høffding, harald - a continuidade na marcha do desenvolvimento filosófico de kant
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A continuidade no fluxo do desenvolvimento da filosofia de Kant
Harald Høffding
A principal obra de Kant, a Crítica da razão pura (1781), é conhecida por ter
sido precedida por uma longa sequência de anos, durante os quais se desenvolveram
lentamente as grandes ideias que exerceriam influência significativa por meio dessa
obra sobre a vida intelectual do século seguinte. Kant foi referido com frequência, por
essa razão, como um exemplo de maturidade tardia. Ele tinha 57 anos quando a Crítica
da razão pura apareceu. Embora hoje, sem dúvida, sua importância e sua fama sejam
devidas particularmente a essa obra, ainda assim seria errado supor que seus escritos
anteriores fossem apenas partes preparatórias de seu desenvolvimento, cujo valor e
importância tivessem sido perdidos quando a obra principal veio à luz.
p. 13
A direção especulativa que tomou o pensamento de Kant foi sua guinada mais
audaciosa. Ele avança para muito além do conceito antropomórfico habitual de Deus a
fim de voltar a um fundamento do qual emergem simultaneamente a sabedoria integrada
(kundgebende) no mundo e os elementos que nele interagem. Nesse afã, para esboçar a
última consequência desse fato fundamental do qual ele parte – mais especificamente,
do conjunto de interconexões mecânicas da natureza e da interdependência conexa de
todos os elementos do mundo que nela são pressupostos –, seu pensamento acaba
perdendo-se por fim numa profundeza mística. Se ele tivesse fixado aqui seu lugar
permanente, ao invés de retornar à luz diurna da consciência racional, ele seria
reconhecido entre os poucos pensadores que se moveram nesse lusco-fusco, como Jakob
Böhme e Spinoza. Pois quando Kant, a propósito da primeira categorização de seu
sistema de pensamento, cuja última consequência o conduziu até aqui, diz, com
declarada autoestima, que foi o seu originador (Urheber), isto não é historicamente
correto. De forma mística, encontramos o mesmo em Böhme e, como consequência de
sua clara conexão com a visão mecânica da natureza, em Spinoza, cujo sistema inteiro é
na verdade uma implementação da ideia de que a conexão causal seria incompreensível
se as coisas fossem consideradas em particular, como entidades autônomas e
independentes (como substâncias em sentido estrito). Em seu Tratado da emenda do
intelecto, Spinoza define mesmo a legítima conexão dos fenômenos como o fato
primeiro de onde o pensamento deve ter seu ponto de partida. A substância única de
Spinoza corresponde ao fundamento único de Kant. Kant nunca conheceu Spinoza em
primeira mão e certamente ficaria muito espantado com a concordância entre ele e o
pensador solitário, para cuja compreensão ainda não havia chegado o tempo, como
escreve Kant em sua tese de habilitação e em seu Beweisgrund.
Mais recentemente, há dois pensadores espirituosos nessa busca, um idealista
Sem a consequência da percepção mecânica da natureza