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Homens da ÁfricaAhmadou Kourouma
Tradução Roberta BarniIlustrações Giorgio BacchinTemas ÁfricadoOeste•PovosdaCostadoMarfim•Religião•Cultura•
Organizaçãosocial,políticaeeconômica•RitosdepassagemGUIA DE LEITURA
PARA O PROFESSOR
160 páginas
O livrO Ricamente ilustrado com fotos e desenhos,
Homens da África traçaumpainelsobreavidacotidia-
nadoshabitantesdaÁfricadoOeste.Aobradescreveas
atividadesdequatropersonagensemblemáticosdessaor-
ganizaçãosocial:ogriô,ocaçador,opríncipeeoferreiro.
Cadacapítulofornecedadosobjetivos,complementados
comfotosereproduçõesdeartefatoseobjetos.Emtex-
tosnarrativos,elaboradosficcionalmenteeacompanha-
dosdegrandesilustrações,conta-setambémahistóriade
umdianavidadessespersonagensmarcantesdacultura
mandinga,importanteetniadapopulaçãodoMali,com
osobjetosdetrabalhoeasfunçõessociaisdesempenha-
das por eles. Idealizado e escrito por um dos mais res-
peitadosautoresafricanos,AhmadouKourouma,olivro
abordaaarte,oscostumes,areligião,aspalavras,osritos,
asformasdemoradiaeasdiferentesorganizaçõessociais
epolíticasdessaregiãoafricana.
O autOr Ahmadou Kourouma (1927-2003) é escritor africano de renome e sucesso editorial na Europa e na África. Nascido na Costa do Marfim, teve trajetória política e intelectual marcada pela contestação aos regimes autoritários. Fez seus primeiros estudos em Bamako, no Mali. Durante o período da colonização africana, integrou as forças armadas francesas e lutou na Indochina. Ao retornar, viveu em Lyon, França, onde estudou matemática. Voltou a seu país após a independência da Costa do Marfim, em 1960, mas se indispôs com o governo de Félix Houphouët-Boigny. Após um breve período de prisão, viveu muitos anos no exílio, em vários países africanos, como Argélia, Camarões e Togo, até retornar à Costa do Marfim em 1994.
Publicou o primeiro livro em 1968: Les soleils des indépendents, escrito em francês, mas permeado de termos da língua mandinga. Recusado pelos editores franceses, foi lançado em Montreal, Canadá. O reconhecimento internacional foi tardio e somente em 1994 ele recebeu seu primeiro prêmio literário, o Prix du Livre Inter, na França. Em 2000, foi agraciado com o Renaudot e o Prix Goncourt des Lycées. Recebeu ao todo mais de quinze premiações literárias.
Homens da África AhmAdou KouroumA
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A ÁFRICA NO BRASILA sociedade brasileira é tributária da
imensa riqueza africana. No campo
linguístico, o português falado no
Brasil é, em parte, africano. Nossa
sintaxe, nossas construções, inflexões
e pronúncia foram transformadas pela
ação das línguas africanas que vieram
com os escravos.
A riqueza vocabular de nossa língua
deve-se em grande parte à importação
de termos africanos: palavras como
bagunça, quitanda, sunga, xingar e
tantas outras de origem africana foram
incorporadas ao português.
A publicação de Homens da
África vem preencher uma lacuna,
possibilitando ao leitor brasileiro
(re)conhecer o rico, complexo e
fascinante continente.
A edição brasileira de Homens da
África conta com apresentação e
consultoria do sociólogo Acácio
Almeida Santos, professor do
Departamento de Antropologia da
PUC-São Paulo, e de Daniela Moreau,
cofundadora da Casa das Áfricas,
centro brasileiro de pesquisa sobre o
continente africano.
AfricAnOs exemplAres Nosúltimosanos,aÁfricaganhoucentralidadenodebatein-
telectualepedagógiconoBrasil,sobretudoapósapromulgaçãodaleifederalno10.639,de2003,queestabeleceuaobrigatorie-dadedoensinodeculturaafricanaeafro-brasileiranasescolaspúblicaseprivadasdetodoopaís.Issotemproporcionadoaospesquisadores,estudiosos,militantesdomovimentonegroede-maisinteressadosaoportunidadededesvendarumcontinenteaindadesconhecido.Adiversidadedaproduçãoacadêmicaatualsobreatemáticaafro-brasileira,contudo,nãoescondeofatodeque ainda hoje a África – suas populações, línguas, culturas etradições – permanece, em larga medida, envolvida por ideiasequivocadasepreconceituosas.
Atépoucotempo,aspessoasignoravamasorigensafricanasdahumanidade.NocomeçodoséculoXX,afirmava-sequeto-dososartefatosencontradospelosarqueólogosnaÁfricaeramprovenientes da Ásia. Somente a partir de meados do séculopassadoaspesquisasrevelaramquenossoberçolocaliza-senocontinenteafricano.Ocontinenteafricanofoipalcotambémdeacontecimentosfundamentaisparaaespéciehumana,comooestudosobreautilizaçãodecertasplantaseadomesticaçãodeanimais,alémdaconstruçãodecivilizaçõesavançadas,comoasdoEgitoedaEtiópia.
Ahistóriadocontinentefoidurantemuitotempocontadaapenasapartirdomomentoemqueoseuropeusalichegaram,noséculoXV.Issoocultavaacomplexidadeeadinâmicacultu-ralespecíficadaÁfrica,permitindoqueseapagassemassingu-laridadesdocontinente.Aocompararomodeloeuropeuesuaorganizaçãosociopolíticacomospadrõesculturaisafricanos,a conclusão era que a África não possuía nações ou Estados,passadoouhistória.
Atualmente,asnotíciassobreaÁfricaaindadestacamafome,amiséria,asguerraseasepidemias.Trata-sedarealidade,poissé-riosproblemassociais,políticoseambientaisaindasãosentidosemtodoocontinente.Háestiagensseverasquecastigampartedoterritórioperiodicamente,assimcomocomplexosproblemaspolíticoseadministrativosempaísescomgranderiquezanatu-ral(especialmenteminérioscomocobaltoecobre).ARepúblicaPopulardoCongo,porexemplo,produzborrachaepossuiminasdediamantes,mastambémbaixíssimarendaper capita.
Porémocontinenteafricanonãoéfeitoapenasdetristeses-tatísticas.AÁfricaémaisque isso,acomeçarpor suaenormediversidadegeográfica.Trata-sedeumcontinentemuitoextensoecomplexo,ondehámontanhasimensascomooKilimanjaro,odesertodoSaara,asflorestasdoCongo,zonaspermanentemente
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alagadas, além de estepes e savanas com árvores baixas e umarelvaextensa,povoadadegrandesanimais.
Ocontinenteéricoprodutordeculturaeconhecimento,ca-pazdelidarcomseusproblemassociais,políticoseeconômicos,problemas,aliás,quenãosãoexclusividadedomundoafricano.Ariquezahumanadocontinentetambéméadmirável,dopontodevistaétnico,culturalelinguístico.
A ÁfricA: históriA, culturA e sOciedAde
Nocampopolítico,àépocadachegadadoseuropeus,algunspovos,comoosiorubás,seorganizavamemcidades-Estado,comapresençadeumreisagrado.Outros,comoosibos,nãoconhe-ciamanoçãodeEstado,esuaorganizaçãopolíticabaseava-seemumgrupodeanciões.Outrosformavamimpérioscomcomplexaestruturapolítica.
Asdescobertasarqueológicaseoestudodatradiçãooralper-mitiramobter,apartirdadécadade1960,conhecimentosmaisapuradosacercadavidaedocotidianodospovosafricanos.Osconteúdosdasnarrativasoraispossibilitamnãosó identificarosmovimentosdepopulaçãoocorridosemépocasremotaseas origens de diferentes organizações sociais e políticas, mastambémentenderasmudançasocorridasnesseambientecomachegadadoseuropeus.
Osofíciostradicionais,comoosdocaçador,doferreiroedogriô, retratados em Homens da África, se encontram ligados aum conhecimento esotérico, místico, transmitido de geraçãoparageração.Aexecuçãoeatransmissãodessesabersãosempreacompanhadasderituais,gestos,cerimônias,cânticosepalavrassagradasqueseligamaomistériodacriação.
Kouroumalançamãodessessaberesenosrevela,comsensi-bilidade,cadaumdessesuniversosculturaisquenospermitemconhecerumpoucomaisdomundoafricano.
O griô
OprimeiropersonagemapresentadoporKouroumaéogriô,o contadordehistórias,indivíduocujafunçãoprincipaléadeserumtransmissordapalavra,umartistaquedeclamaosfeitosdoshomensproeminentesedosantepassados,comseusatosdeheroísmoedehonra.Eleétambémumaespéciedemenestrel,quetocainstrumentosmusicaiscomoxilofoneekora.
Seupapel socialé importantíssimo,poiseleéoguardiãodamemóriaedagenealogiadosclãs,numcontextohistóricodeumasociedadeorganizadasemapresençadapalavraes-crita.Aatividadedogriôindicaqueatradiçãooralencerraumavisãoprópriadomundo,queéconsiderado“umtodointegrado
A ÁFRICA, O ISLÃE O ESCRAVISMOHomens da África destaca um
aspecto que está presente no
cotidiano de todos os personagens
do livro: o islamismo. A origem do
islamismo no continente africano
remete ao século VII, à chegada
dos árabes ao Egito, no ano 639.
Os exércitos muçulmanos partiram
da Arábia e várias cidades egípcias
foram tomadas. A chegada de
reforços da Arábia levou as tropas
seguidoras do profeta Maomé até
a Núbia. Para a direção do oeste,
regiões foram sendo dominadas até
chegar ao Magreb, no extremo oeste
do norte da África. Os mercadores
árabes também se encarregaram de
difundir o islamismo nas áreas onde
compravam e vendiam mercadorias.
O que facilitou, em certa medida, a
conversão foi o fato de o monoteísmo
não ser desconhecido por alguns
povos africanos, caso da população
que habitava a atual Nigéria.
Com a religião, vinham as formas de
viver e de governar do mundo árabe,
regulamentadas pelo Alcorão e pela
Suna. Os deveres do seguidor do Islã
são cinco: crer em um só Deus e no
profeta Maomé (a chamada profissão
de fé); proferir a oração cinco vezes ao
dia; pagar o imposto religioso; realizar
o jejum no Ramadã, nono mês do
calendário islâmico; empreender pelo
menos uma vez na vida a peregrinação
à cidade sagrada de Meca, na
Península Arábica.
Três séculos depois da chegada dos
muçulmanos à África, desenvolveu-se
ali uma dinastia berbere de
muçulmanos que seguiam rigidamente
os preceitos do Islã: os almorávidas.
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Homens da África AhmAdou KouroumA
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emqueseuselementosconstitutivosseinter-relacionameinte-ragem”,comoindicaLeilaLeiteHernandezemÁfrica na sala de aula.Assim,opapeldatradiçãooralnasociedadeafricanaseriao deexplicarafunçãodohomemedeseulugarnomundo.
Nascerimôniaspúblicas,ogriôdeclamaahistóriadosclãseoshonrapublicamentecomsuasnarrativas.Elemostraaosprín-cipesosexemplosaseremseguidosouaquelesaseremrepudia-dos.Ogriôé,portanto,um“arquivovivo”damemórialocal.Épormeiodesuasnarrativasqueseformaopatrimônioculturalda sociedade mandinga.
Alémdisso,ogriôtambémcumpreafunçãodemediadordosconflitosequerelasacontecidosnacomunidadee,comolembraBarry Boubacar, em Senegâmbia: o desafio da história regional,exerce“odesenvolvimentoextraordináriodeestruturasdeme-diaçãoquerestabelecemacomunicaçãonumasociedadeondeasrelaçõessociaisparecemser todasmarcadasporconsideraçõesdehierarquia,autoridade,etiqueta,deferênciaereverência”.
O príncipe
O segundo personagem escolhido por Kourouma é o prín-cipe.Antesda chegadados europeus ede sua interferêncianaorganizaçãosocialdosreinosafricanos,ospríncipesdominavamaregiãodaÁfricadoOeste.Sabe-seque,nocontinenteafricano,hámaisdecincomilanosexistemreinosunificados.ÉocasodoImpérioMandinga,cujoaugefoialcançadoemmeadosdoséculoXIIIecujaextensãoterritorialincluíaaGuiné,oSenegal,o atualMali,partedoatualBurkinaFasso,onortedaCostadoMarfimeGana.OespaçogeográficodanarrativadeKouroumasitua-senasterrasqueoantigoImpérioMandingaassumiuemdiferentesmomentoshistóricos.
Naparterelativaaopríncipe,opersonagemescolhidoparaapresentaraoleitorouniversodossoberanoséSamoriTourédeBissandougou,controversolíderdemovimentospolíticoscontra a presença estrangeira na África. Em fins do séculoXIX, ele acirrou os conflitos entre franceses e ingleses pelodomíniodaÁfricadoOeste.OImpériodeSamoricompreen-diaaporçãoorientaldaatualRepúblicadaGuiné,umaparceladosuldoMali,partesdeSerraLeoaeonoroestedaCostadoMarfimesófoidevidamenteconquistadopeloseuropeusapósdezesseisanosdecombates,ocorridosentre1882e1898.Samoriequipou a cavalaria, armou as tropas com rifles e buscou, emtrocadeescravosquefaziaemsuasconquistas,obtercavalosdoSaheledaÁfricadoNorte.Noscombatesqueempreendeucon-traosfranceses,obtevemaisvitóriasdoquederrotas,eosfran-cesesaumentaramoefetivodehomensenviadosàÁfricapara
Eles reconquistaram a África do
Norte, em que o islamismo havia
declinado, a Espanha e o antigo Gana,
reino localizado entre os rios Níger
e Senegal. A reconquista deu-se com
uma jihad, isto é, uma guerra santa,
levada a cabo pelos almorávidas no
princípio do século XI. Vários povos do
oeste africano foram então convertidos
à religião muçulmana.
Novamente os mercadores – nesse caso
tuaregues, grupo étnico nômade que
habita o deserto do Saara – ajudaram
a difundir o islamismo desde o Sahel,
região de estepes secas do norte
da África, até a parte já islamizada
também ao norte do continente.
Os almorávidas e os mercadores
difundiram a religião islâmica para os
atuais Estados do Sudão, Chade, Níger,
Mali, Burkina Fasso, Costa do Marfim,
Mauritânia e Saara Ocidental.
Formaram-se, então, grandes impérios
no continente africano pré-colonial. O
Império de Gana se desenvolveu entre
os séculos VI e XIII; o do Mali, entre os
séculos XIII e XVIII; e o de Songai entre
os séculos XVII e XVIII.
O declínio dos grandes impérios
africanos coincide com o processo de
expansão marítima europeia e com a
descoberta da América. A colonização
do Novo Mundo estimulou o uso
da mão de obra africana. A captura
de negros africanos para serem
escravizados levou paulatinamente ao
empobrecimento e à desarticulação
política e social dos reinos africanos.
A escravidão praticada pelos europeus
e aquela conhecida pelos africanos,
porém, eram totalmente distintas. Entre
os africanos havia, de fato, o uso de
trabalho escravo. Este, todavia, era
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combatê-lo.Samorientãopartiuparaolestecomseusexércitos.Empoucotempo,erigiuumnovoimpériononortedaCostadoMarfimedaatualGana(antigaCostadoOuro).
Samorisofreuaresistênciadaspopulaçõeslocaise,aomesmotempo,foipressionadoporfranceseseingleses.Foisurpreendi-doportropasfrancesasquandoresolveuseinstalarcomseusho-mensnumaáreademontanhaseflorestasaoestedaatualCostadoMarfim.ExiladonoGabão,morreudepneumoniaem1900.
Nosreinosafricanos,ospríncipeseramchefesmilitares,or-ganizadores das caçadas e condutores das grandes cerimôniasreligiosas que pediam por boas colheitas e pelo bem-estar dasaldeias.AnarrativadeAhmadouKouroumasobreocotidianodopríncipemostraSamoriTourédeBissandougouemmeioatodasessasatividadesdiárias.Opríncipesecolocavanaposiçãodeumaespéciedepaidoshabitantesdasaldeias.Seupoderre-ligiosoeraumelementofundamentalnoexercíciodeseupoderpolítico,militaresocial.Eleeraumprotetorcompapelaomes-motempodejuizedeautoridademística,quesecolocavacomoguiadeseupovo.Kouroumanosmostra,emumadasúltimascenasdessanarrativa,oencontrodopríncipecomosmembrosdacomitivafrancesaquetraziamdevoltaparaaaldeiaumdeseusfilhos,queestudaranaFrança.EssepontodanarrativarevelacomoadominaçãoeaconquistadaÁfricapeloseuropeusnossé-culosXIXeXXimplicaram,emcertosmomentos,anecessidadedeestabeleceraliançaspolíticascomoslíderesechefeslocaisdasregiõesdominadas.
O cAçAdOr OutroaspectotratadoemHomens da África,pormeiodafi-
guradocaçador,éodarelaçãoentreoshomenseosanimais.Afaunaafricanaéextremamentericaeemnenhumoutrolugarhá tantas espécies de grandes animais. Elefantes e hipopóta-mosvêmsendocaçadosháséculose,atualmente,apopulaçãodessesanimaisvoltouacrescergraçasà implantaçãodeáreasdeproteçãoereservasondeacaçaéproibida.AnarrativadeKouroumamostraodiaadiadocaçadorMoribanaaldeiadeTogobola,naGuiné.
Peloperigoqueacaçadosanimaisrepresentava,porsuaim-portantefunçãosocialesuavalentiaecoragem,oscaçadoresde-tinhamgrandeconsideraçãodacomunidade.Nasociedademan-dinga,acaçanãoerapredatória,istoé,osanimaiseramcaçadosdemodorestrito,semqueissorepresentasseumriscoàsobrevi-vênciadasespéciesanimais.Ocaçadorcumpriaimportantepapelnaestruturasocialdasaldeias,poisdeledependiaaintroduçãodemaiorquantidadedeproteínanadietacotidianada população.
bastante diverso do praticado em larga
escala pelos europeus, pois, apesar
de o escravo não receber pagamento
pelo trabalho, possuía direitos, como
o de ascender socialmente, uma vez
que sua relação com o proprietário se
dava em virtude de sua origem, suas
habilidades e seus talentos, e não de
seu valor como mercadoria, como
ocorria com a escravidão praticada
pelos europeus.
Em algumas sociedades africanas
tradicionais, o escravo podia constituir
família e participar das rendas de seus
senhores. Em outras era considerado
um membro da família, espécie de
filho de criação. A escravidão que os
europeus instituíram deu origem ao
escravismo, sistema socioeconômico
que era desconhecido na África.
Homens da África AhmAdou KouroumA
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ÉoqueacontececomMoriba,queabateumantílopeeodivi-deentreosaldeões.Alémdisso,osanimaisrepresentavamumaameaçaparaacomunidade,porqueatacavamanimaisdecriação,plantaçõesdemilhoedearrozeasreservasdealimentosdaal-deia.Osanimaisferozespodiamaindaarremetercontraapopu-lação,ecabiaaocaçadorevitaresseataque.
O ferreirO
Oúltimopersonagemabordadoéoferreiro,quenouniversodaÁfricadoOestedesfrutadegrandeimportânciasocial.Comsuashabilidadesmanuais,oferreirorealizadiferentesatividades,comoadeourives,construtordecanoas,artesãodemáscaraseobjetosdeusodiário.
Atécnicadametalurgiadoferrocomousodoalto-fornoeradominadanaÁfricadesdeaproximadamente600a.C.efoisendoaperfeiçoadaao longodo tempo.Ligasdecobre,bronzee latãopermitiramqueescultoresfabricassemobjetosusadosnocotidia-no,assimcomoobrasdearte,hojecomvalorartísticoehistórico.
No livro, descobre-se que esse indivíduo é responsável pelaimportantecerimôniadeiniciaçãodosmeninos:acircuncisão.OferreiroNouhoutiéSiluééencarregadotambémdeensinarosaprendizesafabricaroferroqueserátransformadoemobjetosvitaisparaasobrevivênciadogrupo,comoasenxadas.Outrain-cumbênciadosferreiroséafabricaçãodemáscarasrituais.Nes-sasocasiões,oferreiroficaisoladodasmulheresedosmeninosnãoiniciados.
As máscaras rituais confeccionadas pelos ferreiros africanosfascinaramartistaseuropeusdoséculoXX,comoPicasso,Matisse,BraqueeModigliani,porsuaestranhabelezaeelegância,porseusqueixospontiagudos,narizfinoearrebitadoebocaentreaberta.Outrasmáscaras,deaparênciaferozeviolenta,tambémimpacta-ramaarteocidentaleaproduçãoartísticacontemporânea.
A DIVERSIDADELINGUÍSTICA DA ÁFRICANo continente africano são falados
mais de dois mil idiomas que, até
pouco tempo, não eram considerados
línguas, mas dialetos, o que não
deixava de ser uma demonstração
de preconceito.
Algumas dessas línguas são usadas
por dezenas de milhões de pessoas.
É o caso do suali, língua nacional do
Quênia, mas que extrapola os limites
desse país, somando cerca de 65
milhões de falantes, desde a costa
do Índico até a metade oriental do
Congo-Zaire. O haussa, originário do
noroeste da Nigéria, é a língua falada
em sete países por volta de 70 milhões
de falantes. Sua escrita, em caracteres
árabes, era usada antes da chegada dos
europeus ao continente.
Outras línguas, faladas por mais de 10
milhões de africanos, são o ioruba, o
ibo e o fulani, na Nigéria; o mandinga,
em uma grande área da África
Ocidental; e o kirundi-kinyaruanda,
comum aos povos hutu e tútsi de
Ruanda e Burundi (é a língua da
diáspora desses povos nos países da
região). Na África do Sul, as línguas
berbere, zulu e xhosa abrangem 75%
da população e, portanto, são as mais
usadas.
Outras línguas, porém, têm hoje
poucos falantes e correm sério risco
de desaparecer. É o caso do hadza,
língua da Tanzânia, falada por apenas
duzentos indivíduos.
O continente africano reúne um terço
dos idiomas do mundo e é o mais
ameaçado pelo desaparecimento de
línguas. A extinção de uma língua
acarreta perdas inestimáveis do ponto
de vista histórico, identitário e de
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AhmAdou KouroumAHomens da África
visão de mundo de uma comunidade
(80% das línguas faladas no território
africano são exclusivamente orais e,
portanto, mais vulneráveis).
Por essa razão, a União Africana
decretou 2006 como o ano de
proteção das línguas do continente.
Apesar da diversidade, as línguas
africanas têm origem comum: a grande
família linguística nigero-congolesa.
Ou seja, todas as línguas são
aparentadas. São quatro as grandes
famílias de línguas: afro-asiática,
nilo-saariana, khisan e nigero-
-congolesa (ou nigero-cordofana).
ATIVIDADES EM SALA DE AULA
1. UmbompontodepartidasãoasilustraçõesdeGiorgioBac-
chin,entendidascomofontesparaapesquisahistórica.Oprofes-
sorpodeselecionaralgumasdelaseelaborarumroteirodeanálise
dasimagens.Primeiramente,pode-serequisitar,porexemplo,que
osalunosrealizemumaleituradaimagem,atentandopara:
• Adescriçãodacena.Aquioobjetivoseriaodeaproximaros
estudantesdouniversoafricanoaodecodificaranaturezada
representaçãoartística.Assim,ofocoestarianaquiloquese
vê,istoé,ospersonagens,oseventosrepresentadoseopro-
cessohistóricoemqueestãoinseridos.
• Otraçousadopeloilustrador,ousodascoreseosentimen-
to que a imagem transmite. Os alunos podem observar as
formasusadaspeloartistaeproduzirumareflexão(oralou
escrita,individualouemgrupo)sobrecomoosafricanossão
retratados nas imagens de Bacchin.
• Acomparaçãodasimagensdoilustradoràsimagensconsa-
gradas(ealgumasestereotipadas)queaindaexistemacerca
docontinenteafricano.Pode-se sugerirqueosalunospes-
quisempreviamentesobrecomoaÁfricaeosafricanoscos-
tumamserrepresentadosnaimprensa,nainternet,nosfil-
mes,napublicidadeenaTV.
• Asrelaçõesentrehistóriaemeioambiente.Pode-seestimu-
larosalunosa refletireproduzirumtextosobreopapel
dacaçaedocaçadornassociedadesafricanas.Opontode
partida dos questionamentos pode ser: qual era a função
socialdocaçador?Comoosafricanosserelacionavamcom
a natureza? Que diferenças e semelhanças há entre essa
formade relacionamentoeaquelapraticadapelasnações
indígenasamericanasnomomentodachegadadoscoloni-
zadoreseuropeus?
2. Outraatividadequepodeserdesenvolvidaéaleituraemvoz
alta,feitaemsaladeaulapeloprofessor,decadaumdosuni-
versosculturaisapresentadosemHomens da África:odogriô,o
dopríncipe,odoferreiroeodocaçador.Osalunosdevemestar
dispostosemrodae,apósaleitura,oprofessorpodesolicitar
quecomentemotexto,apontandoasdúvidas,ascuriosidades
esuasconsideraçõessobreoque foi lido.Essa fórmulaajuda
aesclarecerpreconceitoseequívocosacercadaÁfrica,desua
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Homens da África AhmAdou KouroumA
históriaedeseushabitantes,alémdeestimularaparticipação
apropósitodotema.
3. Otrabalhocommapas,noquese refereàs regiõesmencio-
nadasemtodoolivro,podetambémauxiliaracompreensãode
que o continente africano é lugar de grande riqueza material,
cultural,históricaegeográfica.Issolevaaquestionartambéma
noçãoequivocadadequeosafricanosformamumaúnicanação.
O professor pode exemplificar seus comentários sobre o colo-
nialismoeapartilhadosterritóriosafricanosapartirdemapas
queapresentemosresultadosdaConferênciadeBerlimde1884-
1885,quedefiniuapartilhaarbitráriadaÁfricapelospaíseseu-
ropeus.Boasquestõessobreoprocessodecolonizaçãoafricana,
quepodemrenderpesquisasediscussões,são:porquedetermi-
nadasregiõesdocontinenteafricanoforamalvodedisputaentre
as potências europeias? O que estava em jogo? Que Estados e
territóriospermaneceramindependentes?
Osmapastambémpodemfacilitaracompreensãodosprocessos
históricos envolvendoa formaçãodos impérios africanos.Eles
ajudamaentenderacronologiadoseventospréepós-coloniais,
questionandoavisãoequivocadadequeantesdachegadados
europeusaÁfricaconheciaapenas“tribos”equeestas,porsua
vez,eramsinônimodegruposdeindivíduosprimitivos.Osma-
pashistóricospermitemaosalunospercebermaisaquestãoda
fluidezdasfronteirasmóveisafricanasedoconstanteintercâm-
bioentreasregiões.
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Homens da África AhmAdou KouroumA
SUGESTÕES DE LIVROS,FILMES E SITESpArA O AlunO
LIVROS• O menino que comia lagartos, Mercè López. São Paulo:
EdiçõesSM,2011.
Narrativa de um garoto que ajuda um lagarto branco arecuperar suas cores com o auxílio de griôs e tuaregues –uma metáfora do que ocorreu com povos africanos, cujaidentidadesefoicomsuaslembranças.
• Histórias de Ananse,AdwoaBadoe.SãoPaulo:EdiçõesSM,2006.
Narrativas protagonizadas porAnanse, uma aranha que secomporta como gente, metendo-se em várias enrascadas.MuitopopularesemGana,naÁfricaOcidental,essashistóriasdifundemoscostumesevaloresdeumatradiçãomilenar.
• ABC do continente africano,RogérioAndradeBarbosa.SãoPaulo:EdiçõesSM,2007.
Umaintroduçãoàculturaeaocontinenteafricanosem26verbetesricamenteilustradosporLucianaJustiniani.
FILME• Kiriku e a feiticeira, Michel Ocelot, França/Bélgica/Luxem-
burgo,1998.
DesenhoanimadosobreumalendaafricanatradicionalemqueummeninominúsculoenfrentaafeiticeiraKaraba,quesecouasfontesdaregiãoesequestrouoshomensdavila.
MUSEUS• Casa das Áfricas
http://www.casadasafricas.org.br
Espaço cultural e de estudos sobre sociedades africanas;abrigaexposiçõesvirtuaisebibliotecaespecializada.
• Museu Afro-Brasil
http://www.museuafrobrasil.org.br
Museuhistórico,etnológicoeartísticoqueapresentaobjetoseobrasrelacionadosaouniversoculturalnegro.
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pArA O prOfessOr
LIVROS• A gênese africana:contos,mitoselendasdaÁfrica,LeoFrobe-
niuseDouglasC.Fox.SãoPaulo:Landy,2005.
Por meio de várias histórias recolhidas numa viagem, essaobra mostra a riqueza mítica e folclórica da África. Entreos contos apresentados, encontram-se as lendas cabilasda criação, hauçás, fulas e soninquês, acompanhadas porpinturasrupestresoriginais.
• A África na sala de aula:visitaàhistóriacontemporânea,Lei-laLeiteHernandez.SãoPaulo:SeloNegroEdições,2005.
Especialmenteconcebidoparaprofessores,ovolumeconvidaaabandonarpreconceitoseestereótiposafimdequesepossaveraÁfricanãocomoumaunidadepacificada,mascomooentrelaçamentodediversasculturaseprocessoshistóricos,deidentidadescomplexase,muitasvezes,contraditórias.
• África e Brasil africano,MarinadeMelloeSouza.SãoPaulo:Ática,2006.
Umretratoabrangentedocontinenteafricano,flagradoemsua diversidade social, com informações sobre sua históriaantesedepoisdaescravidão.Olivrotambémtratadapre-sençaafricananoBrasil,paraondeforamtrazidoscercade5milhõesdeescravosaolongodemaisdetrêsséculos.
FILMES• Hotel Ruanda,TerryGeorge,ReinoUnido/Itália/ÁfricadoSul,
2004.
Ahistóriarealdeumgerentedehotelquedeuabrigoamaisde mil refugiados durante conflitos entre as etnias hutu etútsi,em1994,quematarammaisdeummilhãodepessoasem Ruanda.
• Diamante de sangue,EdwardZwick,EUA,2006.
Filmedeaçãoquesepassaduranteadécadade1990,tendocomopanodefundoaguerracivildeSerraLeoa,naÁfricaOcidental.A tramaseapoianoesforçopara recuperarumdiamante rosa muito valioso, escondido por um pescadorda etnia mende separado de sua família à força e um ex--mercenáriotraficantedearmas.
• A batalha de Argel,GilloPontecorvo,Argélia/Itália,1966.
FilmepremiadoquemostraalutadaArgéliaparasetornarindependente da França, narrado por Ali, líder da frenteAlgerianadeLibertaçãoNacional(FNL).
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Homens da África AhmAdou KouroumA
• Em minha terra,JohnBoorman,Irlanda/ÁfricadoSul/EUA,2004.
Jornalista negro é enviado à Africa do Sul para cobrir osdepoimentosdaComissãodeVerdadeeReconciliação,res-ponsávelporjulgarcrimescometidosduranteoperíododoapartheid.
• Minha terra,África,ClaireDenis,França,2009.
Mulherbrancaviveemumpaísafricanoameaçadoporcons-tantesrebeliõesenega-seadeixarolocal,aindaqueelaesuafamíliacorramperigodevida.
• Sotigui Kouyaté: um griot no Brasil, Alexandre Handfest,Brasil,2007,SESCTV.
DocumentáriosobreSotiguiKoyaté(1936-2010),griô,atorediretordeteatro,conhecidomundialmentepelasparceriascinematográficaseteatraiscomBertolucciePeterBrook.
SITES• Fundação Cultural Palmares
http://www.palmares.gov.brPáginaoficialdafundaçãoligadaaoGovernoFederal.Trazpo-líticas públicas e dados sobre a população afrodescendente,comunidadesquilombolas,artigosenotícias.
• Revista Modo de Usar & Co
http://revistamododeusar.blogspot.com/2010/08/sotigui-kouyate-1936-2010.htmlHomenagemaogriôSotiguiKouyaté,pertencenteaoclãdoskeyta,deorigemmandinga,comênfasenasuatradi-çãopoética.
BIBLIOGRAFIA ADICIONAL• Senegâmbia: o desafio da história regional, Barry Boubacar.
RiodeJaneiro:CentrodeEstudosAfro-Asiáticos,2000.
• Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre. 51. ed. São Paulo:Global,2006.
• A África explicada aos meus filhos,AlbertodaCostaeSilva.RiodeJaneiro:Agir,2008.
Elaboração do guia LiLian Lisboa Miranda (professora doutora do Centro universitário fundação santo andré); PrEParação bruno Zeni; rEvisão MarCia Menin e eLiane santoro.