homo juridicus

14
Homos juridicus Capitulo 1 – o significado do ser humano: imago dei Ao passo que a religiao remetia ao além a superação da condição humana, a ciência e a tecnologia nos deixam entrevê-la aqui na terra. No ocidente , o homem se concebeu à imagem de Deus, querendo se libertar de qualquer limite. Sonho de ilimitado também é promessa de decomposição , pois só quando o homem decompoe são abolidos os limites. Constituição normativa do ser humano Nada mais dificultoso do que apreender o que nos fundamenta Como todo animal, de inicio o homem esta no mundo por seus sentidos, mas diferente dos outros, tem acesso , mediante a linguagem, a um universo que transcende o aqui e agora da experiencia sensivel. Homem atraves da imaginacao, razao, conhece uma liberdade que nenhum animal jamais conheceu. Reconstroi um outro mundo possivel , onde confere sentido aos objetos. Uma vez nesse mundo simbolico, apenas a morte cerebral pode fazer-nos sair dele. Nossa existencia se desenrola, então, ao mesmo tempo no universo físico de nosso ser biológico e seu meio ambiente natural, e no universo simbólico das palavras e dos objetos que o espirito humano carregou de sentido. Pelo gesto que modela as coisas e a fala que os designa, o Homem tem acesso a uma liberdade: de reconstruir o mundo à sua imagem, de conferir um sentido às coisas. Para entrar no universo do sentido deve-se renunciar a modelar o mundo apenas à sua imagem. Cada um deve fazer o aprendizado dos limites que delimitam a subjetividade. Deve aprender a separar o que provem do imaginário e o que provem da realidade, somente então podera por sobre as coisas a marca de sua mente. É alienado aquele que é preso a sua propria visão do mundo e é alheio as sentido que dão os outros homens, sendo incapaz de transmitir essa visão. Para entrar no universo do sentido, o homem deve largar a pretensão a ditar o sentido do universo e reconhecer que esse sentido vai alem de seu unico entendimento. Ciência moderna = forma mais radical dessa renuncia à pretensao de atribuir sentido ao mundo, pois seu objeto é o universo dos sentidos (não o do sentido). Verdadeiro procedimento cientifico procura o como, não o por que.

Upload: helbert-henrique

Post on 16-Feb-2015

118 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

Page 1: Homo Juridicus

Homos juridicus

Capitulo 1 – o significado do ser humano: imago dei

Ao passo que a religiao remetia ao além a superação da condição humana, a ciência e a tecnologia nos deixam entrevê-la aqui na terra.

No ocidente , o homem se concebeu à imagem de Deus, querendo se libertar de qualquer limite. Sonho de ilimitado também é promessa de decomposição , pois só quando o homem decompoe são abolidos os

limites.

Constituição normativa do ser humano

Nada mais dificultoso do que apreender o que nos fundamenta Como todo animal, de inicio o homem esta no mundo por seus sentidos, mas diferente dos outros, tem acesso ,

mediante a linguagem, a um universo que transcende o aqui e agora da experiencia sensivel. Homem atraves da imaginacao, razao, conhece uma liberdade que nenhum animal jamais conheceu. Reconstroi

um outro mundo possivel , onde confere sentido aos objetos. Uma vez nesse mundo simbolico, apenas a morte cerebral pode fazer-nos sair dele. Nossa existencia se desenrola, então, ao mesmo tempo no universo físico de nosso ser biológico e seu meio

ambiente natural, e no universo simbólico das palavras e dos objetos que o espirito humano carregou de sentido. Pelo gesto que modela as coisas e a fala que os designa, o Homem tem acesso a uma liberdade: de reconstruir o

mundo à sua imagem, de conferir um sentido às coisas. Para entrar no universo do sentido deve-se renunciar a modelar o mundo apenas à sua imagem. Cada um deve

fazer o aprendizado dos limites que delimitam a subjetividade. Deve aprender a separar o que provem do imaginário e o que provem da realidade, somente então podera por sobre as coisas a marca de sua mente.

É alienado aquele que é preso a sua propria visão do mundo e é alheio as sentido que dão os outros homens, sendo incapaz de transmitir essa visão.

Para entrar no universo do sentido, o homem deve largar a pretensão a ditar o sentido do universo e reconhecer que esse sentido vai alem de seu unico entendimento.

Ciência moderna = forma mais radical dessa renuncia à pretensao de atribuir sentido ao mundo, pois seu objeto é o universo dos sentidos (não o do sentido).

Verdadeiro procedimento cientifico procura o como, não o por que. Ciencia visa o apagamento do sujeito em face do objeto. Postula que os homens são capazes de chegar a um

acordo sobre uma representação do mundo compativel com a vida dos sentidos. Essa capacidade é a razão humana (condição do procedimento cientifico)

Razão humana é sempre uma conquista, de um sentido compartilhado, no qual cada um possa acreditar, pois explica sua experiencia sensivel. Repousa em certezas indemonstraveis.

O sentido é necessariamente posto. Para tornar-se dotado de razao, o homem deve atingir um universo de simbolos no qual as coisas que o rodeiam e ele proprio adquirem significado.

A heteronomia da lingua impoe-se a todos. É uma condição da discussao e , portanto, não pode ser discutida. A lingua, religiao, lei, rito = normas fundadoras do ser humano que , assim seguro de uma ordem existente,

podera inserir nela sua acao, ainda que contestadora. Incluir a razão é permitir combinar a finitude de sua existencia fisica com a infinitude do universo mental. Devemos aprender a inserir no universo do sentido o nascimento(nos inserimos numa corrente de geração, somos

devedores de vida), sexo(encarnamos apenas uma metade da humanidade e precisamos da outra) e morte(admitir que o mundo sobrevivera a nós. Nossa vida é submetida a uma coerçao que nos supera, e assim compreender a ideia de NORMA). Homem tambem pode imaginar um mundo onde esses limites não existam(ex . : universo védico, eva nascida de uma costela, hipotese da clonagem)

Sentimento religioso- marca distintiva do ser humano.

Page 2: Homo Juridicus

Clonagem humana não visa deslocar os limites que cerceiam a acao do homem sobre a natureza(nascimento, sexo e morte), mas apagar os limites constitutivos dele. Produzindo o homem a sua imagem, o homem realizaria seu sonho: ocupar o lugar de Deus pai e escapar assim de todos os limites que definem a condição humana. Projeto da clonagem so podia nascer no contexto antropologico ocidental(concebe homem a imagem de Deus)

Os fundamentos jurídicos da pessoa

Homem de um ponto de vista juridico (subjetiva)– sujeito dotado de razão e titular de direitos inalienaveis e sagrados.

Homem de um ponto de vista cientifico (objetiva) – objeto de conhecimento, cujas leis de comportamento a biologia, economia, etc, permitem descobrir e explicar.

Afirmaçao dogmatica: homem é um sujeito capaz de razão para a ciencia seja possivel. Nos tempos modernos, a relacao entre sujeito com objeto, do espirito com a materia , tornou-se principio geral de

inteligibilidade e dominação do mundo. Periodo contemporaneo(em seguida das Luzes) : Ciência ( tomou lugar da religião como o verdadeiro), do Estado

(promovido a Sujeito onipotente, fonte viva e suprema das leis) e do Homem (tornou fim em si mesmo) Imago Dei – homem concebido a imagem de Deus. Como ele é uno e indivisivel, sujeito sobreno, dotado da

potencia do verbo, uma pessoa , espirito encarnado. Entretando, sendo imagem de Deus, o homem não é Deus. Sua dignidade procede de seu criador.

Dai a ambivalencia dos 3 atributos da humanindade : individualidade, subjetividade e personalidade.Individuo – cada homem é unico mas tambem semelhante a todos os outros. Sujeito- soberano e sujeitado a lei comum Pessoa- é espirito mas tambem materia.

Referencia de Deus sumiu do direito das pessoas.

O individuo, unico e identico

Segundo nossa cultura jurica – pessoa é una e indivisivel. Para nos, ser humano se define. Tece livremente seus laços sociais. Não é tecido por eles. Nossa cultura jurica nos conduz a ver o homem como particula elementar de toda sociedade humana. Como

individuo qualitativo e quantitativo. Qualitativo – individuo é à imagem de Deus, um ser unico, incomparavel, sendo seu proprio fim. Quantitativo- ser indivisivel e estavel. Assim concebidos , os homens sao necessariamente iguais. Cada um é feito a imagem de Deus. Tendo cada qual os mesmos direito e deveres, somos identicos, o que implica de um homem poder ser substituido

por outro. Assim , todo homem tem vocação para ocupar todos os cargos da sociedade. Substituiveis, os homens tambem sao quantificaveis, podendo cada um ser apreendido como unidade de conta. Individuo é tambem entidade estavel, ser nao varia do nascimento à morte.

A personalidade juridica individual= continua e identica a si mesma (nasce com o individuo e logo de inicio constituida, permanece sempre a mesma durante a existencia). Tal fato é estranho a certas grandes culturas, como o budismo, que enfatiza a impermanencia e volatilidade dos estados físicos e psiquicos do homem.

Sendo todos concebidos à imagem de Deus,somos irmãos, submetidos como tais a um dever de socorro e assistência mutua.

Sendo concebidos à imagem de Deus unico, cada indivíduo é tambem um ser unico.Essa singularidade se expressa no exercicio de sua liberdade.

Nascendo livre e igual a todos, é na competição que o homem se revela a si e aos outros. No protestantismo a competição se torna a propria mola da vida em sociedade.

A invenção da personalidade moral permitiu que essa concepção individualista digerisse toda forma de comudade ou sociedade humana. O HOMO JURIDICUS consegue assim, tratar o plural como um singular. (Bambirra disse sala- eu= nos. Reconheço a humanidade em mim, pois somos tods semelhantes. Direito influencia nesse reconhecimento e a coletividade pode ser tratada como um indivíduo só)

Page 3: Homo Juridicus

A pedra angular dessa ordem humana é o individuo supremo, do qual se postulam a unidade e indivisibilidade. Republica francesa – una e indivisivel. Uma das primeiras figuras desse Estado sem referencia religiosa e que ,

diferente das corporações, não é um instrumento a serviço de seus membros. É um ser imortal que transcende os interesses individuais.

O sujeito, soberano sujeitado

O sujeito é aquele que causa: - ele fala e sua palavra se converte em lei. Esse poder de ordenar é o primeiro atributo divino.

Poder normativo é o poder de nomear, de fundar as categorias de pensamento, e que essa heteronomia da linguagem é condição prévia da vida humana.

Em compensação , no Ocidente tem-se a ideia de que Deus pôs suas leis na natureza. Há portanto, na cultura cristã, uma Lei , mas dois livros: da Revelação divina e o da Descoberta cientifica.

No islã é diferente – Deus esta na origem dos costumes na ordem da natureza. O Deus cristão deve observar as leis que ele mesmo criou, Ele se impõe a Ele. Essa concepção é adotada na ordem dos negócios humanos. O Estado de Direito se vê atado pelas suas proprias leis.

Mundo cristão, o homem considera-se apto a usar o poder legislador do Verbo, fazendo dele um sujeito, a causa dos efeitos e não o efeito de uma causa.

Tal apropriação, do sujeito falante, da força normativa da palavra não se encontra nas civilizações onde o cristianismo tem raizes.

Das tres religiões do livro, o cristianismo (ocidental) é a única a ter conferido plenamente aos individuos uma qualidade de Sujeito. Segundo a tradição muçulmana, pertence so a Deus , e segundo a judaica ,pertence , na Terra , apenas ao povo de Israel( povo sagrado , dotado de significado universal)

Com o Direito, o Homem se torna artesão das proprias leis. A fonte da responsabilidade do sujeito soberano se baseia em seu livre arbitrio.

Ambivalêcia: o sujeito de direito é SOBERANO (nasce livre e dotado de razão, pode assim governar a si e submeter a si o mundo dos objetos. É a causa dos efeitos que deve responder). Entretanto, ele so atinge essa liberdade na medida em que permanece um sujeito SUBMETIDO ao respeito das leis(da cidade ou da ciência)

No Ocidente, o Estado é hoje o garante fundamental do estado das pessoas, e esse estado é indisponivel, escapa da soberania do individuo.

A pessoa, espirito encarnado

Ordenamos o mundo em dois conjuntos: coisas e pessoas. Adquiriu valor normativo: tornou-se sacrilegio tratar a pessoa como coisa , e irracional tratar as coisas como pessoas. Essa separação adquiriu, assim , valor dogmatico( tem força de evidencia que esclarece o conjunto de nossa visão do mundo)

Roma antiga: tinha personalidade quem era depositário das imagines(mascaras mortuarias dos ancestrais) e do sobrenome do pater familias. Dessa forma, nem todos tinham a plena personalidade juridica.

Não existe conceito generico de PESSOA, mas graus de personalidade, indo do escravo ao pater familias. No cristianismo, a personalidade tornou-se atributo reconhecido a todo individuo.

Nas duas outras religioes, Deus permanece impossivel de representar, não pode ser fechada no que define a pessoa(incircunscritivel), ou seja, num nome , rosto, forma. Já a encarnação do Deus dos cristçao confere-lhe um rosto, uma personalidade. Deus com dupla natureza(divina e humana). Homem, à imagem de Deus,tambem tem dupla natureza(espiritual e temporal)

Dante: a personalidade permanece uma mascara, mas é a mascara que permite a cada homem participar plenamente da dignidade humana , e ter acesso, pelo poder de seu espirito, ao conhecimento cientifico da natureza.

Personalidade: conceito generico que permite fazer o corpo e o espirito se manterem juntos. Transcende a natureza mortal para fazer cada homem participar da imortalidade do espirito. No ocidente, é uma revelação do espirito na experiencia de sua encarnação.

Page 4: Homo Juridicus

A personalidade juridica é reconhecida em todos os lugares a todo ser humano pela Declaração Universal. Não é mais do que um meio que a lei garante a cada qual a fim de que possa realizar na Terra sua personalidade própria, aquela que o identificará.

Enquanto na civilização da India a personalidade juridica é percebida como uma mascara para se arrancar, no Ocidente é uma mascara para se modelar. Essa diferença se marca nos ritos funebres. Na India, os restos fisicos do defundo sçao desaparecidos, a fim de conservar a memoria de sua personalidade.

A historia da humanidade ,no Ocidente, tem uma dimensao profetica e pretendemos aprender com ela. Nossa concepção de pessoa como espirito que se revela na experiencia da encarnação, permance no principio dos

direitos ocidentais. O corpo , visto pela Igreja como templo da alma imortal, é visto até hoje como a sede da personalidade, tratado como objeto sagrado.O Direito protege também as obras do espirito, aquelas que trazem a marca da personalidade.

O trabalho humano(ponto de fusão do espirito e da coisa) é considerado um valor de troca, mas proibi-se tratar o corpo do trabalhador como uma coisa no comercio.

A noção de pessoa nos permite pensar em espirito e a materia em sua unidade. Não como dois universos radicalmente separados.

Existem coisas sagradas: corpo , obras do espirito. Tais não podem ser tratadas como puro objetos à disposição do Homem. Possuem sentido próprio.

Terceiro garante da identidade (dimensão institucional do humano)

Pilares da constituição ocidental do ser humano ( individuo, sujeito e pessoa) tem profunda ambivalencia INDIVIDUO: é ao mesmo tempo unico e semelhante. SUJEITO: é ao mesmo tempo soberano e sujeitado PESSOA: é ao mesmo tempo carne e espirito. Tal montagem antropologica nao pode ser fundamentada na ciência, uma vez que a propria ciência resulta dessa

montagem, uma vez que postula que o Homem é um sujeito capaz de observar a si mesmo como objeto de conhecimento.

Nossa fé nessa concepção de Homem é uma crença compartilhada por todos.Ela supõe a existencia de uma Referencia ultima que simbolize e garanta as “verdades evidentes por si só”. Na Republica francesa, o Estado ocupa esse lugar de Referencia.

Estado é a representação imortal dos atributos do ser humano.É unico, Soberano (nao é sujeitado a ninguem) e Espirito publico(nunca morre, seu corpo físico é o povo que se regenera sem cessar).É o GARANTE PRIMORDIAL DA PERSONALIDADE JURIDICA dos seres reais ou ficticios. Sem essa pedra angulas, nossa montagem antropologica desaba.

Estado é apenas o subsidiario de garante primordial da identidade das pessoas. A identidade é sempre um caso de fé, nos sentidos de confiança e crença.Todo recuo da identificação dos cidadãos com a Republica e seus valores acarreta uma nova emergencia desse substrato relig.

Rumo à emancipação total: homem decomposto

Tecnociencia: peculiar do Ocidente ao mesmo tempo que a mola de sua dominação sobre o resto do mundo.Se empenha em olhar o homem como objeto(ex. Sociologia observa homens como particulas, e Biologia moderna que se fundou na redução do vigente ao fisico-quimico, e rejeita qualquer forma de vitalismo)

Estariamos prontos a admitir que o homem nao existe enquanto tal como objeto da ciência. Duvidar da existencia da vida, homem, universo é redescobrir a experiencia do vazio cartesiano. Mas, se nem a

vida nem o homem constituem como tais objetos cientificos, isso confirma que a ciência é inapta para fundamentas afirmações sobre ‘fins’ suscetiveis de dar sentido à vida humana. Essa inaptidão não tem consequencia enquanto a ciencia permanece submissa, atividade especializada, às montagens dogmaticas que dão sentido ao homem e sociedade. Torna-se mortifera quando pretende submeter montagens a ela e procurar o fundamento ultimo das leis. Saindo de sua area de validade , ela degenera em cientificismo

Page 5: Homo Juridicus

Cientificismo advem quando a ciencia sai do seu leito, deixando o terreno cientifico(da duvida, deve-se encontrar uma representação provisoria e proxima da verdade) . Espalha no terreno da hermeneutica (interpretação) da vida humana. (ex.biologos que tentam explicar o homem)

Cientista se reconhece na sua crença de que o homem é um objeto inteiramente explicavel, e que a ciencia natural consegue ou conseguirá conhecer tudo.

Cientificismo se situa na mesma direção da montagem antropologica do Ocidente moderno- percebe o Homem como a mente capaz de conhecer e dominar as leis que governam o universo e como coisa submetida a essas leis.

Num mundo que faz a ciencia dua referencia primordial, a crença na dignidade do homem é relegada à esfera privada ao lado das religiões, para deixar lugar na esfera pública o “realismo” da luta pela vida.é esse realismo suposto, esse cientificismo, que toma o lugar de crença e sobre o qual se empenham em fundar a ordem economica e social

Essa perda de fé do Ocidente em suas proprias categorias fundadoras foi a marca do sec XX ( 1 Guerra Mundial e sua destruição, Nazismo..)

unica crença verdadeira em que se baseava o nazismo: “ a luta de todo contra todos como verdade derradeira da vida humana e a dominação de um sobre outro como caracteristica de ordem das coisas”.

O conhecimento do homem compete à ciencia , e o Direito deve submeter-se a ela. 1948: Declaração Universal dos Direitos : quis ser reiteração dos valores herdados do cristianismo e filtrados

pelo iluminismo. Esperava-se evitar a volta das formas modernas de barbarie que veem no homem um animal biologico submetido às leis de seleção natural.

Vedou-se toda volta critica ao “realismo” cientifico – traço comum das experiencias totalitarias. A reprovação universal ao nazismo mostra um acordo sobre valores, e o poder politico deve estar subordinado a

valores. A explicação pelo gene apenas ocupou o lugar da explicação pela raça num discurso cuja estrutura dogmatica

permanece intacta.subsiste a ideia de que a luta de todos contra todos é o motor da historia, porém sob a forma da competição individual. Sociedade como um amontoado de individuos buscando seu interesse particular.

Para que individuos formem um todo é preciso que sejam referidos a uma lei comum que transcenda a existencia de cada um deles.

A conjugação do cientificismo ordinário e da crença ocidetal no progresso conduz a uma ideologia do não limite que exerce efeitos em todos os campos da vida humana. Expressa uma fé inabalavel em descobertas vindouras (campo tecnico), conduz a considerar a lei como uma coerção da qual se deve emancipar, levando em consideração a fé num ser humano capaz de se fundar a si mesmo(juridico), o resultado no final é a volta da lei do mais forte

Uma ordem jurica só cumpre sua função antropologica se garante todo recem chegado à Terra: - a preexistencia de um mundo ja presenteque o assegure no longo termo de sua indentidade , - possibilidade de transformar esse mundo e de lhe imprimir sua marca própria.

NÃO há sujeito livre senão subjetido a uma lei que o fundamente. A lógica da proibiçãonada mais é do que a necessaria interposição de um principio Terceiro entre o homem e suas

representações mantais(fala) ou materias(ferramentas). (bambirra – necessidade de proibiçãopara a instituição do ético. Essa função dogmatica – de interposição e

proibição- confere ao Direito um lugar singular no mundo das tecnicas: não permitir que o homem tenha visão unilateral.

Capítulo 2 – O império das leis: dura lex, sed lex.

.O Direito é a maneira pela qual o Ocidente ordena as regras que os homens se impõem. O Direito carrega em si a idéia de justiça.

.A fonte primordial do Direito na Grã Bretanha ou nos EUA, encontra-se em precedentes e não em códigos, nos casos decididos pelo juiz em vez de nas vias traçadas pelo Estado.

Page 6: Homo Juridicus

.A lei expressa um imperativo, um poder que se impõe aos homens.

.Enquanto a idéia de Direito é própria do pensamento jurídico a Lei também diz respeito á religião e á ciência e permite, portanto, apreender os diferentes registros de normatividade que estruturam o pensamento ocidental.

.Os chineses não costumam sujeitar-se a nenhuma coerção, mesmo meramente dogmática. Isso não quer dizer que o pensamento chinês tenha ignorado totalmente a idéia de lei, mas que nunca lhe deu o lugar central que ela ocupa no mundo ocidental..Segundo a tradição confuciana, o homem “civilizado” não necessita de lei porque incorporou em si mesmo toda a arte do saber-viver junto (os “ritos”); a lei é muito boa para os bárbaros incapazes de atingir esse saber-viver. E ela entao se exerce sob sua forma mais rústica e mais brutal, ou seja, sua forma penal..Não há rastros na história do pensamento chinês, nem sequer entre os legistas, de nossa noção de lei garante dos direitos dos indivíduos..Como explicar essa diferença fundamental entre o pensamento ocidental e o oriental? No Oriente se realiza mais o cultivo das plantas, nesse caso mais se acompanha a natureza do que a coage. Já o Ocidente se caracteriza pela criação de animais, que é um exercício que exige a coerção; são precisos bastões, barreiras e cordas. Esse modo dominate reaparece em cada uma dessas culturas sobre o pólo menor..Na temática religiosa e política Ocidental o poder se identifica ao exercício de um comando e se veneram os que têm poder de decisão e os dirigentes de homens. Na tradição confuciana, ao contrário, o poder político é garante da harmonia que deve permitir a cada qual exercer seu talento próprio; merece tê-lo aquele cuja virtude irradia. Compreende-se, portanto, por que a idéias de governo pelas leis prosperou no Ocidente, ao passo que a Ásia preferia a ele o governo pelos homens..A profunda repugnância dos chineses ou dos japoneses pelos que algam a lei e recorrem ao juiz para fazer valer seus direitos foi expressa em termos límpidos pelo imperador K’ang Hsi, que disseminou o medo e a desconfiança em tribunais para evitar a multiplicação de processos.

.“A lei em geral é a razão humana, na medida em que governa todos os povos da terra.” – Montesquieu. Essa concepção da lei é característica do pensamento Ocidental, pois ela encaixa o campo do Direito num conjunto unido pela idéia de causalidade universal, onde estão também a Lei divina e as leis da ciência. Não é dessa maneira que hoje se costuma abordar a relação entre “ciência e Direito”. Encaram-na mais do ponto de vista dos limites jurídicos ou morais suscetíveis de limitar a exploração de certas descobertas científicas, principalmente no campo da biologia; então ficamos diante do dilema: “deve-se ou não legislar?”, ou seja, da lei (jurídica) como resposta possível ao mal estar causado por uma ciência sem consciência.

.Um galo foi condenado pelo “crime atroz e antinatural” de ter botado um ovo. Hoje esse galo decerto acabaria nas mãos de um biólogo que, em vez de punir essa infração às leis da genética, se esforçaria para compreendê-la, em vez de se fazerem os guaridiãos das leis divinas, os cientistas se empenharam em decifrá-las em sua invariância.

.O espírito europeu pressupunha a existência de um Ser supremo que, ele mesmo racional, teria posto essa inteligibilidade na natureza. Não encontramos isso no pensamento chinês. Mesmo a tradução chinesa atual de ‘leis da natureza’ é ‘lei espontânea’, enunciando que conserva rigorosamente a antiga recusa taoísta de um Deus pessoal.

.A idéia de leis da natureza só adquiriu valor científico progressivamente, à medida que emergia a distinção (e articulação) entre Igreja e Estado, entre poder espiritual e o poder temporal..As leis da natureza são, portanto, auto-suficientes e já não há necessidade de se referir ao legislador divino para levantar o véu de nossa ignorância; a descoberta científica pode substituir completamente a revelação divina.

.Concebida como regra geral e abstrata, a lei humana se impo~e igualmente a todos, inclusive ao Estado de Direito que é sua fonte viva, ao passo que a lei da ciência submete nossa relação com o mundo ao princípio de causalidade e exclui dela o milagre ou a intervençao divina.

.Cortada de sua raiz religiosa, a lei também libertou o “desejo de poder que mora no homem e nega qualquer distância”. Tendo ficado vago o lugar da lei divina, o homem não podia deixar de procurar ocupá-lo e de ele mesmo fazer o discurso fundador de toda lei. Tal discurso só era suscetível à das ciências naturais e, portanto, transpondo os métodos dessas ciências ao estudo do homem e da sociedade.

Page 7: Homo Juridicus

.Essa certeza de que a norma científica e técnica era chamada a suplantar completamnte a lei humana se encontra na crítica marxista do Direito. Diante das injustiças de seu tempo Saint-Simon, Comte e Marx sonhavam com uma libertação da humanidade que depois de ter jogado fora a divindade, encontraria nas leis da ciência os meios de se livrar do poder dos Estados.

.O caráter ternário das leis (divinas, naturais e humanas). Foi substituído pelas Luzes, pela dualidade das leis natural e humana, unidas sob a égide da Razão. Querendo reduzir essa própria dualidade, as ciências sociais nascentes pretenderam estabelecer a soberania legislativa da Ciência e desqualificar, num mesmo movimento, a teologia e o Direito. Num plano científico, esse projeto estava condenado ao fracasso, uma vez que submeter o pensamento à pesquisa das leis obriga a tomar consciência dos limites do entendimeto. À media que as ciências sociais iam acumulando uma soma sem precedentes de conhecimento, a complexidade do que elas descobriam demonstravam a vanidade da enunciação de leis de ferro que determinariam em útima instância o direito dos homens (leis da história, da econômia etc). Em compensação, no plano ideológico e político, esse projeto conheceu um sucesso extraordinário, pois abria ao desejo de poder que mora no homem horizontes prppriamente ilimitados. Noutras palavras, abria as portas da loucura. Os sistemas totalitários que marcaram o século XX permitem ver exatamente onde se situa o ponto delirante do projeto de regulação científica da sociedade..A Lei divina como hoje a lei da República dirige-se sempre ao Homem como sujeito, confere-lhe a sua identidade ao mesmo tempo que postula sua liberdade e sua responsabilidade. As leis da ciência, ao contrário, encaram o Homem como objeto; elas o explicam reportando o que ele é ou o que faz a determinações objetivas, que não comprometem, evidentemente, sua responsabilidade. A lei da ciência não conhece inocente ou culpado; só conhece encadeamentos de causa e efeito..Pretender fundamentar na Ciência as leis da sociedade supõe deixar de encarar os homens como sujeitos, seres dotados de razão, mas como objetos, como partículas num campo magnético ou animais numa criação, como “coisas nas quais falta razão”..O comunismo bem como o nazismo comcebram o Estado como uma mera marionete a serviço do Partido, um governo aparente que servia para ocultar os lugares reais de exercício do poder..De um lado, a função antropológica das leis positivas é negada, inclusiva nas fileiras dos juristas. Do outro, não param de recorre à ética, obedecendo assim, sem o saber, à instrução dada por Hitler aos juristas alemães em 1933: “O Estado totalitário deve ignorar toda diferença entre lei e ética”..Pensar que os nazistas (ou seus sucessores atuais) não são homens como nós é pensar como eles.

.A inflação das leis, sua volatilidade, sua impotência para apreender um mundo decididamete complicado demais, tudo isso faz a Lei perder sua majestade e seu valor; o valor que sobe na Bolsa do Direito seria o do contrato. Esse é o diagnóstico geralmete formulado pelos juristas sobre o Direito positivo..Em matéria de leis teíramos ficado céticos. Essa contatação de ceticismo é fundada se nos atemos a uma definição rústica da lei, entendida comoencadeamneto linear de um efeito a uma causa. Mas, ao menos no que concerne à história do Direito, a superação dessa definição estava em germe já no século XXI. A revolução do intérprete consistiu não só em pensar a lei como princípio de sausalidade, mas também em inserir o conjunto das leis num corpo sistemático de textos.. Nenhuma lei basta por si própria, uma lei só tem sentido e valor quando reportada a um conjunto que a supera. A noção de relatividade das leis já estava, portanto, presente.

.As leis que interessam ao antropólogo são evidentemente as leis inconscientes, que movem os homens à revelia deles.

.O etnólogo deverá, portanto, para desvelar a estrutura profunda de uma sociedade, pôr a descoberto o sistema consciente de normas “que mascara, como uma tela”, para a consciência coletiva.

.A cultura não consiste, portanto, exclusivamente em formas de comunicação que lhe pertençam particularmente (como a linguagem), mas também – e talvez sobretudo – em regras aplicáveis a todas as espécies de ‘jogos de comunicação’, desenvolvam-se estes no plano da natureza ou da cultura.

.Como a linguagem, o Mercado se apresenta, de fato, como um sistema de regras inconscientes que governam espontaneamente as relações entre os homens..Um passo decisivo foi dado quando certos economistas afirmaram que a ciência deles não se caracterizava por seu objeto (a produção e a troca dos bens materiais), mas por seu método de análise, o qual podia legitimamente ser aplicado a todos os aspectos da vida humana, cocorrente com os das outras ciências sociais.

Page 8: Homo Juridicus

.Segundo Becker, a análise econômica é fundamentada sobre três axiomas, dos quais podem ser deduzidos vários teoremas do comportamento humano: o princípio de maximização, a auto-regulação do mercado e a estabilidade das inclinações humanas..As leis do mercado (axiomas e toremas, lei da oferta e da procura, princípio de maximização das utilidades etc.) se exercem fora da consciência dos homens, e independentemente da racionalidade ou irracionalidade de seus comportamentos..Becker passa pelo crivo do mercado todos os apectos da vida humana (a política, o Direito, o casamento, a procriação e a educação dos filhos, a relação com o tempo etc.). Tratando-se, por exemplo, do casamento, ele postula a existência do mercado matrimonial no qual os candidatos ao casamento (ou seus pais) encontram-se em competição e explica pelas leis desse mercado as escolhas operadas pelos indivíduos. O interesse de Becker é que se vê nele o paradigma do mercado funcionar em sua pureza cristalina, como método de desvelamento de um sistema de regras que supõe governar todos os comportamentos humanos..A estrutura linguística e o mercado hoje mostram ser, assim, as duas referencias em torno das quais as ciências sociais organizam sua busca das leis sbjacentes que governasm as relações humanas. Ambos oferecem um modelo de um sistema de regras: a) não tendo necessidade de ser conhecido para ser eficaz; b) capaz de se auto-regular; c) deixando espaço para a iniciativa dos homens; d) submetendo-os ao mesmo tempoaos decretos implacáveis de um Legislador oculto, trate-se do legislador da língua, de quem Platão já falava no Crátilo, ou da Mão invisível de Adam Smith. Muitas categorias de pensamento que emergem, hoje em ciências socias, como, por exemplo, a noção de rede, se apresentam como híbridos de mercado e de estrutura..Como situar as leis positivas, as leis do Direito, nesse quadro? Na mente dos juristas, como na dos cientistas, uma determinada lei agora só adquire sentido se é reportada ao sistema de regras no qual ela se insere.

.Sendo o conhecimento condicional, os valores não são suscetíveis de ser conhecidos. Mas não podemos renunciar a conhecê-los, pois isso seria renunciar a crer neles, o que é impossível, porque a vida humana não pode não ser orientada. Assim, no centro da vida humana, há uma contradição. Essa contradição é o mtor do pensamento jurídico. De um lado, a natureza dogmática do Direito é incontestável, mas, do outro ele procede de uma civilização que colocou o conhecimento científico no âmago de seu sistema de valores.

.Dizendo as coisas brutalmente, a razão da lei não é a lei nem o direito: ela nem sequer está no direito, mas fora do direito. A “ciência do Direito” se reconheceria, portanto, pelo fato de pribir interrogar-se sobre as razões (e desrazões) do Direito.

.O antropólogo estruturalista considerará o Direito positivo como uma tela onde se projetam crenças, mas que mascara a estrutura profunda da sociedade; o economista o analisará como um instrumento de gestão, cuja eficácia depende de sua adequação às leis do mercado; o sociólogo de campo verá nele um instrumento de dominação simbólica, para analisae na lógica do campo jurídico.

.Várias dificuldade surgem, todavia, quando se dissolve, assim, a lei positiva numa Ciência que revela as verdadeiras leis da Humanidade. Nãosomente se perde no caminho a noção de sujeito de direito (reduzido as estado de “par´ticula”, econômica ou linguística), mas se mina também a idéia de Justiça, à qual a (falsa) consciência dos homens refere comumente a lei. Noutra palavras, desemboca-se numa ciência sem consciência, aprpriada para justificar os mais criminosos empreendimentos..No que, de fato, fundamentar as idéias de justiça e de soliedariedae quando se dissolveu assim a de Direito? Como justificar o altruísmo num mundo movido exclusivamente pela busca do interesse individual? Segundo Becker, a resposta deve ser procurada do lado da genética: o altruísmo para com os semelhantes é uma condição de sobrevivência para inúmeras espécies e, portanto, foi selecionando geneticamente; o que é verdade do animal deve ser verdade do homem.

.Cretos biólogos, mesmo mantendo distâncias da sociobiologia, desenvolvem atualmete uma antropologia evolucionista que reportaria a dados genéticos universais ( e não comportamentos determinados). Paralelamente, delineia-se uma corrente intelectual que ambiciona reformular a esquerda política a partir de bases darwinianas, levando em consideração o fato de que uma parte da natureza humana (por exemplo, o senso de hierarquia) é determinada geneticamente e não pode, portanto, ser culturamente modificada. Ao darwinismo econômico, que hoje serve para justofocar a lei do mais forte (o mercado seleciona os mais aptos e, portanto, os melhores), tenta-se então opor um darwinismo de progresso, que ajustaria a idéia de justiça social aos dados da genética. A única forma de não resvalar em tais idéias consiste em tomar a medida da função antropológica das leis humanas, ou seja, em reconhecer o lugar próprio do Direito na construção das identidades individuais e coletivas. Com efeito, a partir do momento em que ela se liberta das leis positivas dos Estados e

Page 9: Homo Juridicus

acredita encarnar as forças impessoais do mercado ou da biologia, a ação econômica traz em si todos os germes da concepção totalitária do Direito.

.O Estado se apaga como ponto de imputação cntral da ordem jurídica, mas as leis sobrevivem a esse apagamento; o valor delas fica então simplesmente relativo e local. A idéia de Lei perdira, portanto, sob essa forma (leis nacionais inseridas num sistema comunitário que faz Lei para elas), que deixa espaço à diversidade das situações nacionais (diretrizes) locais ou profissionais.

O que o professor falou na aula:

.No direito temos que considerar as relações humanas.

.A maioria das normas são seguidas pela consciência de que aquilo é certo e não pela coercibilidade. Portanto, a coercibilidade não é a essência do direito..Para os romanos a essência do direito é dar a cada um o que é de seu direito..Para Platão, justo é o emprego das pessoas de acoro com sua virtude. O corajoso irá defender a polis, por exemplo)..A idéia de justiça precisa estar na lei, nos contratos etc..Até hoje temos a consciência de que é correto seguir o Direito..Nós estamos se,pre propensos a explicar nossas condutas através de leis. Mas a lei não dá conta de retratar toda a dimensão da realidade. A lei é um redutor..Quando nos baseamos apenas na lei surgem teorias como o nazismo..Quando reduzimos a realidade, por exemplo, quando tratamos o trabalho como insumo, nós reduzimos as pessoas à coisas..Procuramos sempre explicar/entender o mundo pelas leis. Isso é perigoso , pois reduz a realidade.Explicar o homem pelas leis pode levar a conclusões unilaterais e equivocadas da realidade..Não podemos ter uma visão reducionista do homem.