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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 838
IDEAIS REPUBLICANOS NA EDUCAÇÃO EM PELOTAS/RS NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UM OLHAR SOBRE A ARQUITETURA ESCOLAR
Estela Maris Reinhardt Piedras1
Introdução
Esse artigo é parte de uma pesquisa mais ampla que está sendo realizada em nível de
doutorado, inserida no âmbito da História da Educação, no diálogo da História Cultural e
cultura material. Tendo como tema a arquitetura escolar, a investigação pretende analisar os
edifícios construídos para escolas na área urbana da cidade de Pelotas/RS, no período
denominado como a Primeira República (1889-1930).
De acordo com a historiadora Rosa Fátima de Souza, é possível “ler e interpretar a
história da educação pela arquitetura dos edifícios escolares” (SOUZA, 2005, p.7). Assim, a
pesquisa de cunho histórico, educacional e social, busca o entendimento do processo de
implantação do sistema educacional na cidade e pretende analisar, identificar e caracterizar
essas escolas enquanto lugares2 (VIÑAO; ESCOLANO, 2001). Também objetivamos estudar
as influências do momento sociocultural e político, e suas relações com o contexto urbano.
Conforme mencionado anteriormente, a delimitação temporal da presente
investigação, define-se entre a época da Primeira República, correspondente ao período que
marcou o fim do Império em 1889 até a Revolução de 1930, dado o destaque a ele atribuído
por diversos estudiosos da história da educação brasileira, principalmente Jorge Nagle, que
afirma:
A partir de determinado momento, as formulações se integram: da proclamação de que o Brasil, especialmente no decênio da década de 1920, vive uma hora decisiva, que está exigindo outros padrões de relações e de convivências humanas, imediatamente decorre a crença na possibilidade de reformar a sociedade pela reforma do homem, para o que a escolarização tem um papel insubstituível, pois é interpretada como o mais decisivo instrumento de aceleração histórica (NAGLE, 2001, p. 134).
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas. E-Mail: <[email protected]>.
2 A categoria lugar para Viñao (2001), além de ser um espaço geográfico, é principalmente um conjunto de vivências, memórias e significados culturais. Embora dependa do espaço, o lugar está identificado ao uso e às representações que se tem dele. O autor evidencia que o espaço escolar é um local de construção social e cultural de significado, uma fonte de experiência cotidiana. Essa categoria, quando aplicada ao processo de escolarização, permite pensar a arquitetura escolar não como algo dado, fixo e imóvel que está ali para ser observado, apropriado e redefinido, mas uma forma de classificação que separa o lado de dentro e o lado de fora, ou seja, o escolar do não escolar.
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Neste momento emergem as preocupações com a construção de edifícios específicos
para fins educativos no Brasil. O mesmo ocorreu na cidade de Pelotas, local onde está sendo
realizada a pesquisa de campo.
Os espaços escolares vêm sendo investigados desde o início do século XX em vários
países, dentre os quais se destacam Inglaterra, França, Portugal, Espanha e Alemanha.
Extensa bibliografia pode ser encontrada em Viñao e Escolano (2001). No Brasil, é possível
perceber que vários pesquisadores da História da Educação, como Souza (1998), Faria Filho
(2000) e Bencostta (2001), tem como tema de pesquisa a arquitetura escolar. No decorrer
desta investigação, encontramos diversos trabalhos com diferentes denominações para
referir-se ao tema estudado, tais como: arquitetura escolar, espaços (e tempos) escolares,
edificações escolares, construções escolares e prédios.
Tendo como principal foco de estudo os prédios escolares construídos na área urbana
de Pelotas durante a Primeira República, esse artigo está organizado em quatro momentos.
Primeiro fazemos alguns apontamentos teóricos e metodológicos da pesquisa, embasado nos
autores Le Goff e Nora (1978), Burke (1992, 2008), Chartier (2002), Cellard (2008) e
Gonçalves (2012).
No segundo momento apresentamos uma contextualização da origem do espaço
escolar e a história da escola, e entre os autores que contribuem nesta reflexão destacam-se
Souza (1998), Faria Filho (2000), Bencostta (2001, 2005), Viñao Frago e Escolano
(2001,2005), Castro (2009) e outros que auxiliam o campo de investigação da arquitetura
escolar, do ponto de vista da apropriação e interpretação do espaço como lugar.
No terceiro momento fazemos uma discussão de âmbito regional, buscando
referenciais sobre o contexto que se pretende estudar. Para tal nos baseamos nos estudos de
Huch e Tambara (2005), Corsetti (2008), Ermel (2011), Barrozo e Arriada (2014), Amaral
(2005), dentre outros.
No quarto momento apresentamos o Quadro preliminar (uma vez que este se
encontra em fase de elaboração) que busca mostrar as instituições educacionais criadas no
período estudado e que tiveram edifícios construídos para finalidade escolar. Por último
fazemos algumas considerações como fechamento das discussões e explanações
apresentadas.
Apontamos teóricos e metodológicos da pesquisa
A prática da pesquisa no âmbito da História da Educação modificou-se de maneira
significativa, em especial na segunda metade do século XX. Na França a publicação da
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terceira geração dos Annales3 trouxe mudanças propondo novos problemas, novas
abordagens e novos objetos. Na introdução da coletânea organizada por Jacques Le Goff e
Pierre Nora, os autores tecem algumas considerações.
Obra coletiva e diversificada pretende, no entanto, ilustrar e promover um novo tipo de história [...]. A novidade parece-nos estar ligada a três processos: novos problemas colocam em causa a própria história; novas abordagens modificam, enriquecem, subvertem os setores tradicionais da história; novos objetos enfim, aparecem no campo epistemológico da história (LE GOFF E NORA, 1978, p.11).
Junto com os novos problemas, novas abordagens e novos objetos, destacamos a
história dos objetos na sua materialidade (CHARTIER, 2002). Entre os chamados objetos
culturais mais estudados, estão os da cultura material. Peter Burke destaca que:
Nas décadas de 1980 e 1990, alguns e historiadores culturais voltaram-se para o estudo da cultura material, e assim se viram próximos dos arqueólogos, curadores de museus e especialistas em história do vestuário e do mobiliário, que há muito vinham trabalhando nessa área (BURKE, 2008, p. 91).
O estudo da cultura material, neste caso, a cultura material escolar, inclui o estudo de
objetos na sua materialidade, além de espaços edificados e não edificados, como a arquitetura
escolar, também considerada artefato cultural (GONÇALVES, 2012).
Como metodologia para a realização do estudo proposto, destacamos a pesquisa
documental. O uso de documentos em pesquisas na área de educação se constitui numa
técnica valiosa, visto que a as capacidades de memória são limitadas e, conforme Cellard
(2008), “a memória pode também alterar lembranças, esquecer fatos importantes, ou
deformar acontecimentos”. Sendo fonte estável e rica de informações, podendo ser
consultado inúmeras vezes e servir de base para diferentes estudos, justifica o seu uso em
várias áreas das Ciências Humanas e Sociais, pois permite ampliar o entendimento de objetos
cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. Como no caso da
pesquisa ora realizada do período de 1889 a 1930, ele é único testemunho na reconstrução de
uma história do passado relativamente distante,
[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito
3 A terceira geração dos Annales, também é conhecida pela expressão Nouvelle Historie, ou Nova História em português, traz como principal proposta o estudo de toda atividade humana. Segundo Burke (1992, p. 8), “a nova história é a história escrita como uma reação deliberada contra o ‘paradigma’ tradicional”.
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freqüentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado recente (CELLARD, 2008, p. 295).
Além disso, outra vantagem do uso de documentos em pesquisa é que ele permite
acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. A análise documental favorece a
observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos,
conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros (CELLARD, 2008).
Assim, no processo de desenvolvimento da pesquisa, através dos documentos deste período
temporal, buscamos analisar as mudanças do processo educativo e suas relações com o
momento político bem como com o contexto sócio econômico e cultural.
A história da escola e a origem da arquitetura escolar brasileira
Voltando-se para a história da escola e a origem da arquitetura escolar no Brasil,
observamos que a proclamação da República no Brasil (1889), de inspiração positivista,
buscava uma nova estruturação social, trazendo parâmetros modernos ao país e tentando
romper com o modelo considerado arcaico vinculado ao Império. Esse “processo de
modernização passava pela incorporação da ciência e das novas tecnologias surgidas na
Europa e nos Estados Unidos e pela inserção do País na economia burguesa” (CASTRO,
2009, p. 124).
Segundo Faria Filho (2000), com o processo de urbanização e industrialização, surgiu
um crescente movimento que considerava a instrução como via de integração do povo à
nação e ao mercado de trabalho assalariado, fortalecido pela proclamação da República e
com a abolição do trabalho escravo. Republicanos manifestavam preocupação com a
realização dos ideais de ordem e progresso por eles defendidos, bem como com maior
adequação às necessidades e complexidades do mundo social. Como resposta à
heterogeneidade social, as elites dominantes indicavam a estruturação de amplos projetos de
controle e homogeneização cultural e política da sociedade, apontando para “a necessidade
de uma escola mais racionalizada e padronizada” (CORREA, 2005, p. 230).
Nesse sentido, a instituição escolar assumiu então um papel fundamental no projeto de
modernidade republicana que buscou o desenvolvimento econômico e social, a construção da
nacionalidade brasileira, a ordem e o progresso.
Como consequência do processo de modernização, muitas críticas eram dirigidas à
instrução pública primária da “escola isolada” ou “escola de improviso”, que funcionava nas
casas dos professores e em outros ambientes caracterizados pela falta de conforto,
impossibilidade de se observar as regras de higiene escolar, falta de material pedagógico,
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entre outros. Eram espaços “pouco adaptados ao funcionamento de uma escola pública de
qualidade, como sendo um obstáculo quase intransponível para a realização da tarefa
educadora e salvacionista republicana” (FARIA FILHO, 2000, p.30).
Surgem então preocupações com a construção de edifícios específicos para fins
educativos objetivando atender as novas necessidades pedagógicas. Inicia-se a sistematização
do ensino primário, estruturado na criação de grupos escolares, e se estabelece um novo
programa de ensino: a escola graduada ou seriada. Assim, segundo Faria Filho (2000, p.21)
“nos grupos escolares, finalmente, a instrução e os diversos aspectos da educação
contemporânea lograriam realizar-se numa única e autorizada instituição, num mesmo
tempo e lugar, como educação escolar”.
A importância da arquitetura escolar também estava relacionada com o compromisso
de adequação às novas necessidades higienistas4, buscando atender padrões de conforto
físico-ambiental, bem como ao atendimento às normas construtivas.
Dessa maneira, afirma Castro (2009, p. 124), a escola moderna passou “a representar
uma articulação entre a expectativa da renovação do ensino, o projeto político de
disseminação da instrução popular e as vantagens econômicas da concentração de diversas
salas de aula em um único edifício”.
Para Faria Filho (1998), o conjunto do espaço escolar materializado no prédio, em suas
divisões e subdivisões internas, no seu afastamento da casa e na sua separação da rua,
produziu, tanto quanto foi produto, de uma nova forma e cultura escolar. Este foi o palco e a
cena de apropriações diversas, produzindo e incorporando múltiplos significados para um
mesmo lugar projetado pela arquitetura escolar. Considerando as reflexões de Certeau
(2007), Faria Filho (1998) destaca como a imponência arquitetônica da escola, comparada
aquela de outros lugares cotidianos (moradias, ruas, etc.), significou a produção de um lugar
próprio da educação escolarizada. A multiplicidade de apropriações deste lugar e suas
subdivisões (salas, pátios) implicou a produção de um espaço, ou seja, “um lugar praticado”,
como a rua que é geometricamente definida pelo urbanismo e transformada em espaço pelos
pedestres.
De acordo com Souza (1999), essa modalidade de escola que correspondeu a um novo
modelo de organização administrativo-pedagógico da escola primária com base na graduação
4 O higienismo pode ser considerado uma política de saúde iniciada na Europa no século 18 que transcendia os limites da medicina e integrava-se à gestão política e econômica, visando à racionalização da sociedade. Seu objetivo básico era combater a doença e a elevada taxa de mortalidade que afetavam diretamente a produtividade no trabalho. Sua atuação abrangia todas as instâncias da vida individual e social. Tanto a Arquitetura como a Pedagogia foram influenciadas por seus princípios (Castro, 2005, p. 22).
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escolar foi implantada pela primeira vez no Brasil no ano de 1893, em São Paulo e depois em
vários estados brasileiros. Conforme os estudos de Viñao (2005) sobre a escola graduada,
este tipo de organização implicava uma determinada ordenação do espaço, das atividades,
dos ritmos e dos tempos, assim como uma distribuição de usos desses espaços e objetos, e
uma classificação–valorização de professores e alunos, ou seja, não se tratava apenas de uma
divisão horizontal e vertical do trabalho, senão, sobretudo, uma cultura ou modo de vida
específico.
A construção de edifícios específicos para os grupos escolares passou a ser então uma
preocupação das administrações dos Estados, especialmente no espaço urbano das capitais e
cidades prósperas economicamente, que se tornaram, segundo Souza (1998, p.91)
“depositárias das perspectivas de modernização social”. Ainda de acordo com a autora, as
cidades passaram por grandes transformações nesse período como crescimento urbano,
desenvolvimento do comércio, melhoramentos no saneamento básico, água, iluminação
transportes públicos, jardins públicos são marcas desse desenvolvimento, e o grupo escolar
faz parte desses melhoramentos, como a morada de um dos mais caros valores urbanos – a
cultura escrita.
O pesquisador Faria Filho (2000) relata que ao apresentar “tipos” ideais para
construção de prédios escolares em Belo Horizonte, o engenheiro responsável destacava
outras preocupações além da economia, tais como obedecer condições higiênicas e
pedagógicas. Era necessário definir detalhadamente as dependências internas, sua aparência
externa, mas também se preocupando com sua localização em relação ao sol, à água potável,
aos ventos e outros elementos do meio físico. As plantas “tipo” poderiam comportar 4, 8 ou
10 classes em um ou dois pavimentos, em função do número de alunos que deveria atender.
Os prédios deveriam dispor de salas de aula bastante espaçosas, iluminadas e ventiladas, um
vasto salão para museu e biblioteca, gabinetes para diretoria e professores, dependência para
instalação de reservados, galpões para exercícios físicos e trabalhos manuais, e, finalmente
pátio para recreação.
Essa dimensão “espacial” institui uma nova forma escolar que se impunha e que não
poderia ser ignorada, pois, conforme Escolano (2001, p. 26), o espaço-escola não é apenas
um “continente” em que se acha a educação institucional, isso é, “um cenário planificado a
partir de pressupostos exclusivamente formais no qual se situam os atores que intervêm no
processo de ensino-aprendizagem para executar um repertório de ações”. Para esse
pesquisador:
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A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estético, culturais e também ideológicos (ESCOLANO, 2001, p. 26).
Assim, reinventar a escola significava organizar o ensino, “suas metodologias e
conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e tempos para o
ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e a própria cidade” (FARIA FILHO,
2000 p.31). E o edifício projetado especificamente para essa finalidade, estruturou-se no
intento de corrigir, educar e definir regras, espaço modelador de hábitos, atitudes e
sensibilidades (FARIA FILHO, 1998), espaço definidor e possibilitador da ordem.
Portanto, para os poderes públicos, o grande desafio republicano era superar as
dificuldades financeiras e construir os edifícios escolares adequados à sua função. Entretanto,
Bencostta (2001) questiona se este investimento, que contribuiu para a propaganda da
República tornou-se mais uma estratégia de visibilidade do que uma ação para a
democratização da escola. Dessa forma, foi no Período Republicano que a relação educação,
instituição-escola e edifício-escola foi configurada, ou seja, não poderia haver ensino
sistematizado sem uma escola que o abrigasse, e esta deveria ser uma edificação adequada à
sua função.
Arquitetura escolar no Rio Grande do Sul
Aproximando o campo de pesquisa, passamos a dissertar sobre os espaços destinados
ao ensino neste período no Rio Grande do Sul, e especialmente em Pelotas, analisando as
possíveis relações com o ensino estabelecido nos outros centros urbanos do país.
Considerando o contexto regional, observamos que relacionando a educação com a
ação do estado gaúcho e da ação positivista do grupo castilhista então no poder, podemos
afirmar que, com a solidificação dos ideais republicanos no Brasil, “também no Rio Grande
do Sul este período foi marcado por transformações sociais, econômicas, políticas e culturais,
e a educação foi um dos instrumentos utilizados para difundir esses ideais” (HUCH;
TAMBARA, 2005, p. 63).
Assim como nos demais estados brasileiros, também no Rio Grande do Sul, a expansão
educacional esteve presente de maneira significativa nas ações empreendidas por dirigentes
republicanos, conforme relata a pesquisadora Corsetti (2008):
Como um campo marcado por contradições, conflitos e mediações, a educação gaúcha, no primeiro período da República, em relação ao período Imperial teve avanços. A expansão do ensino, a diminuição do
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analfabetismo, a modificação curricular e pragmática, representaram os aspectos progressistas da ação republicana, fundamento de um ufanismo que transbordou das falas governamentais como até então não se havia visto no Rio Grande do Sul (CORSETTI, 2008, p. 288).
A implantação e organização dos grupos escolares e dos colégios elementares estavam
relacionadas com as construções de prédios apropriados à nova organização escolar e
alinhados com as questões de saúde e higiene.
Em defesa da destinação de uma verba especifica para a construção de escolas
primárias, falava-se no engajamento dos poderes municipais, em conjunto com o Estado,
para a concretização desta ação, explica Ermel (2011). Ainda, segundo essa pesquisadora,
fazia-se um apelo para o envolvimento de todos os cidadãos, pois, contemplava diretamente
uma grande parcela da população que possuía filhos em idade escolar.
O Relatório de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul do ano de 1899 refere-se
à construção de edificações escolares por parte do Governo do Estado. Tratava-se de um
“projeto-tipo” para escola pública, que demonstra a iniciativa do governo em elaborar um
projeto que serviria de modelo para o estabelecimento de escolas elementares. Possamai
(2009) esclarece que este teria sido o primeiro projeto de edificação escolar elaborado pelo
executivo estadual. Indica uma prática encontrada também em outras províncias brasileiras,
na qual um único projeto embasa a construção de vários edifícios.
Segundo Ermel (2011), o poder público estadual, através de seus Relatórios, salientava
constantemente o desenvolvimento das construções escolares, tanto na capital quanto em
cidades do interior do Estado o que simbolizava a importância que o Estado atribuía à
instrução pública, destacada como um dos principais problemas sociais,
Edifícios importantes pela capacidade e adequada construção, que obedece aos modernos preceitos da higiene das habitações escolares, acham-se em execução ou estão sendo projetados e orçados. Alguns ficam situados na Capital do Estado, outros se destinam às zonas de fronteira, tendo V. Ex. recomendado, quando estes que se organizem, dois tipos de construções: um para colégios elementares, nas cidades, e outro para escolas rurais isoladas (Relatório de Obras Públicas do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1918, p.5 apud ERMEL, 2011, p. 92).
O estudo sobre a educação na Primeira Republica rio-grandense requer uma análise do
papel da Igreja Católica presente no estado desde o início de sua história, tendo esta
participado efetivamente em diversos setores do processo histórico regional, especialmente a
educação.
Corsetti (1998) nos mostra que as razões da aproximação entre a Igreja Católica e os
republicanos positivistas neste período, podem ser encontradas nos valores apregoados pela
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instituição religiosa como fé, obediência, gratidão, justiça, sabedoria, além dos valores sociais
como a democracia cristã e o desprezo ao comunismo. Para essa pesquisadora:
No plano educacional, atuação da Igreja gaúcha na direção da recuperação do seu espaço, teve na escola o instrumento fundamental defendido ferreamente pela instituição através de suas lideranças, de sua revista oficial, organizações de seus seguidores leigos, enfim, de todos os meios que encontrou ou que pode criar para esse fim (CORSETTI, 1998, p. 130).
Estudos sobre a educação na Primeira República de Jaime Giolo, levaram a afirmar que
tanto “o PRR5 como a Igreja Católica, buscaram, antes, o mútuo favorecimento do que a
hostilização, embora motivos para o combate existissem de ambos os lados”, e, segundo o
pesquisador “os positivistas nunca esconderam suas incompatibilidades com a doutrina
católica apostólica romana”, contrapondo o PRR que valorizava a ciência e a religião da
humanidade, não admitindo nenhuma realidade transcendente. Entretanto, apesar dos
pontos de discórdia “o que se viu no Rio Grande do Sul foi um PRR bastante cordato com a
Igreja e uma Igreja entusiasmada com a administração republicana” (GIOLO, 1997, pag. 152-
5).
Na cidade de Pelotas, nos primeiros anos da Primeira República, pôde ser percebida a
influência atribuída aos ideários republicanos em relação à educação, através da expansão da
rede de ensino. Os pesquisadores Huch e Tambara (2005) afirmam que foi no período de
1889 a 1920 que houve uma grande expansão da rede de ensino, onde aconteceram grandes
transformações no campo educacional “como a instrução popular, o incentivo ao estudo das
mulheres, o ensino leigo e a visão de progresso onde a educação é vista como um processo e
não apenas como um fim em si mesma” (HUCH; TAMBARA, 2005, p. 69).
O auge do desenvolvimento econômico da cidade de Pelotas é atingido na segunda
metade do século XIX e início do século XX, “acompanhado de grande produção de edifícios,
cujas construções manifestam preocupações e ótimos resultados referentes à qualidade e
linguagem arquitetônica” (ROIG; POLIDORI, 1999, p.7). Os autores descrevem que foram
construídos basicamente seis tipos de prédios: os de cunho religioso, os administrativos e de
serviços, os de uso militar, os vinculados aos grandes proprietários e detentores dos meios de
produção (habitações, clubes, escolas, teatros, hotéis, etc.) e os vinculados à força de trabalho
(em geral habitações e pequeno comércio).
5 Partido Republicano Rio-grandense, se constitui num partido político moderno, o qual possuía um ideário (o positivismo) que foi insistentemente utilizado pelos seus dirigentes. Era um partido com princípios e que procurava administrar o estado em função desses princípios, bem como justificar suas ações através dele. (CORSETTI, 1998, pág. 25).
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São representantes dos cinco primeiros as construções luxuosas, muitas delas
verdadeiros monumentos; são representantes do sexto tipo os prédios singelos cuja
linguagem se consagrou mediante a absorção dos elementos gramaticais da arquitetura dos
cinco primeiros. De modo integrado e útil ao modo de produção e à estratificação social é,
portanto, que o meio urbano nasceu e adquiriu sua forma, constituindo-se palco perfeito das
relações e contradições então existentes, facilitando e espelhando o gregarismo da época.
Esse período de nossa história determinou o polo de irradiação do crescimento de Pelotas,
influenciando e condicionando até hoje a vida de seus moradores.
Pelotas prosperou graças à intensa produção de riquezas geradas pelas atividades
econômicas destacadamente vinculadas ao charque, no período de ocupação, densificação e
evolução dos primeiros loteamentos
O espaço que integra esse processo de evolução urbana apresenta características peculiares, conferindo à Pelotas identidade e configuração diferenciada na Região e no País. Como fio condutor e representante de um processo que reúne natureza, saber fazer, artefatos e gente, seu traçado urbano e sua arquitetura determinam uma espacialidade que merece ser conhecida e preservada (ROIG E POLIDORI, 1999, p. 7).
A segunda metade do século XIX, mais exatamente o período de 1860 a 1890, marca o
auge da “Opulência e Cultura” (MAGALHÃES, 1993) da cidade de Pelotas, baseada nas
fortunas geradas pela fabricação do charque. A conversão da riqueza econômica em cultura é
produto dessa época, os charqueadores mandaram seus filhos estudar em são Paulo, Rio de
Janeiro, e cidades da Europa, criando em Pelotas uma sociedade que desfrutava do lazer e
sociabilidade, valorizando a cultura. Considerações essas que nos permitem problematizar a
possível influencia desse contexto na implantação dos estabelecimentos de ensino na cidade
de Pelotas, com a valorização da cultura letrada.
A cidade ingressa no processo de modernidade ocorrida inicialmente nas capitais e
cidades maiores do país, explica Barrozo e Arriada (2014). Segundo os pesquisadores, em
Pelotas os primeiros grupos escolares foram criados associando a educação ao laicismo, a
obrigatoriedade e a gratuidade. Novos modelos com organização didático-pedagógica mais
racionais estruturavam-se em edifícios escolares com diversas salas e vários professores.
No início da República, algumas congregações católicas começaram a se instalar na
cidade e a fundar instituições educacionais privadas e outras posteriormente passaram a
atuar em instituições filantrópicas já constituídas, como os asilos para órfãs. Entre as
instituições escolares privadas destacamos o Gymnasio Gonzaga, primeiro colégio religioso
de ensino secundário de Pelotas, criado em 1894 por padres jesuítas e o Colégio São José,
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criado em 1910, administrado pelas Irmãs da Ordem de São José de Chambéry e frequentado
pelas moças da elite (CALDEIRA, 2014).
A maçonaria também teve atuação fundamental no cenário educacional pelotense. De
acordo com Amaral (2005, p. 45) “a Maçonaria encontrou, em Pelotas, um terreno fértil para
a propagação de seus ideais, pois desde o século XIX a cidade destacava-se por seu
desenvolvimento econômico cultural”. Em 1855 foi fundado o Asilo de Órfãs Nossa Senhora
da Conceição. O referido asilo foi instalado no edifício doado pela loja maçônica Sociedade
União e Concórdia. Em 1902 foi fundada a instituição educacional maçônica Gymnasio
Pelotense.
Além das instituições fundadas pelas congregações católicas e pela Maçonaria, durante
a primeira República o poder público estadual e municipal criaram outras instituições
escolares. Algumas delas ocuparam edifícios próprios construídos para o funcionamento de
escolas.
Edifícios escolares em Pelotas
Na Primeira República, Pelotas acompanha as mudanças de “modernização” da capital
federal Rio de Janeiro e das grandes cidades. O estabelecimento dos educandários
comprovam a preocupação de seus dirigentes com a educação, escolas começam a se instalar
e passam a ser construídos edifícios para abrigar estas instituições.
A expansão da rede de instituições para os diversos níveis de ensino ocorreu em Pelotas
durante a Primeira República, conforme mostra o QUADRO 1, que apresenta um inventário
organizado em ordem cronológica das instituições educacionais criadas no período estudado
e que ainda estão em funcionamento, apesar de algumas mudanças de endereço. Trata-se de
um inventário como metodologia aplicada ao estudo da arquitetura escolar de Pelotas, e a
metodologia adotada para a construção do inventário tomou como ponto de partida a revisão
bibliográfica, realização de levantamento de trabalhos que tratam do tema em teses e
dissertações dos Programas de Pós Graduação da Faculdade de Educação da UFPel (PPGE) e
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Pelotas (FAUrb/ UFPel), no Núcleo de Estudos de
Arquitetura Brasileira (NEAB/FAUrb), em sites da Secretaria de Educação de Pelotas, sites
das Instituições para levantar dados e datas e história, bem como a observação de campo. As
denominações e administrações das instituições também passaram por modificações ao
longo do tempo. Aqui são utilizadas as denominações atuais esfera pelas quais foram criadas.
As linhas em cinza significam que os prédios foram projetados e construídos para a educação
escolar, objeto desta pesquisa.
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TABELA 1 INSTITUIÇÕES ESCOLARES NA CIDADE DE PELOTAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Nº
NOME ATUAL
DO
ESTABELECIMENTO
ANO LOCALIZAÇÃO ESFERA NIVEL DE ENSINO
PÚBLICO ALVO
1 COLÉGIO GONZAGA 1894 Entorno da
Catedral
Particular
Congregação religiosa
Primário
Secundário
Técnico
Masculino
Internato externato
2 ESCOLA SÃO FRANCISCO
DE ASSIS 1889 Centro
Assistencial Congregação
religiosa
Primário
Feminino
3 INSTITUTO SÃO
BENEDITO 1901
Entorno da Catedral
Assistencial Congregação
religiosa
Primário
Feminino
4 COLÉGIO MUNICIPAL
PELOTENSE 1902 Centro
Particular
Maçonaria
Primário
Secundário
Masculino
Internato externato
5 COLÉGIO SÃO JOSÉ 1910 Centro
Particular
Congregação religiosa
Primário
Secundário
Complementar
Feminino
Internato externato
6 E.M.E.F. MINISTRO
FERNANDO OSÓRIO 1912 Bairro Três Vendas Municipal Primário
Masculino
Feminino
7 COLEGIO ESTADUAL
FELIX DA CUNHA 1913 Centro Estadual Primário
Masculino
Feminino
8 COLEGIO ESTADUAL
CASSIANO DO NASCIMENTO
1913 Centro Estadual Primário Masculino
Feminino
9 E.M.E.F. ESCOLA JOAO
AFFONSO 1920
Praça Júlio de Castilhos
Municipal Primário Masculino
Feminino
10 E.M.E.F. ESCOLA CARLOS
LAQUINTINIE 1920 Porto Municipal Primário
Masculino
Feminino
11 E.M.E.F. DONA MARIANA
EUFRÁSIA 1923 Bairro Fragata Municipal Primário
Masculino
Feminino
12 E.M.E.F.. DONA ANTONIA 1927 Centro Municipal Primário Masculino
Feminino
13 E.M.E.F. DR JOAQUIM
ASSUMPÇÃO 1927 Centro Municipal Primário
Masculino
Feminino
14 E.M.E.F. BIBIANO DE
AMEIDA 1928 Bairro Areal Municipal Primário
Masculino
Feminino
Fonte: dados coletados pelo autor, 2016 e 2017
A história da formação urbana aponta que em 1812, na Freguesia de São Franscisco de
Paula, no local denominado Pelotas, inicia a construção da catedral (hoje a Catedral São
Francisco de Paula) e em torno dela desenvolve-se a abertura das ruas do novo agrupamento
urbano, “com traçado de um quadro de perfeito xadrez, com 12 ruas no sentido norte/sul e 7
no sentido leste/oeste, compreendendo o território mais antigo da área urbana da cidade”
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(ROIG e POLIDORI,1999, pag. 19). Esta região onde se originou a cidade, está neste estudo
denominada de entorno da Catedral.
Os beneméritos Padres Jesuítas em 1895 lançaram as bases fundando o ginásio
Gonzaga “um estabelecimento de primeira ordem e do qual se honra a nossa cidade, no
entorno da Catedral. Sua fama já ultrapassou as fronteiras do estado e do País” (PIMENTEL,
1940, p.39), instalando-se no edifício construído para esta finalidade em 1899. Osório (1922)
relata que o ginásio era de propriedade da Sociedade Pe. Antônio Vieira, com sede em São
Leopoldo, neste Estado e que em 1905 foi equiparado ao Ginásio Nacional Dom Pedro II.
Este historiador local descreve o ginásio relatando que “dispõe de internato, em belo edifício,
amplo salão de festas, gabinetes de estudos e higiênicas instalações, administrando-o
competentemente, o Pe. Agostinho Scholl” (OSORIO, 1922, pag. 166). Em 1926 passou a ser
dirigido pelos filhos da Congregação de São João Batista de la Salle.
Na mesma região do entorno da Catedral foi fundado e instalado oficialmente em 1901
o Asilo de Órfãs São Benedito. De iniciativa de Luciana Lealdina de Araújo, conhecida por
“Mãe Preta”, o objetivo da instituição era recolher, amparar e instruir meninas órfãs e
desvalidas sem distinção de cor, e contando com o apoio da comunidade negra pelotense,
dando início as suas atividades na casa de número 7 no entorno da Catedral, “sendo
posteriormente transferida para o prédio da esquina da rua Félix da Cunha com a Praça José
Bonifácio, sendo que a Entidade funciona até hoje neste local” (MAGALHAES, 1991, p. 4). O
terreno para a construção do prédio do Asilo foi adquirido através de campanhas coordenada
por uma comissão de líderes pelotenses e desde 1912 que a consagração das Irmãs do
Imaculado Coração de Maria teve a incumbência do ensino primário, como também a
orientação dos serviços domésticos às meninas.
Com o passar dos anos, a povoação foi se expandindo para o sul, para onde transferiu-
se o centro da cidade e parcelas do loteamento foram reservadas para uma nova igreja, algo
que não passou das fundações, serviços públicos e praça (hoje Praça Coronel Pedro Osório).
No seu entorno estão Prefeitura Municipal, a Biblioteca Pública Pelotense, o Teatro Sete de
Abril, bem como prédios de padrão mais sofisticado, marcando a presença da classe
dominante no meio urbano, região essa, aqui neste artigo, denominada de Centro.
Localizada na região do Centro, outra instituição assistencial, a Escola São Francisco de
Assis de Pelotas, nasceu com as primeiras seis alunas, em 1889 e seis meses depois, as
meninas matriculadas já eram em número de cem. Da Congregação das Irmãs Franciscanas
da Penitência e Caridade Cristã originaria da Holanda, as primeiras irmãs chegaram a Pelotas
em 1888 a convite do vigário Pe. Canabarro, para tomar conta do Asylo de Orphãs Nossa
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Senhora da Conceição. As famílias pelotenses reconheceram os resultados do trabalho
educativo por elas realizados e manifestaram o interesse de ter tais ensinamentos para suas
filhas. Sensibilizadas com os pedidos, visando subsídios para a manutenção do asilo e
recorrendo à ajuda de professoras leigas, as irmãs deram início à escola onde, paralelamente,
eram ministrados cursos de piano, trabalhos manuais e pintura (ALMANAQUE GAÚCHO,
2014).
A Maçonaria em Pelotas, empenhada na disseminação de escolas onde o ensino leigo
assegurasse a liberdade de consciência aos futuros cidadãos de uma democracia, fundou o
Ginásio Pelotense em 1902, como “uma alternativa de ensino laico de elevada qualidade,
destinado a camadas mais abastadas da sociedade, e que se contrapunha ao Gonzaga, criado
pelos jesuítas” (AMARAL, p.175, 2003). Instalado provisoriamente no entorno da Catedral,
foi no mesmo ano transferido para o Centro, em edifício próprio, um palacete familiar
adaptado para fins educacionais. Osorio (1922) relata que “tal sendo tomou esse
estabelecimento que na direção de Francisco R. de Araújo foi equiparado (8 de janeiro de
1906) ao Ginásio Nacional” (OSORIO, 1922, pag. 165). Atualmente recebe a denominação de
Colégio Municipal Pelotense e desde 1961 ocupa prédio próprio em um local próximo ao
Centro da cidade.
Na região do Centro, porém afastado da zona comercial, dos ruídos e movimentos mais
intensos, em 1910 passa a funcionar o conceituado Colégio São José, uma instituição para
moças, oferecendo inclusive internato para alunas provenientes de zonas mais afastadas.
Dirigido pelas Irmãs Francesas da Congregação de São José de Chambéry, conforme relata
Osório (1922), funcionou os primeiros anos em prédio alugado à Rua 15 de Novembro,
passando a funcionar em 1916:
[...] Em local bem central o moderno e solido predio do acreditado Collegio São José é todo iluminado a luz electrica, com amplos e confortaveis accommodações, obdecendo todos os preceitos da mais rigorosa hygiene. Em todas as aulas, dormitorios, salões e gabinetes de estudo etc., nota-se exemplar organisação, rigoroso asseio e muito bom gosto. [...] (CARRICONDE, 1922, s/p.).
Ainda no Centro localizaram-se os Colégios elementares, que foram estabelecidos no
Rio Grande do Sul a partir do ano de 1906, com a finalidade de desenvolver o ensino
elementar e preparar candidatos para o magistério público primário. Os Colégios elementares
foram organizados em um primeiro momento nas cidades do interior do Rio Grande do Sul,
sob uma fiscalização bastante rigorosa, mantidos pelo Estado sendo ministrado o ensino
graduado (PERES, 2000). Os colégios elementares Félix da Cunha e Cassiano do Nascimento
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foram instalados em Pelotas utilizando residências alugadas e adaptadas para a função
educativa.
O incremento da população amplia o perímetro urbano mais para o sul, até o Canal do
São Gonçalo, zona de atividade portuária, por onde escoava a produção pelotense,
impulsionando a atividade industrial, no início o charque e depois os produtos
manufaturados das indústrias localizadas nas proximidades. No presente artigo essa região
está sendo denominada Porto.
Na Pelotas de 1920, “o Intendente Municipal Pedro Luis Osório inicia a construção de
edifícios adequados para a Escola Carlos Laquintinie localizado na Praça Domingos
Rodrigues na região do Porto, e a Escola João Affonso localizados na Praça Júlio de Castilhos
(hoje Dom Antônio Zattera), afastadas do centro da cidade. A criação desse modelo de escola,
logo foi percebido pelas autoridades públicas como algo novo, moderno e eficiente”
(Relatório de 1926, p.72 apud BARROZO 2014, p. 457). Como demonstração do empenho
patriótico deste Intendente em prol da instrução municipal, a seguinte circular foi por ele
dirigida, em abril de 1922, aos professores de Pelotas: “Comunico-vos, pela presente Circular,
achar-se dividida - EM ZONAS – esta cidade, para fim de intensificar-se, de modo prático, a
cruzada contra o analphetismo”. Continua afirmando que: “Não poderá prevalecer a alegação
da falta de escolas, dissiminadas, como aqui se encontram, pelos governos estadual e
municipal, a par do ensino particular [...]” (OSORIO, 1922, pag 167).
Essa valorização do ensino, em especial do ensino primário, levou o governo do
Intendente Augusto Simões Lopes a investir nessa área, mandando construir o G. E. Dr.
Joaquim Assumpção, considerado grupo escolar modelo e que foi expressão máxima de
modernização pedagógica em Pelotas. Um prédio suntuoso e estrategicamente construído no
espaço urbano, localizado no Centro, sendo destaque em nota do jornal: “O bello edificio, que
altamente honra a esthetica da nossa cidade, com suas vastas salas cheias de ar e de luz,
construidas de accordo com as mais exigentes regras da moderna hygiene escolar” (DIÁRIO
POPULAR, 02/08/1927, apud PERES, 2004, p. 103).
Durante sua administração, Simões Lopes realizou muitas obras de melhorias de
infraestrutura em Pelotas, conforme descreve Magalhães (1990, fasc. III, p12,) “a instrução
pública em Pelotas, teve no Intendente Dr. Augusto Simões Lopes um abnegado
incentivador”. Entre outras obras que o seu governo criou, a ele deve-se também o
ajardinamento da Avenida Saldanha Marinho e neste espaço, no Centro, foi construído o
Grupo Escolar do D. Antonia, uma doação feita pelo Dr. Edmundo Berchon, por dádiva
particular em memória de sua esposa. Noticiava o jornal: “Funccionam na cidade de Pelotas
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dois grupos escolares municipaes, installados em prédios construidos especialmente para
esse fim, com todas as comodidades dos mais modernos estabelecimentos de ensino” A
matéria explica que ambos possuem gabinetes dentários e consultórios médicos para os
colegiais, suas instalações sanitárias são perfeitas, e a agua é filtrada e fornecida aos
estudantes em bebedouros higiênicos. (PERES, 2004, PAG.103).
Na virada do século, nos arredores da cidade existiam alguns aglomerados de
população dispersos, principalmente ao longo das estradas que ligavam a cidade à campanha,
às "colônias" formadas por população imigrante com suas pequenas fazendas produtoras de
alimentos; e às charqueadas, formando assim, uma rede viária suburbana perto da
cidade. “Esta rede, na forma de seus vetores de crescimento constituíram os "tentáculos" pelo
qual a cidade foi abastecida de alimentos e matérias-primas. Mais tarde eles se tornaram o
principal rede de expansão do espaço urbano de Pelotas” (SOARES,2006).
Segundo Moura(2006), como exemplo de estradas estruturadoras dos futuros bairros
aparece a estrada Domingos de Almeida, um dos eixos do futuro bairro do Areal, onde foi
construído o Grupo Escolar Bibiano de Almeida. Outra era a estrada das Três Vendas (hoje
Avenida Fernando Osório), eixo de ligação do bairro Três Vendas com o centro urbano, local
de instalação do Grupo Escolar Fernando Osorio. A Estrada do Fragata (hoje avenida Duque
de Caxias) era o principal acesso entre o centro urbano e a zona oeste da cidade, e quanto ao
município, era esta estrada que conectava a cidade com a região da Campanha, onde se criava
o gado que abastecia as charqueadas pelotenses, sendo nessa região construído o Grupo
Escolar D. Mariana Eufrásia.
Considerações finais
Este artigo buscou contribuir com o desenvolvimento de estudos acerca da história da
educação regional e local, tendo como o foco de interesse a organização do espaço escolar, e
sua relação com o contexto urbano, conciliando duas áreas do conhecimento: a arquitetura e
urbanismo e a educação. Buscando uma interpretação do contexto sócio espacial da pesquisa
ora realizada, sentiu-se a necessidade de investigar a localização espacial, as regiões e os
bairros onde as instituições educacionais foram instaladas. Procuramos responder questões
como: Porque aquele grupo escolar foi instalar-se naquele bairro? Como esse bairro está
hierarquizado dentro da cidade? Buscamos dimensionar essa a paisagem urbana e a
localização dos bairros na cena da cidade, para entender porque as escolas estão ali. O estudo
da localização das instituições escolares mostra que sua implantação acompanhou a
expansão urbana da cidade. As instituições privadas registram uma localização em zonas
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centrais, especialmente as de caráter religioso que atendiam as elites que residiam nas
imediações. As escolas públicas, voltadas para as camadas populares urbanas estão em barros
na região periférica da cidade, em núcleos populacionais mais densos localizados nas vias
principais de acesso à cidade.
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