2011 08 03 primeiro casamento homo

7/23/2019 2011 08 03 Primeiro Casamento Homo

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ESTADO DE PERNAMBUCO

PODER JUDICIRIOJUZO DE DIREITO DA 1 VARA DE FAMLIA E REGISTRO CIVIL DA COMARCA DO RECIFE

PROCESSO DE HABILITAO DE CASAMENTO

REQUERENTES: Adalberto Mendes Pinto Vieira e Ricardo Moreira de Castro

Coelho

S E N T E N A

Vistos etc.

ADALBERTO MENDES PINTO VIEIRA e RICARDO MOREIRA

DA COSTA COELHO, amplamente qualificados nos autos, ingressam com pedido de

CONVERSO DE UNIO ESTVEL EM CASAMENTO, sedimentando-se nas

seguintes premissas:

Narram que mantm uma unio estvel, sendo conviventes desde10 de outubro de 1998, conforme sentena homologatria de escritura de

convivncia afetiva (fls. 13), desejando, desta feita, ver reconhecidos os direitos

previstos no art. 226 da Constituio Federal, tendo por alicerce os princpios do

respeito dignidade da pessoa humana e a isonomia de todos perante a lei, sem

distines de qualquer natureza, inclusive de sexo.


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Afirmam que, buscando conferir segurana jurdica ao seu vnculo

afetivo, uma vez que, poca no Brasil, no se reconheciam legalmente as relaes

homoafetivas, contraram casamento, em 10.12.2010, na Conservatria do Registro

Civil de Lisboa, Portugal.

Aquele ato, todavia, no pode ser transcrito no Brasil em razo de

no ter sido legalizado por autoridade consular.

Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, em 05 de maio

do corrente, entendeu ser aplicvel unio homoafetiva os efeitos da unio estvel, o

que possibilita aos requerentes a converso da unio deles em casamento.

Elegeram o regime da comunho universal de bens e pleitearam a

dispensa da publicao do edital de habilitao, tomando por base o pargrafo nico

do art. 1.527 do Cdigo Civil, tendo em vista a sentena judicial anteriormente

referida.

O pedido foi instrudo com declarao de duas testemunhas, na qual

atestam que os requerentes no so parentes em grau proibitivo pela lei ou que

tenham qualquer impedim ento que obste a converso de unio estvel em casamento

de um com o outro.

Pronunciando-se nestes autos, a representante do Ministrio

Pblico opinou favoravelmente ao pedido dos requerentes (fls. 22/42).

Findo este breve histrico da causa, principio meu julgamento.


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Cuida-se de pedido de converso de unio estvel em casamento,

manejado por conviventes do mesmo gnero, com lastro em princpios magnos do

sistema jurdico brasileiro e nos artigos 1.723 e 1.726 do Cdigo Civil.

Cumpre-me, antes de adentrar no mrito, debruar-me sobre as

questes preliminares atinentes causa, em que pese j haverem sido esmiuadas e

esgotadas, com preciosismo, pela zelosa representante do Parquet, tornando

despiciendas quaisquer delongas que frustrem a anlise do ponto de maior pungncia

contido nesses autos a luta pelo reconhecimento do direito ao casamento por

pessoas do mesmo sexo.

Quanto ao domiclio dos requerentes, infere-se, atravs do pedido

de habilitao, que ambos residem no municpio de Olinda-PE.

Todavia, o artigo 76 do Cdigo Civil disciplina que o servidor

pblico tem domiclio necessrio, considerando este o local em que exercer

permanentemente suas funes.

Nesse caso, o requerente Adalberto Mendes Pinto Vieira exerce o

cargo de Promotor de Justia do Ministrio Pblico do Estado de Pernambuco, com

exerccio de suas atividades no Frum Rodolfo Aureliano, Ilha Joana Bezerra, sede

no municpio de Recife-PE (fls. 21), enquanto o outro requerente, Ricardo Moreira

de Castro Coelho, ocupa o cargo de Tcnico Judicirio no Tribunal de Justia de

Pernambuco, com exerccio de suas funes no Frum Thomaz de Aquino, tambm

com sede em Recife-PE (fls. 22).


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Deste modo, verifica-se a plena competncia do Cartrio do 7

Distrito Judicirio da Comarca do Recife para processar a presente habilitao, uma

vez que, em tais casos, inexiste na lei local de organizao judiciria a indicao

expressa de uma determinada serventia extrajudicial.

No tocante ao casamento realizado em Portugal, na data de 10 de

dezembro de 2010 (fls. 17), imperioso destacar que ele no est apto a produzir

efeitos no Brasil, posto que at a presente data o ordenamento jurdico ptrio no

contempla o casamento de pessoas do mesmo sexo, no sendo possvel o seu registro

no pas.

Esse justamente o posicionamento do Superior Tribunal de Justia,

exposto na seguinte deciso:

...Competente a autoridade que prolatou a sentena, citada regularmente a parte

e transitado em julgado o decisum homologando, acolhe-se o pedido, por

atendidos os requisitos indispensveis homologao da sentena estrangeira que

no ofende a soberania ou a ordem pblica.

A existncia do casamento realizado no exterior independe do traslado do assento

respectivo no registro civil brasileiro, exigido apenas quando se pretende que

produza efeitos no pas (Lei dos Registros Pblicos, artigo 32).

O Decreto n 3.598, de 12 de setembro de 2000, em seu artigo 23, dispensa de

consularizao ou de qualquer formalidade os documentos pblicos franceses

quando tenham de ser apresentados n o territrio brasileiro.

Ressalva-se a homologao no tanto referente aos alimentos e guarda e visitao

dos filhos menores do casal, objeto de reviso em deciso proferida no Brasil aps

a prolao da sentena estrangeira, pena de violao do p rincpio da soberania.


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Pedido de homologao de sentena estrangeira parcialmente deferido.

1

(grifos

meus)

Nesse sentido bastante esclarecedora a informao disponvel no

stio eletrnico do Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires:

Para que possa ter validade no Brasil, o casamento celebrado no exterior, quando

uma ou ambas as partes sejam detentoras da nacionalidade brasileira, dever ser

registrado em Rep artio Consular brasileira.

O casamento celebrado entre pessoas do mesmo sexo no poder ser registrado

em Repartio Consular do Brasil, uma vez que no previsto no ordenamento

jurdico b rasileiro. (grifo meu)

De outro ngulo, percebe-se que est afastada qualquer

irregularidade na presente converso, posto que os requerentes so as mesmas

pessoas que contraram matrimnio no exterior, no se caracterizando, dessarte, a

bigamia.

Pelo exposto, diante do atual cenrio, conveno-me de que no h

alternativa aos requerentes seno utilizar-se do presente pedido de converso de

unio estvel em casamento, mngua de legislao especfica.

Pugnam, afinal, pela dispensa do pedido da publicao do edital de

proclamas, com fulcro no pargrafo nico do art. 1.527 e no art. 1.726 do Cdigo

1 SEC 2.576/FR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em03/12/2008, DJe 05/02/2009 - Disponvel em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia

2 Disponvel em http://www.conbrasil.org.ar/CONSBRASIL/casamento.asp


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Civil e em face do reconhecimento judicial da unio estvel, conforme sentena

homologatria de fls. 13.

A publicao do edital de proclamas tem por objetivo conferir

publicidade ao procedimento. Contudo, existem situaes em que pode haver a

dispensa do ato.

Sobre a matria, trago as palavras de Judson Mendona Rezende:

... Ainda existem outras hipteses em que a excepcionalidade o critrio

dominante. Ser possvel, portanto, em virtude da singularidade do fato ocorrido,

alm da supresso do prazo para a publicao dos proclamas do casamento, a

permisso para a imediata realizao do matrimnio. Dentre estas situaes

excepcionais, trataremos primeiramente sobre a unio estvel.

a) A entidade familiar descrita em lei como a unio estvel, configurada na

convivncia pblica, contnua e duradoura, que tenha sido estabelecida com o

fito em constituir famlia, tem assegurada a sua converso em casamento,

mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. Logo,

sendo a relao em sua essncia, pblica, no tem que se falar em prazo para

publicao de proclamas de casamen to (...)

3

(grifos meus)

Com efeito, em face da prvia existncia de reconhecimento judicial

da unio estvel (fls. 13), em que restou fixado o incio da mesma em 10/10/1998,

defiro o pedido de dispensa de publicao de proclamas de casamento, por entender

que decorrido mais de 12 (doze) anos de uma relao ostensiva, torna-se

3 REZENDE, Judson Mendona. Causas Excepcionais que Elidem a Publicao dos Editais na

Habilitao para o Casamento e sua Impugnao.


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desnecessria a publicao do edital, vez que plenamente satisfeito o requisito da

publicidade.

Neste sentido:

APELAO CVEL. CONVERSO DA UNIO ESTVEL EM CASAMENTO.

A recepo pela Con stituio Federal da unio estvel como entidade fam iliar e a

determinao para que sua converso em casamento seja facilitada ( 3 do art.

226) repercutiu no art. 1.726 do CCB, estabelecendo que o pedido dos

companheiros ser feito ao juiz com conseqente assento no Registro Civil, e na

regulamentao desse procedimento pelos Provimentos ns 027/03 e 039/03 da

CGJ. O requisito para a converso , antes de mais nada, a comprovao da

existncia da prpria unio estvel e, cumpridas as exigncias previstas no

mencionado Provimento, h que ser acolhida a converso. A expressa dispensa de

proclamas e editais em nada fere a verificao de fato obstativo ao casamento,

pois eventuais impedimentos que inviabilizariam a realizao do casamento por

expressa disposio legal inibem, igualmente, a con stituio da unio estvel ( 1

do art. 1.723 do CCB). O casamento nuncupativo e o casamento por converso da

unio estvel tm em comum o fato de que exigem procedimento judicial

exatamente como forma de suprir a inexistncia das chamadas formalidades

preliminares, consistentes no processo de habilitao matrimonial. E, por isso,

neles dispensada a publicao de editais e proclamas. Assim, h que ser

declarada judicialmente a convivncia more uxrio (em processo anterior ou

incidentalmente) para que, homologada a converso, seja lanado o assento do

casamento no Cartrio do Registro Civil, em livro prprio (B-Auxiliar).

PROVERAM EM PA RTE, UN ANIMIDADE. (Apelao Cvel n 70010060564,

Stima Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Des. Luiz Felipe Brasil

Santos)

4

(grifo meu)

4 Disponvel em

http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70010060564&num_processo=70010060564&codEmenta=982579&temIntTeor=true


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Assentadas as questes marginais atinentes ao presente processso

habilitatrio, utilizado como ferramenta processual de abertura da jurisdio

administrativa deste juzo de famlia e registro civil, e no havendo outra questo

processual a solver, passo ao esquadrinhamento da questo nuclear do pedido.

O objetivo deste feito administrativo a converso em casamento

da unio estvel, j declarada como entidade familiar, por fora da sentena que

reconheceu como legtima a unio mantida pelos requerentes h mais de 12 (doze)

anos, de forma pblica, contnua e duradoura, com o escopo de constituio de

famlia.

Nesse intento, os requerentes manejaram pedido de converso

perante o Cartrio de Registro Civil do 7 Distrito Judicirio da Capital - PE,

devidamente instrudo com os documentos entabulados no art. 1.525 do Cdigo

Civil, dos quais, destacam-se a Escritura Pblica de Convivncia Afetiva e a sentena

homologatria de unio estvel, que dentre os efeitos dela decorrentes, veio a regular

o regime patrimonial eleito pelos conviventes, a saber, o da comunho universal de

bens.

Em consectrio ao pedido de converso, os requerentes postulam

que reste assinalada no assento registral a data de incio da unio estvel, qual seja, 10de outubro de 1998 e o sistema de regncia eleito para regular as relaes

patrimoniais dos nubentes.

Ademais, pugnam pela manuteno dos nomes primitivos de

solteiros.


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Firmando minha convico, comeo por aclarar que o caso revelado

pelos meandros destes autos, transcende a uma simples questo de usurpao

principiolgica da dignidade da pessoa humana e da cidadania (art. 1, II e III,

CF/88), e dos direitos fundamentais igualdade (art. 5, caput e I, CF/88), liberdade,

intimidade (art. 5, X, CF/88) e proibio de discriminao (art. 3, IV, CF/88).

Resvala, numa luminosa evidncia, na matriz estruturante do Estado Republicano de

Direito: a democracia.

Isso porque, numa sociedade democrtica, na qual o pluralismoe a

convivncia harmnica dos contrrios devem subsistir, no h espao para

prevalncia de normas jurdicas que conduzam interpretaes polissmicas e/ou

excludentes dos direitos de minorias, como se d no bojo das normas que restringem

a legitimao estatal s relaes puramente heteroafetivas.

o que se opera no corpo dos preceitos jurdicos a seguir

transcritos:

Art. 226 (CF) A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado.

(...)

3 Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre ohomem e a mulhercomo entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversoem casamento.

Art. 1.723 (CCB) reconhecida como entidade familiar a unio estvel entrehomem e mulher, configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura com

objetivo de constituio de famlia. (destaques meus).

A compreenso literal de tais dispositivos criar, com efeito, uma

odiosa e confinante marginalizao social de pares, que acabar por estrangular a

democracia e, via oblqua, o prprio Estado Pluralista de Direito.


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Uma marcha de uma gente dignssima que se lana ao sol da

liberdade, aps dcadas viventes sob o plio sombrio da discriminao e do medo (de

origens externas e internas) e que parecem ter ouvido a um chamado audvel da

autodeterminao e da busca pela felicidade.

Diante desse estado de coisas, o Poder Judicirio, no exerccio de

sua funo de intrprete da lei, deve estar atento ao rudo, qui estrondo, das

marchas sociais; ciente que interpretar um ato normativo nada mais do que

coloc-lo no tempo e/ou integr-lo na realidade social, na dico brilhante do

constitucionalista alemo Peter Hberle.5

Ao revs das incompreensveis resistncias sociais e institucionais,

que se fundam em dogmatismos ultrapassados, me perfilo ao entendimento de que,

qualquer dispositivo de lei que venha a constituir embarao plena fruio dos

direitos fundamentais dos cidados, deva ser abolido do sistema jurdico vigente, por

intermdio de um acurado procedimento hermenutico, ou seja, atravs de uma

interpretao pluralista e aberta dos dispositivos constitucionais que guardem

correspondncia com os princpios fundamentais do Estado Democrtico de Direito.

Da, palmilhar para um segundo desdobramento hermenutico, no

qual se utiliza a mesma forma interpretativa, na anlise da validade e abrangncia

dos dispositivos contidos no plano infraconstitucional, que usualmente se

configuram como normas de carter procedimental, tendentes a tornar efetivo o

exerccio dos direitos constitucionalmente salvaguardados.

5

Hermenutica Constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da Constituio: contribuio parauma interpretao pluralista e procedimental da Constituio. Traduo: Gilmar Ferreira Mendes. PortoAlegre: Editora Srgio Antnio Fabris, 1997. p. 10


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In casu, temos como ponto de largada a regra nsita na Constituio

Federal art. 226, 3), que trata da questo das unies estveis, com reflexo direto

nas unies homoafetivas:

A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado. (...). 3. Para

efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a

mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em

casamento.

O referido artigo deve receber uma interpretao mais abrangente,

luz de seu prprio caput, que prestigia a proteo da famlia, e, especialmente, do

princpio da dignidade da pessoa humana(art. 1, III, CF/88), conforme preconiza a

melhor hermenutica constitucional, pluralista e procedimental aberta.

Nos termos do artigo 226, a famlia a base da sociedade e ter

especial proteo do Estado.

Para efeitos dessa proteo o conceito de famlia foi ampliadopelo

texto de 1988, com vistas a reconhecer como entidade familiar a unio estvel entre

homem e mulher, devendo a lei facilitar sua converso em casamento.

Muito embora, reste clarividente a preferncia do constituinte pelo

casamento, destaco a importncia do novo preceito constitucional, intitulado

unio estvel, ampliativo do conceito de entidade familiar.


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V-se, em cognio clara, por intermdio dessa ao afirmativa do

legislador em ampliar o conceito de entidade familiar, que a ratio legis foi a de

privilegiar a famlia scio-afetiva luz da dignidade da pessoa humana.

Aqui, houve a supresso de um sistema ultrapassado, fundado no

modelo patriarcal e hierarquizado (nsito no Cdigo Civil de 1916), que deu espao a

um novo sistema, que resguarda sob o albergue do Estado as mltiplas formataes

de entidades familiaresque nele coexistem, desde que estas restem atadas com o lao

mais visceral que permeia as relaes humanas a afetividade.

Em decorrncia, queles outrora marginalizados, receberam

tratamento diverso e compensatrio, passando, no plano prtico, aostatusde famlia,

legitimadas e tuteladas pelo Estado.

Com efeito, decorridos 23 (vinte e trs) anos da promulgao do

texto constitucional, me parece imperioso que se inclua na esteira das entidades

familiares essa nova modalidade de configurao familiar, mantida por pessoas do

mesmo sexo, haja vista, dentre outras razes j esposadas, que estas se fundam,

igualmente, nos pilares da afetividade.

Porm, no me parece razovel, luz da hermenutica, das

consideraes histricas, ideolgicas, econmicas, polticas e sociais do Estado

Brasileiro, que aos homoafetivos seja resguardado, to somente, o direito de ver

reconhecidas suas unies, que, aprioristicamente, so estveis, nos requisitos e

formas da lei.


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Aqui, em prol de uma falsa segurana jurdica, estar-se-ia criando

um problema to danoso quanto ao anterior, pois mitigaes serissimas aos direitos

fundamentais dos homoafetivos (igualdade, liberdade, intimidade, no discriminao

etc.) continuariam a ser perpetradas, confinando-os ao constante estado de ameaa

de leso, pelo prprio Estado Democrtico de Direito, por mais contra-senso que o

seja!

Isto porque, o prprio Estado j previu, no bojo de seu sistema, a

facilitao da progresso do vnculo precrio de afeto unies estveis) ao vnculo

institucionalizado casamento),em prol da verdadeira e mais abrangente segurana

jurdica dos nubentes, no atendimento aos seus direitos patrimoniais,

previdencirios, sucessrios, de procriao, adoo, etc.

Ao ditar a facilitao, o Estado busca plasmar caracteres sociais, a

fim de intensificar sua prpria fora normativa e garantir a fruio de direitos de

diversos matizes aos seus cidados, seja qual for a forma que optem em desenvolver

suas afetividades.

Nessa mesma toada de inteleco, o artigo 1.723 e 1.726 do Cdigo

Civil devem ser interpretados de forma arquevel, a fim de trazer maior robustez

pretenso dos homoafetivos em ver suas vidas e relaes familiares albergadas ereguladas pelas mesmas normas aplicveis aos seus pares sociais, sem distino ou

discriminao de qualquer espcie.

Desta forma, estaremos diante da positivao e concretizao de um

catlogo de direitos fundamentais, cuja tutela vem sendo negligenciada aos

homoafetivos pela esteira das dcadas.


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Sob essa tica e para o reforo das idias, cabe trazer a lume a

recentssima deciso do Supremo Tribunal Federal STF), que corrobora o

entendimento supravergastado, e vem sendo apontada como indutora da catlise de

entendimentos e avanos sobre a temtica em nosso pas, tendo em vista sua

natureza abrangente, justssima e dotada de eficcia erga omnes e efeito vinculante

(art. 102, 2, CF/88).

No bojo da Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental

ADPF) n 132, proposta pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, convertida na

Ao Direta de Inconstitucionalidade ADI) n 4.277, proposta pela Procuradoria

Geral da Repblica, o Plenrio do STF teve a mais abrangente possibilidade de, pela

primeira vez no curso de sua longa histria, apreciar o mrito da controvrsia e dos

consectrios jurdicos que orbitam em torno da questo da unio entre pessoas do

mesmo sexo, que segundo preliminares do ltimo Censo Demogrfico de 2010,

realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), representam

mais de 60.000 sessenta mil) casais no pas.

A referida ao teve por objeto o reconhecimento de direitos a

servidores pblicos homoafetivos, em equiparao tutela jurdica igualmente

conferida unio de servidores heterossexuais, no Estatuto dos Servidores Pblicos

do Estado do Rio de Janeiro.

Aps realizar, denso e esmerado trabalho hermenutico, na

modalidade de interpretao constitucional do art. 1.723 do Cdigo Civil, os

ministros do STF decidiram, por unanimidade, excluir qualquer significado que

impea o reconhecimento da unio contnua, pblica e duradoura entre pessoas do

mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinnimo perfeito de


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famlia. Reconhecimento que de ser feito segundo as mesmas regras e com as

mesmas consequncias da unio estvel heteroafetiva, nos termos do voto do

Ministro Relator Ayres Britto.

Extrai-se do voto do Ministro Ayres Brito lapidares ensinamentos:

que ningum ignora o dissenso que se abre em todo tempo e lugar sobre a

liberdade da inclinao sexual das pessoas, por modo quase sempre temerrio o

dissenso) para a estabilidade da vida coletiva. Dissenso a que no escapam

magistrados singulares e membros de Tribunais Judicirios, com o srio risco da

indevida mescla entre a dimenso exacerbadamente subjetiva de uns e de outros e

a dimenso objetiva do Direito que lhes cabe aplicar.

...)

H mais o que dizer desse emblemtico inciso IV do art. 3 da Lei Fundamental

brasileira. que, na sua categrica vedao ao preconceito, ele nivela o sexo

origem social e geogrfica da pessoas, idade, raa e cor da pele de cada qual;

isto , o sexo a se constituir num dado emprico que nada tem a ver com o

merecimento ou o desmerecimento inato das pessoas, pois no se mais digno ou

menos digno pelo fato de se ter nascido mulher, ou homem. Ou nordestino, ou

sulista. Ou de pele negra, ou mulata, ou morena, ou branca, ou avermelhada.

Cuida-se, isto sim, de algo j alocado nas tramas do acaso ou das coisas que s

dependem da qumica da prpria Natureza, ao menos no presente estgio da

Cincia e da Tecnologia humanas.

(...)

Afinal, se as pessoas de preferncia heterossexual s podem se realizar ou serfelizes heterossexualmente, as de preferncia homossexual seguem na mesma

toada: s podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. Ou

homoafetivamente, como hoje em dia mais e mais se fala, talvez para retratar o

relevante fato de que o sculo XXI j se marca pela preponderncia da afetividade

sobre a biologicidade. Do afeto sobre o biolgico, este ltimo como realidade

tosomente mecnica ou automtica, porque independente da vontade daquele

que posto no mundo como conseqncia da fecundao de um individualizado

vulo por um tambm individualizado espermatozide.


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Com similar brilhantismo, se expressou a Ministra Carmem Lcia:

Observo, inicialmente, que a conquista de direitos to difcil quanto curiosa. A

luta pelos direitos rdua para agerao que cuida de batalhar pela sua aquisio.

E parece uma obviedade, quase uma banalidade, para as geraes que os vivem

como realidades conquistadas e consolidadas.

(...)

Contra todas as formas de preconceito, contra quem quer que seja, h o direito

constitucional. E este um tribunal que tem a funo precpua de defender e

garantir os direitos constitucionais. E, reitere-se, todas as formas de preconceitomerecem repdio de todas as pessoas que se comprometam com a justia, com a

democracia, mais ainda os juzes do Estado Democrtico de Direito.

(...)

Para ser digno h que ser livre. E a liberdade perpassa a vida de uma pessoa em

todos os seus aspectos, a includo o da liberdade de escolha sexual, sentimental e

de convivncia com outrem. O que indigno leva ao sofrimento socialmente

imposto. E sofrimento que o Estado abriga antidemocrtico. E a nossa uma

Constituio democrtica.

Anote-se que a aludida deciso se reveste de um duplo efeito.

Primeiro, para reconhecer a existncia de mais um tipo de entidade

familiar: o da unio de pessoas do mesmo sexo.

Segundo, para estender os mesmos direitos e deveres dos

companheiros nas unies estveis queles que optam pela relao homoafetiva

incluindo, aqui, o direito converso da unio estvel entre pessoas do mesmo sexo

em casamento.


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Nos ltimos 2 (dois) meses que se sucederam, espocam pelo pas,

como efeito irradiante da deciso em comento, uma srie de pedidos de converso de

unio estveis em casamento de pessoas do mesmo sexo, e, mais recentemente,

pedidos diretos de habilitao ao casamento.

Rogo vnia a ilustre representante do Ministrio Pblico, Dra.

Fernanda Ferreira Branco, para incorporar a este pronunciamento os seguintes

excertos do seu parecer:

Os homoafetivos tm o direito proteo do Estado s suas relaes afetivas do

mesmo modo que os heteroafetivos. Direito j consagrado recentemente,

inclusive, pela Organizao das Naes Unidas, em 17.06.2011, da qual o Brasil

foi signatrio, e que determina que todos os seres humanos nascem livres e iguais

no que diz respeito a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de

direitos e liberdades sem nenhum a distino.

Por fim o casamento civil constitui ato de cunho eminentemente privado,

embora protegido pelo Estado em decorrncia das disposies referentes famlia. A questo interessa apenas aos nubentes que buscam a segurana do

ordenamento jurdico para proteo de sua relao afetiva. Esta relao no inclui

os terceiros desinteressados.

Determinaram, ainda, os Senhores Ministros a aplicao do disposto no 2, do

artigo 102, da Constituio da Repblica, com eficcia erga omnes e efeito

vinculante. No havendo espao para a discricionariedade e obrigando os

membros do Judicirio e da Administrao Pblica ao seu cumprimento.

Em resumo e valendo-me de uma forma dedutiva de raciocnio,

sedimentada no silogismo, arremato essa temtica com a seguinte argumentao

lgica:


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O Supremo Tribunal Federal, em deciso com eficcia erga

omnes e efeito vinculante, instituiu uma nova entidade familiar - a unio

homoafetiva - equiparando-a unio estvel.

Ora, a Constituio Federal determina que seja facilitada a

converso de unio estvel em casamento.

Logo, a unio homoafetiva tambm deve ter facilitada a sua

converso em casamento.

, pois, o que fao nesta deciso.

Os requerentes buscam a converso da sua unio estvel em

casamento, lastreando o pleito (fundamento jurdico do pedido) na normatividade

vigente sobre a matria, nsita no art. 226, 3, parte final, da Constituio Federal

cumulada com os artigos 1.723 e 1.726 do Cdigo Civil, e no novo entendimentosufragado pela Corte Suprema de nosso pas, palmilhando em perfeito conduto para o

alcance de seu desiderato, qual seja, contrarem casamento.

Ainda no plano das normas, evocam atos normativos expedidos no

prprio Estado de Pernambuco, precisamente, o Provimento n 20 de 20/11/2009,

com as alteraes previstas no Provimento n 11 de 23/05/2011, expedidos pela

Corregedoria Geral de Justia, que disciplina com detalhamento a converso da unio

estvel em casamento, nos meandros deste ente federativo, seno vejamos:

Art. 693 - A converso da unio estvel em casamento dever serrequerida pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil das PessoasNaturais de seu domiclio.


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Art. 694 - Cumpre aos conviventes apresentarem requerimentoacompanhado de declarao de unio estvel, assim como acerca dainexistncia de impedimentos para o matrimnio.

Art. 695- No requerimento ser indispensvel indicao da data do incioda unio estvel.

Art. 696- Recebido o requerimento, este ser autuado como habilitao,devendo constar dos editais que se trata de converso de unio estvel emcasamento.

Art. 697 - Aps a expedio dos editais de proclamas e certificadas ascircunstncias, dever ser aberta vista da habilitao ao Ministrio Pblicopara anlise do aspecto formal.

Art. 698- Decorrido o prazo legal do edital e tomada a medida do artigoanterior, ser lavrado o assento da converso da unio estvel emcasamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo oato da celebrao do matrimnio.

Art. 699 - O assento da converso da unio estvel em casamento serlavrado no Livro "B", exarando-se o determinado no Art. 70, pargrafos 1ao 8 e 10, da Lei n 6.015/73, sem a indicao do nome e assinatura do

presidente do ato, anotando-se no respectivo termo que se trata deconverso de unio estvel em casamento, como regulada no Art. 8 da Lein 9.278/96.

Art. 700 - A converso da unio estvel em casamento depender dasuperao dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se adoo do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos dalei civil, bem como a todas as regras de ordem pblica pertinentes aocasamento.

Art. 701 - O regime de bens ser o estabelecido no respectivo contrato,no produzindo efeitos retroativos.

Art. 702 - No constar na certido de casamento convertido de unioestvel a data do incio desta, salvo a requerimento dos contraentes ou pordeterminao judicial.

Art. 703- As questes relativas unio estvel devem ser resolvidas pelo

Juiz de Direito da Vara da Famlia, observado o segredo de justia.


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O pedido de habilitao veio instrudo com todos os documentos

indispensveis ao seu acolhimento, quais sejam, as certides de nascimento dos

requerentes; o duplo atesto testemunhal afirmando que os requerentes no so

parentes em grau proibitivo ou que tenham qualquer impedimento que obste a

converso de unio estvel em casamento de um com o outro; declaraes do estado

civil atual, do domiclio e da residncia atual dos contraentes; Escritura de

Convivncia Afetiva lavrada em 23/06/2010; Certido de Casamento realizado em

Portugal,em 10/12/2010; e Sentena Homologatria de Unio Estvel,pelo que se

atesta a regularidade formal do pleito.

Os requerentes elegeram o regime da Comunho Universal de Bens,

sendo certo que tal opo foi contemplada quando da lavratura da Escritura de

Convivncia Afetiva, acostada s fls. 18/20 do presente procedimento.

Por conseguinte, a sentena judicial de fl. 13 homologou em todos

os seus termos o pacto em comento, inclusive no que concerne ao regime de bens,

estipulado no sexto item, constante fl. 18-v.

Segundo lio de Salaverry:

... Portanto, diante das consideraes, no ato da converso da unio estvel em

casamento, optamos pela permanncia do regime de bens escolhido pelos

companheiros na constncia da unio (...)

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6 SALAVERRY, Ursula Ernlund. Aspectos Patrimoniais no Ato da Converso da Unio Estvel

em Casamento.


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Neste caso, conclui-se que o pacto antenupcial est representando

pela escritura pblica de convivncia afetiva - ressaltando-se mais uma vez -

homologada por sentena judicial.

Por fim, pugnam pela manuteno dos nomes primitivos de

solteiros, o que resta convalidado por este juzo.

Traado esse panorama, e no cotejo do acervo ftico-probatrio,

verifico a inexistncia de qualquer irregularidade formal e/ou fatos obstativos

converso da unio estvel homoafetiva em casamento, que ora se persegue.

Conforme fortemente repisado no presente corpo sentencial, a

aludida pretenso encontra fundamentao: no Prembulo Constitucional; nosPrincpios da Repblica (art. 1, II e III); nos Direitos e Garantias Fundamentais,

quais sejam, a igualdade (art. 5, caput, I), liberdade, intimidade (art. 5, X) e

proibio da discriminao (art. 3, IV); no artigo 226, 1, 3, 4, 5 e 6, todos, da

Constituio da Repblica; na Deciso do STF na ADI 4277 e na ADPF 132, acolhida

como ADI e, por fim, na Resoluo do Conselho de Direitos Humanos da

Organizao das Naes Unidas, destinada a promover a igualdade dos sereshumanos, sem distino de perfil sexual, em 17/06/2011, da qual o Brasil signatrio.

Em arremate, reporto-me a um dos maiores poetas de lngua

portuguesa, Fernando Pessoa:

O amor que essencial


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convivncia da unio estvel (10 de outubro de 1998 at 01 de agosto de 2011) e a

data do casamento (02 de agosto de 2011).

Os cnjuges mantero os nomes de solteiros.

Tratando-se esta sentena de ato judicial que substitui a celebrao,

a mesma tem efeitos imediatos. Assim, lavre-se o registro de casamento e

providencie-se o necessrio s averbaes nos registros de nascimento dos

requerentes.

Observe-se o segredo de justia quanto aos documentos da presente

habilitao.

Intimem-se os requerentes e d-se cincia ao Ministrio Pblico.

Registre-se.

Aps as expedies necessrias, ao arquivo.

Recife, 02 de agosto de 2011

CLICRIO BEZERRA E SILVA

- Juiz de Direito -

2011 08 03 primeiro casamento homo

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