huyssen (sobre gde divisão e performance)_o novo museu de andreas huyssen e a performance

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Vc, ia… Vapores contínuos, iluminações abismais… O novo museu de Andreas Huyssen e a Performance 21/03/2012 ~ maitamb Neste texto pretendo relacionar algumas das proposições feitas por Andreas Huyssen em seu livro Memórias do Modernismo com a Performance Art, mostrando como esta, que pretende-se enquanto vanguarda, em sua forma de ser, contribui para a crítica da arte na modernidade e confirma a transformação, sinalizada por Huyssen, na estrutura de temporalidade que vivemos contemporaneamente. A principal temática abordada por Huyssen é a modernidade e seu inerente ímpeto de musealização, portanto para o autor temas como a memória, amnésia, distinções entre alta cultura e cultura de massas, relações entre museu e vanguarda são características que vão para além dos muros dos museus, penetrando profundamente na forma como o mundo ocidental se constrói. Para o autor as obras de arte no modernismo se constituíram a partir de uma estratégia de exclusão, sob um discurso que apostava na distinção categórica entre alta arte e cultura de massas, pautada unicamente em termos qualitativos. Essa crença na autonomia da obra de arte mostrou-se em alguns momentos resistente e dominante, já em outros fluida e frágil e sem dúvidas produziu muitas idas e vindas ao longo do último século, fertilizando assim o debate no campo das artes e da política( e suas respectivas instituições). Os museus são para Huyssen definidores da identidade cultural ocidental e a partir da análise dos temas que o exercer de seu(s) papel(eis) suscitam podemos sinalizar as transformações pelas quais as artes de vanguarda passaram, chegando assim a criar novas linguagens artísticas, como a Performance. A Performance é uma linguagem artística multidisciplinar e híbrida que surge na metade do século XX inspirada nas Vanguardas Artísticas surgidas no início deste. Sendo seu objetivo questionar os limites entre vida e arte, intentando romper com a arte estabelecida, produzindo uma arte da contestação, como sinaliza Renato Cohen em seu livro Performance como Linguagem. Uma das principais características da Performance são as muitas linguagens utilizadas na constituição da obra, lança-se mão de elementos do teatro, da dança, das artes plásticas, etc. Essa colagem de muitos elementos possibilitou que os questionamentos e críticas que surgiam a partir das obras classificadas como performance penetrassem dos diversos segmentos e áreas artísticas, enfatizando sobretudo a contextualização das obras, afinal se qualquer coisa poderia ser arte(mesmo um urinol) o que estava em jogo não era mais o caráter especifico do objeto em si, mas sim seu conceito e contexto. Isto vai de encontro e rompe com o que Huyssen descreve como o medo de contaminação existente na O novo museu de Andreas Huyssen e a Performance | Vc, ia... http://maitamb.wordpress.com/2012/03/21/o-novo-museu-de-andreas-h... 1 de 3 17/10/2013 19:13

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Andreas Huyssen - sobre seu livro "Depois da grande divisão" e sobre performance

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Page 1: HUYSSEN (Sobre Gde Divisão e Performance)_O Novo Museu de Andreas Huyssen e a Performance

Vc, ia…

Vapores contínuos, iluminações abismais…

O novo museu de Andreas Huyssen e

a Performance

21/03/2012 ~ maitamb

Neste texto pretendo relacionar algumas das proposições feitas por Andreas Huyssen em seu livro

Memórias do Modernismo com a Performance Art, mostrando como esta, que pretende-se enquantovanguarda, em sua forma de ser, contribui para a crítica da arte na modernidade e confirma atransformação, sinalizada por Huyssen, na estrutura de temporalidade que vivemoscontemporaneamente.

A principal temática abordada por Huyssen é a modernidade e seu inerente ímpeto de musealização,portanto para o autor temas como a memória, amnésia, distinções entre alta cultura e cultura demassas, relações entre museu e vanguarda são características que vão para além dos muros dosmuseus, penetrando profundamente na forma como o mundo ocidental se constrói.

Para o autor as obras de arte no modernismo se constituíram a partir de uma estratégia de exclusão,sob um discurso que apostava na distinção categórica entre alta arte e cultura de massas, pautadaunicamente em termos qualitativos. Essa crença na autonomia da obra de arte mostrou-se em algunsmomentos resistente e dominante, já em outros fluida e frágil e sem dúvidas produziu muitas idas evindas ao longo do último século, fertilizando assim o debate no campo das artes e da política( e suasrespectivas instituições).

Os museus são para Huyssen definidores da identidade cultural ocidental e a partir da análise dostemas que o exercer de seu(s) papel(eis) suscitam podemos sinalizar as transformações pelas quais asartes de vanguarda passaram, chegando assim a criar novas linguagens artísticas, como a Performance.

A Performance é uma linguagem artística multidisciplinar e híbrida que surge na metade do século XXinspirada nas Vanguardas Artísticas surgidas no início deste. Sendo seu objetivo questionar os limitesentre vida e arte, intentando romper com a arte estabelecida, produzindo uma arte da contestação,como sinaliza Renato Cohen em seu livro Performance como Linguagem.

Uma das principais características da Performance são as muitas linguagens utilizadas na constituiçãoda obra, lança-se mão de elementos do teatro, da dança, das artes plásticas, etc. Essa colagem demuitos elementos possibilitou que os questionamentos e críticas que surgiam a partir das obrasclassificadas como performance penetrassem dos diversos segmentos e áreas artísticas, enfatizandosobretudo a contextualização das obras, afinal se qualquer coisa poderia ser arte(mesmo um urinol) oque estava em jogo não era mais o caráter especifico do objeto em si, mas sim seu conceito e contexto.Isto vai de encontro e rompe com o que Huyssen descreve como o medo de contaminação existente na

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arte moderna, onde o único imperativo é o Grande Divisor distintivo entre alta arte e cultura demassas.

Richard Schechner, importante teórico da performance e fundador de um grupo de teatroexperimental ainda nos anos anos 60, reafirma uma posição semelhante a de Huyssen em seu texto “Oque é Performance?”: “mesmo que uma performance tenha uma grande dimensão estética, isto não énecessariamente ‘arte’(…)decidir o que é arte depende do contexto, da circunstância histórica, do usoe das convenções locais”(SCHECHNER, 2006.)

Em outras palavras, o que está em xeque, tanto para as artes performáticas quanto para as exposiçõesem museus, não é mais unicamente definir o que é arte ou não, ou ainda, contemplar o sublime deuma obra de arte. A pós-modernidade trouxe consigo novas formas de relacionar-se com as obras dearte: nos museus podemos pensar a estandartização das exposições temporárias, que servem comoentretenimento de massa, na performance podemos pensar o rompimento com a questão narrativa,onde o que está em jogo não é mais entender a mensagem, mas senti-la, vivê-la, experimentá-la. E istoexemplifica apenas uma das facetas de cada um. Sendo que ambas sofrem suas críticas políticasconservadoras que pretendem-se progressistas, podendo o acesso massivo ao museu, por exemplo, sercriticado como mera máquina de simulação assim como a televisão. Isso demonstra um paradoxo, poiscreio que existe em ambas a intenção de romper, primeiro com o elitismo do acesso e segundo com oelitismo conceitual-intelectual de entendimento , os caminhos pelos quais isso se dá são um tantoimprevistos, mas carregam com si o choque da experimentação de sensações e possibilidades.

Neste sentido podemos afirmar então que os impulsos pelos quais se encaminharam as artes nasegunda metade do século XX, com o surgimento do pós-modernismo, não seriam os mesmos sem osexperimentos no campo da Performance, que pretendia-se crítica ao institucional, ao passo quetambém não seria o mesmo sem a presença dos museus, que incorporaram as vanguardas, mantendo-se como “espaço para reflexões sobre a temporalidade, a subjetividade, a identidade e a alteridade”(HUYSSEN, 1997).

A questão de espaço e tempo e formações de subjetividade parece ser um dos pilares que encadeiamesta grande discussão, repleta ambivalências que são marcas especiais na arte contemporânea . Afinal,uma nova dimensão de vivência toma forma com a pós-modernidade, a capacidade tecnológica dearmazenamento de informações, por exemplo, modifica minuto a minuto nossa relação com o mundo,que torna-se mais acelerado e não-sincrônico em nossa percepção. Disto saltam duas características, aamnésia causada pela vertigem e a sede quase que inesgotável pela memória, enquanto forma derecuperação de uma identidade em fragmentação. Como ressalta Huyssen:

“Ostatustemporaldequalqueratodamemóriaésempreopresenteenão,como certaepistemologiaingênuapensa,oprópriopassado,mesmoquetodamemória,num sentidoinerradicável,sejadependentedealgumacontecimentopassado,oudealguma experiência.Éestatênuefissuraentreopassadoeopresentequeconstituiamemória, fazendo-apoderosamentevivaedistintadoarquivooudequalqueroutromerosistemadearmazenamentoerecuperação.Ainstabilidadedamemória,assim,nãoéapenasoresultadodealgocomoumesquecimentogeracionalnaturalquepodesercontra-atacadoatravésdeumarepresentaçãomaisconfiável.Emvezdisso,elaestádadanasprópriasestruturasda representaçãodesi.”(HUYSSEN,1997)

Se pensarmos a memória não enquanto algo já constituído localizado no passado, mas talvez comouma seleção consciente deste, admitindo assim que o passado é articulado para se transformar emmemória, possibilitamos a melhor compreensão desse novo papel dos museus e também das artesperformáticas, que primam pela presença. As escolhas que constituem o presente ou a memória, sãopolíticas e não impulsos naturais. A questão então não é mais apenas arquivar tudo, mas ter aconsciência do que e do porque se arquiva.

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A performance em sua incessante busca pela presença, em seu desejo de não cristalizar a artemostra-se o tempo todo como algo em movimento, algo que nunca se completa e não chega nunca aoseu objetivo final. Neste sentido pode-se dizer que ela seria o oposto do museu em seus termosclássicos, mas complementar ao museu que Huyssen sinaliza a partir da pós-modernidade, sendo aPerformance constituidora/constituinte deste Museu.

Uma das questões que poderíamos também pensar é a materialidade dos objetos, se o museu aprincipio vê na preservação dessa materialidade uma garantia de não se perder na era da produçãoincessante de objetos(e também delimita quais objetos materiais merecem ser preservados), napós-modernidade a materialidade na qual a performance se pensa é uma materialidade fadada ao fim,pois é orgânica, o próprio corpo do performer é sua obra de arte. A preservação ganha outro sentido.

A preocupação com o que não é simulacro é característica das Vanguardas Artísticas, tanto as do iníciodo século, quanto as que se organizaram nos anos 60 para executar a experiência artística do mundoatravés do que se chama Performance. Obviamente o resultado disso são experimentos radicais quechocam e modificam o cotidiano, um expectador que assiste no MOMA Marina Abramovic sentadaem silêncio diante de uma pequena mesa por 716horas, pode certamente passar a se perguntar qual é adiferença entre ele em seu cotidiano e ela. Essa nebulosidade produzida sobre as fronteiras entre arte evida, entre conceito e ação, entre Brasil e México, entre enfim, qualquer fronteira que pretende-se bemdelimitada é questionada pelas vanguardas.

No entanto, esse incessante derrubar de muros é criticado, principalmente pela tradição doanti-capitalismo romântico como enganadora e perigosa. E sem dúvida o é, a questão é que esse risco éinevitável e negá-lo pode ser menos frutífero do que encará-lo e discuti-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. Sâo Paulo, Editora Perspectiva, 2004. 2ºedição.

HUYSSEN, Andreas. Memórias do Modernismo, Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1997.

SCHECHNER, Richard. 2006. “O que é performance?”, em Performance studies:anintroduccion,second edition. New York & London: Routledge, p. 28-51

Esta entrada foi publicada em filosofias internas baratas, malhando a bunda na cadeira. ligaçãopermanente.

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