burton hare - viver para matar

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Viver para Matar Burton Hare Bill Ross é um detetive particular de considerável fama, cujos casos são publicados na imprensa de Long Island. Melinda Baron – linda mulher casada com Edward Baron – resolveu contratá-lo para conseguir provas comprometedoras contra seu marido, com a finalidade de obter um divórcio que lhe trouxesse bons rendimentos financeiros. Este, por sua vez, tomou a seus serviços o Sr. Fletcher Holding, detetive mau caráter, para descobrir se sua esposa o traía. Mal sabia Bill Ross, que um caso aparentemente tão simples o faria descobrir dois assassinatos, um dos quais relacionado com a irmã de Annette Gordon, por quem ele se apaixonou a primeira vista. Disponibilização: Lukka Digitalização: Marina Revisão: Paulo Formatação: Edina

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Viver para Matar

Burton HareBill Ross um detetive particular de considervel fama, cujos casos so publicados na imprensa de Long Island.

Melinda Baron linda mulher casada com Edward Baron resolveu contrat-lo para conseguir provas comprometedoras contra seu marido, com a finalidade de obter um divrcio que lhe trouxesse bons rendimentos financeiros.

Este, por sua vez, tomou a seus servios o Sr. Fletcher Holding, detetive mau carter, para descobrir se sua esposa o traa.

Mal sabia Bill Ross, que um caso aparentemente to simples o faria descobrir dois assassinatos, um dos quais relacionado com a irm de Annette Gordon, por quem ele se apaixonou a primeira vista.Disponibilizao: Lukka

Digitalizao: Marina

Reviso: Paulo

Formatao: Edina

CAPTULO 1

Parei o carro junto cerca, cujo porto estava aberto de par em par, como se me esperassem com muito interesse. Mais adiante estendia-se um grande parque coberto de relva e pontilhado de rvores centenrias. Era uma residncia para milionrios.

Os proprietrios, os Baron, tinham algumas centenas de milhes, representadas por empresas metalrgicas, companhias de navegao e negcios semelhantes.

Eu procurava a senhora Baron.

Entrei com o meu pequeno carro esporte pelo caminho de cascalho. De repente, por trs de uns carvalhos, surgiu minha frente a manso. Uma brisa clida soprava da baa, confirmando a fama de Long Island.

Estacionei o carro prximo varanda de mrmore. Ningum apareceu. Pensei em buzinar, mas no o fiz. No seria educado, numa casa como aquela. Desci.

A porta estava fechada. Toquei a campainha. Ningum atendeu. Impaciente, caminhei pela varanda, dobrei uma esquina, e parei, contemplando o mar.

A parte traseira da propriedade era um declive que levava praia privada, em cujo lado flutuavam dois modernos botes, amarrados no cais.

Na praia, sob uma barraca de lona, pude ver uma mesinha com uma garrafa, gelo e dois copos. Adivinhei que algum estava sentado ali.

Caminhei sem fazer barulho e a surpreendi. Era uma mulher de uns vinte e oito anos, de cabelos ruivos caindo sobre os ombros nus. Era linda e seus olhos azuis, num rosto ovalado, ressaltavam ainda mais a perfeio dos lbios, ligeiramente pintados.

Tinha um corpo escultural, que eu pude apreciar detalhadamente, porque ela vestia um diminuto biquni estampado.

Nossos olhos se encontraram. Ela examinou-me meio desconcertada e sorriu. Meu nome Bill Ross apresentei-me. Algum me chamou aqui.

Sorriu ainda mais.

Fui eu quem chamou. Ainda no o conhecia. Quem lhe falou de mim?

O jornal, h dois dias.

Compreendo. Uma publicidade gratuita que, s vezes, me traz problemas.

Admirei-a novamente. A pele tinha a cor de ouro-vermelho, tostada pelo sol, e eu tive vontade de saber onde ela tomava sol. Seria um espetculo muito interessante. . .

Preciso de seus servios para um trabalho muito confidencial, compreende?

No.

Oh! Sente-se e tome um drinque. Voc muito alto, e no gosto de ficar olhando para cima enquanto conversamos.

Sentei-me na grama, a seu lado, depois de pegar um copo.

Ela cruzou as pernas. Aquilo era uma ameaa a meu corao, mas tive de suportar o sacrifcio. Quando dei por mim, meu copo estava cheio de usque puro. Felizmente, era um usque digno dos Baron. Provei, com prazer, acendi um cigarro e a encarei.

Tropecei com seu olhar fixo em mim. Notei que ela estava me observando, calculadamente.

De que se trata? indaguei.

Gosto de voc. . .

No creio que me tenha chamado apenas por isso.

Voc no me deixou terminar a frase. Gosto de voc porque fala pouco. E' um homem de ao, no?

Claro.

H muitos tipos de ao, senhor Ross.

J sei.

Trata-se de meu esposo. Est tentando reunir provas a fim de pedir o divrcio, de modo que eu no tenha direito a nenhuma indenizao, ou mesmo qualquer penso.

Hum!. . .

E eu no estou disposta a separar-me dele sem mais nem menos. Ele milionrio, e eu s aceito o divrcio levando um punhado de seu dinheiro. Porque, senhor Ross, eu tambm o ajudei a ganhar os milhes.

Isso no me interessa, senhora Baron. Preocupo-me com outros casos.

Quais? Seu salrio?

No. A questo resume-se na existncia ou no das provas contra a senhora que seu marido est procurando.

Ela encarou-me novamente e esboou um sorriso muito intimo,

Entre um detetive particular e seu cliente no deve existir segredo disse graciosamente. Essas provas, senhor Ross, existem contra mim.

Aquela mulher me interessava cada vez mais.

Ento no vejo o que fazer, j que a senhora reconhece que seu marido tem elementos para obter um divrcio puro e simples.

Sim, mas eu me interesso por descobrir tambm provas contra ele. Por isto, chamei-o.

Compreendo. . . Mas se a senhora sabe alguma coisa de mim, deve saber que no me ocupo desse tipo de investigao.

Li tudo o que os jornais publicaram a seu respeito, senhor Ross, e j tive informaes sobre o senhor, em meu crculo de relaes. Cheguei concluso de que o senhor adora ganhar muito dinheiro.

Franzi a testa. Aquela mulher era uma pessoa curiosa.

Todo o mundo gosta de dinheiro retruquei .

Sim, mas voc, particularmente. Por exemplo: sei que cobra cinquenta dlares dirios, mais os gastos e exige duzentos dlares adiantados. Voc est bem informada.

Pois bem, antecipo-lhe quinhentos dlares, pago-lhe cem por dia, mais os gastos e, no final, se gostar de seu trabalho, dou-lhe um prmio de cinco mil dlares.

Seus argumentos me convencem. . . Gostaria apenas de saber por que me oferece tanto. H centenas de detetives em Nova Iorque que fariam esse trabalho pela dcima parte do que oferece.

Nenhum deles chama-se Bill Ross. Voc tem fama de jamais abandonar seus clientes e ser extremamente discreto.

E isso to importante assim, no seu caso?

Sim. As minhas condies lhe interessam?

claro. . .

Ento vamos aos detalhes. Voc poder surpreender facilmente meu marido. Ele no oculta seus encontros.

A coisa no me agradou. No sei que espcie de sentimento me ocorreu, mas agora sei que deveria ter atendido a ele e largado o caso ao diabo. Mas o cheiro do dinheiro me prendeu, e foi meu erro.

Est bem. Conte-me tudo. Quanto mais detalhes eu tiver tanto mais fcil ser o servio.

No vou entrar em detalhes sobre o meu casamento com Edward, nem sobre nossa vida conjugal. H meses vivemos como dois estranhos. seu primeiro casamento?

Sim. Mas ele j esteve casado antes. A esposa morreu e, logo depois ele casou-se comigo. Ela faleceu num desastre de automvel.

Que sabe sobre os encontros dele?

Costuma sair noite, mas apenas uma vez por semana volta muito tarde. J aconteceu amanhecer e ele ainda no ter voltado. Reunies financeiras no demoram tanto finalizou, com sarcasmo.

Supondo que esses encontros sejam amorosos, a senhora desconfia, pelo menos, do local onde se realizam?

Nem imagino. Tentei segui-lo uma vez, mas ele despistou e quando voltou, brigou comigo.

Compreendo. Onde est ele agora?

Em seus escritrios, no centro da cidade.

No h ningum em casa?

No, hoje dia de folga dos empregados. Por isto, o chamei.

timo, assim elimina riscos. Para segui-lo, preciso saber que carro usa e quando comearei a trabalhar.

Tem um Lincoln cinzento, modelo Continental. Deve sair hoje, pois h dias no o faz.

OK, verei o que posso fazer. Mas no compreendo de que lhe valero meus servios, se ele tambm tem provas contra a senhora.

simples. Apresentarei provas contra ele e entrarei com outro processo, em condies de ganhar. Pensei em tudo nos mnimos detalhes. Ah! O adiantamento.

Pegou uma bolsa de lona, abriu-a e tirou dela um mao de notas.

Quinhentos dlares certos. Conte por favor.

Recolhi-os.

Tinha certeza de que eu aceitaria o trabalho, no?

Sem a menor dvida. E se o dinheiro no fosse suficiente. . . Bem, eu empregaria outros argumentos.

Que eu aceitaria.

Ela comeou a rir. Tomei o resto do usque. Voc um homem de ao e no um homem de negcios. Quando voltarei a v-lo?

Parecia que desejava ver-me todas as horas. Pensei quais seriam os argumentos que ela poderia utilizar, mas tratei de esquecer, porque minha mente comeava a enveredar por caminhos meio duvidosos.

Levantei-me gilmente. Ela continuava a encarar-me.

No sei respondi. No creio que seja prudente nos encontrarmos. Telefonarei.

Sim. Mas se voc demorar irei a seu escritrio. Gosto- de sua companhia. . .

Tenho a impresso de que, se a senhora deseja ganhar a causa, melhor no expressar seus sentimentos com tanta sinceridade. Compreende?

Sim, claro que compreendo. Mas no gosto de seu ar puritano... No se adapta a voc.

Quis rir, mas no soube. Ela se levantou. Seu corpo esbelto era tentador. Durante segundos esteve imvel minha frente, suspirou profundamente, e a parte do biquni que lhe cobria o busto quase se rebentou. Infelizmente, no aconteceu.

Adeus, Senhor Ross, voltaremos a nos ver. . . Brevemente.

Sim. . . Suponho que sim.

Estendeu o brao, no para me cumprimentar. As pontas de seus finos dedos acariciaram-me as faces, e eu tive a impresso de receber um choque eltrico. Ela sorria. Na verdade, jogava comigo o jogo mais velho do mundo.

Como lhe declarei antes - murmurou, retirando a mo de meu rosto gosto de voc, Bill.

Sim, gosta de mim porque sou um "homem de poucas palavras".

E por outros motivos.. .

Dei meia volta e sa. Um pouco mais e ela faria de mim uma nova prova o divrcio. . .

CAPTULO 2

No caminho de regresso a Manhattan, depois de rodar durante algum tempo, percebi que estava sendo seguido e quis comprovar, desviando da estrada duas vezes. O Chevrolet azul-escuro continuou atrs de mim, mantendo a mesma distncia.

Poderia ter-me livrado dele facilmente, pois meu Facel Vega era bem mais rpido e mais potente que o Chevrolet, porm no fiz. Seria conveniente saber quem estava to interessado em mim.

Mantive a mesma velocidade. Perto da ponte Queens, diminu, deixando-o aproximar-se. No vi o chofer por causa do reflexo do para-brisa, mas anotei a placa.

Pensei em ir a meu escritrio, mas mudei de ideia. Desci do carro num bar, pois queria ver se o seguidor ia acampanar-me, a p. No o fez. Quando voltei ao carro, nem sombra do Chevrolet. Comecei a preocupar-me.

No meu escritrio no encontrei nenhuma novidade. Passei a tarde pensando no que faria de noite. Fui cear, e o cu j escurecia quando estacionei nas proximidades da manso dos Baron.

Durante as duas primeiras horas nada aconteceu. Depois deste perodo, vi claridade de faris no parque. Apertei o arranque do meu Facel Vega, e o motor ronronou suavemente.Vi aparecer o enorme Lincoln cinzento. Era um auto de alta classe. Roncou, ao ganhar velocidade, e suas grandes lanternas traseiras me serviram de guia, de modo que o deixei ganhar boa dianteira.

No foi difcil segui-la. Um atrs do outro atravessamos todo o bairro de Long Island e, de repente, apareceram as luzes de Babylon. Mas no entramos neste bairro suburbano. Um pouco antes, o Lincoln entrou numa estrada lateral cercada de parques e pequenos bosques.

Compreendi aonde ia, ao ler o anncio da administrao.

O Lincoln parou afastado do estacionamento pblico, e Edward Baron saiu, dirigindo-se diretamente aos bangals de aluguel, sem passar pela portaria da administrao.

Desliguei o carro e o segui. A cabana, em cuja porta ele bateu, era pequena e bem distanciada das outras.

Deslizei pela escurido, de modo que, quando a porta se abriu e ele entrou, fechando-a em seguida, pude ter uma rpida viso da mulher que o atendera.

Era morena, de estatura mediana e esbelta, com uma silhueta que em nada ficava a dever da senhora Baron. No pude observar muito, nesta rpida oportunidade.Comecei a pensar que uma coisa estava errada naquela histria. Sim, sabia que os casos de divrcio no atraam os detetives particulares. Mas o meu caso apresentava caractersticas diferentes. Talvez fosse exatamente um caso de divrcio.

Avancei at a cabana. Uma cortina rstica resguardava uma janela iluminada, de modo que no pude ver o interior da vivenda.

Continuei explorando em redor da casa. Na parte traseira vi outra janela, fechada e escura e uma porta igualmente fechada por dentro.

Voltei parte da frente e colei o ouvido na porta. Escutei um leve rumor de vozes incompreensveis, mas que no soavam como as de um casal de amantes. Eram vozes contidas, desapaixonadas. Na verdade, davam a impresso de estar falando sobre negcios.

Afastei-me um pouco, mas, ainda assim fiquei bem prximo. Decorreu quase uma hora. Ento, quando menos esperava, Edward Baron apareceu no umbral e um raio de luz espalhou-se pelo exterior.

Pude ver melhor a mulher. Quase perdi a respirao. Era to linda que parecia vinda de outro mundo. As pernas bem torneadas, a cintura agradvel e um busto de Vnus.

Mas o que me impressionou, de fato, foi o rosto perfeito, maravilhoso, extasiante.

Despediram-se em silncio, sem sequer apertarem-se as mos. Nem mesmo um beijo, como seria de esperar. Se fosse eu, no lugar dele, no iria embora. Mas, se tivesse de ir, a despedida seria um pouquinho mais romntica.

Edward Baron dirigiu-se ao carro, ligou o motor e partiu.

Deixei-o partir e continuei escondido junto cabana. Meu interesse mudara de pessoa.

Ela no demorou mais de quinze minutos, saindo em direo ao estacionamento. Abriu a porta de um Cadillac e comeou a manobrar.

Corri para meu carro e quando ligava o motor, o Cadillac apareceu, pegou a estrada e ganhou alta velocidade.

Deixei-a tomar boa dianteira. Meu pequeno carro mantinha facilmente a distncia, que permaneceu equilibrada durante todo o trajeto at Manhattan.

Ela estacionou nas imediaes de um desses bares que ficam abertos a noite toda, junto a um conjunto de teatros. O salo no estava repleto, mas a entrada da linda jovem chamou a ateno dos fregueses.

Sentou-se a uma mesa, no fundo.

Esperei que fosse servida, entrei e me dirigi ao balco, onde pedi um usque.

Ela contemplava a superfcie da mesa, como se estivesse mergulhada em profundas meditaes, mas consultava o relgio com muita frequncia.

Deixei passar alguns minutos, tomei o usque, joguei algumas moedas sobre o balco e me dirigi a sua mesa.

Quando me detive, ela levantou a cabea. Vista de perto, a beleza que eu vira na cabana era esquecida.

Ela era muito mais linda. Os olhos eram verdes, brilhantes e profundos como o mar. S que, ao fixarem-se em mim, no demonstraram o menor interesse. Estou esperando um amigo disse ela entredentes. No preciso de companhia. Assim . . .

-

Nenhum sujeito medianamente inteligente a deixaria sozinha durante tanto tempo. Aceita um drinque?

Que tal se voc fosse para o inferno?

Beleza, falando assim voc espanta seus admiradores. No acha que muito tarde para esperar algum?

Esboou um gesto de irritao. Era adorvel!

Deixe-me em paz. Meu amigo tem gnio violento, sabe? Provoca brigas por coisas mnimas. . . Por favor. . .

Est querendo assustar-me?

No conteve uma careta de raiva. Olhou em nosso redor como se quisesse certificar-se de que ningum nos prestava ateno e fitou-me ostensivamente.

Olhe, j me encontrei com vrios tipos como voc, altos, fortes, simpticos. . . Consideram obrigao aproximar-se das moas e contarem-lhes uma srie de tolices. Conheo muito bem essa histria. Assim, voc no tem o que conversar comigo. Deixe-me em paz e tudo sair bem.

No me diga que fez esse discurso apenas para mandar-me embora. . . Que vai beber?

Comeou a ficar chateada.

Estou querendo evitar briga. Se meu amigo o surpreender aqui, far um escndalo e capaz de quebrar-lhe a cara.

Os tipos violentos so minha especialidade. Ver como cuido dele. Qual seu nome?

Peguei-a desprevenida.

Sally. Mas, por favor, v embora.

Apenas estou sendo amvel. Voc est sozinha e eu tambm, no?

Deu de ombros, cada vez mais furiosa. Faltava pouco para explodir quando uma voz anasalada soou atrs de mim:

Diabo-. . . Quem esse sujeito, beleza? Ela quase se levantou, de um salto. Voltei-me e tropecei com uma impressionante montanha de msculos, coroada por uma pequena cabea de rosto maltratado, onde apenas sobressaa o nariz.

A jovem tentou explicar:

Ah. . . Ol, Tucci! Ele tentava entabular conversa comigo, nada mais.

Conversa? Ele estava inclinado sobre a mesa e parecia com-la com os olhos.

Se eu estava de costas para voc, como sabe que eu olhava a garota? falei.

Alm de cnico gozador. . .

Ora, ento a garota propriedade sua. . .

Foi meu erro. Pensei que o gigante estivesse disposto a discutir. Na realidade, compreendi que sua maneira de discutir era um pouquinho diferente.

Moveu apenas o brao direito, de baixo para cima.

Senti a cabea ser arrancada do pescoo e meus ps perderam o contato com o cho. Voei como um fardo, indo estatelar-me longe dali.

Confusamente, escutei vozes agitadas, o arrastar de cadeiras e um copo quebrando-se no cho. Um vu escuro fora estendido minha frente, e quando as coisas se aclararam enxerguei algumas figuras esfumaadas em minha frente. Estava cado de bruos, apoiado sobre as mos, sacudindo a cabea, ainda tonto.

Olhei em torno. O feroz orangotango e a garota tinham sumido. Levantei-me, apoiando-me numa cadeira. O queixo me doa horrivelmente. Acariciei-o como se fosse um frgil cristal. Sem dvida, o fulano era um excelente boxeador, um peso-pesado.

O garom acercou-se de mim, irnico:

Est bem, amigo?

Ainda no morri. Onde est aquele animal?

Saiu com a moa. Talvez lhe sirva de consolo: ela no ficou satisfeita.

Consolo? S o terei quando quebrar-lhe a cara. . .

Ah! Antes de sair, ele disse que voc pagaria a despesa da moa.

Voc acreditou?

Claro. . .

Voc no tem culpa. O estpido fui eu. Paguei e sa. Ganhara um bom murro.

Iria coloc-lo na minha conta de saldos pendentes.CAPTULO 3

O resultado foi imediato. O sargento franziu a testa e perguntou: Esse Tucci o responsvel pela marca de seu queixo?

Exatamente.

E voc quer devolver-lhe a carcia?

a ideia geral, mas vou acrescentar mais um pouco.

Sacudiu a cabea, com evidente desaprovao. Deve pensar melhor, Bill. Voc no d nem para a sada.

Este um problema meu. Como sargento da Diviso de Costumes, voc conhece toda essa cambada. E tenho a impresso de que o meu queridinho se enquadra perfeitamente em suas funes. Se assim for, voc o conhece. Portanto, diga-me onde posso encontr-lo. Se quem eu estou pensando, trabalha para Lou Blackie. . . o leo de chcara de seu cabar da costa. Talvez, nessa noite, estivesse de folga. . .

Com certeza. Ento, trabalha para Blackie. . . Eu o conheo. Irei v-lo.

Boa sorte. Encarei-o.

Que est pensando, George? No gostei de seu tom de voz.

Estou pensando na recepo que Lou Blackie vai proporcionar-lhe. Pelo que sei vocs dois j tiveram um atrito. . .

Na minha profisso, pouca gente me recebe de braos abertos. Mas acho que Blackie abrir uma exceo, desta vez.

Ora, Bill, eu no me preocupo por voc. Sei disso. Ah!... Aproveitando a oportunidade, faa-me outro favor. Tenho a placa de um Chevrolet novo. 17-X-521. Quanto tempo voc demora em saber de quem ?

Suspirou ruidosamente.

Espero que algum dia voc me pague todos os favores que me deve resmungou, enquanto pegava o telefone.

Ora! Eu pago meus impostos. . .

Quem? Voc? No diga. . . Al! Terry. Preciso saber quem o dono do carro. . .Repetiu a placa e desligou. Vai demorar uns 10 minutos, no mximo. E agora indagou, em que confuso est voc metido?

Em nenhuma. Um caso de rotina.

Seu ltimo caso de rotina custou dois cadveres e uma queixa contra voc de um sujeito muito rico. A propsito, a esposa desse sujeito desapareceu da cidade no dia em que voc sumiu. Suponho que j voltou.

Exatamente. Eu lhe dei bons conselhos... Ele riu discretamente e sentou-se, espera.

Quinze minutos depois, quando eu j estava cansado de sua conversa, o telefone soou.

Ele atendeu, escutou, agradeceu e desligou, encarando-me com uma expresso indefinvel:

Bill, voc quer eliminar a concorrncia?

No compreendo.

O carro pertence a um tal Fletcher Holding, detetive particular.

Ca duro. No esperava por aquela.

Conhece o cara? perguntou-me ele.

Superficialmente. Mas sei que um sujeito embrulho, desonesto, que pesca clientes num escritrio luxuosamente montado. . . Pura fachada. Ele capaz de vender a prpria me, se oferecerem um bom preo.

E que tem ele com seu caso?

E quem lhe disse, George, que tenho um caso? Ns nos veremos depois. . .

Eh, espere um minuto. . . Que h com Holding?

Sei apenas que ele me andou seguindo. Preciso investigar outras coisas, agora mesmo.Espantado, deixei a delegacia e, muito preocupado com a entrada de Holding em cena, peguei meu carro rumando ao meu escritrio. L fechei-me a fim de pensar em paz. Sabia que Holding era um desses indivduos que desacreditam a profisso, provocando a ira dos jornais contra os outros companheiros por suas negociatas, com segredos que s podem ser ditos num tribunal.

No podia compreender que ele estivesse metido na mesma empresa que eu, a no ser que. . .Exato, a no ser que fosse mais um empregado de Edward Baron, o esposo de minha cliente. Baron andava cata de provas contra a esposa. E se Holding era quem estava encarregado de encontr-las, ele as acharia, nem que as tivesse de fabrica-las.

Consultei o catlogo telefnico, peguei o aparelho e liguei para o escritrio do complicado detetive.

Atendeu-me uma voz doce, perguntando-me com quem deseja falar.

Quero falar com Holding, agora mesmo.

Sinto muito. . .

Quero falar com esse rato, agora! Diga-lhe que prefervel falar comigo que com a polcia.

A secretria suspirou. No se alterou, pois j devia estar acostumada a atender as vtimas do patro.

Sinto muito. O Senhor Holding no est no momento, e no sei quando voltar. Deixe o nmero de seu telefone, que ele o chamar logo que chegar.

Duvido. . . desliguei.

Eu o pescaria noutra ocasio. . .

The Corsair era um cabar situado a dez ou doze milhas ao sul de Elizabeth, na costa do Estado de Nova Jrsei. Era esplendidamente montado, e seus espetculos noturnos gozavam de justa fama. Alm destes, exibia outras atraes mais interessantes, como mulheres seminuas danando msicas sensuais, o que era realmente tentador.

Lou Blackie instalara-se muito bem. Os sales maravilhosamente decorados, continham ainda roletas alm de todos os tipos de jogos de azar. Tudo envolvido num excelente clima de ar condicionado.

Conforme o sargento dissera, Lou Blackie no tinha motivos para receber-me de braos abertos, mas possua bastante habilidade para tratar-me bem e suportar-me, no provocando nada que me pudesse colocar contra ele.

Por isto, o empregado que me anunciou a ele voltou com um enorme sorriso nos lbios, guisa de boas-vindas.

O Senhor Blackie est encantado com a sua visita. Ter o maior prazer em receb-lo. Por aqui, por favor.

Fiquei espantado em saber que aquele profissional do jogo me receberia com prazer. Mas comprovei que seu sorriso no era apenas uma careta.

Sente-se, Ross convidou-me, do outro lado da imponente mesa, no centro do escritrio. H muito tempo que no tenho noticias suas.

Mas aposto que voc no se esqueceu de mim, Lou.

Ele esboou uma careta.

difcil esquec-lo, mas acho que o esquecerei, com a ajuda do tempo. E o que o trouxe aqui, esta noite?

Seu macaco amestrado.

Meu. . . O qu?

Esse gorila que voc mantm fora da jaula. Tucci.

Caramba! Tucci ficaria furioso se ouvisse esse elogio, Ross. . . O que voc tem contra ele?

Mostrei a marca em meu queixo. Ele inclinou-se e um brilho estranho percorreu-lhe o olhar, desaparecendo logo.

Tucci pegou-o?

Exatamente.

Ele sacudiu a cabea.

Quando foi, Ross?

Ontem noite.

Lamentvel. . . No acredito que Tucci me pedisse uma noite de folga s para peg-lo. . . Nem mesmo vocs se conheciam. . . Ou estou enganado?

Voc quer dizer que ontem noite ele estava livre?

Justamente. Esteve de folga desde as sete horas.

Encarei-o detidamente. Tanto podia estar dizendo a verdade como podia estar mentindo. Eu o conhecia muito bem. Era um perfeito artista.

interessante a sua pressa em me esclarecer isso, Lou. Qualquer pessoa acreditaria que voc est alheio agresso cometida por seu gorila.

Na verdade, Ross, no sei do que voc est falando. Por que brigaram?

No houve briga. Ele me esmurrou, sem mais nem menos. A propsito, voc conhece uma garota chamada Sally?

Talvez. . . A frequncia feminina a meu cabar muito grande. De modo que no uma pessoa que eu possa identificar apenas pelo nome. Estava com voc ontem noite?

Sim.

Talvez seja a namorada de Tucci.

Olhei-o dentro dos olhos, mas ele no pestanejou.

Tucci falei devagar, jamais ter uma namorada como aquela, nem que pague seu peso em ouro. Ele uma besta e a garota linda.

Mas h mulheres que gostam do tipo dele riu. Voc no conhece a histria da bela e fera?

No faa zombarias, Lou. Onde est Tucci?

No sei. . . Deve estar por a. . . Oua, Ross, voc no pretende armar nenhuma confuso em meu estabelecimento, no ?

Depende de Tucci.

Franziu a testa. Toda a amabilidade desaparecera-lhe do rosto.

Sua atitude no me agrada, Ross.

Ento, faa-o vir aqui. Traga-o. Vacilou um momento, olhando-me com olhos de serpente.

Antes, fale-me dessa moa. . . Sally resmungou. No sabe seu sobrenome?

No. Ela estava esperando Tucci num bar, quando me aproximei. Depois de me pegar, ele desapareceu com ela.

Compreendo. Voc se aproximou dela porque ela o atraiu, ou porque voc estava trabalhando?

Esse detalhe altera as coisas?

Talvez.

Estava investigando um assunto de um cliente meu, e a moa se relaciona ao caso de uma maneira meio complicada. s o que lhe posso adiantar, Lou. Agora, chame o seu co de guarda.

Lentamente, pegou o telefone. Sim, agora creio que o farei.

Falou brevemente com o encarregado do bar, ordenando-lhe trazer Tucci. Desligou e me encarou, um tanto preocupado.

Fico aborrecido quando meus empregados se metem em complicaes, voc sabe. . .

Tucci no propriamente um empregado seu, Lou.

Est registrado em meu estabelecimento, portanto, meu empregado

Soaram alguns golpes na porta.

Entre - ordenou Blackie.

Tucci entrou, balanando o enorme corpo de boxeador.

Queria ver-me, patro?

S me viu sentado na poltrona, quando j estava junto mesa. Estremeceu e os olhos de rato expressaram claramente seus sentimentos em relao a mim.

Ol, Tucci falei. . . Talvez queira repetir a dose de ontem noite.

Srio, olhou o patro e balbuciou:

No sei o que quer dizer. . . No o conheo, amigo.

Sua memria muito fraca comentei, enquanto me levantava. Ser que j passou tanto tempo assim, desde nosso encontro?

Deve estar confundido falou, olhando o patro, sem se dirigir a mim. s vezes acontece, o senhor sabe. . .

Sem dar explicao, soltei-lhe um murro violentssimo no estmago. Meu punho afundou em suas banhas at o pulso. Tucci se dobrou, com a bocarra aberta, procura de ar. Disparei a direita, atingindo-lhe os dentes, que se trancaram instantaneamente. O gigante girou sabre os ps e caiu, de bruos, sobre a mesa, fazendo Lou saltar de lado, derrubando a poltrona.

Tucci comeou a cuspir sangue e se ergueu penosamente, movendo os braos, ainda meio cego pela dor.

Percebi que se ele me pegasse, seria a ltima vez. . . Blackie tambm percebeu e, intimamente, talvez desejasse.

Mas eu no estava disposto a dar-lhe tamanho prazer.

Quando Tucci se lanou contra mim, des carreguei-lhe um pontap no baixo-ventre, e foi o suficiente, mesmo para um monte de msculos como ele.

Caiu,u de bruos, gemendo.

Lou pigarreou.

No pensava que voc fosse capaz. . .

Arquejando, apoiei-me na mesa.

A partir de agora, pensar duas vezes antes de golpear novamente um desconhecido falei.

Tucci ps-se de joelhos. Estava mortalmente plido. Um fiozinho de sangue escorria-lhe dos lbios.

Vou parti-lo em pedaos, cachorro! grunhiu ele, levantando-se.

Antes, porm, de retomar o equilbrio, eu lhe achatei o nariz com dois murros sucessivos, que o lanaram novamente ao solo, de costas.

Desta vez, no teve a menor pressa em se levantar. . .

Blackie advertiu-me:

Basta, Ross.

Encarei-o. Depois, dirigi o olhar ao gorila e comentei:

Ele mereceu. Mas ainda no terminamos a brincadeira.

J disse que basta, Ross repetiu Blackie. . . Tucci j pagou caro.

No o golpearei mais. Acontece, porm, que tenho umas perguntinhas a fazer. Espero que voc no se oponha, Lou. . .

Fitou-me, com um olhar que cuspia fogo. Compreendeu que estava numa situao delicada, pois se negasse, eu poderia crer que Tucci estava a seu servio quando de nosso encontro na noite anterior... De modo que assentiu com um gesto de cabea e, sentando-se na poltrona, enxugou com um leno o suor que descia pelo rosto.

O leo de chcara levantou-se, apoiando-se na mesa. Ainda aturdido, vomitava palavres contra mim, mas sem esboar nenhum gesto agressivo.

Plantei-me frente dele.

Voc est metido num formigueiro, orangotango. Das duas uma, ou voc solta a lngua ou ficar em maus lenis. Compreendeu?

Sacudiu a cabea, olhando o patro pelo canto dos olhos, bastante assustado.

Quem Sally? perguntei.

minha namorada. Novamente olhou Lou Blackie. Voc a incomodava quando cheguei e. . .

Enfiei-lhe no rosto um outro murro, que o humilhou mais que a surra de pouco antes. Notei como se esforava para conter-se.

Mais outra mentira, e eu lhe arranco a cabea. Quem Sally, onde mora e qual o nome dela, completo? Olhe, gorila, no vou repetir as perguntas. . .

Tucci encarou o patro com olhar suplicante, porm Blackie foi impiedoso:

Responda, Tucci. Agora eu tambm, quero saber que histria essa. Quem essa moa?

Mas. . . Patro, ela... Eu. . .

Quem , Tucci?

Percebeu que no receberia nenhuma ajuda do patro. Estava desconcertado, muito espantado. A surra que levara e a posio de Blackie o colocavam numa situao muito difcil, da qual ele no sabia sair.

Chama-se Sally Grame informou Tucci .

Enxugou o sangue que lhe escorria da boca com as costas da mo.

Continue, Tucci ameacei.

Reside no Brooklyn. . . North Street, 2412.

Quais so suas relaes com ela? indaguei.

Nenhuma. . . Ela . . .

Voc j disse que ela sua namorada cortei , mas no cola. Trata-se de outra coisa. Quero apenas saber o que liga um a outro. Depois desta resposta, eu o deixarei em paz.

Olhe. . . No o que voc est pensando. Ns nos encontramos de vez em quando e. . .

Tucci!

A voz de Lou Blackie soou como um ganido, e o gorila estremeceu.

Mas, patro, esta a verdade! Estou falando a pura verdade. . .

Ross me disse que ela uma mulher distinta, de outra classe que as que voc conhece. . . De onde voc a conhece? Ela j veio ao nosso clube alguma vez?

No, nunca. No princpio pedi-lhe que no viesse aqui. Pode ficar tranquilo, patro. . .

No estou tranquilo com voc metido nessa histria complicada. Fale, de uma vez por todas. O que existe entre voc e ela?

Sacudiu a cabea.

Nada, j disse. . .

Compreendi que no conseguiria arrancar uma s palavra dele. Se Lou no era capaz, quanto mais eu. . .

Muito bem, Tucci adverti. Investigarei a verdade por outros caminhos e talvez descubra alguma coisa a seu respeito. Neste caso, a polcia se interessar por voc. Assim aprender a no se meter onde no chamado. Obrigado, Blackie.

No h o que agradecer, pois cada vez que voc aparece aqui me traz um aborrecimento em cima do outro. . .

Deixei o escritrio certo de que a entrevista entre patro e empregado no tinha acabado ainda. Fui ao bar, pois estava com a boca seca, e nada melhor que um drinque. Acerquei-me do balco, procurando um tamborete livre.

Ento descobri o sujeito e quase dei um salto de alegria. O sujeito era Fletcher Holding, detetive particular.

Decididamente, aquela noite era minha.

CAPTULO 4

Ele no sentiu o menor prazer ao me encontrar. Na verdade, eu mal comeara a tratar de meu caso e j estava arranjando boas inimizades. . .

Voc ainda tem muito que aprender falei-lhe, enquanto pegava o lugar vago a seu lado. No sabe seguir ningum. E' horroroso como "sombra", Holding.

Imaginei que voc tivesse descoberto que eu o seguia. Como soube que o carro esporte era o meu? Pela placa?

Claro que anotei a placa, mas s o reconheci quando voc saltou e entrou no bar.Que estava fazendo na casa dos Baron? Amores com a senhora Baron? Segundo sei, ela gosta de homens de seu tipo. Olhei-o, resolvendo se iria quebrar-lhe a cara ou cuspir-lhe no rosto.

Era um sujeito de estatura mdia, ombros estreitos e aparncia frgil.

Seu nico ponto alto era a astcia, que no costuma atrair as mulheres. . .

Voc est com inveja? falei, sorrindo. Talvez achasse bem melhor ela se interessar por voc, no?

Mostrou os dentes, esvaziando o copo de um s gole. O garom apareceu e eu pedi um usque. Ele serviu-me to rpido que imaginei estar doido por se ver livre de mim.

Voc est trabalhando para quem? perguntei, em tom irnico. . Suponho que voc no responder a esta pergunta nem por todo o ouro do mundo, hein?

Voc sabe muito bem.

Claro. Quanto o senhor Baron lhe paga? Deu um salto.

Tenho a esperana de que algum dia, Ross, encontre um sujeito semelhante a voc praguejou, sublinhando cada palavra. Quero ver como ficar a sua cara.

Creia ou no, Holding, acabo de me encontrar com um sujeito mais forte do que eu lembrei-me da fora de Tucci. . . E agora quero avis-lo de que, quando eu pego um caso, levo-o at o fim, sem me importar com as consequncias. Voc tem um cliente e natural que cuide de seus interesses. Mas, da prxima vez que cruzar meu caminho, vou trat-lo de forma diferente, Holding. Voc no ficar muito satisfeito.

J estou tremendo.

Procurou sorrir, mas no pde. Era evidente que eu o preocupava.

Voc trabalha para Baron, com a santa inteno de desacreditar publicamente a mulher dele, forando-a a um divrcio que no custar ao marido nem um centavo. Muito bem, continue. Seu cliente, entretanto, ainda tem muito o que esconder. Voc saber mais a respeito dele.

Fiz um sinal ao garom, paguei meu usque e desci do tamborete. Holding estava calado. Apenas seus olhos expressavam o que ele sentia a meu respeito. Sorri.

Voltaremos a nos ver brevemente, Holding falei, guisa de despedida. Quando terminar este caso, voc poder dizer que aprendeu alguma coisa nova.

Com voc?

Quem sabe?

Deixei-o l, preocupado. Somente quando manobrava meu automvel, no estacionamento, pensei no que Holding poderia estar fazendo no cabar de Blackie, justamente naquela noite. Estivera me seguindo?

Recusei esta ideia. Desde o instante em que ele me identificara, deixara de se interessar pela minha pessoa, pois devia ter adivinhado imediatamente qual o meu papel na comdia, da mesma forma como eu adivinhei o dele.

Imaginei que seria interessante, qualquer dia destes, pregar-lhe um bom susto. Mas seria um crime aproveitar-me de um sujeito to fraco. Nem teria gosto. . .

Apesar do momento no ser muito indicado para visitas, tomei o caminho de Nova Iorque, disposto a discutir algumas questes com a encantadora Sally. Continuava profundamente curioso em relao s ligaes que poderiam existir entre uma moa to linda e um gorila como Tucci. Formavam um casal inconcebvel.

O relgio do painel marcava meia-noite s meia quando estacionei o carro junto ao nmero indicado por Tucci. Era uma avenida tranquila, cheia de carros estacionados e silenciosos, deserta e muito bem iluminada.

Tive sorte. Quando me aproximei notei um automvel que se retirava, exatamente em frente ao nmero que eu procurava. Isto me poupou o trabalho de procurar um local para estacionar. No prestei ateno no carro que partia, pois no tinha motivo. Observei apenas que era um automvel escuro, talvez preto, mas no identifiquei nem a marca nem o modelo.

A porta do edifcio estava aberta. Entrei, risquei um fsforo e li o quadro indicador de apartamento at certificar-me de que a jovem que procurava morava no quarto andar, apartamento vinte e seis.

Apertei o boto do elevador. Apesar de insistir, ele no desceu. Tive de subir pelas escadas, no meio da escurido, cercado por um silncio sepulcral. No se escutava nem uma voz, nem um aparelho de rdio ligado. Parecia mais um prdio desabitado.

O quarto andar estava to escuro como os outros. Novamente, tive de recorrer aos fsforos para orientar-me, at encontrar a porta de nmero vinte e seis.

Sob a luz mortia de meu fsforo, percebi que a porta estava escancarada, aberta de par em par. Meu corao deu um pulo no peito ao contemplar o interior negro. Pela primeira vez recordei-me do automvel que partia, quando cheguei.

Entrei, tateei a mo pela parede e acendi a luz, fechando a porta atrs de minhas costas. Aquilo poderia custar-me bem caro, mas nenhuma fora humana seria capaz de me fazer retroceder naquele instante.

O interior do apartamento era confortvel, decorado com bom-gosto. Pairava no ar um perfume insinuante.

Caminhei, sem vacilar, em direo porta aberta minha direita. Era o dormitrio. Acendi a luz.

A mais horrvel imagem da morte surgiu minha frente.

Com os msculos enrijecidos e os nervos muito tensos, permaneci contemplando o maravilhoso corpo desnudo sobre a cama pelo espao de um minuto. Os vestidos e roupas ntimas estavam espalhados por todo o quarto.

Ao final do minuto, movi-me, acercando-me da jovem. Fora estrangulada por duas mos fortes, cujas marcas eram perfeitamente visveis na garganta.

Tinha os olhos esbugalhados, fixos no teto. A mscara da morte distendia-lhe os lbios, por entre os quais pendia a lngua. J no era bela, mas seu corpo tinha, naquela posio, um encantamento suave.

Tomei-lhe o pulso, no para comprovar a morte, mas para constatar o estado de rigidez. A pele ainda estava quente.

Novamente voltou-me ao crebro a lembrana do carro que partia. Se eu tivesse chegado um pouco antes. . .

Aquele olhar esbugalhado me causava calafrios. Com cuidado, cerrei-lhe as plpebras. Depois, passei a examinar as roupas espalhadas pelo quarto.

No havia dvida de que tinham sido arrancadas violentamente. Algumas estavam rasgadas e todas evidenciavam o emprego da fora, o que me deu muito que pensar.

Tucci poderia t-la matado. Seria lgico, raciocinei.

Mas Tucci ficara com Blackie, a menos que, enquanto eu conversava com Holding, ele tivesse sado e me tomado a frente. Era possvel. Alm do mais, eu no fora com pressa.

Mas. . . Tucci? Por qu?

Havia muitas perguntas. . . Por exemplo, por que o assassino lhe tirara as roupas e quando o fizera? Antes ou depois de mat-la e com que objetivo?

Depois, falei comigo mesmo: "O prdio est silencioso como um tmulo. Se houve luta, claro que algum ouviu e deve ter dado o alarma. . ."Estive tentado a dar uma busca no apartamento, mas me tomaria muito tempo. E, se me pegassem ali em companhia de um cadver, as coisas se complicariam para meu lado. Para dizer a verdade, a polcia j estava espantada pela minha facilidade em tropear com cadveres. Dei uma ltima olhada no corpo, apaguei a luz e sa.

Tambm me preocupei em examinar o elevador. Tal como suspeitava, estava parado no quarto andar, com as portas abertas, para que ningum pudesse utiliz-lo. Uma precauo a mais por parte do assassino. . .

Deixei-o como estava, e desci pelas escadas. A rua estava ainda silenciosa e deserta. Atravessei calmamente o espao que me separava do meu carro esporte.

Ento, comearam a disparar.

CAPTULO 5

Foi muito repentino, e meus reflexos foram pegos to desprevenidos que demorei uns dois segundos para compreender o significado do sbito tiroteio.

A bala estalou ao chocar-se contra a parede s minhas costas, quebrando o silncio da noite. E outros se seguiram, num tiroteio interminvel. Joguei-me ao cho buscando proteger-me atrs dos carros estacionados enquanto os projteis continuavam a assobiar sobre meu corpo, zunindo ao se encravarem na lataria dos carros.

Saquei meu 38, pronto para atirar.Os disparos se interromperam. Ouvi o barulho de passos se afastando. Levantei-me de um salto. Uma sombra fugaz estava quase chegando esquina.

Comecei a correr a toda a velocidade, partindo em sua perseguio. Na esquina, aparecia um farol. Calculei que quando o fugitivo dobrasse a calada, seria iluminado pelo foco do farol, e assim eu poderia disparar.

Foi o que aconteceu. O carro jogou a luz sobre o homem. Levantei a arma e quase meu disparo no saa, quando reconheci Tucci. Correndo, disparei um tiro precipitado.

Tucci fraquejou, mas dobrou a esquina. Vou peg-lo, querido sussurrei, aumentando a velocidade.

Ento, ele estava no loca] do crime. . . Primeiro, a moa. Depois, eu. . . Boa caa para uma s noite. S que as coisas no sarem conforme o plano. . .

Dobrei a esquina como um blido. meia distncia um carro arrancou, com o motor rugindo. De Tucci. . . Nem sombra.

Parei equilibrando-me, e com o crebro fervendo. Naquele momento desejaria destroar Tucci com minhas prprias mos.

Guardei o revlver e voltei.

A rua no estava nem silenciosa nem deserta. De todos os lados apareciam curiosos para inteirar-se dos acontecimentos. Ao longe, soou uma sirena. Entre a multido, um policial se movimentava.Aproximei-me, como se fosse mais um curioso.

A maioria deles vestia pijamas, das mais variadas cores. Alguns usavam roupo sobre as roupas de dormir. Mas outros trajavam roupas de passeio e, misturando-me com eles, minha presena passou despercebida.

Chegou outro guarda. Os dois policiais no sabiam o que fazer, pois ningum os informava de nada.

A nica coisa que eu desejava era sumir com meu carro dali. Era um modelo que chamava a ateno, e eu seria reconhecido imediatamente por algum policial com quem j tivera contato.

Duas radiopatrulhas apareceram e, novamente, se formou a discusso entre policiais e populares.

Aproveitei, aproximando-me de meu Facel Vega sem que ningum me prestasse ateno e arranquei antes que as coisas se complicassem mais.

Lou Blackie teria alguns problemas a mais dos que imaginava, porque me parecia improvvel que seu gorila tivesse agido por conta prpria. Geralmente, os sujeitos da classe de Tucci no tomam atitudes drsticas por si prprios. S o fazem obedecendo a ordens de outros.

Dormi muito mal, acordei cedo com uma terrvel dor de cabea. Precisei de algum tempo para coordenar meus pensamentos. Tempo e um gole de caf amargo. Depois do caf e de uma ducha fria, senti-me em condies de enfrentar o que me viesse pela frente.

E o que veio foi uma surpresa.

A porta foi golpeada com timidez. Foi uma daquelas chamadas que oferecem duas alternativas: ou se trata de uma donzela assustada ou de um pistoleiro que quer encher algum de chumbo.

Pensando na segunda hiptese, empunhei meu 38, carreguei-o e me coloquei ao lado do portal.

Os suaves golpes se repetiram, e eu indaguei:

Quem ?

Ser que todos os vizinhos precisam saber? Sussurrou uma voz feminina.

Suspirei resignadamente e abri a porta. A senhora Baron cruzou o umbral, bamboleando a cintura com a cadncia de uma bailarina. Encarou-me, depois observou em torno de si e fechou a porta.

Ento, aqui que voc mora? sorriu.

Sim, mas meu escritrio fica no edifcio Minland.

Seu sorriso alargou-se.

J sei. Telefonei-lhe vrias vezes. Ento decidi vir aqui. Voc no acha que um lugar muito mais discreto para conversarmos?

Voc gosta de brincar com fogo, hein? H um detetive, contratado por Baron, vigiando-a. Quando sa de sua casa, ele me seguiu. provvel que a tenha seguido tambm .

Encolheu os ombros.

No me preocupo com ningum, sabendo que voc trabalha para mim. Estava ansiosa por saber quais os resultados que voc obteve at agora.

Ao invs de responder, perguntei-lhe:

Onde est seu esposo?

No escritrio dele, certamente.

Tem certeza?

No comprovei, se o que voc quer saber. Mas todas as manhs, ele vai at l. Talvez no fique muito tempo, porm faz questo que os empregados o vejam chegar antes da hora. Sua presena no escritrio, ao comear o expediente, como um ritual.

Compreendo.

Diga-me aonde ele foi quando saiu de casa naquela noite?

Procurei cigarros e ofereci-lhe um. Depois da primeira tragada, respondi:

Foi direto a um conjunto de bangals de aluguel. Num deles, uma jovem o esperava.

No disse! Exclamou, entusiasmada. Agora j sabemos onde buscar as provas. Vamos documentar esses encontros e iniciar um processo contra ele.

No to simples assim, senhora Baron.

Por qu?

No tenho certeza de que se tratava de um encontro amoroso. O comportamento dele me desconcertou, e o dela, mais ainda. Pareciam dois estranhos ou, quando muito, apenas dois conhecidos.

Olhe, pouco me importa se so amantes ou no. O que desejo so provas que favoream meu objetivo.

Fui preparar mais caf. Da pequena cozinha, falei:

Talvez fosse conveniente eu conversar com seu marido.

Ela aproximou-se, muito intrigada.

Por qu? quis saber.

No sei exatamente, mas acho que talvez fosse possvel chegar a um acordo, utilizando os meios apropriados.

Enchi duas xcaras de caf, passei junto a ela e as coloquei na mesinha da sala. Uma onda de perfume envolveu-me as narinas.

Acho que no compreendo muito bem suas intenes, Bill.

Tome um pouco de caf. cedo para tratarmos de negcios.

Cedo?

Para mim, .

Compreendo.

Pegou a xcara e saboreou o lquido. Largou-a, depois, e me encarou.

Parece-me que voc tem um trunfo que espante Edward.

No crie fantasmas. O que eu disse foi somente uma sugesto.

Faa o que achar melhor. No momento quero apenas saber quem ela.

Quer saber agora?

Naturalmente.

Chama-se Sally e muito atraente. Qualquer homem perderia a cabea por ela.

Hum! At voc?

No sou exceo nesta matria. Quando me olhou, brilhava em suas pupilas verdes uma chamazinha cnica.

Essa mulher deve ser realmente maravilhosa, para impressionar at mesmo voc.

Eu no disse que. . .

No precisa dizer nada. Os homens, quando falam de mulheres, revelam-se pelo que deixam de dizer.

Parece que voc entende muito dos sentimentos masculinos.

Continuava sorrindo.

Tenho experincia, voc sabe.

Decidi mudar o rumo da conversa, pois seguamos por um caminho perigoso.

Quanto quer para aceitar o divrcio? perguntei, acendendo outro cigarro na ponta do que terminava.

preciso discutir, agora?

Preciso ter uma ideia aproximada, a fim de saber se devo ou no conversar com seu marido.

Refletiu durante algum tempo. Notava-se que a questo a preocupava, talvez por medo de exigir pouco.

Confesso que nunca pensei em cifras. Tudo depender de como correrem as coisas. Dois mil dlares mensais me parecem boa base para discusso e no vo abalar a fortuna de Edward.

E se ele preferir fixar uma quantia nica?

No sei. . . O que voc acha?

Encolhi os ombros.

No sou eu quem est querendo o divrcio.

Ela franziu os lbios num gesto de desgosto .

Voc no demonstra gostar de mim, Bill. Que pensa de mim?

Que importa? Voc me contratou para um trabalho e eu estou-me desincumbindo da misso.

Lentamente sentou-se numa poltrona junto mesinha. Cruzou as pernas, da maneira estudada que sempre d bons resultados.

Sente-se.

Sentei-me, contendo-me. Sua perna direita balanava suavemente. Usava meias de malha e a saia, muito apertada e curta, no cumpria sua finalidade.

Olhe disse-lhe eu, estamos tratando de negcios. No lhe servir muito confundir minhas ideias.

Ela esboou um sorriso enigmtico.

No o compreendo, Bill.

claro que compreende. Quanto quer de indenizao para aceitar o divrcio de Edward Baron?

No o compreendo. Na realidade voc est trabalhando para mim ou para ele?

Lgico que para voc. No entanto, vou resolver seu problema com meus prprios meios. Quanto quer?

Suspirou profundamente. O decote em V dava a impresso de que ia rebentar. Ela era, numa palavra, um autntico quebra-cabea.

Talvez meio milho. . . Se ele chegasse a esta soma acho que valeria a pena. . . uma quantia fabulosa.

No para a fortuna de Eddy.

Sondarei o terreno.

Na verdade, voc acredita que ele aceitar esta exigncia?

Farei o que puder. No gosto de tratar de casos de divrcio, porque os julgo nojentos. Tratarei de encerrar este caso da melhor maneira possvel, a fim de ver-me livre. . .

Voc um excelente profissional, Bill.

Sim, mas voc me paga pelos resultados.

Cinco mil dlares, se obtiver o divrcio.

No me esqueci disso. Voc j ouviu, alguma vez, o nome de Fletcher Holding?

Holding? No me lembro. . . No, no ouvi. Quem ?

o detetive contratado por seu marido. Alis, ele fez uma escolha ruim. Holding um vigarista. No merece confiana.

Melhor para ns. . . Foi ele quem o seguiu?

Estava prximo sua casa, quando eu sa.

No parou de seguir-me at o memento em que me identificou. Ento, desapareceu.

Hum. . .

E agora, procure ser inteiramente objetiva. Acredita que pode descobrir alguma coisa contra voc, to convincente que possa ser levada em conta num tribunal?

Creio que pode. . . Temo que. . . Olhe, eu no fui muito discreta.

Quando?

H algum tempo. Perdi a cabea, voc sabe...

Senti mpetos de esbofete-la. Ela estava divertindo-se com um ato que poderia deix-la na misria.

Deixe de rodeios. Quem ele?

No h nenhum ele, Bill. Levantei-me de um salto, temendo no poder conter-me.

Continue fazendo esse jogo e ver o que lhe vai acontecer. Se voc considera minha pergunta uma indiscrio, farei noutros termos. Quem foi ele?

Esboou uma careta de desgosto, mas nela o resultado foi encantador.

Chama-se Donald Nutting. Mas a coisa s durou dois dias. Enganei-me ao crer que era o sonho de amor que toda mulher pretende.

No era o que voc imaginava?

Absolutamente. Era apenas um cafeto barato.

Compreendo. Tudo terminou?

Claro.

E esse caso que voc teme que seu marido leve ao tribunal, exigindo a separao?

Exatamente. No fomos nada discretos, voc entende... Os empregados do hotel, sem a menor dvida, nos recordaro. E tenho medo de que, apertado, Donald conte toda a histria, pois ficou magoado comigo.

Ento as coisas esto nesse p. . . Devia ter-me dito, no principio. . . Holding pode converter isso numa histria sensacional perante o jri, pois ele perito nesses casos. Donald mora onde? Preciso desta informao, senhora Baron.

Oh!. . . No me chame de senhora Baron, Bill. Tenho um nome bonito, voc sabe.

Est certo.

Melinda. Chame-me assim.

Onde reside Donald, Melinda? perguntei, apertando os dentes.

Levantou-se e dirigiu-se a mim, mostrando em seus grandes olhos verdes uma expresso de splica.

Por favor, Bill, Donald um pssimo rapaz. Quando percebi era tarde demais. . .

E da?

Tentou fazer-me uma chantagem.

Ento, a coisa era essa? Instintivamente agarrei-a pelos braos e a sacudi como se ela fosse uma boneca. Estava furioso e no escondi minha raiva.

Maldita! O que que voc tem na cabea? Devia confiar em mim desde o princpio ao invs de me esconder dados que podem levar-me ao fracasso.

Bill!

Bill o diabo! Se Holding meter o nariz nessa histria e estabelecer contato com esse fulano, voc sair com as mos vazias. Ser que no raciocina?

Bill, por favor, est me machucando.

Parei de apert-la e encaramo-nos longamente. Pairava uma expresso indefinvel naquele rosto encantador. Uma luz estranha brilhava em seus olhos. Afastei minhas mos de cima dela, perturbado.

Desculpe-me. No devia ter-me deixado levar pela indignao.

No fica bem em voc, Bill.

O qu?

No fica bem em voc. . .

De repente seus braos se enroscaram em meu pescoo e sua boca procurou a minha. Abracei-a e beijei-a. claro que eu tambm queria.

Mas dizer que aquilo foi um beijo dizer muito pouco. Foi uma tempestade, um incndio, um terremoto de sensaes. Qualquer cataclismo pede ser comparado quele beijo e ao que se seguiu. Ou melhor, o que se seguiria se o telefone no tocasse, interrompendo nosso idlio.

Deixe-o sussurrou, aninhada junto a meu peito.

Nunca deixo de atender o telefone, Melinda.

Afastei-a com suavidade, embora desejasse exatamente o contrrio.

A voz do outro extremo da linha me cativou logo. Era suave, com uma cadncia melodiosa e quase infantil, apesar de lmpida.

Procurei-o em seu escritrio, Senhor Ross. . .

Quem est falando?

O senhor no me conhece. O porteiro do edifcio me deu o seu telefone. Poderia receber-me esta manh, por favor?

Claro, mas ainda no sei quem . . .

Meu nome Annette Gordon.

Muito bem. Daqui a meia hora, certo?

Obrigada, Senhor Ross.

Desligou. Coloquei o fone no gancho como se ele fosse uma coisa muito frgil. Nunca ouvira uma voz to linda.

Melinda sussurrou:

Chamada importante, Bill?

Hum!. . . Sim. Tenho de sair imediatamente. Voc no podia adiar esse encontro? Ainda no terminamos nossa conversa, Bill. . .

Sorri ao encar-la.

O que voc considera conversa, Melinda? No se preocupe. Quando terminar, ns recomearemos. . .

Por que no antes? Olhe, eu. . .

Voc est metida num caso que pode custar-lhe caro, se voc no andar muito direitinha. Onde posso encontrar Donald Nutting?

Certo, Bill, contudo voc tem de me prometer que voltaremos a conversar. Sim?

Sim.

Donald tem um apartamento de Garden Apartments Building.

Com que quis fazer chantagem?

Com umas fotos. . .

J imagino.

No so o que voc est pensando, Bill. No se trata de fotografias indecorosas. Foram tiradas num clube noturno. Ns estvamos sentados numa mesa e fomos fotografados sem saber.

Alguma cena ntima?

Bem. . . Estvamos de mos dadas. . .

Que aconteceu quando ele pediu dinheiro pelas fotos?

Mandei-o para o inferno, nem mais nem menos. Ameaou-me dizendo que entregaria as fotos a Edward mas, como ainda no existia a ameaa de divrcio, no me importei, porque as fotos nada tm de imoral.

Ele entregou-as?

Pelo que sei, no.

Muito bem, verei o que fao com seu amigo Donald. Agora v embora Melinda, e no volte aqui at encerrarmos o caso. Entendido? Sim, e onde nos veremos?

Suspirei. A moa tinha ideias fixas. Em lugar nenhum.

Concordou com um gesto.

Est bem, Bill. Sei que voc domina a situao. Seguirei suas ordens.

Pegou a bolsa, empinou-se sobre as pontas dos ps, e seus lbios prenderam-se aos meus num sculo silencioso, que quase me fez perder a cabea.

Ao final, separou-se de mim e dirigiu-se porta, sorrindo suavemente. Abriu-a, mas antes de sair, voltou-se, dizendo: Ah! J me esquecia. . . As fotos foram tiradas no The Corsair.

Saiu e fechou a porta, sem rudo.

Ento, no cabar de Lou Blackie. Tudo parecia indicar a mesma direo. Primeiro, Tucci. Depois, as fotos. . .

E Lou Blackie ainda se queixava de eu lhe provocar desgostos.

Troquei de roupa, examinei o revlver e deixei o apartamento, pensando na necessidade de ser um pouco mais rude com o boxeador na prxima entrevista.

E quanto a Donald Nutting, se era do tipo que eu imaginava, sabia muito bem como cuidar dele.

CAPTULO 6

Annette Gordon era simplesmente maravilhosa. Deixou-me sem respirao quando apareceu minha frente, no escritrio. Em regra geral, um tipo pacfico como eu no anda preparado para receber semelhante impacto emocional sem aviso prvio.

Foi o que me produziu. Um impacto quase fsico.

Tinha uns olhos que queimavam, uns lbios excitantes e um cabelo cor de trigo maduro, que balanava quase tanto como o corpo, ao andar.

O rosto fascinante. Tinha um conjunto de medidas que so exatamente aquelas que a gente sonha encontrar numa mulher, numa nica mulher que, quase sempre, nunca aparece. . .

E estava minha frente, simplesmente adorvel. De estatura pouco maior que a mediana, as curvas nada tinham de medianas. Ao contrrio, eram bem desenvolvidas, principalmente no busto.

No sei quanto tempo demorei at recuperar a vez. Foi o tempo, talvez, que ela demorou cruzando a sala de espera, a fim de entrar no escritrio. E ainda tive foras para dar a volta mesa e olh-la de frente.

Ento, falei:

Annette Gordon?

Concordou, com um gesto. Indiquei-lhe uma poltrona e esperei que se sentasse.

Tinha um jeito de andar, requebrando todo o corpo, que era capaz de deixar vesgo o sujeito mais controlado do mundo.

Pigarreei, a fim de assegurar-me da firmeza de minha voz e disse:

Pelo telefone tive a impresso de que o assunto que a preocupa urgente. Devo esclarec-la que, no momento, estou muito ocupado, mas a escutarei com o mximo prazer.

Creio que minha preocupao est muito relacionada com seu atual trabalho, Senhor Ross.

Foi uma nova surpresa.

Muito bem. Pode falar.

Fiquei sabendo que o senhor foi contratado por Melinda Baron. verdade?

Senhorita, hoje meu dia de surpresas, acredite. Como soube?

Melinda no discreta. Fala muito com suas amizades.

E voc uma dessas amizades?

No!

A resposta fora muito veemente.

Continue.

Temos amigas em comum. Ela pertence a um crculo de relaes muito restrito, do qual no fao parte. Bem, foi assim que captei esta notcia. As faladeiras estavam fazendo as contas sobre quanto ela tomar de Baron, no caso de um divrcio.

Imagino, embora no compreenda onde voc quer chegar.

Meu nome no lhe despeitou nenhuma recordao, senhor Ross?

Sinceramente, no.

A primeira esposa de Baron chamava-se Ellen Gordon.

Ah! Compreendo. Sua irm?

Sim. Minha irm mais velha. A nica irm que tive.

Hum. . .

Morreu num desastre de automvel. Chocou-se com outro, que desapareceu. O senhor sabia?

Sei que morreu num acidente, mas desconheo os detalhes. O que tem o desastre a ver com Melinda Baron?

Vacilou. Seus grandes olhos se fizeram ainda mais ardentes, como se deles sassem fagulhas.

Estou convencida de que no foi um acidente.

Quase dei um salto.

Acho que compreendo o que voc est insinuando. S no compreendo o que deseja, vindo procurar-me. Acredita que foi um crime?

Sim.

Deveria ter ido polcia, quando aconteceu.

Fui.

Hum. . .

Nada mais me ocorreu. A garota me desconcertava. Era to linda que minhas ideias se embrulhavam de minuto a minuto.

No me escutaram. Disseram ter sido um acidente tpico, com a fuga do causador e tudo mais. Asseguraram-me que fariam investigaes especiais, mas no voltaram a me informar nada. Minha irm foi enterrada e o fato esquecido.

Mas voc no esqueceu.

Jamais esquecerei. Estou convencida de que minha irm foi assassinada. Ela era uma excelente motorista, com experincia.

Ganhara, inclusive, competies automobilsticas. Dominava um carro como o senhor domina seu isqueiro.

Num acidente entre dois carros, basta apenas um deles ser mal conduzido, para que a catstrofe acontea.

Sei disso. Mas o outro carro surgiu de uma esquina, como se estivesse esperando e desapareceu. Nunca foi encontrado, bem como o motorista culpado.

Casos assim costumam acontecer com muita frequncia. Mas, por que veio a meu escritrio?

Porque. . .

Interrompeu-se. Mais uma vez, seus olhos me excitaram. Deixei-me dominar por aquela ternura e beleza, porm, quando ela comeou a falar, estive a ponto de esquecer que era uma garota to linda. Simplesmente, porque disse:

Estou certa de que Melinda foi a causadora da morte de minha irm. Senhor Ross.

claro que no pulei at o teto, mas pouco faltou.

Voc est louca, menina. . .

Ela desejava casar-se com os milhes de Baron. Estava louca por superar minha irm, mas ele no queria divorciar-se. Melinda s poderia alcanar o que queria eliminando minha irm. O dinheiro que estava em jogo justificava o risco, se que podemos falar assim. Vamos por partes. Melinda conhecia Edward Baron antes de ele ficar vivo?

Sim.

Existia alguma relao entre eles?

Relao? O termo exatamente esse.

Sua irm sabia?

Sim.

E tentou esclarecer a situao?

Creio que ameaou Baron de provocar um escndalo. Sabe como so estas coisas; inclusive, falou de separao. A verdade, entretanto, que ela jamais abandonaria Baron. Por qu?

Simplesmente porque o adorava. Alm do mais, as convices morais de Ellen no lhe permitiam efetuar um jogo sujo.

Compreendo. E voltamos ao ponto de partida. Por que veio procurar precisamente a mim? Compreenda que Melinda Baron minha cliente.

Mesmo sendo uma assassina?

Ser preciso provar. E devo esclarec-la de que no acredito que ela seja capaz de lanar um carro contra outro, causando a morte de uma pessoa.

Ela queria casar-se com Baron, e era a nica forma de realizar seu sonho.

Voc j me disse falei, levantando-me. -

Olhe, quero que compreenda como esto as coisas. Voc recorreu polcia, e as autoridades nada descobriram que confirmasse suas suspeitas. Certo?

Concordou, lentamente, com a cabea. Seus olhos no se afastavam de mim.

O. K. Transcorreu o tempo suficiente para que voc analisasse o passado com certa objetividade. Acredita sinceramente que se Melinda Baron fosse a criminosa, a polcia teria sido to estpida a ponto de nada encontrar, ainda mais com sua denncia?

Vacilou. Percebi que minhas palavras no a afetavam, porm ela perdera um pouco da segurana anterior.

Estou certa de que ela a criminosa repetiu, em voz baixa. Mas eu devia compreender que o crime de Melinda no lhe interessa, pois o senhor recebe dinheiro dela.

O problema no esse, Annette, falei acercando-me dela. Se Melinda fosse uma assassina, eu no trabalharia para ela nem por toda a fortuna de Baron. Mas que eu no posso acreditar.

Pensei que. . .

Calou, desviando o olhar.

Continue, diga o que quiser O que pensava?

Esquea. . . No devia ter vindo aqui. Levantou-se, ficando minha frente. Meu corao entrou em ritmo desesperador. Desejei que ela no se fosse.

Compreendo. Voc acreditava que eu me valeria de minha posio em relao a Melinda, a fim de investigar o passado. No foi?

Concordou, abaixando a cabea.

Peguei-lhe no queixo, obrigando-a a me olhar.

Voc mesma me desprezaria se eu fizesse isso. Melinda me paga para defend-la, e no a atraioarei, nem a ela, nem a ningum. Lamento. . . Fui uma estpida. . . Mas falam tanto dos detetives particulares que eu. . .

Sem dvida h aqueles que fazem qualquer tipo de negcio. Eu, no entanto, no fao. Creia-me, esquea o passado. Voc ser mais feliz. No adianta atormentar-se pelo que j aconteceu.

No posso esquecer a morte de minha irm. . .

Olhe, poderei ajud-la decidi, com a inteno de v-la novamente. Tenho amigos na polcia. Pedirei que examinem o caso e o estudarei a fundo. Depois, a informarei do andamento das investigaes. Talvez apague as suas suspeitas. De acordo?

O senhor se compromete ou quer apenas que eu o deixe em paz?

Claro que me comprometo, com uma condio. No me chame de senhor. Voc no cliente. Chame-me de Bill, certo?

Sorriu pela primeira vez. No deveria ter sorrido, porque uma onda de desejos me afogou e estive prestes a apagar aquele sorriso com meus lbios.

Esperarei notcias suas sussurrou ela.

Estendeu-me um carto de visitas, que guardei, sem olhar. Depois, apertou-me a mo e partiu.

Mas sua presena ficou flutuando no ar, juntamente com seu perfume. Aspirei-o, como se dele dependesse a minha vida.

CAPTULO 7

No foi tarefa fcil chegar a Edward Baron .

Esses milionrios se entrincheiram atrs de slidas barreiras de subordinados com ares de manda-chuva, secretrias atraentes e eficientes, discretas como tmulos, e algum guarda-costas bem pago.

Enquanto esperava numa sala ntima, perdido no labirinto de um edifcio de uma de suas companhias, passei os olhos pelas manchetes dos jornais matutinos que eu ainda no tivera tempo de ler. Vi uma fotografia de Sally, morta sobre a cama. Estava coberta com um lenol, at a altura dos seios, o que tirava um pouco da violncia da fotografia.

A legenda falava de um crime praticado por um sdico, ou um louco sexual. Para esta concluso, baseavam-se no estado em que foram encontradas as roupas ntimas da moa, juntamente com outros detalhes brutais.No acreditei que a polcia pensasse assim, tambm. O assassino agira dessa forma com o intuito exclusivo de despistar a polcia, mas os detetives da Delegacia de Homicdios no eram to estpidos como o pblico imagina.

Tambm poderia ser um golpe dos reprteres com o fim de dar um cunho de sensacionalismo ao crime.

Estava conjecturando, quando algum pigarreou perto de mim. Levantei a cabea e tropecei com uma camisa impecvelmente engomada, dentro da qual se metia um tipo alinhado, dando a impresso de ser um magnata.

O senhor Baron lhe conceder cinco minutes, senhor Ross disse pomposamente, dando a entender que eu era um felizardo por tomar cinco minutes do tempo do patro. Peo-lhe que seja breve. Ele um cavalheiro muito ocupado.

Edward Baron devia ter quase uns cinquenta anos, mas sua aparncia era impressionante. Alto e musculoso, conservava a agilidade caracterstica da juventude. Uns poucos cabelos grisalhos nas tmporas lhe davam um ar de distino, reforando ainda mais a impresso agradvel que causava.

Olhou-me com as grossas sobrancelhas franzidas, consultou ostensivamente o relgio de pulso e voltou a me encarar, com impacincia.

Esperei que o secretrio fechasse a porta e, sentando-me numa poltrona, apesar de no ter sido convidado, disse:

Meu nome completo Bill Ross. Sou detetive particular, contratado por sua esposa, senhor Baron.

J sei.

Por Holding, naturalmente. Sabe que classe de indivduo ele?

Concedi-lhe cinco minutos recordou-me, rgido. No os desperdice.

O tempo, agora, no coisa importante. Ver por que. O senhor est tentando livrar-se de sua esposa sem gastar um tosto. Certo?

Sim

Deixando de lado a mesquinharia da situao, quero dizer-lhe que uma iluso de sua parte.

Inclinou-se, com os olhos cuspindo fogo:

Saia daqui! ordenou, entredentes.

Mais devagar, senhor. Os casos de divrcio sempre me causaram nojo. Aceitei este, porque as condies econmicas eram excepcionalmente boas, mas quero termin-lo quanto antes. Se puder terminar o caso com um acordo amistoso, estarei satisfeito.

Fera!

No lhe dei confiana, o que o irritou ainda mais.

Sua esposa aceitaria estudar o caso de um acordo numa base razovel. Suponhamos dois mil dlares mensais. O senhor pode permitir-se este gasto, e eu creio que lhe ser muito conveniente aceitar, porque assim evitar outras complicaes.

Quem ter complicaes voc.

Apertou repentinamente uma campainha no extremo da mesa. Esperei que acabasse de faz-lo e disse:

No se irrite, companheiro, porque ainda no falamos de Sally Grame, nem do bangal, nem de seus encontros com ela. . . nem disto aqui. . .

Joguei o jornal sobre a mesa. Seus olhos caram em cima da fotografia, e o rosto perdeu a cor.

Atrs de mim,uma porta foi aberta, com violncia, e uma voz indagou:

Que deseja. senhor Baron? Virei a cabea.

O sujeito era um atleta jovem e forte, de expresso indefinvel e rosto achatado, mas no era o tipo caracterstico do guarda-costas.

O capitalista fez um gesto com a mo, como se espantasse um mosquito. O musculoso guarda-costas desapareceu.

Baron estava como que hipnotizado, olhando as manchetes. Pouco a pouco, despencou-se na cadeira sem soltar o jornal:

Meu Deus! exclamou ele.

Esperei que lesse quase toda a notcia da primeira pgina.

Ento, falei:

Creio que o senhor sabe muito bem o que acontecer, se cair no domnio pblico que Sally era um pouquinho mais que sua simples conhecida. Tambm poder ser publicada a visita ao bangal de aluguel. Estourar um escndalo, que muito ruim em seu crculo social, no?

Devia ter adivinhado. Voc um chantagista.

Engana-se.

Ento, que deseja?

Um acordo para sua esposa, a fim de que eu possa livrar-me deste caso. Vocs dois se detestam. Muito bem, d-lhe uma penso e concluiremos o assunto. Posso assegurar que ela no criar empecilhos separao.

E quanto voc ganhar?

Cinco mil dlares. Mas no como o senhor pensa. Receberei, quando solucionar o caso.

Que tal dez mil para voc abandonar o caso, agora?

No aceito. No sou da marca de seu detetive. Continuarei trabalhando no caso.

Suponho que intil aumentar a oferta. . .

Absolutamente intil.

Est bem. Suponhamos que concorde. . . Qual a garantia que terei de que no divulgaro o caso do bangal e minhas relaes com Sally Grame?

A garantia de que somente eu sei do caso. Sua esposa no tem a menor ideia da situao. Ela sabe apenas que o senhor se encontrava com uma jovem e nada mais.

Compreendo. Creio que me equivoquei ao contratar como detetive particular um. . .Sorri. Aquilo significava que ele se rendia.

Aceito. Dois mil dlares por ms, mais alimentos e outras despesas. Diga-lhe que providencie o contato dos advogados dela com os meus.

Levantei-me. Aquilo significava cinco mil dlares em minha conta.

Correto. Vai despedir agora seu detetive, Holding? Asseguro-lhe de que, mantendo-o em seu servio, s lhe pode causar transtornos. um vigarista da pior espcie.

Terminado esse assunto, no vou mau precisar dele. Confio em sua discrio, Senhor Ross. . .

Pode confiar. At hoje ningum se arrependeu de ter depositado confiana em mim.

Sa e fechei a porta, entusiasmado com o xito.

Na sala de espera o secretrio almofadinha olhou-me, espantadssimo, e consultou o relgio, sem acreditar no que via. Passaram-se muitos minutos alm do tempo concedido pelo magnata.

Percorri, ao inverso, toda a barreira de obstculos que protegiam o grande senhor.

Na rua o sol brilhava, e muita gente caminhava apressadamente. Um punhado de carros se apertava na calada. O ar estava clido e suave.

L dentro ficava a fbrica de fsseis. Como eles aguentavam aquela rotina?

Caminhei at meu carro esporte, saltei por cima da porta e ca, sentado junto ao volante .

Cinco mil pratas limpinhas.

Esse pensamento embaou-me um pouco a alegria. Liguei o motor de meu Facel Vega e arranquei.

De qualquer jeito, valia a pena viver e ser livre.

CAPTULO 8

Amigo, voc est louco - respondeu-me Donald Nutting. Vir aqui com semelhante pretenso uma coisa de idiota.

Bem, voc no pode negar que eu tentei convenc-lo com boas maneiras.

Era um sujeito alto e bem proporcionado, mas repelente, o que no quer dizer que no fosse simptico. Claro que era e muito. Mas levava estampada no rosto a marca do vcio e da depravao. Esta a classe de indivduos que mais facilmente envolvem as mulheres mais ricas e desprevenidas.

Essas fotografias, Nutting, vo criar-lhe muitos problemas.

Sorriu. Tinha os lbios quase femininos.

Criar problemas a quem, companheiro'?

Pois j lhe criaram um problema.

No me diga! Qual?

Este.

Recebeu o murro no meio da cara.

O nariz achatou-se como se fosse manteiga e comeou a cuspir sangue antes que ele casse ao cho, de costas.

Eu o golpeara assim, pensando justamente no resultado sensacional. Normalmente, o sangue desmoraliza um indivduo mais rapidamente que um bom murro.

Mas o gigol era feito de boa cepa.

Levantou-se impulsionado por alguma fora e saltou sobre mim sem se preocupar com o sangue que lhe escorria pela cara

Rechacei-o com um murro no plexo solar.

Ele me respondeu com um direto que retumbou sobre meu peito, demonstrando-me que o tipo no era apenas de fachada.

Acertei-lhe um contragolpe no estomago que f-lo dobrar-se em dois.

Levantei violentamente o joelho e ele caiu de bruos.

Retrocedeu aos trambolhes, levando as mos ao rosto. Pela primeira vez, mostrou-se alarmado com o sangue que lhe tingia a cara.

Avancei, obrigando-o a retroceder.

Eu o adverti, sanguessuga. Essas fotografias vo-lhe causar srios problemas, comeando agora, como voc v.

Uma vez mais lanou-se contra mim. Era forte, mas no tinha a menor experincia neste tipo de luta. Estava acostumado a lutar com mulheres apaixonadas, mas no com sujeitos brutos, dispostos a lhe partirem a cara.

E foi o que eu fiz. Um soco, que o apanhou debaixo do queixo, levantou-o no ar. Antes de cair novamente eu o alcancei no estmago, de maneira que ele girou sobre si mesmo e se estatelou contra uma mesa, derrubando-a, e fazendo em cacos o grosso vidro que a cobria.

Nutting demorou alguns segundos completamente imvel. Gemia debilmente, mas somente o fato de conservar-se consciente depois de um golpe como aquele era uma prova evidente de robustez.

Quero as fotografias, Nutting. E tambm quero os negativos. No irei embora daqui sem o que desejo. Portanto, trate de usar a cabea. Ainda no terminamos nosso encontro. Quero comunicar-lhe que vou investigar seu passado at desenterrar qualquer delito. E logo que o encontrar, colocarei a polcia em cima de voc. Talvez assim compreenda que explorar mulheres no bom negcio.

Olhou-me atravs do vu de dio que lhe cobria as vistas e ameaou:

Algum dia o matarei. . . No importa quando. . . Algum dia. . .

Existem muitos valentes com a mesma esperana, Nutting. Passe-me as fotografias.

Levantou-se, pegou um leno e apertou-o sobre o nariz.

Cambaleando, dirigiu-se a um escritrio, no fundo do quarto e abriu uma gaveta. Saquei meu 38 e avisei:

No gostaria nada de v-lo com uma pistola na mo, Nutting. Teria de mat-lo.Voltou-se lentamente. A automtica que tinha apanhado na gaveta desprendeu-se de seus dedos e caiu sobre o tapete.

Assim est bem animei-o. . . Talvez agora pegue, de vez, essas malditas fotografias.

Tomou um envelope, jogou-o sobre a mesa e olhou-me, aguardando instrues.

Retroceda at a parede, companheiro. Acho muito estranho voc guard-las nessa gaveta, como se esperasse minha visita.

No o esperava.

Prestei bastante ateno.

Que quer dizer, ento?

Algum ia-me comprar estas fotografias. . . Holding, sem dvida , pensei.

Enquanto segurava o revlver com a mo direita, com a esquerda abri o envelope e tirei as fotografias, juntamente com os negativos. Conforme Melinda me dissera, tratava-se de uma cena amorosa, mas nada de escandaloso, exceto, claro, o fato de ser ela uma mulher casada.

Guardei tudo no bolso e antes de sair, adverti:

Da prxima vez que voc se aproximar de Melinda Baron, eu lhe arrancarei a pele, Nutting.

Voc a quer s para si, hein? Eu devia ter compreendido desde o princpio. . . Ela e sua fortuna. . . Um bom-bocado.

Exatamente sorri, apanhando a pistola dele do cho.

Descarreguei-a, guardando as balas no bolso. Soltei o gancho de segurana a fim de certificar-me de que no restava nenhuma cpsula na cmara. Depois deixei a arma sobre a mesinha, encaminhando-me porta sem perd-lo de vista. Foi ento que a campainha soou, insistentemente.

Nutting respirou, aliviado.

Abri a porta, sem guardar o revlver.

Fletcher Holding entrou resolutamente, mas parou ao me reconhecer e ver meu 38.

Ross! Que diabo?!

Chegou tarde, companheiro. Voc sempre chega tarde.

Sai e fechei a porta, antes dele recuperar a fala.

Nada aconteceu enquanto eu saa do edifcio.

Peguei meu carro e fui a Long Island, a fim de dar as boas-novas minha cliente.

Era hora de encerrar o caso e receber o meu salrio.

claro que eu ainda tinha uma visita a fazer a Lou Blackie, porm, era assunto pessoal.CAPTULO 9

Melinda Baron representava sempre uma ameaa a meu fraqussimo corao de homem apaixonado.

Quando me recebeu vestia o biquni que eu j conhecia, protegendo os ombros com uma sada de praia.

Estivera tomando uns banhos de sol e, segundo ela, o tempo voara.

Mas agora quero que o tempo passe lentamente, porque voc est aqui.

No complique as coisas. Trago boas notcias.

E quem disse que eu quero saber de notcias? J sei de todas.

Sabe o qu?

Edward me telefonou. Deu-me a entender que voc fora muito persuasivo, querido. Mas no se mostrava muito feliz.

Ento, ele lhe telefonou, dando a boa-nova. . . Um gesto cavalheiresco da parte dele. Dois mil por ms?

Nem um centavo a menos. Que acha?

Muito dinheiro.

Eu ia comear a falar das fotografias e de Donald Nutting, quando ela me envolveu o peito com um brao. A sada de praia deslizou do ombro, indo aninhar-se no cho, junto a seus ps. Seus lbios tremeram, roando os meus.

Agora, serei feliz. O dinheiro tima coisa, mas eu me ceguei por ele, quando me casei com Edward.

Escute. . .

No escutou.

Sem que eu fizesse o menor movimento, encontrei-me submergido na voragem de sua boca. Fora contra a minha vontade. . .

Mas, de repente, forado pelo ardor de suas carcias, fraquejei. Mandei todos os meus escrpulos ao diabo e me esqueci do resto. Decididamente, Melinda nascera para o amor vulcnico, desenfreado, violento, apaixonado.Abriu-se uma lacuna em minha conscincia, um perodo de tempo em que eu no soube se vivera ou se apenas tivera sonhado. Um tempo longo, em que pde suceder qualquer coisa.

Depois, percebi que estvamos no verde parque, coberto por rvores frondosas, naquele declive suave que levava praia. Ela estava junto de mim, e o sol brilhava enquanto o mar se quebrava em ondas, bem nossa frente.

No obstante, continuvamos vivos. Coisa que, durante algum tempo, eu duvidei que fosse possvel.

Os empregados esto de folga? perguntei, tentando escapar daquele abrao enlouquecedor.

Por qu?. . . Hoje no. . . Esto trabalhando, l na casa.

Acendi um cigarro, com os dedos tremendo.

Voc tem tanto juzo quanto uma mosca dei uma tragada e completei. Quer estragar meu trabalho agora que a vitria nos sorri?

No me importa, querido.

Era preciso acabar com aquele perigoso romance. Era preciso escapar a seu feitio.

Vi apenas uma maneira e utilizei-a Tirei o envelope do bolso e deixei-o sobre a grama, junto a seus ps.

Isto lhe pertence, tambm, Melinda. Pode guardar, se representa algum valor para voc.Intrigada, abriu o envelope. Ao ver o contedo, no conteve um gritinho de alegria.

Bill, voc maravilhoso!

Sim, belezinha, mas este homem maravilhoso vai-lhe custar cinco mil dlares.

Considero um preo barato.

Pegou as fotografias e rasgou-as em pedacinhos convertendo-as em confete, de modo que o maior pedao ficou menor que uma lasca de unha. Com meu isqueiro ateei fogo aos negativos, na vista dela.

S ento ela se interessou em saber os meios que usei na obteno das fotografias.

No foi muito difcil, expliquei. Na verdade, Nutting no um sujeito muito rpido.

Voc o esmurrou?

Bem. . . Houve um pouco de movimento. Os olhos dela brilharam, cheios de entusiasmo.

Conte-me. . .

Para qu? Voc no precisa mais preocupar-se com ele. E agora, Melinda, vou-me embora. Tenho o que fazer.

Querido, agora que o assunto est resolvido, fique. . .

Quer que Edward aparea aqui e me encontre? No, obrigado, no ficarei. Alm do mais, algum importante espera por mim.

Mais importante que eu?

Sim.

Quem ela? Sorriu.

Oh! No! disfarcei um homem e muito desagradvel.

Isso me tranquiliza.

Comeou a andar em direo casa. Segui-a, lutando por desprender-me da fascinao que sua beleza exercia sobre

mim.

Poucos minutos depois, tinha em minhas mos um cheque no valor de cinco mil dlares. Era um bom bocado, sem dvida.

Quando voltarei a v-lo, Bill? perguntou ela, insinuante.

Beleza, todos os seus pensamentos seguem apenas uma direo. Ser que voc no fica cansada andando sempre pelo mesmo caminho?

Bem, eu costumo tomar alguns atalhos, como voc sabe. . .

Despedi-me, e da porta prometi:

Telefonarei, quando no houver mais o menor risco. De acordo?

Sim. . . No demore muito

Sa com o carro, em alta velocidade.

Aquela mulher era capaz de enlouquecer qualquer homem, desde que quisesse.

Bem, meus cinco mil dlares, limpos e contados, estavam no meu bolso Agora, para que eu considerasse o caso encerrado, faltava-me apenas uma conversa particular com Lou Blackie. Depois, poderia cuidar de Annette Gordon. . .

Annette. . . At a lembrana de seu nome causava-me sensao de doura, servindo mesmo como antdoto torrente de veneno que Melinda era capaz de inocular em qualquer homem.

Meu escritrio estava triste e vazio. Passei os olhos pela correspondncia que, inevitavelmente, foi terminar na cesta de papis. Acendi um cigarro e deixei minha imaginao vagar a vontade. Assim, passei em revista os acontecimentos dos ltimos dias.

Eu no estava satisfeito, pois um punhado de coisas continuava em mistrio, como se o caso, em lugar de estar praticamente encerrado, comeasse.

O telefone tocou, e a voz do sargento vibrou em meu ouvido, aguda e furiosa.

Estou cansado de ligar, procurando-o. Meu telefone j est marcado de meus dedos. Ser que voc nunca est nesse imundo escritrio?

Agora estou. Que h?

Quero v-lo imediatamente.

Por que, sargento?

Ora. . . O caso que quero v-lo com a mxima urgncia.

Voc est excitado?

Excitado? Estou quase subindo pelas paredes. Venha c, detetive genial. Venha que eu estou esperando-o.

Oua, sargento. Agora no possvel. Tenho algumas coisas a fazer.

O que voc tem a fazer vir aqui! Ou prefere que os detetives da Delegacia de Homicdios vo arranc-lo da toca?

Homicdios?

Exatamente.

Bem. . .

Corra, mocinho.

Desligou.

Quando sa do escritrio, todo o entusiasmo que sentia ao chegar, desapareceu.

Diabos! Que que os detetives da Delegacia de Homicdios queriam comigo? A menos que tivessem descoberto ser eu o primeiro a encontrar o cadver de Sally Grame

No. . . Era absurdo. Alm do mais, se o problema era da alada da Delegacia de Homicdios, por que fora um sargento da Delegacia de Costumes que me telefonara, impaciente por me encontrar?

A melhor maneira de esclarecer era apresentar-me ao sargento. Foi o que fiz.

Bem, dizer que ele estava de mau humor, era pouco. Conforme anunciara pelo telefone, ele estava a ponto de subir pelas paredes .

Voc um camarada muito rpido, no , Ross? disse-me, mal entrei em seu escritrio.

Bem, se voc colocar as coisas em seu devido lugar, no me considero bobo.

Quando viu Tucci?

O gorila?

Voc andava atrs dele.

Claro que sim e o encontrei. Tivemos um agradvel bate-papo no escritrio de Lou Blackie.

Bate-papo a tiros?

Num segundo, todos os meus sentidos se puseram em posio de alerta.

Trate de falar claro, George. Que quer dizer com esse negcio de tiros?

Tucci est morto, deitado numa mesa do necrotrio. O que que voc tem a dizer?

Meu primeiro pensamento correu lembrana da noite em que Sally fora assassinada. Pensei que eu o tivesse matado, ao feri-lo, quando ele escapou aps o tiroteio.

No sei do que voc est falando, George expliquei, pois me lembrava de t-lo somente ferido.

claro que no, mas, desta vez, meu simptico amigo, voc foi muito longe e no h mais jeito. Tucci levou um balao na nuca perdendo a metade da cabea e outro na clavcula. Voc est ficando ruim, Bill? Isso coisa de principiante e, segundo sabia, voc sempre foi um excelente atirador.

Bem, George, vamos encurtar a conversa. Voc est convencido de que eu me encarreguei de dar a Tucci uma passagem para o outro mundo, no verdade?

Entregue-me seu revlver.

Tenho licena. Possuo um alvar legal de porte de arma.

Acredita que no sei? A nica coisa que desejo, querido amigo, tirar uma cpsula e conferir com a que o mdico legista, a nosso pedido, extraiu do crnio do morto.

George. . .

Qual o tipo de arma que voc tem usado ultimamente, Bill?

Um 38, Colt-Cobra.

Deixe-me v-lo.

Tranquilamente puxei a arma do coldre. No adiantava reagir. Alm do mais eu nada tinha a ver com aquela histria.

Ele pegou o revlver, examinou-o, deu-me uma rpida olhada, cheirou o cano e abriu o cilindro, perguntando-me:

Quando teve o prazer de disparar pela ltima vez?

Est cheirando a plvora?

No, meu amigo, no est cheirando a plvora. Simplesmente, est fedendo.

Bem, eu disparei h uns dois dias. Dei uns tiros, no campo.

Pelo que vejo, voc est-se dando o luxo de praticar tiro ao alvo.

Exatamente. Andei disparando contra umas latas vazias.

Sim, claro... Compreendo muito bem. E depois de uma pausa, concluiu. - A bala extrada da cabea de Tucci no saiu de seu Colt-Cobra. E' uma cpsula de menor calibre.

Nesse caso. . .

Ele me interrompeu bruscamente:

Nesse caso coisa nenhuma. Voc poderia muito bem ter utilizado uma pistola de menor calibre.

Perdi a pacincia. George estava voando alto demais.

E poderia, tambm, meu velho, ter declarado minha guerra particular aos marginais. Que diabo voc imagina que seja meu trabalho?

Voc queria ajustar contas com Tucci. Queria uma desforra. Estava furioso porque o camarada lhe tinha quebrado a cara

E eu fui desforra, George, como j lhe disse, no escritrio de Lou Blackie, l no The Corsair. Mas a coisa se passou na troca de murros. E, se voc tem alguma dvida sobre esta minha declarao, no perca tempo. Oua o depoimento de Lou Blackie. V atrs dele, e tenho certeza de que ele confirmar o que lhe estou dizendo.

Eu jamais acreditaria numa s palavra de Lou Blackie, um jogador profissional, viciado e mentiroso.

No entanto, pairava uma interrogao na minha cabea, uma pequena dvida, que me aconselhou a perguntar:

A outra ferida na clavcula. . .

George respondeu imediatamente. Era evidente que ele estava muito por dentre do caso.

A bala passou pelo ombro e varou-lhe a clavcula. Por qu?

Respirei, aliviado. Este fora, sem dvida, meu disparo. Mas, se a bala lhe atravessara o corpo, seria impossvel provar que eu tivera um outro encontro com o tipo, alm do ocorrido diante dos olhos de Lou Blackie

Por nada. Apenas a minha curiosidade profissional. J interrogaram Blackie?

Voc acha que o pessoal da Homicdios anda dormindo, ou na boa vida que voc tem? claro que apertaram o crnio de Blackie.

Que foi que ele disse?

Segundo me informaram, ele disse que h dois dias no via o sujeito.

Mentira.

Como sabe, Bill?

Ele estava presente na noite em que fui forra com Tucci.

Ora, eles nada arrancaro de Blackie. Nem dele nem dos tipos semelhantes. . . Tm costas largas, esto sempre muito bem cobertos .

Todos ns sabemos falei, tentando abreviar o mais possvel aquela conversa.

George pensou um pouco, coou a cabea e respondeu:

No sei se informo aos rapazes da Homicdios seu interesse por Tucci.

Notei que estava vacilando e aproveitai a deixa:

Voc apenas os faria perder mais tempo, George. J sabe que no fui eu quem teve o prazer de meter uns balaos no gorila.

Talvez. . . Mas incrvel ver o nmero de cadveres que aparecem ao seu redor quando voc comea a se movimentar para resolver um caso. Continuando desse jeito, meu caro, voc vai ficar famoso.

Fiquei mais tranquilo.

Era s o que voc tinha a me dizer? Por to pouco, armou aquele escndalo pelo telefone?

No armei nenhum escndalo. . . E era exatamente isto o que eu tinha a conversar com voc. Acha pouco? E no desaparea de circulao, mocinho. Talvez eu precise fazer-lhe algumas outras perguntas. No sei. . .

Continuando nesse caminho, George, voc vai perder muito tempo falei. Em vez de ficar inventando hipteses fantsticas voc deveria fazer alguma coisa concreta, de mais utilida