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Page 1: IDEOLOGIA, MÉTODO E ESPAÇO GEOGRÁFICO: PONTOS PARA DISCUSSÃO

Anais da IV Semana de Geografia UNICENTRO, de Irati – 1º a 06 de setembro de 2008 ISSN 1983-4667 P. 10-15.

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IDEOLOGIA, MÉTODO E ESPAÇO GEOGRÁFICO:

PONTOS PARA DISCUSSÃO

Introdução

Dr. Sergio Fajardo

Professor Adjunto do Departamento de Geografia – UNICENTRO (Guarapuava-PR)

Doutor em Geografia pela FCT/UNESP

e-mail: [email protected]

É fato que a ideologia, em suas várias formas, está presente em todos os campos

da sociedade. Nas ciências humanas e/ou sociais nota-se com freqüência a reprodução de

discursos ideológicos nas teorias e nos métodos. Proponho aqui, brevemente, apresentar

algumas reflexões em torno das diversas possibilidades de manifestações ideológicas

quando se analisa ou se conceitua o espaço geográfico.

O significado de ideologia

Em um sentido comum a definição de ideologia aponta para um conjunto ou sistema

de idéias de um indivíduo ou grupo. A partir dessa consideração resta saber como esse

conjunto de idéias funcionaria

ao efetivar uma espécie assimilação de princípios que podem ser compreendidos como

consciência ou falsa consciência.

Karl Mannhein (1972) coloca que apesar do marxismo ter contribuído em muito para a

discussão do problema ideologia, o termo surgiu e emergiu muito antes e independente

do mesmo. Para o referido autor a ideologia tem dois significados distintos: 1-particular; 2-

total.

No Sentido particular, o termo denotaria o ceticismo relativo às idéias e

representações apresentadas pelo nosso opositor: estas são encaradas como “disfarces mais

ou menos conscientes da real natureza de uma situação, cujo reconhecimento não estaria de

acordo com seus interesses”. As distorções vão desde as mentiras conscientes até disfarces

semiconscientes e dissimulados.

Por sua vez, o sentido total é mais inclusivo, abrange ideologia de uma época,

de um grupo histórico-social concreto, por exemplo, de uma classe. Em suma, significa a

estrutura total da mente ou mentalidade de uma época ou de um grupo.

Um elemento comum dos dois sentidos é que ambos se voltam ao sujeito (indivíduo ou

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grupo) – idéias expressadas pelo indivíduo ou grupo são encaradas como funções da sua

existência; (FUNCIONALIDADE DAS IDÉIAS). Opiniões, declarações, proposições não

são tomados por seu valor aparente, mas à luz da situação de vida de quem os expressa.

(PESSOALIDADE DAS IDÉIAS).

Enquanto a concepção particular designa ideologias apenas uma parte do enunciado

do opositor e referente ao seu conteúdo, a concepção total põe em questão a visão total do

opositor e todo seu aparato conceitual. A concepção particular realiza análises ao nível

puramente psicológico e a concepção total opera ao nível teórico. Por exemplo, se

acusamos o outro de mentir, admitimos que há critérios comuns em relação ao que é a

verdade. E por outro lado, se atribuímos o ponto de vista do outro a submissão do mesmo a

períodos históricos ou estratos sociais de um outro “mundo intelectual”, o que descarta

a existência do “caso isolado”, estamos lidando com modos de experiência e

interpretação totalmente distintos, sistemas de pensamento opostos (Mannhein,

1972). Na ciência isso se realizaria epistemologicamente na formulação de métodos

de abordagem que tem como fundamento correntes de pensamento.

A origem histórica da ideologia

Pode-se dizer que a discordância, que é própria da natureza humana e sua

diversidade/complexidade, e a desconfiança que se tem em relação aos adversários são

precursoras da noção de ideologia. Quando essas divergências tornam-se explícitas e

materializadas em conceitos sistematizados e reconhecidos metodicamente é que se

começa a falar sobre uma “coloração ideológica” nos argumentos e afirmações dos outros

(MANNHEIN, 1972, p. 87).

Curiosamente a ideologia é evocada, pejorativamente, ao se referir ao adversário, ou ao

pensamento contrário. A ideologia ficaria entre os dois pólos: de um lado o erro, de

outro a mentira, esse “meio termo” seria ideológico. Se o engano não advém de mentira

explícita ou da insegurança, esse pode ser ideológico.

Portanto, haveria uma estreita relação entre ideologia, ceticismo e hipocrisia.

Mannhein (1972), nesse sentido, cita Maquiavel e Hume. Para Maquiavel as variações das

opiniões humanas ocorrem de acordo com os interesses envolvidos (elementos ideológicos

nos pronunciamentos). Já Maquiavel sugere que naturalmente os homens sejam dados a

mentir.

Se é possível imaginar que exista um ser humano falso diante de interesses relativos

ou pontuais, o que dizer de uma força muito maior, que absorve e sustenta muitas

ideologias como o dinheiro é apresentado por Marx:

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O que eu sou e o que eu posso não são determinados de modo

algum por minha individualidade. Sou feio, mas posso comprar a

mais bela mulher. Portanto, não sou feio, pois o efeito da feiúra, sua

força afugentadora, é aniquilado pelo dinheiro. Segundo minha

individualidade sou inválido, mas o dinheiro me proporciona vinte e

quatro pés, portanto não sou inválido; sou um homem mau, sem honra,

sem caráter e sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto,

também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, logo, é bom o

seu possuidor; o dinheiro poupa-me além disso o trabalho de ser

desonesto, logo, presume-se que sou honesto; sou estúpido, mas o

dinheiro é o espírito real de todas as coisas, como poderia seu

possuidor ser estúpido? Além disso, seu possuidor pode comprar as

pessoas inteligentes e quem tem o poder sobre os inteligentes não

é mais inteligente do que o inteligente? Eu, que mediante o

dinheiroposso tudo a que o coração humano aspira, não possuo todas as

capacidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então, todas as

minhas incapacidades em seu contrário?

(MARX, 1987, p. 196)

Jon Elster (2007) chama de “força civilizadora da hipocrisia” a suposta “boa

vontade” em comportamentos ou atitudes políticas mediante o constrangimento da

exposição pública. Nesse sentido, um determinado indivíduo, que poderia ser um político

ou empresário (ou qualquer outra pessoa pública que não traga reais preocupações

coletivistas, públicas e éticas), a fim de atender seus interesses pessoais, que são

ideológicos, empregam iniciativas positivas. Podemos imaginar o caso hipotético, por

exemplo, de um empresário que demonstre publicamente uma preocupação ambiental sem

realmente se preocupar com isso, mas essa atitude traz benefícios a sua imagem, do mesmo

modo um político que também não tenha a verdadeira preocupação com alguma causa

social, mas por ter sua imagem em jogo toma iniciativas positivas. Esta seria a

hipocrisia civilizadora apontada por Elster. “Mesmo se as pessoas estão motivadas apenas

pelos seus interesses individuais, as regras e mecanismos do debate público vão forçá- las a

justificar suas posições em termos de interesse público. Isso limita o interesse particular, em

alguma medida” (ELSTER, 2008). Aqui a visão de Maquiavel parece nítida. Esse

conteúdo ideológico, porém, está mais relacionado ainda a uma ideologia de caráter

particular. Por essa razão, obviamente, a hipocrisia ideológica não deve ser tomada, de modo

algum, como regra, por constituir situações isoladas, exceções.

A passagem dessa concepção particular para a concepção total de ideologia se

realiza quando a consciência em si é substituída por uma consciência de classe.

Enquanto na ideologia particular um adversário pode ser acusado de falsificação, tanto

consciente como inconsciente, numa concepção mais geral toda sua estrutura de sua

consciência está comprometida, ela não pode mais “pensar corretamente”. No passado a

base da ideologia poderia ser definida por critérios religiosos (como por meio das doutrinas e

dogmas), Mas o próprio pensamento evolui com o aprimoramento do conhecimento

humano, evolui também a ideologia. As escalas de valores que definem o que é verdade ou

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falsidade, real ou irreal.

A ciência como busca de aproximação da realidade, faz uso de métodos. Os

métodos não podem caracterizar uma ciência, pois são comuns a várias ciências

(FERREIRA; SIMÕES, 1992). Esses métodos, por sua vez podem estar carregados

de elementos ideológicos derivados da corrente de pensamento que orientam os mesmos.

A ideologia pode ser tida como “falsa consciência”. Essa falsa consciência antes era

derivada da constatação de fatos (das observações mais corriqueiras, do senso comum,

dos preconceitos), depois passou a trabalhar com métodos analíticos claramente definidos

(procedimentos metódicos baseados em demonstração científica).

A palavra ideologia tem uso histórico segundo Mannhein (1972, p. 97-98),

ideólogos eram “[...] os membros de um grupo filosófico na França que, seguindo a

tradição de Condillac, rejeitavam a metafísica e buscavam basear as Ciências Culturais em

fundamentos antropológicos e psicológicos. [...] A concepção moderna de ideologia nasceu

quando apoleão achando que este grupo de filósofos se opunha a suas ambições

imperialistas, os rotulou desdenhosamente de „ideólogos‟. A partir daí a palavra tomou um

sentido pejorativo, que assim como a palavra „doutrinário‟ reteve até o dia de hoje”. Esse

sentido do termo, passa a ser aceito a partir do século XIX).

Na ideologia, o que se deprecia é a validade do pensamento do adversário,

considerado irreal. Mas o que seria verdadeiramente real? Eis um problema implícito da

ideologia. Não é possível taxar o pensamento de alguém de ser ideológico sem sofrer a

mesma acusação.

O primeiro problema para se conceituar ideologia é que a própria

conceituação/definição de Ideologia pode estar impregnada de ideologia. É possível se

abster de uma literatura ideológica ao definir ideologia? Muitos pensadores definiram

Ideologia orientando-se em ideologias diversas, desde filosóficas, jurídicas, históricas,

econômicas, políticas...

Guhur (1993) usa o exemplo de Marx e Engels que empreenderam uma luta

ideológica contra a ideologia dominante.). No prefácio do livro “A ideologia alemã”,

que constitui uma crítica aos hegelianos, e ao idealismo alemão de modo geral, a

ingenuidade nas representações humanas, os sonhos inocentes e pueris, típicos dos “jovens

hegelianos” são desmascarados, assim como as “ovelhas que se julgam lobos”, expressão

utilizada pelos autores (MARX; ENGELS, 2001).

A teoria marxista fundiu as duas noções de ideologia (particular e total)

enfatizando o papel da posição e dos interesses de classe no pensamento (MANNHEIN,

1970). Considerando que “Ideologia é um sistema teórico-prático de justificação política

das posições sociais” (DEMO, 1987, p.67), poderia se cogitar que a ideologia advém do

poder (?). Entretanto, como o fenômeno do poder é estrutural na

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sociedade: se sempre haverá poder como traço invariante na sociedade, sempre

haverá ideologia dominante.

Seria a ideologia é justificadora ou argumentativa? Simpson (1993) aponta para

a linguagem como principal elemento da ideologia. Mas ideologia seria apenas

representação (literária) de um ponto de vista? Pedro Demo (1987, p. 68-69) apresenta a

ideologia como tendo várias faces, segundo os vários pontos de vista:

• Ponto de vista do conhecimento objetivado:

Ideologia seria deturpação da realidade em nível excessivo. No

conhecimento ideológico predomina a parte justificadora sobre a argumentativa. No

caso extremo pode-se chegar à mentira e à falsificação consciente e premeditada da

realidade.

• Ponto de vista da prática:

Ideologia seria uma falsa consciência no sentido de escamotear os reais

conflitos, o caráter impositivo do grupo dominante e sua exploração dos

dominados, as mudanças históricas necessárias, etc.

• Ponto de vista dos movimentos sociais:

Ideologia constitui um instrumento de coesão dos grupos e das classes, à medida

que elabora idéias-força” que fundamentem uma crença comum, um compromisso

mútuo e o entusiasmo do movimento.

• Ponto de vista dos desiguais:

Ideologia vista em duas direções: vinda de cima aparece como convencimento da

legitimidade das atuais estruturas do poder. Vinda de baixo pode ser a formulação

teórica e prática da contra- ideologia, com vistas a subverter as relações de poder.

Ainda segundo Demo (1985; 1987), os objetivos da ideologia justificadora

seriam: -Institucionalizar posições sociais vantajosas (esse um pressuposto para as

afirmações ideológicas que buscam atender interesses do indivíduo ou grupo). -

Justificação busca caracterizar a legitimidade da situação vigente recorrendo a disfarces

de supostas imposições, evitando contestações. Um exemplo desse fato seria o apelo a

pretensa ordem natural com raças superiores.

Ciência, método, geografia e ideologia

Atualmente poderíamos pensar como as ciências lidam com temas como questões

ambientais e recursos naturais. Ou ainda em relação a idéias que aparentemente

prometem liberdade, mas somente realiza àqueles que possuem condições econômicas para

tal. Podemos pensar em muitas outras questões (presentes quando se analisa o espaço

geográfico) como democracia, desenvolvimento sustentável, ética, globalização.

Na Geografia, os pensamentos dominantes, os paradigmas, foram construídos sobre

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ideologias. O exemplo da Geografia Tradicional – Determinismo versus Possibilismo é um

dos mais conhecidos. Se a ideologia estava presente desde o nascimento da ciência

moderna com o advento do pensamento racionalista há alguns séculos (na nossa versão

ocidental de ciência), a sistematização da Geografia nos moldes positivistas como as

demais ciências é tida como essencialmente ideológica pela maioria dos teóricos da

Geografia.

O discurso ideológico é predominantemente partidário e significa sempre um

posicionamento político em favor de uma visão de mundo, corrente filosófica, interesses

de classe... (DEMO, 1985). Como a Geografia científica surge para atender propósitos

políticos claros, explicitamente definidos, como a unificação alemã (também o

imperialismo), é óbvio que os contrapontos políticos (nacionalizados ou não) também

impõem as suas ideologias à prática acadêmico-científica (MORAES, 1996).

O caráter justificador da ideologia busca a convicção, a adesão, a defesa do

problema com sua arma: envolvimento com a ciência (DEMO, 1982). Assim: é mais

convincente se souber se vender como ciência objetiva. Foram o que realizaram Ratzel, La

Blache, neo-positivistas, marxistas, humanistas, etc (CHRISTOFOLETTI, 1980).

A justificação do posicionamento de um método, que tem necessariamente

alicerces ideológicos como o materialismo histórico ou a fenomenologia, por exemplo,

acaba por reproduzir os sistemas de pensamento teórico nas práticas analíticas dos

métodos. Muitas vezes se toma o método como única forma possível de se enxergar a

realidade. Eeis o perigo dessa forma “ideologizada” de pensar.

Outro aspecto da ideologia que preocupa a atividade de pesquisa e o ambiente

acadêmico é o uso da ideologia enquanto pessoalidade. Ao tentar justificar sua própria

condição, o cientista corre o risco de ser um ideólogo extremamente individualista. A

respeito disso, Demo (1985, p. 15) afirma: “A maior virtude do intelectual não é a de

fazer ciência, mas de se justificar, na perspectiva de defesa de seus interesses sócio-

econômicos (prestígio, salário, poder etc).” Esse seria o equívoco ou erro da separação

entre teoria e prática.

Pode ser muito útil ao cientista social apresentar uma imagem de

revolucionário, de contestador, de avançado, porquanto isto lhe dá

aplausos, lhe confere o atestado de atualização, lhe oferece maior

mercado de venda de livros etc., desde que não lhe seja exigida a

prática correspondente. Se isso for feito, a maioria desiste da teoria,

porque não se dispõe a arriscar seus privilégios (DEMO, 1987, p. 84).

Seria o caso de se pensar: a ideologia é necessária? Segundo Demo (1987) a

ideologia é necessária por ser “transpiração do fenômeno do poder”: se o poder é inevitável

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a ideologia é inevitável. Desejar acabar com a ideologia é ideologia (barata). Mas

existiriam ideologias atraentes? Sim, se forem menos deturpadoras e voltadas a projetos

humanitários. Demo lembra que os ideólogos em geral não provém das classes humildes

(como os intelectuais em gera l) mas podem assumir as dores dos oprimidos. (ex.:.Marx e

Engels). – esse o charme da ideologia marxista.

Outra questão que se coloca: a ideologia é falsa consciência ou visão de mundo?

Não há ciência sem ideologia, as Ciências Humanas e Sociais são inevitavelmente

ideológicas. Se posicionamento político é ideologia o cientista é um ideólogo.

Ideologia é dogmatismo? Se não é, se aproxima muito disso, pois como o dogma é um

sistema fechado (de idéias). Como então se pode imaginar que na prática científica, um

método se imponha como dogma? Os embates entre as diversas correntes teóricas da

Geografia forjam uma espécie de “disputa ideológica” na qual, ao nível das idéias,

epistemologicamente os conceitos são definidos, redefinidos e questionados.

Os chamados critérios de cientificidade (coerência, consistência, originalidade,

objetivação,comparação crítica, reconhecimento generalizado) podem abstrair ideologia?

Obvio que não totalmente. Sempre haverá um resquício ideológico em algum conceito

utilizado, forma de raciocínio, técnica utilizada. A sugestão de Demo, é que a Ciência

deve conviver com a ideologia reduzindo seus níveis ao mínimo – consciência crítica da sua

presença e constante cuidado com ela. (papel da metodologia: fazer com que o científico

predomine sobre o ideológico).Mas por que? Ideologia pode induzir ao juízo de valor, ao

pré-conceito, assim como o senso comum? Ideologia atrapalha o intento científico?

Método acompanharia ideologia? Em muitos casos sim, como exemplo do método

dialético. Qualquer método subsiste como tal se possuir um esquema formal baseado

em definições, classificações, distinções, comparações. Ideologia se comportaria como

dentro de um método? Os métodos são ideológicos? Contrapondo Estruturalismo e

Dialética: será que a dialética também não sistematiza a realidade? (ex. concepção do

econômico como determinante, supõe uma invariante explicativa: realidade complexa,

mas no fundo ordenada.

Sistemismo/Funcionalismo: não respondem conflitos “não-solucionáveis”: posição ideológica?

Seria o próprio método “ideológico” ou o uso do mesmo? (interesses, ligações com o

poder...). “A ciência e, sobretudo, seu uso técnico-industrial pode tanto estar a serviço da

melhoria das condições ambientais e conseqüentemente sociais, como ser utilizada para

fins não tão nobres.” (SILVA; SCHRAMM, 1997, p.359 ).

Ideologia e espaço geográfico

Na Geografia, Método e Ideologia podem se comportar de modo diverso, de acordo

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com a área, o campo e especialidade. Para Spósito (2004) o método serve como “porta de

entrada” para a leitura da realidade. Mas essa leitura, justamente devido ao fundamento de

cada método, que se constitui também um olhar específico, é carregada de doutrina e

ideologia, segundo a corrente adotada.

O espaço geográfico como produto social, teria uma visão ideologizada? Se

afirmarmos que o espaço equivale à sociedade, expomos uma controvérsia em relação ao

objeto principal da Geografia. Controvérsia essa presente na dicotomia Geografia Física x

Humana (MENDONÇA, 1998). A Geografia Crítica assumiu a postura política militante,

contestadora, com base, sobretudo, marxista, as noções de espaço geográfico atribuídas a

essa corrente resultaram ideológicas.

Como a orientação dos geógrafos físicos não adota, em geral, o materialismo

histórico como método explicativo o entendimento do que seria espaço geográfico por estes,

vai ser direcionado segundo a acepção de seus respectivos métodos. Essa observação é

interessante quando considerados os métodos mais utilizados na Geografia (SPOSITO, 2004).

Resta pensar se é inevitável no fazer científico em geral, e em especial nas análises

geográficas, haverá sempre um uso ideológico. A ideologia existirá como componente

consciente das fundamentações, argumentações, posicionamentos dentro do pensamento

geográfico? Não temos a resposta, mas podemos sinalizar a partir da produção geográfica

brasileira recente (CARLOS, 2002), que a ideologização da Geografia parece distante de

terminar. A principal dúvida que se apresenta é que, apesar de inegável que o conteúdo

geográfico (social, político, econômico, cultural e ambiental) possua uma carga ideológica,

será que as análises científicas também, necessariamente, devem possuir ideologia?

Reeferências:

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A geografia brasileira: algumas reflexões. Terra Livre.

São Paulo, ano 18, v. 1, nº 18, jan./jun. 2002.

CHRISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1980.

DEMO, Pedro. Ciência e ideologia. In: . Introdução à metodologia da ciência. São

Paulo: Atlas, 1987, p. 66-76.

. Demarcação científica. In: . Metodologia científica em ciências sociais. São

Paulo: Atlas, 1985, p. 13-28.

ELSTER, Jon. Alternância no poder define democracia (entrevistado por Cláudia Antunes).

Folha de São Paulo. São Paulo, 17 jun. 2007 (Caderno Mundo).

FERREIRA, Conceição Coelho; SIMÕES, Natércia Neves. A evolução do pensamento

geográfico. 7ª ed. Lisboa: Gradiva, 1992.

GUHUR, Jean Vincent Marie. Ciência e ideologia. Apontamentos. Maringá, mar. 1993, p.1-

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57. MANNHEIN, Karl. Ideologia e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2001.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos (terceiro manuscrito). São Paulo:

Martins Fontes, 1987.

MORAES, Antonio C. R. Ideologias geográficas. São Paulo: Hucitec, 1996.

SILVA, Elmo Rodrigues da; SCHRAMM, Fermin Roland. Cadernos de Saúde Pública,

Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 355-382, jul-set, 1997.

SIMPSON, Paul. Language, Ideology and Point of View. Londres: Routledge, 1993.

SPOSITO, Eliseu Savério. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do

pensamento geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.