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1 Identificação da proposta: A melancolia e suas manifestações segundo a Psicopatologia Fundamental. Resumo Apesar da vasta literatura sobre a melancolia, observa-se a ausência de formulação sistemática e consistente sobre essa manifestação humana. Assim, por exemplo, a melancolia ora é tratada como psicose, ora é tratada como neurose narcísica. Além disso, freqüentemente é tratada como sinônimo de depressão quando, já pelo próprio nome, depressão e melancolia se diferenciam. Finalmente, certas manifestações sintomáticas como, por exemplo, distúrbios da oralidade próprios da melancolia são tratados como transtornos alimentares, sem qualquer referência a essa manifestação psicopatológica. Este projeto de pesquisa, utilizando o método clínico, pretende examinar essas controvérsias e formular uma concepção articulada e integrada da melancolia, esclarecendo e propondo uma visão mais compreensiva desta importante manifestação humana. Palavras-chave: melancolia, neurose narcísica, acídia, Psicopatologia Fundamental Qualificação do principal problema a ser abordado. A melancolia é uma das mais tradicionais manifestações psicopatológicas e a bibliografia sobre o assunto é vasta. Desde a antiguidade grega, é conhecida como prolongada tristeza acompanhada de medo manifestando-se entre os muito inteligentes (Aristóteles, 1998). Além do mais, a melancolia sempre foi acompanhada da mania, manifestação contrastante entendida tradicionalmente como loucura e, atualmente, como atividade frenética (Berrios, 2004). A melancolia recebeu diversos nomes ao longo de sua história. Na Idade Média, por exemplo, foi conhecida como acídia religiosa, acedia ou “o demônio do meio dia” e foi reconhecida na vida monástica (Crislip, 2005; Forthomme, 2000). Essas pesquisas revelando a intensa resistência dos monges medievais a se submeterem à vida regrada dos mosteiros apontam para a peculiar natureza atual da melancolia: a obstinada resistência ao trabalho institucionalizado tão comum em nossos dias. Em 1621, após a Idade Média, portanto, Robert Burton publicou um alentado tratado denominado A anatomia da melancolia (2012). O livro fez imediato sucesso e recebeu, mais tarde, traduções para o alemão, o francês e o espanhol. Não é para menos: o sucesso da edição inglesa foi tal que seu editor conseguiu comprar uma propriedade com os lucros obtidos e mais três edições apareceram na década seguinte, o que, para a época, significava uma grande vendagem. A partir daí, o alentado livro de Burton adquiriu fama e encontrou destaque no discurso (logos) sobre o pathos psíquico, ou seja, tornou-se referência obrigatória na psicopatologia.

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Identificação da proposta: A melancolia e suas manifestações segundo a Psicopatologia Fundamental. Resumo Apesar da vasta literatura sobre a melancolia, observa-se a ausência de formulação sistemática e consistente sobre essa manifestação humana. Assim, por exemplo, a melancolia ora é tratada como psicose, ora é tratada como neurose narcísica. Além disso, freqüentemente é tratada como sinônimo de depressão quando, já pelo próprio nome, depressão e melancolia se diferenciam. Finalmente, certas manifestações sintomáticas como, por exemplo, distúrbios da oralidade próprios da melancolia são tratados como transtornos alimentares, sem qualquer referência a essa manifestação psicopatológica. Este projeto de pesquisa, utilizando o método clínico, pretende examinar essas controvérsias e formular uma concepção articulada e integrada da melancolia, esclarecendo e propondo uma visão mais compreensiva desta importante manifestação humana. Palavras-chave: melancolia, neurose narcísica, acídia, Psicopatologia Fundamental Qualificação do principal problema a ser abordado. A melancolia é uma das mais tradicionais manifestações psicopatológicas e a bibliografia sobre o assunto é vasta. Desde a antiguidade grega, é conhecida como prolongada tristeza acompanhada de medo manifestando-se entre os muito inteligentes (Aristóteles, 1998). Além do mais, a melancolia sempre foi acompanhada da mania, manifestação contrastante entendida tradicionalmente como loucura e, atualmente, como atividade frenética (Berrios, 2004). A melancolia recebeu diversos nomes ao longo de sua história. Na Idade Média, por exemplo, foi conhecida como acídia religiosa, acedia ou “o demônio do meio dia” e foi reconhecida na vida monástica (Crislip, 2005; Forthomme, 2000). Essas pesquisas revelando a intensa resistência dos monges medievais a se submeterem à vida regrada dos mosteiros apontam para a peculiar natureza atual da melancolia: a obstinada resistência ao trabalho institucionalizado tão comum em nossos dias. Em 1621, após a Idade Média, portanto, Robert Burton publicou um alentado tratado denominado A anatomia da melancolia (2012). O livro fez imediato sucesso e recebeu, mais tarde, traduções para o alemão, o francês e o espanhol. Não é para menos: o sucesso da edição inglesa foi tal que seu editor conseguiu comprar uma propriedade com os lucros obtidos e mais três edições apareceram na década seguinte, o que, para a época, significava uma grande vendagem. A partir daí, o alentado livro de Burton adquiriu fama e encontrou destaque no discurso (logos) sobre o pathos psíquico, ou seja, tornou-se referência obrigatória na psicopatologia.

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A Anatomia da melancolia, muito mais do que um obra exaustiva sobre esse pathos conhecido e cuidado desde a antiguidade grega é de grande atualidade, pois contrasta, em muitos aspectos, com o dito e escrito hoje em dia. Burton define a melancolia como “um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza, sem nenhuma razão aparente” (p. 172). Depois dessa definição, um novo afeto foi incluído: o ódio, a crueldade (Hassoun, 2002). A melancolia é vista por Burton, ele mesmo um confesso melancólico, como mania, isto é, loucura. Assim, seria possível dizer que os melancólicos são inteligentes, mas irremediavelmente estagnados do ponto de vista espiritual e moral. Medo ou covardia, tristeza, ódio, estagnação, crueldade e inteligência seriam, então, os principais ingredientes da melancolia, que se combinam de forma variada. Porém, o tempo passa e, paulatinamente, a compreensão, a interpretação da melancolia vai ficando mais complexa, sofrendo modificações nem sempre enriquecedoras. Assim, por exemplo, reduzir essa doença à depressão e àquilo que é denominado de transtorno afetivo bipolar, ou seja, transtorno maníaco-depressivo é um evidente retrocesso baseado num douto desconhecimento da vasta literatura psicopatológica sobre o assunto (Berlinck e Fédida, 2000).

Observa-se, entre outras coisas, nessa substituição, uma grave confusão terminológica, pois o nome da doença é substituído por um de seus possíveis estados sem se levar em consideração um princípio básico do conhecimento científico: nomes diferentes designam, no universo simbólico humano, coisas diferentes. Estudo psicopatológico minimamente cuidadoso e rigoroso há de revelar: depressão é um estado enquanto melancolia seria um sintoma inconsciente duradouro, ou melhor, uma formação do inconsciente, ou seja, manifestação repetitiva e padronizada extremamente duradoura e resistente à mudança (Fédida, 2002). A redução da melancolia à depressão esquece uma das clássicas características dessa doença: sua diferença em relação ao luto. Enquanto este é passageiro, aquela possui uma natureza praticamente interminável (Freud, 1917). No luto, a tristeza própria da depressão termina e dá lugar à depressividade (Berlinck e Fédida, 2000; Fédida, 2002). Na melancolia, ainda que possa ocorrer depressão, há lugar duradouro para a acídia ou “demônio do meio dia” dispensando a depressão. Há, especialmente, uma identificação com a perda. Assim, esquece-se, também, uma importante observação psicopatológica: pode haver e freqüentemente há melancolia sem depressão. Entre o lamento e a crítica, cantochão melancólico, o doente preenche o vazio necessário para a depressão poder ocorrer impedindo a manifestação da necessária depressividade.

O que estudiosos da atualidade ignoram, também, é a diferença entre tristeza - tristitia – e depressão.

Essa confusão terminológica, tão comum hoje em dia, afasta a psicopatologia de um almejado rigor permitido pelo logos e acaba por retirar da melancolia toda sua rica significação presente, por exemplo, de forma exaustiva, na obra

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de Robert Burton. Trata-se, em última instância, de interpretação melancólica da própria melancolia.

A redução da melancolia à psicose é outro passo empobrecedor para a compreensão desse complexo fenômeno psicopatológico (Quinet, 1999). É claro que, em suas manifestações mais intensas, a melancolia pode ser vista como psicose. Freud, entretanto, considera a melancolia como sendo uma neurose narcísica, ou seja, um conflito intrapsíquico entre eu e supereu (Freud, 1924 [1923]); (Moreira, 2002). Segundo Peres (1996) a neurose narcísica marca uma aproximação entre a neurose e a psicose e não uma separação radical entre ambas. “No que se refere à melancolia, Freud nos deixa com a afirmativa da dimensão narcisista dessa afecção, uma neurose narcisista proveniente de conflitos entre o ego e o superego. Afirmar uma neurose narcisista nos coloca frente a uma complexidade e, portanto, a uma riqueza teórica. As psicoses até então desfrutavam o privilégio dos distúrbios do narcisismo sendo demarcada uma fronteira. Ao falar de neurose narcisista abre-se um novo domínio que pode ser interpretado de diferentes maneiras, como uma zona limítrofe de uma neurose-psicose ou de uma psicose-neurose. Sendo assim, os limites entre a psicose e a neurose estão questionados, assim como a rigidez da concepção das estruturas.” (Peres, 1996) A associação da melancolia à neurose narcísica indica uma controvérsia diagnóstica que precisa ser considerada a fim de se avançar o conhecimento desta manifestação humana. Trata-se, aqui, de uma questão psicopatológica controvertida, da mais alta importância: há clínicos que supõem a existência de estruturas psicopatológicas (neurose, perversão, psicose, por exemplo). Entretanto, observa-se em toda manifestação humana, a existência de intensidades e de qualidades. Essas duas dimensões variam combinadamente e compõem eixos que localizam o pathos no espaço e no tempo. A intensidade pode modificar a qualidade. Assim, observa-se que a melancolia, um dos sintomas associados à histeria (neurose), pode se transformar em psicose, como no caso da síndrome de Cotard. Ora, esta observação revela que a conjectura sobre a existência da estrutura clínica pode ser um obstáculo à compreensão da dinâmica e da economia psicopatológica. A intensa melancolia pode chegar à Síndrome de Cotard, onde o eu/corpo é negado em sua existência (Cotard, Camuset et Seglas, 1997; Cotard y Séglas, 2008). Pode, porém, ser persistente manifestação neurótica, podendo ser até criativa. Ademais, é sabido, como já foi dito, que a melancolia possui, como íntima companheira, a mania (Freud, 1917). Porém, esta, na atualidade, adquire sentido muito distinto do atribuído na primeira modernidade. Hoje, a mania é sinônimo de atividade frenética e compulsiva, compondo a tristitia melancólica

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(Berlinck, 2003). Já na época de Burton, a mania era sinônimo de loucura e estava dissociada da melancolia, ainda que esta fizesse parte daquela. O frenezi maníaco, o agir sem pensamento, ou melhor, o agir com fuga de idéias (Binswanger, 1987) por sua vez, almeja evitar um essencial defeito eu/corporal. Assim, por exemplo, os intermináveis exercícios realizados por Ellen West e descritos por Binswanger (1977) visam eliminar imaginada gordura (o mal) de seu eu/corpo. Trata-se, assim, de uma desesperada tentativa de se livrar daquilo que está associado à culpa e o exercício maníaco adquire tonalidade própria do sacrifício. A atividade melancólica é um desesperado esforço possuindo um claro sentido vertical, em busca de um ideal jamais alcançável, porém obsecadamente desejado. Aproxima-se, assim, da neurose obsessiva e essa aproximação será examinada nesta pesquisa. Ideal que se alcança não é que não seja ideal. É ideal concreto, possível, meta de um trabalho e, por isso mesmo, passageiro. Aquilo que se denomina de ideal de eu é objeto que serve para nos retirar de um estado que poderia ser chamado de menoridade, através do trabalho psíquico (Foucault, 1992; Berlinck, 2011). É, pois, uma saída e um encontro. O ideal melancólico, por sua vez, é inatingível, por sua específica qualidade de perfeição. É manifestação da melancolia, é razão da tristítia e não saída. Chamado, também, de eu ideal, é um corpo (pois o eu é sempre corporal) cuja forma coincide com a morte do próprio corpo. O melancólico sabe, no âmago de si, que nenhum esforço, nenhum dispêndio de energia, irá modificar essa situação, essa inércia. O intenso trabalho na melancolia visa uma inibição empobrecedora do eu. Comer, dormir e orar em excesso, a vida sem tonalidade passa a compor o cotidiano melancólico. O tema da tristitia, praticamente ignorado na atualidade - pois é confundido com o sentimento da tristeza - precisa ser investigado clinicamente, para se avançar na compreensão da melancolia. Ana Cecília Magtaz (2008, p. 87), em sua tese de doutorado intitulada “Distúrbios da oralidade na melancolia”, evoca Giorgio Agamben (2007) em O demônio meridiano, para esclarecer o sentido da tristitia na verticalidade que tem como limites a aniquilação completa do eu, do corpo.

Segundo Agamben, durante a Idade Média, os padres da Igreja batizavam a morte que instilava na alma com os nomes de acídia, tristitia, taedium vitae e desídia. “O que preocupa o acidioso não é, pois, a consciência de um mal, e sim, pelo contrário, o fato de ter em conta o mais elevado dos bens: acídia é o vertiginoso e assustado retrair-se (recessus) frente ao compromisso da estação do homem diante de Deus” (p. 28)

E continua:

“O sentido desse recessus do bem divino, dessa fuga do homem frente à riqueza das próprias possibilidades espirituais, traz em si uma ambigüidade fundamental. O fato do acidioso retrair-se diante de seu fim divino não equivale,

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realmente, a que ele consiga esquecê-lo ou que deixe de desejá-lo. Se, em termos teológicos, o que deixa de alcançar não é a salvação, e sim o caminho que leva a mesma, em termos psicológicos, a retração do acidioso não delata um eclipse do desejo, mas sim o fato de tornar-se inatingível seu objeto: trata-se da perversão de uma vontade que quer o objeto, mas não quer o caminho que a ele conduz e ao mesmo tempo deseja e obstrui a estrada ao próprio desejo” (p. 29).

E Magtaz (2008) conclui: “Esta passagem do texto de Agamben possibilita entender um pouco mais o deslocamento no eixo vertical, característico da melancolia. O acidioso não deixa de desejar o objeto inatingível, o ideal. Por não conseguir alcançá-lo, nas alturas, imobiliza-se, muitas vezes, numa angustiada tristeza que o move em direção ao vício da ação desenfreada ou da inação” (p.87)

O eixo vertical, onde a melancolia realiza sua dinâmica, foi claramente apontado por Robert Burton, especialmente na ilustração do frontispício de A anatomia da melancolia, examinado tão bem por Jean Starobinsky, no prefácio da edição francesa.

Entretanto, adquire relevância clínico-teórica quando Ludwig Binswanger retoma a dinâmica melancólica no eixo vertical tanto no caso Ellen West (1977) quanto em “O sonho e a existência” (2002). Nesse eixo, o corpo melancólico é colocado numa dinâmica mortífera indo de sua completa negação corporal, também conhecida como síndrome de Cotard (1998), até sua negação completa no ideal inalcançável também conhecido por anorexia. Tanto em um quanto em outro, o corpo é aniquilado. Tanto em um quanto em outro só resta o ideal inatingível.

Aqui, novamente, revela-se, mais uma vez a banalização da melancolia na atualidade. Reduzir a anorexia, sintoma melancólico, num transtorno alimentar é apequenar, é desconhecer toda a rica e complexa tradição do discurso melancólico que tem em A anatomia da melancolia um de seus pontos altos. Objetivos e metas a serem alcançadas. Esta pesquisa possui, portanto, três hipóteses: 1) A melancolia pode ser tanto neurose narcísica quanto psicose. 2) A melancolia é diferente da depressão. Esta é um estado, aquela é um sintoma duradouro associado à perda e as duas não devem ser confundidas. 3) os chamados transtornos alimentares nada mais são do que distúrbios da oralidade. A melancolia é um distúrbio da oralidade e não pode ser confundida com sintomas alimentares. Além de examinar detalhadamente essas hipóteses, a pesquisa irá basear-se em fragmentos de casos clínicos, na construção de vasta bibliografia sobre a melancolia que servirá de referência para futuros estudos, em entrevistas semidirigidas com clínicos experientes no tratamento da melancolia e na investigação bibliográfica.

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A pesquisa resultará em artigos que serão publicados em revistas científicas indexadas. Há, também, a intensão de publicar uma coletânea de textos sobre o tema. Metodologia a ser empregada A metodologia a ser empregada é própria do método clínico, tal como é concebido pela Psicopatologia Fundamental. O método clínico, desde logo, possui um protocolo idealmente tão rigoroso quanto o do método experimental e o do método probabilístico. O método experimental é, em resumo, um procedimento que visa estabelecer relações de causa e efeito, ou seja, determinar o que faz com que algo aconteça. O método probabilístico, por sua vez, pretende estabelecer, com precisão, a margem de erro contido num protocolo postulando a correlação de fatores, em uma dada população, através de amostra estatisticamente representativa. O método clínico parte do relato de uma vivência clínica – o caso clínico – e, diante de um problema por ele suscitado, busca a compreensão dessa situação específica através de uma formulação representativa (Magtaz e Berlinck, 2012). Entende-se por problema de investigação, uma discrepância entre aquilo que é e aquilo que deveria ser (Berlinck, 2000). Assim, o método clínico exige um trabalho de abstração que apresente a mais rigorosa correlação epistêmica possível com o problema suscitado pelo caso. Como esse método científico possui sempre uma dimensão subjetiva – outro pressuposto desta pesquisa – e se ocupa do pathos psíquico, ou seja, do afeto psicopatológico, ela ocorrerá no âmbito da Psicopatologia Fundamental. A pesquisa em Psicopatologia Fundamental, supondo que não há um único saber capaz de esgotar a compreensão do pathos psíquico, abre a possibilidade de leitura e de articulação de diferentes saberes provindos da Psicologia, da Psicanálise, da Psiquiatria, da Filosofia, etc. Além disso, ela irá se basear em entrevistas com clínicos (psicólogos, psicanalistas, psiquiatras) com experiência no tratamento da melancolia (ver roteiro da entrevista em anexo), no Brasil e no exterior. Proponentes do projeto O proponente responsável por este projeto é Manoel Tosta Berlinck, Ph.D. pela Universidade de Cornell (USA), Professor Titular Aposentado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde dirige o Laboratório de Psicopatologia Fundamental. Possui, portanto vasta experiência como pesquisador e como clínico. Preside (2012-2014) a Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF), sociedade científica internacional

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congregando, atualmente, 65 professores doutores de 26 universidades brasileiras e de universidades da Argentina, do Chile, da Colômbia, da França, da Inglaterra, do México e de Portugal. Finalmente, é Editor Responsável da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Colaboradores A pesquisa contará com a colaboração dos seguintes professores: - Domingo Izquierdo, Mestre em Psicologia e docente da Universidad Diego Portales, Santiago, Chile. - Ana Cecília Magtaz, Professora do Curso de Especialização de Psicopatologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com vasta experiência clínica e especialista no estudo da melancolia, com dissertação de Mestrado sobre “Abordagem psicanalítica da anorexia e da bulimia como distúrbios da oralidade”; com tese de Doutorado denominada “Distúrbios da oralidade na melancolia” e vários artigos publicados sobre esse assunto. Ela é Diretora Administrativa da AUPPF, instituição no âmbito da qual esta pesquisa será realizada. - Dayse Stoklos Malucelli, da Universidade Tuiuti, de Curitiba, Paraná, com tese de doutorado sobre a síndrome de Cotard; - Ana Cleide Guedes Moreira, da Universidade Federal do Pará, com tese de doutorado, livro e artigos sobre o tema; - Francisco Pizarro Obaid, doutor pela Université de Paris 7 e docente da Universidad Diego Portales, Satiago, Chile; - Silvana Rabello, doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com publicações sobre as manifestações precoces do autismo; - Maria Lucrecia Rovaletti, professora da Universidad de Buenos Aires, Argentina e eminente fenomenóloga, com vasta obra e artigos sobre o tema.; - Cristina Lindenmeyer Saint-Martin, da Université de Paris 7 – Denis Diderot com tese

de doutorado e artigos sobre a melancolização da perda na experiência do câncer e em certos quadros de anorexia. Aos colaboradores caberá: 1. Responder o questionário da pesquisa; 2. Apresentar um texto inédito (ainda não publicado) sobre o tema da pesquisa e 3. Comentar os trabalhos apresentados visando seu aperfeiçoamento.

Principais contribuições científicas e metodológicas da proposta.

Devido à consistente experiência do proponente responsável e da equipe de colaboradores, espera-se que este projeto seja de grande utilidade para clínicos e o aperfeiçoamento dos trabalhadores de saúde mental - médicos, psicólogos, psicanalista, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e assistentes

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sociais - atuantes nas inúmeras instituições que oferecem atendimento clínico-psicoterápico e clínico-psiquiátrico (CAPS, NAPS, ambulatórios psiquiátricos e dispositivos clínicos hospitalares, incluindo internações). A principal contribuição científica deste projeto será a de especificar e de aprofundar, de forma sistemática, a compreensão da melancolia e permitir o aperfeiçoamento da atividade clínica e o intercâmbio científico entre os trabalhadores de saúde mental e os pesquisadores universitários. Para isso, a pesquisa pretende 1. estabelecer diferença entre melancolia e depressão; 2. revelar que a melancolia pode ser tanto neurose quanto psicose; e 3. demonstrar que a melancolia é um distúrbio da oralidade. Além disso, ela construirá uma bibliografia especializada exaustiva sobre a melancolia. Todos os produtos desta pesquisa, com possível exceção dos artigos publicados em revistas indexadas e em livros, serão colocados no portal de livre acesso da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental http://www.fundamentalpsychopathology.org Orçamento detalhado Custeio 1.Material de consumo, componentes e/ou peças de reposição de equipamentos, software, instalação, recuperação e manutenção de equipamentos.

1.a. 50 resmas de papel sulfite A4 – (R$ 16,00 a resma) – R$ 800,00

1.b. 12 tonners para computador a laser em cores (R$ 270,00.u.)-R$ 3.240,00 Justificativa Esse material de consumo é indispensável para a realização da pesquisa. As resmas de papel sulfite serão utilizadas na impressão de textos obtidos pela pesquisa, em trabalhos preliminares e finais.

2.Serviços de terceiros 2.a. Serviços eventuais de assistente da pesquisa R$ 5.000,00 2.b. Serviços de tradução, revisão e diagramação de textos R$ 6.000,00 3. Passagens e diárias R$ 13.000,00 Justificativa

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Os serviços eventuais de assistente são indispensáveis, pois a pesquisa requer serviços, como levantamento detalhado do tema na Internet, diagramação da bibliografia, acompanhamento dos trabalhos etc. Serviços de tradução, revisão e diagramação de textos são necessários para o acesso a trabalhos em línguas estrangeiras, para a publicação de artigos em revistas internacionais e para a preparação de textos para publicação. Passagens e diárias serão utilizadas para a realização de entrevistas com clínicos especialistas.

Capital 4. Material bibliográfico R$ 2.000,00 Justificativa A despesa com compra de livros e de artigos de revistas de acesso restrito é indispensável para a pesquisa. Total: R$ 30.040,00 Cronograma físico-financeiro - Despesas a serem efetuadas no 1º. semestre de 2013 = R$ 10.000,00 - Despesas a serem efetuadas no 2º. semestre de 2013 = R$ 10.000,00 - Despesas a serem efetuadas no 1º. semestre de 2014 = R$ 10.040,00 Cronograma de atividades 1º. semestre de 2013 - Pesquisa clínica, construção de casos clínicos e entrevistas com especialistas. 2º. semestre de 2013 - Pesquisa clínica e entrevistas com especialistas. 1º. semestre de 2014 - Tradução de textos e elaboração de artigos para serem publicados em revistas científicas indexadas. 2º. semestre de 2014 - Redação do relatório final.

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Indicação de colaboração ou parcerias já estabelecidas com outros centros de pesquisa na área. Como já foi dito, esta pesquisa será realizada no âmbito da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF), sociedade científica internacional que reúne, atualmente, 65 professores doutores de 27 universidades brasileiras e de universidades da Argentina, do Chile, da Colômbia, da França, da Inglaterra, do México e de Portugal. Esses pesquisadores vêm colaborando em numerosos projetos que se realizam no âmbito da AUPPF, como Congressos, Colóquios, Encontros Científicos, publicações etc. Os produtos resultantes dessas colaborações e parcerias podem ser encontrados no portal (site) da AUPPF http://www.fundamentalpsychopathology.org Especificamente, todos os colaboradores deste projeto, nomeados acima, são membros da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Disponibilidade efetiva de infra-estrutura e de apoio técnico para o desenvolvimento do projeto A Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental possui sede própria, computadores, publicações e apoio técnico (Webmaster, artista gráfica, contador) necessários para realizar este projeto. Estimativa dos recursos financeiros de outras fontes que serão aportados pelos eventuais Agentes Públicos e Privados parceiros Não há previsão de outros aportes. Instituição de execução A instituição de execução é a Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF). Informações sobre a AUPPF podem ser encontradas em http://www.fundamentalpsychopathology.org Referências bibliográficas Aganbem, Giorgio (2007). Estâncias. A palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: Editora UFMG. Aristóteles (1998). O homem de gênio e a melancolia. O problema XXX, 1. Trad. do grego, apresentação e notas de Jackie Pigeaud. Trad. de Alexei Bueno. Rio: Nova Aguilar.

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Magtaz, Ana Cecília (2008). Distúrbios da oralidade na melancolia. Tese de Doutorado defendida no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. http://www.psicopatologiafundamental.org Magtaz, Ana Cecília e Berlinck, Manoel Tosta (2012). “O caso clínico como fundamento da pesquisa em Psicopatologia Fundamental”. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 15:1, 71-81.

Moreira, Ana Cleide Guedes (2002). Clínica da melancolia. São Paulo: Escuta.

Peres, Urânia Tourinho (org.) (1996). Melancolia. São Paulo: Escuta. Anexo Roteiro de entrevista Você foi escolhido para esta entrevista porque é clínico com reconhecida experiência no tratamento da melancolia e agradecemos sua generosidade, dispondo de tempo para ela. Gostaríamos de obter brevemente seu pensamento sobre as seguintes questões:

1. Há diferença entre depressão e melancolia? 2. Como você caracteriza a depressão? 3. Como você caracteriza a melancolia? 4. Há clínicos que caracterizam a melancolia como neurose e outros que a

caracterizam como psicose. Qual seu pensamento sobre isso? Justifique brevemente, por favor.

5. Você reconhece, em sua clínica, diferenças entre neurose de transferência e neurose narcísica?

6. Justifique, por favor, brevemente. 7. Você reconhece, em sua clínica, uma associação entre doenças

autoimunes e melancolia? 8. Justifique, por favor, brevemente. 9. Você reconhece, em sua clínica, uma associação entre melancolia e

anorexia, bulimia, obesidade e outros distúrbios como consumo de drogas e bebidas?

Page 13: Identificação da proposta: A melancolia e suas ... AUPPF... · Burton define a melancolia como “um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza, sem

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10. Justifique, por favor, brevemente essa associação ou sua falta. 11. Você reconhece, em sua clínica, uma associação entre melancolia e

neurose obsessiva? 12. Justifique, por favor, brevemente essa associação ou sua falta. 13. Você reconhece, em sua clínica, a existência da melancolia como

psicose? 14. Justifique, por favor, brevemente essa associação ou sua falta. 15. Você reconhece, em sua clínica, uma associação entre inteligência e

melancolia? 16. Justifique, por favor, brevemente essa associação ou sua falta. 17. Você reconhece, em sua clínica, a alternância entre melancolia e

mania? 18. Justifique, por favor, brevemente essa associação ou sua falta.