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IDIOMAS DA MATÉRIATRANSCRIPT
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IDIOMAS DA MATRIA Yopanan C. P. Rebello e Maria Amlia D. F. D'Azevedo Leite SEGUNDO CHRISTOPHER WILLIAMS, "O CAMINHO PELO QUAL OS MATERIAIS TERRESTRES
ESTABELECEM SEU CONVVIO PARA MELHOR RESISTIR S FORAS DO AMBIENTE O QUE DETERMINA A ESTRUTURA. EM CONTRAPARTIDA, A ESTRUTURA O MAIS IMEDIATO DETERMINANTE DA FORMA" A forma e constituio dos ossos, mais densos no centro e porosos nas extremidades, explicitam a resposta do material s exigncias estruturais
Com o pargrafo acima, o arquiteto e designer Christopher G. Williams (1933, EUA) fecha Forma e matria, o primeiro captulo de seu livro Origins of form (1981), e, assim, introduz o conjunto de oito
critrios a partir dos quais procura explicar as razes fsicas e construtivas que levaram constituio das coisas naturais e produzidas pelo homem como as conhecemos hoje.
Comprovando a coerncia de sua afirmao, o autor apresenta, entre outros, o exemplo do esqueleto humano e de grandes animais, nos quais
a estrutura desenvolvida pela natureza ao longo de milnios equilibra o efeito das foras atuantes associando rgida forma tubular no trecho central dos ossos, uma organizao mais porosa das fibras do mesmo
material nas extremidades. A adaptao melhorou a absoro do impacto e da alternncia de esforos nas juntas graas ao funcionamento
dinmico do conjunto. Portanto, o que habilita um material a ser mais adequado para uma
estrutura arquitetnica a sua capacidade de absorver os esforos envolvidos na forma projetada, ou, ainda, sua caracterstica
"idiomtica". Segundo o prprio Williams, o idioma de cada material o requisito a ser observado em sua aplicao, no sentido de se compreender sua identidade e significado, sua fora e fragilidade, sua
estrutura interna, as formas que lhe so confortveis, e, portanto, sua melhor condio de uso.
A variabilidade da dimenso das sees, bem como da constituio do material, revela uma intrnseca relao entre forma, matria e estrutura
que pode ser considerada tambm indissocivel a qualquer boa e eficaz resoluo construtiva, e cuja obteno um desafio constante para
arquitetos e engenheiros. Para compatibilizar formas com materiais, de capital importncia o
conhecimento dos esforos envolvidos (externos e internos) e das propriedades dos materiais, principalmente no tocante resistncia
trao e compresso, esforos esses que sintetizam, basicamente, todos os fenmenos existentes nas estruturas.
Na concepo da "gerberette",
componente-chave do esbelto
conjunto estrutural do Centre
Georges Pompidou, em Paris, Renzo
Piano e Richard Rogers
consideraram a racionalidade da
natureza ao compatibilizar as
seces da pea variao dos
esforos
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compreensvel que se considere impensvel a execuo de um tirante de concreto, embora o mesmo no ocorra em relao a um pilar. No tirante, o esforo de trao simples e, obviamente, o material concreto
obtido pela aglutinao de partculas de areia e pedra com argamassa de cimento apresenta baixa resistncia ao ser tracionado.
Portanto, o que habilita um material a ser mais adequado para uma estrutura arquitetnica a sua capacidade de absorver os esforos envolvidos na forma projetada, ou, ainda, sua caracterstica "idiomtica". Segundo o
prprio Williams, o idioma de cada material o requisito a ser observado em sua aplicao, no sentido de se compreender sua identidade e significado, sua fora e fragilidade, sua estrutura interna, as formas que lhe
so confortveis, e, portanto, sua melhor condio de uso.
A obra do escritrio Zanettini Arquitetura
revela a "linguagem do vazio" que caracteriza o uso do ao como material estrutural
Sistemas estruturais em que predominam as tenses normais de compresso e trao nas barras, como as
trelias planas e espaciais, permitem a execuo de grandes vos livres e so particularmente favorveis ao ao
e madeira, materiais construtivos que respondem bem e de forma semelhante aos do is esforos. Os mesmos conceitos podem ser aplicados com igual desempenho a superfcies cilndricas, esfricas e de dupla curvatura
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A referncia a um idioma prprio de cada material muitas vezes utilizada pelos arquitetos para explicar a concepo de suas obras. Siegbert Zanettini, arquiteto reconhecido pela atuao expressiva no campo das
estruturas metlicas, cita freqentemente a expresso "linguagem do vazio" para explicar a adoo do ao como material estrutural. Esse material, que apresenta grande resistncia tanto trao quanto compresso,
torna-se vantajoso exatamente por permitir sua utilizao em sees esbeltas, compensando dessa forma o fato de possuir peso especfico elevado (em torno de 7.800 kgf/m) quando comparado a outros materiais estruturais.
Em funo de suas propriedades fsicas e de trabalho, o ao conduz a concepes arquitetnicas com
sistemas estruturais em barras,ou seja, aqueles caracterizados pela transmisso de esforos normais de trao e compresso, como as trelias planas e espaciais.
Um contraponto morfologia vazada das estruturas de ao so exatamente as formas geradas pelo uso do concreto armado e protendido, cujo idioma se traduz em superfcies cheias e em formas arquitetnicas em
que predominam esforos de compresso, flexo e fora cortante. A diferente resposta do concreto puro aos esforos, com melhor desempenho de absoro de compresso do
que de trao, implica geralmente a necessidade de volumes maiores de material, alm da busca de formas estruturais que conciliem uma volumetria mais robusta a outras finalidades, como a prpria vedao,
cobertura, conteno de taludes e outras.
Alm da resistncia aos esforos atuantes, h um outro aspecto a ser observado nos materiais estruturais. Trata-se da ductibilidade, ou seja, a propriedade de responder simultnea e satisfatoriamente aos quesitos de
flexibilidade e rigidez, ou ainda de resistncia e deformabilidade. Lio para a qual j nos alertam os ossos do esqueleto humano, pela adaptao de suas fibras s diversas solicitaes do conjunto.
A cobertura da igreja do Centro Administrativo da Bahia, de autoria de Joo Filgueiras Lima,
organiza-se em 12 "ptalas" de concreto armado aparente, cuja textura de desenforma auxilia a
criar um ambiente interno despojado, introspectivo e elaborado. A estrutura , em si, apoio e
fechamento, e deixa passar a luz nos intervalos verticais da espiral das lminas de cobertura
As vigas contnuas do tipo Vierendeel de concreto armado, com altura de um p-direito e
alternadas no alinhamento dos apoios internos e externos, apiam os pavimentos e criam
terraos protegidos que se tornam espaos de convvio e relaxamento dos pacientes no Hospital
Sarah Kubitschek do Aparelho Locomotor, em Braslia, projetado por Joo Filqueiras Lima
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A ductibilidade de um material exatamente a propriedade que garante a este se deformar sensivelmente antes de
romper. Tal caracterstica torna sua aplicao mais segura, promovendo o que se denomina "ruptura com aviso". O
vidro, por exemplo, embora apresente boa resistncia trao e compresso, requer cuidado na aplicao em estruturas devido possibilidade de no apresentar aviso
de que sua capacidade limite est sendo atingida. Materiais que rompem dessa forma so denominados frgeis. Mas o
atributo "frgil", nesse caso, no significa "fraco", apenas quer dizer que o material, mesmo resistente, apresenta fragilidade para ruptura. Em outras palavras, no d aviso!
Tal caracterstica desfavorvel pode ser melhorada pela
adio de um segundo material. o caso do concreto que, isoladamente, apresenta-se pouco dctil, mas com o acrscimo adequado de ao transforma-se em concreto
armado, fazendo surgir um terceiro material, mais dctil e mais apropriado para o uso estrutural. Como o ao sofre
grandes deformaes antes de romper, a ruptura da pea bem anunciada por grandes trincas, permitindo providncias para evitar a runa total da estrutura.
No caso do ao, a quantidade de carbono na liga que regula sua
resistncia e ductibilidade. Quanto maior a quantidade de carbono mais resistente a liga. Porm, menos dctil. Uma liga com grande quantidade de carbono, 4%, por exemplo, j no se caracteriza
como ao, passando a pertencer categoria de ferro fundido, muito resistente, mas pouco dctil, e sem interesse de aplicao nas
estruturas das edificaes atuais. No caso do vidro, a ductibilidade pode ser melhorada pelo
acrscimo de filmes resistentes, resultando no vidro laminado, constitudo por sanduches de pelculas de um material plstico
denominado polivinil butiral (PVB) coladas entre duas lminas de vidro.Com esse artifcio, em caso de rompimento o vidro ficar fixado pelcula.
Embora ainda pouco conhecido e utilizado estruturalmente, o vidro
permite a execuo de pisos, vigas e pilares, e em vos significativos. Sua aplicao implica sempre um coeficiente de segurana alto, dado o risco de ruptura global que apresenta.
Devido esbelteza das lminas em que produzido, o grande limitador no seu dimensionamento o efeito de flambagem, sendo
freqente a associao de estruturas metlicas de travamento compostas de barras e cabos, de forma a no comprometer a transparncia do material, sua principal e particular peculiaridade.
Muitas podem ser as associaes de materiais em prol de
"solues cooperativas" que resolvam eventuais fragilidades de cada um. Aos moldes da natureza, a inventividade humana pode superar dificuldades em seu enfrentamento das exigncias construtivas, bastando, a princpio, conhecer profundamente o idioma de cada material, sua
forma prpria e adequada de expresso.
Para minimizar o risco da utilizao do vidro
como material estrutural, acrescenta-se sua
composio um filme plstico resistente, ao
qual fica aderido no caso de ruptura - o novo
material recebe o nome de vidro laminado
O projeto do condomnio vertical 80th
South Street Tower, de Santiago
Calatrava, em Manhattan, com altura de
245 m, possui um exoesqueleto treliado
de ao que enrijece e equilibra o delgado
conjunto estrutural, principalmente em
relao ao efeito de vento
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Na cobertura do restaurante de um edifcio comercial nos Pases Baixos, o vidro utilizado como
vedao e estrutura. A viga treliada mista apresenta uma cooperao entre vidro e ao, na qual o
segundo responde principalmente pelos esforos de trao e contribui para evitar a flambagem da
lmina transparente compresso
Tambm nos Pases Baixos, a passarela abrigada une os dois volumes da edificao, com uma soluo
integralmente de vidro, exceo do perfil metlico que une as vigas inferiores aos painis de vedao
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A experincia construtiva, mesmo milenar, ainda tem vastos caminhos a explorar. Novos, inusitados e surpreendentes materiais tm surgido como alternativas para uso nas estruturas arquitetnicas, por vezes at
decorrentes de pesquisas em outras reas.
Yopanan C. P. Rebello engenheiro civil, doutor pela FAUUSP e professor nos cursos de graduao e ps-graduao em arquitetura e urbanismo da Universidade So Judas Tadeu. diretor pedaggico da Ycon
Formao Continuada. Maria Amlia D. F. D'Azevedo Leite arquiteta e urbanista, doutora pela FAUUSP, pesquisadora e
professora nos cursos de graduao em arquitetura e urbanismo e engenharia ambiental da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Especialista em Controle do Ambiente e formao em Educao Internacional.
Artigo disponvel em: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/154/artigo39518-1.aspx