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Homens da África Ahmadou Kourouma Tradução Roberta Barni Ilustrações Giorgio Bacchin Temas África do Oeste • Povos da Costa do Marfim • Religião • Cultura • Organização social, política e econômica • Ritos de passagem GUIA DE LEITURA PARA O PROFESSOR 160 páginas O LIVRO Ricamente ilustrado com fotos e desenhos, Homens da África traça um painel sobre a vida cotidia- na dos habitantes da África do Oeste. A obra descreve as atividades de quatro personagens emblemáticos dessa or- ganização social: o griô, o caçador, o príncipe e o ferreiro. Cada capítulo fornece dados objetivos, complementados com fotos e reproduções de artefatos e objetos. Em tex- tos narrativos, elaborados ficcionalmente e acompanha- dos de grandes ilustrações, conta-se também a história de um dia na vida desses personagens marcantes da cultura mandinga, importante etnia da população do Mali, com os objetos de trabalho e as funções sociais desempenha- das por eles. Idealizado e escrito por um dos mais res- peitados autores africanos, Ahmadou Kourouma, o livro aborda a arte, os costumes, a religião, as palavras, os ritos, as formas de moradia e as diferentes organizações sociais e políticas dessa região africana. O AUTOR Ahmadou Kourouma (1927-2003) é escritor africano de renome e sucesso editorial na Europa e na África. Nascido na Costa do Marfim, teve trajetória política e intelectual marcada pela contestação aos regimes autoritários. Fez seus primeiros estudos em Bamako, no Mali. Durante o período da colonização africana, integrou as forças armadas francesas e lutou na Indochina. Ao retornar, viveu em Lyon, França, onde estudou matemática. Voltou a seu país após a independência da Costa do Marfim, em 1960, mas se indispôs com o governo de Félix Houphouët-Boigny. Após um breve período de prisão, viveu muitos anos no exílio, em vários países africanos, como Argélia, Camarões e Togo, até retornar à Costa do Marfim em 1994. Publicou o primeiro livro em 1968: Les soleils des indépendents, escrito em francês, mas permeado de termos da língua mandinga. Recusado pelos editores franceses, foi lançado em Montreal, Canadá. O reconhecimento internacional foi tardio e somente em 1994 ele recebeu seu primeiro prêmio literário, o Prix du Livre Inter, na França. Em 2000, foi agraciado com o Renaudot e o Prix Goncourt des Lycées. Recebeu ao todo mais de quinze premiações literárias.

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Homens da ÁfricaAhmadou Kourouma

Tradução Roberta BarniIlustrações Giorgio BacchinTemas ÁfricadoOeste•PovosdaCostadoMarfim•Religião•Cultura•

Organizaçãosocial,políticaeeconômica•RitosdepassagemGUIA DE LEITURA

PARA O PROFESSOR

160 páginas

O livrO Ricamente ilustrado com fotos e desenhos,

Homens da África traçaumpainelsobreavidacotidia-

nadoshabitantesdaÁfricadoOeste.Aobradescreveas

atividadesdequatropersonagensemblemáticosdessaor-

ganizaçãosocial:ogriô,ocaçador,opríncipeeoferreiro.

Cadacapítulofornecedadosobjetivos,complementados

comfotosereproduçõesdeartefatoseobjetos.Emtex-

tosnarrativos,elaboradosficcionalmenteeacompanha-

dosdegrandesilustrações,conta-setambémahistóriade

umdianavidadessespersonagensmarcantesdacultura

mandinga,importanteetniadapopulaçãodoMali,com

osobjetosdetrabalhoeasfunçõessociaisdesempenha-

das por eles. Idealizado e escrito por um dos mais res-

peitadosautoresafricanos,AhmadouKourouma,olivro

abordaaarte,oscostumes,areligião,aspalavras,osritos,

asformasdemoradiaeasdiferentesorganizaçõessociais

epolíticasdessaregiãoafricana.

O autOr Ahmadou Kourouma (1927-2003) é escritor africano de renome e sucesso editorial na Europa e na África. Nascido na Costa do Marfim, teve trajetória política e intelectual marcada pela contestação aos regimes autoritários. Fez seus primeiros estudos em Bamako, no Mali. Durante o período da colonização africana, integrou as forças armadas francesas e lutou na Indochina. Ao retornar, viveu em Lyon, França, onde estudou matemática. Voltou a seu país após a independência da Costa do Marfim, em 1960, mas se indispôs com o governo de Félix Houphouët-Boigny. Após um breve período de prisão, viveu muitos anos no exílio, em vários países africanos, como Argélia, Camarões e Togo, até retornar à Costa do Marfim em 1994.

Publicou o primeiro livro em 1968: Les soleils des indépendents, escrito em francês, mas permeado de termos da língua mandinga. Recusado pelos editores franceses, foi lançado em Montreal, Canadá. O reconhecimento internacional foi tardio e somente em 1994 ele recebeu seu primeiro prêmio literário, o Prix du Livre Inter, na França. Em 2000, foi agraciado com o Renaudot e o Prix Goncourt des Lycées. Recebeu ao todo mais de quinze premiações literárias.

Homens da África AhmAdou KouroumA

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A ÁFRICA NO BRASILA sociedade brasileira é tributária da

imensa riqueza africana. No campo

linguístico, o português falado no

Brasil é, em parte, africano. Nossa

sintaxe, nossas construções, inflexões

e pronúncia foram transformadas pela

ação das línguas africanas que vieram

com os escravos.

A riqueza vocabular de nossa língua

deve-se em grande parte à importação

de termos africanos: palavras como

bagunça, quitanda, sunga, xingar e

tantas outras de origem africana foram

incorporadas ao português.

A publicação de Homens da

África vem preencher uma lacuna,

possibilitando ao leitor brasileiro

(re)conhecer o rico, complexo e

fascinante continente.

A edição brasileira de Homens da

África conta com apresentação e

consultoria do sociólogo Acácio

Almeida Santos, professor do

Departamento de Antropologia da

PUC-São Paulo, e de Daniela Moreau,

cofundadora da Casa das Áfricas,

centro brasileiro de pesquisa sobre o

continente africano.

AfricAnOs exemplAres Nosúltimosanos,aÁfricaganhoucentralidadenodebatein-

telectualepedagógiconoBrasil,sobretudoapósapromulgaçãodaleifederalno10.639,de2003,queestabeleceuaobrigatorie-dadedoensinodeculturaafricanaeafro-brasileiranasescolaspúblicaseprivadasdetodoopaís.Issotemproporcionadoaospesquisadores,estudiosos,militantesdomovimentonegroede-maisinteressadosaoportunidadededesvendarumcontinenteaindadesconhecido.Adiversidadedaproduçãoacadêmicaatualsobreatemáticaafro-brasileira,contudo,nãoescondeofatodeque ainda hoje a África – suas populações, línguas, culturas etradições – permanece, em larga medida, envolvida por ideiasequivocadasepreconceituosas.

Atépoucotempo,aspessoasignoravamasorigensafricanasdahumanidade.NocomeçodoséculoXX,afirmava-sequeto-dososartefatosencontradospelosarqueólogosnaÁfricaeramprovenientes da Ásia. Somente a partir de meados do séculopassadoaspesquisasrevelaramquenossoberçolocaliza-senocontinenteafricano.Ocontinenteafricanofoipalcotambémdeacontecimentosfundamentaisparaaespéciehumana,comooestudosobreautilizaçãodecertasplantaseadomesticaçãodeanimais,alémdaconstruçãodecivilizaçõesavançadas,comoasdoEgitoedaEtiópia.

Ahistóriadocontinentefoidurantemuitotempocontadaapenasapartirdomomentoemqueoseuropeusalichegaram,noséculoXV.Issoocultavaacomplexidadeeadinâmicacultu-ralespecíficadaÁfrica,permitindoqueseapagassemassingu-laridadesdocontinente.Aocompararomodeloeuropeuesuaorganizaçãosociopolíticacomospadrõesculturaisafricanos,a conclusão era que a África não possuía nações ou Estados,passadoouhistória.

Atualmente,asnotíciassobreaÁfricaaindadestacamafome,amiséria,asguerraseasepidemias.Trata-sedarealidade,poissé-riosproblemassociais,políticoseambientaisaindasãosentidosemtodoocontinente.Háestiagensseverasquecastigampartedoterritórioperiodicamente,assimcomocomplexosproblemaspolíticoseadministrativosempaísescomgranderiquezanatu-ral(especialmenteminérioscomocobaltoecobre).ARepúblicaPopulardoCongo,porexemplo,produzborrachaepossuiminasdediamantes,mastambémbaixíssimarendaper capita.

Porémocontinenteafricanonãoéfeitoapenasdetristeses-tatísticas.AÁfricaémaisque isso,acomeçarpor suaenormediversidadegeográfica.Trata-sedeumcontinentemuitoextensoecomplexo,ondehámontanhasimensascomooKilimanjaro,odesertodoSaara,asflorestasdoCongo,zonaspermanentemente

Homens da África AhmAdou KouroumA

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alagadas, além de estepes e savanas com árvores baixas e umarelvaextensa,povoadadegrandesanimais.

Ocontinenteéricoprodutordeculturaeconhecimento,ca-pazdelidarcomseusproblemassociais,políticoseeconômicos,problemas,aliás,quenãosãoexclusividadedomundoafricano.Ariquezahumanadocontinentetambéméadmirável,dopontodevistaétnico,culturalelinguístico.

A ÁfricA: históriA, culturA e sOciedAde

Nocampopolítico,àépocadachegadadoseuropeus,algunspovos,comoosiorubás,seorganizavamemcidades-Estado,comapresençadeumreisagrado.Outros,comoosibos,nãoconhe-ciamanoçãodeEstado,esuaorganizaçãopolíticabaseava-seemumgrupodeanciões.Outrosformavamimpérioscomcomplexaestruturapolítica.

Asdescobertasarqueológicaseoestudodatradiçãooralper-mitiramobter,apartirdadécadade1960,conhecimentosmaisapuradosacercadavidaedocotidianodospovosafricanos.Osconteúdosdasnarrativasoraispossibilitamnãosó identificarosmovimentosdepopulaçãoocorridosemépocasremotaseas origens de diferentes organizações sociais e políticas, mastambémentenderasmudançasocorridasnesseambientecomachegadadoseuropeus.

Osofíciostradicionais,comoosdocaçador,doferreiroedogriô, retratados em Homens da África, se encontram ligados aum conhecimento esotérico, místico, transmitido de geraçãoparageração.Aexecuçãoeatransmissãodessesabersãosempreacompanhadasderituais,gestos,cerimônias,cânticosepalavrassagradasqueseligamaomistériodacriação.

Kouroumalançamãodessessaberesenosrevela,comsensi-bilidade,cadaumdessesuniversosculturaisquenospermitemconhecerumpoucomaisdomundoafricano.

O griô

OprimeiropersonagemapresentadoporKouroumaéogriô,o contadordehistórias,indivíduocujafunçãoprincipaléadeserumtransmissordapalavra,umartistaquedeclamaosfeitosdoshomensproeminentesedosantepassados,comseusatosdeheroísmoedehonra.Eleétambémumaespéciedemenestrel,quetocainstrumentosmusicaiscomoxilofoneekora.

Seupapel socialé importantíssimo,poiseleéoguardiãodamemóriaedagenealogiadosclãs,numcontextohistóricodeumasociedadeorganizadasemapresençadapalavraes-crita.Aatividadedogriôindicaqueatradiçãooralencerraumavisãoprópriadomundo,queéconsiderado“umtodointegrado

A ÁFRICA, O ISLÃE O ESCRAVISMOHomens da África destaca um

aspecto que está presente no

cotidiano de todos os personagens

do livro: o islamismo. A origem do

islamismo no continente africano

remete ao século VII, à chegada

dos árabes ao Egito, no ano 639.

Os exércitos muçulmanos partiram

da Arábia e várias cidades egípcias

foram tomadas. A chegada de

reforços da Arábia levou as tropas

seguidoras do profeta Maomé até

a Núbia. Para a direção do oeste,

regiões foram sendo dominadas até

chegar ao Magreb, no extremo oeste

do norte da África. Os mercadores

árabes também se encarregaram de

difundir o islamismo nas áreas onde

compravam e vendiam mercadorias.

O que facilitou, em certa medida, a

conversão foi o fato de o monoteísmo

não ser desconhecido por alguns

povos africanos, caso da população

que habitava a atual Nigéria.

Com a religião, vinham as formas de

viver e de governar do mundo árabe,

regulamentadas pelo Alcorão e pela

Suna. Os deveres do seguidor do Islã

são cinco: crer em um só Deus e no

profeta Maomé (a chamada profissão

de fé); proferir a oração cinco vezes ao

dia; pagar o imposto religioso; realizar

o jejum no Ramadã, nono mês do

calendário islâmico; empreender pelo

menos uma vez na vida a peregrinação

à cidade sagrada de Meca, na

Península Arábica.

Três séculos depois da chegada dos

muçulmanos à África, desenvolveu-se

ali uma dinastia berbere de

muçulmanos que seguiam rigidamente

os preceitos do Islã: os almorávidas.

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Homens da África AhmAdou KouroumA

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emqueseuselementosconstitutivosseinter-relacionameinte-ragem”,comoindicaLeilaLeiteHernandezemÁfrica na sala de aula.Assim,opapeldatradiçãooralnasociedadeafricanaseriao deexplicarafunçãodohomemedeseulugarnomundo.

Nascerimôniaspúblicas,ogriôdeclamaahistóriadosclãseoshonrapublicamentecomsuasnarrativas.Elemostraaosprín-cipesosexemplosaseremseguidosouaquelesaseremrepudia-dos.Ogriôé,portanto,um“arquivovivo”damemórialocal.Épormeiodesuasnarrativasqueseformaopatrimônioculturalda sociedade mandinga.

Alémdisso,ogriôtambémcumpreafunçãodemediadordosconflitosequerelasacontecidosnacomunidadee,comolembraBarry Boubacar, em Senegâmbia: o desafio da história regional,exerce“odesenvolvimentoextraordináriodeestruturasdeme-diaçãoquerestabelecemacomunicaçãonumasociedadeondeasrelaçõessociaisparecemser todasmarcadasporconsideraçõesdehierarquia,autoridade,etiqueta,deferênciaereverência”.

O príncipe

O segundo personagem escolhido por Kourouma é o prín-cipe.Antesda chegadados europeus ede sua interferêncianaorganizaçãosocialdosreinosafricanos,ospríncipesdominavamaregiãodaÁfricadoOeste.Sabe-seque,nocontinenteafricano,hámaisdecincomilanosexistemreinosunificados.ÉocasodoImpérioMandinga,cujoaugefoialcançadoemmeadosdoséculoXIIIecujaextensãoterritorialincluíaaGuiné,oSenegal,o atualMali,partedoatualBurkinaFasso,onortedaCostadoMarfimeGana.OespaçogeográficodanarrativadeKouroumasitua-senasterrasqueoantigoImpérioMandingaassumiuemdiferentesmomentoshistóricos.

Naparterelativaaopríncipe,opersonagemescolhidoparaapresentaraoleitorouniversodossoberanoséSamoriTourédeBissandougou,controversolíderdemovimentospolíticoscontra a presença estrangeira na África. Em fins do séculoXIX, ele acirrou os conflitos entre franceses e ingleses pelodomíniodaÁfricadoOeste.OImpériodeSamoricompreen-diaaporçãoorientaldaatualRepúblicadaGuiné,umaparceladosuldoMali,partesdeSerraLeoaeonoroestedaCostadoMarfimesófoidevidamenteconquistadopeloseuropeusapósdezesseisanosdecombates,ocorridosentre1882e1898.Samoriequipou a cavalaria, armou as tropas com rifles e buscou, emtrocadeescravosquefaziaemsuasconquistas,obtercavalosdoSaheledaÁfricadoNorte.Noscombatesqueempreendeucon-traosfranceses,obtevemaisvitóriasdoquederrotas,eosfran-cesesaumentaramoefetivodehomensenviadosàÁfricapara

Eles reconquistaram a África do

Norte, em que o islamismo havia

declinado, a Espanha e o antigo Gana,

reino localizado entre os rios Níger

e Senegal. A reconquista deu-se com

uma jihad, isto é, uma guerra santa,

levada a cabo pelos almorávidas no

princípio do século XI. Vários povos do

oeste africano foram então convertidos

à religião muçulmana.

Novamente os mercadores – nesse caso

tuaregues, grupo étnico nômade que

habita o deserto do Saara – ajudaram

a difundir o islamismo desde o Sahel,

região de estepes secas do norte

da África, até a parte já islamizada

também ao norte do continente.

Os almorávidas e os mercadores

difundiram a religião islâmica para os

atuais Estados do Sudão, Chade, Níger,

Mali, Burkina Fasso, Costa do Marfim,

Mauritânia e Saara Ocidental.

Formaram-se, então, grandes impérios

no continente africano pré-colonial. O

Império de Gana se desenvolveu entre

os séculos VI e XIII; o do Mali, entre os

séculos XIII e XVIII; e o de Songai entre

os séculos XVII e XVIII.

O declínio dos grandes impérios

africanos coincide com o processo de

expansão marítima europeia e com a

descoberta da América. A colonização

do Novo Mundo estimulou o uso

da mão de obra africana. A captura

de negros africanos para serem

escravizados levou paulatinamente ao

empobrecimento e à desarticulação

política e social dos reinos africanos.

A escravidão praticada pelos europeus

e aquela conhecida pelos africanos,

porém, eram totalmente distintas. Entre

os africanos havia, de fato, o uso de

trabalho escravo. Este, todavia, era

Homens da África AhmAdou KouroumA

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combatê-lo.Samorientãopartiuparaolestecomseusexércitos.Empoucotempo,erigiuumnovoimpériononortedaCostadoMarfimedaatualGana(antigaCostadoOuro).

Samorisofreuaresistênciadaspopulaçõeslocaise,aomesmotempo,foipressionadoporfranceseseingleses.Foisurpreendi-doportropasfrancesasquandoresolveuseinstalarcomseusho-mensnumaáreademontanhaseflorestasaoestedaatualCostadoMarfim.ExiladonoGabão,morreudepneumoniaem1900.

Nosreinosafricanos,ospríncipeseramchefesmilitares,or-ganizadores das caçadas e condutores das grandes cerimôniasreligiosas que pediam por boas colheitas e pelo bem-estar dasaldeias.AnarrativadeAhmadouKouroumasobreocotidianodopríncipemostraSamoriTourédeBissandougouemmeioatodasessasatividadesdiárias.Opríncipesecolocavanaposiçãodeumaespéciedepaidoshabitantesdasaldeias.Seupoderre-ligiosoeraumelementofundamentalnoexercíciodeseupoderpolítico,militaresocial.Eleeraumprotetorcompapelaomes-motempodejuizedeautoridademística,quesecolocavacomoguiadeseupovo.Kouroumanosmostra,emumadasúltimascenasdessanarrativa,oencontrodopríncipecomosmembrosdacomitivafrancesaquetraziamdevoltaparaaaldeiaumdeseusfilhos,queestudaranaFrança.EssepontodanarrativarevelacomoadominaçãoeaconquistadaÁfricapeloseuropeusnossé-culosXIXeXXimplicaram,emcertosmomentos,anecessidadedeestabeleceraliançaspolíticascomoslíderesechefeslocaisdasregiõesdominadas.

O cAçAdOr OutroaspectotratadoemHomens da África,pormeiodafi-

guradocaçador,éodarelaçãoentreoshomenseosanimais.Afaunaafricanaéextremamentericaeemnenhumoutrolugarhá tantas espécies de grandes animais. Elefantes e hipopóta-mosvêmsendocaçadosháséculose,atualmente,apopulaçãodessesanimaisvoltouacrescergraçasà implantaçãodeáreasdeproteçãoereservasondeacaçaéproibida.AnarrativadeKouroumamostraodiaadiadocaçadorMoribanaaldeiadeTogobola,naGuiné.

Peloperigoqueacaçadosanimaisrepresentava,porsuaim-portantefunçãosocialesuavalentiaecoragem,oscaçadoresde-tinhamgrandeconsideraçãodacomunidade.Nasociedademan-dinga,acaçanãoerapredatória,istoé,osanimaiseramcaçadosdemodorestrito,semqueissorepresentasseumriscoàsobrevi-vênciadasespéciesanimais.Ocaçadorcumpriaimportantepapelnaestruturasocialdasaldeias,poisdeledependiaaintroduçãodemaiorquantidadedeproteínanadietacotidianada população.

bastante diverso do praticado em larga

escala pelos europeus, pois, apesar

de o escravo não receber pagamento

pelo trabalho, possuía direitos, como

o de ascender socialmente, uma vez

que sua relação com o proprietário se

dava em virtude de sua origem, suas

habilidades e seus talentos, e não de

seu valor como mercadoria, como

ocorria com a escravidão praticada

pelos europeus.

Em algumas sociedades africanas

tradicionais, o escravo podia constituir

família e participar das rendas de seus

senhores. Em outras era considerado

um membro da família, espécie de

filho de criação. A escravidão que os

europeus instituíram deu origem ao

escravismo, sistema socioeconômico

que era desconhecido na África.

Homens da África AhmAdou KouroumA

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ÉoqueacontececomMoriba,queabateumantílopeeodivi-deentreosaldeões.Alémdisso,osanimaisrepresentavamumaameaçaparaacomunidade,porqueatacavamanimaisdecriação,plantaçõesdemilhoedearrozeasreservasdealimentosdaal-deia.Osanimaisferozespodiamaindaarremetercontraapopu-lação,ecabiaaocaçadorevitaresseataque.

O ferreirO

Oúltimopersonagemabordadoéoferreiro,quenouniversodaÁfricadoOestedesfrutadegrandeimportânciasocial.Comsuashabilidadesmanuais,oferreirorealizadiferentesatividades,comoadeourives,construtordecanoas,artesãodemáscaraseobjetosdeusodiário.

Atécnicadametalurgiadoferrocomousodoalto-fornoeradominadanaÁfricadesdeaproximadamente600a.C.efoisendoaperfeiçoadaao longodo tempo.Ligasdecobre,bronzee latãopermitiramqueescultoresfabricassemobjetosusadosnocotidia-no,assimcomoobrasdearte,hojecomvalorartísticoehistórico.

No livro, descobre-se que esse indivíduo é responsável pelaimportantecerimôniadeiniciaçãodosmeninos:acircuncisão.OferreiroNouhoutiéSiluééencarregadotambémdeensinarosaprendizesafabricaroferroqueserátransformadoemobjetosvitaisparaasobrevivênciadogrupo,comoasenxadas.Outrain-cumbênciadosferreiroséafabricaçãodemáscarasrituais.Nes-sasocasiões,oferreiroficaisoladodasmulheresedosmeninosnãoiniciados.

As máscaras rituais confeccionadas pelos ferreiros africanosfascinaramartistaseuropeusdoséculoXX,comoPicasso,Matisse,BraqueeModigliani,porsuaestranhabelezaeelegância,porseusqueixospontiagudos,narizfinoearrebitadoebocaentreaberta.Outrasmáscaras,deaparênciaferozeviolenta,tambémimpacta-ramaarteocidentaleaproduçãoartísticacontemporânea.

A DIVERSIDADELINGUÍSTICA DA ÁFRICANo continente africano são falados

mais de dois mil idiomas que, até

pouco tempo, não eram considerados

línguas, mas dialetos, o que não

deixava de ser uma demonstração

de preconceito.

Algumas dessas línguas são usadas

por dezenas de milhões de pessoas.

É o caso do suali, língua nacional do

Quênia, mas que extrapola os limites

desse país, somando cerca de 65

milhões de falantes, desde a costa

do Índico até a metade oriental do

Congo-Zaire. O haussa, originário do

noroeste da Nigéria, é a língua falada

em sete países por volta de 70 milhões

de falantes. Sua escrita, em caracteres

árabes, era usada antes da chegada dos

europeus ao continente.

Outras línguas, faladas por mais de 10

milhões de africanos, são o ioruba, o

ibo e o fulani, na Nigéria; o mandinga,

em uma grande área da África

Ocidental; e o kirundi-kinyaruanda,

comum aos povos hutu e tútsi de

Ruanda e Burundi (é a língua da

diáspora desses povos nos países da

região). Na África do Sul, as línguas

berbere, zulu e xhosa abrangem 75%

da população e, portanto, são as mais

usadas.

Outras línguas, porém, têm hoje

poucos falantes e correm sério risco

de desaparecer. É o caso do hadza,

língua da Tanzânia, falada por apenas

duzentos indivíduos.

O continente africano reúne um terço

dos idiomas do mundo e é o mais

ameaçado pelo desaparecimento de

línguas. A extinção de uma língua

acarreta perdas inestimáveis do ponto

de vista histórico, identitário e de

7

AhmAdou KouroumAHomens da África

visão de mundo de uma comunidade

(80% das línguas faladas no território

africano são exclusivamente orais e,

portanto, mais vulneráveis).

Por essa razão, a União Africana

decretou 2006 como o ano de

proteção das línguas do continente.

Apesar da diversidade, as línguas

africanas têm origem comum: a grande

família linguística nigero-congolesa.

Ou seja, todas as línguas são

aparentadas. São quatro as grandes

famílias de línguas: afro-asiática,

nilo-saariana, khisan e nigero-

-congolesa (ou nigero-cordofana).

ATIVIDADES EM SALA DE AULA

1. UmbompontodepartidasãoasilustraçõesdeGiorgioBac-

chin,entendidascomofontesparaapesquisahistórica.Oprofes-

sorpodeselecionaralgumasdelaseelaborarumroteirodeanálise

dasimagens.Primeiramente,pode-serequisitar,porexemplo,que

osalunosrealizemumaleituradaimagem,atentandopara:

• Adescriçãodacena.Aquioobjetivoseriaodeaproximaros

estudantesdouniversoafricanoaodecodificaranaturezada

representaçãoartística.Assim,ofocoestarianaquiloquese

vê,istoé,ospersonagens,oseventosrepresentadoseopro-

cessohistóricoemqueestãoinseridos.

• Otraçousadopeloilustrador,ousodascoreseosentimen-

to que a imagem transmite. Os alunos podem observar as

formasusadaspeloartistaeproduzirumareflexão(oralou

escrita,individualouemgrupo)sobrecomoosafricanossão

retratados nas imagens de Bacchin.

• Acomparaçãodasimagensdoilustradoràsimagensconsa-

gradas(ealgumasestereotipadas)queaindaexistemacerca

docontinenteafricano.Pode-se sugerirqueosalunospes-

quisempreviamentesobrecomoaÁfricaeosafricanoscos-

tumamserrepresentadosnaimprensa,nainternet,nosfil-

mes,napublicidadeenaTV.

• Asrelaçõesentrehistóriaemeioambiente.Pode-seestimu-

larosalunosa refletireproduzirumtextosobreopapel

dacaçaedocaçadornassociedadesafricanas.Opontode

partida dos questionamentos pode ser: qual era a função

socialdocaçador?Comoosafricanosserelacionavamcom

a natureza? Que diferenças e semelhanças há entre essa

formade relacionamentoeaquelapraticadapelasnações

indígenasamericanasnomomentodachegadadoscoloni-

zadoreseuropeus?

2. Outraatividadequepodeserdesenvolvidaéaleituraemvoz

alta,feitaemsaladeaulapeloprofessor,decadaumdosuni-

versosculturaisapresentadosemHomens da África:odogriô,o

dopríncipe,odoferreiroeodocaçador.Osalunosdevemestar

dispostosemrodae,apósaleitura,oprofessorpodesolicitar

quecomentemotexto,apontandoasdúvidas,ascuriosidades

esuasconsideraçõessobreoque foi lido.Essa fórmulaajuda

aesclarecerpreconceitoseequívocosacercadaÁfrica,desua

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Homens da África AhmAdou KouroumA

históriaedeseushabitantes,alémdeestimularaparticipação

apropósitodotema.

3. Otrabalhocommapas,noquese refereàs regiõesmencio-

nadasemtodoolivro,podetambémauxiliaracompreensãode

que o continente africano é lugar de grande riqueza material,

cultural,históricaegeográfica.Issolevaaquestionartambéma

noçãoequivocadadequeosafricanosformamumaúnicanação.

O professor pode exemplificar seus comentários sobre o colo-

nialismoeapartilhadosterritóriosafricanosapartirdemapas

queapresentemosresultadosdaConferênciadeBerlimde1884-

1885,quedefiniuapartilhaarbitráriadaÁfricapelospaíseseu-

ropeus.Boasquestõessobreoprocessodecolonizaçãoafricana,

quepodemrenderpesquisasediscussões,são:porquedetermi-

nadasregiõesdocontinenteafricanoforamalvodedisputaentre

as potências europeias? O que estava em jogo? Que Estados e

territóriospermaneceramindependentes?

Osmapastambémpodemfacilitaracompreensãodosprocessos

históricos envolvendoa formaçãodos impérios africanos.Eles

ajudamaentenderacronologiadoseventospréepós-coloniais,

questionandoavisãoequivocadadequeantesdachegadados

europeusaÁfricaconheciaapenas“tribos”equeestas,porsua

vez,eramsinônimodegruposdeindivíduosprimitivos.Osma-

pashistóricospermitemaosalunospercebermaisaquestãoda

fluidezdasfronteirasmóveisafricanasedoconstanteintercâm-

bioentreasregiões.

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Homens da África AhmAdou KouroumA

SUGESTÕES DE LIVROS,FILMES E SITESpArA O AlunO

LIVROS• O menino que comia lagartos, Mercè López. São Paulo:

EdiçõesSM,2011.

Narrativa de um garoto que ajuda um lagarto branco arecuperar suas cores com o auxílio de griôs e tuaregues –uma metáfora do que ocorreu com povos africanos, cujaidentidadesefoicomsuaslembranças.

• Histórias de Ananse,AdwoaBadoe.SãoPaulo:EdiçõesSM,2006.

Narrativas protagonizadas porAnanse, uma aranha que secomporta como gente, metendo-se em várias enrascadas.MuitopopularesemGana,naÁfricaOcidental,essashistóriasdifundemoscostumesevaloresdeumatradiçãomilenar.

• ABC do continente africano,RogérioAndradeBarbosa.SãoPaulo:EdiçõesSM,2007.

Umaintroduçãoàculturaeaocontinenteafricanosem26verbetesricamenteilustradosporLucianaJustiniani.

FILME• Kiriku e a feiticeira, Michel Ocelot, França/Bélgica/Luxem-

burgo,1998.

DesenhoanimadosobreumalendaafricanatradicionalemqueummeninominúsculoenfrentaafeiticeiraKaraba,quesecouasfontesdaregiãoesequestrouoshomensdavila.

MUSEUS• Casa das Áfricas

http://www.casadasafricas.org.br

Espaço cultural e de estudos sobre sociedades africanas;abrigaexposiçõesvirtuaisebibliotecaespecializada.

• Museu Afro-Brasil

http://www.museuafrobrasil.org.br

Museuhistórico,etnológicoeartísticoqueapresentaobjetoseobrasrelacionadosaouniversoculturalnegro.

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Homens da África AhmAdou KouroumA

pArA O prOfessOr

LIVROS• A gênese africana:contos,mitoselendasdaÁfrica,LeoFrobe-

niuseDouglasC.Fox.SãoPaulo:Landy,2005.

Por meio de várias histórias recolhidas numa viagem, essaobra mostra a riqueza mítica e folclórica da África. Entreos contos apresentados, encontram-se as lendas cabilasda criação, hauçás, fulas e soninquês, acompanhadas porpinturasrupestresoriginais.

• A África na sala de aula:visitaàhistóriacontemporânea,Lei-laLeiteHernandez.SãoPaulo:SeloNegroEdições,2005.

Especialmenteconcebidoparaprofessores,ovolumeconvidaaabandonarpreconceitoseestereótiposafimdequesepossaveraÁfricanãocomoumaunidadepacificada,mascomooentrelaçamentodediversasculturaseprocessoshistóricos,deidentidadescomplexase,muitasvezes,contraditórias.

• África e Brasil africano,MarinadeMelloeSouza.SãoPaulo:Ática,2006.

Umretratoabrangentedocontinenteafricano,flagradoemsua diversidade social, com informações sobre sua históriaantesedepoisdaescravidão.Olivrotambémtratadapre-sençaafricananoBrasil,paraondeforamtrazidoscercade5milhõesdeescravosaolongodemaisdetrêsséculos.

FILMES• Hotel Ruanda,TerryGeorge,ReinoUnido/Itália/ÁfricadoSul,

2004.

Ahistóriarealdeumgerentedehotelquedeuabrigoamaisde mil refugiados durante conflitos entre as etnias hutu etútsi,em1994,quematarammaisdeummilhãodepessoasem Ruanda.

• Diamante de sangue,EdwardZwick,EUA,2006.

Filmedeaçãoquesepassaduranteadécadade1990,tendocomopanodefundoaguerracivildeSerraLeoa,naÁfricaOcidental.A tramaseapoianoesforçopara recuperarumdiamante rosa muito valioso, escondido por um pescadorda etnia mende separado de sua família à força e um ex--mercenáriotraficantedearmas.

• A batalha de Argel,GilloPontecorvo,Argélia/Itália,1966.

FilmepremiadoquemostraalutadaArgéliaparasetornarindependente da França, narrado por Ali, líder da frenteAlgerianadeLibertaçãoNacional(FNL).

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Homens da África AhmAdou KouroumA

• Em minha terra,JohnBoorman,Irlanda/ÁfricadoSul/EUA,2004.

Jornalista negro é enviado à Africa do Sul para cobrir osdepoimentosdaComissãodeVerdadeeReconciliação,res-ponsávelporjulgarcrimescometidosduranteoperíododoapartheid.

• Minha terra,África,ClaireDenis,França,2009.

Mulherbrancaviveemumpaísafricanoameaçadoporcons-tantesrebeliõesenega-seadeixarolocal,aindaqueelaesuafamíliacorramperigodevida.

• Sotigui Kouyaté: um griot no Brasil, Alexandre Handfest,Brasil,2007,SESCTV.

DocumentáriosobreSotiguiKoyaté(1936-2010),griô,atorediretordeteatro,conhecidomundialmentepelasparceriascinematográficaseteatraiscomBertolucciePeterBrook.

SITES• Fundação Cultural Palmares

http://www.palmares.gov.brPáginaoficialdafundaçãoligadaaoGovernoFederal.Trazpo-líticas públicas e dados sobre a população afrodescendente,comunidadesquilombolas,artigosenotícias.

• Revista Modo de Usar & Co

http://revistamododeusar.blogspot.com/2010/08/sotigui-kouyate-1936-2010.htmlHomenagemaogriôSotiguiKouyaté,pertencenteaoclãdoskeyta,deorigemmandinga,comênfasenasuatradi-çãopoética.

BIBLIOGRAFIA ADICIONAL• Senegâmbia: o desafio da história regional, Barry Boubacar.

RiodeJaneiro:CentrodeEstudosAfro-Asiáticos,2000.

• Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre. 51. ed. São Paulo:Global,2006.

• A África explicada aos meus filhos,AlbertodaCostaeSilva.RiodeJaneiro:Agir,2008.

Elaboração do guia LiLian Lisboa Miranda (professora doutora do Centro universitário fundação santo andré); PrEParação bruno Zeni; rEvisão MarCia Menin e eLiane santoro.