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Marlene TEIXEIRA [email protected] Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada Mestrado Profissional em Enfermagem A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO E O CAMPO APLICADO I CIED (I Congresso Internacional de Estudos do Discurso) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo (USP) MESA TEMÁTICA: INTERAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS

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Marlene TEIXEIRA [email protected]

Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada

Mestrado Profissional em Enfermagem

A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO E O CAMPO APLICADO

I CIED (I Congresso Internacional de Estudos do Discurso) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Universidade de São Paulo (USP)

MESA TEMÁTICA: INTERAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS

ÉMILE BENVENISTE

27/05/1902 (Aleppo)

03/10/1976 (Paris)

Objetivo

Mostrar que a teoria da linguagem de Benveniste ultrapassa as análises formais

de marcas da enunciação, iluminando questões de ordem mais geral sobre as

relações entre a linguagem e o homem.

Por que falar sobre esse tema?

- superar a tendência a reduzir o ensino de

Benveniste à perspectiva indicial

- dar visibilidade a seu potencial heurístico para fundamentar estudos sobre a atividade de linguagem

em diferentes contextos

Tópicos:

O que faz do ensino de Benveniste uma fonte inesgotável

Particularidades de seu ensino

O que constitui hoje seu ensino

A atualidade de seu pensamento

Uma obra de circulação multidisciplinar

Indicações de abertura anunciadas pelo próprio Benveniste

Um projeto a desenvolver: a metassemântica

O que faz do ensino de Benveniste uma fonte

inesgotável?

Roland Barthes (1988, p. 181) tem a melhor resposta:

Tudo é claro no livro de Benveniste, tudo nele

pode imediatamente ser reconhecido como

verdade; e, no entanto, tudo também nele não faz

mais do que começar.

• Um pensamento em construção

O leitor é convocado a uma co-autoria

Particularidades do ensino de Benveniste

• A instituição do problema como modo de pensar

Se os apresentamos sob a denominação de problemas isso se deve ao fato de trazerem em conjunto, e cada um em particular, uma contribuição ao grande problema da linguagem, que se formula nos principais temas tratados: encaram-se as relações entre o bilógico e o cultural, entre a subjetividade e a socialidade, entre o signo e o objeto, entre o símbolo e o pensamento, e também os problemas da análise intralinguística.

(BENVENISTE, Prefácio de PLG I)

Particularidades do ensino de Benveniste

• Uma aguda capacidade de polemizar

“(...) às vezes é útil pedir à evidência que se justifique.” (PLGI, p. 284)

“(...) bem antes de servir para comunicar, a linguagem serve para viver.”

(PLG II, p. 222)

Particularidades do ensino de Benveniste

O ensino de Benveniste hoje

Obras mais conhecidas:

• Problemas de Linguística Geral I (1966/1988) • Problemas de Linguística Geral II (1974/1989)

Obras já traduzidas, mas pouco exploradas:

• BENVENISTE, Émile. O vocabulário das instituições indo-europeias: economia, parentesco e sociedade. Campinas, SP, editora da UNICAMP, 1995. (Volume I).

• BENVENISTE, Émile. O vocabulário das instituições indo-europeias: poder, direito,

religião. Campinas, SP, editora da UNICAMP, 1995. (Volume II).

O ensino de Benveniste hoje

BENVENISTE, É. Baudelaire. Présentation et transcription de Chloé Laplantine.

Limoges, Éditions Lambert-Lucas, 2011.

BENVENISTE, É. Últimas aulas no Collège de France (1968-1969).

São Paulo: Editora da UNESP, 2014.

O ensino de Benveniste hoje

Inúmeros manuscritos do autor encontram-se em diferentes instituições:

Departamento de Manuscritos da Biblioteca Nacional da França

Universidade de Alaska Fairbanks (Alasca, EUA)

Collège de France

Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine

Universidade de Berna (Suíça)

Atualidade do pensamento de Benveniste

DESSONS, G. Émile Benveniste, l’invention du discours. Paris: Editions In Press, 2006.

ONO, A. La notion d’énonciation chez Émile Benveniste. Limoges: Lambert-Lucas, 2007.

Atualidade do pensamento de

Benveniste

LAPLANTINE, C. Émile Benveniste, l’inconscient et le poème. Limoges: Éditions Lambert-Lucas, 2011.

ADAM, J.-M.; LAPLANTINE, C. (orgs.). Les notes manuscrites de Benveniste

sur la langue de Baudelaire. Semen 33, 2012.

BRUNET, É.; MAHRER, R. Relire Benveniste: réceptions actuelles des Problèmes de Linguistique Générale. Bruxelles: Academia, coll.

“Sciences du langage: carrefours et points de vue”, n. 3, 2011.

Atualidade do pensamento

de Benveniste

FLORES, V. N. et al. Enunciação e gramática. São

Paulo: Contexto, 2008.

SILVA, C. L. C. A criança na linguagem: enunciação e aquisição. Campinas, S.P., Pontes, 2009.

FLORES, V. N. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013.

Uma obra de circulação multidisciplinar

O pensamento de Benveniste desenvolveu-se em um profundo diálogo com outras áreas (antropologia, psicanálise,

sociologia e filosofia, principalmente).

• Teve pouca escuta entre os linguistas de sua época • Seu ensino é de interesse muito amplo

Uma obra de circulação multidisciplinar

O interesse por Benveniste é visível ainda hoje

• na filosofia DUFOUR, D. R. Os mistérios da trindade. Trad. de Dulce Duque Estrada.

Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.

AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Trad.de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Ed. Da UFMG, 2008.

AGAMBEN, G. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III).

Trad. De Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.

• na antropologia CASTRO, E. V. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio.

Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.

Indicações de abertura anunciadas pelo

próprio Benveniste

Em Da subjetividade na linguagem (PLG I, p. 293):

Muitas noções na linguística, e talvez mesmo na psicologia, aparecerão sob uma luz diferente se as restabelecermos no quadro do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que fala, e sob a condição da intersubjetividade, única que torna possível a comunicação linguística. (Grifos meus)

Amplas perspectivas se abrem para a análise das formas complexas do discurso, a partir do quadro formal esboçado aqui. (Grifo meu)

Em O aparelho formal da enunciação (PLG II, p. 90):

Em Semiologia da língua (PLG II, p. 67):

Benvensite propõe a ultrapassagem da noção saussuriana do signo como princípio único de que dependeriam simultaneamente a estrutura e o funcionamento da língua.

Essa ultrapassagem se fará por duas vias:

- na análise intralinguística: pela abertura de uma nova dimensão de significância, a do discurso, que Benveniste denomina semântica;

- na análise translinguística dos textos, das obras pela elaboração de uma metassemântica, construída sobre a semântica da enunciação.

Em Semiologia da língua (PLG II, p. 67), é anunciada a ampliação do escopo da teoria de Benveniste para a análise translinguística,

que tem por objeto:

• os textos

• as obras

• o que ele chamará mais tarde de “as formas complexas do discurso” (PLG II, p. 90)

• o que Ono (2007, p. 135) chama de “as atividades significantes dos homens em sua interação social”.

Um projeto a desenvolver: a metassemântica

O que é a metassemântica? E a translinguística?

Metassemântica (em outros textos nomeada como: “semiologia geral”, “verdadeira

ciência da cultura”)

Trata-se de projeto de formação de uma “grande antropologia”, isto é, de uma “ciência geral do homem” que integre todo o conjunto das

ciências humanas, fundada no princípio de que não há relação direta entre o homem e homem; entre o homem e o mundo.

A metassemântica fundamenta as análises translinguísticas (dos

textos, das obras, das formas complexas do dicurso)

A representação imediata de si, do outro, do

mundo não é possível.

Benveniste nos faz renunciar a um conceito de origem que separaria no tempo “um antes-de-si e um depois-de-si” (AGAMBEN, 2008, p. 60).

Podemos dizer, então, que a experiência

humana não precede cronologicamente a linguagem, mas coexiste originalmente com

ela.

A linha de pesquisa que coordeno junto ao PPG LA inscreve-se no âmbito da metassemântica /

da translinguística.

Parte do princípio de que a enunciação dá a ver a experiência humana, que se coloca e se situa

na e pela linguagem, numa relação indissociável entre eu e tu, que entram em

relação no seio da sociedade, no seio de uma cultura.

A linguagem e a experiência humana

• A dimensão relacional da enunciação

(...) Não atingimos nunca o homem separado da linguagem

e não o vemos nunca inventando-a. (...) É um homem falando que encontramos no mundo, um homem

falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição de homem.

(PLG I, p. 285).

(grifos meus)

(...) o diálogo é a condição da linguagem humana. Falamos com outros que falam, tal é a realidade humana. (PLG I, p. 65).

(...) toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma

alocução, ela postula um alocutário (PLGII, p. 84)

Como forma de discurso, a enunciação coloca duas ‘figuras’ igualmente necessárias, uma origem, a outra, fim da

enunciação. Duas figuras na posição de parceiros são alternativamente protagonistas da enunciação. Este quadro é

dado necessariamente com a definição de enunciação. (PLG II, p. 87).

•A dimensão relacional da enunciação

Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo.

(PLGII, p. 84).

• A dimensão cultural da enunciação

Toda criança e em todas as épocas, “aprende

necessariamente com a língua os rudimentos de uma cultura” (PLGII, p. 23, grifos meus).

• O « mundo » faz parte da enunciação

•A intersubjetividade funda a subjetividade

O sujeito é um ponto de chegada, não um ponto de partida. (CAPT, 2013, p. 82).

(...) todo eu está à espera de um tu para ser. (CAPT, 2013, p. 91).

O sujeito não é anterior à língua. Ele é resultado da enunciação. Ele se inventa ou se reinventa a cada uma de suas

enunciações ; só existe pelo fato de falar e falar com, Ele emerge sem cessar como efeito, na e pela linguagem,

radicalmente atravessado pela cultura.

Direções das pesquisas:

• estudo das condições enunciativas de instauração da experiência de trabalho, especialmente, em práticas de cuidado em saúde, mas também em práticas de outros

campo profissionais.

• estudo da repercussão das notas sobre a língua poética de Baudelaire na linguística da enunciação de

Benveniste e na análise da significância em textos literários.

• estudo do processo de escrita, com ênfase na escrita

escolar.

ADAM, Jean-Michel. A linguística: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008, p. 39.

REFERÊNCIAS

ADAM, Jean-Michel. A linguística: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez. ____.Le programme de la “translinguistique des textes, de oeuvres” et sa réception au seuil des années 1970. In: BRUNET, Émilie; MAHRER, Rudolf. Relire Benveniste: réceptions actuelles des Problèmes de Linguistique Générale. Bruxelles: Academia, coll."Sciences du langage: carrefours et points de vue", n° 3, 2011. p. 123-147. AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 139-164. BENVENISTE, Émile. Problemas de linguistíca geral, I. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1988. ____. Problemas de linguistíca geral, II. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1989. CAPT, Vincent. Poétique des écrits bruts. Limoges: Éditions Lambert-Lucas, 2013. FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013.