinham.

70 Além destes, outros exemplos podem ser os seguintes: Hinário Luterano: 68.3; 83,3; 304.4;316; 324-333; 469.3. Louvai ao Senhor 16-18; 21, 146, 153. Todos os Povos o Louvem: 42, 68.

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Edgar Züge*

MOVIMENTO G-12 - O QUE É?

INTRODUÇÃO

Todas as vezes em que nos deparamos com algo novo em termos deteologia vêm-nos à mente alguns questionamentos: Isto vem de Deus ou éfruto da imaginação humana pós-queda? O ser humano tem direito de, emnome de uma liberdade absoluta, produzir sua própria teologia? Pergunta-mos isto tendo em vista que não há nada mais antidemocrático, nada maispoliticamente incorreto – para falar em linguagem atual - do que a revela-ção de Deus. Sim, esta revelação nos é imposta, vem de fora, não nospergunta se a queremos ou se concordamos com ela; simplesmente sabe-mos que ela é a melhor coisa que nos pode suceder. A questão se complicaquando vêm a nós outras revelações, não de Deus, mas de um pretensodeus, o pai da mentira, Satanás. Este se vale da mente humana orgulhosapara difundir a sua “teologia”. Todas estas coisas nos vem à mente ao olhar-mos para uma das mais novas coqueluches do meio evangélico latino-ame-ricano, o Movimento G-12, grupos de 12, sonho de alguém. Temos algo aaprender com o movimento? Ou ele nos serve de alerta?

A formação de grupos para estudo da Palavra de Deus dentro das igre-jas não é nenhuma novidade. Grupos por afinidade surgem ao natural. For-mam-se grupos por faixa etária, sexo, profissão, parentesco, etc. Não hánada de errado com eles em princípio. Mas tornam- se danosos quandocomeçam a semear discórdias, difamações, doutrinas falsas, ou quando setornam igrejinhas dentro da Igreja.

Por vezes surgem grupos com características sectárias, como por exemplo,a lei do silêncio. Pessoas são convidadas a participar de um determinadoencontro sem poder saber previamente o que vai acontecer, sem poder secomunicar com o mundo exterior durante o encontro e sem poder divulgarposteriormente o que aconteceu. Pode ser apenas uma técnica. Toda técni-ca é moralmente neutra; mas também pode haver uma preparação psicoló-

* Rev. Edgar Züge é pastor da Comunidade Evangélica Luterana São Lucas, em Porto Alegre, RS.

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gica, uma coação mental, para se levar os iniciantes aonde se quiser. Osprofetas, apóstolos e o próprio Cristo não agiam assim.

Nos últimos anos surgiu um novo movimento nas igrejas evangélicaslatino-americanas, o G-12. Este movimento está presente em muitas dasigrejas em células. O que caracteriza o G-12, como diz o próprio nome, éque cada grupo ou célula é de 12 pessoas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O G-12A visão dos 12 foi criada em 1991, em Bogotá, na Colômbia, pelo pastor

César Castellanos Dominguez, autor de Sonha e Ganharás o Mundo,líder da Missão Carismática Internacional (MCI). Baseado em um métodode multiplicação que usa este número por base, o sistema é uma adaptaçãodo antigo modelo de igrejas celulares, inspirado no trabalho desenvolvido hámais de 15 anos pelo pastor David Young Cho, líder da Full Gospel Church,na Coréia do Sul, considerada a maior igreja evangélica do mundo, commais de 600 mil membros. Diante da quantidade de fiéis, a liderança daque-le ministério decidiu que a única maneira viável de promover a comunhão eo discipulado do imenso rebanho era estimular a formação de grupos fami-liares, onde os crentes pudessem compartilhar suas experiências, estudar aPalavra, orar e evangelizar.

Há os que querem separar o G-12 da igreja organizada em células. Masnão há como fazê-lo, visto que o próprio fundador declara: “A colheita sópoderá ser alcançada por aquelas igrejas que tenham entrado na visão celu-lar. Não há alternativa: a igreja celular é a igreja do século XXI.”1

No G-12 cada líder de grupo forma um grupo de líderes até chegar em12. Então acontece o desmembramento. É um sistema exponencial. Gruposnas igrejas sempre houve. A novidade do movimento fica por conta dosencontros que são secretos, não abertos ao público. O comentário que maisse ouve da boca de quem já participou de um é que “o encontro é tremen-do”.2 No Brasil os dois maiores líderes são a pastora Valnice Milhomens,autora de Plano Estratégico para a Redenção da Nação, e o pastorRenê Terra Nova, autor de Manual do Encontro.

O G-12 tem uma série de práticas antibíblicas relacionadas à quebra demaldições hereditárias, êxtase espiritual, extremo criticismo em relação àigreja tradicional, ênfase demasiada no número 12, que tem função mágica,tentativa de ser o único modelo detentor da verdade, ocultismo, regressão etécnicas de hipnose para a cura da alma.

1 Citado por Larry Stockstill, A Igreja em Células (Belo Horizonte: Editora Betânia, 2000), p. 110.Cf. também Paulo Cesar Lima, O que está por trás do G-12, 5. ed. (Rio de Janeiro: CasaPublicadora das Assembléias de Deus, 2001), p. 33.

2 Carlos Fernandes e Francisco Beltrão, “Revolução ou Heresia” Eclesia 5 57) (Agosto 2000): 19.

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Um dos pontos mais importantes é a unção espiritual, chamada de “un-ção de Toronto”, assim denominada por ter sido difundida pela ComunidadeCristã do Aeroporto de Toronto, no Canadá. Trata-se de uma espécie deêxtase espiritual, cuja manifestação mais visível é a queda no chão após aoração. Outras manifestações são a unção do riso, o milagre do dente deouro e a imitação de animais. A “visão” dos iniciados também merece des-taque. As pessoas têm que ter a visão de que este método dos 12 vem deDeus para a Igreja.

O G-12 PASSO A PASSO

1. Pré-encontro: Quatro palestras preparatórias para o encontro de trêsdias. Os temas são: salvação, cruz, oração e Bíblia. Nesta fase o novoconvertido recebe orientação sobre a Igreja, o senhorio de Cristo, mor-domia e batismo. Em princípio não vemos nada de errado em estudarestes temas. Pelo contrário. Os cristãos deveriam estudá-los muito mais,também na IELB.

2. Encontro: Uma espécie de retiro espiritual, de três dias, onde a pessoarecebe ministração nas áreas de segurança de salvação, arrependimento,libertação, cura interior, e a “escada do sucesso”, espécie de processo decrescimento espiritual. Geralmente os participantes são novos converti-dos oriundos do trabalho nas células e não antigos membros da igreja.Neste ponto vemos vários problemas. Os encontros são meio secretos,com técnicas de manipulação mental e temas que fazem a pessoa duvi-dar de sua fé anterior, como se só agora ela tivesse recebido a salvação.A ênfase carismática é muito grande. Sabemos que a segurança da sal-vação não depende de nosso grau de sentimento, mas da objetividade daspromessas de Deus. Notem que a “escada do sucesso” também é alta-mente problemática, levando a pessoa ao farisaísmo ou ao desespero. Epor que tal trabalho é mais direcionado aos recém membros e não aosantigos? Obviamente porque os neófitos são presas mais fáceis.

3. Pós-encontro: Quatro palestras para consolidação do que foi aprendi-do no encontro. Essa ocasião é o momento de sacramentar o que foi“ensinado”.

4. Escolas de líderes: Curso de formação de liderança ministrado nas igre-jas, com o objetivo de preparar dirigentes de células e de grupos de 12.

5. Envio: É a execução do ministério. Após a consolidação da célula, olíder começa a formar seu grupo de 12. Uma vez estruturado este gru-po, o líder estimula cada um a formar seu próprio grupo de 12. Surgeentão o líder de 144 e assim por diante.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DO G-12O assunto é explosivo mesmo. Conforme um pastor nos relatou, muitas

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igrejas evangélicas já se dividiram no sudeste e nordeste brasileiro, princi-palmente na Bahia.

O material que segue é extraído e adaptado do livro “O que está por trásdo G-12”, de Paulo César Lima, editado em 2000 pela CPAD.

As pessoas facilmente embarcam em “novas doutrinas” por puro desco-nhecimento da palavra de Deus, pura ignorância espiritual. Pode-se detec-tar pelo menos seis grandes problemas nas igrejas que adotaram o G-12 noBrasil.

1. Empirismo. A palavra originalmente significa “experiência”. Dá-se maisvalor à experiência do que ao ensino, destronando-se a autoridade finalda Bíblia. Concordamos com o autor pois aponto o erro de todos aque-les que defendem uma total liberdade teológica que está mais para“ichtheologie”, teologia do eu, do que para revelação de Deus.

2. Pragmatismo. De “pragma”, que em grego refere-se a assuntos davida prática. A práxis cristã tende tão-só para o funcional, resultandona quase total ausência de reflexão. Aqui queremos observar que mui-tas vezes pessoas defendem algo como correto só porque “funciona”.Realmente o caminho da doutrina falsa e da perdição é altamente “fun-cional”.

3. Ativismo. Solapa-se a verdadeira comunhão cristã, pois a ênfase recaitoda sobre a “obra de Deus” a ser feita, tanto é que se esquece doDeus da obra. Muito interessante esta observação do autor. Dá o quepensar. E, quem sabe, até rever nossa agenda.

4. Utilitarismo. Os valores espirituais são tratados como produtosdescartáveis. A cada culto devem ser criadas novas receitas de auto-ajuda para a solução dos problemas das pessoas. Procura-se a paz emvez do Deus da paz. Procura-se um Deus quebra-galho. Deus passa aser previsível, é manipulado e domesticado por este sistema.

5. Instrumentalismo. Não é mais Deus que rege a vida do homem, mas ohomem que rege Deus. Este último fica em posição servil, fazendo tudoque o homem determinar. Há de se notar que isto é teologia da glóriaem detrimento da teologia da cruz.

6. Consumo do divino. Há uma “gula” por Deus, um convívio com Deusde forma consumista, que cria em pouco tempo pessoas insensíveis eapáticas em relação à sublimidade de Deus, perdendo-se o sabor dasua visitação na sua graça a nós.3

Aqueles que dizem ter uma visão para o futuro da Igreja sempre têmalgo em comum: arrogam-se donos de uma visão única para a restauração

3 Lima, op. cit., p. 26-28.

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do mundo. Seu projeto é “O projeto”, a grande solução para a Igreja. Comisto se ignora que cada um tem dons diferentes e vive numa realidade dife-rente, num mundo diferente. Cada um deve projetar levando isto em conta.

O G-12 confere ao número 12 um sentido mágico-espiritual que ele nãotem, mesmo que seja um dos números mais ricos em simbolismo na Bíblia;leva as pessoas a confessarem pecados passados, que já foram perdoados,solapando a doutrina da justificação pela graça, diminuindo o valor do sacri-fício único de Cristo; faz o crescimento da Igreja depender do método e dasforças humanas em detrimento da pessoa e obra do Espírito Santo; atribuiao diabo poderes que ele não tem, uma vez que ele foi derrotado na cruz;mede o sucesso pessoal pelo número de pessoas que entram na Igreja;ensina a “confissão positiva” (o “criar” pelo pronunciar da palavra); advogaa “teologia da prosperidade” (as pessoas mandam em Deus nas orações);e, finalmente, ameaça constantemente as pessoas com o fogo do inferno.

ANÁLISE DE ALGUMAS PRÁTICAS DO G-121. Mapeamento espiritual. São feitas 52 perguntas sobre o passado da

pessoa e familiares. Questão: Por que investigar o passado de alguémque já é “nova criatura”? (2Co 5.17). O objetivo só pede ser o dedesestabilizar a pessoa em sua fé e então poder dominá-la com o usodas informações adquiridas. É um verdadeiro “regime de terror espiri-tual”.

2. Regressão psicológica. A regressão só pode ser feita por profissio-nais preparados com fins terapêuticos, e isto com muito cuidado. Masno G-12 é feita por pessoas despreparadas, que fazem as mais absur-das acusações aos candidatos. Pergunta: Se “o sangue de Jesus, o Filhode Deus, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7), por que esta prática?Pessoas despreparadas podem causar os maiores danos psicológicos aalguém, isto sem falar dos danos espirituais.

3. Confissão regressiva e quebra de maldição. Primeiro se ministra aoque se confessou, deitado e aos gritos, sob luzes muito fortes. Depois sediz que há uma maldição hereditária, um vínculo sangüíneo a ser que-brado. Verdade é que existe o pecado original, mas o entendimento doG-12 é no sentido do filho ser castigado pelo pecado do pai ou avô,interpretando muito mal Êxodo 20.5 e 6. Ezequiel 18 deixa muito claroque a responsabilidade é pessoal, que os filhos não serão castigadospelos pais e nem vice-versa.

4. Sopro espiritual. Os participantes são constantemente soprados paracair no chão. É a prática do “cair no poder”, uma queda que é induzida

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pelo que ministra. Em muitas igreja se insiste nesta prática bizarra.Quando as pessoas se arrojavam aos pés de Jesus era por livre vonta-de, em extrema humildade.

5. Cura interior. O G-12 visa curar o interior da pessoa através do seusistema. Mas a verdadeira cura é Jesus quem realiza: “Se, pois, o Filhovos libertar, sois verdadeiramente livres.” (Jo 8.36.)

CONCLUSÃO

Um método é moralmente neutro; em princípio nem melhor e nem piordo que outro. Mas antes de se usar este ou aquele método, esta ou aquelatécnica, deve-se ver se não traz em seu bojo pressupostos antibíblicos, dou-trinas falsas, ideologias satânicas. É claro que devemos crescer muito maisna fé em Jesus Cristo, no conhecimento da Palavra de Deus e na prática doamor ao próximo. E Deus nos deu inteligência, dons a serem usados e de-senvolvidos diligentemente no seu Reino. Tudo isto pode ser feito sem seabdicar da verdade revelada por Deus, centrada na pessoa e obra meritóriade Jesus Cristo. O G-12, ou métodos similares, que tendem a fazer a Igrejacrescer pelo método em si e não pelo Espírito Santo - que age pela Palavrade Deus e Sacramentos, Batismo e Santa Ceia - , não podem ser usados pornós cristãos evangélico-luteranos, mesmo que temporária e aparentemente“funcionem”. Intensifiquemos nossos estudos bíblicos com os pressupostosconfessionais que a Reforma nos legou. Muitas vezes agimos com nossasconfissões na base do “não vi e não gostei”. Enquanto isso, o nosso povopode estar morrendo de inanição espiritual por pura falta de conhecimento.Deus nos ajude.

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Paulo G. Pietzsch*

A EUCARISTIA NAS ORIGENS

DO CULTO CRISTÃO

1.1 - INTRODUÇÃO

Discorrer a respeito da Eucaristia1 e de seu significado para a IgrejaCristã, sem levar em conta as origens do culto cristão, o que influenciou nasua estruturação e os séculos de desenvolvimento do mesmo, seria, no míni-mo, como erigir uma construção sem o devido fundamento. Por isso, o pri-meiro capítulo desta pesquisa estudará o contexto religioso, social e culturaldo povo judeu da época em que a Eucaristia foi instituída.

Falar das origens do culto cristão implica considerar os elementos e sé-culos de história do povo judeu que tiveram íntima relação com a estruturaçãoda liturgia cristã. O que os costumes, as refeições, o zelo pelo templo e asinagoga influenciaram na compreensão da Eucaristia e em toda a liturgiacristã, será assunto para a primeira parte do capítulo um.

A relevância e o sentido do evento que marca a origem e instituição daEucaristia serão apreciados a partir do relato da última ceia de Jesus comseus discípulos. Dar-se-á ênfase às palavras e às ações de Jesus naquelaceia que marca a instituição da Eucaristia. O que é herança do povo judeu equais os elementos novos na ceia também é assunto a ser estudado.

Como os primeiros cristãos celebravam a Eucaristia e qual era a estrutu-ra, compreensão e dimensão de seu culto é assunto a ser abordado natemática “O Partir do Pão na Igreja Primitiva”.

Ali serão apreciados os relatos de Atos dos Apóstolos e a experiência dePaulo com os Coríntios, desde a “ceia perfeita”, até a abordagem de proble-mas sérios relacionados com a Ceia do Senhor.

Finalmente, do período que vai do final do primeiro século até boa parte

* Prof. Paulo Gerhard Pietzsch é professor de Teologia Prática no Seminário Concórdia e na ULBRA.No Seminário ocupa também as funções de Regente do Coral, Coordenador de Estágio e Coordenadorde Atividades Cúlticas. Este estudo é uma síntese de sua dissertação de mestrado defendida em agostode 2002, no Instituto Ecumênico de Pós-graduação, São Leopoldo, RS.

1 Mesmo que no contexto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil este termo não seja utilizadocom freqüência, seu uso, tanto no título como ao longo deste trabalho, objetiva resgatarexatamente as ações de graças e, mais especificamente, a oração eucarística, ao culto dominical.

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do terceiro, serão estudados documentos que descrevem como e quando aEucaristia era celebrada, qual o seu significado, e o registro dos primeirosordos do culto eucarístico, que, em parte, permanecem até a atualidade.

1.2 - AS INFLUÊNCIAS JUDAICAS

1.2.1 - INTRODUÇÃO

Não é de se admirar que o culto cristão tenha sofrido forte influênciajudaica na sua forma, na sua estrutura e (também) na sua doutrina, pois ocristianismo “nasceu” em meio a um povo que guardava a Lei2 e os Profe-tas e que mantinha em suas tradições a freqüência ao templo com toda asua ênfase nos sacrifícios3. Do ofício da sinagoga, além da leitura públicadas Escrituras4 e subseqüente explicação (ver exemplo de Jesus em Lucas4.16-21), as orações de ação de graças judaicas se tornaram padrão para asorações eucarísticas, e eram, ao mesmo tempo, um credo e uma bendição.Também das refeições familiares o culto cristão e, mais especificamente, aEucaristia, receberam influências consideráveis5.

1.2.2 – A IMPORTÂNCIA DAS REFEIÇÕES

Nas religiões antigas, o comer e o beber eram elementos importantespara promover a união das pessoas entre si e a união das pessoas comDeus6. Tal é a sua importância, que no Antigo Testamento há referência aacordos seculares que foram concluídos com refeições, em que os envolvi-dos comprometiam-se, sob juramento, cumprir com a sua parte do acordo.Alianças entre Deus e seu povo, como é o caso do Sinai, igualmente foramseladas com uma refeição, que foi uma verdadeira festa religiosa7.

As refeições eram momentos especiais de comunhão e festa. Atravésdelas, muito se sabe da própria cultura e identidade do povo de Israel8.Nota-se, a partir destes exemplos, que a comida (e a bebida) não era ape-nas elemento para o sustento corporal, físico, mas, e acima de tudo, elemen-to de comunhão com Deus e com o semelhante.

2 Justo L. GONZALEZ, A Era dos Mártires, p. 18.3 James WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 175-176.4 Entendia-se nos primórdios “Escrituras” como a Lei de Moisés (Pentateuco) e os Profetas, cf.

Lc 16.29,31.5 WHITE, op. cit., p. 177.6 B. KLAPPERT , Ceia do Senhor, p. 398.7 Jürgen ROLOFF, Der Gottesdienst im Urchristentum..., p. 56, cita o exemplo de Êxodo 24.11,

em que o acordo com o Senhor foi ratificado com uma refeição. O mesmo é referido por SissiGeorg RIEFF, Diaconia e culto cristão nos primeiros séculos, p. 76 e Romeu Ruben MARTINI,Eucaristia e conflitos comunitários, p. 31-32 acrescenta ainda mais detalhes.

8 Gordon W. LATHROP, La Eucaristia em el Nuevo Testamento y su Marco Cultural, In :Diálogo entre culto y cultura, p. 69, diz que as comidas simbolizam e formam relações sociais,hierarquias, inclusões e exclusões. Para ele, a identidade nacional do povo de Israel é firmadae festejada em refeições comunitárias.

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O pão, elemento muito comum na vida do povo hebreu, representa o es-sencial para o corpo9, de modo que o mesmo passou a ser sinônimo de tudo oque era necessário para a preservação da vida10. O pão era visto como forti-ficante e sustento para as pessoas e símbolo de todas as dádivas de Deus, aponto de, quando aquele veio a faltar para o povo de Israel no deserto, Deuslhes enviou o Maná, o pão que veio do céu11. Em todas as refeições, o pãofigurava como elemento “insubstituível, especialmente para os pobres”12. Assimpode-se entender por que Jesus, fazendo referência à sua missão de salvar ahumanidade, diz: “Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome...”13,pois sabia que, tal como sem o pão (de trigo) o povo não tinha perspectivas devida, sem a Sua obra não haveria perspectivas de vida eterna 14.

Quase tão comum quanto o pão era o vinho na vida do povo hebreu15.Na Palestina, pão e vinho eram componentes básicos na alimentação doshebreus que deveriam fazer uma longa viagem ou enfrentar a guerra. Ovinho era também utilizado como remédio e alívio nas aflições e importanteno serviço de Deus16. John Davis destaca que na Palestina havia carênciade carne e vegetais e que o vinho ajudava a suprir estas faltas17.

Não causa, portanto, admiração que Jesus tenha consagrado, ou seja,

9 John D. DAVIS, Dicionário da Bíblia, p. 169.10 Gênesis 3.19 : “No suor do teu rosto comerás o teu pão” ; Mateus 6.11 e Lucas 11.3, Jesus

resume as necessidades da vida sob a expressão “o pão nosso de cada dia”.11 Christian STOCKS, Brot, p. 181, citando Êxodo 16.4 e 8, lembra como Deus supriu a falta de

pão e, em seguida menciona a grande bênção que foi para o povo, ao entrar na terra prometida,poder novamente “cultivar” o seu pão.

12 K. BERGER, Manna, Mehl und Sauerteig, p. 15 , Apud: Romeu Rubem MARTINI,“Eucaristia e Conflitos Comunitários”, p. 27-32, além de afirmar que pão [e vinho] é base daexistência do povo judeu, destaca que este também é símbolo das dádivas de Deus, fruto dotrabalho, meio de comunhão e motivo de conflito entre os povos antigos.

13 João 6.35 ; Oscar CULLMANN, Essays on the Lord’s Supper, p. 8-9; e Gordon LATHROP,La Eucaristía en el Nuevo Testamento y su Marco Cultural, p. 76-78, defendem a idéia de que estetexto e outros textos que fazem referência a refeições de Jesus deveriam ser interpretados comos olhos voltados para a Eucaristia. Cullmann, a celebração que a igreja fez de refeiçõesescatológicas têm raízes nas refeições que ocorriam na ocasião dos aparecimentos de Jesusdepois da Páscoa. Cullmann atribuía ao partir o pão após a Páscoa influência sobre a emergên-cia da Ceia do Senhor na Igreja Primitiva. Ver também E. LOHSE, Geschichte des Leidens undSterbens Jesu Christi, p. 57; J. JEREMIAS, The Eucharistic Words of Jesus, p. 106-110.

14 João 6.40.15 DAVIS, Dicionário da Bíblia, p. 619, o vinho é importante nas refeições judaicas, não sendo, no

entanto, elemento indispensável em cada refeição; Christian STOCKS, Sabbath, p. 868-876,em todo o sábado, festa sagrada de grande importância para a família judaica, o marido éresponsável pela bênção do vinho e é ele que corta o pão especial do Shabat.

16 MARTINI, op. cit., p. 28-29.17 DAVIS, op. cit., p. 619, o vinho também era sinal de hospitalidade para com os hóspedes e

elemento obrigatório nas festas particulares, cf. Gênesis 14.18 e João 2.3. No entanto, há quese registrar os cuidados que se devia ter para não incorrer na embriagues. Para neutralizar osefeitos perigosos do vinho, adicionava-se água, como se pode observar no modo de celebrar aPáscoa, em que os servos levavam uma vasilha com água usada nessa solenidade, cf. Mishna,Pesachim, 7.13;10.2,4,7. Seguindo este costume, a Igreja Primitiva misturava água com vinhonas celebrações eucarísticas, cf. Justino Mártir, Apol. 1.65.

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separado do uso comum para Deus, o pão e o vinho utilizados na última ceia,e que a Igreja Cristã tenha seguido a ordem de fazer isto em sua memória18,pois tais elementos, além de familiares ao povo, representavam sustento efonte de vida, símbolo de hospitalidade e fraternidade, alívio para a dor emotivo de alegria.

As refeições do povo judeu eram consideradas momentos sagrados19,um lugar santo20, pois, «toda comida devia ser tomada com ação de graças,e isto criava o sentimento de que toda a comida é tomada na presença [de]Deus» (tradução do autor)21. Diante disso, a ritualização22 se torna impor-tante, com regras detalhadas para a alimentação, e um grupo específico quedelas participa: a família ou um grupo de amigos23.

Dentre as refeições, destaca-se, primeiramente, o jantar do Shabat24,como refeição semanal de renovação25, que festejava as delícias do dia deSábado na contemplação das obras do Senhor26. Nesta refeição, como emqualquer outra, as mãos eram lavadas27, a esposa abençoava e acendia asvelas na mesa já posta e o marido era responsável pela bênção do vinho e ocortar do pão especial do Shabat28. As orações, como ação de graças, eram

18 Lucas 22.14-20 e 1 Coríntios 11.22-25.19 WHITE, op. cit., p. 177.20 LATHROP, Culto: Local y, no Obstante, Universal, p. 35.21 Id., La Eucaristia en el Nuevo Testamento y su marco cultural, In : Diálogo entre Culto y

Cultura, p. 72 : “Por cierto, toda comida debrá tomar-se com acción de gracias, y esto creabael sentimiento de que toda comida es tomada en presencia [sic] Dios” .

22 LATHROP, Culto: Local y, no obstante, universal, p. 35.23 WHITE, op. cit., p. 177.24 Wilhelm GESENIUS, Hebräisches und Aramaisches HandWörterbuch, p.736, traduz o termo

como “aufhören” (parar, concluir) ou “Arbeit aufhören” ( concluir o trabalho) e “Ruhen”(descansar).

25 Christian STOCKS, Sabbath, p. 869.26 John J. Davis, Dicionário da Bíblia, p. 520.27 LATHROP, La Eucaristia em el Nuevo Testamento, p. 70. Cf. John J. Davis, op. cit. p. 506, os

hebreus e os gregos, como os árabes, lavavam as mãos antes de comer porque geralmente haviasó um prato na mesa, onde todos metiam a mão. Este costume converteu-se em ritual que eraminuciosamente observado pelos fariseus no tempo de Jesus.

28 Alfred J. KOLATCH, O livro judaico dos porquês, p. 181-182: “Nos tempos talmúdicos, asvelas eram acesas em cada lar todas as noites da semana, com a finalidade prática de iluminara casa. Uma residência comum tinha dois quartos e, geralmente, uma vela acesa era transporta-da de um cômodo para outro, a fim de proporcionar a luz necessária. Mas na sexta-feira à noite,duas velas eram acesas, uma para cada quarto, porque era proibido transportar velas”. (...)“Outra explicação para o costume de acender as velas se baseia no livro de Ester (8.16), quedescreve que a vitória de Ester e Mardoqueu sobre Hemán foi celebrada com ‘luz e alegria’.Por isso em todas as ocasiões alegres, tais como Shabat, festas e casamentos, acendem-se velas”.(...) “Vários costumes surgiram ao longo dos séculos e eles diferem de comunidade paracomunidade e de família para família. Algumas pessoas acendem sete velas ou um candelabrode sete braços, correspondendo aos sete dias da semana ou à menorá de sete braços, que era apeça central do templo de Jerusalém. Em alguns lares, a mulher acende uma vela para cadamembro da família, inclusive aos netos. O Talmud encoraja este costume ao dizer que ‘amultiplicação das velas é uma bênção do Shabat’”. (...) “A obrigação principal, mas nãoexclusiva, pertence às mulheres.” Ver também Christian STOCKS, Op. cit., pp. 870-872.

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momento significativo durante esta refeição familiar29, sendo esta uma dasformas de santificação do Sábado30.

A Habûrah31, segundo Gregory Dix, era uma refeição bastante freqüen-te, podendo ser semanal (no início do sábado ou outro dia santo), na qual umgrupo privado ou sociedades informais reuniam-se para a devoção e a cari-dade e os seus participantes sempre contribuíam com provisões para a mes-ma32. Dix é da opinião de que a última ceia de Jesus era uma Habûrah,pelas semelhanças de ambas e pelo fato de Jesus e seus discípulos estaremacostumados a esta refeição33.

A Pesah, palavra hebraica que significa “passar por cima”, “saltar porcima”34, lembra que Deus é Redentor35. A festa anual da Páscoa, “institu-ída no Egito para comemorar o acontecimento culminante da redenção deIsrael”36, convidava o adorador a relembrar e reviver de modo muito realis-ta a misericórdia do Senhor para com Seu povo na terra da escravidão. Oselementos desta refeição incluíam, entre outras coisas, alguns cálices devinho, o pão ázimo e o cordeiro pascal37. Além dos elementos, dois dosquais utilizados na Eucaristia cristã, algumas palavras e gestos também

29 WHITE, op. cit., p. 177.30 Mário Curtis GIORDANI, História da Antigüidade Oriental, p. 252.31 G. J. BOTTERWECK, H. RINGGREN (Hg.), Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament,

vol. 2, Apud: Romeu Ruben MARTINI, op. cit., p. 34 (notas 27 a 29), o significado deHabûrah pode ser ampliado : “estar unido ou aliado”, “fazer um pacto”, “narrar”, “informar”,além da descrição dos termos derivados do mesmo radical: “colega”, “pacto”, “companhei-ro”, “camarada”, “feliz reconciliação dos irmãos separados”, “comunhão dos tementes aDeus”, “amigo e companheiro contra o qual não se deve planejar injustiça’; também refere-sea tradução que a Septuaginta dá à palavra: “koinonía” ; Wilhelm GESENIUS, op. cit., p. 190,traduz HABÛRAH como “binden” ou “verbinden” (“ligar”).

32 DIX, op. cit., p. 50-51; ver Romeu Ruben MARTINI, op. cit., p. 35.33 DIX, op. cit., p. 54.34 HARRIS et al., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 1223-1224; DAVIS,

op. cit., p. 443: Esta festa, também denominada “festa do pão ázimo”, celebrava a pressa comque os judeus saíram do Egito, sem esperar o pão fermentar e crescer. Assim, durante os oitodias da Páscoa, apenas “matsá”, pão sem fermento, podia ser comido.

35 Clyde T. FRANCISCO, Introdução ao Velho Testamento, p. 54.37 MARTIN, op. cit., p. 133, diz que “não se trata apenas de um relembrar dos acontecimentos

do passado, mas revivê-los de forma muito realista, sendo este realismo transformado emesperança de libertação nacional da escravidão (...) assim como as ervas amargas revivem aescravidão sofrida pelos pais no Egito, os cálices são tomados como símbolo da libertação esalvação futuras. A ordem desta refeição era a seguinte: Quando a família senta para fazer arefeição de Passach, uma criança pergunta: ‘Por que esta noite é diferente de todas as noites?’.E o pai então explica como os judeus saíram do Egito e se tornaram um povo. Esta refeiçãosegue um ritual fixo, com pratos tradicionais de significado simbólico. Devem-se mergulharramos de salsa numa tigela com água salgada, simbolizando as lágrimas dos judeus no Egito. Aservas amargas lembram a infelicidade da escravidão sob o domínio do faraó. Uma mistura demaçã ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para fazertijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifício pascal. Ovos cozidos recordam ossacrifícios feitos no templo. Bebe-se também vinho, o símbolo da alegria”.

36 DAVIS, op. cit., p. 446.

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merecem destaque, pois serão igualmente “incorporados” na tradição daliturgia cristã, como é o caso da ação de graças pelas misericórdias passa-das de Deus38, a anamnese (recordação) no recontar e reviver a história dalibertação39 e a esperança escatológica, manifestada na expectativa da res-tauração futura do Reino de Israel40.

As refeições familiares contribuíram com valiosos elementos que maistarde puderam ser identificados no culto cristão, como por exemplo, as ora-ções de ação de graças41, o costume de comer e beber com um grupo deamigos ou familiares42(a Eucaristia é para pessoas batizadas43) e a refeiçãoexperimentada na perspectiva de lembrança e re-atualização (anamnese) ede expectativa de libertação futura (elemento escatológico)44.

1.2.3 - A SINAGOGA E SEUS RITOS

Ao se falar das influências judaicas na Eucaristia, é de vital importânciaverificar até que ponto estas interferiram em toda a liturgia do cultoeucarístico45. Verificando as origens do culto cristão, descobre-se que dasinagoga judaica originou-se aquela parte do culto denominada Liturgia daPalavra46, que envolvia a leitura da Torah47 e sua interpretação (ensino eexortação ao povo)48, orações (que além de ação de graças, tinham função

38 MARTIN, op. cit., p. 134.39 Ibid.40 Ibid.41 WHITE, op. cit., p. 177.42 DIX, op. cit., p. 51.43 Didaqué X:6 ; “ninguém coma nem beba de vossa Ação de Graças, a não ser os que foram

batizados no nome do Senhor...”44 WHITE, op. cit., p. 177.45 A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 32 : “Embora os cristãos, em seu conjunto, não

participassem mais das assembléias judaicas, tiveram como modelo de suas reuniões o próprioesquema das sinagogas”.

46 Christiane SAULNIER e Bernard ROLLAND, A Palestina no tempo de Jesus, p. 44, esse tipode serviço religioso surgira por necessidade durante o exílio babilônico, uma vez que ali osjudeus não tinham um templo onde orar. Ao voltar do exílio, eles continuaram praticando esseserviço (orar e ler e ouvir as Escrituras) nas sinagogas; ver também Johannes EMMINGHAUS,The Eucarist, p. 31-32.

47 SAULNIER e ROLLAND, op. cit., p. 46, no serviço da sinagoga das manhãs de sábado há umgrande cerimonial em torno da leitura da Torá; no decurso de um ano se lê o cânone inteiro; odiálogo entre oficiante e comunidade, tão comum na liturgia cristã, também tem exemplosimilar na sinagoga; J. J. Von ALLMEN, O Culto Cristão, p. 157-158, diz que a leitura daEscritura é um costume que a Igreja herdou do judaísmo, cuja tradição fixou um sistema deperícopes que deviam ser lidas no correr dos sábados do ano, costume este (de ler as Escrituras)que também integrou o culto comum da Igreja Apostólica; Ver também Johannes ROTTMANN,Atos dos Apóstolos , p. 97-100.

48 Mateus 4.23 e Lucas 4.16 e 21; DAVIS, op. cit., p. 562-563, diz que nas sinagogas “não seofereciam sacrifícios: liam-se as Escrituras e fazia-se oração” e que no Antigo Testamento não háreferência a estes lugares de adoração...”seguia-se uma lição dos profetas que era lida pelamesma pessoa que abria o serviço com oração. Depois da leitura era feita uma exposição sobreela, pelo leitor ou qualquer outra pessoa presente”.

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de credo, proclamação, súplica por novos prodígios e intercessões)49, sal-mos, bênçãos e o “Shemá”50. A liturgia da Palavra e a Eucaristia forampouco a pouco combinados numa mesma celebração (o que já é testemu-nhado por Justino Mártir)51.

1.2.4 - O TEMPLO E SUA LINGUAGEM SACRIFICIAL

O templo de Jerusalém também teve papel significativo na história doculto cristão, pois, além de ter sido lugar de adoração no tempo de Cristo eno princípio da atividade da Igreja Cristã52, as imagens sacrificiais encontra-das no templo podem ser identificadas com as palavras da instituição “san-gue da aliança” e “derramado em favor de muitos”53. O cantar de Salmosresponsivamente54 e as orações, seguidas dos “améns” da congregaçãotambém têm sua origem no culto do templo55. O templo era consideradolugar sagrado56, e sob todos os pontos de vista o centro de Israel57, pois erao lugar da presença do Senhor58. Vale destacar também que Jesus davavalor ao templo como “a casa de meu Pai” (Lc. 2. 49) e “casa de oraçãopara todas as nações” (Mc 11.17), pois este oferecia instalações para acomunhão com Deus e para as orações59.

49 WHITE, op. cit., p. 176-177, “a súplica por novos prodígios é a conseqüência da proclamaçãodo que Deus já fez”. Boa parte, tanto da forma como do conteúdo das orações das sinagogasforam adotadas como modelos para as orações eucarísticas cristãs, “em especial a estrutura dabendição (agradecer) de Deus por meio da oração de credo”.

50 SAULNIER e ROLLAND, A Palestina no tempo de Jesus, p. 45 : o roteiro do culto está centrado naoração e na meditação nas Escrituras. Começa-se pela recitação do Shemá, o credo do povo deIsrael, composto de três passagens bíblicas: Deuteronômio 6.4-9; 11.13-21; Números 15.37-41. .

51 EMMINGHAUS, op. cit., p. 35.52 ROTTMANN, op. cit., p. 106.53 WHITE, op. cit., p. 176; M. C. GIORDANI, História da Antigüidade Oriental, p. 252: “Os

sacrifícios podiam ser cruentos ou incruentos. Os sacrifícios cruentos tinham finalidade expiatória(dar satisfação por algum pecado), eucarística (agradecer algum benefício) ou ainda impetratória(pedir graças). Os sacrifícios incruentos consistiam na oferta de líquidos (como libações comvinho) ou de sólidos (como flor de farinha embebida em azeite, pão sem levedura, etc.)”.

54 WHITE, op. cit., p. 176, cita como exemplos o Salmo 43.4: “Subirei a altar de Deus, a Deus,o doador de juventude e felicidade” e o Salmo 118.26: “Bendito o que vem em nome doSenhor”. Este último, literalmente utilizado no Sanctus/Benedictus da liturgia eucarística. Vertambém Donald P. HUSTAD, A Música na Igreja, p.88-90.

55 MARTIN, op. cit., p. 27; ROTTMANN, op. cit., p. 106; HUSTAD, op. cit., p. 89.56 MARTIN, op. cit., p. 25.57 SAULNIER e ROLLAND, A Palestina no Tempo de Jesus, p. 37.58 Id., p. 39; ALLMEN, op. cit., p. 293-294, o povo de Israel não estava desprovido da presença

de Deus quando não tinha templo; na oração de Salomão, quando da dedicação do Templo (1Reis 8) está explícito que o Senhor habita nos céus e não pode tornar-se prisioneiro do lugaronde se invoca o seu nome. O “lugar sagrado” é para demonstrar que Deus convoca o seupovo para encontrar-se com ele dentro dos limites deste mundo. A teologia do Antigo Testa-mento mostra que o lugar por excelência da presença do Senhor e conseqüentemente o lugar deculto é o povo que invoca o seu nome.

59 MARTIN, op. cit., p. 27.

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O templo e os seus sacrifícios desapareceram, a linguagem dos seuscultos e rituais, porém, permanece: sacrifícios, ofertas, sacerdotes e santu-ário são termos comuns60. A presença de Cristo, no entanto, é determinadapela sua promessa “eis que estou convosco todos os dias” (Mt 28.20), pelasua Palavra e pela Santa Ceia61.

Do templo, portanto, tornam-se significativos para o culto cristão e, es-pecificamente, para a Eucaristia, a linguagem sacrificial e as ofertas(ofertório), o cantar de salmos (salmódia) que passaram para a liturgiacristã, o lugar como manifestação da presença de Deus e os benefícios:certeza da comunhão com Deus e recepção de suas bênçãos, perdão eexpectativa pelos seus favores futuros.

1.3 - A ÚLTIMA CEIA

1.3.1 - AS PALAVRAS E AS AÇÕES DE JESUS

Os relatos da instituição da Eucaristia apontam para uma série de açõese de palavras de Jesus62 que devem ser consideradas, pois nelas Ele declaraa sua presença, identificando o pão e o vinho com seu corpo e sangue63,“dado e derramado em favor de muitos64 para remissão dos pecados”65.Das palavras e ações de Jesus, confrontando os diversos relatos da institui-ção, destacam-se as ações “tomar pão e cálice”66, “abençoar ou dar gra-ças”67, “quebrar o pão [e apresentar o cálice]”68 e “dar aos seus discípu-los”69. Estes são denominados por Gregory Dix como “Esquema de quatroações”70, que são centrais na celebração71.

60 Id., p. 28.61 ALLMEN, op. cit., p. 296-297.62 Dix, op. cit., p. 48, no seu “seven-action scheme” (“esquema de sete ações”) destaca que

“nosso Senhor 1- tomou um pão; 2- deu graças sobre este; 3- quebrou-o; 4- distribui-o, dizendocertas palavras. Depois ele 5- pegou o cálice; 6- deu graças sobre este; 7- alcançou-o aos seusdiscípulos, dizendo certas palavras.”

63 WHITE, op. cit., p. 178.64 Cf. relatos de Paulo e dos Evangelhos sinóticos , todos relacionam pão com seu corpo e cálice

com seu sangue.65 Cf. Mateus 26.28 : Mateus é o único que acrescenta no relato da instituição esta cláusula “para

remissão dos pecados”.66 DIX, op. cit. p. 48, aqui acontece o que posteriormente é chamado de ofertório, em que os

elementos são trazidos e dispostos sobre a mesa.67 Id. Ibid., p. 48 e 79, o relaciona com a oração eucarística, que Romeu Ruben Martini, Ceia do

Senhor : Um Esquema de Quatro Ações, p. 10-11 é o “cerne da comunhão de mesa”.68 DIX , a fração aponta para o seu corpo sacrificado em amor pela humanidade e a comunidade

come do pão partilhado e com isso usufrui do corpo de Cristo, e bebe do cálice comum e comisso usufrui do sangue de Cristo, tornando-se um em Cristo.

69 Id., p. 48, aí está a comunhão.70 Ibid.71 WHITE, op. cit., p. 179; Norman E. NAGEL, Holy Communion, p. 301, denomina as quatro

ações de Jesus de “verbos principais”: tomou, quebrou, deu e disse.

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Os discípulos, ao verem o Mestre com um pão diante de si sobre a mesae um cálice de vinho na mão72, ouviram de Jesus as “Palavras da Institui-ção”73. As palavras e as ações de Jesus naquela ocasião tornaram-se signi-ficativas, pois, “o culto principal da igreja foi instituído por nosso Senhor nanoite em que foi traído”74 e a “liturgia cristã começou no cenáculo numareunião privada, durante uma refeição entre amigos”75. “O central na cele-bração da Igreja da Ceia do Senhor é a Palavra e promessa do Senhor quea instituiu”(tradução do autor)76. Maraschin afirma que “a tradição maisantiga não estabelece nenhuma relação de interpretação com a aceitaçãodas palavras de Jesus, pois nenhum dos discípulos quis saber de que manei-ra o pão era o corpo e o vinho era o sangue, apenas comeram e beberam,pois a confissão de que ele era o Cristo era o suficiente;”77 (...) “o litúrgico,propriamente dito, era o que se fazia, no caso, a Ceia”78.

Mesmo que há quem não considere a última ceia como Eucaristia nosentido que a Igreja Primitiva dá à palavra79, é certo que ali está a suainstituição e as palavras e ações que fazem parte da celebração.

1.3.2 - A NOVA ALIANÇA

Jesus Cristo, ao instituir a Ceia do Senhor, fez uso, além do pão, docálice, dizendo: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue”80. Su-bentende-se que, se há uma nova aliança81, é porque primeiramente houveuma velha aliança82, feita por Deus com Israel através de Moisés (Êx 24.1-11), selada com derramamento de sangue sobre um altar e sobre o povo (Êx24. 6, 8 - o sacrifício de animais seria, a partir de então, repetido constante-mente83), baseada na observância dos preceitos da Lei: se Israel permane-cesse nos mandamentos do Senhor e ouvisse a sua voz, assim Ele seria umDeus gracioso e Pai84. De acordo com Ralph Martin, o cálice está associa-

72 MARTIN, op. cit., p. 135.73 WHITE, op. cit., p. 178.74 ALLMEN, op. cit., p. 26.75 Jaci MARASCHIN, A Beleza da Santidade, p. 148.76 Charles J. EVANSON, The Divine Service, p. 427 .77 MARASCHIN, op. cit., p. 148.78 Id., p. 149.79 Cf. DIX, op. cit., p. 77, a última ceia não é Eucaristia, porque Eucaristia é entendida como

resposta dos redimidos ao seu Redentor e obediência ao mandamento divino.80 Cf. Lucas 22.20 e 1 Coríntios 11.25.81 Júlio Paulo Tavares ZABATIERO, Ceia do Senhor, p. 413 : “A Ceia do Senhor é o antítipo da

celebração pascal da velha aliança. Esta celebrava o evento da libertação de Israel do Egito...Aofalar do seu corpo e sangue, [Jesus] está aplicando a si mesmo termos de linguagem sacrificial(...) O sacrifício inaugurador da Nova Aliança”.

82 Cf. Christian STOCKS, Abendmahl, p. 185, aliança normalmente era feita mediante meiosexternos, mútuo juramento, refeições e seladas ou reforçadas com ofertas e sangue.

83 Sobre sacrifícios, veja-se Jonathan F. dos Santos, O Culto no Antigo Testamento, p. 63-110.84 STOCKS, op. cit., p. 186.

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do com a aliança feita por Deus com Israel, e, por causa da rebeldia deste85,fala-se de “uma nova aliança que o Senhor fará” (Jr 31.31-34), o que éexatamente referido por Jesus, não mais pensando no sangue de animais(Hb 9.12), “mas, pelo seu próprio sangue, (...) entrou no Santo dos Santos,uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção (...) por isso mesmo ele éo Mediador da nova aliança”86. Jesus ofereceu-se a si mesmo, em carne esangue, para restaurar a relação das pessoas com Deus, “aniquilando opecado, abrindo assim acesso a Deus”87.

Enquanto a velha aliança era restrita e imperfeita, porque dependia emparte das obras humanas, a nova aliança88 é perfeita, porque feita inteira-mente por Deus; enquanto que, na velha aliança os sacrifícios deveriam serconstantemente repetidos, na nova aliança o sacrifício de Cristo foi de umavez por todas; a primeira aliança restringia-se a Israel e dependia do cum-primento da lei para obter perdão e favores de Deus, a nova aliança é parao mundo inteiro, para que todo “o que nele crê” (Jo 3.16), tenha a vidaeterna. Esta nova aliança, diante do exposto, é chamada de aliança de paz89,promovendo a paz com Deus e, em conseqüência, a paz com o semelhan-te90.

1.3.4 - O MANDAMENTO SOBRE A REPETIÇÃO

“Anamnesis” ou memorial91 é algo muito diferente do que apenasrelembrar fatos do passado. No contexto da cultura bíblica92, ela é umaatitude de re-atualização ou reconstrução do passado93,”a possibilidade departicipar da história que se recorda”94, de forma a torná-la presente eoperante aqui e agora95. “Ao repetir essas ações, a pessoa torna a vivenciara realidade do próprio Jesus presente”96. Ao relembrar, reviver e comemo-rar através da Eucaristia o que é central na obra da salvação (que a pessoa

85 MARTIN, op. cit., p. 136, fazendo referência a Êxodo 24.3-11.86 Hebreus 9.12b e15a.; WHITE, op. cit., p. 178.87 Leonhard GOPPELT, Teologia do Novo Testamento, Vol. 2, p. 510.88 STOCKS, op. cit., p. 187-188.89 Id., p. 187.90 MARTIN, op. cit., p. 144.91 Id., p. 146.92 Id., p. 137, faz referência a Êxodo 12.14 e 13.9, em que , por meio deste sacramental a nação

era levada de volta à ação salvadora de Deus e envolvida por ela; Richard H. FEUCHT, TheChurch’s Common Meal, p. 44, é importante conhecer o memorial entre os hebreus paraentender a Ceia do Senhor.

93 ALLMEN, op. cit., p. 33.94 Id., Estudo sobre a Ceia do Senhor, p. 29.95 Id., O Culto Cristão, p. 33; Nelson KIRST, Liturgia parte por parte, p. 59, “ aquilo que

aconteceu lá torna-se válido, na Anamnese, para os participantes desta celebração, neste precisomomento”.

96 WHITE, op. cit., p. 178.

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foi comprada, redimida e reconciliada com Deus97 e “levada de volta aoCenáculo e ao Monte), o comungante participa daquela obra salvífica queconhece como realidade presente - porque seu Autor é Aquele que vive nomeio de seu povo redimido”98. Na Eucaristia atualiza-se não apenas aquiloque aconteceu na última ceia, ou seja, uma refeição entre amigos99, masrecapitula-se a história da salvação100, proclama-se através da Ceia a mortedo Senhor (1Co 11.26), faz-se anamnese da cruz101, do Cristo crucificado eressuscitado102.

Cristo, ao dizer “fazei isto em memória de mim”103, aponta para umadimensão especial do culto, pois, segundo von Allmen, com tais palavrasJesus instituiu o culto cristão104, que inclui a proclamação oral da Palavrajuntamente com a celebração da sua Ceia105. Nesse sentido, a Eucaristia énecessária para o culto simplesmente porque Cristo a instituiu e deu à igrejaa ordem de celebrá-la106. Brunner reforça esta idéia ao afirmar que prega-ção da Palavra e celebração da Eucaristia formam uma unidadeinterdependente no culto, que envolve uma progressão da anamnese daPalavra para a anamnese da Ceia, e direciona o crente batizado para aparticipação na Eucaristia107. Portanto, “as palavras e os gestos de Cristona instituição da Eucaristia estão no coração da celebração: a refeiçãoeucarística é o sacramento do corpo e do sangue de Cristo, o sacramento dasua presença (...)”108.

A discussão acerca da anamnese poderia estender-se muito mais, po-rém, optou-se por destacar que houve uma instituição da Eucaristia porJesus, houve a ordem de celebrá-la, e que, nesta ordem de repeti-la em suamemória, está incluída toda a obra de Cristo para a salvação da humanidadee a garantia de sua presença entre o seu povo redimido através do culto, naPalavra e na Eucaristia. A partir destas afirmações, considera-se a Euca-ristia essencial para o culto cristão.

97 FEUCHT, op. cit., p. 45.98 MARTIN, op. cit. p. 138.99 DIX, op. cit., p. 50.100 ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 38.101 Id., Estudo sobre a Ceia do Senhor, p. 31.102 Ibid., p. 31: “quando no Novo Testamento se fala de comemorar a morte do Senhor, isto inclui

a comemoração da sua ressurreição. Não se faz uma sem a outra.”103 Lucas 22.19 e 1 Coríntios 11.24.104 ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 33.105 Peter BRUNNER, Worship in the Name of Jesus, p. 283.106 ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 180.107 BRUNNER, op. cit., p. 284.108 CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Batismo, Eucaristia e Ministério, p. 37.

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1.4 - O “PARTIR DO PÃO” NO TEMPO DOS APÓSTOLOS

1.4.1 - INTRODUÇÃO

O testemunho que temos dos primeiros cristãos a respeito de sua vida deculto é que os mesmos “perseveravam na doutrina dos apóstolos e na co-munhão, no partir do pão e nas orações” (At 2.42). Nas primeiras déca-das da Igreja Primitiva, a Eucaristia foi denominada pela expressão “partirdo pão”, devido ao fato de Jesus a ter instituído à mesa com seus discípu-los109 e porque através deste sinal foi diversas vezes identificado110. Parece“tratar-se de um termo proposital, o qual escondia o alimento típico da Igre-ja, um alimento para a vida eterna”111. É um termo técnico para a refeiçãointeira, a parte pelo todo112. Abordar-se-á sob este título o período de Pen-tecostes até o início da segunda metade do século I.

1.4.2 - A FREQÜÊNCIA, O DIA E A UNANIMIDADE

A partir dos relatos bíblicos de Atos dos Apóstolos e 1 Coríntios pode-sededuzir que a reunião dos cristãos para o “partir do pão” era muito freqüen-te (At 2.42-47; 20.7; 1Co 11.20), podendo acontecer, nos primeiros tempos,diariamente (At 2.46)113. Com base nos textos supracitados, von Allmen dizque na era apostólica “a Ceia era celebrada regularmente”114, “no primeirodia da semana” (At 20.7; 1Co 16.2), também chamado “dia do Senhor” (Ap1.10). O texto de Atos 20.7, “parece demonstrar a existência de um vínculoquase automático entre ‘o dia do Senhor’ e o ‘partir do pão’115. “A Ceia éparte integrante da assembléia dominical”116, que celebra a presença deseu Senhor e Salvador117 ressuscitado118.

Pode-se concluir, pois, que a Eucaristia não era apenas parte integrante,mas a base e objetivo de cada reunião dos cristãos119, o ponto culminante do

109 ROTTMANN, op. cit., p. 101.110 LATHROP, La Eucaristía em el Nuevo Testamento, p. 73; WHITE, op. cit., p. 178-179.111 ALLMEN, Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p. 98.112 MARTIN, op. cit., p. 143.113 ROTTMANN, op. cit., p. 101,106: é da opinião que “em seus inícios a igreja perseverava na

celebração da Santa Ceia: não deixavam passar um único dia sem se reunirem para celebrar aSanta Ceia em culto conjunto”... “Da mesma forma como diariamente oravam no templo...também se reuniam à noite em casas particulares... Nestes cultos celebrava-se a Ceia”.

114 ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 175.115 Ibid.116 Ibid.; LATHROP, Culto: Local y, no obstante, universal, p. 31.117 ROTTMANN, op. cit., p. 101; 1 Coríntios 10.16.118 Julian López MARTÍN, No Espírito e na Verdade, Vol. I, p. 171; Theodor BRANDT, Kirche

im Wandel der Zeit, p. 40-41: O dia do Senhor é o começo da semana. Ele carrega a alegria daressurreição. Este é o dia especial para lembrar os acontecimentos pascais tanto do AntigoTestamento como do Novo Testamento. CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Batismo,Eucaristia e Ministério, p. 44 : “Visto a Eucaristia celebrar a Ressurreição de Cristo, seria normalela ter lugar pelo menos todos os domingos”.

119 Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 29.

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culto cristão, tanto que “em toda a Igreja Primitiva não há o menor indício dacelebração do Domingo sem a Ceia do Senhor”120.

A unanimidade e a perseverança na palavra, comunhão, partir do pão eorações, demonstra que os primeiros cristãos agiam de comum acordo eprestavam esse culto “como se fosse em coro, em harmonia”121, de tal formaque “da multidão dos que creram era um o coração e a alma” (At 4.32).

1.4.3 - A ESTRUTURA DO CULTO

Como ou de que maneira os primeiros cristãos celebravam o seu culto ? Aresposta a esta pergunta poderia, quem sabe, ajudar a “moldar a liturgia”122?Seria a doutrina dos apóstolos, a comunhão, o partir do pão e as orações, confor-me Atos dos Apóstolos 2.42, uma estrutura do culto da Igreja Primitiva ?

Siegmund Wanke aceita esta possibilidade ao descrever as característi-cas do culto: a “doutrina dos apóstolos” refere-se à proclamação da Palavrade Deus, a “comunhão” equivale à convivência dos irmãos, o “partir dopão” refere-se à Eucaristia, e as “orações” são as súplicas e ações degraças123. Rottmann, em seu comentário a respeito de Atos 2.42, denomi-nou-o de “quatro pilares da vida espiritual”124 da Igreja Primitiva, e a faltade um deles compromete toda a estrutura da igreja cristã.

Essa koinonía na qual perseveravam, não há dúvidas, trata-se de ofer-tas para ajuda aos pobres, além das exortações, admoestações mútuas eósculo da paz125. Allmen menciona ainda, como um eco de Atos 2.42, “oCatecismo de Heidelberg [que] ao enumerar os elementos componentes do

120 ALLMEN, O Culto Cristão, p. 176.121 ROTTMANN, op. cit., p. 106.122 Karl-Heinrich BIERITZ e Michael ULRICH, Gottesdienstgestaltung, p. 9-10, tal moldagem da

liturgia poderá ajudar na busca pela ecumene, para que todos sejam um (Jo 17.21), para quejuntos possam cantar e orar, ler as Escrituras e ouvir as boas novas de Jesus, reconhecendo-o econfessando-o como Senhor e sendo abençoados por ele.

123 Cf. Siegmund WANKE, Questões Litúrgicas, p. 9,10, a comunhão pode ser relacionada àlinguagem de Paulo ao falar do “Culto Racional”; a Bíblia na Linguagem de Hoje a expressacom a palavra serviço; este serviço do “Culto Racional” também é chamado de liturgia, e paratanto cita-se o exemplo das ofertas arrecadadas para a comunidade empobrecida de Jerusalém(2 Coríntios 15.12 e Romanos 15.27). Cf. Josef KÜRZINGER, Atos dos Apóstolos, Vol. 1, p.81 : pode-se admitir que no versículo 42 “estão assinaladas as partes essenciais do rito dasassembléias comunitárias para celebração do culto divino na Igreja Primitiva... pode-se ver no‘ensino dos apóstolos’ a leitura e a instrução, portanto, da posterior palavra de Deus. Na‘comunhão fraterna’ (em grego koinonía) teríamos a coleta de donativos para os pobres (quenão consiste em dar as sobras, mas daquilo que também se precisa para viver) e, na ‘fração dopão’, a ceia eucarística, emoldurada pelas ‘orações’.” Ver também Joachim JEREMIAS,Eucharistic Words of Jesus, p. 118; B. KLAPPERT, Ceia do Senhor, p. 406.

124 ROTTMANN, op. cit., p. 100.125 Cf. Nilo BELOTTO et al., Nós e o Culto , p. 144-145: Ainda sobre a oferta, o autor a situa no

culto como sinal efetivo da oferenda dos fiéis ao serviço de Deus, sinal de fraternidade eunidade cristã, atendendo à missão e promovendo a ação social em favor daqueles pouco ounenhum recurso.

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culto, fala de uma contribuição cristã para o sustento dos pobres, ao lado dapregação, da Santa Ceia e das orações”126.

Todas as evidências supracitadas concordam que Atos 2.42 é a primeiraestrutura conhecida do culto cristão. Essa “liturgia”, neste caso, poderia tera seguinte construção: Liturgia da Palavra, Ofertório127 (= Comunhão), ce-lebração da Eucaristia e Orações.

1.4.4 - OS LOCAIS, O SIGNIFICADO E AS CONSEQÜÊNCIAS DAS CELEBRAÇÕES

De acordo com os relatos bíblicos, mesmo que, inicialmente, os conver-tidos ainda, “unânimes”, freqüentavam o templo (At 2.46) para orar e ado-rar a Deus128, os locais próprios para as celebrações eucarísticas eram ascasas (At 2.40; 20.7-8), pois, segundo Anscar Chupungco:

A eucaristia, celebração específica e característica dos cristãos,celebra-se em casa. É evidente que desde os primeiros tempos aliturgia eucarística era considerada uma liturgia doméstica. Os discí-pulos de Jesus assistiam aos atos cultuais do templo e da sinagoga,mas não partiam o pão, nem lhes era possível fazê-lo nesses lugares.Porque tanto o templo como a sinagoga jamais foram lugar apropria-do para uma refeição comunitária. O templo era para sacrifícios, e asinagoga para a proclamação da Palavra e as orações comunitárias.Refeições em comunidade, tal como a eucaristia, celebravam-se nascasas129 (tradução do autor).

Além disso, o cristianismo muito cedo tornou-se religião ilegal no Impé-rio Romano, o que impossibilitava aos cristãos primitivos erguer estruturasque fossem especialmente designadas para o culto. Como não podiam pro-fessar publicamente a sua fé, não havia possibilidade de grandes aglomera-ções de pessoas, de modo que lugares mais espaçosos não eram necessári-os130. O que, no entanto, parece ter acontecido muito cedo, foi a escolha de

126ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 197.127 Sissi Georg RIEFF, Ofertório, p. 8-9.128 ROTTMANN, op. cit., p. 106 afirma : “ Havia diversas horas de culto e oração no templo...

Não é de estranhar que os discípulos de Jesus nos primeiros meses e anos ainda participassemdos cultos no templo. Eles não mais se juntavam aos judeus que tinham rejeitado a Jesus; aocontrário, ali no templo eles adoravam o Deus verdadeiro, o Deus da Antiga e da NovaAliança, o Pai de seu Senhor e Salvador Jesus Cristo... Com respeito a este ponto devemosobservar que os discípulos não foram ao templo para oferecer sacrifícios, mas sim para orarem.Em nenhuma passagem do Novo Testamento nos é dito que os cristãos ainda tenham oferecidosacrifícios segundo a Lei cerimonial”. Cf. Atos dos Apóstolos 3.1 : “Pedro e João subiam aotemplo para a oração da hora nona” (15:00 horas).

129 Anscar J. CHUPUNGCO, La Eucaristia, p. 83.130 Wayne E. SCHMIDT, The Place of Worship, p. 181-182.

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uma casa, de um local específico para as reuniões e cultos na Igreja Primi-tiva131, “uma casa particular ou uma casa adquirida pela comunidade. Acasa da igreja, com mais propriedade do que o templo, significa o acolhi-mento e a hospitalidade que a comunidade eucarística mostra para com osestranhos e pobres, com os quais compartilha a mesma fé em Cristo”132

(tradução do autor). Na verdade, a fé cristã e o culto cristão não estãorestritos a locais específicos, poderiam acontecer «em qualquer lugar. Ofato de ter começado numa espécie de sala de jantar e, depois, continuadono interior de casas particulares, mostra que o lugar da liturgia é o lugaronde as pessoas se encontram para a liturgia»133.

Quanto ao “partir o pão de casa em casa”, há quem interprete estareferência como uma simples alusão à Eucaristia134, que nas origens pode-ria ser celebrada em qualquer casa, a combinar e diariamente135. De “casaem casa” também poderia demonstrar de forma clara e inconfundível que aatividade dos cristãos não se restringia ao culto público136, mas, como umaextensão deste137, também estendia-se aos ausentes, fossem estes doentesou pobres138, pessoas que necessitavam da caridade e do amor da comuni-dade.

Quando se pergunta pelas origens do culto cristão, além do conhecimen-to das raízes judaicas, influência das palavras e ações de Jesus por ocasiãoda última ceia, estrutura e locais das celebrações, torna-se relevante per-guntar: como era a postura e a conduta dos participantes? Qual era o signi-ficado das celebrações?

Inicialmente, chama-se a atenção ao fato de que “o propósito principaldo culto não era chamar os fiéis à penitência, nem fazê-los sentir o peso dosseus pecados, mas celebrar a ressurreição do Senhor e as promessas dasquais essa ressurreição era a garantia”139. Este propósito fazia com que opartir do pão acontecesse num clima de “alegria e singeleza de coração”(At 2.46), pois era uma celebração, tendo como tom característico o “gozo

131 Cf. Atos dos Apóstolos 1.4, 6,12-14; 20.7,8; cf. SCHMIDT, op. cit., p. 181; cf. Romanos16.5, Paulo manda saudações especiais para a “igreja que se reúne na casa de Aqüila e Priscila”e cf. 1 Coríntios 16.19 refere-se a “Áqüila e Priscila, bem assim a igreja que está na casa deles”;cf. também Colossenses 4.15 e Filemom 2.

132 CHUPUNGCO, op. cit., p. 86-87 .133 MARASCHIN, op. cit., p. 154.134 ROTTMANN, op. cit., p. 106-107.135 B. KLAPPERT, Ceia do Senhor, p. 400.136 SCHMIDT, op. cit., p. 179, 181.137 P. H. D. LANG, Manual para a Comissão de Altar., p. 27.138 E. LOHMEYER, Vom Urchristlichen Abendmahl, p. 279, Apud: Romeu R. MARTINI,

Eucaristia e Conflitos Comunitários, p. 167; Sissi Georg RIEFF, Diaconia e culto cristão nosprimeiros séculos, p. 74 ss, também estuda com profundidade o assunto.

139 GONZALEZ, op. cit., p. 151.

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e a gratidão e não a dor ou a compunção”140, tudo isto como fruto de umcoração cheio de paz com Deus141. Tais características só poderiam trans-formar-se em “bênção também para os que conviviam”142 com os conver-tidos. A Bíblia na Linguagem de Hoje traduz a expressão grega afelótetikardías por “humildade”143, isto é, o relacionamento entre todos era deigualdade, de comunidade. Era como se os seus pensamentos estivessem“sintonizados numa mesma freqüência”, e formavam um acorde harmonio-so, afinado pela mesma fé144, onde “um era o coração e a alma” e “tudolhes era comum” (At 4.32)145.

No “partir do pão” os cristãos estavam unidos a Cristo146, pois os ele-mentos distribuídos efetuavam a participação no seu sangue e corpo147, oque pode ser denominado de comunhão ou união vertical148; no entanto, elanão criava apenas a “comunhão com o Senhor, mas também dos celebrantesentre si”149, a comunhão horizontal150. Daí porque o apóstolo Paulo, aofalar da “comunhão no sangue e no corpo de Cristo” (1Co 10.16), concluiseu pensamento com a afirmação: “Porque nós, embora muitos, somos uni-camente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão”151.Por isso, desprezar alguém a quem o Senhor deu seu corpo e sangue édesprezar o corpo e sangue do Senhor152 e, conseqüentemente, negar queCristo cria comunhão entre os celebrantes, é receber a ceia para a própriadesgraça153. Vale, por isso, dizer que Cristo está presente com o seu própriocorpo e sangue na Eucaristia, e, como conseqüência, os participantes são

140 Ibid.141 ROTTMANN, op. cit., p. 107; BELOTTO, op. cit., p. 129 : “na Santa Ceia e no culto deve-

se demonstrar alegria porque o Senhor nos recebe. Ele é o dono, o Senhor do banquete queparte o pão”.

142 ROTTMANN, op. cit., p. 107.143 A BÍBLIA SAGRADA : Edição na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil, ed.

1988.144 ROTTMANN, op. cit., p. 144.145 Id., p. 144-145, era grande o número de pobres e viúvas em Jerusalém, o que motivou da

parte de cristãos de outros lugares o envio de ajuda material.146 MARTIN, op. cit., p. 144.147 GOPPELT, op. cit., p. 414.148 MARTIN, op. cit., p. 144.149 GOPPELT, op. cit., p. 414.150 MARTIN, op. cit., p. 144.151 1 Coríntios 10.17; WHITE, op cit., p. 192, fala de confraternização na comunhão, dizendo

que “em seu compartilhar a comunidade recebe Cristo e o único pão torna-se um sinal daunidade dos comungantes”.

152 NAGEL, op. cit., p. 305.153 1 Coríntios 11.27-34; cf. GOPPELT, op. cit., p. 414-415 : “É isso que acontecia em Corinto,

pois lá comemoravam a Ceia para satisfazer necessidades religiosas individualistas”, perverten-do a Ceia do Senhor.

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chamados de “seu corpo”154, sua comunidade155, comprometidos em agircom lealdade e dedicação a Deus e ao próximo156.

Finalmente, na celebração da Ceia do Senhor, destaca-se a reunião dopassado, presente e futuro, numa só festa sagrada e alegre da mesa doSenhor157, conforme diz Richard H. Feucht: “A Ceia do Senhor tambémcomprime o tempo dentro de um só evento. O passado, presente e futurosão conduzidos para dentro de uma ação – a sentença redentora de Deuspara o mundo. Deste modo a Ceia do Senhor é recordação do passado,realidade presente e esperança futura, todos ao mesmo tempo”158. A di-mensão que aponta para o passado lembra as palavras “fazei isto em me-mória de mim”159, e é comemorada com ação de graças160; o presente éatestado pela crença na presença de Cristo na Ceia161, e confronta o parti-cipante enquanto está à mesa com tudo quanto a morte do Filho de Deussignificava então e significa agora162. Na Ceia do Senhor o cristão participado seu corpo e sangue163 e, recebendo pão e vinho em resposta à fé, é unidoao sacrifício de Cristo164, tornando-o presente165 pela participação “do amor,da graça e da comunhão com os irmãos”166. A expectativa do futuro167, adimensão escatológica168, é atestada pela expressão “até que ele venha”(1Co 11.26), pois “o rito simples apontava para além de si mesmo, para umaesperança futura no reino de Deus”169, onde a alegria e a comunhão com oSenhor vivo serão plenamente consumados170. Por isso a expressão

154 Cf. NAGEL, op. cit., p. 306: “O comer e o beber do corpo e sangue de Cristo não são apenasindividuais ‘eu e Jesus’. Quando ele dá seu corpo e sangue para mim, ele dá seu corpo e sanguea mim com todos aqueles para quem ele também dá seu próprio corpo e sangue” (tradução doautor).

155 Cf. ALLMEN, O Culto Cristão, p. 197-198: Oferta e comunhão de bens “não é o únicotestemunho litúrgico da vida da comunidade. É necessário aditemos as exortações e admoesta-ções mútuas, e tudo o que atesta a unidade da comunidade...”

156 MARTIN, op. cit., p. 147.157 Id., p. 148.158FEUCHT, op. cit., p. 50 .159 BELOTTO, op. cit., p. 162 e François AMIOT, A Missa e sua História, p. 11-12.160WHITE, op. cit., p. 192; MARTIN, op. cit., p. 147 : “À mesa, a história da redenção maior

é relatada cada vez que comemos o pão e bebemos o cálice”.161AMIOT, op. cit., p. 11-12; Cf. MARTIN, op. cit., p. 147 : “O pão e o vinho são para Paulo

portadores da presença de Cristo”; ver também WHITE, op. cit., p. 193.162 MARTIN, op. cit., p. 144, 147.163 Id., p. 144.164 Id., p. 143.165AMIOT, op. cit., p. 11-12.166 BELOTTO, op. cit., p. 162.167 Id., p. 163.168 WHITE, op. cit., p. 193.169 MARTIN, op. cit., p. 143.170 Id., p. 148.

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Maranatha171 passou a ocupar naturalmente o seu lugar no culto da IgrejaPrimitiva.172

Cabe ressaltar que, em todas estas ações dos primeiros cristãos, era oEspírito Santo173 quem os conduzia a viver nesta comunhão174, uma vez queera por intermédio dele que Jesus Cristo agora falava e agia175. A ação doEspírito Santo é aqui enfatizada, pois esta já era prometida por Jesus aosseus discípulos (At 1.8), relacionada com o batismo e a fé176, aos que ouvi-ram a pregação no dia de Pentecostes (At 2.37) e confirmada na conversãode aproximadamente três mil pessoas num único dia177. A Eucaristia é vista“como o local da obra do Espírito Santo”178 onde ele reatualiza o eventosalvífico179 e unifica a comunidade180, cria nela e torna eficaz o princípio doamor181 e a “personalidade corporativa”182. A vida comunitária e a mútuaassistência fraterna183 demonstram “como o amor de Cristo e a Cristo, quan-do verdadeiros, criam união e comunhão”184. Todas estas afirmações dãosuporte à manutenção da epiclese na oração eucarística.

Essas assembléias comunitárias para a celebração do culto185 eramregidas pela alegria (um júbilo intenso que procurava estender-se e comuni-car-se186) e pureza de coração (uma atitude que se abre para Deus emabsoluta confiança187, e para o próximo na comunhão188). Na refeição co-memorativa, a pessoa confessava e participava dos bens espirituais que a

171 Expressão aramaica que significa “Nosso Senhor vem” ou “Nosso Senhor está vindo”, cf.WHITE, op. cit., p. 200-201 : “... a Eucaristia como antecipação, olhando numa direçãoescatológica para o banquete celestial que marcará a consumação de todas as coisas em JesusCristo. .. Um sinal disso é uma aclamação ...: ‘Cristo voltará’”.

172MARTIN, op. cit., p. 148.173 WHITE, op. cit., p. 193.174 GOPPELT, op. cit., p. 415.175 Atos dos Apóstolos 1.1-2; Cf. Raymond E. BROWN, A Igreja dos Apóstolos, p. 81-82 :

“Alguns sugerem que o segundo livro lucano poderia ter sido chamado de Atos do Espírito, emvez de Atos dos Apóstolos”. O termo pnema, “Espírito”, ocorre 70 vezes em Atos dos Apósto-los, um quinto do total de vezes que o termo aparece em todo o Novo Testamento.

176 BROWN, op. cit., p. 87.177 Atos dos Apóstolos 2.41. Cf. Josef KÜRZINGER, Atos dos Apóstolos, Vol. I, p. 76 :

“mediante o Pentecostes e sua revelação do Espírito, entra na história a Igreja de Cristo”178 WHITE, op. cit., p. 193.179 ZABATIERO, op. cit., p. 413.180 Id., p. 414.181 FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL E IGREJA CATÓLICA , Documento Conjunto

sobre a Ceia do Senhor, p. 8.182ZABATIERO, op. cit., p. 413.183 KÜRZINGER, op. cit., p. 78. Cf. Atos dos Apóstolos 2.44 : “todos os que creram estavam

juntos e tinham tudo em comum”184 ROTTMANN, op. cit., I , p. 105.185 KÜRZINGER, op. cit., I , p. 81.186Id., p. 82.187 Id., p. 82-83.188 GOPPELT, op. cit., p. 414

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morte de Cristo e sua ressurreição providenciaram, e também participavada solidariedade que foi dada “à comunidade através da comunicação davida do Cristo ressurreto”189. Estas características cativavam a simpatia dopovo190, e a comunidade cristã, “fazendo sua luz brilhar diante dos homens...”(Mt 5.16), viu como “o Senhor acrescentou-lhes, dia a dia, os que iam sendosalvos” (At 2.47) e viu “os prodígios e sinais feitos por intermédio dos após-tolos” (At 2.43).

Olhando para todos estes resultados, poder-se-ia pensar que a igreja dotempo dos apóstolos era o modelo perfeito de cristianismo. No entanto, nemtudo era tão perfeito. Quando esta unidade foi quebrada191, seja pela idola-tria192, seja pela hipocrisia193, ou ainda pelos abusos egoístas e individualis-tas (na congregação de Corinto havia até quem se embriagasse nesta refei-ção, enquanto os pobres passavam fome), a comunidade foi afetada e aunião destruída194.

A indignidade195, da qual Paulo fala aos coríntios (1Co 11.27 ss), foicausada por aqueles que em sua conduta na Santa Comunhão esqueceramde sua unidade com seus parceiros cristãos e com Cristo e deixaram dereconhecer que participar da Ceia do Senhor não é participar meramente deCristo, mas também de seus irmãos que são um em Cristo196.

Ao falar da Ceia do Senhor, o apóstolo queria apontar para as divisõescausadas pelo egoísmo e falta de amor, quando “algumas pessoas vinhammais cedo para o local da reunião e comiam e bebiam antes dos outros;quando chegavam estas, que são caracterizadas no v. 22 como as que nadatêm, passavam fome. Sobrava para elas a participação na liturgia da Ceiado Senhor, destituída do seu caráter solidário”197. Paulo, em 1 Coríntios11.24-26, apelou para o próprio relato da instituição da Ceia para tentar

189 ZABATIERO, op. cit., p. 415.190 KÜRZINGER, op. cit., I , p. 83.191 ZABATIERO, op. cit., p. 414.192 MARTIN, op. cit., p. 145.193 Atos dos Apóstolos 5.194 GOPPELT, op. cit., p. 415.195 Cf. Nélio SCHNEIDER, Pecado e sacrifício na Ceia do Senhor : Por isso há entre vós muitos fracos

e doentes, e vários já dormiram, p. 122, “comer e beber indignamente no contexto da celebraçãoda ceia do Senhor em Corinto não resulta da falta de um exame criterioso do pecado individual,como se disso dependesse a dignidade da celebração eucarística. A celebração digna é aquelaem que cada pessoa envolvida leva em consideração o corpo de Cristo, evitando tudo o quepossa dividir ou desfazer a integridade do mesmo. Portanto, a dignidade da celebração provémda presença do Senhor na ceia e não da atitude da pessoa que dela participa. Indigna nacomunidade de Corinto é a forma da celebração e não a condição pessoal de cada participan-te”.

196 ZABATIERO, op. cit., p. 414.197 Cf. SCHNEIDER, Pecado e sacrifício na Ceia do Senhor: Por isso há entre vós muitos fracos e

doentes, e vários já dormiram, p. 120-121, em Corinto estava em jogo a comunhão de mesa, e,com ela, a comunhão como um todo.

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reunir a comunidade (1Co 11.23-26), pois tinha a ciência de que a união eradeterminante para a sobrevivência da comunidade, especialmente em meioaos revezes pelos quais passou. É preciso, pois, demonstrar que a primeirapreocupação de Paulo quando ao falar da Ceia usa a expressão “indigna-mente” (1Co 11.27-29), não se refere a pecado individual (sequer é menci-onada a palavra pecado no texto), mas ao desvirtuamento de algo essencialna celebração eucarística, o seu sentido comunitário.198 Manter a unidadeda comunidade, da Igreja, foi o objetivo do apóstolo Paulo, porque “estaunidade é santa - decretada por Deus - e quebrar essa unidade é cair sob ojulgamento de Deus, pecar contra os irmãos e contra o próprio Cristo”199.Segundo Schneider, “para as primeiras comunidades cristãs a comunhão defé na celebração eucarística implicava necessariamente a comunhão devida como um todo. Não há comunhão eucarística verdadeira onde as divi-sões comuns à nossa realidade perduram”200.

A questão da unidade e comunidade tornou-se tão importante para oapóstolo, que ele continua o seu discurso sobre a Igreja, vendo nela o corpode Cristo (1Co 12.12) e habitação ou meio de atuação do Espírito Santo(1Co 12.1-11), e culmina o seu discurso com o grande capítulo acerca doamor, que é o maior de todos os dons (1Co 13.1-13).

1.5 - O TESTEMUNHO DOS PAIS APOSTÓLICOS

1.5.1 - A CENTRALIDADE DA EUCARISTIA

É em Inácio, pastor e bispo, de Antioquia201, martirizado por volta de 107A.D.202, que encontra-se a primeira referência à expressão “Eucaristia “(ação de graças) para designar a cerimônia203, e Justino testemunha que“este alimento chama-se entre nós Eucaristia”204. A participação na Ceiaera decisiva e necessária para demonstrar se alguém era ou não cristão205.

198 SCHNEIDER, op. cit., p. 121, é por isso que não se fala em pecado, mas em divisão.199 ZABATIERO, op. cit., p. 414.200 Cf. SCHNEIDER, op. cit., p. 123, a celebração eucarística que não leva em conta a realidade

concreta, promovendo as injustiças e divisões, constitui-se num “comer e beber para juízo” ,numa comemoração indigna da memória de Cristo.

201 J. Reis PEREIRA, Da Ceia do Senhor à Transubstanciação., p. 34; cf. Inácio de Antioquia, AosEfésios 20.2: “...vos reunis na mesma fé e em Jesus Cristo... partindo um mesmo pão, que é oremédio da imortalidade, antídoto contra a morte, mas vida em Jesus Cristo para sempre.

202 GONZALEZ, op. cit., p. 66; D. Paulo Evaristo ARNS, Cartas de Santo Inácio, p. 12;Williston WALKER, História da Igreja Cristã, p. 70, situa a morte de Inácio por volta de 117AD.

203 Cf. Inácio de Antioquia, aos Efésios 13.1 : “Cuidai pois de reunir-vos com mais freqüência,para dar a Deus ação de graças [eucaristia] e louvor”.

204 Cf. Justino, Apologia1. 65 : “... os que chamamos diáconos convidam os presentes a participardo pão e do vinho, e da água eucaristizados... Este alimento se chama entre nós de Eucaristia...”

205 Cf. Inácio de Antioquia, Aos Efésios 5.12 : “Não se iluda ninguém. Se não se encontrar nointerior do recinto do altar, ver-se-á privado do pão de Deus”. Cf. D. Paulo E. ARNS, p. 42,nota 25 : “O altar levará a comunidade à união mais profunda. Faltar à celebração eucarísticasignifica excluir-se do pão eucarístico, da verdadeira oração e dos sentimentos fraternais”.

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Eucaristia, portanto, era central na vida da igreja pós-apostólica206 e o pontoculminante do culto207. É também a solene manifestação de fé e o cultoperfeito208, “realizado em todos os lugares da terra pelos cristãos”209, deforma tal, que não se conhece qualquer referência em toda a Igreja Primiti-va de celebração do domingo sem a Eucaristia210. É importante ressaltarque a falta da Eucaristia comprometeria outro sacramento, o Batismo, poisconsideraria os batizados ainda como catecúmenos em fase de preparação,sem o direito de participar do corpo e sangue de Cristo, o que seria umdesprezo de um meio da graça211.

A crença de que o corpo e sangue de Cristo eram recebidos na Eucaris-tia, é mais uma das ênfases da Igreja Antiga212. No entanto, acreditava-seque não era apenas no rito que a presença do Senhor se manifestava. “Bus-carás a cada dia a presença dos santos”213, recomenda o catequista, poisonde os irmãos estiverem reunidos para ouvir a palavra de Deus, “ali está oSenhor”214.

Quanto ao dia da semana escolhido para o culto eucarístico, o testemu-nho dos pais é que este acontecia no dia do Senhor215. A expressão “dia doSenhor” (Ap 1.10) já era usada no Novo Testamento, ou seja, “o primeirodia da semana”, data do encontro semanal da comunidade para o “partir dopão”216. Os cristãos do período que vai além do Novo Testamento, dosegundo século em diante, mantiveram o mesmo dia para seus encontroseucarísticos. O que se sabe é que “no dia do sol”217, a liturgia é celebradaem memória da ressurreição do Senhor218, pois os cristãos faziam do do-mingo o seu dia da guarda, e denominavam-no “dia do Senhor”219. Inácio deAntioquia, referindo-se ao dia da celebração, diz que o cristão “não mais obser-va o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor, no qual nossa vida se levan-

206 CULLMANN, op. cit., p. 29.207 José Gonçalves SALVADOR, O Didaquê ou Ensino do Senhor Através dos Doze Apóstolos, p. 57.208 Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de S. Justino, p. 76.209 Justino, Diálogo com o Judeu Trifão, 117.210 ALLMEN, O Culto Cristão, p. 176.211 Id. , p. 182.212 AMIOT, op. cit., p. 13-14.213 Didaqué IV:2.214 Id., IV:1.215 Id., XIV.216 Cap. 1.1.4 : “ A freqüência, o dia e a unanimidade”.217 Justino, Apologia I : Falando da liturgia dominical, Justino diz que “fazemos a reunião todos

juntos no dia do sol, por que é o primeiro dia, em que Deus, transformando as trevas e amatéria, fez o cosmos, e Jesus Cristo, nosso Salvador no mesmo dia ressuscitou de entre osmortos, pois na véspera do dia de Saturno o crucificaram, e um dia depois do de Saturno, queé o dia do sol, tendo aparecido aos seus Apóstolos e discípulos, ensinou-lhes precisamente oque propusemos também à vossa consideração”.

218 Justino, Apologia I .219 Didaqué, XIV.

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tou por Ele e por Sua morte”220. Hipólito ainda acrescenta que a reunião acon-tecia “no domingo de manhã”221. Os cristãos dessa época viam no domingo oseu dia mais solene, porque era o dia de “partir o pão e dar graças”222.

O domingo, portanto, tornou-se para os cristãos dos primeiros séculos odia de culto e celebração eucarística, lembrava que no primeiro dia da Cri-ação, Deus criou o mundo, e no primeiro dia da semana Cristo ressuscitou(simbolizando a Nova Criação) Ao mesmo tempo, os cristãos acreditavamque através da Ceia e da comunhão fraterna para ouvir o Evangelho, Cristose fazia presente em meio ao seu povo.

1.5.2 - O ORDO DA EUCARISTIA

No primeiro século as referências a um ordo do culto eucarístico restrin-gem-se223 à menção de algumas palavras, como “doutrina dos apóstolos, co-munhão, partir do pão e orações”224. Somam-se a estas as palavras de Paulo,“louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão emvossos corações” (Cl 3.16), ou ainda expressões como “Maranatha” (1Co16.22). A adoração neotestamentária, “regida” pelo Espírito de Deus, garantiu,apesar da diversidade de formas225, a união dos primeiros cristãos226.

É somente a partir do segundo século227 que se poderá ver o início deuma padronização do culto cristão228. Optou-se pela abordagem de trêsdocumentos que fornecem maior número de informações a este respeito: aDidaqué229, os textos catequético-litúrgicos de Justino230 e a Tradição Apos-tólica de Hipólito de Roma231. Justo Gonzalez, ao citar depoimentos de JustinoMártir, menciona que (referindo-se à celebração dominical) neles há ape-nas referência ao culto com a Eucaristia232.220 Inácio de Antioquia, Aos Magnésios IX.1 .221 Hipólito, Tradição Apostólica, Parte III : A Comunhão Dominical.222 Didaqué, XIV:1.223 ALLMEN, O Culto Cristão, p. 354.224 Capítulo 1.4.2 : “A Estrutura do Culto”.225 MARTIN, op. cit., p. 152-153.226 GOPPELT, op. cit., p. 415.227 André BENOIT, A Atualidade dos Pais da Igreja, p. 78: “ Os pais também viveram sua fé no

culto e nos sacramentos. A sua época foi de considerável formação litúrgica. Praticamenteinexistente nos primeiros anos da vida cristã – ou, para ser mais preciso, fundamentando-seapenas em algumas tradições judaicas – a liturgia cristã foi elaborada no correr dos primeirosséculos ... É interessante observar que essa tradição litúrgica não se desenvolveu independen-temente da Escritura... está repleta de conteúdo bíblico. A sua atmosfera ressalta notadamentea Escritura. A liturgia não passa de uma adaptação da Escritura às necessidades do culto”.

228 GONZALEZ, op. cit., p. 150-151.229 MARTIN, op. cit., p. 159, situa este importante documento da Igreja Antiga entre o final do

primeiro século e início do segundo século AD. Cf. CULLMANN, op. cit., p. 8, este é odocumento que contém a mais antiga coleção de liturgia do período após o Novo Testamento.

230 WALKER, op. cit., p. 65, Justino Mártir escreveu sua Apologia, em Roma, por volta do ano153 AD.

231 MARTIMORT, op. cit., p. 44, a Tradição Apostólica é situada por volta do ano 225 AD.232 GONZALEZ, op. cit., p. 151.

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Nas primeiras décadas da Igreja Cristã, a Eucaristía é apresentada, pri-meiramente, no contexto de uma refeição completa233; depois passou a serintegrada com uma refeição comunitária, denominada ágape 234 e, final-mente, como celebração matutina separada da refeição vespertina (cf. Plínio;Justino: Apologia 1 e Hipólito)235. Dix acrescenta que, por algum tempo otermo Eucaristia foi usado com referência à celebração litúrgica e tambémà refeição236.

A estrutura do culto eucarístico, conforme a Didaqué, pode ser vista atra-vés da abordagem dos capítulos IX, X e XIV237, que apontam para uma pos-sível ordem litúrgica, “a primeira etapa na elaboração da liturgia da missa”238.Identificou-se a seguinte estrutura do culto eucarístico: ósculo da paz 239, nãoespecificamente mencionado na Didaqué, mas comum já no tempo dos após-tolos (Rm 16.16; 1Pe 3.14), ação de graças sobre o primeiro cálice 240,oração de graças sobre o pão, oração pedindo pela comunhão cristã,seguida de uma doxologia, alerta para que os não-batizados não partici-pem da Eucaristia e, finalmente, uma oração pós-comunhão de bendiçãoou agradecimento pela revelação de Cristo, pela bênção da criação e reden-ção e súplica pela união da igreja. O referido ordo conclui com uma fórmula,que poderia ser responsiva241, e Maranatha242. Finalmente, os profetas ain-da podiam bendizer à vontade243.

A respeito desta estrutura, algumas considerações. As orações de açãode graças ou bendição ao final das celebrações eram livres, adaptadas àscircunstâncias pelos “profetas”244, enquanto que as orações dadas comomodelo, com características judaicas245, antes do cálice e antes de quebraro pão246, já demonstravam alguma preocupação litúrgica247. Quanto ao uso

233 WHITE, op. cit., p. 179-180.234 MARTIN, op. cit., p.159; DIDAQUÉ X.1: “E depois de satisfeitos”.235 WHITE, op. cit., p. 179; Urbano ZILLES, Didaqué: Catecismo dos Primeiros Cristãos, p. 64-

65.236 DIX, op. cit., p. 99.237 WHITE, op. cit., p. 180-181.238 MARTIMORT, op. cit., p. 36.239 WHITE, op. cit., p. 181240 Didaqué, IX.2.241 H. LIETZMANN, Messe und Herrenmahl, p. 237, sugere-se que Didaqué X.6 fosse utilizado

na forma de diálogo, assim : Líder: Venha a tua graça e passe este mundo.Comunidade: Hosana ao Filho de Davi.Líder: Se alguém é santo, aproxime-se; se não o é, arrependa-se. Maranatha.Comunidade: Amém.242 Didaqué, X.6.243 Id. X.7.244 CULLMANN, op. cit., p. 12.245 MARTIMORT, op. cit., p. 43.246 Didaqué, IX.2-3.247 J. Reis PEREIRA, Da Ceia do Senhor à Transubstanciação, p. 40.

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da Oração do Senhor, há fortes indícios de que nesta época já era utilizadano culto eucarístico248, o que é fundamentado pelo uso da doxologia final“pois teu é o poder e a glória pelos séculos”249. Portanto, é provável que notempo da Didaqué, pelo menos três tipos de oração eram utilizados no cultoeucarístico: as orações livres, as orações eucarísticas elaboradas e usadascomo modelo, e a Oração do Senhor.

Quanto à expressão “Maranatha”, Didaqué refere-se ao uso particularda palavra ao final da Ceia e em conexão com a liturgia eucarística250. Ofato de não ter sido traduzida, pois já é mencionada pelo apóstolo Paulo aosCoríntios (1Co 16.22), mas simplesmente utilizada pela comunidade cristãprimitiva, reforça ainda mais o seu significado, e aponta para um elementoespecificamente cristão da oração litúrgica, elemento que conecta estrita-mente o dia do culto cristão com a ressurreição de Cristo251. Seriam estasevidências de que Maranatha fizesse parte da oração eucarística da IgrejaPrimitiva? Cullmann é favorável a esta conclusão ao dizer que “esta antigaoração aponta ao mesmo tempo para trás, para a aparição de Cristo no diada sua ressurreição, para o seu presente comparecimento à refeição comu-nitária da comunidade e antecipa a sua aparição no final, o que é represen-tado freqüentemente no quadro da ceia Messiânica. Em todos os três casosuma refeição está envolvida. Por essa razão o Maranatha é acima de tudouma oração da Eucaristia” (tradução do autor)252.

A idéia de união e fraternidade realizada através da presença de Cristo,foi trazida para a liturgia da comunhão e recebeu ênfase na oração registra-da pela Didaqué253. Esta fraternidade é ainda reforçada em Didaqué XIV.1, que ensina a respeito da confissão de pecados, não caracterizada como

248 CULLMANN, op. cit., p. 12.249 Cf. Didaqué, VIII.2; Didaqué IX. 4, mesmo não mencionando especificamente o Pai Nosso,

utiliza a doxologia final “Pois tua é a glória e o poder pelos séculos. Amém”. Cf. CULLMANN,op. cit., p. 12, o uso litúrgico da Oração do Senhor é claramente indicado pela presença dapequena doxologia final em Didaqué VIII, representando o eco litúrgico da comunidade. Aspalavras “ Pois teu é o reino, etc.” não foram, certamente, ditas por Jesus, mas introduzidasmais tarde por influência da liturgia cristã primitiva. Cf. LOHMEYER, op. cit., p. 173, há umasuspeita de que a Oração do Senhor era originalmente dita na celebração da Ceia e, por estarazão a fórmula de louvor teria sido adicionada. Cullmann ainda argumenta que o uso daexpressão Abba-Pai em Gálatas 4.6 e Romanos 8.15, aponta para o uso litúrgico da oração doPai Nosso.

250 Didaqué, X. 6.251 CULLMANN, op. cit., p. 13-14, a oração de ação de graças alemã “Komm Herr Jesu, sei

unser Gast” ( “Vem, Senhor Jesus, sê nosso hóspede [ou ‘comensal’]”) pode ser consideradacomo uma tradução fiel de “Maranatha”.

252 Id., p. 14.253 Didaqué, IX. 4; Cf. ALLMEN, Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p. 79 : “Como o pão, que é

santificado para o uso comum de todos nós, é feito de vários grãos tão misturados juntos que nãose poderia discernir um do outro, assim devemos ser unidos entre nós com uma amizade indissolúvel.Além disso todos recebemos lá o mesmo corpo de Cristo, a fim de sermos membros”.

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254 Didaqué, XIV. 2; cf. CULLMANN, op cit., p. 22-23, fórmulas de confissão eram recitadasno culto da Igreja Primitiva: assim “omologein e exomologeistai” (confissão), (Romanos10.10 e Filipenses 2.11) em conexão com a confissão de que Cristo é o Senhor; na mesmadireção aponta a primitiva oração litúrgica Maranatha, relacionada com o segundo advento.Todas essas fórmulas de confissão têm em comum o aspecto cristocêntrico, o que testemunha aforça do Senhorio de Cristo (O Cristo ressurreto e elevado ao céu está no centro). Em DidaquéXIV. 1, encontra-se o conceito “confissão” relacionado à confissão de pecados, e esta, comonos primeiros tempos, ao lado da confissão de fé e em conexão com a Ceia do Senhor.”

255 CULLMANN, op. cit., p. 20; cf. ALLMENN, Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p. 79-80: “Aoutra antiga atestação litúrgica dessa mesma comunhão fraternal é o beijo da paz. Ele precedea comunhão. De prática apostólica, esse beijo quer provar que os que vão comungar aceitamalcançar sua situação batismal e portanto estar acima de tudo o que neste mundo é ocasião deoposição ou divisão, que eles aceitem em particular serem reconciliados entre si como e porqueeles o são de fato com Deus”.

256 CULLMANN, op. cit., p. 25.257 AMIOT, op. cit., p. 12.258 CULLMANN, op-. cit., p. 27, suas obras foram escritas em torno do ano 150 AD.259 Id., p. 27-28: Cullmann demonstrou que os dois supostos cultos da época, referidos por Plínio

( sendo um da palavra e outro com a Ceia do Senhor), na verdade estavam unidos em um só.260 Cf. WHITE, op. cit., p. 181; Cf. Justino, Apologia 1. 65: “Nós, porém, depois de assim lavado,

conduzimos o que creu e se agregou a nós, para junto dos que se chamam irmãos...”.261 Justino, Apologia 1. 65.; Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de São Justino, p. 76.262 Justino, Apologia 1. 65; MARTIMORT, op. cit., p. 35-36.263 RIEFF, Ofertório, p. 8-9: No ofertório, além dos elementos da ceia, eram trazidos alimentos

para suprir as necessidades dos que tinham menos recursos.264 Justino, Apologia 1. 67 e 1.65 : “ Recebendo-os [o pão e o cálice de vinho misturado com

água], ele [o que preside] eleva um hino de louvor e glória ao Pai de todas as coisas, pelo nomedo Filho e do Espírito Santo, pronuncia uma longa eucaristia por ele se ter dignado de conce-der-nos estas coisas”.

265 GIBIN, op. cit., p. 76.

penitência, mas como reconciliação com o próximo, com quem há algumadesavença. Isso é atestado pelas palavras: “Mas todo aquele que vive emdiscórdia com o outro, não se ajunte a vós antes de ser reconciliado, a fim deque o vosso sacrifício não seja profanado”254. O beijo ou ósculo santo obte-ve nesse mesmo contexto também o seu uso litúrgico como sinal de amorfraterno e mútua reconciliação255. E, como resultado dessa união (com Deuse com os irmãos), a participação de todos na liturgia era afirmada com oamém dito pela congregação256.

Parcialmente contemporâneo ao Didaqué257, Justino Mártir258 faz a pri-meira descrição mais completa sobre a reunião dominical da comunida-de259. O culto eucarístico continua sendo uma reunião exclusiva de pessoasbatizadas260, onde o ósculo santo marca seu início (depois da leitura da pa-lavra, admoestações, exortações e orações)261. Na seqüência, são apresen-tados o pão e um cálice de vinho misturado com água262; é o momento doofertório263. Ao receber das mãos do povo o pão e o vinho misturado comágua, o que preside, “na medida de seu poder, eleva orações e igualmenteações de graças”264. Justino, “ao invés de fornecer um texto formuladopara a anáfora, nos dá indicações de um esquema que aponta para o con-teúdo essencial de toda a oração eucarística”265.

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O povo responde com a aclamação “amém”266 e manifesta desta formaa sua participação267. Ao término da oração eucarística, os diáconos sãoencarregados de dar “a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e daágua eucaristizados”268, que também eram levados para os ausentes269, pro-vando que o serviço do domingo não estava restrito à liturgia eucarística,mas que a reunião da comunidade também acontecia para uma troca debens e conseqüente distribuição aos menos favorecidos ou que tinham im-pedimento de estar no culto270.

Nota-se que Justino traz alguns elementos a mais e mais precisos naordem do culto eucarístico. O ósculo é claramente mencionado e, especial-mente, o esquema da oração eucarística com suas ênfases, a menção devinho misturado com água e, finalmente, a reunião dos bens doados pelaspessoas batizadas, com o fim de socorrer os necessitados.

Com o passar dos anos, pouco a pouco, serão encontradas fórmulas maiselaboradas da celebração eucarística. É em Hipólito271 que se encontrará a pri-meira oração eucarística muito semelhante às que hoje são conhecidas272. O do-cumento em questão, situado na Tradição Apostólica de Hipólito, é possivelmente,em parte composição do próprio Hipólito e, em parte, compilação de outras liturgiasutilizadas na sua época273. Hipólito descreve detalhadamente duas situações emque a Eucaristia era celebrada: a primeira trata da Ordenação e Consagração doBispo274, e a segunda acontece no contexto do batismo275.

A oração eucarística, também conhecida como anáfora276, é proferidapelo celebrante277. Esta, de Hipólito, que aqui será apreciada, encontra-senuma ordem para eleição e consagração dos bispos278. Não é mencionada aliturgia da palavra que, segundo White, em ocasião especial ainda era sepa-rável quando outra celebração precedia a eucaristia279. Após o rito de con-sagração do bispo, menciona-se o ósculo da paz280. Segue, então, a liturgia

266 Justino, Apologia 1. 65: “Pois o amém, na língua hebraica, significa: assim seja”.267 MARTIMORT, op. cit., p. 35.268 Justino, Apologia I. 65.269 Id., 67.; cf. MARTIN, op. cit., p. 160, nessa época a “distribuição dos elementos ao povo

pelos diáconos e a coleta para os necessitados, é bem conhecida e ficou padronizada”.270 GIBIN, op. cit., p. 76.271 Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, p. 47 : Hipólito foi bispo em Roma e adversário do

Papa Calixto, foi banido para Sardenha durante uma perseguição (ca. 235), e morreu no exílio.272 MARTIMORT, op. cit., p. 44.273 H. BETTENSON, Documentos da Igreja Cristã, p. 135.274 Hipólito, Tradição Apostólica: Eleição e Consagração dos Bispos.275 Id., Os que se aproximam da fé.276 Cf. AMIOT, op. cit., p. 14 : é formada por duas palavras gregas que significam elevar,

oferecer.277 WHITE, op. cit., p. 114.278 Hipólito, Parte I : Eleição e Consagração dos Bispos.279 WHITE, op. cit., p. 114.280 Hipólito, Parte I : Eleição e Consagração dos Bispos.

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281 Id., Eucaristia : “Logo que se tenha tornado bispo, ofereçam-lhe todos o ósculo da paz,saudando-o por se ter tornado digno. Apresentem-lhe os diáconos a oblação e ele, impondo amão sobre ela, dando graças com todo o presbyterium, diga: - O Senhor esteja convosco.Respondam todos: E com o teu espírito. – Corações ao alto! - Já os oferecemos ao Senhor. –Demos graças ao Senhor. – É digno e justo. E prossiga, a seguir: Graças te damos, Deus, peloteu Filho querido, Jesus Cristo, que nos últimos tempos nos enviaste, Salvador e Redentor,mensageiro da tua vontade, que é o teu Verbo inseparável, por meio do qual fizeste todas ascoisas e que, porque foi do teu agrado, enviaste do Céu ao seio de uma Virgem; que aíencerrado, tomou um corpo e revelou-se teu Filho, nascido do Espírito Santo e da Virgem. Quecumprindo a tua vontade – e obtendo para ti um povo santo – ergueu as mãos enquanto sofriapara salvar do sofrimento os que confiaram em ti. Que, enquanto era entregue à voluntáriaPaixão para destruir a morte, fazer em pedaços as cadeias do demônio, esmagar os poderes domal, iluminar os justos, estabelecer a Lei e dar a conhecer a Ressurreição, tomou o pão e deugraças a ti, dizendo: Tomai, comei, isto é o meu corpo que por vós será destruído; tomou,igualmente, o cálice, dizendo: Este é o meu sangue, que por vós será derramado. Quandofizerdes isto, fá-lo-eis em minha memória. Por isso, nós que nos lembramos de sua morte eressurreição, oferecemos-te o pão e o cálice, dando-te graças porque nos consideraste dignos deestar diante de ti e de servir-te. E te pedimos que envies o teu Espírito Santo à Oblação da santaIgreja: reunindo em um só rebanho todos os fiéis que recebemos a Eucaristia na plenitude doEspírito Santo para fortalecimento de nossa fé na Verdade, concede que te louvemos e teglorifiquemos, pelo teu Filho Jesus Cristo, pelo qual a ti a glória e a honra – ao Pai e ao Filho,com o Espírito Santo na tua santa Igreja, agora e pelos séculos dos séculos. Amém”.

282 AMIOT, op. cit., p. 15.283 Ibid. MARTIMORT, op. cit., p. 45-46 : Martimort esquematiza de forma mais simples o que

é descrito na anáfora de Hipólito, vendo nela seis partes distintas: 1- Expressão de ação degraças logo após o diálogo entre o bispo e a assembléia; 2- o relato da instituição; 3- a anamnese,que não é mera referência ao passado; 4- a invocação dos frutos do sacrifício de Cristo sobre osque vão comungar ( também chamada de epiclese ou invocação do Espírito Santo); 5- adoxologia e 6- o amém da comunidade.

284 MARTIMORT, Princípios da Liturgia, p. 146. BECKHÄUSER, Celebrar a Vida Cristã., p. 91-95.285 Hipólito, A Primeira Eucaristia.

eucarística281. Nesta ordem, encontram-se os seguintes elementos: a) Diá-logo inicial do prefácio282, seguindo um velho costume judaico (Rt 2.4); b)inicia-se uma ação de graças pela encarnação do Filho de Deus e sua pai-xão e morte; c) são mencionados os frutos da paixão; d) o relato da últimaceia, com as palavras da instituição; e) a afirmação de que a igreja age deacordo com o mandamento do Senhor, fazendo isto em memória de suamorte e ressurreição; f) oferece o pão e o vinho consagrados e, finalmente,g) pede pelo envio do Espírito Santo a fim de que todos os participantessejam fortalecidos na fé e, por Jesus, louvem sem fim a Trindade283.

Falando sobre as características gerais da anáfora de Hipólito, e de ora-ções semelhantes a esta, Martimort faz as seguintes considerações: trata-se de uma oração coletiva e universal, e não individual; não é meramenteemotiva, mas racionalmente elaborada; o povo participa em pé e em silên-cio, confirmando com o amém; é trinitária em seu todo e, especialmente, nadoxologia284.

Na celebração eucarística no contexto do Batismo285, a liturgia da pala-

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vra estava incluída nas exortações aos catecúmenos286 (“E permanecerãovigilantes durante toda a noite, e se lerá para eles, e serão instruídos”287), narenúncia e na profissão de fé e nas orações. O que foi batizado é, agora,“digno, deve participar, na mesma hora da oblação”. O ofertório também émencionado, quando é dito que “os batizandi” não deviam ter “nada em seupoder, a não ser o que trazem para a Eucaristia”288. Após a confirmaçãocom óleo e sinal da cruz em nome do Trino Deus, menciona-se o ósculosanto289, então inicia-se o diálogo290. Na seqüência é mencionado o uso depão abençoado, vinho (imagem do sangue), leite e mel misturados, pararecordar a promessa da terra que mana leite e mel, e que em Cristo essapromessa foi cumprida.291 O bispo dará graças sobre a água como repre-sentação do batismo e, então, conduzirá a distribuição da Eucaristia292. Se-gue imediatamente a ordem para que todos, após a Ceia, apressem-se emfazer o bem293. Não é mencionado todo o texto da oração eucarística, poisnão se trata de uma ordem de culto, mas de uma “concisa instrução sobreo batismo e sobre a oblação294.

Pode-se concluir, pois, que em Hipólito, a liturgia eucarística correspondeà “oração dos fiéis, beijo da paz, ofertório, oração de consagração (apesarde haver um texto, permite-se alguma liberdade, com regras para a improvi-sação, para que seja correta e de acordo com a ortodoxia), - há menção debênçãos sobre a oferta para os necessitados -, a comunhão celebrada comorações próprias, o rito e a despedida295. Quanto às regras para os ágapes296,bem como as ceias das viúvas297 e a comunhão diária298, estão todos relaci-onados com os batizados, na certeza da presença de Cristo, com profundoespírito de oração299, e marcadas pela preocupação com os pobres, viúvas,

286 Hipólito, Os que se aproximam da fé.287 Hipólito., A Tradição do Santo Batismo.288 Hipólito, A Tradição do Santo Batismo..289 Hipólito, A Confirmação.290 Ibid.: “O Senhor esteja contigo”; Responda o que foi marcado: “E com o teu espírito”291 Hipólito, A Primeira Eucaristia.292 Ibid.: “Partindo o pão, diga, distribuindo os pedaços: O pão celestial em Jesus Cristo. E o que

recebe responda: Amém. Se os presbíteros não forem suficientes, peguem os cálices os diáconose, com dignidade, coloquem-se em ordem: primeiro o que segura a água, em segundo lugar oque segura o leite, em terceiro, o que segura o vinho. Provem de cada cálice os que recebem,dizendo três vezes aquele que dá; Em Deus Pai Onipotente. Responda o que recebe. Amém. -E em nosso Senhor Jesus Cristo. – Amém. – E no Espírito Santo e na Santa Igreja. – Eresponda: Amém. Assim proceda com cada um.

293 Ibid.294 Ibid.295 GIBIN, Tradição Apostólica de Hipólito de Roma , Introdução, p. 26.296 Hipólito, O Ágape.297 Hipólito, A Ceia das Viúvas.298 Hipólito, A Comunhão Diária.299 Id. 82, 84, 85.

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300 HÄGGLUND, op. cit., p. 14.301 WHITE, op. cit., p. 192-194.302 Id., p. 192.303 Ibid..304 Didaqué IX. 1-3; X. 1-4; XIV. 1.305 Justino, Apologia 1. 65.306 Id., 66.307 Hipólito, Eleição e Consagração dos Bispos: Eucaristia.308 Justino, Apologia 1. 65309 Hipólito, Tradição Apostólica 54.310 Didaqué XIV. 2.311 Justino, Apologia 1. 65; Hipólito, Tradição Apostólica 16.25; Didaqué IX. 4 e X. 5.312 WHITE, op. cit., p. 192.; ver também Didaqué IX. 4; X. 5; Apologia 65.3.313 Justino, Apologia 1. 65 e 67.; Hipólito, Tradição Apostólica 58.; ver também Didaqué 11 e 12.314 Justino, op, cit., 67; Hipólito, Tradição Apostólica 12 a 16; Didaqué IX. 2 e 3; X. 2 e 3.315 Hipólito, op. cit., 14 -a 16; Justino, Diálogo com Trifão.316 Hipólito, Tradição Apostólica 66.

doentes, coveiros, enfim, os ausentes.Mesmo marcada por certo moralismo ou legalismo300, são preciosas as

informações sobre a vida cristã encontradas em Hipólito, especialmentesobre a estrutura do culto, em parte ainda utilizada nos tempos presentes.

1.5.4 - OS TEMAS CENTRAIS DA EUCARISTIA

Os cinco temas identificados por Yngve Brilioth (ex-arcebispo luteranoda Suécia) na Eucaristia no Novo Testamento301, podem também ser iden-tificados nos três documentos dos pais apostólicos, seja na sua totalidade, ouem parte ao menos. “São eles: eucaristia ou ação de graças, confraterniza-ção na comunhão, comemoração ou elemento histórico, sacrifício, e misté-rio ou presença”302, além de outros dois temas mencionados por autoresmais recentes: “Obra do Espírito Santo e evento escatológico”303.

A ação de graças está presente nas diversas bendições na Didaqué,sobre o cálice, sobre o pão e após a celebração304. Justino também o con-firma “na longa eucaristia [que] é pronunciada”305 e declara que “este ali-mento se chama entre nós de eucaristia”306. Em Hipólito, toda a temática daoração eucarística gira em torno desse tema, desde a expressão inicial “De-mos graças ao Senhor”307.

A temática da confraternização fica evidente no “ósculo santo” (menci-onado especificamente em Justino308 e Hipólito309, e subentendido emDidaqué310), e também no amém comunitário311, no pão único e cálice co-mum312, além do mútuo acolhimento e ajuda material313.

A comemoração ou elemento histórico é comprovado no uso da anamnese(em memória da criação e redenção)314 e nas palavras da instituição315,além do uso de aleluias e salmos, repetidos por todos316.

O tema do sacrifício também aparece na narrativa da instituição, naspalavras “meu corpo que por vós será destruído e sangue por vós derrama-

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do”317, no uso de expressões como oblação318, sacrifício319, oferenda320 eraça sacerdotal321.

O tema da presença322 pode ser identificado na relação do pão e dovinho com o corpo e sangue de Cristo na Eucaristia323 (fala inclusive do pãocomo a carne de Jesus324) e no uso do domingo como dia de culto, recor-dando que o Salvador vive325.

A idéia de que a Eucaristia também é local da atuação do Espírito Santoaparece especialmente na epiclese326, ou seja, na invocação dos frutos dosacrifício sobre os que vão comungar, pedindo que sejam repletos do Espíri-to Santo327.

Finalmente, a dimensão escatológica328 é atestada na esperança de ser“dignos de obter a salvação eterna”329, nas doxologias330 e (na Didaqué) naexpressão maranatha331.

Ainda pode-se destacar que se tratava da reunião dos irmãos332, san-tos333, batizados334, reconciliados entre si335 e em plena conexão com a Igre-ja336. Destaca-se, pois, que a “Eucaristia é fonte de amor dos irmãos. Elaleva à prática da caridade desinteressada e constitui o fundamento da uni-dade da Igreja”337.

1.6 - CONCLUSÃO

Ao estudar as origens do culto cristão e especialmente da Eucaristia,conclui-se que há uma série de elementos da cultura, culto e costumesjudaicos que influenciaram na sua composição. E não poderia ser diferente,pois o culto cristão originou-se no meio desse povo. Destaca-se primeira-mente que muitos acordos e alianças eram firmados e selados em meio a

317 Id., 14-16; Justino: Diálogo com Trifão 41.318 Hipólito, Tradição Apostólica 11.319 Justino: Diálogo com Trifão.320 Hipólito, Tradição Apostólica 16.321 Justino: Diálogo com Trifão.322 Didaqué IV. 1.323 AMIOT, op. cit., p. 13-14.324 GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de São Justino, p. 78.325 Justino, Apologia 1. 67.326 Hipólito, Tradição Apostólica 16.327 MARTIMORT, A Eucaristia, p. 46.328 WHITE, op. cit., p. 193.329 Justino, Apologia 1. 65; 67.330 Hipólito, Tradição Apostólica 16.331 Didaqué X. 6.332 MARTIMORT, A Eucaristia, p. 35.333 Didaqué IV. 2.334 Didaqué X. 6.335 Didaqué XIV. 2.336 SALVADOR, op. cit., p. 57-58.337 GIBIN, Introdução aos Textos Catequético-Litúrgicos de Sâo Justino, p. 75.

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uma refeição; festas religiosas incluíam refeições, que eram importantescomo sinal de comunhão com Deus e com o semelhante.

As refeições familiares também tiveram sua parcela de contribuição parafuturas concepções da Eucaristia. O pão como elemento imprescindível navida do povo judeu e o vinho como bebida que normalmente acompanhavaas refeições, eram símbolos do que é essencial para a vida. Estes foram oselementos usados quando da instituição da Eucaristia, que se tornou pãopara a vida eterna. As diversas refeições familiares, tanto as anuais, quantoas semanais, eram marcadas por ações de graça e recordações dos gran-des feitos de Deus desde a criação e, em especial, na redenção de seu povo,e ardente expectativa por uma libertação plena no futuro. Estes elementosforam importantes na moldagem das orações eucarísticas, da anamnese edas expressões escatológicas na liturgia. Além disto, destaca-se que nor-malmente tais refeições aconteciam com um grupo específico, família oucírculo de amigos. Foi o que aconteceu por ocasião da última ceia, e tam-bém teve influências na restrição aos não batizados nos tempos da IgrejaPrimitiva.

A sinagoga também contribuiu para a estruturação do culto eucarístico.Aquela parte que é conhecida como liturgia da Palavra, ou seja, a leitura dasEscrituras e sua exposição através de uma homilia e as orações de interces-são, são herança da sinagoga.

Do templo originou-se toda a linguagem sacrificial, presente nas pala-vras da instituição (Nova Aliança e sangue), além do uso de salmosresponsivos e amém da comunidade.

A última ceia de Jesus com seus discípulos, que aconteceu em meio aum refeição, estava envolvida por uma série de elementos característicosdas refeições judaicas. A novidade está na presença de Cristo e na identifi-cação do pão e do vinho com seu corpo e sangue. Destacam-se, além daspalavras de Jesus, as ações “tomar”, “abençoar”, “quebrar o pão” e “darpão e vinho” aos discípulos, que tornaram-se importantes na moldagem fu-tura da liturgia eucarística. A expressão “Nova Aliança” aponta para outroelemento inédito no culto: é permanente e, referindo-se ao sacrifício únicoe perfeito de Cristo, não precisa ser repetida mediante abate de animais,como na “Velha Aliança”. O mandamento acerca da repetição tornou-sesignificativo na instituição desse “novo culto”, o culto cristão (marcado pelaação remidora de Cristo, sua morte e ressurreição) e evidenciou nele acentralidade da Eucaristia.

No tempo dos apóstolos destaca-se a expressão “partir do pão” que fazlembrar das ações do próprio Cristo e, também, do espírito de fraternidade ecomunhão. Para celebrar a presença do Ressurreto e assegurar a ação doEspírito Santo, o “partir do pão” tornou-se freqüente, possivelmente diáriopor algum tempo e, especialmente, dominical. A estrutura desse culto con-

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tava com a proclamação da Palavra, a comunhão fraterna (parte essencial),a Eucaristia e as orações. As casas dos “irmãos” tornaram-se pouco apouco o local de encontro dos cristãos, pois o templo e a sinagoga não seprestavam para as refeições comunitárias. Tais celebrações eram marcadaspor alegria e simplicidade, e tinham como motivo principal a união com Cris-to e com os irmãos. Os cristãos no tempo dos apóstolos olhavam para opassado, recordavam os grandes feitos de Deus para a salvação da huma-nidade e reviviam o que aconteceu na última ceia; no presente celebravama união com Cristo e com os irmãos e, vislumbrando o futuro, manifestavama expectativa do reino eterno, marcado pela expressão maranatha. Sendo olocal da atuação do Espírito Santo, a participação na Eucaristia trouxe comoconseqüência muito amor fraternal e ajuda mútua (a diaconia tinha um pa-pel essencial), conquistou a simpatia do povo e promoveu um crescimentofora do normal da Igreja.

Como nem tudo era perfeito, por envolver pessoas, muito cedo proble-mas tiveram que ser atacados. O apóstolo Paulo chama a atenção de que oque torna alguém indigno de participar da Eucaristia é a falta de amor aDeus e ao semelhante, manifestada no egoísmo e descaso para com osmenos favorecidos. O seu discurso ataca o problema social da comunidadede Corinto, e enfatiza que a falta de ajuda aos “que nada têm” quebra aunidade da igreja e torna a celebração eucarística indigna. Por isso tambémenfoca a questão da unidade em “um só pão, um só corpo”.

O testemunho dos Pais Apostólicos dos séculos II e III também leva aconclusões importantes, pois não há qualquer evidência de culto dominicalsem a Eucaristia nesse período. Eucaristia é elemento central e, até certoponto, motivo da reunião da comunidade. Os anos passam, porém a certezada presença de Cristo é evidenciada em expressões como corpo e sangue ecarne e sangue de Jesus. O primeiro dia da semana é confirmado como diade culto e símbolo da “nova criação”.

Os três documentos (Didaqué, Apologia de Justino e Tradição Apostóli-ca de Hipólito) apreciados para identificar uma ordem da liturgia eucarística,apontam para uma gradativa padronização do culto cristão. O próprio usoda expressão Eucaristia, a partir do final do primeiro século ou início dosegundo, denota essa padronização. Enquanto que nas origens da IgrejaCristã a Eucaristia era celebrada no contexto de uma refeição completa,pouco a pouco e, especialmente no segundo século, ceia e refeição foramseparados, até o quase completo desaparecimento desta. O que fica claro,no entanto, é que a ação concreta de ajuda aos necessitados continuavasendo elemento essencial da Eucaristia, caracterizada pela ênfase na ajudaao próximo e socorro aos ausentes.

A estrutura básica do culto, ao final desse período, é composta basica-mente pelo que segue: Leitura das Escrituras, Exortações (homilia) e ora-

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ções, reconciliação dos irmãos que culminava com o ósculo santo, o Ofertórioou apresentação do pão e vinho (além da oferta para os necessitados), Di-álogo do Prefácio, Oração Eucarística, possivelmente o uso da Oração doSenhor (não se pode identificar o momento exato desta oração), Distribui-ção, Ação de graças pós-comunhão e a exortação a que levassem tambémpara os ausentes e se apressassem em fazer o bem.

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PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTOIsaías 63.16b-17; 64.1-801 de dezembro de 2002

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

CONTEXTO

“Oh! Se fendesses os céus e descesses!” (Is 64.1) Este é o tema doAdvento, na forma de uma oração. É uma formulação muito apropriada.Afinal, o Advento, como vinda de Deus, trata da ação de Deus. Não lem-bramos nossos atos, tampouco enfatizamos o que nós queremos ou prome-temos fazer. Celebramos o agir de Deus, e nada melhor do que fazê-lo naforma de uma oração. E que oração! Ela é altamente poética e traz algu-mas das mais belas imagens bíblicas.

Antes de entrar no texto, algumas observações sobre a forma da perícopee o contexto em que está inserida. A perícope começa em Is 63.16b, comas palavras: “Tu, ó SENHOR, és nosso Pai; nosso Redentor é o teu nomedesde a antiguidade”. A isto se acrescenta o v. 17, e os primeiros oitoversículos do capítulo 64. O que se consegue com este recorte é umamoldura em que a expressão “nosso Pai” abre (63.16) e fecha (64.8) aperícope. Além disto, identifica a quem se dirige a oração, “Oh! Se fendes-ses os céus e descesses!” Ela se dirige ao SENHOR, nosso Pai, nossoRedentor (63.16).

O contexto imediato (63.7-64.12) pode ser descrito como “A última ora-ção do profeta” (ver Almeida Revista e Atualizada). Esta oração é seme-lhante a um lamento nacional, e lembra alguns dos Salmos, como, por exem-plo, o Sl 44. É feita de duas partes: a) louvor, em que se lembra os feitos deDeus no passado (63.7-14); b) súplica, em que se pede a Deus que realize aredenção prometida (63.15-64.12). No meio da súplica, há uma confissãode pecado (64.5b-7). A oração de Isaías deriva, não de amargura ou dúvi-da, mas da confiança absoluta de que Deus não abandona seu povo (Is64.8-12).

TEXTO

Um texto tão rico não pode aqui ser explicado em seus detalhes. Se-guem algumas anotações.

2.1: “Nosso Pai” (63.16) – Em todo o AT, só aqui a expressão “nosso

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Pai” (no hebraico, uma só palavra - Wnyba, “abinu”) é aplicada a Deus.É claro que Israel sabe que Deus é seu Pai. Além disso, há passagensem que Deus chama Israel de “seu filho” (ver Êx 4.22; Dt 32.6; Jr 3.4;31.9; Ml 2.10; ver também Jo 8.41). Detalhando isto, pode-se dizerque o SENHOR é o pai de Israel porque foi ele quem formou a nação(Is 64.8). Agora, essa paternidade tem a ver, acima de tudo, com aaliança de salvação. Deus amou Israel (Os 11.1; Jr 31.20), comprou opovo, ao redimi-lo do Egito (Dt 32.6), e continuou a guiar o seu primogênito(Êx 4.22; Jr 31.9-10).

Em Is 63.16a existe um interessante contraste entre os “pais” de Israel,Abraão e Jacó (“Israel”), e o verdadeiro Pai, que é Deus. Aqueles podemesquecer-se de seu povo, mas o SENHOR não o faria.

2.2: “Nosso Redentor” (63.16) - O termo hebraico para “redentor” (laeGO,“goel”) lembra a pessoa encarregada de proteger a família (veja-se ahistória de Rute). O intérprete é tentado a sugerir que o SENHOR évisto como “protetor familiar de Israel”. Em outras palavras, Israel é afamília de Deus, da qual ele é o “goel” ou Redentor.

2.3: “Oh! Se fendesses os céus e descesses!” (64.1) — Fender ou ras-gar o céu é uma impressionante imagem, em que o céu é comparado àlona de uma tenda. Na memória do povo de Deus está aquela impres-sionante manifestação no Sinai (Êx 19.16-19; cf. Sl 18.7-9). A vinda deDeus em juízo e redenção traz consigo efeitos cósmicos.

Deus rompe a barreira e se manifesta em nosso mundo. Por isso, oprofeta pede uma manifestação de Deus semelhante àquela do Sinai. Porque esta súplica agora? Porque há problemas que afligem a nação, porculpa do povo. Nessa situação sem saída, só resta clamar e pedir ao Deusvivo que volte a agir, por mais indigno que seja o povo.

Registre-se que durante todo o período intertestamentário Israel viveucom essa noção de que os céus estavam selados. Tanto mais nos impressi-ona o evento do batismo de Jesus, em que temos um cumprimento destapetição: os céus se rasgaram e o Espírito desceu sobre Jesus e o Pai falou(Mc 1.10-11).

2.4: “Nem com os olhos se viu Deus além de ti” (v.4) – Parte desteversículo aparece no NT em 1 Co 2.9. Notar que se nega, não apenasque existe um Deus igual ao SENHOR, mas que exista um Deus alémdele. É a ênfase no monoteísmo, tão característica de Isaías.

2.5: “Te iraste” (v.5) — Esta ira culminou no exílio babilônico. O motivoda ira é o pecado do povo.

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2.6: “Somos como o imundo” (v.6) – Mais um símile, em meio a tantosoutros. O povo (notar o “todos nós”, aqui e nos vv. 8,9) é como pessoacom lepra (Lv 13.45; cf. Is 6.5). Agora, a imagem mais forte é a quesegue: “todas as nossas justiças (!), como trapo da imundícia” (v.6).Não é trapo de imundícia, mas da imundícia. Parece que se pensa emalgo bem específico, como os panos que a mulher usa durante o períodomenstrual, um tempo em que ela é imunda (ver Lv 15.19-24; Ez 36.17).A Bíblia da CNBB ousa traduzir: “nossa justiça toda é como sanguemenstrual”.

2.7: “Nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro” (v.8) – Um imagem queecoa outros textos de Isaías (Is 29.16; 45.9) e que reverbera mais adi-ante em Rm 9.20-21. Isto é verdade tanto em termos de juízo (lei),quanto em termos de salvação (evangelho).

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Sugere-se desenvolver o tema: “Oh! Se fendesses os céus e desces-ses!”, com as seguintes partes: 1. Quem pede (todos nós, imundos, etc.); 2.A quem pede (ao Pai, Redentor, Deus único, Deus irado que esconde orosto, “oleiro”, etc.); 3. O que pede (uma súplica de advento; as implica-ções do pedido: com que coragem pode um povo iníquo pedir a presençadesse Deus à cuja presença os montes tremem?; o cumprimento da prece).

Vilson ScholzSão Leopoldo, RS

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SEGUNDO DOMINGO DE ADVENTO8 de dezembro de 2002

Isaías 40. 1-11

CONTEXTO

Neste texto temos a chave para toda a segunda parte do livro de Isaías.É a introdução, o prólogo do que é chamado o “primeiro discurso”, anunci-ando ao mesmo tempo toda a parte profética de 40.12 a 66.24. A fala retra-ta Javé como o verdadeiro consolador, cuja palavra permanece em meio aosofrimento, o pastor que guia seu povo, correspondendo esta fala à repre-sentação que vem em seguida, na segunda parte: Javé é o Deus infinito eincomparável, que restaura o seu povo. Isaías, o evangelista do Antigo Tes-tamento, se destaca por suas belas imagens do Senhor compassivo com anação quebrantada de Israel. No capítulo 40 está particularmente presentea palavra de consolação. A palavra consolo é um presente de Deus para umpovo no meio de suas calamidades e desgraças. O caminho do arrependi-mento está preparado, eles podem esperar o advento da salvação de Deus.

TEXTO: CONSIDERAÇÕES EXEGÉTICO-HOMILÉTICAS

O texto contém três chamamentos, três anúncios vívidos, três clamores,que vão se intensificando, e que contêm uma tríplice especificação do anún-cio geral da salvação nos vv. 1 e 2: no primeiro (vv.3-5), a “voz” chama opovo a dar meia volta (pois Deus enviará salvação ao mundo inteiro, cf. aantecipação: “a glória do Senhor se manifestará”, v.5). É o convite para seeliminar todo obstáculo externo e interno que pudesse obstruir esta salva-ção. A segunda “voz” (vv.6-8) lembra a realidade da vida humana que élimitada pela finitude: toda flor seca, todos e todas morrerão. A realizaçãode um homem, o sucesso de uma mulher, tudo acabará, e o profeta nãoesconde este fato brutal de nossa existência. Nenhuma experiência humanaescapa deste veredito. No entanto, esta finitude realça o valor para nós daestabilidade e perenidade do consolador: “a palavra de nosso Deus perma-nece eternamente”, v. 8. Um convite a finitos e frágeis seres como nós nosapegarmos às promessas de Deus, que são como uma rocha no meio daefemeridade da vida humana. Como povo de Deus, ajoelhando-nos em ar-rependimento, confessamos nossas mais profundas necessidades, e afirma-

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mos o poder e a disposição de Deus para ouvir e atender as nossas orações.Finalmente, a terceira “voz” (vv.9-11) anuncia as boas novas de que Deusestá presente para salvar o seu povo. Ela conclama Israel, em exílio, aconfiar no Senhor, que vem como redentor, e a submeter-se à sua orienta-ção fiel e paterna.

“Consolai [...] sua iniqüidade está perdoada” (v.1-2). Embora julgada e emexílio, Israel deve saber que ainda é povo escolhido de Deus. Esta voz profé-tica não se refere somente ao profeta, para quem seria impossível lidar pasto-ralmente com cada israelita. Assim, estas palavras divinas são uma missãodada a cada um, que leve a palavra de consolação ao seu semelhante, quecada um ajude a consolar e reconfortar. “Falar ao coração” significa falarcalorosamente, cobrir com palavras, aquietar. Que se clame alto (consolai!)ou que se fale suavemente ao coração, agora é chegado o tempo, para Israel,de saber que o tempo da graça está aí. “É findo o tempo de sua milícia”, étomado mais no sentido figurado designando as vicissitudes e dificuldades navida, que podem ser vividos como conflitos (cf. Ef 6.11ss; 1 Tm 6.12; 2 Tm2.3ss; 6.7), sendo que neste caso a expressão é ampliada para caracterizar asaflições e sofrimentos de Israel neste período difícil: um tempo de conflito.

Vv. 3ss: “João Batista foi o primeiro daqueles mensageiros e arautos denossa redenção, da qual a redenção da Babilônia fora apenas um tipo. Maseste compreende todos os outros ministros da Palavra, que Deus enviou eque enviará até o fim do mundo para conduzir almas desafortunadas parafora deste deserto miserável, e para fora desta prisão da lei, para a cidadeceleste de Deus. O caminho está preparado para o Senhor quando lança-mos fora as grandes pedras e ídolos, como o orgulho, confiança nas própri-as obras, e quando reconhecemos nossos pecados. Pois eles literalmentebarram a entrada da graça” (Heim e Hoffmann, cf. Lange).

“Quando nós observamos atentamente o movimento quieto, poderoso doSenhor através da história do mundo, nós vemos como, diante do seu cami-nhar, os vales se elevam sozinhos, e as montanhas afundam, como encostasíngremes tornam-se planície, e paredões se tornam planos. Não tenhamosmedo de atravessar os desertos da vida se Deus está conosco! É uma cami-nhada por belas sendas planas.” (Umbreit, cf. Lange).

V. 8b: “A palavra de nosso Deus permanece eternamente”. Esta palavracria o mundo (Gn 1; Jo 1; Sl 33.6) e também o sustenta por meio do seupoder (Hb 1.3). Céus e terra são preservados para o último Dia (2 Pe3.7), quando passarão, mas sua palavra não passará (Is 51.6; Sl 102.27;Mt 5.18; Lc 21.33). Sua palavra não sairá vazia, como diz Isaías, mascumprirá o seu desígnio e produzirá seus frutos (55.11). “E quando

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todas as formas terrestres, nas quais a palavra do Senhor se investe,ficarem velhas e passarem como a relva que seca, ainda assim a verda-de eterna, escondida nestas formas, aparecerá tanto mais gloriosamen-te de suas configurações demolidas, e todos os que terão vivido napalavra de Deus e que terão confiado nele ressurgirão com ele parauma nova vida” (Lange).

ILUSTRAÇÃO

Um grupo de meninos na praça discutia sobre quanto dinheiro cada umtinha, sendo que a conversa transformou-se em “medição de forças”: “Eu tenho75 centavos”, dizia um, mostrando as moedas de 50 e 25. Imediatamente outrodizia: “Eu tenho uma nota de um real”, dizia outro todo orgulhoso, exibindo a“verdinha”, ao que emenda um terceiro dizendo que tinha dois reais, puxando asnotas do bolso. Foi quando o quarto arrematou: “Pois eu tenho cinco reais!” Sóque não mostrava o dinheiro. Quando os outros o intimaram a provar sua pre-tensão, ele responde: “Meu pai me disse que hoje à noite vai me dar cinco reais,então já são meus, porque meu pai disse.” (adaptado, CPR).

DISPOSIÇÕES HOMILÉTICAS

“Por que o advento de Jesus ainda é hoje um consolo e alegria?”1. Através dele o tempo de servidão termina (v.2)2. A maldição do pecado é removida (v. 2-3)3. A prometida nova criação é introduzida (v.4)4. A palavra do Senhor revelou a sua glória

“A preciosa missão do Senhor para os ministros da palavra: consolai omeu povo!” Perguntamos:

1. A quem, segundo a palavra de Deus, o consolo deve ser levado?2. Que tipo de consolo, segundo esta palavra, deveria ser levado?

“Que preparação Deus pede de nós para compartilharmos do consoloem Cristo?”

1. Preparem o caminho do Senhor2. Aprendam a conhecer sua pequenez

Fontes:GAULKE, Stephen. A Christmas Confort. CPR, 9/1997, 17ss.LANGE, John P. Commentary on the Holy Scriptures: Isaiah. Schaff,

Ph., trad. Grand Rapids: Zondervan, 1878.

Manfred ZeuchCanoas, RS

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TERCEIRO DOMINGO DE ADVENTOIsaías 61.1-3, 10-11

15 de dezembro de 2002

CONTEXTO

O presente texto encontra-se no coração da unidade literária que englo-ba os capítulos 56-66, considerada pela crítica moderna como obra do Trito-Isaías, um profeta do início do período persa que teria pregado o futuroglorioso de Sião (59.15b–62) a um povo que lamenta seu estado presente(58–59.15a; 63–64), apesar da idolatria e do abandono do culto verdadeiropela nação (56–57; 65–66).

Esta estrutura literária é preferível à que divide Is 40-66 em três seções,demarcadas pelo refrão em 48.22 e 57.21. Após o chamado ao louvor nocapítulo 54, que evidencia o ápice atingido em 53, Is 55 marca um reiníciosemelhante a Is 40 em conteúdo (40.1-2/55.1; 40.6-8/55.10-11) e função(pregação de consolo e esperança). A voz que aqui se apresenta, porém,não é a de um indivíduo do período do AT, mas sem dúvida a do Servo doSenhor, já introduzido em Is 42, 49, 50 e 53, e personificado séculos maistarde em Jesus Cristo (Lc 4.16-21).

O Servo do Senhor atinge aqui o ápice de sua revelação na profecia deIsaías e no AT como um todo, identificando-se como o Messias que vemrestaurar a justiça e o juízo em favor dos oprimidos (cf. 56.1; 5.8). Comoconseqüência da obra redentora do Messias, o tradicional paralelo justiça/juízo típico dos escritos proféticos é substituído, em 60-62, pelo par justiça/salvação (59.17; 61.10; 62.1), apontando para o efetivo cumprimento dapromessa feita em 56.1 na obra do Servo do Senhor.

TEXTO

O Espírito do Senhor Javé [está] sobre mim, porque Javé me ungiu(v. 1). O Servo apresenta-se como o ungido de Javé. Esta não é, porém,uma unção comum: ao invés da referência ao óleo da unção, tem-se a refe-rência ao Espírito de Javé sobre o Servo (note-se a ausência de verbo oupartícula circunstancial, sugerindo uma relação perene e incondicional entreo Servo e o Espírito de Javé – como já 11.2-5 anunciara). Aqueles quepretendem usar a tradução na linguagem de hoje devem ter especial cuida-

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do neste aspecto. Ainda, a unção não é para determinada posição, como rei,profeta ou sacerdote, mas sim para uma missão que engloba toda a série deações descritas até o final do v. 3. Essa missão detalha o que já havia sidoantecipado em 59.15b-20 como obra do próprio Javé: trazer justiça e salva-ção, vingança e zelo.

Para trazer boas novas aos pobres (v.1). As boas novas aqui sãorestritas àqueles a quem a justiça que Deus espera de seu povo (cf. 5.7;56.1) fora negada: os empobrecidos, escravizados e oprimidos pela ganân-cia das lideranças do povo. Tanto a referência ao jubileu como os capítulosiniciais do livro de Isaías (1.12-17, 21-23; 3.14-15; 5.7-8) e a voz dos profe-tas contemporâneos (Am 8.4-6; Mq 2.1-2) revelam a indignação de Deuscom aqueles que pervertem o direito e a justiça movidos pela ganância. Ainjustiça jamais deveria deixar a igreja insensível, pois o grito dos excluídosnão encontra ouvidos surdos no Senhor que os criou e remiu.

Para proclamar aos cativos libertação (v.1). A expressão é a mesmausada em Lv 25.10 na instituição do ano do jubileu, celebrado a cada 50anos, quando todo escravo deveria ser libertado e toda propriedade voltarao seu proprietário original. A lei visava proteger as famílias em Israel daescravidão e do empobrecimento, evitar a concentração de terras e renda elembrar que a terra era dádiva de Deus, seu real proprietário. É improvávelque o jubileu tenha algum dia sido observado, fato que os profetas denunci-aram (Jr 34).

Ano aceitável / Dia da vingança (v.2). A vinda do Messias é evange-lho, salvação e libertação para aqueles que o aguardam, mas juízo e conde-nação para os que o desprezam. Não há esquecimento dos que provocarama ira de Javé, nem anistia aos que “não sabiam” que estavam errados. Evan-gelho e Lei são anunciados para produzir consolo e arrependimento, e final-mente salvação e juízo.

Carvalhos de justiça (v.3). O carvalho é uma árvore majestosa, deraízes firmes que não podem ser arrancadas facilmente. Em imagem quelembra o Sl 1, a glória dos antes oprimidos será firmada através da justiçaconferida por Javé para a sua glória.

Me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto dejustiça (v.10). O que o v. 3 promete para os oprimidos de seu povo é confe-rido primeiro para o Servo: Javé cobre-o com justiça e salvação, como umnoivo ou noiva adornam-se em preparação para as núpcias. Aqui já não sefala da vinda em juízo, mas da união do Servo com os que antes choravam.O Servo de Javé compartilha com eles os mesmos atributos que a ele sãoconferidos. Ele lhes traz justiça e salvação, de modo que o seu júbilo possatambém provocar o júbilo e a alegria do seu povo.

Como a terra . . . assim o Senhor Javé (v.11). O que aqui é anunciadoé uma certeza, não uma esperança utópica. O próprio ungido de Javé o

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proclama e nos conclama ao louvor devido à salvação que vem de Deus.Quanto mais devemos nós louvar o seu nome e fazer ecoar a sua voz,sabendo que o Messias já veio, já nos cobriu com sua salvação, e pelarepetição destas mesmas palavras na sinagoga em Nazaré reafirmou nossaesperança? Javé fará brotar a justiça e o louvor pela obra redentora de seuServo perante todas as nações da terra. E a Igreja, através da pregação doEvangelho, tem o desafio e o privilégio de fazer parte desta missão de Deus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

I. Em Cristo – Deus enviou a salvaçãoII. Em Cristo – Deus proclama a salvação – e o juízoIII. Em Cristo – Deus fará brotar consolo, justiça e louvor

Gerson L. FlorWindsor, ON, Canadá

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QUARTO DOMINGO DE ADVENTO2 Samuel 7.1-7 (8-11, 16)22 de dezembro de 2002

CONTEXTO

Dois temas distintos em textos subseqüentes da Bíblia têm neste capítuloseu ponto de partida. Primeiro, a linhagem davídica recebe o direito de go-vernar para sempre, e o Senhor dá a sua palavra de que não irá retirar dosfilhos de Davi a sua misericórdia. Assim o Senhor há de edificar a casa deDavi, isto é, Davi encontrará uma dinastia (o reinado desta dinastia durouquatro séculos inteiros sobre Judá). O segundo tema aponta para uma inter-pretação escatológica: “seu tabernáculo será restaurado” (Am 9.11); “umfilho da casa de Davi estabelecerá seu trono com justiça e retidão” (Is 9.6-7); “um renovo do tronco de Jessé criará um reino ideal” (Is 11.1-9; Jr 23.5;Zc 3.8). Este capítulo tornou-se fonte de esperança messiânica, e esta foiamplamente desenvolvida na mensagem dos profetas e salmistas.

TEXTO

Vv. 1-3: O rei Davi, vendo que as promessas de Deus com respeito àvitória sobre os seus inimigos estavam sendo cumpridas, quer demons-trar sua gratidão e glorificar a Deus. O meio de fazê-lo é providenciarum lugar mais adequado e permanente para a arca da aliança (que erasímbolo da habitação de Deus no meio do seu povo). Era costume na-quela época que reis piedosos construíssem templos para as suas divin-dades. Davi também quer construir um templo ao Deus Altíssimo.

Nestes versículos pela primeira vez aparece o nome de Natã como con-selheiro e confidente do rei. Natã vê a iniciativa do rei Davi como positiva.

Vv. 4-7: Deus agora toma a iniciativa e manda uma mensagem por meiode Natã. Deus questiona a necessidade de um templo fixo e apontapara o tempo que “habitou” com o povo numa tenda. A propósito, umatenda desmontável poderia ser símbolo mais significativo de sua mora-da no meio do povo.

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Vv. 8-9a: “Meus servo Davi” é um título de honra e, ao mesmo tempo, umlembrete para que Davi não esqueça que, mesmo sendo rei e cercadopor serviçais, ele também precisa viver como um autêntico servo narelação com Deus. A grandeza do reinado de Davi devia começar comsubmissão a Deus. Deus faz lembrar a Davi que na época em queainda cuidava de ovelhas, Ele o escolheu para ser rei e colocou os seusinimigos debaixo dos seus pés.

Vv. 9b-11: Porque Deus está com Davi, seu futuro será brilhante, seunome será perpetuado. Um lugar para meu povo ...Israel, aponta para aesperança e consolo em dias atribulados (Jr 32.37), segurança e des-canso (cf. 2 Sm 7.1) e dimensão escatológica (Sl 89.22-24). “Casa” –Não é Davi quem constrói uma casa para Deus, mas é Deus quemconstrói uma casa para Davi: a) referência à dinastia davídica; b) refe-rência à promessa messiânica.

V. 16: O oráculo entregue a Davi por meio de Natã termina com areafirmação da promessa da aliança: “A tua casa e o teu reino ... firma-dos para sempre; ... teu trono ... para sempre”. Davi teve a intenção dehonrar ao Senhor e recebeu muito mais do que poderia ter esperado:bênçãos para o presente e futuro, promessa de que sua dinastia seriareconhecida e, mais importante, a promessa messiânica.

DESTAQUES DO EVANGELHO DO DIA: LC 1.26-38Destacam-se os versículos 27,32-33 e 37-38, por terem íntima relação

com o texto do Antigo Testamento e apontarem para o cumprimento daspromessas de Deus.

V. 27: A expressão “casa de Davi” é tema-chave na narrativa do nasci-mento e infância de Jesus (Lc 1.32, 69; 2.4, 11); é afirmado na genealogia(Lc 3.11); é declarado publicamente pelo homem cego de Jericó (Lc18.38-39) e é tema de controvérsia durante os ensinamentos de Jesusem Jerusalém (Lc 20.41-44).

Vv. 32-33: A grandeza do Reino de Jesus não está no fato de pertencer àdescendência de Davi, mas de ser chamado Filho do Altíssimo, que feze cumpriu as promessas . O reinado terreno de Davi era passageiro,limitado e com falhas; o Reino de Cristo não é deste mundo, é eterno eperfeito.

Vv. 37-38: “Para Deus não haverá impossível” - relaciona-se não só coma concepção de João Batista ( apesar da esterilidade de sua mãe), mas

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com o cumprimento de todas as promessas de Deus, que faz “grandescoisas”. “Serva do Senhor” – como alguém que confia inteiramente noSenhor e submete-se à sua vontade. A expressão Servo do senhor jáera atribuída a Davi, e o próprio Cristo também seria assim chamado.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Introdução: Muito se fala a respeito do déficit habitacional no Brasil e nomundo inteiro. O provérbio popular “quem casa, quer casa” demonstra aimportância desse imóvel na vida das pessoas. Casa significa abrigo, prote-ção, segurança, conforto e descanso. A preocupação de quem vive em umacomunidade religiosa também relaciona-se com casa (templo): a) para sersímbolo da habitação de Deus em meio ao seu povo; b) para abrigo daprópria comunidade cultuante.

TEMA

O SENHOR EDIFICA A CASA

PARTES

I- A intenção de DaviII- A resposta de Deus através do profetaIII- A promessa de Deus para o presente e para o futuro

CONCLUSÃO

Deus não precisa de palácios para ser adorado e glorificado. Em Cristo,cumprimento das promessas de Deus, e através dos meios da graça, Elequer fazer morada em nosso meio e em nosso coração. A promessa aosque nEle confiam é de que habitarão na casa do Senhor para sempre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel: Introdução e comentário. SãoPaulo : Vida Nova, 1996.

GEHRKE, Ralph David. Concordia Commentary: 1 and 2 Samuel.Saint Louis : Concordia Publishing House, 1968.

JUST, Arthur A. Jr. Concordia Commentary: Luke : 1.1-9.50. SaintLouis: Concordia Publishing House, 1996.

MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo nos livros de Samuel. Rio deJaneiro : Juerp, 1979.

Paulo Gerhard PietzschSão Leopoldo, RS

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DIA DE NATALIsaías 62.10-12

25 de dezembro de 2002

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

O Salmo 98 é um convite para a festa. E Natal é festa! Mas é mais queum convite: já é a festa sendo experimentada.

Ao ler o Salmo 98 e a narrativa natalina de Lucas, e refletir sobre asduas leituras, parece inevitável que surja o seguinte questionamento: seráque tudo o que está no Salmo aparece contemplado em Lucas? Parece quesim e que não!

Explico. Se passamos os Domingos do Advento dizendo que o “Senhorveio, vem e virá”, quer-me parecer que igual ensino é verdadeiro tambémpara o Domingo de Natal! Afinal, na narrativa de Lucas a salvação se feznotória a um pequeno grupo de pessoas: Maria e José, os pastores, os ma-gos, e mais uma meia-dúzia de pessoas que viviam no templo, em Jerusa-lém. No entanto, a salvação ganhou em notoriedade, seguiu ganhando noto-riedade, venceu impérios, imperadores, forças inimigas, e um dia, “todo joe-lho se dobrará e toda a língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor” (Fp2), e assim “todas as extremidades da terra [verão] a salvação do nossoDeus (Sl 98.3).

O evangelho de Natal (Lc 2.1-20) é algo do que existe de mais singulare surpreendente. Singelo. Humilde. Simples. Nada sofisticado. A cena sedá na atmosfera de Belém, uma humilde vila do interior. O dia é mesmo defesta: cumpre-se a Promessa milenar do SENHOR! É dia de comemorar.

INTRODUÇÃO AO TEXTO

O mesmo material é encontrado nos capítulos 30 a 33 de Jeremias, co-nhecido como o “Livro da Consolação”, ou “Livro da Esperança”.

As palavras são de restauração. Trata-se do anúncio do retorno dosexilados. O Reino do Norte havia sido levado cativo no ano de 722, e oReino do Sul em 597. A realidade presente no país, visível aos olhos dequem quisesse ver, é de abandono, de devastação. É o retorno de ambosque está sendo anunciado. Desta forma, Sião não será mais chamada “adesamparada”, a “abandonada”, mas a “procurada, a habitada” (v. 12).

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Quando Isaías diz que o “Salvador vem”, ele está, antes de mais nada,anunciando o retorno dos exilados (ou dos exílios!). Mas isso não é tudo. Ahistória não acaba no retorno dos exilados. A restauração territorial e geo-gráfica de Israel e de Judá é um prenúncio de uma restauração maior: aSalvação em Cristo, o Messias que estava por vir.

Em Isaías o “teu Salvador” tem nome: “Maravilhoso, Conselheiro, DeusForte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Is 9. 6). No Evangelho, o anjorevela o nome aos pastores, depois do Seu nascimento: “É que hoje vosnasceu na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc2.11).

TEXTO

V. 10: O imperativo “passai” é dito ao povo. Talvez o mais interessanteaqui é o fato de que é o povo quem deve caminhar. Em outros contextosé o Senhor quem caminha (Sl 24; Is 40). “O Povo” aqui é tradução para~[h. Trata-se do povo do SENHOR, o povo escolhido. Desde Abrãoaté a Igreja Cristã do início do século XXI. Se a pergunta em torno dequem seja este povo persiste, a resposta está no próprio texto, no versículo12: “povo santo, remidos do Senhor”.

V. 11: “Eis que!” - Poucas expressões hebraicas têm o peso de hNEh. Essainterjeição aparece centenas de vezes (519) ao longo de todo o AntigoTestamento. A interjeição “Eis que” por vezes vem seguida de lei e porvezes de evangelho. Em Isaías a tônica está no evangelho, como é ocaso em nosso texto. Em Lucas o anjo diz: “não temais: eis que vostrago evangelho” (Lc 2.10).

“Às extremidades da terra” - No Salmo 98.3 a expressão é #r,a’-ysep.a;-lk. Em nosso texto a expressão é outra - #r,a’h’ hceq.-la, mas o sentidoparece ser o mesmo, denotando universalidade, totalidade. No Salmo temosliteralmente “todas as extremidades da terra”, enquanto que, em Isaías 62.11,uma tradução literal seria “para as extremidades da terra”.

Nunca é demais lembrar o óbvio. “O SENHOR fez ouvir”. A formaverbal hebraica hifil não deixa que essa importante lição evangélica nospasse despercebida. Se ouvimos e escutamos é porque o SENHOR nosabriu os ouvidos, que antes não podiam ouvir.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

A situação do povo de Deus, Israel, no tempo de Isaías, era complicada.Tristeza era a tônica do dia a dia desse povo. Sofrimento. Tudo isso tinhauma causa. O pecado era a causa. Também a igreja hoje sofre. Sofre come por diversas crises. Não está exilada. Mas sofre. Por vezes o cenário

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também é muito triste. Questões pairam no ar e nas mentes das pessoas: Oque será de nossa igreja neste novo ano? E do país? Em suma: os quadrosde hoje e de então se parecem muito. Deus não apenas se parece. O SE-NHOR é o mesmo: então e agora.

Se o pecado também faz sofrer e colher conseqüências duras na vida, ébom manter próxima a seguinte certeza: “eis que o Salvador veio!” Pareceser esta a certeza do Natal: o “teu Salvador veio”, movido pelo grande amorde Deus, para mudar a realidade humana, de perdida e esquecida, pararemida e amada; de triste para alegre; de infeliz para feliz; de condenadapara salva.

SUGESTÃO DE TEMA

Eis que o dia chegou! Eis que o Salvador chegou!

Nestor DuemesGoiatuba, GO

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DIA DE EPIFANIAIsaías 60.1-6

5 de janeiro 2003

CONTEXTO

Isaías 60.1-6 é texto importante no ciclo de Natal e Epifania. Uma, por-que está repleto de luz. Outra, porque os reis (v.3) e os camelos (v.6) dacena dos magos do Oriente foram tirados deste texto.

No contexto, Is 60.1-6, uma proclamação incondicional de salvação con-trasta com os capítulos precedentes (Is 56-59). É doce evangelho após aproclamação da lei. É resposta ao clamor de Is 59.9-11.

TEXTO

O texto é altamente poético, com imagens vívidas e linguagem dramáti-ca. Alguns destaques:

1. O texto abre com dois imperativos: “dispõe-te”, “resplandece” (v.1). Nãose diz a quem são dirigidos os imperativos, embora o leitor do texto hebraicosaiba que os imperativos são femininos e estão no singular. A traduçãode Almeida preserva esta vagueza. A Septuaginta deixou claro o que ficaimplícito, a saber, que a endereçada é Jerusalém. A Tradução na Lingua-gem de Hoje faz o mesmo: “Levante-se, Jerusalém!”

2. Jerusalém pode resplandecer porque a glória do SENHOR nasce sobreela (v.1). Resplandecer é “brilhar de alegria” (ver NTLH).

3. A luz vem (v.1) para iluminar as trevas que cobrem a terra (v.2). Estaluz é o próprio SENHOR (v.2). Epifania no mais alto grau!

4. As trevas (v.2) são símbolo de opressão e pecado (ver Is 8.22; 9.2; 59.9).5. O caráter poético do texto é evidente, podendo ser visto claramente no

paralelismo sinônimo do v. 3.6. As nações se encaminham para a luz de Jerusalém: este tema foi anun-

ciado pela primeira vez, em Isaías, no capítulo 2 (vv. 2-5).7. Os filhos e filhas (v.4) são membros do povo de Deus. Aqui a cidade,

que é figura do povo de Deus, é apresentada como mãe.8. Alguns dos elementos deste capítulo ajudam a compor o quadro da

Jerusalém celeste, no livro do Apocalipse. É o caso das riquezas dasnações que são trazidas a Jerusalém (v.5; ver Ap 21.26). Confira tam-bém Is 60.18,19.

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9. Jerusalém chama a atenção de todo o mundo. O “mar” (v.5) fica noocidente, Midiã (v.6), no oriente, e Sabá (v.6), no sul.

10. As nações publicarão os louvores do SENHOR (v.6). “Publicar” é, arigor, divulgar boas novas. Tanto assim que a Septuaginta traduziu por“proclamar boas novas” (euvaggeliou/ntai). O que seriam os “louvores do SE-NHOR” (v. 6)? A Septuaginta traduziu por “a salvação do SENHOR”. Jáa Linguagem de Hoje prefere “as grandes coisas que o SENHOR fez”.Um exemplo dessa proclamação, no passado de Israel, é a rainha de Sabá(ver 1 Rs 10.9). Agora Isaías antevê todos vindo de Sabá (v. 6).

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Ao se pregar este texto, é preciso, antes de mais nada, atentar para ocaráter profético-poético do mesmo. Poesia não deve ser levada ao pé daletra. E profecia não é história escrita antecipadamente. Isto significa queesse texto não pode ser usado para “provar” que os magos do Orienteeram reis e que vieram montados em camelos, por mais acostumados queestejamos com tal cena natalina.

Por outro, o texto encerra uma grande mensagem de epifania. A glóriaque brilha é o próprio SENHOR no meio do seu povo. Isto se cumpre,parcialmente, na volta do exílio, no Natal (ver Jo 8.12), na visita dos magos,no Pentecostes, a cada proclamação do evangelho, e só encontrará seucumprimento pleno e final na Jerusalém celeste. Cada cumprimento histó-rico é mais do que história: é sombra e promessa de coisas vindouras.

O movimento aqui ainda é centrípeto, ou seja, em consonância com aorientação missionária básica (embora não única) do Antigo Testamento, asnações se encaminham a Jerusalém. No Novo Testamento, a orientaçãobásica (embora não única) passa a ser centrífuga, ou seja, de Jerusalém aosconfins da terra.

A epifania é ação de Deus. Jerusalém é, em grande parte, passiva. Aluz do SENHOR vem sobre ela, as nações se põem em marcha porquevêem essa luz, os filhos chegam de longe, e os que publicam os louvores doSENHOR são os que vêm de longe. Jerusalém resplandece (v.1) ou “brilhade alegria”, vê e fica radiante de alegria (v.5).

O texto tem, pelo menos, três ênfases de epifania: a) a glória do SE-NHOR vem e Jerusalém (“o povo de Deus”) brilha; b) a volta dos exilados(v.4); c) a marcha das nações e dos reis que vêm de toda parte.

SUGESTÃO DE TEMA

Epifania: Haja luz para tanta treva!

Vilson ScholzSão Leopoldo, RS

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIAIsaías 42.1-7

12 de janeiro 2003

O texto é uma das mais belas e expressivas profecias messiânicas doAntigo Testamento.

Como em todas as demais profecias messiânicas, também este texto nosmostra que a salvação do homem é um ato exclusivo do próprio Deus.

A particularidade do texto é a apresentação do agente desta obra reden-tora. E quem o apresenta é o próprio Deus Triúno (v.1). Chama-o de “meuServo”. Quem é este “meu Servo”? Como se trata de uma profecia, busca-mos a resposta no Novo Testamento. Assim lemos em Mateus 12.17-21,onde esta profecia de Isaías é repetida, que este “meu Servo” refere-se àobra redentora de Jesus Cristo. Também Pedro no seu sermão proferido notemplo de Jerusalém (At 3.11-26) explica ao povo que este Jesus que apoucos dias fora crucificado, é o Servo de Deus (v.12 e 26). Uma alusãoclara ao nosso texto.

“Eis aqui o meu Servo ...” Estranho! O Redentor da humanidade, Jesus,o Messias, a segunda pessoa da SS. Trindade, um servo? Isto não contradiza onipotência de Deus? Sua glória e majestade ... sua própria onisciência eonipresença? Aparentemente sim, tanto que para alguns, o fato de Jesusassumir a figura de um servo foi motivo de escândalo (Mt 11.6; Mt 13.55;Mc 6.3). Mas justamente nesta realidade de o Redentor da humanidade tersido um servo, está a grandeza de Deus. Sua justiça e seu amor. Justiça -pelo fato de o homem ter caído em pecado, tendo como conseqüência a suamorte física e morte espiritual (eterna condenação), ou seja, o completodesligamento do Criador. Assim a justiça de Deus exigia que o própriohomem providenciasse a sua religação, uma vez que ele não atendeu àadvertência de Deus (Gn 2.16,17) e se deixou ludibriar por Satanás(Gn 3. 1-6), caindo em pecado. Mas esta religação era impossível ao próprio homem(Rm 3.22,23). Deus, no entanto, levado pelo seu amor, entrou em ação eplanejou a salvação para o homem. Qual a solução encontrada? A segundapessoa da SS. Trindade – o Filho – prontificou-se a assumir a naturezahumana – e como servo obediente e fiel – cumprir a justiça de Deus. Comoverdadeiro homem – em lugar do homem – “cumprir a Lei, padecer e mor-

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rer” – e como verdadeiro Deus “expiar a ira de Deus e vencer o pecado, amorte e o diabo”. Assim a justiça de Deus foi cumprida. O homem estáreconciliado com o seu Criador, graças à prontidão do “seu Servo” emhumanar-se. Daí a alegria de Deus (v.1 cf. Lc 2.10-14).

Este ato de justiça e amor de Deus através do “seu Servo” deverá agoraser promulgado, divulgado, também entre os gentios. Eles têm direito a estasalvação, uma vez que a salvação do “meu Servo” abrangeu a toda a huma-nidade, de todos os tempos e épocas. E cabe ao próprio “meu Servo” darinício a esta pregação (v.2). Ele se distinguirá de todos que o precederam(profetas e mesmo em relação ao seu precursor João Batista, cf. Mt 3.1-10). Sua mensagem será pacífica, tranqüila, suave, cheia de paz e esperan-ça, pois anunciará a sua obra de reconciliação entre Deus e o homem.Inaugurará a era do amor, resumida nas palavras de Jo 3.16, l Jo 4.9. ComoServo vitorioso – reassumirá a plenitude da sua divindade e imporá na terrao direito. Direito que garante a salvação a todos os povos, raças, tribos enações. Uma vez que o Evangelho – a boa nova da salvação - será levadoaté aos confins da terra (v.4).

E como para não deixar dúvidas a respeito da veracidade deste planoda salvação através do “meu Servo”, Deus Pai faz um solene juramento.Invoca sua divina Criação do Universo (v.5). Assim como o Universo é umarealidade (Sl 19.1), a obra redentora do “meu Servo” está consumada inte-gralmente pela sua obediência (v.6). Assim ele, “o meu Servo”, é o media-dor da nova aliança (l Tm 2.5; Hb 8.6; 9.15; 12.24). Ele é a Luz para todosos povos, luz que lhes ensina o caminho da salvação. Pela fé neste seusacrifício os gentios verão a salvação (Evangelho), e serão libertos das crençassupersticiosas, dos falsos credos (Jo 8.12). A profecia messiânica encerraassim com a “Ordem da Grande Comissão” do AT, levar a luz para osgentios (v.6), renovada depois no dia da Ascensão de Jesus (Mt 28.19,20),pelo “Ide”, isto é, levar o evangelho até aos confins da terra. Resumindo:primeiramente a missão do “meu Servo” era como substituto de todos oshomens, salvar pela sua morte e ressurreição a humanidade pecadora, esegundo levar esta mensagem da salvação e “abrir os olhos aos cegos, tirarda prisão o cativo e do cárcere aos que jazem em trevas” (v.7) . Uma claraalusão ao objetivo de Deus: a conversão dos gentios, de todas as raças,tribos e nações (Lc 2.32; Gl 3.14; Ef 3.6).

O Deus Triúno apresenta o Messias profetizado: “Eis aqui o meu Servo”:1. Como promulgador do direito2. Como mediador da nova aliança3. Como luz para os gentios

Walter O. SteyerSão Leopoldo, RS

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SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA1 Samuel 3.1-10

19 de janeiro de 2003

CONTEXTO

Samuel, dentre todos os profetas, foi o primeiro (Atos 3.24). De certaforma, a comunicação entre Deus e seu povo estava mudando de jeito, demétodo. Sonhos, visões, presença no Santo dos Santos, etc., davam lugar aque a palavra de Deus surgisse da boca dos profetas. Todos e em todos oslugares poderiam agora ouvir o juízo e salvação da parte de Deus. Pode-sedizer, portanto, que com Samuel, como novo mediador, reabre-se a comunica-ção entre Deus e seu povo, dificultada pela idolatria, desobediência, increduli-dade, indignidade generalizada, inclusive na casa do sumo-sacerdote Eli.

Samuel, com biografia muito especial (l Samuel 1), foi pedido ardente-mente em oração por sua mãe Ana, que era estéril. O sumo-sacerdote Elipensou até que Ana estava embriagada enquanto orava, tal era sua concen-tração e fervor.

TEXTO

V.1: o jovem Samuel servia... Samuel era como que um “servo especial”no templo, sob a orientação e supervisão direta do sumo-sacerdote Eli.

a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram freqüen-tes. Divinas revelações pressupõem prontidão da parte do ser huma-no para aceitar a verdade. A infidelidade e a desobediência fizeramcom que a privação ou a pouca freqüência da palavra e as visõesficassem como uma punição pela idolatria do povo.

V.2: olhos (de Eli) já começavam a escurecer-se... Isto explica o com-portamento de Samuel em logo atender o suposto chamado do sumo-sacerdote Eli.

V.3: a lâmpada de Deus... era um grande candelabro com sete lâmpa-das (lamparinas), cujo reservatório de óleo combustível era reposto to-das as manhãs, uma vez que, em geral, elas amanheciam apagadas.

V. 4: o Senhor chamou o menino: Samuel, Samuel! Este respondeu:

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Eis-me aqui! Samuel dormia em um dos quartos do Tabernáculo, parauso dos sacerdotes e levitas que deveriam estar prontos para o cumpri-mento do dever, no início das manhãs.

Vv. 5,6: Correu... torna a deitar-te. Ele se foi e se deitou. Sem dúvida,um bonito exemplo para todos, especialmente para os jovens, de esta-rem prontos para servir a seus superiores quando chamados. Nas duasvezes, Eli deve ter pensado que Samuel meramente havia sonhado oudelirado que fora chamado.

V.7: Samuel ainda não conhecia o Senhor... quer dizer, Samuel aindanão possuía o especial, o completo conhecimento de Deus, porque issofora dado unicamente por revelações extraordinárias de Jeová atravésde sonhos e visões. Essa forma de manifestação era até aquela datapraticamente desconhecida em Israel. Por essa razão, a ignorância deSamuel.

Vv. 8,9: e foi a Eli, e disse: Eis-me aqui... Mesmo sendo a terceira vez,Samuel prontamente atende ao chamado de seu superior, sem a mínimairritação ou contrariedade, a quem queria servir de dia ou de noite.

... por isso... disse... Vai deitar-te; e se alguém te chamar, dirás:Fala, Senhor, porque o teu servo ouve. E foi Samuel... sempre obedien-te, mesmo estando maravilhado, estupefato diante da estranha voz de co-mando.

V.10: Então, veio o Senhor, que havia se manifestado primeiramente sópela voz, veio e esteve, numa visão que deve ter sido plenamentevisível a Samuel, nessas alturas, bem acordado: Samuel, Samuel! Esterespondeu: Fala, porque o teu servo ouve.

Samuel não é somente um exemplo de obediência, mas também de pron-tidão em ouvir e obedecer à voz do Senhor. A mesma prontidão em ouvir,seguir e obedecer à voz do Mestre, encontramos da parte de Felipe (Segue-me, v. 43), que depois convida Natanael (Vem e vê, v. 46) no evangelho dodomingo de hoje (João 1. 43-51).

Sendo assim, todos os fiéis devem abrir seus ouvidos e seus corações aDeus dando atenção e obedecendo a Sua voz que chega até nós através daPalavra.

PROPOSTA HOMILÉTICA

A exemplo de Samuel, nós também somos chamados:1) Que saibamos ouvir e obedecer à voz de Deus, mesmo em condições

surpreendentes;

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2) É Ele mesmo que prepara perfeitamente o cenário, as circunstâncias;3) Com prontidão e alegria, nos coloquemos, nos dediquemos para o

serviço, dizendo também: “Fala, Senhor, porque o teu servo ouve”.

Norberto Ernesto HeineSão Leopoldo, RS

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TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIAJonas 3.1-5,10

26 de janeiro de 2003

V. 1: “Pela segunda vez”.Jonas não atendera o primeiro comando de Deus. Lutero aproveita para

dizer que Jonas fez bem em ficar parado depois de ter fugido ao primeirocomando. Pois mais importante do que anunciar a palavra de Deus é queaquele que anuncia esteja absolutamente seguro de que realmente é umenviado de Deus.

É possível pressupor que Jonas, uma vez vomitado à beira do mar, tives-se reconsiderado a sua recusa inicial concretizada na fuga. Também épossível supor que agora ele próprio se declarasse inapto para o ministério.E então espera. Lutero vê nessa atitude a coerência no arrependimento.Jonas não apresenta as suas “novas” boas intenções para compensar-sediante de Deus. Ele espera. Até que Deus o chame novamente. E, acres-centa Lutero, somente o chamado que Deus decide dar permite alguém seranunciador mensageiro de Deus.

V.2: “Dispõe-te, vai”.A palavra de Deus ainda é a mesma. A fuga de Jonas não modifica o

tratamento que Deus lhe dá. Nenhuma palavra extra de advertência. Ne-nhuma repreensão ou menção ao episódio da fuga. Jonas orou a Deus (2.2-9), deixando expressa a consciência do seu erro, equiparando-se aos idóla-tras que nada têm a pedir de Deus.

Parece uma virada de página e o início de um capítulo sem ligação como anterior. Dispõe-te, vai. Jonas agora é um mensageiro de Deus com umamissão porque Deus lhe estende um chamado.

É de refletir como Jonas terá se sentido em relação ao seu primeirochamado. A título de comparação podemos lembrar o episódio ocorridoentre Paulo e Marcos. Paulo se recusa a aceitar a companhia de Marcosna 2ª viagem porque Marcos literalmente fugira da responsabilidade comoJonas o faz nesse episódio. O que pode ter significado para Jonas esse“esperar” pelo chamado? Será que Paulo teve dúvida quanto à disposiçãoíntima de Marcos em sua decisão de voltar a acompanhá-los na viagem?

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V.2: “A mensagem que eu te digo”Mais importante do que a vontade e disposição do mensageiro, mais

importante do que a missão que recebe é a origem da mensagem: “Eu tedigo”. Talvez Jonas não tivesse se dado conta até aí nas implicações dessapalavra: “Eu te digo”. A palavra será “de Jonas”. Ele será o anunciador.Talvez na primeira convocação esse “Eu Jonas” tinha sido o termômetro ea medida da sua disposição. E certamente foi por aí que começou a suafuga do ministério que lhe fora conferido por Deus.

Não há dúvida que essa é a grande cruz que ainda hoje limita o ministérioda igreja. Nem sempre está claro qual o Eu que está por trás da mensagem.Mesmo Jonas, após ter sido vomitado à praia e devolvido ao ministério,ainda revela traços da confusão quanto ao Eu que está por trás da mensa-gem. Pois fica a pergunta: Que arrependimento Jonas está anunciando aNínive?

Deus tem a intenção de salvar Nínive. Jonas percorre Nínive com umamensagem que, em resumo, presume destruição iminente. A atitude deconsternação e de decepção posterior de Jonas ao constatar que Nínive nãotinha sido destruída bem permite supor que Jonas anunciou juízo e condena-ção. Nada mais esperava Jonas como resultado da sua pregação. Simples-mente a concretização das suas ameaças.

Jonas parece não ter recolhido nenhuma indicação a respeito das inten-ções de Deus ao se ver vomitado à beira da praia. Também parece nada terajudado a ele o fato de Deus o ter enviado uma segunda vez. Jonas parecenão ter visto que o perdão em Deus não é uma exceção, mas a regra.

Jonas não vira mas não entendera que Deus o estava salvando de sipróprio. Porque se Deus fosse como Jonas, Jonas não tinha sido vomitadoà praia, nem enviado uma segunda vez. Mas Jonas é profeta e mensageirode um Deus que se arrepende para salvar sempre de novo. Um Deus queenvia mensageiros com mensagem de salvação e não de destruição.

Esse Deus é o intérprete da sua mensagem nos corações. E mesmo queo seu mensageiro, como Jonas, esteja confuso quanto à natureza da mensa-gem que tem para transmitir; mesmo que Jonas tenha apresentado mensa-gem de salvação como se fosse de destruição, Deus não permite que a suamensagem volte vazia. E Nínive se converte do seu mau caminho porqueDeus efetua a conversão e aceita o coração contrito.

Tema: Mensageiros de Deus são escolhidos de DeusSegundo a vontade de DeusSegundo o coração de DeusPara os propósitos de Deus.

Paulo P. WeirichSão Leopoldo, RS

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QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIADeuteronômio 18.15-2002 de fevereiro de 2003

CONTEXTO

No capítulo 18 de Deuteronômio, Deus está preocupado com os líderesespirituais do povo de Deus. A preocupação do SENHOR é com aquelesque vão liderar o povo, tanto com seus direitos como com os perigos quevão enfrentar.

A princípio, parece que não tem nada a ver falar sobre herança e direitosdos levitas e, em seguida, falar dos prognosticadores, adivinhos, etc. Deusestá preocupado com que os líderes espirituais estejam tranqüilos principal-mente quanto a seu sustento físico (18.1-8), pois vão enfrentar batalhas espi-rituais bem difíceis na terra em que o povo vai viver. Assim, estando bemestabelecidos os direitos dos sacerdotes, eles podem concentrar esforços emcombater o mal que certamente enfrentarão na terra prometida (9-14).

Após alertar contra os perigos para a fé e mostrar quem são os falsosprofetas, Deus mostra quem é O Profeta, aquele que trará a mensagemverdadeira, a mensagem vinda do próprio Deus - o próprio Filho de Deus!Uma bela antecipação da figura de Cristo como Profeta, que traz a Palavraque sempre se cumpre.

TEXTO – ÊNFASE NO VERSÍCULO 15No v. 15, a ênfase é clara: “a Ele ouvirás”. Aqueles que consultam os

mortos, adivinham, agouram, fazem feitiçarias, estes falam muito. Estes fa-larão muito aos ouvidos do povo. Serão vozes muito tentadoras, procurandoatrair a atenção dos israelitas para sua mensagem. Entretanto, Deus ante-cipa já através de Moisés que o verdadeiro Profeta é aquele que Ele envia.

Deus não enviará um ser criado, um anjo ou algo de outro planeta. Esteprofeta será levantado do meio do próprio povo. Será carne e sangue, comodiz o texto, “semelhante a mim”, isto é, semelhante a Moisés. Profecia con-firmada em Mateus 1 e 2.

Quanto à semelhança com Moisés, no ofício profético, Lutero escreve:“...é necessário que este profeta que é como Moisés seja superior aMoisés e ensine coisas maiores...” E diz ainda: “... pelo que não pode

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haver outra palavra além da que já disse a Moisés, a não ser que sejao Evangelho, porque tudo o que corresponde ao ensinamento da Leijá foi comunicado ampla e perfeitamente por Moisés, assim que nadamais pode ser agregado... Portanto, é necessário que Ele seja um mes-tre (profeta) e vida, graça e justiça, do mesmo modo que Moisés foimestre do pecado, da ira e da morte...” (LW IX, 176-8).

Ele é o Profeta que está em oposição frontal aos “profetas” deste mun-do, que dizem possuir poderes e capacidades especiais. Mas estas, somenteCristo traz. E o Evangelho do Dia traz este Profeta exercendo seu podersobre um espírito imundo. Mostra o Profeta libertando um homem do domí-nio deste espírito, com o fim de salvá-lo.

Enquanto os outros profetas trazem apenas engano, medo, destruição emorte, o Profeta – Cristo – traz libertação, justiça, vida, amor e paz – e,principalmente, perdão e salvação eterna! A Ele, sim, vale a pena ouvir!

ASPECTOS HOMILÉTICOS

- O Evangelho do Dia demonstra a autoridade e poder do Profeta Jesus,bem como a vida e graça. Ele expulsa o demônio, com vistas à salvaçãodaquele homem. Condena o pecado, salvando o pecador.

- O Salmo do Dia, Salmo 1, vem bem como um complemento ao capítulo18 de Deuteronômio. O ímpio se detém no caminho dos feiticeiros,adivinhadores... enquanto o justo ouve o Grande Profeta.

- O período litúrgico, Epifania, é uma lembrança da manifestação desteProfeta anunciado no AT, do cumprimento de mais uma profecia. Quan-do a profecia se cumpre, ela é divina.

- Na “terra prometida” em que vivemos, existem muitos “feiticeiros”,que, com sua “gritaria” e seus “milagres e feitiços” encantam muitaspessoas. E não são poucos os que dão ouvidos a estes profetas, en-quanto se fecham à Palavra do Grande Profeta.

- O texto possui uma forte carga de Lei, que pode ser bem explorada. A“ponte” evangélica pode ser construída para o Evangelho do dia, ondeJesus mostra que Ele sempre está pronto para nos libertar do diabo eseus “colaboradores”, que buscam incessantemente dominar o homemmoderno. Jesus é o Evangelho encarnado, que realmente LIBERTA.“A Ele ouvirás”.

TEMA: A ELE OUVIRÁS

Sugestão de condução da mensagemO pastor senta-se atrás de uma mesa (diante de cartas e ou revistas)

e diz que vai ler o futuro dos presentes. Diz que recebeu poderes deDeus para tanto, e garante que terá resultado (Poderá, ou não, fazeralgumas ‘previsões’ absurdas, tipo “amanhã vai dar sol, se não chover”, ou

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“tal time será o campeão, se não perder e se jogar bem e com vontade...”)A partir daí, mostra o interesse que este tipo de proposta desperta no

homem moderno (jornais e revistas ajudarão bastante na ilustração. Even-tualmente até cenas em vídeo)

LEI E O EVANGELHO

O Profeta em contraste com os profetas do mundo. O castigo para quemsegue falsos profetas. Jesus como aquele que liberta dos falsos profetas edo próprio diabo e condenação eterna. Jesus, que faz com que revistas,jornais – pensamentos humanos – fiquem seriamente em “xeque-mate”.

CONCLUSÃO

Da mesa, o pastor retira a Bíblia (até então oculta aos presentes) e lêProfecias – que já se cumpriram e que vão se cumprir - mostrando quemrealmente é o Profeta que traz vida e salvação. “A ELE OUVIRÁS!”

Lucas André AlbrechtCampo Bom, RS

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QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIAJó 7.1-7

9 de fevereiro de 2003

CONTEXTO (LITERÁRIO E LITÚRGICO)Introduzindo o livro de Jó, utilizamo-nos das observações de Horace D.

Hummel: “Poucos iriam discordar do comentário de Lutero, ao dizer que Jóé ‘magnífico e sublime como nenhum outro livro da Escritura.’ Da mesmaforma, não haveria muitos que discordariam da opinião que ele é tambémum dos mais difíceis, um dos mais comentados, mas sobre o qual menosconcordância há [entre os estudiosos]. ... Tanto aquele que esquece que aobra faz parte dos escritos de sabedoria [do Antigo Testamento], comoaquele que tenta ler o livro fora de seu contexto canônico perde chavesfundamentais para sua compreensão.” (The Word Becoming Flesh, CPH,p. 457,8) Parece-nos que as “chaves” a que Hummel se refere são particu-larmente importantes na reflexão sobre o texto que temos diante de nós.

O texto faz parte da primeira “resposta” de Jó, após Elifaz fazer suaintervenção. Na verdade, mais do que diálogos, as falas de Jó aos três ami-gos muitas vezes parecem ter vida própria, dirigindo-se mais a Deus (e aoleitor do livro!) do que aos três. No capítulo 7 Jó continua refletindo sobreseu sofrimento. É sempre bom lembrar que, ao contrário do leitor do livro,Jó desconhece o diálogo inicial entre Deus e Satanás (1.6-12), assim comotambém desconhece o desfecho feliz (42.1-17). Seu lamento, por isso, ébem compreensível! É um retrato claro do ser humano em sua situaçãomiserável, da qual não tem como sair sem que Deus mesmo venha e aja emSua graça.

O contexto litúrgico é significativo. É o 5o Domingo após Epifania - tem-po de refletir sobre a graça de Deus manifesta a todos os povos, em JesusCristo. As leituras do dia têm a contribuir para o sermão sobre o texto de Jó.O Salmo (147.1-12) é um cântico de louvor a Deus, que celebra seus feitos.Especialmente significativos para o sermão são os versículos 3, 6 e 11. OEvangelho do dia (Mc 1.29-39) mostra muitas pessoas em necessidade,tanto de ordem material como espiritual e aponta para o ministério de Jesus,em que se enfatiza sua ação em favor daquelas pessoas. O mesmo Deusque agia de forma aparentemente contraditória com seu filho Jó e mais

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tarde manifestou-lhe sua bondade, é aquele que em Cristo vem atender aspessoas em suas necessidades, de forma proléptica nas curas (que apontampara a perfeição na nova criação) e de maneira plena na obra da cruz eressurreição.

TEXTO

A NTLH menciona “serviço militar” (v. 1), que traduz bem a expressãohebraica, que também lembra extrema fadiga. O paralelo é feito para mos-trar o quão dura é a vida humana. “Desengano” (v. 2) refere-se a um desa-pontamento (“desilusões” - NTLH) próprio do enfermo que mês após mêsvê suas esperanças de cura serem frustradas. As dores físicas fazem asnoites parecerem intermináveis e os dias passam rápido sem trazerem es-perança (vv. 4-6).

O v. 7 mostra Jó colocando diante de Deus sua situação; de uma certaforma, apelando à piedade de Deus. No entanto, pode ser exagerado ver aíum exemplo de fé e esperança do crente, em meio às aflições. Por outrolado, não se pode afastar por completo a referência ao fato de que Jó aindavê em Deus o único a quem pode suplicar.

Teologicamente, o texto retrata o ser humano em sofrimento, do qualnão tem como se livrar por suas forças. Deus parece estar agindo de umaforma contrária ao que se poderia esperar dele. De fato, Jó vem mostraruma realidade que a teologia da prosperidade não consegue explicar. Opróprio Jó não compreende toda a situação na qual está, e por isso tambémchega a dizer coisas das quais depois irá se arrepender (40.3-5). No entan-to, sob a luz do Novo Testamento, o texto bíblico retrata a realidade, ou seja,que não se pode considerar a vida cristã como uma garantia de tempos defartura, desde que haja fé e fidelidade a Deus.

A teologia da cruz trata de forma honesta a situação da vida humana. Osofrimento é real, assim como o pecado, também na vida do crente. Para opecador só há uma palavra de esperança, e esta não vem da sua própriafidelidade. Ela está na obra de Jesus, que pelo sofrimento e morte suportoua dor do abandono eterno em lugar de toda a humanidade. Deus se manifes-ta de uma forma diferente (e até contrária) daquela que naturalmente seesperaria. Ao invés de em poder e glória, Cristo vem se manifestar emfraqueza e dor, e nisto revela o amor e graça de Deus pelo pecador.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Os clamores de Jó não são muito diferentes daqueles feitos por quemreflete sobre o sofrimento que há no mundo. Temos diante de nós um textoem que a lei está manifesta na vida do homem. Como pregar este texto,especialmente tendo em vista que somos, sobretudo, proclamadores do

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evangelho? É preciso cuidar para não cair no moralismo, do tipo: “Mas Jóera um bom homem e Deus fez tudo se tornar em bem, no final da história!”O fato é que na vida de muitos crentes a cruz pesada segue até o fim davida (exemplos podem ser vistos no Salmo 73 e no caso dos cristãos perse-guidos até a morte). A resposta do evangelho é escatológica, ou seja, estána ação de Deus, que em Cristo coloca as coisas no seu devido lugar (as-sim, veja-se no Sl 73, os vv. 17, 23,24,28). Cristo veio trazer consolo aossofredores. No Evangelho do dia isso fica evidente na Sua ação concretaem favor daqueles que lhe eram trazidos. Mas sua missão vai além, tantogeograficamente (como o Evangelho mostra), como também na abrangência- “as nossas dores levou sobre si” (Is 53.4).

Não há como pregar sobre o texto do dia, de forma cristã, sem levar emconta o contexto canônico, em que a obra de Cristo é o centro.

SUGESTÃO DE TEMA E/OU PROPOSTA HOMILÉTICA SUCINTA

Que esperança pode haver para o sofrimento humano, senão em Cristo?!

Gerson Luis LindenSão Leopoldo, RS

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SEXTO DOMINGO APÓS EPIFANIA2 Reis 5.1-14

16 de fevereiro de 2003

LEITURAS DO DIA

Como muitas vezes acontece com a série trienal de leituras, tambémaqui temos uma correspondência direta entre o evangelho do dia e a leiturado Antigo Testamento. O evangelho, Mc 1.40-45, relata a cura de um lepro-so. Detalhe muito importante é a advertência de Jesus ao homem recémcurado: “Olha, não digas nada a ninguém” (v.44). É que Jesus não queriaser reconhecido apenas como milagreiro. Seus atos deveriam apontar parasua obra messiânica. A leitura do Antigo Testamento, 2 Rs 5.1-14, o textosugerido para a mensagem, também relata a cura de um leproso. Trata-sede Naamã, general dos sírios. Também na sua cura, através do profetaEliseu, vemos que Deus não enfatiza o espetáculo, mas visa à salvação totalda pessoa. No Salmo 32, especialmente no versículo 2, vemos que Deussempre quer curar as pessoas de todos os seus males, sobretudo os daalma. E em 1 Co 9.24-27, Paulo retrata a vida de gratidão dos curados comouma vida de combate da carne, do velho homem, ao dizer: “Esmurro o meucorpo e o reduzo à escravidão”; e aponta para o lado positivo da vida cristã,do novo homem, com as palavras: “Corro também eu”.

CONTEXTO

a) Contexto litúrgico. Estamos no 6º Domingo após a Epifania, revela-ção de Jesus Cristo aos gentios. Assim como a menina escrava revela oDeus verdadeiro a sua senhora, esposa de Naamã, assim Cristo é reveladoa todos os gentios.

b) Contexto histórico. O reino de Israel está dividido entre norte e sul,por volta de 850-800 a.C.. A Síria é inimiga número um do reino do norte.Eliseu, sucessor de Elias, é profeta em Israel. Na Bíblia de Estudo deAlmeida, página 412, temos um resumo de dados importantes da vida deEliseu, com as respectivas referências bíblicas.

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TEXTO

O texto bíblico pode ser dividido em duas partes. 1º) O testemunho damenina escrava (2 Rs 5.1-7). 2º) A cura de Naamã (2 Rs 5.8-14). Vejamosrapidamente alguns detalhes do texto, extraídos do Popular Commentaryof the Bible, Old Testament, Vol 1, de Paul Kretzmann, pp 611-612.

V. 1: Naamã, general sírio, goza de grande prestígio junto a seu senhor,pois os sírios haviam vencido Israel, matando seu rei Acabe (1 Rs22.34-35). Naamã era leproso.

V. 2: Os sírios haviam feito escravos. Levaram também uma menina quese tornou escrava da esposa de Naamã.

V. 3: A menina diz à sua senhora que Eliseu poderia curar Naamã.V. 4: Sabendo disso, Naamã conta o caso a seu senhor.V. 5: Naamã parte, com belos presentes, para encontrar o rei de Israel.V. 6: O rei sírio acha que o rei de Israel é o responsável pelo poder do

profeta.V. 7: O rei de Israel rasga suas vestes pensando que os sírios o estavam

provocando à guerra.V. 8: Diante disso, Eliseu pede que Naamã venha a ele, para saber que

há profeta em Israel. (Note: Deus está por detrás de tudo, querendo asalvação de todos).

V. 9: Naamã vem e pára diante da porta de Eliseu, achando a residênciamuito humilde para entrar.

V. 10: Mas Eliseu não se impressiona com isso, mandando que um men-sageiro diga a Naamã que este se lave sete vezes (número da totalida-de) no rio Jordão.

V. 11: Naamã, o grande comandante, não viera em estado de espírito desuplicante. Acha que Eliseu deveria ter feito algo espetacular, vistoso,ali mesmo. Pensa que o cerimonial e ato mágico é importante.

V. 12: Naamã cita o rio Abana, que desce do monte Hermom e o rioFarfar, que nasce no antilíbano, como rios que banham Damasco. Dizque tais rios são bem melhores que o Jordão, numa demonstração deque para ele o exterior era o mais importante. Então faz menção de irembora.

V. 13: Mas os seus oficiais, que em respeito o tratam de pai, o conven-cem a banhar-se no Jordão.

V. 14: Ele vai e fica limpo da lepra.

Observação: A lepra no Antigo Testamento tem sempre uma conotaçãoespiritual de impureza. Os leprosos são impuros cerimonialmente. É umaimpureza cultual ou legal (Lv 13), não necessariamente motivada por atosreprováveis. Estavam impuros para o culto. No Novo Testamento vemos

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como estas pessoas eram segregadas pela sociedade. Ser curado era ficarlimpo e capacitado para o culto (veja o evangelho de hoje, Mc 1.40-45).Quem tocasse um leproso era considerado impuro (Lv 5.3). Mesmo assim,Jesus “estendeu a mão e o tocou.” (Mt 8.3).

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

- Há uma evidente correspondência entre o evangelho de hoje e o textodo Antigo Testamento. A exemplo de outros lugares, aqui também ficamuito claro que o Antigo Testamento pode (e deve) ser lido à luz doNovo Testamento.

- No evangelho de hoje Jesus não queria ser reconhecido como milagreiroqualquer, tanto é que proíbe a divulgação da cura (Mc 1.44). Seus atosapontam sempre para o fato de ele ser o filho de Deus e Salvador.

- A cura do homem tira sua dor, vergonha, motivo de segregação, res-taurando-o totalmente, tornando-o limpo para adorar.

- A missão de Jesus, antes de entrar na glória, passa pela cruz. Na cruzestão cravadas todas as nossas enfermidades (Is 53). Temos que car-regar a nossa cruz.

- Naamã exemplifica o homem natural: necessitado, mas orgulhoso. Ne-cessitado física e espiritualmente, mas seu orgulho o impede de reco-nhecer e adorar o Deus verdadeiro. Adora a criatura em lugar docriador.

- Eliseu, profeta de Deus, é apenas servo do Senhor, está a seu serviço.O fim último de Deus sempre é a salvação do homem total. Deus quersalvar Naamã, os sírios, Israel, todos.

- A menina escrava, ao testemunhar sobre onde achar socorro, é beloexemplo de fé e testemunho para nós.

LEMBRETES HOMILÉTICOS

Procure recontar a história bíblica de uma forma viva, usando também oevangelho do dia. Lembre-se de distinguir entre lei e evangelho. Lembretambém os três artigos do Credo, enfatizando Deus Pai como criador e,principalmente na mensagem de hoje, mantenedor da vida; Deus Filho comoRedentor e Bom Pastor e Deus Espírito Santo como santificador. Lembre,ainda, que o dano físico sempre aponta para o dano maior, o pecado; e quea cura física, por sua vez, aponta para a cura maior, total, a doação da vidaeterna. E finalmente lembre que, enquanto não chegamos lá, devemos vivera nova vida, como sugerido na epístola de hoje.

Edgar ZügePorto Alegre, RS

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SÉTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIAIsaías 43.18-25

23 de fevereiro de 2003

CONTEXTO (LITÚRGICO E LITERÁRIO)Iniciamos nossa reflexão pelo contexto litúrgico. Ele é particularmente

significativo para este dia. As leituras do Salmo, do Evangelho (principal-mente) e do Antigo Testamento abordam, sob diferentes ângulos, o tema doperdão. Estamos na Epifania - é tempo de glorificar a Deus pela sua graci-osa manifestação, em Jesus, ao mundo. Neste dia temos a oportunidade decelebrar a obra de Deus, que redime as pessoas através do perdão dospecados. O Salmo 130, como diz seu título, é Salmo de romagem. Pareceter sido usado quando os peregrinos vinham a Jerusalém para as festas. Seucântico lembra a necessidade humana (“Das profundezas ...”) e se regozijano perdão (“Contigo está o perdão” ... “É Ele quem redime a Israel de todasas suas iniqüidades”). No Evangelho (Mc 2.1-12), Jesus se manifesta comoaquele que vem restaurar a criação, que foi maculada pelo pecado. Jesus ofaz através de um milagre, aliás, dois milagres. Um deles é a cura do para-lítico. Sem desconsiderar o aspecto da misericórdia de Jesus pelo sofredor,este evento também aponta para a futura restauração plena do homem e danatureza, quando da volta de Cristo. O outro milagre é o perdão, que éanunciado gratuitamente ao sofredor e pecador! As pessoas são levadas adizer: “Jamais vimos coisa assim.” De fato, o perdão gracioso de Deus écoisa nova - é renovador, restaurador, vivificador. O texto do Antigo Testa-mento do dia oferece uma abordagem muito rica para o tema do perdão.Por certo, todo o culto deste dia será uma oportunidade de lembrar e cele-brar, por leituras, hinos, orações e sermão, o perdão que temos graciosa-mente em Cristo.

O texto em estudo (Is 43.18-25) faz parte da assim chamada segundaparte de Isaías - o “Livro do Consolo” (capítulos 40 a 66). Seu contextomais próximo (43.1 a 44.5) foi caracterizado como “A reunião e renovaçãode Israel - evento profético a respeito do Israel da nova aliança” (Concór-dia Self-Study Bible, Concórdia Publishing House, p. 1019). O contextomostra a promessa de Deus de trazer de volta seu povo do exílio babilônico.A linguagem, porém, lembra a criação do mundo e o êxodo, bem como a

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nova criação. Horace Hummel chama a atenção para o fato de que teologi-camente o contexto tem como “motivo principal a escatologia do livro ... cele-brando a restauração de Sião ao longo de todo o texto. O retorno histórico aJerusalém após o Edito de Ciro (538 a.C.) não é apenas relatado com coloridoescatológico e cosmológico, mas os dois estão totalmente unidos: o eventohistórico é um tipo, ‘sacramento’, antecipação e realização proléptica da ‘res-tauração de todas as coisas’.” (The Word Becoming Flesh, CPH, p. 215)

TEXTO (E APLICAÇÕES HOMILÉTICAS)As palavras do v. 18 e seguintes estão ligadas ao v. 16 - “Assim diz o

Senhor”. Elas iniciam por um chamamento a olhar para a frente. O quepassou é digno de lembrança (o próprio profeta o faz), mas não se deveficar na história passada - vêm vindo coisas ainda mais especiais pela fren-te. Deus tem preparado maravilhas para seu povo. A primeira referência éa volta do exílio (vv. 19b-21). No entanto, à luz do Novo Testamento, o textoé, como Hummel observa (ver acima), tipológico, a respeito dos aconteci-mentos em que Deus age graciosamente para formar e redimir um povoque se estende por todo o mundo, a sua Igreja.

Digno de nota nos vv. 19, 20 é a referência à criação. Note-se que esteé um tema freqüente na Escritura, ao se tratar da redenção do povo deDeus. O mesmo Deus Criador é aquele que redime a humanidade, crianovos céus e nova terra (Is 65.17ss), obra que está vinculada, em Isaías eno todo da Escritura, à obra do Espírito Santo (44.3). Deus “pinta” o relatoa respeito da salvação com cores vivas, nada que se refira meramente a ummundo de idéias. A redenção é concreta - a estrebaria, a cruz, o túmuloaberto e vazio são fatos que apontam para a obra concreta de Jesus emfavor da humanidade. Assim também o perdão - tema deste dia - não écoisa no campo das idéias, mas é real e concretamente distribuído tambémno culto do dia - na palavra da absolvição, na mensagem, no corpo e sangue,com o pão e o vinho.

Os vv. 22-24 são pregação de lei. Retratam a realidade do povo de Deusdurante o exílio na Babilônia. Duas realidades são mostradas, com pesodiferente. Invertendo a ordem, a segunda mencionada é a interrupção dossacrifícios. Sobre esta questão Deus não levanta juízo contra seu povo -“não te dei trabalho com ofertas de manjares” (“Eu não os obriguei a meapresentarem ofertas de cereais” - NTLH). A primeira menção traz consi-go palavra de juízo - “não me tens invocado, ó Jacó, mas de mim te cansas-te, ó Israel” - é uma referência à pecaminosidade do povo. Cedo esquece-ram de Deus. Um retrato bem fiel do que somos, em nossa natureza! AHistória da Igreja cristã mostra o quanto isto é realidade para o povo deDeus em todas as épocas. “Me deste trabalho ... me cansaste ...”. O curi-oso destas palavras é que parecem ser, no contexto, palavras de lei. No

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entanto, tais palavras foram literalmente cumpridas no Servo Sofredor (Is53.4,5). Em Cristo, o trabalho que lhe demos com nosso pecado não nos édevolvido na forma de juízo, mas de remissão dos pecados. - esta é a grandenovidade da mensagem do evangelho. É a surpresa da graça! Ela é mani-festa em um contexto de pecado do povo.

É exatamente em uma situação como esta que Deus se revela graciosoe a salvação é apresentada como presente imerecido. O v. 25 é uma explí-cita celebração do sola gratia - o perdão dos pecados é ação própria deDeus (“Eu, eu mesmo”), tem em Deus mesmo o motivo (“por amor demim”) e é completo e sério (“apago as tuas transgressões ... dos teus peca-dos não me lembro”). No entanto, isto não acontece sem o derramamentode sangue. Não há graça barata - seu preço é a morte do Filho de Deus!

SUGESTÃO HOMILÉTICA

O pregador poderá observar um aspecto curioso do texto para o sermão- ele inicia e conclui com uma menção a não lembrar do que passou. (Talvezesteja aí uma dica de ilustração para Introdução e Conclusão - as coisas quelembramos, mas gostaríamos - ou deveríamos - esquecer.) Sem dúvida, asduas situações são diferentes. No entanto, há este ponto de contato, quepode ser utilizado. Deus “não olha para trás”, isto é, para os nossos peca-dos. Ele faz questão de esquecê-los. Por isso, somos chamados a olhar paraa frente, para as promessas graciosas de Deus. Sim, lembramos os feitos deDeus no passado - eles estão na base de nossa fé. E fundamentam o per-dão, que é uma realidade presente, pela fé em Cristo. Este perdão mostrarátoda o seu alcance, toda a sua bênção, por ocasião do juízo final. Aqueleevento, caracterizado normalmente como um ajuste de contas, uma lem-brança dos pecados passados, será, para os que estão em Cristo, o eventoem que os pecados não serão lembrados!

Viver o perdão de Deus é algo tão grandioso e digno de ser celebradopela Igreja sempre. Hoje é uma ocasião especial para isto. É tempo deEpifania - Deus vem se manifestar graciosamente na palavra anunciada, nobatismo e na santa ceia. Mostra-nos sua face de amor e convida-nos a vivera nossa vida com genuína alegria. Somos peregrinos (como os que canta-vam o Salmo do dia), em meio a muitas situações conflitantes, de perigo ede tentação. No entanto, temos esta promessa de Deus, que nos sustenta edá ânimo para a jornada - nossos pecados estão perdoados. Isso é algo paralembrar sempre! Temos paz com Deus. Pode haver bênção maior?

Gerson Luis LindenSão Leopoldo, RS

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ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA2 Reis 2.1-12

2 de março de 2003

CONTEXTO

Assim como temos o livro de Atos no Novo Testamento, os livros deSamuel e Reis nos mostram a história do povo de Deus. Por um lado, temosuma história com muitos fracassos, pecados e infidelidades a Deus; poroutro, vemos como Deus agiu em meio a este povo com graça e juízo.

Uma das maneiras de Deus agir em meio ao povo foi indiretamente, pormeio do ministério dos profetas que colocou em meio ao povo. O texto emdestaque mostra o final do ministério de Elias. Elias foi profeta no Reino doNorte, durante os reinados de Acabe e Acazias, entre os anos de 874 a 852a.C. O relato de seu ministério tem início em 1 Rs 17 estendo-se até aleitura do texto em destaque.

Sugiro uma leitura atenta do texto em que se destaca o ministério deElias sob a perspectiva de lei e evangelho para uma compreensão maisacurada do texto para a reflexão deste culto.

TEXTO E NOTAÇÕES HOMILÉTICAS

Vv. 1,2: “redemoinho” literalmente “uma tempestade” ou “tormenta”, pró-pria para caracterizar a revelação de Deus (Jó 38.1; Ez 1.4; Zc 9.4).Gilgal e Betel são as cidades dos profetas, nas quais Elias fundou os“seminários” de formação de profetas. O v.2 nos sugere os planos deDeus para os dois profetas. Deus está falando através dos dois. Aintenção de Elias e o acompanhamento de Eliseu são os planos de Deus.

V. 3: Os personagens, os alunos dos profetas, também sabiam do queestava por acontecer. Precisamos ter em mente a teofania que estácrescendo, até culminar no final da história. Deus está no controle dasituação e prepara o ambiente para o seu ponto culminante.

Vv. 4-7: O número de testemunhas aumenta mais. Agora em Jericó osdiscípulos (alunos) também testemunham do que irá acontecer.

V.8: O milagre mostra quem está por trás de Elias. Assim como Moisésdividiu as águas do Mar Vermelho (Êx 14.16,21), aqui também temos otestemunho de que os homens de Deus sabem o que estão fazendo. O

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“manto” usado representa a presença do Espírito de Deus, que depoisirá repousar sobre Eliseu (v.15).

Vv. 9-10: O importante aqui é destacar o pedido de Eliseu: a continuidadedo ministério de Elias. À luz de Dt 21.17, o pedido pela porção dobradado espírito é típica de quem se vê como o herdeiro espiritual de alguém,como é o caso de Eliseu em relação a Elias.

Vv. 11-12: A teofania, ou revelação de Deus, está presente na formacomo as coisas acontecem neste momento crucial. Por um lado, temosDeus revelando sua glória no contexto de “carros e cavaleiros de Isra-el” e “em meio ao redemoinho” – Deus está no controle da situação.Por outro, temos Eliseu assumindo a atitude de humildade diante dascircunstâncias da revelação.

Aproveitando o contexto de uma das outras leituras para o dia de hoje,Mc 9.2-9, interessante observar o contraste entre Elias e Moisés. EnquantoMoisés perece por causa do pecado (Dt 32.49s), Elias foi recebido nos céussem passar pela morte (1 Co 15.51,52; 1 Ts 4.15s).

Dois aspectos importantes precisam ser levados em conta quando seprepara a homilia com base neste texto e contexto. Tipologicamente, osincidentes que Deus proporciona a Moisés e Elias nos remetem à revelaçãoque ocorreu em Cristo. Já escatologicamente, nós somos envolvidos, com aperspectiva de glória eterna. Mas, não podemos esquecer que estes doisaspectos têm seu centro na pessoa de Cristo (conforme Mc), porque passa-do e futuro estão ligados pelo presente (já).

TEMA HOMILÉTICO

Quando cantamos, “caminhando alegres, vamos para os céus”, estamosreproduzindo o pensamento do texto em destaque. Sugiro o uso do hinoaplicado ao texto caracterizando o “já” e o “ainda não”, a graça de Deusnecessária enquanto caminhamos e a certeza da glória dos céus como eventoa ser realidade no futuro de Deus.

Clóvis Jair PrunzelSão Leopoldo, RS

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PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMAGênesis 22.1-18

9 de março de 2003

O CONTEXTO

Abraão já havia sido provado em sua confiança em Deus: sair de sua terrae aguardar a promessa do nascimento de um filho. Também já havia utilizadosua amizade com Deus para interceder por Sodoma e Gomorra. Poderíamosesperar que Deus já estivesse satisfeito com as provas de fé e comunhão queAbraão já demonstrara. Mas eis que surge um fato novo, completamente forae acima dos padrões de testes que Deus já fizera com alguém de seu povo.

O TEXTO

V.1: “Eis-me aqui”. Abraão, mais uma vez, pronto para responder. Outrosexemplos de prontidão: Samuel (1 Sm 3.9); Isaías (Is 6.8); Maria (Lc1.38).

V.2: “teu único filho, a quem amas”. Deus sempre especifica sua vontade.Não há dúvidas quanto ao seu querer. “Toma teu filho” poderia gerardúvidas: Isaque ou Ismael? Mesmo sendo um “herói da fé”, Abraãopoderia querer interpretar à sua maneira. Mas Deus é específico: “teuúnico filho, a quem amas”. Sem sombra de dúvida, deveria ser Isaque.

V.3: “de madrugada”. Por que esperar? Por que dar chance ao velhohomem de querer convencer-me ao desestímulo? “Sirva esse exemplopara ensinar-nos que na obediência imediata está a prova da maiorsabedoria” (Henry Law. O Evangelho em Gênesis. São Paulo: EditoraLeitor Cristão, 1969, p.154). Se Deus espera algo de mim, não há justi-ficativa que convença a deixar para depois.

V.4: “ao terceiro dia”. Se Abraão está decidido e resoluto, parece queDeus não apenas quer provar a fé, mas também a persistência. Nãopoderia ter Deus escolhido um lugar mais perto? São muito estranhosalguns métodos de Deus. Três dias é um tempo demasiado longo deespera para alguém que precisa fazer algo muito dolorido. Em outrasoportunidades, Deus também propiciou a queda da resistência, mas seusservos permaneceram firmes. José teve a chance de ouro para come-ter adultério (Gn 39) e também, mais tarde, de se vingar de seus irmãos

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(Gn 52). Por duas vezes (1 Sm 24 e 26), Davi tem a chance de matarSaul. Inclusive com a “ajuda” de Deus: “Tomou, pois Davi, a lança e abilha da água, da cabeceira de Saul, e foram-se; ninguém o viu, nem osoube, nem se despertou, pois todos dormiam, porquanto da parte doSenhor lhes havia caído profundo sono” (l Sm 26.12). Abraão tam-bém teve tempo de desistir. Mas, acima de seu filho, está Deus. “Volta-se para o filho, e seu pé vacila. Volta-se para Deus, e os seus passos sefirmam, na resolução inabalável”(H.Law).

V.5: “eu e o rapaz iremos até lá e, havendo adorado, voltaremos para juntode vós”; v.8: “Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para oholocausto”. Simplesmente “mentiras consoladoras” ou uma certezaacima da razão humana? “Porque considerou que Deus era poderosoaté para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde, figuradamente, o re-cobrou” (Hb 11.19) A confiança em Deus parece loucura e desvarioaos descrentes: “Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para osjudeus, loucura para os gentios” (l Co 1.23).

V.10: “e, estendendo a mão, tomou o cutelo para imolar o filho.” Deus émesmo incompreensível em algumas de suas atitudes. Permite que seuservo chegue ao limite. Jó também teve que experimentar o seu limite,bem como Jeremias.

V.13: “tendo Abarão erguido os olhos... viu um carneiro... e o ofereceuem holocausto em lugar de seu filho.” Este é verdadeiro clímax evan-gélico desta passagem. O sacrifício que antecipa a morte de Jesus emlugar, em substituição, em cumprimento a uma ordem de Deus.

ÊNFASE PARA A MENSAGEM

Mesmo tendo à disposição tantos tópicos para uma reflexão, um detalhemerece ser destacado. Um ponto que a narrativa bíblica deixa subentendidoe uma leitura apressada omite facilmente: a reação de Isaque quando seupai revelou quem seria o “cordeiro para o holocausto”. O v.9 diz o seguinte:“Chegaram ao lugar que Deus havia designado; ali edificou Abraão umaltar, sobre ele dispôs a lenha, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar,em cima da lenha.” Como Isaque reagiu a tudo isso? Tudo parece tão sim-ples e automático. O ponto a ser enfatizado é a educação dada a Isaque.Abraão é considerado herói na fé por sua fidelidade a Deus também noquesito “educação cristã no lar”. Entramos na quaresma e a juventude dehoje pouco sabe do objetivo, da preparação, do significado. Precisamos vol-tar ao Antigo Testamento, quando Deus ordenava erguer um memorial edizia: “Quando algum dia seus filhos perguntarem...” Isaque, com certeza,não reagiu contrariamente, porque em seu coração havia uma temor e umamor a Deus transmitido por seu pai durante longas horas de meditação,oração e diálogo sobre vontade de Deus.

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CONSIDERAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Objetivo “Como flechas na mão do guerreiro, assim os filhos da mocidade” (Sl

127.4); “Estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; tu asinculcarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andandopelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te” (Dt 6.6-7). Deus nos deufilhos para que os devolvamos a Deus, como fez Ana, ou melhor, para queos preparemos para Deus. Nossos lares precisam ser transformados emoficinas, em escolas, em locais de cursos intensivos de preparação. Paraquê? O evangelho do primeiro domingo da quaresma sempre se reporta àtentação de Jesus. Nossos filhos estão expostos às tentações dia após dia.Especialmente, os adolescentes e jovens. Deus quer que os preparemospara os momentos de decisão, para as horas de provação. Eles precisam,desde pequenos, como Isaque, conhecer a vontade de Deus, “compreenderseus caminhos incompreensíveis”, acatar e obedecer o seu querer, “renovara sua mente para saber qual seja a santa vontade de Deus” (Rm 12).

2. MoléstiaMas como preparar o jovem, se o pai ainda não está preparado. Por isso,

em Dt, Deus ordena que as palavras estejam primeiramente no “seu cora-ção” (dos pais). Preguiça, comodismo, “falta de tempo” levam os pais a nãocrescerem na fé e não darem bons exemplos para os filhos. Com isso, atransmissão da mensagem, da boa nova, para os filhos já está falha antes deiniciar.

E o que dizer da transmissão da mensagem, da educação propriamentedita? Cada vez mais, o mundo está conseguindo tirar nossos filhos da mesade refeições, dos momentos de estudo e devoção familiar, das reuniões dosjovens, dos cultos. Como estamos lutando contra isso? Afinal, estamos lu-tando? Nossos filhos ouvem de nós a vontade de Deus? Deus nos colocou,como pais, para servirmos de representantes dele junto a nossos filhos?Nossos filhos conhecem a vontade de Deus de nossos lábios? De nossoexemplo? Eles sabem o que é “quaresma”? Conhecem o significado de“quarta-feira de cinzas”? Sabem por que os paramentos da igreja têm umacor diferente (lilás/roxa)? Eles sabem o motivo de seu conselho para quenão participassem das festas de carnaval? Ou você nem sabe onde seusfilhos passam algumas noites? Muito menos com quem?

3. EvangelhoO primeiro passo para uma reconstrução e re-direcionamento é o pedido

de perdão. Pedir perdão a Deus por termos falhado em nossa missão depais. Pedir perdão aos filhos por não termos mostrado de forma eficiente a

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vontade de Deus. Este segundo pedido de perdão talvez seja o mais difícilporque, em geral, é o menos feito. Nossos filhos precisam saber que nãosomos perfeitos e todo-poderosos. Eles necessitam saber que seus pais tam-bém falham e procuram seguir a vontade de Deus em suas vidas.

Feito este restabelecimento de comunicações, estamos prontos para acei-tar a ajuda de Deus. “Quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Co12.10) é uma verdade na vida dos pais porque nestes momentos é que Deustem condições de colocar sua vontade e sua força em nós. Suas promessasde presença, ajuda e bênçãos foram constantes na vida de Abraão. Ele sefirmou nestas promessas e, ao passar as informações para o filho Isaque,confiou de que, no momento certo, os efeitos iriam aparecer.

O evangelho deste domingo, que fala da tentação de Jesus, traz o conso-lo que o autor da carta aos hebreus expressa da seguinte forma: “Pois na-quilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer osque são tentados” (Hb 2.18).

PROPOSTA HOMILÉTICA

TEMA:Filhos: presentes que Deus nos deu para...

I – Conservar (sustento, cuidados pessoais)II – Aperfeiçoar (educar, canalizar dons, orientar)III – Preparar para devolvê-los a Deus (educação espiritual)

Sérgio R. FlorPonta Grossa, PR

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SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMAGênesis 28.10-17

16 de março de 2003

CONTEXTO

A perícope relata a visão de uma escada que atingia o céu. É um eventoúnico, extraordinário e decisivo na história do povo de Deus do Antigo Tes-tamento (AT). A personagem central deste acontecimento espetacular é opatriarca Jacó.

Olhando um pouco para trás, Jacó vê Deus chamando e abençoando seuavô Abraão (12. 1-8); vê a destruição de Sodoma e Gomorra (19. 23-29);vê seu pai Isaque nascer na velhice de Abraão e Sara, como promessaespecial (18. 10-14; 21. 1-5); vê seu irmão-gêmeo, Esaú, o amor distorcidode sua mãe Rebeca, a compra da progenitura e da bênção por um prato delentilha, o ódio e as ameaças de morte do irmão (25. 25-33; 27. 33-43). Quepassado de erros humanos e de bênçãos de Deus!

Olhando um pouco para frente, Jacó trabalha 14 anos para casar comLia e Raquel; Deus mudou seu nome de Jacó para Israel (32. 28) e eletorna-se o patriarca dos “filhos de Israel”, pai das “12 tribos de Israel” evive o encontro de reconciliação com o irmão Esaú (33. 1-11). É com Jacóque Deus fecha o trio para se identificar, no AT e NT (Novo Testamento),como o Deus único, verdadeiro e salvador, o “Deus de Abraão, Isaque eJacó”.

Dentro desta significativa, colorida e emocionante moldura histórica,encontra-se a fascinante e rica visão de Jacó sobre a escada que toca oscéus, repleta de detalhes marcantes, de promessas messiânicas e lições deconforto e esperança.

TEXTO

Alguns destaques, visando o anúncio da mensagem sobre a fidelidade, apresença e as promessas de Deus.

Jacó – Pela importância do patriarca na história das 12 tribos de Israel edo povo de Deus de todos os tempos, é aconselhável sublinhar alguns fatosda rica biografia de Jacó.

Partir – Jacó saiu de Berseba e foi para Harã, na Mesopotâmia (próxi-

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mo dos rios Tigre e Eufrates, no Iraque de hoje, berço da civilização e dascidades mais antigas do mundo), por duas razões principais: fugir da ira edas ameaças de morte do irmão-gêmeo Esaú; encontrar uma esposa dentreos filhos de Deus.

Dormir – Anoiteceu e Jacó está cansado. Improvisa uma cama à beirada estrada, no deserto. Uma pedra – que depois serve como monumento da“casa de Deus” (v.22) – serve como travesseiro. Está longe de tudo e detodos. É fugitivo e peregrino. Está com medo e angústia. Sente-se só eabandonado. Quer dormir e descansar.

Sonhar - Repentinamente, Deus transforma tudo ao redor do solitárioJacó. Ao longo da história, o “Deus de Abraão, Isaque e Jacó” se comuni-cou com seus filhos através de sonhos, visões e manifestações especiais(Hb 1.1; Sl 16.7). Através deste sonho-visão, Deus se revelou e falou comJacó para ensinar, orientar e transmitir suas grandes promessas a Jacó. Éum processo de ensino e aprendizagem. Há lições de Deus nos sonhos deDeus. O quadro da visão é fantástico: uma escada que liga terra e céus;anjos de Deus – “que são espíritos ministradores enviados para serviço, afavor dos que hão de herdar a salvação” – Hb 1.14 – caminham na escada-ria; no alto está o Senhor Deus. E, agora, o mais importante: esse Deus falae faz promessas a Jacó.

Bênçãos – Deus garante quatro grandes verdades ao patriarca Jacó: 1)Estar com ele e perto dele em todos os momentos de sua vida; 2) prometeguardá-lo, protegê-lo e defendê-lo “por onde quer que fores”; 3) prometenão desampará-lo ou desviar-se dele (v.15), (Conferir a promessa idênticaem 1Cr 28.20); 4) e a extraordinária promessa messiânica, nas palavrasmuitas vezes repetidas na Escritura: “Em ti e na tua descendência serãoabençoadas todas as famílias da terra” (cf 12.3; 13.16; 26.4; At 3.25; Gl3.14-16) – promessa do Salvador Jesus. Deus promete ao patriarca Jacósua presença contínua com seus cuidados, sua proteção, seu amparo, seuestímulo – e o Salvador que viria “salvar e abençoar todas as famílias daterra”.

Acordar – Então Jacó despertou do sono. Perplexo, atônito, maravilha-do e muito feliz, “caiu em si” (Lc 15.17), tomou consciência da realidade,reconheceu a presença de Deus, aprendeu a lição do sonho-visão, entãoexclama:

- O Senhor está neste lugar!- É a casa de Deus!- É a porta dos céus!É preciso dormir, descansar e sonhar - sonhar grande na presença de

Deus. Aprender a lição e saber que até “durante a noite, em sonho, o Se-nhor me ensina” (Sl 16.7). É preciso acordar do sono, cair em si, tomarconsciência da situação, reconhecer o ensino de Deus e então falar ao mun-

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do sobre a presença, a promessa e a salvação de Deus.Porta – No v.14, Deus fala a Jacó, ainda dormindo, sobre a salvação

com a vinda do Messias. Aqui no v.17, Jacó, já acordado, fala sobre a salva-ção no Messias, “a porta dos céus” (cf. Jo 10.7: “Eu sou a porta”).

DISPOSIÇÃO

O propósito ou objetivo ou finalidade ou lição desta perícope de Gn 28.10-17, para o período da Quaresma, está claro: mostrar a fidelidade de Deus,a presença de Deus, os cuidados de Deus e a promessa da salvação emCristo. Os fiéis têm no “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”, o Deus que salvaaqui e abre “a porta dos céus”.

Deus “falou muitas vezes e de muitas maneiras” (Hb 1.1), também atra-vés de sinais, sonhos e visões. É preciso ver e ouvir a voz de Deus – eaprender as lições. “Até durante a noite o Senhor nos ensina”. (Sl 16). Deusquer comunicar-se conosco e ter um relacionamento harmonioso, orientador,salvador – de Pai para filho. Por isso, o texto nos ajuda na sugestão do temae partes:

“EU ESTOU CONTIGO”(Vv. 13, 15, 16)

Para quê? Com que finalidade, intenção ou propósito?

I – Para te abençoar (v. 14)II – Para te guardar (v. 15)III – Para te salvar (v. 17 e 14)

- De onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor (Sl 121)- Ainda lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me sustentará

(Sl 139.10)- Perto está o Senhor de todos os que o invocam (Sl 145. 18)- Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século (Mt

28.20)- Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida (Ap 2.10).

Leopoldo HeimannSão Leopoldo, RS

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TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMAÊxodo 20.1-17

23 de março de 2003

NOTAS INTRODUTÓRIAS

O livro de Hebreus descreve o acontecimento da entrega dos Manda-mentos por Deus como um fato assustador (Hb 12.19-21). E o susto nãofoi apenas pelo volume da voz de Deus (Êx 19.19; Sl 29.3-5), mas princi-palmente pelas exigências da lei e a maldição resultante para quem não acumprir (Dt 11.26-28).

Havia uma tradição de que Deus teria oferecido sua lei no Sinai a todasas nações na terra em sua respectiva língua. Os moabitas queriam saber alei, mas quando Deus chegou ao Sexto Mandamento eles disseram: “Obri-gado, nossa origem foi de adultério”. Aos descendentes de Esaú foi feita aoferta e Deus teve que parar no Quinto Mandamento. Só Israel teria tidocoragem de ouvir todos os Mandamentos.1

CONTEXTO

Mas será que os Dez Mandamentos2 são tão complicados assim? De-pende da maneira como os enxergamos. Não que isso vá mudar o rigor dasexigências, pois eles continuarão a denunciar os dez pecados capitais do serhumano, mas com um pressuposto mais soft, eles poderão ter um outroimpacto na hora da nossa pregação.

Observando o contexto histórico, vamos perceber que ele é mais evan-gélico do que se pensa. Deus acaba de eleger seu povo como povo especiale santo (Êx 19.5-6). Suas palavras iniciais apontam para sua obra de liber-tação da escravidão egípcia (Êx 20.1-2). O começo nem exigência é, masafirmação da bondade de Deus. E se essas palavras tivessem sido original-mente pronunciadas no Novo Testamento? “Eu sou o Senhor teu Deus, que

1 Martin H. Scharlemann, Proclaiming the Parables, Concordia Publishing House, p. 60.2 Segundo Horace Hummel, “Dez Mandamentos” é um rótulo humano, pois o

título mais adequado deveria ser “As Dez Palavras” ou “Decálogo” (HoraceHummel, How to Preach the Old Testament, Concordia Pulpit, 1986, p.6).

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enviei meu Filho Unigênito para vos salvar, não terás outros deuses diantede mim”. A questão parece ser mais funcional do que tratar o Decálogomeramente como lei que só acusa.

A MULTIFUNCIONALIDADE DA LEI

Quando se fala em Mandamentos, quase sempre se alude aos três con-troversos usos da lei. Estou convencido de que eles são antes multifuncionais,à medida que o impacto que eles causam pode diferenciar de pessoa parapessoa. Tudo depende do “espírito” do pecador.3 Isto não significa mera-mente subjetivizar a questão, mas considerar que tipo de pessoa os estáouvindo e absorvendo. A lei de Deus vai funcionar apenas como imperativonegativo naqueles que não estão em relação saudável com o Deus da Gra-ça. A famosa frase “A Lei sempre acusa” é dirigida aos pecadores distan-tes de Deus. Quando o pecador está numa relação positiva com Deus, afunção primordial da lei também pode ser positiva.4 Só os afastados deDeus é que perceberão a lei unicamente como cruéis e abomináveis exigên-cias de Deus.

Acredito que para o velho homem a lei sempre acusará e condenará,mas não para o novo homem em Cristo. Nesse caso a lei vai até o coraçãodevidamente filtrada e a maldição retida no sangue de Jesus Cristo (Gl3.10-13). Para o homem sem Cristo a lei é só proibição e condenação, parao homem com Cristo a lei também é atividade do Deus Redentor.

Além disso, há um outro aspecto que julgo relevante na abordagem fun-cional do Decálogo. Em Cristo, o pecador poderá visualizar a bondosa epositiva preocupação de Deus também para o seu próprio bem-estar. SeDeus diz na primeira tábua que ele quer o homem todo confiando Nele,orando, invocando e dedicando-lhe tempo, é porque ele não quer que seusfilhos vivam perdidos assim como ovelhas que não têm pastor. Se na segun-da tábua ele pede para respeitar pais e superiores, não matar, não adulterar,não roubar, não testemunhar falsamente, não cobiçar nem o que tem vidanem coisas materiais, é porque ele quer que nossa autoridade seja respeita-da, nossa vida preservada, nossa família mantida, nossos bens conservados,nossa fama e nome prestigiados e tudo que é nosso não esteja exposto aos

3 Até certo ponto esse conceito concorda com o de David P. Scaer, que escreve istonum artigo sobre Santificação (David P. Scaer, Sanctification in Lutheran Theology,CTQ, April-July, 1985

4 Para Arand, a solução está no conceito de que de fato “a lei sempre acusa”, masnão somente acusa, ela pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, acusar eagradar ao pecador ( Charles P. Arand, Law and Gospel in the Church and World.Concordia Seminary Publications, Symposium Papers, numbers 5 and 6, 1996,p.29).

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olhos alheios. Em outras palavras, o que é negativo sem Cristo, tornam-setambém positivas prescrições para viver com Cristo. A motivação à obedi-ência não é a lei, mas Cristo.

O LUGAR DOS DEZ MANDAMENTOS NO CATECISMO DE LUTERO5

Um dos motivos6 que causou o aparecimento do Catecismo Menor deLutero foi o deplorável estado espiritual dos luteranos logo após o rompi-mento com a Igreja Católica. As ofertas eram escassas, não havia oração,não tinha estudo bíblico e nem à Santa Ceia se ia. Lutero e Melanchtonficaram decepcionados, pois o povo da igreja preferia festas a participar noscultos e atividades da igreja. Na visitação feita às paróquias, Lutero eMelanchton descobriram uma paróquia composta de 110 famílias, mas quemuitas vezes não tinha mais de três pessoas presentes aos cultos. Esseestado de ignorância não estava presente só nos leigos. Também há infor-mações que um pastor em Elsnig mal e mal sabia orar o Pai Nosso e recitaro Credo. O evangelho havia sido restaurado, mas as pessoas se tornarammestres em abusar da liberdade. Qualquer semelhança com algumas denossas congregações hoje não é mera coincidência.

Lutero então lançou o Catecismo e começou com os Dez Manda-mentos. Ele deu um novo arranjo às doutrinas fundamentais no catecismo.7

Ele começou com O Decálogo, pois sua função primária é diagnosticar adoença e dizer quem sou eu. Seu papel é fazer as pessoas reconheceremsua enfermidade, o que se pode fazer e o que não se pode fazer, o que sedeve fazer e o que não se deve fazer. Mas logo em seguida vem o remédiono Credo, o qual mostra a Graça medicinal que torna alguém justo diante deDeus.8 Na verdade, o plano de Lutero era despertar seu povo para o fato deque a vida cristã sob a graça de Deus não nos isenta do Decálogo, mas nosremete de volta a ele, para cumprir seus conselhos na vida cristã. Lutero vêo Decálogo no horizonte da criação, pois seu papel é instruir o uso corretode tudo o que somos e temos na criação de Deus.9

SUGESTÃO PARA PREGAR O DECÁLOGO

Acredito que essa é uma oportunidade mais para conversar do que paradiscursar. Penso que é fundamental zipar os Dez Mandamentos numa con-

5 Charles P. Arand, That I May Be His Own, An Overview of Luther’s Catechisms. ConcordiaAcademic Press, CPH, 2000, pp.72-73

6 O outro foi a controvérsia Antinomista com João Agrícola.7 Em Agostinho, por exemplo, a ordem era o Credo, O Pai Nosso e então os Dez

Mandamentos (Arand, p. 124).8 Arand, p. 1309 Arand, p. 137

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versa só e relembrá-los com quem já os memorizou, ensiná-los para quemos está ouvindo a primeira vez e então perceber o impacto que eles exer-cem na vida das pessoas que estão sentadas nos bancos da igreja. Ao invésdo pregador determinar o impacto, eu sugiro apenas guiar a conversa paraque os ouvintes assimilem os Mandamentos de acordo com seu estado de“espírito”. Para umas pode ser apenas condenação, mas outras poderão ircorrendo ao corredor da Graça divina revelada em Cristo, lá receber graçasobre graça, ou seja, graça que não tem limites nem interrupções (Jo 1.16-17) e fazer as pazes com Deus e assim estar apto a olhar sem susto para osMandamentos de Deus. Deus vai velar por sua Palavra.

Anselmo Ernesto GraffBarra do Garças, MT

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QUARTO DOMINGO NA QUARESMANúmeros 21.4-9

30 de março de 2003

Uma sombra de descontentamento surgiu entre os israelitas com respei-to a Deus e seu servo Moisés (Nm 21.5). Os israelitas tinham viajado jáhavia quase 40 anos depois de sua saída do Egito. Apesar de todo o cuidadoque Deus lhes dispensara, o povo ficou impaciente. Eles reclamaram contraDeus e contra Moisés: Por que tu nos tiraste do Egito para morrer nestedeserto? Não há pão! Não há água! E nós detestamos este alimento quenos dás (maná). Conseqüentemente, a maravilhosa proteção de Deus dosperigos do deserto foi retirada. A necessidade de proteção que os israelitastinham de Deus só foi percebida depois que várias pessoas se viram picadaspelas serpentes venenosas que Deus enviara e estavam morrendo.

Após este episódio os israelitas clamaram a Moisés: Nós pecamos, por-que falamos contra o Senhor e contra você; ore ao Senhor para que Eleafaste as serpentes de nós. E Moisés orou em favor do povo (Nm 21.7).

Os israelitas mereciam morrer por causa de sua rebeldia, mas, quando con-fessaram seu pecado, o Senhor disse a Moisés: Faça uma serpente e coloquenum tronco; qualquer que for mordido e olhar para ela viverá. Assim, Moisésfez uma serpente de bronze e colocou num tronco. Então quando alguém eramordido por uma serpente olhava para a serpente de bronze e ficava curado.

E nós ficamos nos perguntado: Por que uma serpente? Por que pendurarnum tronco? Por que pedir para as pessoas olharem para a serpente notronco para viverem? O que será que Deus tinha em mente? A leitura doEvangelho para este domingo (Jo 3.14-21) dá a maior e mais importanteindicação para a compreensão desta ordem estranha. A mensagem do amorde Deus está lindamente presente neste episódio. A leitura do NT fala desteincidente em conexão com o madeiro onde Cristo foi erguido. Jesus mes-mo diz a Nicodemos que a serpente no tronco era uma figura ou tipo dEle ede sua morte em favor da humanidade perdida. Na conversa particular queteve com Nicodemos, Jesus fez referência a este acontecimento do AT edisse: Se alguém não nascer de novo da água e do Espírito, não poderáentrar no Reino de Deus. Aquele que é nascido da carne é carne e quem énascido do Espírito é espírito... e, assim como Moisés ergueu a serpente no

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deserto, assim o Filho do Homem será erguido. Aquele que nele crer nãoperecerá, mas terá a vida eterna (Jo 3.1-5, 14,15). Esta serpente de bronzerepresentava Aquele que haveria de vir para salvar a humanidade.

O fato da serpente de bronze ter sido feita do mesmo tipo de materialusado para o altar de bronze onde eram oferecidos os sacrifícios nos lembrao local simbólico do julgamento de Deus contra o pecado.

Os israelitas eram de difícil trato. Eles dificultaram a liderança de Moisés,a quem Deus indicou como seu profeta e juiz. Eles dificultaram as coisastambém para o próprio Deus que os tinha libertado da escravidão do Egito.De algum modo, a partir da descendência de Abraão, Deus iria cumprir asua parte na aliança que fizera com os patriarcas, estabelecê-los na terraprometida e, assim, trazer ao mundo o Salvador de todas as nações. Osisraelitas, porém, se encheram de uma atitude negativa, desconfiada e in-grata, que os levou a esquecer por completo as maravilhosas bênçãos queDeus havia lhes concedido. Mas o pior de tudo é que se esqueceram com-pletamente do seu objetivo: a terra prometida e a promessa de serem, na-quele lugar, uma bênção para todas as nações através da vinda do Salvador.

Não podemos negar que os israelitas tinham atitude, mas uma atitudemá. Nós, provavelmente, sabemos como isto funciona. Assim como sepode olhar para o mundo com óculos multicoloridos, pode-se olhá-lo de modoacinzentado. Mas tal posição ingrata e pessimista é pecaminosa. Paulo es-creveu que tinha aprendido a viver contente em toda e qualquer situação eisto só podia acontecer através da confiança em Cristo. A fé no Cristoprometido, porém, não podia ser encontrada entre o povo. A falta de fécausou a sua reclamação e os separou das bênçãos que Deus amorosa-mente queria lhes conceder.

Não pensemos que estamos livres de tal atitude, mesmo não estandoperegrinando pelo deserto árido. A mesma descrença pode se apresentarem nossa vida. Não que não tenhamos o que precisamos, mas porquesempre queremos “mais”.

Mas, apesar disto tudo, Deus ainda manteve sua graça em relação aosisraelitas. Ele queria amá-los, perdoá-los e curá-los. Em vez de “riscá-los docaderno” e, simplesmente, começar tudo de novo com outro povo, Deus criouuma situação para chamá-los ao arrependimento, de tal modo que pudesseperdoá-los e renová-los: Então o Senhor enviou serpentes venenosas...Uma rebelião tão séria exigia providências sérias e foi isto que Deus fez. Ofato de se sentirem abandonados por Deus e verem a morte tão de perto fezos israelitas cair em arrependimento. Chegaram para Moisés e disseram: Pe-camos... Então Moisés orou ao Senhor em favor do povo.

Muitas vezes Deus também precisa nos disciplinar. Ele precisa nos fazerpassar por maus bocados para nos ensinar a deixar de confiar em nós eaprender a confiar mais nEle. Mas quando Deus nos disciplina, o seu obje-

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tivo é sempre nos conduzir para mais perto dEle através de contrição earrependimento. Ele deseja nos lembrar que dependemos dEle para tudo. Eisto nos leva ao maior objetivo de Deus, que nos regozijemos na revelaçãode sua misericórdia e perdão que nos concede para a vida eterna.

A solução de Deus tinha como objetivo despertar fé nos seus filhos re-calcitrantes. E que solução estranha e “louca” foi aquela! Isto nos lembraas palavras do apóstolo Paulo: A loucura de Deus é mais sábia que a sabe-doria dos homens. Para serem curados, os israelitas tinham que confiarplenamente naquele de quem tinham desconfiado tão veementemente.

De um modo totalmente igual Deus trata conosco. Ele nos diz que atra-vés da simples água do batismo, unida com sua Palavra e promessa, somospurificados de nossos pecados e nos tornamos Seus filhos. Para receber-mos suas bênçãos precisamos também esquecer nossas atitudes céticas earrogantes e simplesmente confiar na Sua Palavra e promessa e, quandoassim o fazemos, somos curados. Igualmente, Deus nos diz que, comendopão e bebendo vinho, consagrados pela Sua Palavra, recebemos, de modoinvisível e sobrenatural, Seu próprio corpo e sangue para perdão dos peca-dos. A nossa razão não nos explica como tais coisas são possíveis. Atravésdestas “loucuras” somos levados a confiar, “infantilmente”, unicamente, nasSuas palavras e obtemos a cura do mal que assedia a nossa alma, o pecado.

Assim como com a serpente, o poder da cura reside nas palavras depromessa. Sem a ordem e promessa de Deus, olhar para a serpente debronze seria idolatria. Mas não vemos nenhuma hesitação por parte de Moisésno fato de ter de fazer uma semelhança de algo que rastejava pela terra,porque da promessa de Deus é que viria o livramento. Que símbolo estra-nho, mas maravilhoso, Deus escolheu para ensinar a verdade de seus futu-ros planos através de Seu Filho.

A humanidade foi envenenada pelo pecado, que foi introduzido pela velhaserpente, chamada Diabo (Ap 12.9), e a mordida dolorida do pecado atormentasuas vítimas até a morte espiritual. A salvação está ao alcance de todos queolham para Jesus, Aquele que foi erguido por nossos pecados. Pois, se quandoéramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho, muitomais agora, sendo reconciliados, seremos salvos por Sua vida (Rm 5.10).

Comparemos a doença dos israelitas e a nossa. O pecado fere comouma serpente. Compare o uso do remédio dos israelitas ao nosso. Eles olha-ram e viveram, e nós, se cremos, somos salvos. É pela fé que olhamos paraJesus (Hb 12.2). O Senhor nos livra de uma maneira que a natureza huma-na nunca imaginaria. Então, que ninguém feche seus olhos para Cristo, oulhe vire o rosto.

Luiz Alberto S. dos SantosPorto Alegre, RS

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QUINTO DOMINGO NA QUARESMAJeremias 31.31-3406 de maio de 2003

O profeta Jeremias foi um profeta muito sofrido. No seu primeiro perí-odo aconselhou o jovem rei Josias, que promoveu uma grande reforma.Mas este rei morreu cedo, aos 39 anos, na batalha contra o rei do Egito. Osreis que se seguiram foram maus. O povo voltou-se para a idolatria. Istotrouxe a ira de Deus sobre Israel, que desabou no ano 586, com a destruiçãodo templo e o cativeiro babilônico.

Diante da catástrofe, em seu grande amor e sua misericórdia para como povo de Israel e a humanidade, Deus anunciou ao povo de Israel a novaaliança.

No Monte Sinai, Deus havia feito uma aliança com o povo de Israel, chama-da aqui de a “antiga aliança”. A lei de Deus gravada em duas tábuas de pedra,guardadas na arca da aliança, no templo, no Santo dos Santos. Esta aliançarequeria o diário sacrifício de animais, “pois sem derramamento de sangue nãohavia remissão de pecados” (Hb 9.22). Esses sacrifícios, no entanto, eram figu-ra do grande sacrifício que Jesus, “o Cordeiro de Deus” (Jo 1.29), traria. Mas opovo de Israel, em vez de olhar para esses sacrifícios como o anúncio do amorde Deus, olhou mais os sacrifícios como sua ação meritória diante de Deus.Eles não compreenderam a profundidade desta aliança. Resvalavam sempre denovo a olharem mais para suas ações humanas nesta aliança do que para a açãode Deus. Deus teve que dizer-lhes: “Misericórdia quero e não holocaustos”!(Mt 9.13). Além disso, o povo constantemente se desviava para toda a sorte depecados e a idolatria. Agora Deus estava prestes a derramar seu severo juízosobre Israel. Mas para que não desesperassem no cativeiro sob o peso do juízode Deus, Deus lhes promete uma nova aliança. Algo bem novo, para que, quan-do reconhecerem seus erros e o mal que fizeram em abandonar a Deus, quandoestiverem no cativeiro em terra estranha, vendo o templo destruído, sem pode-rem trazer seus sacrifícios, não desesperassem, Deus lhes concedeu esta boanotícia: ainda há esperança. Deus não os abandonou. Ele fará nova aliança.Tudo será novo.

Nova aliança! Será que Deus mudou? Não! Deus não muda. Ele é omesmo, ontem, hoje e sempre. Ele está por cumprir sua promessa. O Filho

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de Deus, o Cordeiro de Deus, virá ao mundo para reconciliar a humanidadedefinitivamente com Deus, por seu sacrifício na cruz. Então verão o cum-primento de todas as leis e o cumprimento das profecias. Então terão umavisão mais plena do grande amor de Deus, anunciado a Adão e Eva, aospatriarcas, e pelos profetas. Jubilarão como apóstolo o descreve: “Ó pro-fundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus!”(Rm 11.33). “E assim habite Cristo nos vossos corações, pela fé, estandovós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, comtodos os santos, qual a largura, e o cumprimento, e a altura, e a profundidadee conhecer o amor de Cristo que excede todo o entendimento, para quesejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3.17-19).

“Na mente lhes imprimirei as minhas leis... (v.33,34). Esta nova aliançatrará uma nova força ao coração. Jesus disse a seus discípulos: “Recebereiso Espírito Santo” (Jo 20.22; At 2.17-23). O Espírito será dado em sua plenitu-de. Este conhecimento da graça de Deus em Cristo será uma forte luz queiluminará os corações. O sentido não é de que um irmão não ajudará ao outrona compreensão, ou de que não precisaremos mais de estudos bíblicos, devo-ções e cultos. Não. Mas no sentido de reconhecimento da graça de Cristo.Reconhecer a Jesus como Salvador e Senhor, como o confessam as criançasno Credo Apostólico. Lutero afirma: “Graças a Deus, hoje toda a criança desete anos sabe o que é a igreja: as ovelhas que ouvem a voz do seu Pastor.”“Todos me conhecerão, grandes e pequenos”. Quando o pai abraçou o filhopródigo e o beijou (Lc 15.20), selando o completo perdão, o filho reconheceuo profundo amor do Pai. Este amor renova tudo. “E assim, se alguém está emCristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeramnovas (2 Co 5.13). Confere: Hb 8.8-12; 10.16,17, que retrata o texto.

INTRODUÇÃO

A aliança, da qual fala o profeta Jeremias, se cumpriu em Cristo. É umaaliança mui sublime, diferente das demais. Aliança é um contrato entre duaspartes, na qual os dois têm responsabilidades. Aqui temos uma aliança depaz, na qual Deus nos dá tudo, sem requerer nada de nós. Nenhum condici-onal, nenhum mas ou se. Uma vez chamado a esta aliança queremos lhepertencer e viver voluntariamente submissos a ele.

1 – Aliança Antiga – Feita no Monte Sinai – Ordenanças e sacrifíciosque eram sombra. – Erros: Israel se apegou ao externo. “Misericórdia que-ro e não sacrifícios” (Mt 9.13). – Desviaram-se muitas vezes, Deus oscastigou para que se arrependessem. Mas ele nunca os abandonou.

2 - Aliança Nova – Jesus cumpriu a lei. Ele reconciliou a humanidadecom Deus. – O Espírito Santo nos chama, ilumina e congrega. – Vemos emplenitude. – Perigo de seguirmos a Israel, tornando-nos indiferentes. – Mui-tos distanciados. – Quando voltamos arrependidos, ele nos aceita.

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CONCLUSÃO

Queremos viver esta aliança, pois nela temos o consolo do perdão, a pazcom Deus e a esperança da vida eterna. E, enquanto aqui na terra, quere-mos louvar a Deus e servi-lo em nosso próximo, dizendo com o apóstoloPaulo: “O meu viver é Cristo” (Fp 1.21).

Horst KuchenbeckerPorto Alegre, RS

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DOMINGO DE RAMOSZacarias 9.9-10

13 de abril de 2003

CONTEXTO

Esta tradicional leitura do Antigo Testamento para o Domingo de Ramossurpreende por ser tão breve e, ao mesmo tempo, tão densa quanto aoconteúdo. São apenas dois versículos, muito ricos, que são ainda maismarcantes quando lidos e analisados em seu contexto. E este contexto, Zc9.1-11.17, fala do futuro do reino de Deus e anuncia sua universalidade.

NOTAS TEXTUAIS

V. 9: “Alegra-te muito, ó filha de Sião” - “Filha de Sião” é uma personifi-cação de Jerusalém e de seus habitantes. A NTLH traduz por “povode Sião”. A segunda linha, “filha de Jerusalém”, explica que Sião ésinônimo de Jerusalém.

V. 9: “te vem o teu Rei” – Depois da conclamação à alegria, o motivopara tanto: “te vem o teu Rei”. É o rei de Jerusalém. É o filho de Daviprometido desde 2 Sm 7.12-14.

V. 9: “justo e salvador (ou: vitorioso)” - O Rei que vem será “justo” (qyDIc,tsadiq;). Será também [v’n (noshá’). Esta é uma forma nifal do verbo[v;y (iasha’, “salvar”). Um nifal é, em geral, entendido como voz passi-va. Assim sendo, a tradução deveria ser algo como “salvo” ou “sendosalvo”. Theodore Laetsch (The Minor Prophets, p. 454-455) argu-menta que esta é a única tradução possível. Agora, como isto se aplicaao Messias? Laetsch explica que Jesus Cristo, segundo sua naturezahumana, “foi salvo das profundezas do inferno, sendo coroado de honrae glória”. Ele foi salvo no sentido de que Deus o “ressuscitou, rompen-do os grilhões da morte; porquanto não era possível fosse ele retido porela” (At 2.24). O Messias deve este reino não à sua força ou à forçado seu exército, mas ao poder de Deus, que o “salva”. Diante disto, fazmais sentido a tradução por “vitorioso”, que aparece na NTLH.

V. 9: “humilde, montado em jumento” - Isto é o que mais se destaca nesteRei. Ele é “humilde” (ynI[‘, ani) ou “manso” (prau>j, prays), como traduz aSeptuaginta. A maioria dos soberanos e líderes deste mundo não primapela humildade, mansidão e bondade. Pessoas como Nabucodonosor,

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Herodes, Stalin, Sadam Hussein são conhecidas pela sua arrogância eprepotência. O Rei prometido no texto de Zc 9 será bondoso, manso ehumilde. O fato de vir montado em jumento aponta para sua humildade. Ojumento contrasta com os cavalos mencionados no v. 10, que são cavalosde guerra (“cavalaria”, segundo a NTLH). Ao mesmo tempo, no entanto,vir montado em jumento também é uma forma de dizer que ele é rei. Aoser ungido rei, Salomão montou “a mula que era do rei Davi” (1 Rs 1.38).Aqui, em Zc 9.9, se fundem, por assim dizer, a imagem do Messias real dalinhagem de Davi (2 Sm 7) e o Servo sofredor anunciado em Is 53.

V. 10: “anunciará paz às nações” – Ele é o Príncipe da paz (ver Is 2.4;9.5-7; 11.1-10; Jo 14.27; Jo 20.19,20,26; Ef 2.14-18). Sua única arma éa Palavra de Deus, que anuncia paz a toda a humanidade. A pazmessiânica é implantada no mundo pelo cumprimento da “grande co-missão” (Mt 28.18-20).

V. 10: “seu domínio se estenderá de mar a mar” - O reino de Deus é umreino universal, muito maior do que o reino de Davi e Salomão (Sl 22.27-28; Sl 72.8-11; Is 45.22; 52.10).

APLICAÇÃO

O Novo Testamento mostra que a profecia de Zc 9.9-10 se cumpriu naentrada de Jesus em Jerusalém (Mt 21.4-5; Jo 12.14-16). Jesus se aproxi-ma de Jerusalém, sem exército e montado num jumento, o animal messiânicoda paz, para manifestar-se como o rei de Jerusalém. Existe, aqui, umaconcentração ou cristalização da humildade e mansidão que caracterizaramtodo o seu ministério: na decisão de viver de toda palavra que procede daboca de Deus (Mt 4.4); na bem-aventurança sobre os pobres e humildes(Mt 5.3,5); em sua mansidão e humildade de coração (Mt 11.29); em suarecusa em deixar que seus seguidores lutassem por ele ou em apelar paralegiões de anjos (Mt 26.51-53; Jo 18.36); na confiança inabalável de queseu Pai faria de seus inimigos o escabelo de seus pés e o colocaria à direitade seu trono celeste (Mt 22.41-45; 26.64). Assim, ele criou e deu uma pazque o mundo não pode dar. (Martin H. Franzmann, Concordia Self-StudyCommentary, p. 653).

Na Semana Santa, a atenção dos cristãos está voltada para o sofri-mento, a crucificação e morte do Deus-homem Jesus Cristo. Há uma ênfa-se natural na humanidade e humildade do Senhor. O texto de Zc 9 ajuda alembrar que Jesus Cristo não deixou de ser rei. Mas é um rei humilde que,com sua morte e ressurreição, trouxe a paz que o mundo não pode dar e queé anunciada de mar a mar, até às extremidades da terra.

Vilson ScholzSão Leopoldo, RS

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SEXTA-FEIRA DA PAIXÃOIsaías 53.4-12

18 de abril de 2003

Esta é a tradicional leitura do AT na Sexta-feira da Paixão. Um textocitado e aludido muitas vezes no NT, do qual já se disse que “parece ter sidoescrito à sombra da cruz”. É, com razão, conhecido como “o evangelho noAT”. É o quarto dos “cânticos do Servo”.

Causa estranheza a edição da perícope, que começa no v.4. Por certo,procurou-se abreviar uma leitura que, na íntegra (52.13-53.12), fica bastan-te longa. Fica a sugestão de, se possível, ler o texto todo, mesmo que napregação se dê destaque à parte selecionada. O presente estudo leva emconta o cântico como um todo.

TEXTO

A estrutura deste cântico do Servo é feita de cinco estrofes, com trêsversículos cada: a) a futura exaltação do Servo (52.13-15); b) o homem dedores (53.1-3); c) seu sofrimento é vicário, ou seja, ele sofre pelos outros(53.4-6); d) a morte vergonhosa (53.7-9); e) reabilitação e recompensa(53.10-12). O texto também pode ser dividido em duas partes: a) o que sediz do sofrimento (53.2-9) e da restauração do Servo (53.10-11a); b) o vere-dicto de Deus (52.13-15 e 53.11b-12).

Percebe-se nitidamente que o sofrimento do Servo vem emoldurado peloanúncio de sua exaltação. O Servo vai per crucem ad lucem (“pela cruzem direção à luz”), mas a ênfase recai sobre a exaltação. (O contrapontodisto, nos Evangelhos, é a moldura de Transfiguração e Páscoa ao redor dosofrimento do Filho do Homem.). Além disso, o sofrimento é apresentadono pretérito (“ele tomou sobre si”, v.4), mas a moldura, que dá o tom, apontapara o futuro (“justificará a muitos”, v.11).

Pode-se analisar este texto em termos de relacionamentos entre os per-sonagens, que são quatro: eu (o Senhor), ele (o servo), nós (o profeta, quefala pelo povo), eles (muitas nações, reis, os poderosos, muitos). Existemtrês tipos de relacionamento: a) o relacionamento “eu” (Senhor) – “ele”; b)o relacionamento “nós” – “ele”; c) o relacionamento “eles” – “ele”.

a) O relacionamento “eu” (Senhor) — “ele”: O personagem principal é

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apresentado como “meu Servo” (v.11). O Servo não tem nome. Bastasaber que ele é servo. Sua verdadeira natureza é pertencer a alguémoutro, a saber, ao Senhor. Ele foi considerado (de forma equivocada)ferido de Deus (v.4). O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todosnós (6b; cf. v.10). A iniciativa é de Deus. Seu sofrimento foi tenciona-do por Deus. Não se trata apenas de algo que é aceito depois doevento. Este relacionamento tem seu ponto alto quando o “eu” (o Se-nhor) lhe dá muitos como a sua parte (v.12). Deus é a ponte que levado sofrimento à exaltação.

b) O relacionamento “nós” — “ele”: Quem somos “nós”? Tudo indicaque se trata de Israel e/ou do profeta. A rigor, é o profeta falando emnome de todos. De hostilidade e desprezo (v.3), os “nós” passam aconsideração e confissão.

c) O relacionamento “eles” – “ele”: Além de “eu” e de “nós”, também“eles” se relacionam com o Servo. Quem são “eles”? São muitasnações e reis” (52.15), os poderosos (12), os muitos (v.12). Este “mui-tos” aparece três vezes em 53.11,12 (mais duas vezes em 52.14,15).Tem sentido inclusivo (muitos em oposição a um), não exclusivo (mui-tos em oposição a poucos). Os “muitos” são o grande grupo, a multi-dão, todos. (cf. palavras da instituição). De não-envolvimento passa-sea envolvimento; do não-reconhecimento ao apreço.

O “ele” está no centro dos relacionamentos. Ele é a ponte, não havendoconexão entre “eu” - “eles” ou “nós” - “eles”. Ele, o Servo, age ou sofreação. Não fala. É profeta, sacerdote e rei, mas acima de tudo sacerdote.Ele dá a sua alma como oferta pelo pecado (v.10), derrama a sua alma namorte (v.12). Ele é ao mesmo tempo o sacerdote (“intercede pelostransgressores”, v.12) e vítima sacrificial (“a sua alma como oferta pelopecado”, v.10).

APLICAÇÃO

A narrativa do texto corresponde, em termos gerais, à seqüência doCredo: sofreu, morreu, foi sepultado, ressuscitou. No entanto, o pregadorque proclama este texto à luz de seu cumprimento precisa lembrar queprofecia não é história escrita antecipadamente. Por exemplo, “ver a poste-ridade” e “prolongar os seus dias” (v.10) apontam para a ressurreição, semfalar dela em termos bem inequívocos. Aliás, a “recompensa” do Servo éapresentada em terminologia típica do AT: ver a posteridade (v.10), prolon-gar os dias (v.10), repartir o despojo (v.12).

O que não tem precedente, sendo totalmente singular no AT, é o anún-cio de que alguém vai dar sua alma como oferta pelo pecado. De resto, noAT, animais são sacrificados como oferta pelo pecado. O Servo é único e,

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num certo sentido, Is 53 é a única passagem do AT que ajuda a entender osacrifício de Cristo.

O Servo é anônimo, isto é, no âmbito da profecia sua identidade é ummistério. (O NT revela sua identidade!) Agora, o mesmo não se aplica àsua missão. Aqui não há nenhum mistério. Trata-se de missão salvadora,que consiste em sofrer. O sofrimento não é apenas conseqüência de suamissão, mas é a missão em si. Ele sofre de forma voluntária (v.10 e v.12),não merecida (“nunca fez injustiça”, v.9), em obediência ao Senhor (vv.6,10).Sua morte é vicária, constituindo-se na “feliz troca” de que fala Lutero: oServo que merece bênção é amaldiçoado, e os pecadores que merecem amaldição de Deus recebem a bênção do Servo. Esse caráter substitutivoaparece mais de 10 vezes, especialmente nos vv. 4-6,8,10-12: nossas enfer-midades (v.4), nossas dores (v.4), traspassado pelas nossas transgressões(v.5), etc.

O pregador cristão por certo vai expor o texto profético à luz de seucumprimento. Segue uma lista de referências que indicam o cumprimentono NT: v.5 - Rm 4.25; 1 Pe 2.24-25; v.6 - 2 Co 5.21; v.7- Mc 14.65; Jo1.29; v.9 - 1 Pe 2.22; 1 Jo 3.5; v.10b - Mt 20.28; Gl 1.4; 1 Jo 2.2; v.12 - Mc15.28; Lc 22.37; 23.34.

Vilson ScholzSão Leopoldo, RS

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DOMINGO DE PÁSCOAIsaias 25.6-9

20 de abril de 2003

CONTEXTO

O texto está inserido no bloco de Isaías geralmente chamado de “primei-ro volume de juízo e promessas gerais”, que compreende os versículos de24.1 até 27.13. O bloco possui quatro sermões: a) O juízo universal de Deuscontra o pecado, que também é universal (24.1-23); b) Louvor a Deus comolibertador, vitorioso e consolador (25.1-12); c) Cântico de alegria e consola-ção de Judá (26.1-26); d) Punição aos opressores e a preservação do povode Deus (27.1-13). Mas, especificamente, o texto está inserido no “cânticode louvor pela misericórdia divina”, que compreende os versículos 1 a 12 docapítulo 25.

TEXTO

V. 6: “neste monte” – O monte é o de Sião, situado em Jerusalém (vejaIsaías 2.2-4). É neste monte que o Senhor “mora”.

V. 6: “banquete” – A figura é utilizada na Bíblia para se indicar refeiçãoque celebra um evento importante. No caso do texto, o tipo de banque-te é considerado messiânico, com um tom escatológico (banquetecelestial). Observe que o banquete é servido “a todos os povos”.

V. 7: “coberta” – Literalmente, em hebraico, esta “coberta” é o véu deluto para cobrir o rosto. Simbolicamente, pode significar qualquer coisaque impeça alguém a enxergar adequadamente uma outra realidade,inclusive espiritual. Em 2 Coríntios 3.16 é dito que, quando alguém seconverte ao Senhor, “o véu lhe é retirado”. Também é preciso lembrarquando Jesus, ao executar sua obra redentora, o véu do santuário foirasgado (cf. Mateus 27.51).

V. 8 – Este versículo é o central da perícope. Aqui, especialmente, estásituada a conexão com as demais leituras do Domingo de Páscoa, cujotema é a vitória sobre a morte. Aqui está antecipado o que Paulo disseem 1 Coríntios 15.26. A narrativa do Evangelho do dia – a ressurreiçãode Jesus Cristo - narra esta vitória.

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PROPOSTA HOMILÉTICA

Sendo este o Domingo de Páscoa, o assunto está colocado: a ressurrei-ção de Jesus é a vitória definitiva sobre a morte. A questão é: como locali-zar este assunto em Isaías e fazer a ponte até a ressurreição, até o evange-lho – sem que isto soe artificial e, até, arbitrário? Antes de verificarmosuma possibilidade, é necessário lembrar que o texto de Isaías trabalha emdois níveis, o histórico e o espiritual. As mensagens messiânica e escatológicatêm como base a destruição de Moabe e a libertação e o consolo operadospor Deus.

A sugestão é que a mensagem se fundamente na expressão “tragará amorte para sempre” (v. 8). De acordo com a epístola (2 Coríntios 15.26),ela tem seu cumprimento na ressurreição de Jesus.

As imagens “morte” e “vida” são conhecidas, mas não perdem sua atu-alidade. Todavia, sugiro que a mensagem não fique apenas no plano salvífico,mas que também aborde situações de “morte” no dia-a-dia (casamento,família, sociedade, política, economia) e mostre que os caminhos de vidasão possíveis através da ação de cada crente que foi tocado pela ressurrei-ção de Jesus.

Uma abordagem evangélica criativa seria um estudo da situação indicadapelo termo “opróbrio” (vergonha). Aquele (Jesus) que se tornou opróbrioem seu sofrimento vicário (cf. Isaías 53.1-12) é quem acabou sendo quempode tirar o opróbrio dos seres humanos (v. 8).

Também convém incluir o banquete escatológico, pois é o resultado finalda vitória sobre a morte.

Dieter Joel JagnowPorto Alegre, RS

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SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOAAtos 3.13-15,17-2627 de abril de 2003

CONTEXTO

Com exceção de algumas festas maiores, como Ascensão e Pentecostes,e algumas festas menores, como a conversão de Paulo (25 de janeiro) e o diade Estêvão (26 de dezembro), entre outras, o único momento em que o livrode Atos dos Apóstolos tem vez na Série Trienal é no período dos sete domin-gos de Páscoa. Figura aí como primeira leitura, em lugar da leitura do AntigoTestamento. Pode parecer uma perda, mas, como se verá mais adiante nesteauxílio homilético, o Antigo Testamento não foi de todo esquecido.

O texto de Atos 3 faz parte do discurso de Pedro no Templo, depois dacura de um coxo. Ao final do sermão, como se lê em At 4.3, o pregador eseu colega (João) são presos. O v. 16, que faz esta conexão histórica, éomitido, e disto resulta uma perícope mais “universal”. A leitura começa dechofre com “O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó ... glorificou a seuServo Jesus”. Sugere-se, ao menos na leitura, providenciar um texto-ponteà guisa de introdução: “Depois da cura de um paralítico no Templo, Pedrose dirigiu ao povo, dizendo: ...”

TEXTO

1. O texto se destaca por referências diretas e alusões ao AT. (Nestesentido, a falta de uma “leitura do AT” neste domingo não vai ser tãosentida quanto poderia ser.) O v. 13 é um eco ou quase citação de Êx3.6,15. A referência ao Servo Jesus (vv.13 e 26) remete a Is 53. No v.18, Pedro anuncia que o sofrimento do Cristo cumpriu o que Deus anun-ciara por boca de todos os profetas. Os vv. 22-23 são citação de Dt18.15,18-19. No final (v.25), Pedro lembra que seus ouvintes são “fi-lhos dos profetas e da aliança” e, na seqüência, cita Gn 22.18.

2. O texto tem muito a dizer de Jesus Cristo. Ele é o Servo do Deus deAbraão, Isaque e Jacó (vv. 13 e 26); o Santo e Justo que foi negadoperante Pilatos (v.14); o Autor da vida (v.15), morto pelos israelitas(v.12) e irmãos de Pedro (v.17), a quem Deus ressuscitou dentre osmortos (v.15); o Cristo (= Messias) de Deus (v.18), que sofreu e voltará

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para a restauração de todas as coisas (v.21).3. O texto anuncia com clareza a morte e ressurreição de Jesus, com

ênfase na última. Deus “glorificou a seu Servo Jesus” (v.13), “ressus-citou dentre os mortos” o Autor da vida (v.15), ressuscitou o seu Servoe “enviou-o primeiramente a vós outros para vos abençoar” (v.26).

4. O sermão de Pedro aponta o pecado (vv.13,14). É claro, reconheceque os israelitas agiram por ignorância (v.17) e vê o propósito de Deuspor trás dos eventos da Sexta-feira santa (v.18). Mas nem por issoafirma que está tudo OK. Ao contrário, há um claro apelo ao arrepen-dimento (v.19), seguido de algumas das implicações disto: cancelamen-to de pecados (v.19), tempos de refrigério (v.20), bênção (“para vosabençoar”, v.26). A palavra final é outro convite ao arrependimento:“cada um se aparte de suas perversidades” (v.26).

5. O evangelho aparece numa versão modificada da “feliz troca”, da qualfalava Lutero. É uma “feliz troca” em dose dupla: a) O homicida ésolto e o Justo é morto: “negastes o Santo e Justo e pedistes que vosconcedessem um homicida” (v.14); b) Escolheram o homicida e Deuslhes devolveu o Autor da vida: “matastes o Autor da vida, a quem Deusressuscitou dentre os mortos” (v.15).

6. O grande destaque do texto é o v. 15. Duas expressões merecem umpequeno comentário. A primeira é a “magnífica antítese” de que fala J.A. Bengel: “matastes o Autor da vida”. Cristo é o Autor da vida (Jo 1,Cl 1, Hb 1). Agora, como é possível matar o Autor da vida? A explica-ção luterana é aquela da comunicação dos atributos na pessoa de Cris-to. Pela união pessoal das duas naturezas em Cristo, “coisas humanassão atribuídas à pessoa toda de Cristo segundo a natureza humana”(Sumário da Doutrina Cristã, 2 ed., p. 75-76 – Gênero Idiomático).Coisas peculiares à natureza humana – por exemplo, morrer – são ver-dadeira e realmente atribuídas à pessoa toda de Cristo. A segundaexpressão é: Deus o ressuscitou “dentre os mortos”. Esta expressão“dentre os mortos”, que ocorre 44 vezes no NT, é uma enfática decla-ração de que Cristo realmente morreu e uma maneira bem plástica dedescrever sua ressurreição: Deus o levantou do meio dos mortos. Eleressuscitou da morte, sim; mas o NT gosta de dizer que ele ressuscitou“dentre os mortos”. Morte é abstrato; mortos, concreto.

APLICAÇÃO

Por mais breve que seja, o sermão de Pedro é modelar. Pedro desvia aatenção dos apóstolos (v.12) para aquele que os comissionou, a saber, oDeus de Abraão, de Isaque e de Jacó (v.13). Pedro não faz nenhum mani-festo em nome do Messias rejeitado, muito menos anuncia um plano deoposição ao judaísmo. Ao contrário, a exemplo do próprio Senhor (ver o

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paralelo com João 20.21, o evangelho do dia: “Assim como o Pai me enviou,eu também vos envio”), os apóstolos vão em busca das ovelhas perdidas dacasa de Israel ali onde elas estão. Para tanto, fala a linguagem bíblica queo povo conhecia, como foi indicado acima (2.1). Na peroração (v.25-26),Pedro se dirige a eles como “filhos dos profetas e da aliança”, isto é, osherdeiros da promessa feita pelos profetas e da bênção ligada à aliança. Aeles o Servo de Deus foi enviado em primeiro lugar, para os abençoar. Mas,acima de tudo, o sermão de Pedro é modelar no anúncio de lei e evangelho.Mostra o pecado e anuncia o perdão (ver o paralelo com João 20.23: “Se dealguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados”). O v. 15, o anúncio daressurreição de Cristo, é o centro e clímax da mensagem. O centro damensagem não é o Pentecostes ou o poder do Espírito Santo, nem a cura ouo poder de curar, mas a Páscoa e a ressurreição de Cristo.

Vilson ScholzSão Lepoldo, RS

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TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOAAtos 4.8-12

04 de maio de 2003

CONTEXTO

Este texto precisa ser analisado dentro do seu contexto, caso contrário éimpossível entendê-lo. Seu contexto imediato tem seu começo no capítulo 3,versículo 1. Sugiro, pois, que em primeiro lugar se leia atentamente todoeste contexto, ou seja, os capítulos 3 e 4.

TEXTO

O trecho é um discurso. Surgiu a partir da cura (obra diaconal). Pedro,cheio do Espírito Santo, desmascara o sistema religioso que descartou aCristo, pedra angular. Importa que Cristo seja nosso mediador para quetenhamos vida.

Algumas coisas merecem destaque especial neste texto:a) O que levou Pedro a proferir esta mensagem (o contexto dos capítulos

3 e 4);b) A quem Pedro está proferindo esta mensagem (diante das autoridades

e líderes do povo: o Sinédrio);c) A coragem de Pedro. É preciso lembrar que há poucos meses atrás,

este mesmo Pedro nega Jesus a uma simples empregada do palácioreal, e agora “rasga” o verbo, como o homem mais corajoso do mundodiante das maiores autoridades, as mesmas que condenaram a Cristo eque poderiam também condenar Pedro. No entanto, Pedro não demonstramedo nenhum, mesmo após a proibição de continuar falando a respeitode Cristo. No final ele é solto.

d) O centro da mensagem de Pedro. Pedro está sendo interrogado sobrecomo é que eles realizaram a cura daquele que tinha nascido coxo. EPedro “desvia” (aproveitando a oportunidade) seu discurso para CristoJesus. Cita o texto que encontramos no Salmo 118, versículo 22: “Apedra que os construtores rejeitaram veio a ser a mais importante”. Eainda faz uma aplicação, afirmando que “a salvação só pode serconseguida através dele. É por meio do nome dele e de ninguém mais

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no mundo que podemos ser salvos”. E ainda acrescenta que “Deus temcolocado este nome ao alcance de todos”.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

A situação em que Pedro e João se encontram é parecida com um depo-imento numa CPI, onde reina o clima de julgamento e suspeitas. Pedro nãohavia planejado estar lá diante das autoridades político-religiosas. Pelo con-trário, tinha saído de casa a fim de orar no Templo. Talvez nem imaginavaque iria conhecer o famoso Sinédrio de perto. Aquele mesmo tribunal comque Jesus se defrontara dois meses antes.

A oportunidade de falar em nome do Cristo ressuscitado, aquele espaçode comunicação, não foi previamente pensado. Também não foi comprado,nem requisitado pelos discípulos. Eles foram trazidos à força para explicaruma boa ação: um serviço prestado a um paralítico. Só que por trás secumpria o propósito do Alto. A cura do coxo que vivia às portas do temploem Jerusalém foi o estopim dos fatos e o ponto de partida da fala de Pedro,que agora nos interessa.

Ao reconstruir a cena, temos de lembrar que aquele momento fazia par-te da história, refletia conflitos, disputas pelo poder, e especialmente queainda repercutiam os últimos acontecimentos envolvendo a condenação emorte do Nazareno Jesus, e o recente “boato” de que ele havia ressuscita-do. Se este fosse confirmado, aquelas autoridades perderiam sua credibilidade,pois teriam incorrido num erro lamentável.

Em meio a esta ameaça, com o receio de perder o domínio sobre o povo,é que aquela elite prende e chama os dois discípulos para depor.

A primeira pergunta colocada à mesa, anotada pelo escrivão, é: “Comque poder vocês estão fazendo isso? Quem está por trás?” Estas palavrasevidenciam o medo e como eles se julgavam os únicos que podiam ensinar,dizer como se faz o bem, orientar e guiar o povo.

Pedro estava cheio do Espírito Santo. E não diz que Pedro ficou cheio sónaquele instante. Podemos deduzir que ele estava abastecido do Espírito,com o “tanque cheio”, desde o Domingo de Pentecostes, tanto assim quepôde operar o milagre na porta do Templo.

Pedro estava absorvido por Deus. A sua convicção no Cristo Ressusci-tado lhe invadira a alma, transformara-o num homem de coragem. E ali,diante do mais temido tribunal judaico, ele coloca os “pingos nos ‘is’.” Issovale para nossos projetos pessoais, nossas construções! Até que ponto mon-tamos esquemas de vida e rejeitamos o amor, a misericórdia de Cristo a nósrevelada com o propósito de repassar a outros?

Ampliando um pouco, chegamos às instituições a que pertencemos. Sobreque objetivos planejamos, trabalhamos e nos organizamos com estatutos eregimentos? Será que nossos esquemas, projetos, arranjos institucionais tam-

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bém não acabam tendo, por vezes, um fim em si e buscam apenas auto-reproduzir um ideal terreno em detrimento da graça oferecida aos pecadores?

O mundo precisa perceber e ouvir que, em Cristo, estamos comprometi-dos com a vida, com o amor e a justiça e que sempre há tempo para orecomeço bem fundamentado.

Tomando a sério esta viva esperança, seremos transformados e teremosoportunidades para sermos vistos e ouvidos em momentos inesperados enão planejados, mas que o propósito de Deus de antemão já nos reservara(Ef 2.10).

A exemplo de Pedro e João, ao vivermos de fato o amor de Deus, espa-ços de testemunho vão surgir, sem precisarmos requisitar ou pagar por eles.E estes momentos precisam ser usados para pregarmos a Cristo como sen-do o centro da nossa fé. Não podemos nos perder em detalhes, nem emdisputas de menor importância, e muito menos em assuntos que não edificam.Toda oportunidade precisa ser usada para nosso testemunho de Cristo, sejaele planejado, ou surja de forma totalmente imprevisível.

SUGESTÃO DE TEMA

Ao meu ver este é um texto sobre o qual podemos refletir de diversasmaneiras, dependendo o que se quer enfatizar, ou o lugar onde a mensagemserá proferida. No entanto, não tenho dúvidas que o centro deste texto, e,logicamente, a primeira opção para se refletir sobre ele é: a salvação sópode ser conseguida por meio de Cristo Jesus. E as partes desta mensagempoderão ser: 1º) Não existe nome dado entre os homens pelo qual possamosser salvos. Nesta parte pode-se falar sobre as muitas tentativas inventadaspelos seres humanos para alcançar alguma graça, entre elas a autojustificação,o sinergismo de muitos “crentes” de hoje em dia, os ídolos, os santos e suasobras supererrogatórias, Maria como co-redentora, as simpatias, os despa-chos, etc. 2º) Só Cristo salva. Nesta parte pode-se falar sobre como Cristoveio a ser a pedra angular (sua vida, obra, morte e ressurreição – a exemplodo que Pedro faz); o efeito da fé nesta verdade observado na vida de Pedro(na quinta-feira santa nega a Jesus diante de uma simples empregada, eagora, dois meses depois, dá um testemunho impecável diante do Sinédrio –as autoridades da época); o efeito que a fé em Cristo quer e pode efetuar navida das pessoas de hoje.

Milton Buss LeitzkeAlta Floresta, MT

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOAAtos 4.23-33

11 de maio de 2003

CONTEXTO

O texto nos remete às primeiras semanas depois do Pentecostes. Estamosnão tão distantes da ressurreição e mais perto ainda da ascensão do Senhor.

Os primeiros crentes estavam ainda sob o regozijo da festa que foi avinda do Espírito Santo e os quase 3.000 convertidos e batizados. Os primei-ros crentes e os apóstolos gozavam da simpatia de todo o povo. A igrejaestava feliz e crescendo.

Enquanto isso, os apóstolos já estavam pregando e testemunhando queJesus Cristo de fato ressuscitara dos mortos e era o Salvador prometido.Num desses dias, quando iam ao templo, se depararam com um homemdoente desde sua nascença. Ele estava à entrada do templo. É o capítulotrês de Atos. E pelo poder de Jesus o homem foi curado.

Por mais que os apóstolos dissessem que foi Jesus quem curou o ho-mem, mesmo assim foram presos. E foi na presença das autoridades quePedro proferiu aquele versículo que muitos citam de cor: “E não há salva-ção em nenhum outro, porque abaixo do céu...” – At 4.12.

As autoridades haviam explicado claramente, sob ameaças, que nãoqueriam que os apóstolos falassem em o nome de Jesus. Mais claramenteainda os apóstolos já disseram que não obedeceriam a esta proibição: “Por-que não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos”.

Aí foram soltos. E aí começa o nosso texto.

TEXTO

V. 23: “... procuraram os irmãos ...”. No original: sua própria companhia.Os crentes, por serem da mesma fé e do mesmo espírito, querem estarjuntos. Ainda mais, quando há dor. E contaram tudo o que tinham ouvi-do e pelo que tinham passado.

V. 24: A providência foi logo tomada. Os apóstolos e os crentes conheci-am bem a fonte do recurso e a forma de buscá-lo: é Deus e a forma, aoração.

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Sua oração começa com a adoração: “Tu, Soberano Senhor...”. EsteSoberano é o que conhecemos e confessamos no início de nosso Credo: “...Criador dos céus e da terra”. Poderia haver um Senhor maior?

Vv. 25,26: Da adoração partem para a promessa. É o valor da Palavra. Ena Palavra, a promessa. Quanto os apóstolos e os primeiros crentesconheciam a Palavra, o AT! Aqui, era o Salmo 2.

Vv 27,28: Da promessa para o cumprimento. Cumpriu-se o que Deusprometera no Sl 2. Herodes e Pilatos e as autoridades da igreja judaicaeram os personagens de ponta. Quando Lucas cita o Sl 2, a palavraUngido é o nome Cristo. Cristo quer dizer Ungido.

V. 29: “... concede aos teus servos que anunciam com toda a intrepidez atua Palavra”. Surpreendente e impressionante a petição. Eles não pe-dem livramento, mas coragem, ousadia e intrepidez. Livramento da per-seguição ainda não era garantia da pregação, mas coragem, ousadia eintrepidez, sim. Porque são virtudes do Espírito Santo.

V. 30: “... para fazeres curas, sinais e prodígios ... por intermédio do teusanto servo Jesus”. Eles pediram que a verdade do seu testemunhofosse demonstrado por milagres operados por Jesus. Deus está pertodos seus servos que oram a Ele e está pronto a suprir a plenitude doEspírito aos que o buscam, habilitando-os a dar testemunho e sofrer porEle.

Ouçamos bem: Deus faz curas, sinais e prodígios. Deus faz. Não é paraautopromoção humana. Nossa tarefa é testemunhar; a de Deus, confirmar.E tudo o que Deus faz, só faz por intermédio do seu santo servo Jesus.

V. 31: Deve ter sido uma experiência impressionante: “Tremeu o lugar ...e todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Era o cumprimento de At1.8.

Vv. 32,33: O que segue nestes dois versículos era agora uma felicidade ebênção que a igreja experimentava entre os cristãos.

“... um o coração e a alma”. Aristóteles, quando perguntado o que é umamigo, disse: “uma alma habitando em dois corpos”. O que teria dito ao verque “uma alma” habitava em cinco mil corpos dos crentes?

A sua comunhão era espécie de “comunismo” cristão. E este jeito de oscristãos viverem é uma prova da ressurreição de Jesus.

SUGESTÕES HOMILÉTICAS

O que diz a igreja ao seu senhor quando ora

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1 – Apresenta adoração; 2 – lembra a promessa; 3 – olha para o cumpri-mento; 4 – pede ousadia para a pregação da Palavra.

A igreja segue o caminho de seu Senhor1 – sob a cruz, pregando; 2 – na glória, se regozijando.

Benjamim JandtCachoeira do Sul, RS

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QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA Atos 8.26-40

18 de maio de 2003

CONTEXTO

O nosso texto faz parte da narrativa de Lucas sobre a primeira expansãoda igreja além das fronteiras de Jerusalém. Depois do apedrejamento deEstêvão, relatado em Atos 7, levantou-se uma grande perseguição da igrejaem Jerusalém, encabeçada por Saulo, dispersando seus membros atravésda Judéia e Samaria. Entre eles se destaca o evangelista Filipe que, naSamaria, foi o instrumento de Deus para evangelizar multidões. Um poucomais tarde, talvez ainda em meio a seu trabalho extraordinário, é impelidopela direção do Espírito Santo a evangelizar o eunuco da rainha Candacedos etíopes a fim de que o evangelho se expandisse além das frontreiras daPalestina e penetrasse fundo nas regiões da África até a Etiópia, ao Sul doEgito. Segue então a narrativa sobre a conversão de Saulo através de quema igreja se expandiria até o continente europeu.

AS LEITURAS DO DIA

O Salmo 22.25-31 fala da expansão da igreja dizendo que ao Senhor seconverterão os confins da terra (v. 27). A epístola de 1 Jo 3.18-24 fala doEspírito Santo, que é um sinal da fé em Jesus nos crentes, impelindo-os aamar uns aos outros e, com certeza, não apenas os irmãos mas também osde fora da igreja, levando-lhes a mensagem da salvação. A leitura do evan-gelho, em Jo 15.1-8, nos lembra que só podemos produzir muito fruto notrabalho da igreja e na missão se somos ramos da videira, que é Jesus.

TEXTO E APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

V. 26: O evangelista Filipe era o segundo na lista entre os sete diáconosescolhidos em At 6.3, que eram homens de boa reputação, cheios doEspírito Santo e de sabedoria. Logo no início da grande perseguição emJerusalém escapou para Samaria onde seu trabalho evangelístico teveum estrondoso sucesso com a conversão de multidões. Inesperada-mente, Deus lhe deu a ordem através de um anjo para descer o cami-nho de Jerusalém a Gaza.

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Mesmo sem compreender a estranha ordem, Filipe prontamente obede-ceu. Isso comprovam as duas formas verbais no aoristo, avnasta,j e evporeu,qh– levantando-se, foi.

Vv. 27-28: A estrada estava deserta, mas de repente surgiu nela umacarruagem em que viajava um eunuco etíope, uma espécie de ministrodas finanças da rainha Candace, que era apenas seu título dinástico enão seu nome próprio. A Etiópia daquele tempo compreendia a Núbiade hoje e o Norte da Abissínia. O eunuco, portanto, era gentio e, segun-do o historiador Eusébio, o primeiro gentio que abraçou o cristianismo.Mas era com certeza um simpatizante da religião judaica, talvez até umprosélito do portão ou um temente a Deus. Isso concluímos da informa-ção de Lucas de que viera adorar em Jerusalém e que estava lendo,durante a viagem, o profeta Isaías.

Vv. 29-31: Mais uma vez Filipe sofre uma intervenção divina. Dessa vez éo próprio Espírito Santo que o orienta, dando-lhe a ordem de acompa-nhar o carro, que Filipe fez correndo e ao mesmo tempo ouvindo-o ler oprofeta Isaías, pois o africano estava lendo em voz alta, seguindo umaorientação dos rabinos judeus que a Torá deveria ser lida em voz alta,durante uma viagem. Podemos aprender aqui uma lição importante como eunuco: a sua fome e sede da palavra de Deus e a sua procura daverdade. Aproveitou bem o tempo da viagem para nela se aprofundar.Quantos cristãos, hoje em dia, procedem da mesma maneira? Quemainda lê a palavra de Deus em particular ou a ouve freqëntemente emcultos públicos ou em estudos bíblicos, impelido por uma fome ou sedeespiritual?

A pergunta de Filipe se estava entendendo o que vinha lendo revela umainteligente abordagem evangelística. Atingiu em cheio o desejo profundo doprospecto. Era isso que o eunuco realmente desejava: entender o que esta-va lendo e alguém que lho explicasse. E seu convite imediato de Filipe sen-tar-se junto a ele era uma conseqüência natural da oferta e demanda. Filipeganhara sua confiança e respeito. Sua pergunta discreta recebera uma res-posta favorável.

Vv. 32-33: O trecho que o eunuco estava lendo encontramos no cap. 53de Isaías em que descreve o sofrimento e a morte do servo sofredor.São os versículos que se encontram transcritos em nosso texto. São daSeptuaginta, apresentando algumas diferenças quando comparados como texto hebraico massorético, mais em palavras que no conteúdo. Com-param o servo com um cordeiro mudo perante seus tosquiadores. O v.33 fala de sua humilhação, quando lhe negaram justiça. Há diversas

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interpretações da pergunta: “Quem lhe poderá descrever a geração?”Uns acham que se trata aqui da geração contemporânea de Jesus, seusinimigos, cuja maldade ninguém poderia descrever. Outros afirmam queaqui não se trata da geração contemporânea de Jesus, mas de suagrande descendência espiritual. Quem poderia, naquela hora trágica,imaginar que iria ter uma tão grande família espiritual, já que da terrasua vida era tirada? A NTLH transmite esse sentido.

Vv. 34-35: A quem se refere o profeta? Essa pergunta tem ecoado atra-vés dos séculos e obteve muitas respostas. Alguns a atribuíram ao pró-prio profeta Isaías ou a algum outro profeta. Vários escritos judaicosantigos afirmam que se referem ao Messias, mas também há outrosque identificam o servo sofredor com o povo de Israel. Desde seu iní-cio, a igreja cristã identificou o servo sofredor com Jesus, o Messias.Também não poderia ser de outra forma, pois há tantos detalhes napaixão e morte de Jesus que se identificam perfeitamente com os deta-lhes descritos pelo profeta, que fez o Dr. Rottmann observar que aspalavras de Is 53 parecem ter sido escritas ao pé da cruz do Gólgota(Atos dos Apóstolos, vl. 2, p. 45).

Durante anos os mais ferozes críticos da Bíblia afirmaram que aqui nãose trata de profecia, mas de acontecimentos descritos depois do fato acon-tecido (post eventu). Diziam isso porque no tempo deles a cópia mais re-cente que existia do livro de Isaías era de uns 900 anos D.C. Mas osachados arqueológicos dos escritos de Qumran, nas cercanias do mar Mor-to, descobertos em 1947, derrubaram estrondosamente o seu castelo críticoartificial. Entre esses escritos encontraram duas cópias do profeta Isaíasque os peritos datam de uns 200 anos antes de Cristo.

Filipe dificilmente poderia ter achado um texto mais adequado para ex-por sua mensagem evangelística a respeito do Salvador Jesus e de seu sa-crifício substitutivo e expiador. Deve ter citado também muitas outras pas-sagens referentes a Jesus no A.T., escritos na Lei de Moisés, nos Profetase nos Salmos (cf. Lc 24.44). A evangelização que não conduz a Cristo errao seu alvo.

Cabem aqui algumas aplicações práticas a respeito do estudo da palavrade Deus e do testemunho de nossa fé.

1. A fome e sede da palavra de Deus que já comentamos anteriormente.2. A persistência de prosseguir na leitura da Bíblia, mesmo sem compre-

ender tudo. É preciso que continuemos seu estudo, passando por cimadas passagens difíceis para uma posterior compreensão com o auxíliode comentários ou de pessoas competentes.

3. O ideal do crescimento espiritual. Temos tantos ideais e cultivamos

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tantos valores na vida, mas muitas vezes o ideal de crescermos na fé evida cristã é um dos últimos ou até falta completamente. Disse umpastor que é trágico que tantos membros da igreja nunca se deixamelevar a um nível espiritual mais alto do nível de respeitáveis descren-tes. Um teólogo observou que mais perturbador ainda é que muitosmestres e obreiros da igreja nada fazem para melhorar o seu conheci-mento e sua habilidade de ensinar e assim as pobres congregações sãoforçadas a contentar-se com uma classe de mestres de segunda, ter-ceira ou quarta categoria. Isso não ocorre no mundo exterior onde oempregado tem de fazer cursos de aperfeiçoamento para manter seuemprego.

4. O ideal de cooperadores na tarefa redentora de Deus. Esse ideal Filiperevelou em alto grau e mais tarde certamente também o eunuco na suaterra natal. Filipe nada mais era que um evangelista leigo, cujo coraçãoardia em testemunhar a sua fé. E fazia-o onde se encontrava, perantemultidões ou com uma só pessoa. Um pregador observa que ele nãotinha nada mais do que nós: a mesma fé, o mesmo amor com que tam-bém nós fomos agraciados. Temos até mais conhecimentos de Jesuspor causa dos escritos do N.T. que naquele tempo ainda não existiram.Temos todo o equipamento cristão necessário para o testemunho. Aúnica questão é se o usamos ou não. Os que não o usam podem sercomparados com uma lanterna elétrica, cujas pilhas substituem comalguns trapos. Deixemos, portanto, brilhar a luz com as pilhas que Deusnos deu.

Vv. 36-38: Com certeza Filipe também incluiu na sua exposição a neces-sidade do batismo e a grande comissão em Mt. 28.18-20. O EspíritoSanto já havia operado a conversão mediante a mensagem evangelísticaque fluía da boca aberta de Filipe para o coração aberto do eunuco, demodo que este pediu para ser batizado quando chegaram a uma água.As palavras do v. 37, entre colchetes, não se encontram nos melhoresmanuscritos, mas apenas no texto ocidental e podem ser uma glosamuito antiga de algum escriba. Mas. mesmo não autênticas no texto,podem ter sido proferidas na ocasião porque, sem dúvida, foram usadasna igreja primitiva em cerimônias de batismo.

Quanto à água, pode ter sido de algum riacho, ou de alguma fonte ou dealgum açude, pois era escassa naquela região. O texto nada fala sobre aforma do batismo, se foi por imersão, aspersão ou derramamento. Não im-porta a forma desde que a água seja aplicada com as palavras da instituiçãoe com a palavra de Deus. Os que insistem na imersão devem também admi-tir a correção das outras formas.

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Vv. 39-40: Alguns intérpretes procuram eliminar desse texto o óbvio intui-to miraculoso do arrebatamento de Filipe. O verbo aqui usado para esteato é a‘rpa,zw, usado também para uma remoção sobrenatural em 2 Co12.2 e 1 Ts. 4.17. Temos também no A.T. indicações de semelhantetransporte sobrenatural em 1 Rs 18.12 e 2 Rs 2.16. O arrebatamento deFilipe não prejudicou o eunuco, pois não estava mais dependendo deseu instrutor. Com a fé em Cristo, adquirira agora um novo e suficienteentendimento da Escritura para encontrar nela a vida eterna e aplicaras profecias do A.T. a si e a seus semelhantes. Seguiu seu caminhocom júbilo, o que demonstra a autenticidade de sua conversão, experi-mentando um dos mais deliciosos frutos do Espírito, que é a alegriaprofunda dum coração agradecido. Eusébio nos informa que o eunucovoltou a seu país de origem e ali anunciou a mensagem do Salvador,cumprindo-se assim as palavras do Sl 68.31.

Quanto a Filipe, foi arrebatado pelo Espírito até Azoto, a antiga Asdodeno A.T., uma cidade dos filisteus. De lá foi subindo para o Norte,evangelizando todas as cidades, até Cesaréia, cidade residencial dos gover-nadores romanos da Judéia, onde provavelmente fixou residência, pois hos-pedou ali o apóstolo Paulo na volta de sua terceira viagem missionária (At.21.8). Foi ele o pioneiro de três métodos evangelísticos ainda praticadoshoje com muito sucesso: o evangelismo de massa, em Samaria; o pessoal,com o eunuco; e o itinerante, evangelizando de cidade em cidade.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Predomina em nosso texto a obra da evangelização e da expansão daigreja, realizada por Deus através de seus instrumentos, os próprios cris-tãos. O texto nos estimula tanto para o crescimento de nossa fé como parao crescimento na vida cristã. Ele nos inspira para os mais elevados ideaiscristãos, entre os quais se detaca o ideal de nos tornarmos cooperadores natarefa redentora de Deus. No desenvolvimento essa inspiração ou estímulodeve predominar. O próprio tema poderia ser formulado no sentido de umapelo evangelístico, a saber:

TEMA

Cooperemos na obra redentora de nosso Deus1. Atentos para a direção do Espírito Santo.2. Agradecidos a Deus e compadecidos de nossos semelhantes.3. Equipados com a mensagem cristocêntrica.

Paulo F. Flor Dois Irmãos, RS

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SEXTO DOMINGO DE PÁSCOAAtos 11.19-30

25 de maio de 2003

CONTEXTO

O sexto domingo de Páscoa prepara a Igreja para a comemoração daAscensão do Senhor Jesus, a ser lembrada na quinta-feira seguinte. Jesussobe ao céu, mas não deixa a igreja sozinha: deixa, sim, com desafios eoportunidades. Alguns destaques das outras leituras:

Sl 98 – Salmo que mostra a conseqüência imediata da ação de Deusentre os homens: alegria. Alegria porque Deus faz coisas maravilhosas,porque vence com seu poder, porque é fiel e justo. Até a própria natureza éconvidada a festejar (cante a terra e os rios batam palmas). Como seapresenta nossa alegria em nossa vida diária ? O poder e amor de Deus sãoos principais motivos da nossa alegria ?

1 Jo 4.1-11 – “Nada de novo sobre a face da terra”. A Igreja Cristãluta contra a falsidade e o engano. Falsos profetas, que diziam receber oEspírito de Deus e ao mesmo tempo negavam a humanidade de Jesus, per-turbavam a vida nas comunidades. O apóstolo João, orientado por Deus,oferece uma alternativa: “ponham à prova essas pessoas” mostrando queos que são de Deus têm vencido os falsos profetas. No entanto, não setrata de inquisição, mas de tratar todos na perspectiva do amor de Deus.Amemos uns aos outros porque o amor vem de Deus.

Jo 15.9-17 – Vindo logo após as palavras de Jesus sobre a videira, odiscurso sobre o amor segue a mesma lógica. O amor é orientado pormodelos: o Amor do Pai, o amor do Filho aos discípulos, amem uns aosoutros como eu amo e até dou minha vida por vocês. O escravo age porobrigação. O filho de Deus se move na esfera da motivação e é isso que lhetraz a alegria completa. Cumpre os mandamentos não por medo mas porter sido amado por Deus e por desejar automática e intensamente amar oseu próximo.

At 11.19-30 – A polêmica principal dos últimos capítulos, com conseqü-ência nos próximos, está resumida no versículo anterior à perícope: “EntãoDeus deu também aos não-judeus a oportunidade de se arrependereme ganharem a vida eterna” (Atos 11.18). Pela descrição da “grande fome”,

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é provável que tenha acontecido no ano 46. Cláudio foi imperador de 41 a54 depois de Cristo.

TEXTO

V. 19: A morte de Estêvão, promovida pelas autoridades religiosas e como aval de Saulo, futuro Paulo, mostrou que a perseguição aos cristãosera muito séria. As testemunhas do amor de Deus em Jesus Cristopassam a ser mártires (em grego tem a mesma raiz). A defesa da vidae da verdade motiva os cristãos a buscar a paz em outros rincões: amaioria se espalha pelo mundo comercial da época (Fenícia, Chipre eAntioquia). A prioridade é compartilhar a boa notícia de Jesus entre osdo seu povo, os judeus.

Vv. 20,21: Alguns são mais audazes: cristãos de Chipre e Cirene tambémcompartilham a missão de Jesus com não-judeus e o resultado é im-pressionante: “O poder do Senhor estava com eles, e muita gente creue se converteu ao Senhor”. Já se apresentam diferenças importantesna conversão de judeus e não-judeus. Os que não faziam parte do povoescolhido de Deus se agarram à fé de outra maneira.

Vv. 22-24: Repercussões na vida da igreja: as boas notícias correrammais que as más. A Igreja de Jerusalém, onde estavam os líderes,recebe a notícia de uma “explosão evangelística” e envia Barnabé.Essa perícope também é o texto-base para o dia de São Barnabé, 11 dejunho. Um pouco da sua biografia aparece em At 4.36-37. Provavel-mente conhecia seus conterrâneos que foram de Chipre a Antioquia epor isso foi enviado. Seu perfil também o ajudava: “era homem bom,cheio do Espírito Santo e de fé”. Ao ver aquele entusiasmo pela fé,Barnabé reconheceu as bênçãos de Deus e ficou alegre (exemplo paranós, pastores!). Seu conselho aos irmãos da exitosa congregação deAntioquia: ser fiéis a Deus de todo coração.

Vv. 25,26: Barnabé é homem de visão. Apesar de Paulo estar há poucotempo ao lado dos cristãos, depois de sua conversão em Damasco,Barnabé o escolhe para ajudar no desafio missionário. Estratégia decrescimento da Igreja: “eles se reuniram aquele ano todo com a gentedaquela igreja e ensinaram muitas pessoas”. O impacto foi tremendoinclusive no âmbito social: pela primeira vez os seguidores de Jesuspassaram a ser chamados de cristãos.

Vv. 27-30: Ser igreja não significa estar livre de problemas. As crisestambém servem como termômetro da vida espiritual e como oportuni-dades de mostrar o amor. Os “cristãos”, muitos deles não-judeus, ofertamde acordo com o que têm para ajudar os irmãos na fé que passam fomena Judéia. Paulo e Barnabé são os representantes que levam o dinheiroaos líderes da Igreja.

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APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Barnabé como líder da igreja:a. Sua dedicação (Atos 4.36-37)b. Sua alegria: reconhecer as bênçãos de Deus (At 11.22)c. Sua visão de igreja: buscando Saulo – formação teológica intensiva

com os membros.d. Administrando o impacto: os seguidores são reconhecidos na socie-

dade e rotulados de “cristãos” porque seguem a Cristo.

2. A fome e a resposta dos cristãosa. Profetizada por Ágabob. Mobilizando os cristãos: sem rancor, reconhecem os judeus como

seus irmãos.c. Ofertando proporcionalmente: “cada um deu de acordo com o que

tinha”

3. Deus e a logísticaa. Exílio como conseqüência da perseguiçãob. Barnabé: de Chipre para ajudar os que eram de Chipre em Antioquiac. Aproveitando recursos: Saulo estava começando seu trabalho

evangelístico. Barnabé, apesar das resistências, o busca e traba-lham intensivamente na preparação dos novos cristãos.

d. Fome: estímulo ao amor na prática. Desafíos da igreja: observar ascrises, reconhecer as bênçãos e “arregaçar as mangas” amando aopróximo como somos amados por Deus.

PROPOSTA HOMILÉTICA

(Adaptação de um texto de J.Sergio Fortes, consultor de logísticaem São Paulo)

DEUS, ESPECIALISTA EM LOGÍSTICA.INTRODUÇÃO

Logística na história humana: Logística é não apenas tema da hora, masmatéria obrigatória hoje nos currículos de muitas Faculdades. Originada apartir das necessidades de planejamento operacional do Exército em temposde guerra, a Logística tem revolucionado o processo de abastecimento e dis-tribuição da empresa moderna, com o objetivo de atingir o consumidor finalmais rápido, com menor custo e, o que é essencial, antes do concorrente.

Logística na história de Deus: Contudo, essa nova ciência é velha paraDeus. A História está repleta de evidências do Deus da Logística. Vejamosalguns exemplos:

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1. Caso José Versus Seus Irmãos. Odiado por seus irmãos, José é vendidocomo mercadoria para o Egito. Potifar, um preeminente funcionário dopalácio compra-o como escravo, para uso doméstico. A paixão doentiae descontrolada da esposa de Potifar por José esbarra na integridadeinegociável deste, resultando em sua injusta prisão. Há controvérsia seJosé ficou 2 ou 10 anos no calabouço. Contudo, ao interpretar o sonhode um assistente de Faraó, também preso, as portas do palácio se abrempara José. Interpretando estranho sonho do próprio Faraó, este confia aJosé a governança da maior potência da época. Sua política sábia livranão só o Egito da fome, mas sua família e seu povo. Ao ser negociadoa mercadores, era impossível se imaginar que Deus estava usando Josépara implementar uma logística estratégica multinacional muito precisa(detalhes em Gênesis 37 a 47).

2. Caso Ananias versus Saulo. Nocauteado na estrada poeirenta de Da-masco, o perseguidor Saulo de Tarso foi confrontado com Aquele queele mesmo chamou, “O Caminho”. Depois desse encontro transforma-dor, a autoridade de Paulo, seu poder, ódio e cartas precatórias paraexpulsar devotos seguidores de Jesus se tornaram sem valor. Cego eimpotente, Paulo foi levado para a cidade onde pretendia implementarsanta inquisição. Contudo, Deus surpreende Paulo de forma especial,mostrando-lhe que Seu “supply chain” era perfeito e Seu processo deentrega tinha endereço e hora exatos. O “consumidor” Saulo de Tarsofoi atendido por Ananias EXPRESS, o mensageiro da logística de Deus.Essa mensagem alcança Saulo, que se torna Paulo, o maior comunicadorsobre Jesus Cristo (veja história completa em Atos 9)

3. O exílio dos cristãos: conseqüência das perseguições contra os cristãose também pela expansão comercial, os cristãos são desafiados a levar oevangelho a todas as nações. Aproveitam novas oportunidades, sãodesafiados pelas condições culturais diferentes (paganismo), trabalhamcom a escassez de recursos (ministério de tendas), recebem dons espe-ciais (de línguas) para entender outros povos e compartilhar no seuidioma a mensagem de Cristo, superam as más tradições do judaísmo emudam o perfil da sociedade da época, ao ponto de serem chamados de“cristãos”. Coincidência ou trabalho logístico de Deus?

LOGÍSTICA NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DA IGREJA (IELB) 4. Casos Seu e Meu. Você e eu somos o “mercado”, o alvo da precisa

logística estratégica de Deus todo dia, que, de forma especial e especí-fica, atende nossas necessidades, acode chamadas de emergência, res-ponde preces urgentes. Surpreende-nos como e quando o processocomeça, mas sabemos que chega de forma e meios inesperados. Dis-plicentes e insensíveis erramos no diagnóstico: “Por acaso”; “Feliz co-

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incidência”; “Por sorte”. Como se o consumidor, lá nos confins de seupaís, pudesse receber o produto necessário, na data e hora certas, pormero acaso!

Deus é especialista em chegar “just-in-time”, mesmo quando achamosque Ele está atrasado. Antes mesmo da necessidade bater à nossa porta, oprocesso logístico de Deus já se iniciou para que a solução que iremos pre-cisar – talvez anos depois – nos alcance no momento exato. Recursos fi-nanceiros que chegam quando mais precisamos deles, ou a venda efetuadaquando mais precisávamos, não são atos de acaso ou mera coincidência.Fique atento ao que o Deus de Logística faz todo o dia por você. “Antesmesmo do meu corpo tomar forma humana Tu já havias planejadotodos os dias da minha vida; cada um deles estava registrado no Teulivro” (Salmo 139.16). “Estou lhes dizendo antes que aconteça, a fim deque, quando acontecer, vocês creiam que EU SOU” (João 13.19).

Christian HoffmannMontevidéu - Uruguai

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SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOAAtos 1.15-26

01 de junho de 2003

CONTEXTO 1. No pós-Páscoa, toda a Igreja vive a alegria da ressurreição e louva um

Deus/Salvador vivo, que não foi e que não podia ser vencido pela mor-te. É uma ótima oportunidade para compartilhar a esperança que animacada filho de Deus e que nos sustenta, ou seja, a fé e a esperança naressurreição e na vida eterna, como diz o apóstolo: “Se a nossa espe-rança em Cristo se limita apenas a esta vida, então somos os maisinfelizes de todos os homens.” (1 Co 15.19) Para os cristãos, é o mo-mento de dizer e reafirmar esta verdade.

2. Vemos uma Igreja em formação, que ainda não viveu o Pentecostes,mas que já tem consciência da sua missão de ser testemunha e daimportância de compartilhar a mensagem da salvação. “É necessárioque dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o SenhorJesus andou entre nós, começando no Batismo de João, até o dia emque foi elevado às alturas...um destes se torne testemunha conosco daressurreição ...” (At 1.21).

3. Vemos os discípulos vivendo um momento espiritual e psicológico muitoimportante. Após a ressurreição eles tomam consciência da dimensão doque significa ser Jesus “o Cristo” e do que significa a ressurreição. Deus,o Filho de Deus andou entre eles e este fato teve sobre eles um impactoviolento, mudou toda a sua atitude em relação ao tipo de missão que elesdeveriam assumir. Antes da ressurreição vemos discípulos preocupadoscom lugares e colocações no Reino, vemos discípulos fugindo na noiteem que Jesus foi preso e negando conhecê-lo. No sábado e domingovemos que estes discípulos estão escondidos, acovardados e com medo,e nos perguntamos: que tipo de visão do Reino eles tinham? Após a res-surreição e ascensão eles tomam consciência de que o Reino foi inaugu-rado, que este não é um “reino deste mundo”, que não vai ser estabeleci-do com lutas e com espadas, mas sim com a Palavra e com o Espírito.Com Jesus ausente fisicamente, eles têm a missão de testemunhar, e pelapregação continuar estabelecendo este Reino.

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4. No texto de hoje encontramos os discípulos entre dois momentos, As-censão e Pentecostes, se preparando para receber o que Jesus tinhaprometido “...mas recebereis poder ao descer sobre vós o EspíritoSanto...”(At. 1.8). Naqueles dez dias de oração e meditação vemos apreocupação de Pedro em que mais alguém tome parte no ministério deser testemunha de tudo o que aconteceu desde o princípio.

TEXTO 1. “Naqueles dias” (v.15) entre a Ascensão e Pentecostes, quando esta-

vam reunidos em comunhão, aqueles primeiros cristãos lá em Jerusa-lém, “levantou-se Pedro” (v. 15). As palavras de Pedro revelam umaexpectativa, uma preparação para aquilo que viria, bem como uma pre-ocupação com aquilo que estava sobre eles. Pedro tomou a palavra enas suas palavras vemos reflexão teológica. “Convinha que se cum-prisse a Escritura” (v.16). Pedro vê nas palavras dos Salmos revela-ções proféticas do que tinha acontecido com Judas, não como um fata-lismo, ou algo premeditado, mas algo que já estava previsto. Mas haviaum agravante: Judas era contado junto com eles, e tinha parte naqueleministério. Pedro via na escolha de Judas uma necessidade, não que elefoi escolhido para ser o traidor, mas sim que ele tinha sido escolhidopara tomar parte naquele ministério (“serviço”, Tradução Ecumênicada Bíblia; “trabalho”, NTLH). Judas tinha um chamado do Senhor. Pedrovia que esta tinha sido a vontade original do Senhor, e agora faltava um,o grupo estava incompleto. Logo, era necessário escolher outra teste-munha, para que a missão que eles tinham pudesse ser assumida con-forme os planos do Senhor.

2. Os versículos 18 e 19 são uma explicação do que aconteceu a Judas euma introdução à justificativa teológica de escolher um outro para assu-mir aquele ministério, fato que não foi contestado. É bom lembrar que“os irmãos” estavam em oração e meditação, e Pedro pode ter refletidouma opinião que já era de todo o grupo.

3. Dentro da resolução de escolher mais um estavam previstas tambémcondições para preencher aquele “ministério e apostolado” (v.25). Aprimeira delas é de que fosse alguém que tivesse acompanhado o gru-po desde o começo, “todo o tempo” (v.21). Certamente alguém quehavia convivido de perto com Jesus, e que tinha ouvido as suas palavrase seus ensinamentos, que tinha visto seus sinais e milagres, que podiaser “testemunha” (v.22). O testemunho era algo extremamente impor-tante, pois com base nos testemunhos se estabelecia a verdade. Otempo deste testemunho se estendia do Batismo de João até a Ascen-são, período que compreende todo o ministério terreno de Cristo.

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4. Foram então apresentados dois nomes, José chamado Barsabás, quetinha o apelido de “Justo”, e Matias. Para este Ministério e Apostolado,não foi sugerido qualquer um. Ser testemunha envolve idoneidade, fide-lidade, amor a Cristo e convicção da missão. O fato de estarem juntosnaquele seleto e pequeno grupo de cristãos já revela muita coisa. Cha-ma a atenção o apelido de José, o “Justo”. Não deve ter tido esteapelido à toa, pois sem dúvida mostra algo da sua pessoa. Os dois,segundo aquela Assembléia, poderiam cumprir a missão de ser teste-munha. Mas o povo de Deus não se apóia apenas na sua sabedoria.Em coisas espirituais sempre preferimos que Deus nos dê a última pa-lavra, e foi esta a oração da Igreja: “Tu, Senhor, que conheces os cora-ções de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido...” (v.24).Sortearam os nomes, para ver quem seria o escolhido. “O métodoempregado pelos judeus era o de colocar os nomes escritos em pedras,dentro de um vaso, e sacudi-lo até que uma pedra caísse” (Chave Lin-güística, p.195). Este foi o método usado para entregar a decisão nasmãos do Senhor, e o escolhido por este método foi Matias.

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Podemos explorar a questão do chamado, lembrando aos cristãos quetodos são chamados para serem testemunhas, como Sacerdócio Uni-versal.

2. Podemos lembrar a fidelidade, amor, idoneidade da testemunha em fa-lar e agir de modo que possa honrar o nome do Senhor com a sua vida.

3. Podemos falar que todos somos responsáveis por testemunhar aquiloque vimos e ouvimos pela fé no Senhor.

4. Podemos aplicar diretamente à vida de cada filho de Deus o consolo doEvangelho, e a firme esperança que todos nós temos na ressurreição,de que não vivemos apenas para esta vida, mas para uma vida eternacom Deus.

5. Podemos consolar enlutados e a nós próprios com a preocupação que aIgreja teve desde o princípio em ser fiel, em procurar testemunhas fiéispara testemunhar todo o ministério de Cristo, até a sua Ascensão, porser esta a mais pura expressão da verdade, pela qual estavam dispostosa dar a sua própria vida.

6. Podemos lembrar as qualificações que a Igreja pediu aos candidatosque assumiriam aquele ministério. Serem testemunhas da verdade, con-fiarem em Cristo, serem firmes em suas convicções, homens dos quaisDeus conhece o coração, fazerem parte da Igreja de Jesus.

7. Podemos lembrar estas mesmas qualificações (acima) a quem almeja oMinistério.

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8. Podemos aconselhar cristãos e a Igreja a colocarem nas mãos do Se-nhor, em oração e meditação na Palavra, todas as suas decisões.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: “Todos somos chamados por Deus para testemunhar o que ve-mos e ouvimos pela fé”:

1) Jesus: O Deus que andou entre nós.2) Jesus: O Deus que ressuscitou.3) Jesus: O Deus que alimenta nossa esperança na ressurreição.

Rubens José OggSão Lourenço do Sul, RS

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O DIA DE PENTECOSTESEzequiel 37.1-14

8 de junho de 2003

TEXTO

A visão dos “ossos secos”, interpretada nos vv.11-14, tem a ver com arestauração da casa de Israel depois do exílio babilônico. O texto fala dopoder de Deus que pode dar vida até mesmo aos ossos secos de um cadá-ver e do “espírito” por meio do qual ele “assopra” a vida.

V. 1: Através da metáfora da “mão” (= poder) do Senhor (ver Ez 3.22), o“espírito de Javé” é apresentado como o agente que “inspira” e capaci-ta o profeta com uma revelação divina.

V. 2: Ezequiel passa ao redor dos (ou sobre os) ossos. O verbo hebraicoem “fez andar” está no hifil, enfatizando que o poder vem de fora.Duas vezes se usa o advérbio “muito”(daom): mui numerosos; mui secos(“sequíssimos”).

V. 3: Diante de uma pergunta retórica, uma resposta retórica: “SenhorDeus, tu o sabes”. Assim como Jesus fez diante de Pilatos, a respostaé um tanto enigmática, mas mesmo assim positiva. Só Deus pode res-ponder essa questão a respeito da vida.

Vv. 4-5: Pede-se que o profeta profetize aos ossos secos. Por mais ridí-culo que seja falar a palavra de Deus a ossos secos, o fato é que apalavra de Deus é poderosa para realizar o que ela anuncia. A chavede tudo está no v.5: “farei entrar o espírito em vós, e vivereis”.

Vv. 6-8: No v. 7, Ezequiel faz o que lhe fora pedido, mas o processoanunciado no v.6 é dividido em duas fases. Os corpos vão tomandoforma, mas “não havia neles o espírito”. Fica clara a alusão a Gn 2.

V. 9: Pela primeira vez se pede ao profeta que se dirija ao espírito (pelaprimeira vez com o artigo, x;Wrh’). Num jogo de palavras que é possívelem hebraico (e também no grego), pois a palavra para “vento” e “espí-rito” é a mesma, pede-se ao profeta que faça o “espírito” vir dos “qua-tro ventos”. É claro que, num dado momento, o vento só pode vir deuma direção, o que mostra que não se trata de simples vento ou de umvento qualquer. O imperativo “assopra” estabelece mais um vínculocom o Gênesis (ver 2.7).

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V. 10: O profeta faz o que lhe fora pedido, e a promessa de Deus se cumpre.Os ossos, que eram mui numerosos e mui secos (v.2), agora estão de pécomo uma força ou um exército muito muito (daom.-daom.) grande.

Os vv. 11-14 interpretam a visão à luz do juízo de Deus na forma doexílio. Por mais que se queira argumentar que se está falando apenas depessoas vivas, a referência a “exterminados” (v.11) e “sepultura” (v.12)claramente aponta para o poder de Deus em criar vida onde a mesma nãose encontra.

O objetivo maior do poder desse espírito não é simplesmente dar vida, esim que se saiba que “eu sou o Senhor” (v.14; ver v.6). No v. 14 o “espírito”é identificado como “meu Espírito”.

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

É desnecessário dizer quão apropriado é este texto para o dia de Pente-costes. Pedro poderia muito bem ter escolhido Ez 37 para seu sermão emAt 2. O texto reúne os temas de juízo e morte, ressurreição, e o poder doEspírito para dar vida, que propiciam uma bela conclusão ao semester domini(semestre do Senhor) e abrem o semester ecclesiae (semestre da igreja)em grande estilo.

Vento e espírito interagem no evento do Pentecostes (At 2), que tevelugar quando o povo disperso de Israel tinha-se reunido na terra para aFesta das Semanas. Embora a “sequidão” do exílio babilônico fosse jácoisa do passado, a posse da terra prometida no AT era apenas uma espe-rança. Como foi no tempo dos discípulos de Jesus e no tempo de Ezequiel,assim também é hoje: ossos sem vida, ossos secos são uma boa descriçãoda vida sem Deus, da vida marcada por dúvidas e desespero diante daspromessas de Deus que aparentemente não se cumprem, do que significaestar “morto” em pecados e transgressões.

Assim como, na criação, Deus falou e a vida passou a existir, assim apalavra de Deus, falada pelo profeta, dá vida aos ossos secos. O Espíritoque revelou a verdade de Deus a Ezequiel (v.1) é também o poder que dávida aos ossos. Com o som de um vento impetuoso que vem dos quatrocantos da terra, Deus “assopra” vida em seu povo, para que eles saibamque ele é o Deus que cumpre o que prometeu.

Este Espírito é também o “espírito” ou “sopro” de vida que possibilita ecapacita a vida de fé, criada pela palavra de Deus em Cristo. O EspíritoSanto é a “conexão” divina entre a Palavra e o cristão, pela qual somosrenascidos no batismo e recebemos novidade de vida.

No entanto, ao invés de reunir seu povo na “terra”, o poder do Espíritodo Pentecostes no Novo Testamento amplia a promessa para incluir “todasas nações”, ou seja, impele a passar de Jerusalém, da Judéia e Samaria, aos

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confins da terra. A “terra prometida” em que o povo de Deus se estabeleceé todo aquele lugar onde Deus faz habitar seu nome, aquele lugar onde eleestá presente em palavra e sacramento, por meio do ofício do ministério, osmeios da graça que ele escolheu para fazer com que o sopro do Espírito dêvida a ossos secos.

Andrew H. BarteltSt. Louis, MO

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTESDeuteronômio 6.4-915 de junho de 2003

CONTEXTO HISTÓRICO

O contexto é de um Israel quase ou totalmente paganizado, que viveuquatro séculos sob a influência da fortíssima idolatria egípcia, como se podever na rapidez com que o povo se volta aos ídolos do Egito (bezerro de ouro,lembrando o boi Ápis). No Egito, era um povo sem assistência espiritual, anão ser a religião de pai para filho. Precisa ser doutrinado do zero por Moisése sacerdotes e pelos chefes de família. Este povo vai rumo a outro contextototalmente pagão (cananeus, com suas novas roupagens idólatras: divindadesda fertilidade). Esta era a situação espiritual deste povo em marcha para aterra prometida, com muita carência espiritual e necessidade de doutrinação.

TEXTO E COMENTÁRIOS

No texto Deus recomenda o ensino e o aprendizado constante de suapalavra, nesta época ainda restrita apenas à lei de Moisés (Pentateuco).Qual a estratégia deste ensino e aprendizado, fundamental para Israel emseu novo habitat?

a) repetição por parte do pai (chefe da família). Podemos dizer que acada verbo corresponde uma situação especifica, na qual a palavraestaria disponível pela repetição da mesma aos ouvidos da família:– Deitar e levantar lembra a vida de oração em particular e em família;– Andar pelo caminho lembra o testemunho, o falar da fé aos outros,

principalmente aos da família;– Assentado em casa lembra a devoção em família, o repetir constante

das doutrinas e dos atos maravilhosos de Deus, liderado pelo pai dafamília, a quem cabe esta tarefa em especial;

– Atar lembra distintivos cristãos;– Escrever nos umbrais aponta para quadros bíblicos ao invés de repre-

sentações idólatras.b) repetição também nos eventos festivos – 3 grandes festas com duração de

7 dias cada. Um dos objetivos de Deus ter instituído estas festas (Páscoa,Tabernáculos, Pentecoste/ colheita: Ex 34.18ss) era promover um intensi-vo ensino da Lei aos israelitas, por isso a obrigatoriedade de todo o povo

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acorrer 3 vezes ao ano ao local das festas. Como não tinha material escritodisponível, a necessidade de um constante “soar nos ouvidos” (Lutero) dapalavra lida, pregada, explicada e aplicada por intermédio dos sacerdotes.

c) Os encontros semanais nos locais de culto, para adoração e para oouvir permanente da vontade divina, no local onde a arca pousasse(Silo, p.ex.).

Seria esta a disciplina permanente, à qual Israel deveria se submeter paraque, como Moisés escreve em Dt 28, o povo fosse abençoado devido à obe-diência e fidelidade à palavra (Lei), representante legal de Deus no mundo.

A palavra de Deus se torna viva pela presença do Espírito Santo. É o queo Senhor Jesus dá a entender a Nicodemos no evangelho do dia (Jo 3.1-17).Assim, a palavra remete a Cristo. O Messias está profeticamente presente napalavra (Lei). Sendo repetida no tempo e no espaço no meio de Israel, cons-tantemente o povo estaria lembrado de que só o Senhor é Deus em meio a umcontexto outra vez totalmente pagão em que Israel seria introduzido (Canaã).Só a palavra (Lei) poderia guardar Israel de descambar para novas formas deidolatria. A palavra “amarraria” Israel a seu Deus. Verificando o comporta-mento de Israel depois de introduzido por Josué, sucessor de Moisés, na terrade Canaã, o que é flagrante são de fato as duas situações que se alternam:Israel é obediente à palavra e vive em paz; ou Israel é rebelde e descambapara a idolatria e é oprimido por estrangeiros e pelos vizinhos.

Precisamos lembrar que o grande e até único motivo por que Deus des-tacou esta pequena nação e povo, que foi Israel, e o tirou do meio de outrosgrandes povos, foi preparar um “berço” para Cristo, o descendente de Abraãoe prometido a Israel e ao mundo.

SUGESTÃO DE TEMA E PROPOSTA HOMILÉTICA

Deus vem na Palavra

A. Na sua lei vindicatóriaDecálogo: condena o pecado da idolatria de todo o tipo: grosseira e

disfarçada.Remete constantemente ao arrependimento, à renúncia dos ídolos, dos

mais crassos aos mais sutis.Mostra qual é a santa vontade de Deus na vida do cristão.B. No seu doce evangelhoTraz Cristo e sua presença viva.Aponta para um Deus real, vivo e compassivo.Guia à vida eterna, simbolizada pelo “descanso” que Deus prometeu a

Israel em Canaã.

Heldo E. BredowCuritiba, PR

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SEGUNDO DOMINGO APÓS PENTECOSTESDeuteronômio 5.12-15

22 de junho de 2003

CONTEXTO HISTÓRICO

Teologicamente falando, os capítulos 5-11 são os capítulos centrais dolivro de Deuteronômio. Não é sem razão que o tema da contemporaneidadehomilética da aliança soa imediatamente no v. 3 “Não foi com os nossospais, mas sim conosco...”. Por esse motivo o cap. 5 reitera o Decálogo,epítome da aliança, seguido por um comentário onde se enfatiza que Deusdelegara a tarefa de comunicar Sua revelação a Moisés, atendendo ao pe-dido do povo que se mostrara medroso.

A observação do sábado no Antigo Testamento era fundamentada naalegria e no júbilo. Com esse objetivo fora instituído por Deus. Originalmen-te, o sábado oportuniza a igreja do Antigo Testamento a refletir sobre eviver a liberdade que Deus lhes havia dado, livrando-os da escravidão doEgito. Ao tempo do Novo Testamento, o conceito de alegria e liberdade deulugar à tristeza e ao fardo. O evangelho de hoje (Mc 2.23-28) recupera essaalegria e liberdade, contrastando-as com a falsa interpretação e o legalismopatrulhador dos fariseus.

O enfoque do sermão poderá ser o de enfatizar a alegria que o povo deDeus manifesta ao celebrar o sábado quando, descansando de suas obras,ouve o que Deus lhes tem a dizer.

ASPECTOS HISTÓRICOS E TEXTUAIS

O motivo dado para a guarda do sábado no v. 15 difere do fornecido emÊx 20.11. Aqui em Dt o Êxodo do Egito é o referencial para o sábado. Deustira o Seu povo da casa da servidão “com mão poderosa e braço estendido,pelo que o SENHOR, teu Deus, te orientou (hwc) que guardasses o dia dosábado”. Em Êxodo o referencial é a obra criadora de Deus efetivada emseis dias, depois do que Yahweh descansa no sétimo dia. Os dois referenciais/motivos não se opõem, mas se relacionam e se complementam.

Como evento, o Êxodo é uma realidade histórica mais próxima dessanova geração do povo de Deus que peregrina no deserto e que, nas planíci-

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es de Moabe, se prepara para adentrar a terra prometida e viver sua vidacristã num contexto socialmente distinto e religiosamente hostil.Tipologicamente, o Êxodo é uma criação (uma nova criação!) e, por issomesmo, forma uma analogia com a narrativa de Gênesis. Enquanto no Egi-to, o povo de Deus estava sob o domínio da escravidão tanto física (nãohavia dia de descanso) quanto espiritual (não lhes era permitido celebrarfesta ao SENHOR – cf. Êx 5.1). A liberdade, como dádiva de Deus, temdesdobramentos físicos, espirituais e escatológicos.

No v. 12 a forma verbal, “guardar/observar” é um infinitivo absoluto,aqui empregado com força imperativa. Entretanto, essa “ordem” não podenem deve ser entendida como mandamento legalista cujo cumprimentomerece ou produz libertação. Ao contrário, esta palavra indica a instituiçãograciosa de um meio que Deus estabeleceu para conceder alegria, bênção evida ao Seu povo. “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não ohomem por causa do sábado”, diz Jesus no evangelho de hoje.

A palavra “sábado” relaciona-se ao verbo tbv, que significa “descan-sar”. Embora formas cognatas desse verbo se encontrem em outras línguassemíticas, não há entre as demais nações a evidência clara de um Dia desábado. Logo, o sábado é uma peculiaridade da religião do povo de Deusno Antigo Testamento.

A pergunta é: como se “guarda” ou se “observa” o sábado para o santi-ficar? A resposta é uma só, ou seja, “descansando” na obra dos grandesfeitos de libertação de Deus. “Santificar” implica separar para ser abenço-ado por Deus para uma função específica. Em última análise, este é um atodo próprio Deus assim como também Ele é o agente único da santificação.Lutero, no Catecismo Maior, diz que “santificar o dia de descanso querdizer tanto como conservá-lo santo.” E continua: “O dia em si não precisade santificação, pois já foi criado santo. Mas Deus quer que ele seja santopara a tua pessoa. De sorte que se torna santo ou profano por causa de ti,dependendo das atividades a que nele te entregares: se santas, ou profanas”(CM, I, 87).

O v. 13 mostra que a seqüência dos dias de trabalho não são um fim emsi. Na verdade são um meio cujo foco central é o sétimo dia. É o sétimo diaque dá sentido para todos os demais dias e momentos da existência huma-na. Trabalho e alimento não são o que dão valor, significado e sustentação àvida. Assim como simples descanso, ócio e recreação não são os objetivosúltimos da vida.

No v. 14 a preposição l diante de hwhy indica propriedade, ou seja, “per-tencente a”. O sábado pertence ao SENHOR desde o momento em que Ele“descansou” da Sua atividade criadora em Gênesis. O que pertence aoSENHOR Ele o dá ao Seu povo. Todos são beneficiados com esse dom deDeus: homens, mulheres, filhos, filhas, servo, serva, estrangeiro, boi, jumen-

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to e qualquer outro animal doméstico. A bênção é abrangente e deve sercompartilhada.

O v. 15 dá o motivo para a observação do sábado. Israel não precisatrabalhar no sábado porque é momento de celebrar a libertação real e histó-rica ocorrida pela intervenção da mão poderosa e do braço estendido deYahweh em favor do Seu povo. Os benefícios dessa libertação o povo ago-ra, dentro de sua vivência e ética cristãs no mundo heterogêneo em queestá, estende aos seus “servos”, ou seja, a seus empregados. O sábado éuma “re-atualização” dos atos salvíficos de Deus. No culto divino que aigreja cristã celebra no Dia do Senhor, essa igreja “ouve” a “re-atualização”da vitória que Deus dá a Seu povo pela ressurreição de Cristo.

ANOTAÇÕES HOMILÉTICAS

a) A relação expressa entre o sábado e o Êxodo é análoga à relaçãoentre o Dia do Senhor (Ap 1.10; o primeiro dia da semana) e a ressurreiçãode Jesus Cristo.

b) Assim como o Êxodo demarca a libertação e a “nova criação” dopovo de Deus pela celebração do sábado, da mesma forma os atos salvíficospela ressurreição de Cristo são “re-atualizados” no Dia do Senhor.

c) Observando o “sábado”, nós descansamos de nossas tarefas eassentamo-nos aos pés de Jesus para “ouvir o evangelho” da boa-nova daredenção de Deus em Cristo – a única que dá sentido às nossas vidas e trazdescanso às nossas almas.

Acir RaymannSão Leopoldo, RS

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TERCEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTESGênesis 3.9-15

29 de junho de 2002

INTRODUÇÃO

Por mais estranho que seja, esta é a única vez que a série trienal possi-bilita pregar o proto-evangelho, Gn 3.15. (A série tradicional ou históricareformulada, que é anual, marca Gn 3.1-19 para o primeiro domingo naQuaresma.) Como de costume na Série Trienal, o texto foi selecionado emfunção da leitura do evangelho do dia, Mc 3.20-35. No entanto, Gn 3.9-15tem sua autonomia querigmática, que vale a pena explorar.

O CONTEXTO

A edição de Almeida apresenta os vv. 8-19 como um parágrafo. Diantedisto, chama a atenção o início da perícope no v.9. A rigor, a inclusão do v.8 não melhora o quadro. Como se trata da parte final de uma narrativa, seránecessário, especialmente na leitura pública, inserir um pequeno texto-pon-te, situando a perícope. Quanto ao final no v.15, trata-se, sem dúvida, de umrecurso para fazer do proto-evangelho o clímax da perícope. No entanto,atenção ao que segue (vv. 16-19) ajuda a perceber que mesmo o proto-evangelho é apenas um lampejo de esperança num contexto cheio de ame-aças e juízo. Em outras palavras, o proto-evangelho (v.15) é, na verdade,uma sentença de juízo sobre a serpente.

DETALHES DO TEXTO

A primeira parte da perícope é marcada pelo diálogo entre o SENHORDeus e o homem e a mulher. Logo de saída aparece a clássica pergunta,“(Adão), onde estás”? É a primeira de quatro perguntas. (Notar que ne-nhuma pergunta é dirigida à serpente.) São, a rigor, perguntas retóricas,porque aquele que pergunta já sabe a resposta. Aliás, as respostas do ho-mem e da mulher nunca tratam daquilo que se perguntou. Ao “onde es-tás?”, o homem talvez devesse responder, “estou aqui”. No entanto, naresposta ele explica por que se escondeu. À pergunta se comeu da árvoreproibida, o homem talvez deveria ter respondido “sim”. No entanto, ele jávai além e põe a culpa na mulher. Além de retóricas, as perguntas são

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perguntas de lei (como, aliás, costuma acontecer em pregações: sempreque se faz perguntas, está-se pregando lei, pois o evangelho não perguntanada.)

Também não é nada novo apontar para a transferência de responsabili-dade no diálogo entre Deus e o primeiro casal: foi a mulher, foi a serpente.(A serpente não tem a quem transferir responsabilidade, em parte, talvez,porque Deus não pergunta nada a ela. Num sentido, porém, a serpente“transfere a responsabilidade” ao ferir o calcanhar do descendente da mu-lher, em meio àquele conflito de que fala o v.15.) Um detalhe nem semprepercebido é que o anúncio do juízo vem em ordem inversa à do diálogo:homem (vv.9-12) – mulher (v.13) – serpente (vv.14-15) – mulher (v. 16) –Adão (vv.17-19). Isto ajuda a mostrar que o centro ou ponto alto do textoestá no meio, ou seja, nos vv. 14-15.

Nos vv. 14-15 há uma referência dupla, ou seja, Deus se dirige tanto aoanimal (a serpente) quanto a quem fala por meio dele (Satanás). “Comerpó” (v.14) aponta para total derrota e humilhação (Sl 72.9; Is 49.23; 65.25;Mq 7.17).

O v. 15 é o “primeiro evangelho”, na forma de uma maldição sobre aserpente/Satanás. O texto tem um certo tom enigmático, em parte, talvez,por vir revestido da imagística do jardim (ferir a cabeça, ferir o calcanhar).No entanto, é, de fato, o primeiro anúncio do evangelho, e anuncia que aobra da salvação será um conflito (o tema do Christus Victor). Emboranenhum outro descendente da mulher tivesse sido capaz de vencer o tenta-dor, um, “nascido de mulher” (Gl 4.4), viria para “destruir as obras do diabo”(1 Jo 3.8). Neste conflito, o Descendente da mulher sofreu e morreu (Is53.12; Lc 24.26,46; 1 Pe 1.11), vencendo o poder satânico. Jesus Cristo,executor da maldição de Deus sobre Satanás e herói da raça humana, pos-sibilita ao ser humano um final vitorioso em sua luta com o inimigo, pois “oDeus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás” (Rm16.20). Outros textos que direta ou indiretamente repercutem Gn 3.15 sãoJo 12.31; At 26.18; Rm 5.18-19; Hb 2.14; Ap 12.1-9.

O TEXTO NUM CONTRAPONTO COM MC 3Mc 3.20-35 é lido no 3º domingo após Pentecostes em parte porque, pela

série trienal, se está fazendo uma leitura contínua de Marcos (recheada,diga-se de passagem, com textos de João). Existe, é claro, a referência àblasfêmia contra o Espírito Santo (Mc 3.28-30), mas dificilmente seria estaa razão por que o texto foi escolhido para integrar a série trienal num domin-go tão próximo ao Pentecostes. Mas o que importa mesmo é que Gn 3 foiescolhido por causa de seu paralelo temático com Mc 3. Logo, vale a penaexplorar este paralelismo. Seguem algumas pistas:

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Mc 3.20-35 é uma cena daquele conflito anunciado em Gn 3.A oposição satânica a Jesus é mediada (Satanás é mestre em disfar-

ces!) através dos parentes de Jesus, que dizem que ele está louco (Mc3.21), e dos escribas, que dizem estar ele possesso de Belzebu (v.22).

Jesus entra na batalha, falando por meio de parábolas. Parábolas nãosão meras ilustrações; são petardos usados num conflito.

Jesus mostra que Satanás não seria tão tolo a ponto de promover umaguerra civil. Em outras palavras, está dizendo que alguém de fora veio paraamarrar o valente (v.27). Ele é este “alguém de fora”. Mais uma vez, é oconflito anunciado em Gn 3.

Dizer que “é tudo a mesma coisa”, que Jesus está coligado com Satanásé blasfêmia. É blasfêmia, pois implica negar sua condição de Descendenteda mulher que veio para esmagar a cabeça da Serpente.

O Descendente da mulher tem também a sua “descendência”, que éestabelecida, não por laços sangüíneos, mas pela vivência da vontade deDeus (Mc 3.35). Também este conflito entre fazer a vontade de Deus edeixar de fazê-la (dando ouvidos a Satanás) é tão antigo quanto o episódiono jardim do Éden (Gn 3).

Vilson ScholzSão Leopoldo, RS

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QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTESEzequiel 17.22-246 de julho de 2003

AS OUTRAS LEITURAS

Salmo 92 – Título na Almeida: “Hino de gratidão a Deus”. Por quê?Porque as obras do SENHOR são grandes e os seus pensamentos profun-dos. Ele está contra os ímpios. Ainda que estes cresçam, o justo florescerácomo a palmeira e crescerá como o cedro.

2 Coríntios 5.1-10 – Os crentes, por causa do pecado, gemem. Porémnão devemos desanimar, visto que “andamos por fé” e nossos olhos diri-gem-se ao grande alvo – habitar com o Senhor.

Marcos 4.26-34 – Todas as coisas estão absolutamente sob o domíniode Deus. O que ao homem parece impossível, para Deus não é. Nas pará-bolas, Jesus nos ensina o mistério do crescimento do reino, bem como doseu alcance sobre todos os povos, raças e nações.

CONTEXTO

Para compreender a perícope, recomenda-se a leitura de todo o capítulo17. O profeta propõe a parábola das duas águias e da videira (1-10), e elemesmo a explica (11-21). Nabucodonosor, a grande águia, havia deportadoo rei Joaquim para a Babilônia e em seu lugar estabelecera Zedequias. Estetraiu a Nabucodonosor e, buscando favores do Faraó, a outra águia, que-brou a aliança feita. O profeta decreta o juízo sobre Zedequias.

Depois, de forma maravilhosa, em apenas três versos, o profeta apontao consolo, a esperança e a vitória: isto vem do SENHOR, e chegará o diaem que ele derrubará a árvore alta e fará florescer o renovo. “Esta simbó-lica promessa se tornou uma realidade quando Deus deu a Jesus de Nazaré‘o trono do seu pai Davi’ e estabeleceu o seu universal e eterno reinomessiânico - Lc 1.32; Ap 11.15” (Roehrs – Concordia Self-studyCommentary).

Liturgicamente, o crescimento e a expansão da igreja são temasenfocados. A profecia de Ezequiel é referência e base sólida para estecrescimento. No evangelho, a parábola de Jesus tem esta profecia comopano de fundo.

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O TEXTO

V. 22: “assim diz o SENHOR” é enfático. O renovo é o Messias.V. 23: A Babilônia era a grande árvore, e as diversas nações estavam à

sua sombra. Diante deste domínio secular, o contraste e a surpresa:Deus fará o “renovo de Israel” crescer e florescer, e será refúgio paratodas as nações. A grandiosidade desta profecia só é captada quandovista no sentido espiritual. Nisto residiu muitas vezes a dificuldade dopovo de Israel e até dos discípulos de Jesus.

V. 24: A salvação do SENHOR será testemunhada por todos. O normal é asárvores altas continuarem crescendo e “sufocando” as baixas, bem comoas verdes crescerem, ao passo que as secas apodrecem. A sublimidade eo impacto da ação divina são destacados aqui. O SENHOR faz o anor-mal e o sobrenatural, invertendo a situação. Isto é notável, é divino!

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: Deus faz sua igreja crescer

1. Porque ele quer- No plano da salvação Deus incluiu a sua igreja – a igreja universal.- Ele fez promessas. Escolheu um povo, “plantou uma árvore”.- Desta árvore fez brotar o renovo, o Messias.- Enxertou os gentios na árvore que plantou.- Deus faz sua igreja crescer porque é portadora do evangelho.- Somos árvore. Não nos compete questionar o meio salvador escolhido

por Deus, mas temos o privilégio de crermos e, como igreja, abrigar-mos outros, chamando-os à fé no Salvador.

2. Quando ele quer- No plano da salvação o tempo de Deus nem sempre é o nosso tempo.- Por que se passaram tantos séculos até a vinda do Messias? Por que

é demorada a vinda do Senhor? (2 Pe 3.4).- Tanto no AT como no NT, Deus concede tempo para arrependimento

(2 Pe 3.9) e mantém a sua árvore a fim de “dar abrigo” a muitos,mesmo que esta árvore, às vezes, pareça seca e morta.

3. Como ele quer- Para que o plano da salvação se cumpra, Deus dirige todas as coisas

e faz tudo cooperar para sua execução.- Às vezes, os ímpios brotam e crescem esplendorosamente, enquanto

os justos parecem esquecidos.

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- Deus não revoga a justiça. Mesmo que sua árvore estivesse “sufocada”pela erva daninha (opressão da Babilônia), o SENHOR reprovou atraição e falsidade de Zedequias ao quebrar um juramento.

- Tempos de aflição sobre a igreja são tempos úteis sob os sábios propó-sitos de Deus e sempre redundarão em bênção.

- Os feitos maravilhosos do SENHOR, bem como as suas promessas,que sempre se cumprem, são a fonte de confiança e esperança daigreja. Deus e seu povo sempre são vitoriosos, pois Deus derruba aárvore alta e faz crescer a baixa – para que todos saibam que ele é oSENHOR.

Elton R. LuithardtConcórdia, SC

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DEVOÇÕES

Amós 5.6-15A MELHOR COISA DA VIDA

De vez em quando, Amós se levanta na Igreja, uns 2700 anos depois,para uma mensagem de impacto. Acontece só de vez em quando, trêsvezes ao longo de três anos, segundo a previsão da Série Trienal. Apenas osuficiente, não mais e não menos, assim nos parece, porque a mensagem deAmós é perigosa, explosiva. Muita lei. Por isso é preciso manter Amós sobcontrole, preso entre as capas do Livro. Uma das últimas vezes que elemexeu comigo – e, talvez, com alguns outros aqui presentes — foi uns 15anos atrás [será que já faz tanto tempo?], quando o lema da Igreja Luteranaera exatamente o texto de hoje: “Buscai ao SENHOR, e vivei” (Am 5.6).

Buscai ao SENHOR e vivei. Responda rápido: Qual a melhor coisa davida? Cuidado, é uma pergunta traiçoeira. (É como aquela pergunta: Oque você quer ser quando crescer? Resposta: Quero ser eu.) Qual amelhor coisa da vida? Pois a melhor coisa da vida ainda é viver. Pura esimplesmente viver. Vida é aquilo que a gente considera coisa normal enatural. Até que comece a ser ameaçada. Aí tudo muda. Em geral, valo-rizamos os dons de Deus quando nos são tirados ou ameaçados. Também avida.

Nos dias de Amós, a vida de Israel estava começando a ser ameaçada.A nuvem negra da morte se aproximava, vinda do norte. O grande sufocofinal só viria mesmo uns 25 anos mais tarde. Agora, na pregação de Amósa morte já é uma realidade. Sua pregação é lei severa, sombria. “Prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus” (4.12). As metáforas sãolindas, mas a mensagem é terrível. A linguagem é poética, mas o cheiro éde morte. Talvez a mais sensacional seja aquela de Am 5.18-20, aquela do“se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. (Ver também 2.13; 8.11,12)

No meio de tanta escuridão e golpe de lei em cima de golpe de lei, há umsó lampejo de esperança e de evangelho: Buscai ao SENHOR, e vivei(vivereis). Ah, tem também a grande promessa de restauração, no final

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(9.11-15). Mas isto é no final, um final feliz, diria alguém. Antes disto, oevangelho vem só na forma do “Buscai ao SENHOR, e vivei”. É mais umimperativo evangélico do que evangelho propriamente, mas merece nossareflexão.

Se queremos vida, a saída é buscar o SENHOR, com ênfase em SE-NHOR, Javé. Amós não podia mais partir do pressuposto que todos enten-deriam de quem ele estava falando ao pronunciar o nome sagrado. Por isso,parte de sua mensagem é esclarecer a teologia naquilo que ela tem de maiscentral, que é a visão que se tem de Deus. Foi preciso amplificar ou ampliaro conceito de Deus. Não que Deus tivesse ficado maior; ao contrário, oconceito do povo é que tinha encolhido. “Deus é brasileiro” – isto nosparece tão verdadeiro, especialmente quando a Argentina é eliminada pre-cocemente da Copa do Mundo. Mas, se levado a sério, parece dizer quenão existe Deus nas margens direitas do rio Uruguai. Israel tinha domesti-cado Javé, transformando-o numa espécie de ídolo nacional. Amós, comoporta-voz de Deus, se volta contra essas idéias. Além de preferir a expres-são “Deus dos Exércitos”, que a Linguagem de Hoje coloca como “DeusTodo-poderoso” (ver 5.14), e além de nunca falar em “Deus de Israel”,Amós lembra, em Am 9.7: “Povo de Israel, eu amo o povo da Etiópia tantoquanto amo vocês. Assim como eu trouxe vocês do Egito, eu tambémtrouxe os filisteus da ilha de Creta e os arameus da terra de Quir”. Pareceque se diluiu o “escândalo da particularidade”. Mas não é isto que Amósquer. Ele quer mesmo é tirar as viseiras do povo, mostrando que Deus nãocabe em nossos esquemas limitados. É o que Amós faz também em 5.8-9,aquele poema que a perícope omite: “O SENHOR Deus criou as estrelas,as Sete-Cabrinhas e as Três Marias. Ele faz a noite virar dia e o dia virarnoite. Etc.” É este SENHOR que Amós manda buscar. É claro, isto nosparece paradoxal, pois quanto maior é este Deus que nos é apresentado, emais “contraditório”, parece que mais difícil fica poder buscá-lo. Aqui épreciso lembrar que a própria mensagem que convida é ela própria a proxi-midade de Deus. Além disso, o SENHOR que se busca é, acima e antes detudo, o Deus da aliança, o Deus que se compromete com a salvação de seupovo. Hoje, talvez, tenhamos que fazer o contrário do que Amós tinha quefazer. Há uma noção da grandeza de Deus, da sua onipresença, mas perde-se de vista o específico da revelação de Deus, o assim chamado escândaloda particularidade, o fato de Deus se revelar apenas na face de Cristo.Buscai o SENHOR significa, em nosso contexto: Buscai a Jesus. Fora delenão há salvação.

Se quereis viver, buscai ao SENHOR. Agora que sabemos quem ele é,basta buscá-lo. Mas nem tudo é tão simples. Onde podemos encontrá-lo?

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Os israelitas tinham certeza de que não precisavam ser instruídos a respeitodisto. A solução era ir a Betel ou Gilgal, santuários do reino do Norte. Aresposta deles, bastante afoita, talvez fosse: “Que tu achas, vaqueiro feitoprofeta, que estamos fazendo?! Estamos buscando o SENHOR, indo aossantuários”. Amós choca todo mundo, ao anunciar: “Povo de Israel, vocêsquerem pecar? Pois vão aos santuários de Betel e de Gilgal e ali pequem àvontade!” (Am 4.4) “O SENHOR diz ao seu povo: - Eu odeio, eu detesto assuas festas religiosas; não tolero as suas reuniões solenes. Não aceito ani-mais que são queimados em sacrifício ... Parem com o barulho de suascanções religiosas; não quero mais ouvir a música de harpas. Em vez disso,quero que haja tanta justiça como as águas de uma enchente ...” (Am 5.21-24). Não se trata de bairrismo, pois Amós não diz: É preciso ir a Jerusalém!Parece que, na mensagem de Amós, a religião foi secularizada. Parece. Oque acontece é que Amós lembra a dimensão da assim chamada segundatábua da Lei (Am 5.14 – “buscai o bem e não o mal”). Será, então, quetemos aqui uma contestação da religião, especialmente do sistema sacrificial,em nome da ética? Na verdade, o que profetas como Amós contestam éuma religiosidade exterior apenas, uma religião sem arrependimento, umritual sem conseqüências práticas, um culto sem lei e evangelho. Aqui épreciso lembrar que, no caso dos ouvintes de Amós, buscar o SENHOR eranada mais nada menos que ouvir a mensagem do profeta, crer nela, e colocá-la em prática. E o mesmo vale para nós hoje.

Amós redivivo. Amós fala ainda hoje. Ele é o profeta da justiça social,mas, acima de tudo, é o profeta do “Buscai ao SENHOR e vivei”. Estafrase é só dele, na Bíblia. Que significa para nós hoje? Significa o quesignificou para os ouvintes de Amós, só que 2700 anos depois, no depois deCristo. No hoje de 2002 significa buscar o Deus verdadeiro, Pai, Filho eEspírito Santo. Significa buscá-lo sempre, na vida de culto e no culto davida. Significa buscá-lo na revelação em Cristo. Significa buscá-lo ali ondeele prometeu se fazer presente, e presente de forma que nos seja conveni-ente, por ser presença salvífica: na mensagem de lei e evangelho, que nosleva de volta ao batismo; na palavra visível do sacramento do altar, quevolve nosso olhar ao “até que ele venha”. Buscai ao SENHOR Jesus, evivereis. Amém.

Mensagem proferida na Capela do Seminário Concórdiapelo Dr. Vilson Scholz, no dia 23 de outubro de 2002.

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CAMINHO, VERDADE E VIDA

Corria o ano de 1517. Os portugueses já tinham chegado ao nosso Bra-sil, mas os alemães parece que não ficaram sabendo, ou, se sabiam, nãoligaram muito. Mais um dia de todos os santos estava chegando e tudoparecia “igual ao que era dantes no quartel de Abrantes”. Ao menos emWittenberg, nos grotões do Império da época. Até que um monge e profes-sor universitário aparece com um pedaço de papel na mão. Ele afixa opapel na porta lateral da Igreja do Castelo da cidade. Aquela porta era oquadro de anúncios ou quadro mural daquele tempo. No papel estão 95teses ou afirmações. É um desafio para um debate. Quem desafia é Lutero.Os desafiados são os teólogos, por isso o texto está em latim. O assunto dodebate é a venda de indulgências, um tipo de perdão enlatado que se com-prava mais ou menos como hoje se faz um seguro: pra garantir, ou, paraevitar o pior. Fé em Cristo e novidade de vida não eram lá tão importantesassim.

Pois, “as marteladas de Lutero afixando aquelas 95 teses” – como disseum eloqüente pregador do passado — “ribombaram na igreja do Castelo deWittenberg”. E estão ribombando ainda hoje, fazendo com que a gente sereúna aqui para refletir sobre a Reforma.

Todo mundo sabe que “reforma” não é o mesmo que “construção”.Reforma é limpeza, é restauração. Não foi intenção dos reformadores fun-dar uma nova igreja. O objetivo também não é reformar prédios, costumese tradições, se bem que esses também podem e às vezes precisam serreformados. O objetivo é reformar o ensino da igreja, aquilo que se anunciados púlpitos e ensina em casa e em público.

A Reforma quis e ainda quer lutar pela verdade do evangelho. A Refor-ma foi e ainda é acima de tudo um movimento religioso. Ela tem a ver comreligião e espiritualidade. Trata de como a gente chega a Deus, ou, melhor,como Deus chega até nós.

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E quando se fala em religião, existem três, ou, melhor, existem quatrograndes possibilidades ou formas de ser religioso.

A primeira opção é a do moralista. Muita gente acha que religião é issoaí mesmo: só moral. Tem aquilo que é certo e aquilo que é errado. Genteboa vai pro céu, gente ruim vai pro inferno. Tem regra pra tudo, e tudoprecisa ser seguido à risca. A gente precisa ter o máximo cuidado para nãoerrar nunca. Quem não está cansado de ouvir a pergunta: E o que é que atua igreja proíbe? Esta é a pergunta do moralista, ou, ao menos uma per-gunta feita por causa dos moralistas.

A segunda opção é a do sábio. É preciso pensar, investigar, entender. Épreciso descobrir a verdade, os fatos. De tanto filosofar, quem sabe a gentechega a Deus. Ou, então, de tanto reunir provas a gente acaba se conven-cendo. Um dia aparece uma descoberta arqueológica, mais uma urnamortuária, e a gente se convence ou convence alguém. Como escreve o Sr.Sergio Jockymann, a propósito daquela inscrição “Tiago, filho de José, irmãode Jesus”: “Como os senhores sabem, não existem provas históricas da exis-tência de Jesus”. E no final da coluna: “Sinto muito, mas ainda não foi destavez que me convenceram. Mas, por favor, já que vocês estão aí, continuemtentando”. (Crônica publicada no Jornal Vale do Sinos, 25/10/2002)

A terceira opção é a do místico. Se a gente quer, a gente pode alçar vôoe ter um contato direto com o sobrenatural. Hinduísmo, nova era, técnicasde meditação, revelações diretas do Espírito Santo, tudo entra na mesmacategoria.

Eu disse que existem três, ou, melhor, que existem quatro maneiras deser religioso. A quarta maneira é aquela que a Reforma ensina. Ela é aopção bíblica. É tirada de Romanos, livro de enorme importância para aReforma. Começa com um tríplice “não”. Eu leio Romanos 3.10-11: “Estáescrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quembusque a Deus”.

Não há justo – este é o beco sem saída do moralista.Não há quem entenda – esta é a grande verdade para o sábio.Não há quem busque a Deus – este é o golpe de misericórdia no místico.

Mas o tríplice “não” é seguido de uma sonora afirmação. Quero ler umtexto de João, que, segundo Lutero, é mestre em justificação, a granderedescoberta da Reforma. Leio João 14.6: “Respondeu-lhe Jesus: Eu souo caminho, a verdade e a vida”.

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O moralista quer um caminho. Jesus responde: Eu sou o caminho.O sábio busca a verdade: Jesus responde: Eu sou a verdade.O místico busca a vida. Jesus responde: Eu sou a vida.

Esta é a opção cristã, enfatizada e sublinhada pela Reforma: não sou euque vou a Deus, pois acabo sempre dando com a porta na cara. É que elejá veio a mim em Jesus Cristo, caminho, verdade e vida.

É isso que a Reforma prega. Não só hoje e não apenas com palavrasfaladas. O musical “Libertação” fala disso também, do seu jeito musicado,com palavras que vêm direto do texto bíblico. E, pelo que consta, o pontoalto é justamente este: Jesus dizendo: Sou o caminho, a verdade, e a vida!Nada é mais central para a Reforma do que isto. Deus vos abençoe. Amém.

Mensagem proferida pelo Dr. Vilson Scholz na Celebração Conjunta(IELB-IECLB) dos 485 anos da Reforma, na Igreja da Reconciliação,

Porto Alegre, no dia 31 de outubro de 2002.

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1 Coríntios 9.24-10.5CORREI DE TAL MANEIRA...

Há duas semanas os meios de comunicação se reportaram a um aconte-cimento que marcou a vida dos brasileiros há 40 anos. Era o que se chama-va de Cadeia da Legalidade. Ela surgiu quando o presidente Jânio Quadrosrenunciou e as forças militares impediram que o vice-presidente João Goulartassumisse. Uma resistência a essa medida dos militares começou no RioGrande do Sul. A situação foi-se escalonando até a iminência de o exércitobombardear o palácio Piratini, em Porto Alegre. Era o meu segundo ano noSeminário, no segundo ginasial, guri de 14 anos. A tensão foi crescendo noestado e na cidade: as escolas fecharam, o Seminário cancelou as aulas.Lembro-me que não havia clima para estudar e o que restava fazer erapraticar esporte. O esporte aliviava a tensão, fazia-nos esquecer as amea-ças – o esporte era um símbolo de tranqüilidade e paz, até que tivemos deevacuar o Seminário.

Esta semana o mundo foi surpreendido por essa tragédia que assola eassombra a vida do povo americano. Desde terça estamos envolvidos numclima de tensão, perplexidade, consternação de amplitude mundial. Milha-res de pessoas estão mortas – entre elas cristãos e, sem dúvida, inúmerosirmãos luteranos. A julgar pelos desdobramentos, estamos na iminência deuma nova guerra: escolas fechadas, cidades sendo evacuadas e a tempora-da de esporte, que poderia aliviar a tensão, foi cancelada - até mesmo atemporada de baseball que nunca fora interrompida desde a primeira guerramundial.

Se muitas vezes o esporte foi ameaçado pela guerra, olimpíadas foramsuspensas por causa de conflitos, é possível e necessário relacionar o es-porte com a paz. Cenas marcantes nesse sentido ocorreram em competi-ções internacionais recentes quando, por exemplo, a comitiva da Coréia doNorte e do Sul entraram no estádio empunhando juntas a mesma bandeira.Mais marcante ainda quando Estados Unidos e Irã, inimigos políticos, seabraçam e se dão flores antes de um jogo de futebol. Só por esporte, entrei

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na Internet esta semana para efetuar a busca do binômio “esporte + paz”.O resultado apareceu: mais de 914.000 mil entradas. Confesso que na quar-ta de manhã eu estava pronto a sugerir que nós, por solidariedade e respeito,cancelássemos os jogos “Azul e Branco”. Desisti da idéia quando penseique também uma festa esportiva pode ser um meio de se abdicar da violên-cia e acima de tudo exercitar a promoção da paz, da verdadeira paz.

Paz não é bem o que se vê na congregação de Corinto. Nela há divisõese intrigas com muitos minimizando Paulo como apóstolo e o seu evangelhosimplista do Cristo crucificado. Os cristãos de Corinto defendem as coisasque consideram do seu direito. Divergem num assunto que é estranho paranós. Alguns deles teimam que se pode comer a carne comprada no açouguepara o churrasco, mesmo que antes tenha sido oferecida a ídolos. E apre-sentam três argumentos: (1) eles têm o direito de comer aquela carne por-que existe apenas um Deus; (2) porque eles são mais sábios e mais fortesdo que aqueles irmãos que têm escrúpulos em comer essa carne e (3) e queestando no seu direito, não há razão para deixar de exercê-lo. Paulo concor-da que eles até têm esse direito. Mas insistir no exercício desse direito emdetrimento do seus irmãos mais fracos é sinal de intolerância e falta deamor.

Nos primeiros 23 versículos do cap. 9, Paulo contrasta a atitude daque-les que insistem em alimentar-se dessa carne com a atitude que ele Paulotem em relação a uma outra questão. Paulo afirma, por exemplo, que eletem o direito de comer e beber às expensas dos irmãos a quem ele ministrao evangelho. Para isso ele cita o AT, a vida dos seus colegas apóstolos e oensino de Jesus. Apesar do seu inegável direito de comer e beber às expensasdeles, Paulo deixa de lado esse direito para que, como diz ele, o ministério doevangelho e da paz possa ser fortalecido.

Os cristãos de Corinto que se sentiam livres para comer a carnesacrificada aos ídolos pensavam que eles eram mais sábios, mais fortes emais espirituais do que os seus irmãos. É no seu suposto conhecimentosuperior que o seu direito se fundamenta. As palavras do apóstolo no iníciodo vers. “Não sabeis vós ...” se equivalem às palavras de Jesus quandoperguntava: “Não tendes lido...?” Estes cristãos orgulhavam-se do seu co-nhecimento, mas, na verdade, estavam despreparados, ou seja, a suaespiritualidade estava fora de forma.

A festa esportiva perto de Corinto realizava-se a cada dois anos. Era umgrande evento que se caracterizava por extravagantes festivais de religião,competições, atletismo e arte, atraindo milhares de atletas e visitantes de

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todo o império. Segundo alguns, Paulo esteve em Corinto durante os jogosda primavera do ano 51. Visto que não havia acomodações suficientes, to-dos tinham de alojar-se em tendas. Imagina-se que Paulo teria tido grandesoportunidades de vender tendas visto que ele era fazedor de tendas, e par-tilhar o evangelho da paz com a multidão que comparecera aos jogos.

Muitos são os que participam de uma corrida, mas apenas um é o vence-dor. Vimos isso ontem no campus e o veremos daqui a pouco. Cada compe-tidor busca apenas vencer a corrida ou o jogo. Mas apenas um leva oprêmio. Os coríntios e nós somos convidados a fazer o mesmo que se faznos jogos – correr “de tal maneira” que alcancemos o prêmio.

É oportuno lembrar que o apóstolo aqui não está se referindo à salvação.Ele não está conclamando o perdedor a que se empenhe mais para alcançaro alvo da salvação. Eles já são santos! Paulo está desafiando os santos deCorinto e torcendo por eles a que lutem para cumprir a sua vocação desantos. As palavras do apóstolo aqui devem ser entendidas à luz do que elediz em 2 Tm 2: “participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cris-to Jesus. Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida,porque o seu objetivo é satisfazer aquele que o arregimentou. Igualmente oatleta não é coroado se não lutar segundo as normas.”

Corridas e jogos não são ganhos automaticamente. Há normas e cuida-dos a serem seguidos. Dentre os 914.000 daqueles sites na Internet, abri umque orienta como tornar-se um excelente atleta. Embora já não seja maistanto do meu interesse pessoal, chamou-me a atenção naquele artigo que asduas características de um excelente atleta são competitividade e vigilân-cia. Competitividade não no sentido de querer ganhar a qualquer custo, masde procurar sempre fazer o melhor que se pode. Vigilância no sentido de tersempre em mente o alvo e nele se concentrar evitando provocações, rivali-dade e ameaças ao seu redor. A partir do nosso texto, além dessas duas euacrescentaria a tolerância: ou seja, não se sobrepor ao mais fraco no sen-tido de abusar dele e minimizá-lo. Talvez fossem estes os cuidados quetinham os atletas de Corinto e, sem dúvida, são estes os cuidados que tam-bém vocês estão tendo neste “Azul e Branco”. Se isso é verdade no campode esportes, tanto mais como cristãos estamos dispostos a exercitar acompetitividade, a vigilância e a tolerância para vencer a corrida que nosestá proposta. No segundo século a coroa dada ao vencedor era feita degalho de pinheiro ou folhas murchas de aipo. Nós corremos para ganharuma coroa eterna, imarcescível, que nos foi conquistada por meio de umacoroa de espinhos.

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Das corridas que aconteciam perto de Corinto, o apóstolo volta-se parauma outra corrida, uma corrida na história há 1400 anos - a corrida daprimeira geração de israelitas ao deixar o Egito em direção à Terra Prome-tida. Paulo refere-se a eles como “nossos pais” – pois quer que aprendamoscom eles.

Os israelitas tiveram a bênção de sair correndo do Egito, mas quandoatravessaram o mar em seco e cruzaram a linha na praia do outro lado domar Vermelho, olharam para trás e pensaram: “Nós vencemos! Nós ganha-mos!” Essa autoconfiança, como muitas vezes se viu na história de Israel,começa a substituir a confiança deles no SENHOR.

“Correi de tal maneira que o alcanceis”, diz o texto. A ênfase está no“de tal maneira”. Só há uma maneira de nos mantermos em forma espiri-tualmente e de fortalecermos o ministério do evangelho e da paz. Claro,Deus não se agradou da maioria dos do povo de Israel, mas agradou-se depelos menos dois. Foram os que entenderam que a corrida espiritual envol-ve competitividade, vigilância e tolerância sim, mas acima de tudo confiançanAquele que tem o poder de os livrar da escravidão, dAquele que se entre-ga no Batismo e Santa Ceia, e dAquele que é a pedra viva que não quer serbatida com vara como fez Moisés no deserto, mas que quer o diálogo conoscopara nos aliviar de tensões e incertezas e trazer paz à nossa alma. Se emgrande parte de textos ouvimos Jesus dizer “segue-me”, aqui neste texto háuma inversão: Ele nos segue nessa corrida – porque Ele já a correu por nós,já chegou ao fim da linha, e já voltou para estar junto, atrás de nós e aonosso lado para nos fortalecer e, quando exaustos, nos carregar.

Nesta corrida a vitória é de um só: do cristão. Mas ele não é apenas umnem dois, são milhares e milhões, bilhões. Estamos em meio a uma festaesportiva no campus. Que o espírito da alegria, da vitória, da tolerância eamor continuem. Que de todas as formas ela simbolize a promoção da paz– acima de tudo da verdadeira paz.

Sermão proferido pelo Dr. Acir Raymann na capela doSeminário Concórdia no culto especial da Festa Esportiva,

no dia 16 de setembro de 2001.

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Isaías 53.10-12VERDADES E VERSÕES

Prezados irmãos e irmãs em Cristo.

Há algumas semanas a revista VEJA estampou como matéria de capa amentira. Não que as pessoas sejam descaradamente mentirosas. Mostrou emum artigo bastante amplo o fato de as pessoas em campanha política promete-rem coisas, afirmarem coisas que acreditam ser verdades, promessas que acre-ditam poder realizar, mas que se revelam totalmente inconseqüentes.

É verdade. Existem pessoas que mentem ou manipulam fatos para che-gar a certos fins. Existem outros que, por ingenuidade ou ignorância, sãosinceramente crentes das suas próprias meias-verdades e inverdades. Aspessoas não vivem a vida. Vivem versões da sua vida.

Há pessoas que passam a vida acreditando piamente que a verdadeconsiste na versão que elas dão dos fatos, como se não existisse outra ver-são possível.

A pergunta é: qual é a versão dos fatos que governa a minha vida? Épossível que eu seja vítima da versão que tenho dos fatos?

Isaías 53 apresenta uma versão dos fatos que foi intragável para Israel eque tem sido difícil, senão impossível, para muitos.

Especialmente a verdade exposta nesse texto, 10-12. O texto opõe dois fatos.De um lado, iniqüidade, transgressão e pecado que, do outro lado

se opõe a vida em oferta, trabalho, intercessão e justificação.

Essa revelação é a que é sobre-humana de aceitar: que haja pecado/culpa digna de tão imenso castigo e punição. Não é esta a imagem queo ser humano quer de si próprio. As suas mentiras e versões que dá de sipróprio parecem ainda ser o seu mal menor. O texto mostra a vida humananecessitando de um trabalho indescritível de resgate.

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O Senhor, então, preferiu, planejou, decidiu, diz o texto. Ao Senhoragradou moê-lo, fazendo-o enfermar. De todas as opções que Deus pode-ria levantar, de todas as hipóteses que Deus poderia imaginar, Deus, o SE-NHOR, optou e decidiu ser moído, ser triturado, ser esmagado, supor-tar sozinho toda a carga de castigo e retaliação que o pecado exigiu.

Essas palavras de Isaías estiveram sempre presentes diante do povo deIsrael, no seu culto, na sua devoção, através dos tempos. Mas o povo leu erecitou essas palavras olhando para as suas próprias feridas e sofrimentos.Era odioso ao povo reconhecer no servo transfigurado pelo sofrimento ocontraponto da sua própria iniqüidade.

Entretanto, ao mesmo tempo, o profeta anuncia que o SERVO verá aposteridade e que haverá prosperidade na seqüência de seu trabalho: a von-tade do Senhor prosperará nas suas mãos. Finalmente, com os poderososrepartirá os despojos.

O ser humano não consegue olhar tempo suficiente para esse quadro. OSERVO SOFREDOR é uma figura subumana. As pessoas desviam rapida-mente o rosto. O quadro é insuportável. Quando Jesus se identifica comesse quadro e diz aos discípulos que é necessário sofrer, Pedro exclama:Não, Senhor. Isso jamais. Pedro, como todo o Israel, tem a sua própriaversão para explicar os fatos. Pedro sente que o fato de que Deus decidiumoer e fazer sofrer o seu servo, esse fato tem de ser interpretado.

Essa é também a dificuldade que cristãos experimentam. Apresentamuma versão de si próprios. Como se aquele quadro não fosse o seu. O serhumano, dizem os fatos em Isaías, exigiu que o SERVO fosse moído. Ainiqüidade do ser humano é irremediável. Todas as suas justiças são comopano de limpar imundícies.

O ser humano prefere a sua própria versão. Como se fazer certas obras,mostrar certos esforços, acolher certas obras, pudesse criar uma nova versãopara o fato de que somos iníquos em tudo que fazemos e pensamos. Como épatético ver alguém que interpreta a Escritura fazer cara e pose de quem temuma versão própria da Escritura, como se tivesse vencido em si a iniqüidade.

Isaías apresenta duas realidades: a decisão e conseqüente ação de Deusde moer o SERVO por causa do pecado. E do outro lado em cada serhumano está o pecado, a transgressão, a iniqüidade em função do que aque-le fato acontece. Esses são os fatos. Não há nenhuma versão que amenize ohorror.

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Mas o surpreendente é que, mantidos esses fatos, sem outra versão, oconhecimento destes fatos, sem outra versão, isso é que justifica. E nadamais existe. A vida do crente não é uma versão nova. A vida do crenteconsiste em nada mais do que em ser iníquo e saber-se justificado por Deus.

Assim estamos diante de Deus. Não apresentando uma versão novada nossa vida como se dependêssemos disso para sentir-nos povo deDeus. Assim, dessa maneira indigna, unicamente pela fé, somos o des-pojo e a prosperidade do SERVO sofredor. Exatamente apresentando-nos com a nossa renovada iniqüidade, com a nossa iniqüidade pela qualele derramou sua vida. Se queremos parecer menos iníquos do quesomos, desvalorizamos a vida que foi entregue e derramada por nós.Deus quer a nossa verdade. Não a versão que nós preferimos dar danossa vida. Deus não quer nossas promessas. Deus quer a verdade.

E lá está o SERVO ainda intercedendo por cada um de nós, para quenão caiamos em tentação de apresentarmos nossa vida como uma novaversão da raça humana.

Essa verdade foi intragável a Pedro, ao povo de Israel e creio que cadaum de nós tem sérias dificuldades com ela. Esse mistério do simul justus etpeccator recusa qualquer versão que alguém queira apresentar a Deus.

A verdade. Nada mais que a verdade. Versões são mentiras. Entretanto, quegrande consolo e alívio isso tem sido para muitos e para nós. Não dependemos deversões santificadas de nós próprios para sabermos que Deus nos aceitou.

E bem por isso Deus aceita a vida de cada um com a sua própria versão.Ao mesmo tempo essa é a única possibilidade de andarmos juntos, em co-munhão, como povo redimido de Deus. Eu não posso impor a minha versãode vida cristã como verdade para ti. Nem tu podes impor a tua versão devida cristã, de cristão, sobre mim.

Deus me deu conhecimento da realidade: Ele me diz: tu és pecador. Eu souteu Salvador. Vive esta versão que não é versão. Estes são os fatos. Viveestes fatos ali, como e onde Deus te chamou. Tu és povo de Deus. Pessoade Deus. Somos uma comunhão de crentes. Não precisamos analisar oujulgar a versão de cada um. Cada um pela fé subsiste diante de Deus com asua própria identidade, a sua versão mais autêntica e verdadeira.

Devoção proferida pelo Prof. Paulo P. Weirich na capelado Seminário Concórdia em 16 de outubro de 2002.

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RESCENSÃO

SUMÁRIO DA DOUTRINA CRISTÃ

Por Edward W. A. Koehler. 3.ed. revista e atualizada.Porto Alegre: Concórdia, 2002. 224 p.

O Sumário é bem familiar à maioria dos pastores da IELB, bem como amuitos que, mesmo não tendo concluído o Curso de Teologia, foram alunosdos nossos Seminários. É uma obra querida, pois apresenta, de forma resu-mida, as principais doutrinas bíblicas. Foi lançado em terceira edição, cha-mada de “revista e atualizada” com o desejo, por parte da Igreja, de que elese torne também querido ao povo, a fim de que este cresça no conhecimen-to daquilo que cremos e confessamos. É uma edição, por isso, aprimorada,apresentando, entre outros aspectos, correção ortográfica e gramatical, subs-tituição de termos cujo sentido foi enfraquecido com o passar do tempo eindicações de fonte das Confissões Luteranas na edição em língua portu-guesa do Livro de Concórdia.

O autor (1875-1951) foi pastor e professor da Lutheran Church MissouriSynod nos Estados Unidos. Ao preparar o Sumário, pretendeu oferecer aopovo cristão o acesso aos ensinos bíblicos a todos aqueles que buscam algomais além do conhecimento trazido pelo Catecismo Menor. Por essa razão,quem tem contato com o seu conteúdo pela primeira vez, poderá interrompera leitura diante de termos teológicos até então desconhecidos (gêneroapotelesmático, por exemplo). Tais expressões, além de necessárias dentroda linguagem teológica, funcionam como um tempero a dar sabor diferente aum prato já conhecido. Apesar da sua presença inesperada, contribuirá paramelhor saborearmos aquilo que nos é oferecido. A propósito, procure sabore-ar a comunicação dos atributos na pessoa de Jesus Cristo com uma pitada degênero apotelesmático, mas não esqueça de acrescentar também uma porçãodo idiomático e do majestático e depois passe a receita adiante!

O Sumário é obra antiga, sem dúvida, contudo continua sendo partedaquilo que de melhor temos na língua portuguesa em exposição resumidadas doutrinas de nossa fé cristã. Sua reedição, portanto, se justifica, poispermanece com a qualidade de ferramenta útil para aqueles que desejamter às mãos instrumentos que ajudam a construir maior e mais sólido conhe-

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cimento das coisas que Deus nos revelou. A IELB reconhece esse valor doSumário, razão pela qual não somente o reeditou, mas também o incluiu naliteratura que acompanhará o PEM (Programa de Evangelização e Mordo-mia) daqui em diante.

Paulo Moisés Nerbas

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SEMINÁRIO CONCÓRDIADiretor

Paulo Moisés Nerbas

ProfessoresAcir Raymann, Clóvis Jair Prunzel, Ely Prieto, Gerson Luís Linden,

Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch,Paulo Moisés Nerbas, Paulo Proske Weirich, Vilson Scholz.

Professores EméritosDonaldo Schüler, Martim C. Warth

IGREJA LUTERANAISSN 0103-779X

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pelaFaculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja EvangélicaLuterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho EditorialAcir Raymann (editor), Vilson Scholz (editor homilético)

Assistência AdministrativaJanisse M. Schindler

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia BíblicaLatino-Americana e Old Testament Abstracts.

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