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Francisco Cecílio Viana HISTÓRIA E MEMÓRIA DA PESTE SUÍNA AFRICANA NO BRASIL, 1978-1984: PASSOS E DESCOMPASSOS Tese apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciência Animal Área: Medicina Veterinária Preventiva e Epidemiologia Orientador: Prof. José Ailton da Silva Belo Horizonte UFMG – Escola de Veterinária 2004

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Francisco Cecílio Viana

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA PESTE SUÍNA AFRICANA NO BRASIL,1978-1984: PASSOS E DESCOMPASSOS

Tese apresentada à Universidade Federal de MinasGerais, Escola de Veterinária, como requisito parcialpara obtenção do grau de Doutor em Ciência Animal

Área: Medicina Veterinária Preventiva e Epidemiologia

Orientador: Prof. José Ailton da Silva

Belo HorizonteUFMG – Escola de Veterinária

2004

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V614h Viana, Francisco Cecílio, 1943- História e memória da peste suína africana no Brasil, 1978-1984:passos e descompassos / Francisco Cecílio Viana. – 2004.

171 p: il.

Orientador: José Ailton da Silva Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária Inclui bibliografia

1. Peste suína africana – Brasil – História – Teses. I. Silva, José Ailtonda, 1950- II Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Veterinária.III. Título.

CDD – 636.408 96

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Folha de assinaturas

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DEDICATÓRIA

À Maria José, pelo constante estímulo e pelo conhecimento em filosofia, a meus filhos Débora,Alexandre, Diego, ao meu sobrinho Daniel, minha prima Olga Julieta, aos meus irmãos e irmãs,à família Motta e ao Professor José Ailton da Silva, dedico esse trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor José Ailton da Silva, pela amizade, estímulo para conduzir essa pesquisa e pelacompetente orientação.

Aos Professores do Curso de Doutorado Élvio Carlos Moreira, Celina Maria Modena, JoséNewton Meneses, Délcio Fonseca Sobrinho pelas sugestões valiosas e pelo apoio.

Aos médicos veterinários do Instituto de Medicina Veterinária de Cuba, na pessoa da Dra.Adela Encinosa, ao Dr. Manoel do INHEM, a minha gratidão pela acolhida fraterna e pela ajudatécnica. Aos companheiros da viagem à Cuba, Ediones, Bosco e Anelise, pela demonstraçãode amizade e de incentivo.

Aos funcionários da Hemeroteca de Minas Gerais, da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, daBiblioteca da Escola de Veterinária da UFMG, do Colegiado de Pós-Graduação e doDepartamento de Medicina Veterinária Preventiva pelo suporte técnico.

Aos médicos veterinários, pessoas-chave, criadores, dirigentes de associações de criadores desuínos, de cooperativas de produção e empresários que participaram de forma voluntária nestapesquisa.

À Escola de Veterinária da UFMG pela oportunidade oferecida e aos colegas da pós-graduação pelo convívio.

À Fundação de Estudos e Pesquisa em Medicina Veterinária – Coordenação Preventiva, pelofinanciamento da impressão final deste trabalho.

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SUMÁRIOPág

LISTA DE ABREVIATURAS.............................................................................. 10

RESUMO ......................................................................................................... 11

ABSTRACT ....................................................................................................... 11

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

2 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................... 162.1 História e Memória ............................................................................................ 172.2 Representação social ........................................................................................ 182.3 A peste suína africana no mundo...................................................................... 182.4 As provas imunológicas e biológicas no diagnóstico da PSA .......................... 212.5 A peste suína africana e as políticas de saúde animal no Brasil ...................... 222.6 Elementos estruturais da política de defesa sanitária animal no Brasil. .......... 23

3 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS ................................................................... 283.1 Análise documental .......................................................................................... 283.2 Depoimento dos atores sociais ........................................................................ 283.2.1 Pessoas-chave ................................................................................................. 283.2.2 Profissionais da medicina veterinária ................................................................ 293.2.3 Empresários do setor de comercialização e transformação de carne suína

e dirigentes de cooperativas de produção animal............................................. 303.2.4 Dirigentes de Associações de Criadores de Suínos ........................................ 303.3 Mídia ................................................................................................................. 303.3.1 Jornais e revistas semanais ............................................................................. 303.3.2 Revistas de divulgação técnica de circulação periódica .................................. 313.4 Outras fontes .................................................................................................... 313.5 As experiências internacionais em relação à peste suína africana ................. 32

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 334.1 Uma visão histórica das estruturas nas políticas de saúde animal no Brasil ... 334.1.1 Um olhar sobre a estrutura de produção e de trocas comerciais no Brasil,

da Colônia à República ..................................................................................... 344.1.2 O Brasil dependente de material genético importado ...................................... 404.1.3 A organização zoossanitária ............................................................................ 474.2 A PSA nos continentes europeu e americano .................................................. 514.3 A Peste Suína Africana no Brasil ..................................................................... 584.3.1 Versões sobre a forma de entrada da PSA no Brasil ....................................... 64a) Desvio de restos de alimentos de bordo de aeronaves para uma criação de

suínos em Paracambi-RJ ................................................................................. 65b) Inexistência da PSA no Brasil .......................................................................... 66c) A PSA no Brasil e o interesse das empresas multinacionais ........................... 69d) A entrada da peste suína africana no país antes de 1978 ............................... 70e) Veiculação do vírus da PSA por meio da vacina contra a PSC........................ 72f) PSA causada por vírus atenuado ..................................................................... 72g) Entrada da PSA por meio de suínos e de seus subprodutos trazidos por

imigrantes angolanos ........................................................................................ 724.4 A mídia e a peste suína africana no Brasil: ambivalência e resistência ........... 744.4.1 O registro da mídia sobre o impacto inicial da PSA no Brasil .......................... 754.4.2 A mídia e o discurso dos técnicos sobre o episódio da PSA no Brasil ............ 88

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4.4.3 A posição de criadores, empresários e dirigentes de entidadesrepresentativas da suinocultura, segundo a mídia............................................ 96

4.5 Os prejuízos ...................................................................................................... 994.6 Peste suína clássica versus peste suína africana ............................................ 1014.6.1 A peste suína clássica ...................................................................................... 1024.6.2 A peste suína africana ...................................................................................... 1054.7 Registros dos atores sociais ............................................................................. 1144.7.1 Médicos veterinários ......................................................................................... 1144.7.2 Empresários, dirigentes de cooperativas de produção e de associações de

suinocultores ..................................................................................................... 1204.7.3 Pessoas-chave ................................................................................................. 1224.8 O programa de combate à peste suína ........................................................... 138Fase I Emergencial....................................................................................................... 139Fase II Implantação do programa.................................................................................. 1414.8.1 Etapa preparatória ............................................................................................ 1414.8.2 Etapa de ataque (1981-1984............................................................................. 1414.8.3 Etapa de consolidação ..................................................................................... 1434.8.4 Etapa de manutenção ....................................................................................... 144

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 144

6. CONCLUSÕES ................................................................................................ 148

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 149

ANEXOS............................................................................................................ 160LISTA DE QUADRO/ TABELAS

Quadro 1 Doenças de suínos não notificadas no Brasil em 1966 e registradas peloServiço de Defesa Animal do Ministério da Agricultura em 1983 .................... 45

Tabela 1 Disponibilidade de vacinas produzidas no Brasil e importadas contra aPeste Suína Clássica (PSC), no período de 1975 a 1984. .............................. 103

Tabela 2 Distribuição relativa de número de focos e de casos de Peste SuínaClássica no Brasil, no período 1975 –1984....................................................... 104

Tabela 3 Funções exercidas por 69 participantes de médicos veterinários ................... 114

LISTA DE FIGURASFigura 1 Rim de suíno: hemorragias, tipo petequial, distribuídas em toda a

superfície. Paracambi-RJ. ................................................................................ 63Figura 2 Rim de suíno: hemorragias distribuídas pela córtex, atingindo a porção

medular. Paracambi-RJ.................................................................................... 63Figura 3 Coração de suíno: aspecto globoso, com hemorragias difusas no

epicárdio. Paracambi-RJ. ................................................................................. 63Figura 4 Soldados vigiam os porcos de fazenda interditada em Barra do Piraí –

RJ. .................................................................................................................... 76Figura 5 Os caminhões são os mais visados pela fiscalização. ................................... 77Figura 6 Mas, nem os carros de passeio escapam. BR-101, Campos - RJ .................. 77Figura 7 D. Georgina recebe pagamento pelos 18 animais sacrificados.Favela Nova

Brasília. ............................................................................................................. 80Figura 8 Os favelados acompanharam, sem se envolver, a caça aos porcos na

favela. Favela Nova Brasília – Rio de Janeiro. . ............................................... 80Figura 9 Apesar dos protestos contra a marreta, ela foi usada ontem para matar

mais de 500 porcos. .......................................................................................... 83Figura 10 Ignonímia! São arrastados para a morte como bois para o matadouro............ 83Figura 11 Abate de porcos, com auxilio de marreta. Ourinhos - SP:, ............................... 84

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Figura 12 Presença de curiosos durante os preparativos para o sacrifício sanitário desuínos. ............................................................................................................... 84

Figura 13: Abate de suínos pela Polícia Militar de MG. .................................................... 85Figura 14 Moradoras da favela Cabeça de Porco, recolhendo restos de “sacolão” do

Bairro Savassi, Belo Horizonte, para alimentar porcos..................................... 87Figura 15 Moradora da favela Cabeça de Porco, recolhendo restos de “sacolão” do

Bairro Savassi, Belo Horizonte, para alimentar porcos..................................... 87Figura 16 Criação caseira de porcos. Favela Cabeça de Porco, Belo Horizonte-MG. ..... 88

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SIGLAS LISTA DE ABREVIATURASABCC Associação Brasileira dos Criadores de CaracuABCS Associação Brasileira dos Criadores de SuínosABCZ Associação Brasileira dos Criadores de ZebuARENA Aliança Renovadora NacionalARSA Aeroporto do Rio de Janeiro S/ACFMV Conselho Federal de Medicina VeterináriaCOEP Comissão de Ética em Pesquisa da UFMGCPI Comissão Parlamentar de InquéritoDOPS Departamento de Ordem Política e SocialDVS Doença Vesicular do SuínoELISA Enzyme linked Immunosorbent AssayEMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão RuralEMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaEPAMIG Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas GeraisEVUFMG Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas GeraisFAESP Federação da Agricultura do Estado de São PauloFAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e AlimentaçãoFRIMISA Frigoríficos Minas Gerais S/A.GEDE Grupo de Erradicação de Doenças Exóticas e EmergenciaisGEPA Grupo Executivo de Produção AnimalIEOP ImmunoelectroosmophoresisIFD Imunofluorescência dretaIFI Imunofluorescência IndiretaIMA Instituto Mineiro de AgropecuáriaLANARA Laboratório Nacional de Referência AnimalLEB Leucose Enzoótica BovinaMDB Movimento Democrático BrasileiroOIE Oficina Internacional de EpizootiasOMC Organização do Comércio MundialOMS Organização Mundial da SaúdeOPS Organização Panamericana de SaúdePCPS Programa de Combate à Peste SuínaPSA Peste Suína AfricanaPSC Peste Suína ClássicaSIF Serviço de Inspeção FederalSNAD Secretaria Nacional de Defesa AgropecuáriaSUNAB Superintendência Nacional de AbastecimentoUFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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RESUMO

Com o objetivo de resgatar a história e a memória da peste suína africana no Brasil, foramanalisados os informes, relatórios e outros documentos oficiais e entrevistadas 18 pessoas-chave. Foram também enviados roteiros semi-estruturados para 434 médicos veterinários, 25associações de suinocultores, 43 empresas e cooperativas de produção do setor desuinocultura. A estrutura da vigilância sanitária foi analisada do ponto de vista da história nova,abrangendo o período entre 1500 e 1984. Considerando-se a importância da produção animalno Brasil, verifica-se, ao longo do tempo, que freqüentemente a legislação sanitária animal eradescumprida em função do interesse de determinados grupos de criadores ao se importaranimais. Dessa forma, não se pode atribuir ao acaso a entrada da peste suína africana noBrasil. Em maio de 1978, restos de alimentos servidos em vôos internacionais foram desviados,de forma clandestina, do Aeroporto Internacional do Galeão para uma suinocultura particularem Paracambi, Estado do Rio de Janeiro, dando origem ao surto de peste suína africana. Ofato veio revelar a vulnerabilidade da vigilância sanitária. O diagnóstico definitivo foiestabelecido pelo Centro de Doenças Animais de Plum Island, nos Estados Unidos, em 1º dejunho de 1978. Graças aos esforços das autoridades do Ministério da Agricultura, foi erradicadoo foco inicial, porém casos secundários passaram a ser registrados em vários municípios doEstado do Rio de Janeiro. A difusão da doença para outras regiões do país, quase quesimultaneamente, sem correspondência com o quadro clínico esperado, chamou a atenção detécnicos e criadores, que acreditavam tratar-se de casos subagudos e crônicos de peste suínaclássica. Baseado nos depoimentos de criadores, técnicos, pessoas-chave e consultas a outrasfontes documentais, considero que a PSA somente existiu no município de Paracambi e que oscasos observados no restante do país correspondiam a diagnósticos sorológicos falso-positivos.

Palavras-chave: peste suína africana, epidemiologia, história e memória da PSA

ABSTRACT

Aiming to ransom the history and memory of the African swine fever in Brazil, this dissertationnot only analyses the letters, reports and other official documents in this field, but alsointerviews 18 key persons . Half-structured guide lines were also sent to 434 veterinarians, 25hog raiser associations, 43 production companies and cooperatives involved with the hograising business. The structure of the sanitary care has been analyzed from the point of view ofthe new history, encompassing the period between 1500 and 1984. Considering the importanceof animal production in Brazil, one can find out that, all along, the sanitary legislation for animalswas often disregarded due to the interest of certain hog raiser groups in importing animals. Thusone cannot impute to hazard the outbreak of the African swine fever in Brazil. In May, 1978,leftovers of food which had been served in international flights were clandestinely switched overfrom Galeão International Airport to a private hog raising farrm in Paracambi, Rio de JaneiroState, originating a boom of the African swine fever. This fact revealed the vulnerability of thenational sanitary care. The final diagnosis was established by the Plum Island Animal DiseaseCenter, in the United States, on the 1st of June, 1978. Thanks to the efforts of the Ministry ofAgriculture, the initial focus was eradicated, however secondary cases started to be registeredin several municipalities of Rio de Janeiro State. The almost simultaneously dissemination ofthe disease to other regions of the country, and with no correspondence to the expected clinicalfindings, called the attention of technicians and hog raisers, who believed they were subacuteand chronic cases of the classical swine fever. Based on hog raisers, technicians and keypersons’ testimonies and on consultation to other documental sources, I conclude that theAfrican swine fever only existed in the Paracambi municipality and that the other casesobserved in other parts of the country corresponded to false-positive serologic diagnosis.

Key words: African swine fever, epidemiology, history and memory of African swine fever.

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1. INTRODUÇÃO

A peste suína africana (PSA), até o início doséculo XX, era uma doença de suínosdesconhecida da literatura mundial, emboraocorresse sob a forma subclínica napopulação de javalis e porcos selvagens nocontinente africano. Com a introdução desuínos domésticos, por parte doscolonizadores europeus, houve contatoentre essas populações, criando-se ascondições propícias para que o vírus daPSA infectasse os suínos domésticos. Emconseqüência, o coeficiente de letalidadeobservado foi muito próximo de 100%,conforme demonstraram os experimentosdo trabalho clássico de Montgomery (1921),no Quênia.

Considerada endêmica em praticamentetodos os países da África, havia sempre otemor de que a doença atingisse outroscontinentes. No Quênia, em 1948, em razãoda geração de grande excedente deprodução, foi realizada uma exportação decarne suína para a Inglaterra, a despeito dorisco de introdução do vírus da PSA naquelepaís, mesmo com a adoção de medidassanitárias muito rígidas. Provavelmenteesse foi o único caso conhecido deimportação, por parte de um país europeu,de carne suína de um país africanoconsiderado infectado pela PSA.

Essa doença passou a ser temida pelosdemais países quando surgiu pela primeiravez na Europa, em Portugal, em umapequena granja de suínos situada próximaao Aeroporto Internacional de Lisboa, emabril de 1957, devido ao provável uso deresíduos alimentares de bordo de aviõesprocedentes das colônias africanas.

Em maio de 1960, a doença ultrapassou afronteira norte de Portugal e atingiu acriação caseira de suínos de Badajós,Espanha, de onde rapidamente sedisseminou para todo o país. Em abril de1964, a PSA foi identificada na França, naregião dos Pirineus Atlânticos, fronteira coma Espanha, o que resultou na eliminação de11 focos e sacrifício de 8.500 suínos. Noentanto, essa região voltou a apresentar

focos da doença em 1967 e em fevereiro de1974, rapidamente erradicados. Na Itália, aPSA apareceu pela primeira vez em abril de1967, em núcleos de suinocultura situadospróximos ao Aeroporto Internacional deRoma.

A Oficina Internacional de Epizootia (OIE)inclui a PSA na lista A, em razão das perdassocioeconômicas que provoca e da grandecapacidade de difusão de seu agente, o quea coloca entre as doenças de notificaçãocompulsória de maior importância nomundo.

O aumento do número de casos da PSAentre os anos de 1977 e 1978, na PenínsulaIbérica, fez com que a OIE convocasse umareunião sobre a PSA, em Ávila, Espanha,entre 7 e 9 de março de 1978, comrepresentações da Alemanha, Bélgica,Espanha, França, Portugal e observadoresda Comunidade Econômica Européia, daOrganização das Nações Unidas para aAgricultura e Alimentação (FAO). Foramrecomendadas medidas clássicas decombate à doença e algumas estratégiasdiferenciadas, como: registro e certificaçãode granjas, indenização justa e rápida paraos criadores afetados, criação de um grupode defesa sanitária que reunisse oscriadores e estabelecimento de um fundofinanceiro de compensação. O temor daPSA pode ser avaliado pelo relatório dessareunião que diz: “está demonstrado que aPSA na Península Ibérica representa umaameaça grave e permanente para todos osoutros países europeus”. Essas previsõesse confirmaram, nos anos subseqüentes,com o surgimento de focos da PSA, em1978, no Brasil, Ilha de Malta, Ilha daSardenha e República Dominicana; em1979, no Haiti; em 1985, na Bélgica; em1986, na Holanda e, em 1980, em Cuba.

A expansão e a modernização da produçãode suínos aliadas ao incremento docomércio internacional e do turismo, a partirde 1970, trazia junto a probabilidade dosurgimento da PSA, considerada a doençamais temida para essa espécie animal,pelas suas repercussões sociais eeconômicas. Isso porque, juntamente com

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as elevadas perdas em carne, somam-se asindenizações pagas aos criadores pelosacrifício obrigatório dos animais, as perdasna produção e na rentabilidade por causada interrupção das atividades das granjasafetadas e os prejuízos originados pelasgraves perturbações no comércio de suínos,em âmbito nacional e internacional, pelobloqueio das exportações dos produtosderivados de suínos. Além disso, os paísesque sofreram a doença experimentaramsérias restrições às exportações de diversosprodutos agrícolas, ante o temor de quepudessem estar contaminados com o vírusda PSA.

O primeiro registro da PSA em continenteamericano ocorreu em Cuba, em maio de1971, tendo sido a doença prontamenteerradicada. A suspeita inicial foi atribuída asobras de alimentos servidos a bordo deaeronaves da Espanha. Posteriormente, em1980 novo surto de PSA ocorreu em Cuba.Considerando-se os dois episódios, foramsacrificados cerca de seiscentos mil suínos.

A Inglaterra e os Estados Unidos sempredemonstraram enorme preocupação com apossibilidade da entrada da doença emseus territórios e, geralmente, ofereciamrecursos de diagnóstico, assessoria técnicae financeira aos países vizinhos afetadospela PSA. Durante a fase de expansão daPSA em vários países da América Central, oServiço de Inspeção Sanitária Vegetal eAnimal do Departamento de Agricultura dosEstados Unidos tratou de realizar exercíciossimulados de combate à PSA, durante cincodias, em maio de 1980, em Porto Rico.Depois de 24 horas da simulação daconfirmação do foco, um grupo deveterinários, técnicos e pessoal de apoionorte-americanos deslocou-se para PortoRico, para assessorar a equipe local doDepartamento de Agricultura, Agências deFauna Silvestre, militares e especialistas emagricultura. Durante quatro diastrabalharam, em conjunto, especialistas dasáreas de epidemiologia, diagnóstico delaboratório, avaliação, eliminação, limpeza,desinfecção, controle de vetores, execuçãode medidas de quarentena, administração eoutros campos técnicos e de apoio,Organizacion...(1980).

A PSA, ao ser notificada no Brasil, em 1978,colocou em xeque a infra-estrutura sanitáriado Ministério da Agricultura, das SecretariasEstaduais de Agricultura, e obrigou asautoridades sanitárias e políticas do país aouso de severas medidas sanitárias, muitasdas quais contestadas por produtores etécnicos.

A suinocultura brasileira, especialmente naregião Sul, experimentava um momento deexpansão de negócios com outros países,quando foi atingida em cheio pelanotificação da doença. Apesar docrescimento da suinocultura consideradatecnicizada, havia problemas estruturaisgraves relacionados à falta de matadourossob fiscalização oficial, em determinadosEstados, carência de laboratórios regionaisde diagnóstico, baixa produção de vacinacontra a peste suína clássica (PSC),deficiência do sistema de vigilânciaepidemiológica e sanitária. É precisoesclarecer que manter o rebanho vacinadocontra a PSC constitui uma das estratégiasmais importantes para diferenciá-la da PSA.Enfim, o Ministério da Agricultura não haviaestruturado, ainda, um programa voltadopara a sanidade suína.

Essa doença interrompeu durante muitosanos as exportações de carne suína etambém afetou a exportação de grãosproduzidos no Sul do Brasil, região comgrande número de registros de focos. OBrasil tinha na agricultura - especialmentena soja - os fundamentos de sua política deexportação. A ocorrência da PSA era umfato impensável para as autoridadessanitárias brasileiras, mesmo considerandoque, em 1963, o médico veterinário SérgioCoube Bogado, por determinação doMinistério da Agricultura, empreendeuviagem à Espanha e Portugal para estudaro problema da PSA e, ao regressar,apresentou relatório em que alertava asautoridades brasileiras sobre o risco daentrada da doença no Brasil, especialmentepor meio dos portos e aeroportos. Anotificação da doença em Cuba, em 1971,pode ser considerada também umimportante alerta para as autoridadessanitárias brasileiras. Deve ser citadotambém que os suinocultores de São Paulo,

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por meio de suas entidades representativas,encaminharam documento ao Ministério daAgricultura sobre a fragilidade do sistema devigilância sanitária nos portos e aeroportosinternacionais. Soma-se a esses fatos oalerta da OIE, já comentado.

A exemplo do que ocorrera com a PSA emoutros países, as autoridades sanitáriasbrasileiras tiveram que enfrentar grandesdificuldades para esclarecer a populaçãoquanto à necessidade de sacrificar osporcos, mesmo aqueles consideradossadios, nas áreas focais e em seu entornoe, ainda, que a carne suína nãorepresentavasse risco à saúde, ante otemor, quase generalizado, da população,em contrair a mesma doença dos suínos.Parte da resistência dos criadores poderiaser traduzida pelo fato de as pessoasempregarem os procedimentos maiscriativos para esconder seus animais, emmomentos de confisco ou de sacrifíciodeterminados pelo Ministério da Agricultura.

É preciso analisar, além dos indicadorestécnicos, os impactos econômicos, sociais epolíticos causados pela presença da PSAno Brasil. Esse olhar “inquiridor” dificilmentefaz parte dos relatórios oficiais, tampouco daprodução científica da academia. Mas“segredos” podem ser buscados em outrolugar, a qualquer tempo, repousados queestão nos arquivos, à espera de quealguém, algum dia, possa desvendá-los.

Portanto, “contar” essa história do ponto devista puramente biológico e factual nãoestaria coerente com os conhecimentosproporcionados pela história nova; é precisoreconhecer o significado dos termos históriae memória. Assim, a importância dessatemática não reside, para mim, apenas nofato de a PSA ser capaz de causar perdaseconômicas irreparáveis na criação desuínos, mas, sobretudo, considerar suaocorrência no Brasil como resultante de umadeterminada estrutura, como um conjuntocoerente de elementos e não apenas comoacontecimento, suscetível de ser localizadono espaço e no tempo, conforme sustentaLe Goff (2001).

Dessa forma, quando o Brasil foi tomadopela surpresa da ocorrência inusitada daPSA, uma doença exótica, considerada“aterrorizante” e, em função da magnitudede seus impactos, tomei como desafio, umdia, recuperar a sua história e a suamemória, por entender que corríamos orisco de perder, mais uma vez, o registro deum problema sanitário que exigiu umamobilização de pessoas e recursos poucasvezes vista no país. Esse descompromissoprofissional em preservar a memória tinhaficado muito evidente quando o Brasil foiassolado, em 1921, pela peste bovina, cujamemória restringiu-se aos relatos factuais,nos poucos documentos produzidos. Sabia-se também, na época, que essa doençahavia escapado da Ásia, onde eraendêmica, para atingir o continenteeuropeu, onde provocou grande mortalidadeem bovinos.

A erradicação da peste bovina, assim comoa da PSA, geralmente é retratada naliteratura como sendo uma vitória damedicina veterinária e das autoridadespolíticas, em que pesem os prejuízos nãoreparados, as falhas não assumidas pelosistema de vigilância dos serviços oficiais dedefesa sanitária animal e ainda odescumprimento da legislação sanitária emvigor. Em certa medida, a entrada da pestebovina ajuda a compreender que énecessário fazer uma análise maisaprofundada de cada acontecimento,considerando-se a sua inserção em umaestrutura, observando, entre outrascondições, o tempo de longa duração e oconhecimento que se supõe interdisciplinar.Portanto, as duas doenças apresentamrelações muito próximas e um nexo decausalidade que não pode ser atribuído afatores imponderáveis ou visto comoresultante do azar.

Como é comum suceder nos grandesacontecimentos, a PSA no Brasil foi envoltaem uma névoa de dúvidas e suspeitas quederam origem a variadas interpretaçõessobre a sua ocorrência e expuseram asautoridades sanitárias a situaçõesconstrangedoras para explicar o surgimentoda doença, quase que simultaneamente, emdiferentes partes do território nacional e a

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surpreendente baixa morbidade emortalidade dos suínos acometidos pelomal. As inúmeras explicações técnicas paracada modificação do perfil esperado dadoença, ao invés de servirem de orientaçãoaos técnicos, criadores e empresários dosetor, contribuíram para gerar maispolêmica e descrença em relação àsmedidas sanitárias implantadas,especialmente quanto ao diagnósticolaboratorial. Em conseqüência, a imprensapassou a registrar cotidianamente atrajetória da PSA, expondo essascontradições e destacando as inúmerasmanifestações e críticas de especialistas,das entidades representativas dasuinocultura, além dos criadores e dasociedade de um modo geral.

Paradoxalmente, em meio à notificação denovos focos, discutiam-se, nas esferasoficiais e nos congressos técnicos,propostas de mudança da base técnica dasuinocultura, como forma de impedir adisseminação da doença, a partir dahipótese de que os pequenos criadores, nãotecnicizados ou de “fundo de quintal”, eramos principais disseminadores da doença.Não faltaram experiências de eliminação detodos os suínos caseiros criados na periferiadas cidades, em empreitadas coordenadaspor técnicos, auxiliares, militares e clubes deserviço. As intervenções oficiais, com o usodas forças armadas e com o abateimprovisado de animais em áreas de favelase periferias urbanas provocaram reaçãopopular e desgaste das autoridadessanitárias e políticas. Nas favelas, morros esubúrbios os porcos eram criados paraconsumo de sua carne e banha e, ainda,como um fundo de reserva, passível de serfacilmente convertido em moeda, paraatender gastos imprevistos com educação,casamento, funeral, doença, etc. Nessascondições, havia uma produção ecomercialização “invisíveis” que garantiamempregos e renda para famílias carentes.Transcorridos poucos dias do primeirodiagnóstico da PSA, no município deParacambi, Estado do Rio de Janeiro, adoença, ao ser também diagnosticada nafavela Nova Brasília, Rio de Janeiro,constituiu-se em um difícil desafio para asautoridades sanitárias, não acostumadas a

considerar aquele espaço geográfico emsua rotina de ação. Posteriormente, com oavanço da doença, problemas e dificuldadessemelhantes foram relatadas em outrosEstados. Apesar da ordem do Ministério daAgricultura para que os estadosprocedessem à eliminação dos criatórioschamados de “fundo de quintal”, “anti-higiênicos” ou “clandestinos”, muitostécnicos, ainda que timidamente, relutavamem tomar tal medida.

O título deste trabalho configura um recorteque restringe o levantamento de algumasinformações aos períodos de maio de 1978e dezembro de 1984, que correspondem,respectivamente, ao registro da ocorrência eà declaração da erradicação da PSA noBrasil. No entanto, esse recorte se ampliaquando a ele se agregam outros elementosde análise. O aposto “passos edescompassos” foi acrescentado ao títulopara sublinhar as contradições que forampercebidas nas leituras das diversas fontesdocumentais, nas respostas aos roteirosenviados aos atores sociais e nosdepoimentos das pessoas-chave.

Embora não fosse previsto inicialmentelevantar a história da ocorrência da PSA empaíses europeus esse conhecimento serevelou importante para compor ousustentar argumentos e hipóteses quanto aproblemas semelhantes surgidos no Brasil.

A discussão sobre a infra-estrutura sanitáriaexistente no Brasil para executar a vigilânciaquanto à entrada de produtos de origemanimal proveniente de outros países edefinir a política de importação de materialgenético de origem animal foi incluída nestapesquisa para permitir conhecer, em umtempo relativamente longo, o papel e alógica do sistema de vigilânciaepidemiológica e sanitária do país.

A opinião de técnicos, empresários,criadores individuais e dirigentes deassociações de criadores de suínos, quevivenciaram o problema, incluída nestapesquisa, representa uma fonte documentalextremamente necessária por incorporardepoimentos carregados de experiências eemoções que não encontrariam espaço

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numa pesquisa de natureza simplesmentequantitativa. O conhecimento se amplia e serevigora à medida que esses atores, namaioria das vezes, imersos no anonimato eno esquecimento, exibem novasrepresentações do fenômeno. Éinteressante analisar, nesse contexto, quaisforam as conseqüências do diagnóstico daPSA para os criadores e como o governoprocedeu para compensar ou mitigar osefeitos econômico-sociais.

Da mesma forma, a incorporação, a estapesquisa, da mídia investigativa, geralmentecriticada nas reuniões oficiais e até mesmopor técnicos de entidades internacionais,traz à tona aquilo que está submerso, quenão é mostrado nos discursos e nas atitudesdo Estado. Ao reunir o acervo sobre aocorrência da PSA no Brasil, ao contrário doque registra a literatura oficial, constata-se aonipresença do Estado sobre os meios decomunicação e esse é um ponto que meparece central na discussão das estratégiasadotadas no controle dessa doença noBrasil. Assim, além da história oficial, erapreciso conhecer as razões e asimplicações das decisões técnicas, as falasdos atores sociais envolvidos, a rede deinformação disponível para a vigilânciaepidemiológica, a forma de divulgação dosfatos para a sociedade, entre outrasquestões.

Considerando-se que o Brasil atravessava,na época do surgimento da PSA, um longoperíodo de privação de liberdade, em razãoda ditadura militar instalada no país, nãohavia mecanismos de controle socialclaramente definidos e, dessa forma, amídia, representada especialmente pelosperiódicos de maior circulação nacional epelas revistas semanais, assumiram essepapel. Muito embora a maior parte doespaço jornalístico fosse protagonizada peloEstado, era possível conhecer, ainda queraramente, a opinião de técnicos nãooficiais, de representantes das associaçõesde criadores de suínos, além deempresários do setor, pequenos criadores edirigentes de associações de moradores. Aesse processo se juntava o trabalhoinvestigativo da imprensa, que levantavadados, conferia informações, fazia

entrevistas com diferentes atores. Oseditoriais, crônicas e até mesmo seções decartas de leitores dos jornais e revistassemanais muitas vezes constituíram, paraesta pesquisa, importante fonte deinformação.

Com esta pesquisa pretendo contribuir paraa construção da história e da memória dapeste suína africana no Brasil e, para isso,proponho-me a analisar os dados sobre adoença, presentes nos documentos oficiais,avaliar a infra-estrutura da defesa sanitáriado Estado, colher depoimentos de pessoas-chave, tais como técnicos, empresários ecriadores de suínos que vivenciaram oproblema da PSA. Pretendo ainda avaliar asinformações produzidas pelos jornais erevistas de grande circulação nacional,revistas do setor agropecuário eespecializadas em suinocultura e abibliografia que descreve a história dosprincipais episódios da PSA no mundo.

Por entender que o fenômeno que estásendo analisado comporta diversasinterpretações e admitindo que a suacompreensão total nunca será possível,recorro aos enunciados da história nova edos fundamentos da memória para construirum caminho, que acredito ser inaugural paraa medicina veterinária e cujo instrumentalpermita-me aproximar da realidade vivida eseduzir as pessoas para o debate e para adiscussão da política de saúde animal noBrasil.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O desafio de recuperar a história e amemória do episódio da PSA no Brasillevou-me a trilhar os caminhos percorridospor historiadores franceses que, no início doséculo XX, criaram a chamada HistóriaNova, comprometida com todas as vertentesdo conhecimento humano. Mesmoentendendo que o campo da metodologiada pesquisa social é polêmico, em que odebate é perene e não conclusivo, é precisosair do clássico positivismo científico, muitocomum na Academia, para ajudar aconstruir um outro referencial. Entendo quea metodologia, como ensina Minayo (2000),inclui as concepções teóricas da

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abordagem, o conjunto de técnicas quepossibilitam a apreensão da realidade etambém o potencial criativo do pesquisadore que o conjunto de técnicas constitui uminstrumental secundário em relação à teoria,mais importante como cuidado metodológicode trabalho. No campo da saúde, aspossibilidades de análise estãocompreendidas no positivismo, nafenomenologia e na dialética marxista.

2.1 História e Memória

Quando se trabalha com a memória e ahistória de um fenômeno, é necessário dizera que referencial se está remetendo. Assim,a história deve ser entendida desde aperspectiva de Lucien Febvre e Marc Blochque, ao fundarem a revista “Annalesd´histoire économique et sociale,” em 1929,em Estraburgo, consagraram o termo“história nova”, em oposição à históriapositivista do século XIX e à história factual,superficial, desvinculada das estruturas, dapolítica e que não considera o tempo delonga duração. Nessa publicação, MarchBloch, ao criticar a noção de fato histórico,afirma que “não há realidade históricaacabada, que se entregaria por si só aohistoriador, pois diante da imensa e confusarealidade o homem de ciência ao fazer a‘sua opção’ não significa nemarbitrariedade, nem simples coleta, mas simconstrução científica do documento, cujaanálise deve possibilitar a reconstituição oua explicação do passado”. Para Le Goff(2001) a história nova ao combater a históriapolítica superficial e fatual de visão curtaconsidera ser necessário construir umahistória do poder, que inclua o simbólico e oimaginário.

Com relação à memória, o conceito aquiaplicado foi fundamentado no modeloteórico elaborado por Freud entre 1901 e1915 e, embora ele afirmasse que nenhumateoria psicológica apresenta uma explicaçãocoerente para o fenômeno da lembrança edo esquecimento, considerava que esteúltimo era mais enigmático por atuar emalgo que supúnhamos esquecido há muitotempo e que poderia reaparecerrepentinamente na consciência. Segundo oautor, haveria uma certa seleção entre as

impressões acumuladas e aquelas quepoderiam ser consideradas mais aflitivassucumbiriam com maior facilidade. Parasedimentar essa análise, ele argumentavaque “é universalmente reconhecido que, notocante à origem das tradições e da histórialegendária de um povo, é preciso levar emconta esse tipo de motivo, cuja meta éapagar da memória tudo o que seja penosopara o sentimento nacional”, Freud (1987).

Nessa linha de pensamento, pareceu-meapropriado valer-me também dos conceitosexpressos pelo filósofo francês PaulRicoeur, quando, ao tratar da memóriaindividual e coletiva, afirma que elas sãoobjetos de manipulações políticas eideológicas e obrigatoriamente passam aintegrar o “território do historiador”. De outraforma, a memória, influenciada peloimaginário, resultaria um conceitovulnerável. Para esse autor, ao inspirar-seem análises psicanalíticas (recalque e luto)e filosóficas (tempo, silêncio), o historiadordesempenha uma função de mediação,procurando adequar os relatos de memóriaindividual à veracidade histórica, ou seja, otrabalho da história se estende como umaprojeção do nível da economia das pulsõesao nível do trabalho intelectual dessa duplatarefa que consiste na lembrança e noesquecimento, Ricoeur (1977).

Para Halbwachs (1950), a memória não ésomente um fenômeno de interiorizaçãoindividual; ela é, sobretudo, uma construçãosocial e um fenômeno coletivo. Assim, ohistoriador irá defrontar-se com situações derecalque, de negação de momentostraumáticos do passado que se expressamcomo patologias individuais e coletivas damemória e que se traduzem não peloesquecimento, mas pelo silêncio. A respeitoda classe social, esse autor afirma que “emprincípio em cada sociedade a classedominante produz uma memória queconstitui o suporte da memória coletiva”.

Conforme analisa Viana (1995), pode-seinferir que a matéria memorial não “aflora nalinguagem do sujeito de forma impoluta ouautônoma, ela vem simbolizada empalavras, estigmatizadas pelos parâmetros

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da cultura e da ideologia do grupo social aque o sujeito pertence”.

A produção de artefatos de memória,entendidos como construção derepresentações latentes no universo dasmídias mais influentes, é fundamental narepresentação de determinados aspectosretrospectivos da vida social brasileira. Asinformações possíveis de serem detectadascomo marcas ou vestígios presentes nosgêneros ficcional, humorístico e jornalísticoconfiguram o que Lopes (2002) denominade artefatos de memória. Nesse sentido, osartefatos de memória seriam parte dasrepresentações mentais compartilhadasentre as mídias e o público, que precisariamser legitimadas e validadas pelos receptorespara ter função social.

2.2 Representação Social

A expressão “representação social” tem porpostulado a reprodução de uma percepçãoanterior ou do conteúdo do pensamento.Também entendida como representaçõescoletivas, a expressão se refere a categoriasde pensamentos, por meio das quais umasociedade expressa sua realidade. Porserem contraditórias e “verdadeiras”, asrepresentações sociais podem serconsideradas matéria-prima para a análisedo aspecto social e também para a açãopedagógico-política de transformação, poisretratam a realidade, na concepção deMinayo (2000). Para Weber (1985), cadasociedade, para se manter, necessita terconcepções de mundo abrangentes eunitárias e que em geral são elaboradaspelos grupos dominantes. Segundo Triviños(1987), no marxismo as representações, asidéias e os pensamentos são o conteúdo daconsciência que, por sua vez, édeterminada pela base material. Noentender de Schutz e Luckmann (1973),tanto o conhecimento cientifico quanto osenso comum envolvem um conjunto deabstrações, formalizações e generalizaçõese esses conjuntos são construídos, sãofatos interpretados a partir do mundo. Paraesses autores essa compreensão se dá apartir do estoque de experiências pessoaise de outros indivíduos. Enquanto aexperiência pode ser apropriada por um

grande número de pessoas, o conhecimentoé individual, pois depende de umaelaboração subjetiva e intersubjetiva, pormeio do senso comum e da experiênciavivida, funcionando como esquema dereferência para o sujeito.

De acordo com Spink (1999), a sociologia,em seus primórdios, trabalhava as questõesepistemológicas dentro do campo empírico,de acordo com a história das idéias ouhistória das ciências. Para o empirismo oconhecimento resulta unicamente daexperiência, daquilo que é captado nomundo externo pelos sentidos ou no mundosubjetivo pela reflexão que as pessoasfazem sobre o que ocorre no seu íntimo deacordo com as suas experiências. Osmédicos e os físicos eram chamados deempíricos por só levarem em consideraçãoseus conhecimentos e experiências. Outrosautores, como Berger e Luckman (1973),modificam essa compreensão, aoconsiderarem a importância do sensocomum na formação do conhecimento, semo que nenhuma sociedade poderia existir. Oato da representação transfere o que éestranho, perturbador, do universo exteriorpara o interior; coloca-o numa categoria econtexto conhecidos, enquanto a ciênciasegue um caminho inverso: vai daspremissas às conclusões. Nesse sentido,Moscovici (1984), considera que tudo quenão está classificado e rotulado parece nãoexistente e, portanto, ameaçador, pois,quando se classifica ou se rotula atribuem-se valores positivos ou negativos. Quandose classifica algo novo, geralmente existeum protótipo que servirá de parâmetro paraessa categorização.

2.3 A peste suína africana no mundo.

A história da PSA no mundo poderia serdividida em duas fases. A primeira inicia-se,em 1921, com o descobrimento da doençaem suínos domésticos e silvestres na África,e a segunda, em 1957, quando a doençaatinge Portugal. Enquanto restrita à África,ela não constituía uma ameaça real aorestante do mundo, e poucas eram asinvestigações científicas acadêmicas ouproduzidas pelas instituições internacionaisde referência sobre a PSA, mas, a partir da

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entrada de seu registro na Europa, verifica-se um grande esforço de muitas instituiçõesno sentido de se obter respostas para atemática biológica, reservando-se um papelsecundário aos questionamentos denatureza socioeconômica. Assim, sempreque se fazia uma “descoberta”, esse novoconhecimento gerado era incorporado aoarsenal das medidas de combate à doença.Além das dificuldades esperadas emrelação à operacionalização das ações decontrole e erradicação da doença, torna-seum grande desafio o estabelecimento dosprejuízos socioeconômicos e a definição, deforma justa, de políticas compensatórias emitigadoras. Uma outra dificuldade é oestabelecimento de um processo eficientede comunicação social capaz de informaradequadamente a população sobre adoença, considerando todas as suasimplicações.

A entrada da doença em Portugal, em 1957,colocou em alerta todo o sistema mundial deprodução suína. A forma peculiar da criaçãode suínos em Portugal, aliada a problemaspolíticos e à aplicação de uma vacinapreparada com vírus vivo modificado,contribuiu, segundo Vigário et al. (1981) ePor que... (1978), para que a doença setornasse endêmica no país. O último focoregistrado ocorreu em 1999, segundo a OIE(1999).

Na Espanha, a doença foi introduzida emmaio de 1960, na Província de Badajoz, pormeio de suínos infectados procedentes dePortugal. Tendo em vista a longa duraçãoda doença na Espanha, pois a erradicaçãosomente ocorreu em 1994, tornou-sepossível avaliar a eficiência das provas dediagnóstico em relação às formas aguda ecrônica da PSA e as estratégias de combateà doença, conforme Castro et al. (1978),Polo Jover e Sanches Botija (1961) e Ordáset al. (1981).

Na França, os três episódios registrados porGayot et al. (1974), Por Que... (1978) e RuízMartinez (1978) constituem uma referênciaimportante para discutir, no caso do Brasil,algumas características epidemiológicas dadoença, especialmente quanto ao seu

comportamento clínico e à capacidade dedifusão do vírus.

A Itália obteve rápido sucesso ao erradicarum foco da PSA em 1967, nos arredores deRoma. No entanto, em março de 1978, adoença surgiu na Sardenha, ondepermanece até a presente data. O fato de adoença existir há muito tempo nessa ilhapermitiu conhecer aspectos epidemiológicosimportantes da PSA, conforme os relatos deContini et al. (1981) e Castro et al. (1978).

A PSA atingiu Cuba em duas ocasiões. Aprimeira vez, em maio de 1971, na Provínciade Havana e a segunda vez em 1980, naregião de Guantânamo. As autoridadessanitárias do país são unânimes em atribuira entrada da doença no país, nos doisepisódios, a atos terroristas praticados poragentes norte-americanos ligados aoserviço da Central de Inteligência daquelepaís, conforme Oliveira (2002). Tendo emvista que o Brasil, no episódio deParacambi, tomou como referência as açõesempregadas por Cuba no combate à PSA,recorri a Fernandez e Williams (1979) e àNegrin (1981) para registrar as principaisestratégias empregadas por este país nosdois surtos ali ocorridos.

O aparecimento da PSA na RepúblicaDominicana, ocorrido por volta de fevereirode 1978, motivou as autoridades sanitáriasdaquele país a adotar um rígido plano deerradicação da população suína nativa,tendo em vista o fracasso das medidasiniciais de combate aos focos. Considerandoque a experiência da República Dominicanaguarda relação muito próxima com asituação vivenciada pelo Brasil, considereinecessário identificar as correspondênciasexistentes, quanto às medidas de combateadotadas contra a PSA. O emprego detropas militares, naquele país, para realizaras operações de seqüestro e sacrifício desuínos, representou uma grande novidadeno combate a essa doença e provavelmenteinfluenciou o emprego da mesma estratégiapelo Brasil. Também foram utilizadas, pelaprimeira vez, determinadas medidascompensatórias, conforme Sanchez Dias(1979), African... [198-] e Rivera (1981).

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Em que pese a implantação de barreirassanitárias na área de fronteira entre aRepública Dominicana e o Haití, a PSAacabou por invadir este país em janeiro de1979, de acordo com Sanchez Dias (1979).Devido à eliminação dos suínos nativos, oHaiti negociou com os Estados Unidos aimportação de animais puros, o queacarretou graves conseqüências sociais eeconômicas, conforme análise de Easley(2000).

A entrada da PSA na Ilha de Malta ocorreuem março de 1978, devido provavelmente arestos de alimentos de origem suínatrazidos por turistas. A doença demorou aser diagnosticada e, a exemplo do queocorreu na Sardenha, rapidamente sedisseminou para grande parte da Ilha. Aexperiência de Malta serve de marco dereferência para analisar a capacidade dedifusão do vírus e seu poder de virulência,conforme com os relatos de Wilkinson et al.(1980) e Balbo e Iannizzotto (1981).

Embora a preocupação de um estudomemorialístico dessa natureza não fossesublinhar os aspectos biológicos ligados aoagente da PSA, a polêmica gerada arespeito do diagnóstico laboratorial e docomportamento da PSA no Brasil levou-mea buscar informações na literatura sobre ostrabalhos clássicos e a experiênciaacumulada pelos vários países nessamatéria até o ano de 1984, que correspondeà erradicação oficial dessa doença. Énecessário lembrar que essa polêmicainiciou-se com menos de três meses doregistro oficial da PSA no Brasil, em razãodo surgimento de dezenas de focos empraticamente todos os Estados, comcaracterísticas clínicas e epidemiológicasdiferentes do esperado para uma doençatão temida. Com a confirmação laboratorialde PSA desses focos, as autoridadessanitárias do Ministério da Agriculturapassaram a defender a hipótese de que adoença estaria presente no país há algunsanos. Posteriormente essa explicação foiabandonada em favor de uma outra quedefendia a hipótese de a amostra viral serde baixa virulência, o que explicaria asemelhança da PSA, em sua formasubaguda ou crônica com a PSC, de acordo

com o que ocorria em Portugal, na Espanhae nos países africanos, segundo Lyra(1978), Lyra e Garcia (1982/1983) e Serrãoet al. [198-].

Para Lucas et al. (1967), no entanto, asformas subagudas e crônicas são raras naÁfrica e praticamente não foram observadasno início da evolução dessa doença naEuropa. Na África, ficou demonstrado que apopulação de suídeos silvestres é portadoraassintomática, enquanto os suínosdomésticos são altamente sensíveis. NaEuropa, conforme já relatado, a doença,após a fase inicial, em que predominava aforma aguda, passava também aapresentar-se sob a forma subaguda,expressa pelos baixos índices de morbidadee mortalidade, assemelhando-se à formacrônica da PSC. O autor também assinalaque ocorrem quatro formas clínicas dadoença: superaguda, aguda, subaguda ecrônica. Os autores definem invariavelmentea PSA como uma doença viral de suínos,febril, com predomínio de casos agudos,extraordinariamente contagiosa e de altamortalidade, conforme Maurer (1975), Alvim(1978), Embrapa... (1978), Ruiz Martinez(1978), Brillas e Olivella (1980),Sobestiansky (1982) e Mc Daniel (1986),bem como alguns documentos do Ministérioda Agricultura, Bogado (1964), Brasil,(1978d) e Peste... (1978e).

Em Portugal, Espanha, França, Itália, Malta,Cuba, República Dominicana e Haiti, a PSAapresentou-se inicialmente sob a formaaguda, com elevada mortalidade eletalidade, além de rápida disseminação,características que a diferenciavam da pestesuína clássica e de outras doençascorrelatas. Essa diferença entre a PSA e aPSC tornava-se mais evidente quandotambém morriam aqueles animais quehaviam sido imunizados contra esta últimadoença, conforme será analisado no item4.2 (A PSA nos continentes europeu eamericano). Na Espanha, por exemplo, ostrabalhos de Pólo Jover e Sanchez-Botija(1961) e Sanchez-Botija (1962) confirmamque, nos dois primeiros anos, predominaramos casos agudos, com mortalidade de100%, enquanto os casos subclínicos

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surgidos após esse prazo caracterizavam-serealmente por baixa mortalidade.

2.4 As provas imunológicas e biológicasno diagnóstico da PSA

Considerando-se que a OIE é a instituiçãointernacional de referência em saúdeanimal, recorri ao Código ZoossanitárioInternacional para obter as recomendaçõesquanto às técnicas de diagnóstico. Deacordo com esse Código a técnica indicadaé a immunoelectroosmophoresis (IEOP) oua imunofluorescência indireta (IFI) e ainda aprova de hemadsorção para animaisdestinados à exportação, que apresentemfebre durante a quarentena, Código (1982).

De acordo com Sobestiansky (1982), aprova de hemadsorção ou reação deMalmquist consiste na identificação do vírusem cultivo de leucócitos. Nessa prova épossível verificar se ocorre a adsorção deeritrócitos de suínos e ainda o efeitocitopático do vírus sobre a camada deleucócitos. É considerado um dos testesmais sensíveis, trabalhosos e que requeraté 10 dias para sua leitura final. ParaSanchez-Botija et al. (1977), a sensibilidadedo teste é de 98,9%, com 92,7% deprodução de efeito citopático. Érecomendável, segundo esses autores, noscasos negativos fazer-se subinoculação emnovas cultivos de leucócitos. A prova deimunofluorescência direta (IFD) objetivaidentificar o vírus da doença em tecidos desuínos infectados ou em sedimento decultivo celular. A sua execução érelativamente rápida (1 a 2 horas). Não érecomendado para áreas enzoóticas, emrazão da drástica redução da sensibilidade.A IFI detecta anticorpos presentes no soro enos tecidos. Possui uma sensibilidade de82% e, nas infecções crônicas, a suasensibilidade pode atingir 91%. A IEOP é ométodo mais usado para o diagnóstico daPSA, em sua forma crônica, com apenas 30minutos. Na Espanha, a sua sensibilidadefoi de 91% e de 95%, quando combinadacom a IFI.

De acordo com Carnero et al. (1968), areação de fluorescência aparece com 10horas, o que permite ganhar tempo no

diagnóstico, pois sabe-se que algumasamostras de vírus não produzem efeito dehemadsorção nos primeiros cultivos deleucócitos, o que exige o uso de passagensseriadas em sistemas celulares.

Na Espanha, Sanchez-Botija (1962)considerou satisfatórios os resultados daprova de hemadsorção aplicada emmateriais biológicos processados no períodode 1961-1962. Para Sanchez-Botija e Ordás(1969), o método de trabalho utilizado pelaEspanha poderia servir de orientação aoutros países onde coexistem PSC e PSA.Não obstante a grande sensibilidade dasnovas técnicas de diagnóstico da PSC, umacerta porcentagem de casos poderia sernegativa e exigir que se excluísse apossibilidade da existência do vírus africano.Os autores recomendaram, para situaçõesde ocorrência simultânea de PSC e PSA, ouso inicial da IFD em cortes de tecidos.Esse procedimento inicial responde por 60%dos resultados positivos para PSA, quepode atingir entre 80% e 100% em amostrasde determinadas regiões, ou quando seaplica a técnica em dois ou três animais dofoco. Em caso negativo, utiliza-se a provade cultivo de leucócitos. A identificação dotipo do vírus se faz também pela inoculação,considerado o método mais seguro, emboralento, oneroso e pouco viável em um paísinfectado. Essa prova estaria reservada,excepcionalmente, para os casos duvidososou negativos em todas as provas, mas comantecedentes clínicos e anatomopatológicosde peste suína. Os soros dos porcossobreviventes ao teste biológico seriamsubmetidos à fixação de complemento e àinibição da fluorescência, conformeSanchez-Botija e Ordás (1969).

A escolha do método mais apropriado dediagnóstico depende, segundo Lucas et al.(1967) e Sanchez Botija et al. (1977), doestágio da doença no país. Assim, em umaárea com ausência de focos de PSA, porémsujeita a risco e com numerosos focos dePSC, deve-se recorrer à prova deinoculação de suínos sadios ehiperimunizados e ainda à prova dehemadsorção. Com isso pode-se identificarrapidamente o vírus e particularmente asformas de baixa virulência. Quando houver

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ocorrência simultânea de casos de PSA ePSC, devem ser inoculados suínosimunizados contra a PSC, independentementeda realização de outros testes e, nos casosde muita demanda do laboratório, devem-seinocular apenas as amostras de materialsuspeito. Em Portugal, segundo Vigário etal. (1981), utiliza-se a prova de IEOP e,quando necessário, as provas de IFI eenzyme linked Immunosorbent Assay(ELISA).

No Brasil, segundo Andrade (1981), foramrecebidos 51.733 materiais, entre 12 dejunho de 1978 e 30 de junho de 1981, dosquais 9.148 eram órgãos ou sangue e orestante soro. Os métodos usados foram:hemadsorção em cultivo de leucócitos, IFDem corte de tecidos e cultivo de células,IEOP e IFI. O maior número de positivos foidetectado pela prova de IEOP. Observou-seque os focos residuais da doençacorrespondiam às formas crônicas. Somente6,7% dos soros positivos à IEOP foramconfirmados pela IFI, o que torna essesachado diferente dos relatos da literatura,tornando-se assim necessário mais estudossobre a matéria.

No momento da entrada da PSA no Brasil,estava em curso uma epidemia de PSC, fatoque exigia estabelecer não só o diagnósticodiferencial, bem como fazer umlevantamento retrospectivo da suaocorrência no país. Para isso recorri aostrabalhos de Hipólito et al (1965), Sugai(1978), Serrão et al. [198-] e Conselho....(2002) e às fontes documentais doMinistério da Agricultura.

Devido à multiplicidade de declaraçõesprestadas pelos diversos atores sociais e àspeculiaridades das informações obtidas emjornais, revistas especializadas, sites daInternet, a citação dessas fontes ocorrerádiretamente nos capítulos de resultados ediscussão.

2.5 A peste suína africana e as políticasde saúde animal no Brasil

O fio condutor para a análise da entrada daPSA no Brasil abrange a história da defesasanitária animal no Brasil, o conjunto da

legislação sanitária, a política de importaçãode material genético e de multiplicaçãoanimal, a experiência vivenciada pelosdiversos países que foram afetados poressa doença e as normas zoossanitáriasditadas pela OIE. Para essa organização,em se tratando de uma doença da Lista A,exótica para a maioria dos países, a decisãotécnica e política tem que ser ágil e eficientepara que a erradicação seja alcançada nomenor espaço de tempo possível. Noentanto, em que pesem os manuais, as leis,os relatórios técnicos, os trabalhoscientíficos e as experiências vividas o nossoolhar será sempre parcial, fragmentado, senão se aprofundar na análise da estruturado país para construir um cenário capaz deaproximar-se da realidade. Nesse sentido,Minayo (2000) afirma que o primeiroprincípio que deve ser levado em conta éque o objeto das ciências sociais é histórico,ou seja, o nosso objeto de estudo possuiconsciência histórica. Portanto, é precisoaprofundar essa análise, recorrer a outrasfontes e a novas ferramentas metodológicasque possam trazer à tona o queaparentemente está submerso.

Tomei como referência, para conduzir essapesquisa, os fundamentos da história nova.Ao se propor interdisciplinar, a história semultiplica em social, econômica, política,estrutural, de longa duração.Caracterizando-se o episódio da PSA noBrasil como apenas um acontecimento,passível de ser analisado de formaindividual e isolada, a análise torna-sereducionista, pela impossibilidade dequalquer explicação, a não ser a sua própriaconstatação, conforme sustenta Le Goff(2001), para quem os acontecimentos sãoresultantes de uma determinada estrutura econjuntura. A noção de estruturalismo surgiuno início do século XX, na França, entre osdefensores da história nova e tinha, comopremissa, a necessidade de estudar todosos componentes do fenômeno, em umadimensão histórica. O conceito de estruturafoi forjado ao se estudar a estrutura agráriado Lácio medieval (séculos XI e XII) paracompreender a sua decadência. Para LeGoff (2001), as estruturas correspondem afenômenos geográficos, ecológicos,técnicos, econômicos, sociais, políticos,

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culturais, psicológicos, que permanecemconstantes durante um longo período ouque só evoluem de maneira quaseimperceptível, enquanto as conjunturas sãoflutuações de amplitudes diversas que semanifestam nesse contexto. Portanto, antesde se falar de um acontecimento há que seentender sua origem, seus componentes ou,em resumo, reconhecer quais são as suasrelações dentro de uma determinadaestrutura. Dessa forma, para se estudar aocorrência da PSA no Brasil, é precisoconhecer, dentro de um períodoconsiderado longo, quais as circunstânciasque deveriam ser postas em evidência,antes de se procurar as explicações para asua ocorrência numa determinadaconjuntura.

2.6 Elementos estruturais da política dedefesa sanitária animal no Brasil

A exploração de informações técnicas seconfigura, nesse estudo, como elementosque irão ajudar a compor um tecido cujastramas principais serão constituídas pelasconcepções teóricas sobre história ememória. As afirmativas e contradições quese estabelecem entre os diversos atoresirão ajudar a compor um outro cenário, nãodeterminado pelas hipóteses clássicas dopositivismo, do determinismo, masconstruído e analisado com a cumplicidadee com os instrumentos da história nova edos conhecimentos sobre a memória. Essereferencial técnico deverá incorporar osacontecimentos determinantes da história eda formação socioeconômica do Brasil,compreendendo a introdução de animaisdomésticos no Brasil, o tipo de produção, adependência política e econômica do país, acriação da defesa sanitária animal, oarcabouço jurídico da vigilância sanitáriaanimal, a política de importação de animaisgeneticamente melhorados, a entrada dedoenças animais exóticas para o país, aentrada da PSA, a participação dos atoressociais e da mídia por ocasião do episodioda PSA.

Eleger este referencial teórico-metodológicosignifica, antes de tudo, possibilitar a fala deinúmeros criadores, técnicos, dirigentes deassociações e empresas da área de

suinocultura, que não se conformavam comos resultados laboratoriais divulgados peloEstado e que, em decorrência dessaposição, se opunham publicamente àsações sanitárias determinadas peloMinistério da Agricultura. Os trabalhos dosdiversos autores consultados para estapesquisa não terão um tratamentoestanque; ao contrário, eles estarãoentremeados em vários momentos daanálise e da discussão do tema.

Assim, para situar as relações econômicasda Corte portuguesa com suas colôniasafricanas e com seus vizinhos europeus,especialmente Inglaterra, França e Holandarecorri a Russel-Wood (1998), que analisaos primeiros trinta anos da existência doBrasil, em que destaca o abandono dacolônia e a decisão de promover apenasatividades extrativas, baseadas no comérciodo pau-brasil. O autor procura estabeleceruma diferenciação entre as possibilidadesdo novo país em relação às colôniasportuguesas na África, especialmente emrelação à mão-de-obra, uma vez que, aocontrário do escravo africano, o indígenaque habitava o Brasil não se deixavasubjugar facilmente, em razão de suacultura. A carta de Caminha... (1500), oslivros de Gândavo (1980) e Vicente deSalvador (1982) dão testemunho da grandequantidade e variedade de animaispresentes, o que facilitava a política depovoamento da nova colônia.

A entrada dos primeiros animais domésticosno país, especialmente para atividades detransporte e tração e a sua expansãoterritorial baseou-se em Torres e Jardim(1992), Schumaher e Brasil (2000) e Raça...[s/d], enquanto a repercussão econômica domodelo de política fundiária implantado noBrasil pelos portugueses foi baseada emRussel-Wood (1998) e Índios... (2002).

Outro acontecimento relevante para seconstruir o conceito de estrutura propostonesse trabalho foi a presença dos jesuítasque associada à sua missão religiosacontribuía para legitimar a política mercantilvigente imposta pelos portugueses e, aolongo dos 210 anos de permanência noBrasil criaram uma sólida base social,

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política e econômica apoiada no ensino, naposse de fazendas, currais e engenhos, quese estendiam desde a região amazônica atéo Sul do país, conforme Maranhão (2003).

A forma absolutista com que Portugaladministrava o Brasil até que sedescobrissem diamantes e ouro foianalisada em Mineiração... (sic) (2001), emBassanezi et al. (2002) e em Prado (2003).A produção e a circulação de mercadoriasno interior do Brasil e o seu controle porparte de Portugal foram descritos por Fausto(2001), enquanto Meneses (2000) e Prado(1961) analisaram a produção e o consumode alimentos no século XVIII, na Provínciade Minas Gerais, enquanto Pijning (2001)analisava o contrabando, ilegalidadespraticadas no Rio de Janeiro no séculoXVIII.

A abertura dos portos em janeiro de 1808,seguido do alvará da liberdade industrial,concedido em abril desse mesmo ano, quepermitia a abertura de tecelagem,manufatura de metais e comercialização dealimentos, poderia representar o início daemancipação econômica do Brasil, se nãofosse a ingerência inglesa que obrigouPortugal a acrescentar uma sobretaxa de16% nas mercadorias brasileiras. Essadependência política e econômica dePortugal e do Brasil é retratada porMineiração (sic)... (2001) e por Bellato [sd.].

Moscateli (2000), ao tratar da formaçãohistórica do Brasil, no ensejo do aniversáriode 500 anos da viagem de Cabral, refere-sea três autores para identificar as váriascorrentes de pensamento sobre esse tema.Assim, Caio Prado Jr, ao adotar o modelodo materialismo histórico, considera que asociedade e a economia brasileira, noperíodo colonial, estavam voltadas para asatisfação do mercado externo e que asestruturas da história brasileira foramerguidas sobre os “alicerces dadependência em relação aos ditames daeconomia internacional e não sobre asbases de um projeto para a formação deuma nação autônoma”. A forma deexploração da terra implantada peloscolonizadores baseava-se em critérioseconômicos, centrados na grande

propriedade, na monocultura e no trabalhoescravo. A unidade familiar gravitava emtorno da grande propriedade, em busca deproteção e favores que a autoridade públicanão conseguia oferecer. Já o pensamentode Sérgio Buarque de Holanda tem a suaorigem nas escolas européias e estáfocalizado nos aspectos culturais da nossasociedade, a partir do entendimento de queo convívio entre a sociedade européiaportuguesa e os habitantes da colôniaestabeleceu-se de forma conflituosa e, pordecorrência, os brasileiros poderiam serconsiderados desterrados em sua própriaterra. Nas elites brasileiras predominavamas práticas autoritárias do poder e ocostume de enxergar a realidade nacionalcom os olhos da cultura européia. GilbertoFreire procura demonstrar que o fator maisimportante é a adaptação das diversasculturas em contato na colônia ao meioambiente tropical. Assim, o antagonismosenhor-escravo teria sido amenizado pelasrelações domésticas vigentes na casagrande, em razão do contato, desde ainfância, com as tradições culturaisafricanas. Segundo Moscateli (2000), asopiniões de Gilberto Freire sãodemasiadamente harmonizadoras, além decriar um mito em favor da democracia racial,considerada encobridora, por não explicaros problemas da inserção dos negros nasociedade brasileira.

O período imperial foi marcado por grandesacontecimentos: independência, instalaçãoda monarquia, guerra contra o Paraguai e aconsolidação de classes sociaisdominantes, formadas pelos grandesproprietários de escravos, mineradores,latifundiários, grandes comerciantes eburocratas, proprietários de engenho deaçúcar, criadores de gado, agricultoresligados ao café e ao cacau. A dependênciado capital estrangeiro ainda continuavapresente de forma marcante, sendo que, nocaso do café, o comércio internacional eradominado por grandes empresasamericanas e inglesas. A pouca expansãodo mercado interno, a concentração depoder e renda em mãos da elite dirigentecaracterizou o período que vai daIndependência ao da República, conformeanalisa Fausto (2001). Segundo Bueno

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(2003) o valor dos ativos das empresas dobarão e visconde de Mauá,IrineuEvangelista de Souza, em 1867, superava opróprio orçamento do Império.

Com a instalação da República, o paísiniciou o processo de industrialização,ampliando a produção de bens primários,principalmente os destinados à exportação.Esse processo de industrialização seacelerou nos governos de Getúlio Vargas eJuscelino Kubsticheck. Outro acontecimentoque se destacou nesse período foi a tomadado poder, em 1964, pelos militares. Nadécada de 1970, em razão da grandemigração da população rural em direção aoscentros urbanos e ante a perspectiva deimportar alimentos, o governo militarpromoveu a política da “modernizaçãoconservadora”, como forma de garantir aconsolidação do setor industrial, oabastecimento interno, a estabilidade dospreços e quotas de excedentes de grãospara a exportação.

Retomando a questão da política de defesasanitária animal no Brasil, é necessáriofazer uma incursão, ainda que rápida, àforma com que os animais domésticosforam introduzidos no país, como se deusua expansão, seu melhoramento genéticoe produtivo. A preocupação e a necessidadede criar animais domésticos se iniciou, apartir da viagem de Martim Afonso deSousa, em 1534. Com a decisão política deinteriorização para a exploração do territóriobrasileiro, houve também a expansão dacriação animal. No entanto, o registro daprimeira importação referia-se a um lote dezebuínos, adquiridos por determinação deD. Pedro I, em 1826, conformeConselho...(2002). O nelore, que eracomprado inicialmente em zoológicos e emcircos na Europa, por mera curiosidade, aofinal do século XIX mostrou ser uma raçamuito adaptada ao clima tropical brasileiro,tendo alcançado rápida expansão, conformeanalisa Santiago (1987), Felício (2002) eZebu ... (2002). Com o crescente interessena importação de animais, nem sempre asnormas sanitárias eram obedecidas e,dessa forma, o risco de entrada de doenças,especialmente as exóticas, era muito alto.Exemplo disso foi a entrada da peste bovina

no Brasil, em 1921, considerado oacontecimento mais marcante na pecuáriabrasileira dessa década, conforme Peste...(1925), Conselho... (2002) e Magnabosco(2002). Mesmo após a erradicação dessadoença, as importações de animais da Índiacontinuaram, a despeito das restriçõessanitárias e legais. No entanto não foramraros os exemplos de autorizaçõesespeciais concedidas por autoridadessanitárias e políticas para a compra dessesanimais. Quando essa alternativa não erapossível, recorria-se ao contrabando,utilizando-se, como porta de entrada, ospaíses vizinhos, especialmente a Bolívia e oParaguai, conforme Santiago (1987),reproduzindo-se assim as práticasexistentes desde o tempo da colônia.

Outro ponto fundamental para secaracterizar a política de saúde animal noBrasil refere-se ao conjunto de normaslegais que definiam as responsabilidadestécnicas do serviço de defesa sanitáriaanimal. O primeiro registro legal que versasobre a defesa sanitária animal se deu pormeio dos Decretos Imperiais n°. 1.607, de28 de julho de 1860, e n°.2.747, de 16 defevereiro de 1861, quando se criou aSecretaria de Estado dos Negócios daAgricultura, Comércio e Obras Públicas que,dentre outras atribuições, deveria cuidar daintrodução e melhoramento de raças deanimais e implantar escolas de veterináriano país. A Secretaria teve vida efêmera,sendo absorvida pelo Ministério da Indústria,Viação e Obras Públicas.

Em 1906, foi criado o Ministério dosNegócios da Agricultura, Indústria eComércio e, em 1909, a Diretoria deIndústria Animal, com a atribuição de zelarpelo estado sanitário do gado e promover afiscalização de matadouros e estábulos. Em31 de outubro de 1910, foi criado o serviçode veterinária com definições claras emrelação aos cuidados na importação deanimais, preparação de produtos biológicos,inspeção de feiras e exposição de gado,Brasil (1910). Em 1911, o texto legalconstante do Decreto 9.194, referente aessa matéria, recebeu nova redação quantoaos cuidados na importação, conformeBrasil (1910) e Conselho... (2002). O

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Decreto n. 24.548, de julho de 1934,promulgou o Regulamento de DefesaSanitária Animal, que contemplava váriasações sanitárias para a importação deanimais e apresentava, como novidade, acriação do Conselho Nacional de DefesaSanitária Animal, conforme Brasil (1934),embora não se tenha memória de suaatuação. Apesar de ser uma legislaçãorestritiva à importação de animaisprocedentes de países onde ocorressemdoenças infecciosas animais, era permitidoao Diretor de Defesa Sanitária Animalautorizar, sem critérios objetivos, a entradade animais procedentes de países comdoenças contagiosas exóticas. A lei n. 569,de 21 de dezembro de 1948, e o Decreto n.27.932, de 28 de março de 1950,respectivamente, complementaram oDecreto n. 24.548, quanto à aplicação dasnormas de indenização, de acordo comBrasil (1948) e Brasil (1950b). A Lei n.1.052,de janeiro de 1950 cria no Ministério daAgricultura a Inspetoria de Defesa SanitáriaAnimal, conforme Brasil (1950b). Em abrilde 1956, foi editado o Decreto n.38.983, queproibia a importação de reprodutoreszebuínos e bufalinos, de acordo com Brasil(1956).

O acervo da legislação sobre a defesasanitária animal no Brasil é, pois, secular.No entanto, a experiência acumulada nocampo da legislação não foi suficiente paraexplicar e impedir a entrada de umaquantidade significativa de doenças emnossos rebanhos e nem para consolidaruma política de defesa sanitária animal nopaís, que nessa pesquisa representa umdos eixos importantes na definição daestrutura.

A falta de institucionalização de uma políticade importação animal e de material genéticode multiplicação animal no Brasil foianalisada por Silva et al. (1983), queregistraram a entrada de 54 doenças noperíodo entre 1978 e 1982, de acordo comdados oficiais do próprio Ministério daAgricultura, Boletim... (1975-1984). Emboraadmitam que algumas delas já pudessemestar presentes no país, antes de 1978, emdecorrência de falha ou inexistência decondições de diagnóstico e de notificação,

os autores correlacionam a entrada dessasdoenças à falta de uma política deimportação de material genético e àdependência técnica e econômica do Brasilem relação a outros países.

Um dos acontecimentos mais emblemáticospara demonstrar essa dependência, após aerradicação da PSA no Brasil, foi aimportação de cem matrizes bovinas dosEstados Unidos e Canadá, por parte daEmbrapa, em janeiro de 1983, ao custounitário de dois mil e novecentos dólares, ouseja, nove mil, cento e trinta e cinco reais,ao câmbio oficial de junho de 2004. Asjustificativas para essa importação referiam-se à necessidade do incremento à pesquisae à difusão de tecnologia agropecuária,conforme consta do relatório da Embrapa...(1983) e também da pesquisa realizada porModena et al. (1983). Tendo porfundamento as situações históricas quesempre desfavoreceram o Brasil nas trocascomerciais envolvendo animais e materialgenético de reprodução animal, um grupode professores da área de Epidemiologia doDepartamento de Medicina VeterináriaPreventiva, da Escola de Veterinária daUniversidade Federal de Minas Gerais-UFMG, conforme relato de um de seusmembros, como pessoa-chave, propôs àdireção da Empresa de PesquisaAgropecuária de Minas Gerais (EPAMIG)que se fizesse uma sangria das 40 matrizesdestinadas a essa empresa de pesquisa, nomomento do desembarque, no AeroportoInternacional de Viracopos, em Campinas.Essas ações foram desempenhadas peloDr. Nilson Antônio de Azevedo e pelo Dr.Orville Augusto Massule Rehfeld. Emdesacordo com as informações contidas nosatestados zoossanitários internacionais,emitidos pelas autoridades dos citadospaíses, foram detectadas, em exameslaboratoriais processados por trêsinstituições oficiais, as seguintes doenças:estomatite vesicular, causada pelo subtipoIndiana I e pelo vírus New Jersey, esteconsiderado exótico para o Brasil, leucoseenzoótica bovina e brucelose. O Ministérioda Agricultura, ao final do processo,sacrificou apenas as cinco matrizesreagentes para a estomatite vesicular (NewJersey). Na época foi realizado um

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seminário sobre importação de materialgenético, promovido pelo Ministério daAgricultura e realizado na Escola deVeterinária da UFMG (EVUFMG), quecontou com especialistas da EVUFMG, doCentro Panamericano de Febre Aftosa, doRio de Janeiro e ainda de especialistas daprópria Embrapa. Nesse evento, uma dasrecomendações feitas foi a de constituir umacomissão nacional, representativa dosvários segmentos da pecuária, com caráternormativo e deliberativo, para elaborar umapolítica de importação de material genéticoanimal.

Antes de entrar na reflexão dos fatos quedeterminaram a entrada da PSA no Brasil, éfundamental conhecer como estavaorganizado o Ministério da Agricultura paraconduzir a política de saúde animal noBrasil. A reforma administrativa ocorrida noMinistério da Agricultura, em novembro de1977, ou seja, pouco antes da entrada daPSA no Brasil, demonstrava que aconcepção da política de saúde animal seassentava em bases conservadoras, comuma visão fragmentada do processo saúde-doença, com enfoque no componentebiológico, em contraposição a uma propostamais integral, que incluísse açõeshorizontalizadas na organização e naexecução dos planos, conforme sedepreende da análise do Decreto n. 80.831,de 1977 e da Portaria Ministerial n. 241, demarço de 1978, Brasil (1977) e Brasil(1978a).

A PSA, ao atingir o Brasil, em maio de 1978,obrigou o Estado a sacrificar mais de 66 milsuínos, o que reduziu drasticamente oconsumo interno de carne de suínos e deseus subprodutos, interrompeu acomercialização de carne suína, bem comoa exportação de grãos, especialmente soja.Em decorrência desses fatos, o governomilitar sofreu grande abalo, considerando-se que já se encontrava desgastado pelacensura imposta à livre manifestação deopinião, pela tortura, pelo assassinato delideranças estudantis, sindicais e políticas e,também, como assinala Rohden (2000), poruma economia em franca recessão, cominflação elevada, desemprego e grandeendividamento externo.

Dentre os elementos que foram analisadosnessa pesquisa e que têm relação diretacom a PSA está a decisão de enviar aPortugal e Espanha o Dr. Sérgio CoubeBogado, médico veterinário do Ministério daAgricultura, no período de 15 de junho a 04de agosto de 1963, com a missão deconhecer a experiência de combate à PSAnaqueles países da Península Ibérica. Muitoembora o relatório apresentado por ele àsautoridades brasileiras chamasse a atençãopara o risco da entrada da doença por meiode restos de alimentos procedentes denavios e aeronaves, nenhuma medidapreventiva foi tomada, segundo Bogado(1964) e De Rose (1978).

Com a ocorrência da doença em Cuba, em1971, o governo brasileiro, temeroso daentrada da PSA no país, editou a PortariaMinisterial n.278, de 19 de agosto de 1971,que proibia o ingresso de suínos domésticose selvagens e de seus subprodutos,procedentes de Cuba, da África, dePortugal, da Espanha, da França e da Itália,Brasil (1971). Deve também sermencionado, ainda, o alerta da Federaçãoda Agricultura do Estado de São Paulo(FAESP), em 30 de setembro de 1976,sobre o risco sanitário da falta de tratamentode resíduos de aeronaves procedentes doexterior, conforme Peste... (1978f).

Pouco antes da entrada da PSA no Brasil, aOIE lançou um alerta mundial quanto àpossibilidade da disseminação da doençana Europa, a partir de Portugal e Espanha,tendo em vista o elevado número de focosregistrados naqueles países, em 1977 e1978, conforme Reunión... (1978).

Em que pesem todos os sinais de alerta edenúncias recebidos pelo Ministério daAgricultura não houve modificação dosprocedimentos da vigilância sanitáriaanimal, no sentido da adoção de normasmais rígidas quanto à fiscalização determinais aéreos e portuários, consideradosde maior risco.

O surto da PSA no Brasil, em maio de 1978,veio a se tornar polêmico, devido aosseguintes fatores: repercussão da doençana sociedade, falta de credibilidade do

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diagnóstico, admissão, pelas própriasautoridades sanitárias, da possibilidade daexistência de várias versões sobre a entradada doença, forma de disseminação dadoença no país e características biológicasdo agente, conforme Lyra (1978), Martins(1978), Mebus et al. (1978), Ordás (1978),Serrão (1979), Andrade (1981) e Morissawa(2001). Por essa razão foi necessáriorecorrer às instituicões de referência eautores que trabalharam com técnicas dediagnóstico especifico e diferencial, taiscomo: Pólo Jover e Sanchez-Botija (1961),Sanchez-Botija e Ordás (1969), Maurer(1975) e Watson (1981). Além da legislaçãobásica de defesa sanitária animal, jáexistente, foi necessário produzir umconjunto de instrumentos legais paraimplementar as medidas emergenciais, noinício do episódio da PSA no Brasil e,posteriormente, na fase de implementaçãodo programa de combate à doença,conforme Brasil (1978 b,c,d), Brasil (1980a)e Brasil (1984).

Depois da entrada da PSA no Brasil, oMinistério da Agricultura propôs aestruturação de um programa, com aassessoria de um grupo de trabalhodenominado GEDE (Grupo de Erradicaçãode Doenças Exóticas e Emergenciais), como objetivo de implantar normas mais rígidas,quanto à fiscalização de terminais aéreos eportuários, considerados de maior risco,visto que a “vigilância de portos, aeroportos,postos de fronteira era muito débil e oMinistério da Agricultura encontra-se semmeios para uma atuação dinâmica e eficazdiante de um problema sanitário maisgrave”, de acordo com Lyra [198-].

3. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

3.1 Análise documental

Considerando-se que toda informação sobreo fenômeno em estudo poderá gerar novashipóteses ou possibilidades de interpretação,procurou-se valorizar todas as fontes deinformação. Alguns desses materiais, pornão terem sido submetidos a qualquer tipode tratamento analítico, tais comodocumentos oficiais, reportagens de jornal,cartas, fotografias, editoriais, enquadram-se

na classificação de “documentos de primeiramão”, enquanto outros que já haviam sidoanalisados e publicados sob a forma derelatórios e de pesquisa, por exemplo,corresponderiam aos “documentos desegunda mão”, de acordo com asobservações de Gil (1999). Considerando-se o marco teórico exposto e os objetivos dotrabalho, as fontes documentais, mesmoaquelas ditas de segunda mão, tornam-sepassíveis de novas análises ou dereinterpretações, de acordo com o que seexige um determinado contexto.

Os itens que se seguem têm apenas funçãode organizar as fontes utilizadas, pois aanálise que será feita deverá basear-se noreferencial teórico e não na informaçãopontual ou desarticulada.

3.2 Depoimentos dos atores sociais

Os atores sociais, representados peloscriadores, empresários ligados à produção ecomercialização de suínos e de seussubprodutos, técnicos, autoridades políticase sociedade, pela primeira vez na história dasaúde animal no Brasil tiveram umaparticipação muito ativa, a despeito da fortecensura sobre os meios de divulgação esobre a livre manifestação. O resgatedesses atores sociais introduz na pesquisaum rico manancial de enunciados,hipóteses, teorias, fatos, valores, segredos,representações diversas da realidade que,certamente, não é valorizado nosdocumentos oficiais, nem na literaturaespecializada.

3.2.1 Pessoas-chave

As pessoas-chave foram selecionadastendo em vista o tipo de experiênciaacumulada em relação ao episódio da PSAno Brasil. Fizeram parte desse grupotécnicos e criadores. Os técnicosselecionados representavam as áreasestratégicas de decisão em Brasília, no quese refere ao planejamento ou execução doPrograma de Combate à Peste Suína, doMinistério da Agricultura e ainda as áreas dediagnóstico laboratorial, epidemiologia eveterinária preventiva.

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Em relação aos criadores, recorreu-se àlistagem dos rebanhos suínos incluídos noprograma de vigilância epidemiológica doMinistério da Agricultura, para o Estado deMinas Gerais, no período de 1978 a 1982.Essa listagem era constituída pelosrebanhos inscritos voluntariamente pelosseus proprietários no Programa deCertificação de Propriedades Livres dePeste Suína, implantado pelo Ministério daAgricultura, bem como os rebanhos queapresentaram animais clinicamentesuspeitos das chamadas “doençasvermelhas do porco”, em que se incluem apeste suína clássica, a peste suína africanae a erisipela. Nesse período, forammonitorados 68 rebanhos, 17 dos quaisapresentaram animais com diagnósticopositivo para PSA. Recorri ao InstitutoMineiro de Agropecuária (IMA)1, com oobjetivo de localizar os suinocultores quetiveram animais com diagnóstico positivopara PSA. Foi possível obter o endereço denove dos dezessete criadores, sendo queos demais não foram encontrados, pormotivo de extinção da exploração,falecimento e por outras razões. Conseguiu-se estabelecer contato com cinco dessescriadores, residentes em quatro municípiosde Minas Gerais e todos aceitaramparticipar da entrevista.

Foi utilizada a técnica de entrevista aberta,de acordo com as recomendações deTrivinõs (1987) e Minayo (2000). Oentrevistado era informado sobre o objetivodo trabalho e o compromisso ético emrelação ao sigilo da fonte, cabendo a eleagendar data, local e horário de suaconveniência. Procurei conduzir a entrevistaem um clima de naturalidade eespontaneidade. Foi proposta a todos osentrevistados a seguinte questão: qual asua avaliação do episódio da PSA no Brasil,no período de maio de 1978 a dezembro de1984? A entrevista era conduzida dentro deum tempo aproximado de vinte minutos,durante o qual o entrevistado poderiadiscorrer livremente sobre o assuntoproposto, com a possibilidade, ao final, de 1 Por especial deferência de seu Diretor Técnico,Dr. Altino Rodrigues Neto.

serem esclarecidos alguns pontosconsiderados relevantes do depoimento.Com a aquiescência dos entrevistados, erafeita uma gravação para posteriortranscrição da entrevista. Para evitarproblemas de interação com o entrevistadoque pudessem contaminar o depoimento,evitei fazer qualquer tipo de questionamentoem relação às opiniões e declaraçõesprestadas. Por recomendação da Comissãode Ética em Pesquisa da UFMG (COEP),para onde enviei o projeto deste trabalho,aprovado sob o n. 59/2004, todos osentrevistados receberam uma transcrição dodepoimento, cuja declaração de entrega foiencaminhada àquela Comissão. Ao final dapesquisa todas as gravações foramapagadas. Foram realizadas 18 entrevistas,abrangendo as áreas de diagnóstico daPSA, participação na definição do programade combate à peste suína, vigilânciaepidemiológica e produção de suínos.

3.2.2 Profissionais da medicinaveterinária

Para se conhecer a opinião, a memória e ointeresse despertado pela PSA foi compostauma amostra de profissionais da medicinaveterinária, utilizando-se o critério deconveniência, porém mantendo-se ascaracterísticas de aleatoriedade nautilização do banco de dados. Para isso foielaborado um roteiro semi-estruturado, comquestões abertas, sobre a ocorrência dadoença, avaliação das medidas implantadase a experiência acumulada após ter sido aPSA declarada erradicada pelo Ministério daAgricultura. O roteiro foi previamentetestado com 31 médicos veterinários, amaioria professores da Escola deVeterinária da UFMG.

Por reunir o maior e mais organizado acervodos profissionais da Medicina Veterinária,recorri ao banco de dados do ConselhoFederal de Medicina Veterinária2. Utilizou-secomo critério de inclusão na pesquisa acondição de o profissional ter concluído ocurso de graduação até dezembro de 1984.Utilizando-se procedimento sistemático,

2 Gentilmente colocado à disposição da pesquisapelo seu Presidente, Dr. Benedito Fortes de Arruda.

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foram selecionados 314 médicosveterinários, cujos endereços eletrônicos eresidenciais encontravam-se atualizados.Além do roteiro foi enviada uma mensagemao destinatário contendo a justificativa dapesquisa, a forma de participação, ocompromisso do sigilo em relação à fonte deinformação e ainda uma carta deapresentação do professor orientador.Posteriormente, foram agregados àpesquisa, utilizando-se os mesmos critérios,outros 120 médicos veterinários, para osquais foi enviado, por correio, o mesmomaterial já descrito, incluindo-se umenvelope selado para resposta.

3.2.3 Empresários do setor decomercialização e transformação decarne suína e dirigentes de cooperativasde produção animal

Participaram desse grupo as empresas queoperavam no abate, transformação ecomercialização de carne suína. A listagemdessas empresas foi obtida em consulta asites da internet, específicos parasuinocultura e nos jornais de grandecirculação, por meio das matérias feitas comempresários do setor. Não raro as empresaseram adquiridas por outros gruposempresariais, mudavam sua denominaçãosocial, desapareciam em decorrência defalência ou por razões desconhecidas. Amaioria delas, como era esperado,localizava-se no sul do Brasil, que detinha omaior volume da produção suína.Juntamente com a carta de apresentação,foi enviada a essas empresas umamensagem contendo os objetivos dapesquisa, o compromisso de manter o sigiloda fonte de informação e o respectivoroteiro. Esse roteiro continha questõesrelativas a: volume de produção, número deempregados, manutenção da produção,número de trabalhadores no decorrer doano de 1978, participação da empresa emalgum tipo de atividade sanitária relacionadaao combate à doença, forma como aempresa tomou conhecimento da ocorrênciada PSA no Brasil, avaliação das medidasadotadas pelo Ministério da Agricultura nocombate à PSA e impactos sobre osnegócios da empresa, a partir do registro daPSA no Brasil. Foram enviadas mensagens

eletrônicas e correspondências para 44empresas.

Quanto às cooperativas de produção queoperavam na área de produção ecomercialização de carne suína, foi possívelregistrar 24 delas, para as quais foramenviados os roteiros por via eletrônica e, emcaso de ausência de resposta, porcorrespondência. Também nesse casoocorreram situações semelhantes àsdescritas para as empresas, com relação àmudança de razão social e outros motivos.

3.2.4 Dirigentes de Associações deCriadores de Suínos

Também para o grupo das Associações deCriadores de Suínos foram realizados osmesmos procedimentos descritos no itemanterior. Foram enviadas correspondênciaspara vinte e seis associações, assimdistribuídas: duas de representaçãonacional, quatorze, estadual e dez, regional.

3.3 Mídia

3.3.1 Jornais e revistas semanais

A inclusão da mídia não levou em contaapenas o seu papel informativo. Mais doque isso, ela aqui é vista como essencial nacompreensão do fenômeno estudado. Amídia nos leva a uma clara reconfiguraçãodas fronteiras entre o espaço público e oprivado e à progressiva emergência de umanova dimensão regulatória, a ética comoinstância, como efeito legal, situada emnormas e comitês, e não apenas comoprincípio geral pertinente ao campo damoral. Ao lidar com distintos atores sociais,a mídia possibilita conhecer os discursosespecíficos, as contradições, os registros eas diferentes formas de representação doobjeto.

A mídia assume um papel fundamental nacompreensão dos sentidos ao conferirvisibilidade aos acontecimentos e,considerando que o ambiente político àépoca da ocorrência da PSA no Brasil (1978a 1984) estava caracterizado por um regimemilitar autoritário, a mídia poderia cumprirconcomitantemente a função de informar, de

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investigar e ainda de representar osinteresses da sociedade, configurando-secomo o único espaço possível para oexercício do controle social. No entanto, amídia deve ser também considerada comoparte integrante do poder, já que defendedeterminados interesses políticos eeconômicos. A esse respeito Miguel (2004)afirma que “a pauta da mídia fixa a agendapública, mas muitas vezes os agentes commaior capital político são capazes deorientar o noticiário. A gestão da visibilidadeé uma tarefa política central, mas nem todaa política é visível – uma parte significativadela continua ocorrendo nos bastidores.Assim, o jogo de influências entre a mídia ea política é complexo, não é unilateral” .

A pesquisa envolvendo a mídia utilizou,como recorte, o período compreendido entrea segunda quinzena de março de 1978 edezembro de 1984. Decidi considerar comosuficiente para o trabalho a consulta a umjornal de ampla circulação no territórionacional e a um outro, de circulaçãoestadual, cuja coleção fosse completa,pudesse ser consultada e estivessedisponível para obtenção de cópia. Essadecisão se justifica pelo fato de que amatéria veiculada por um determinado jornalera praticamente a mesma retratada emoutros. O periódico de circulação nacionalque atendeu a essas condições foi o Jornaldo Brasil, editado no Estado do Rio deJaneiro. O acesso à sua coleção completafoi possível ao se consultar a Hemerotecado Estado de Minas Gerais, em BeloHorizonte, e a Biblioteca Nacional, no Rio deJaneiro. Uma vez identificada a matéria deinteresse, era solicitada uma cópia a partirdo respectivo microfilme. Para a pesquisade um jornal de ampla circulação em MinasGerais, recorreu-se ao Estado de Minas.Tendo em vista que o referido jornal não seencontrava microfilmado, a Hemeroteca deMinas Gerais permitiu o uso de fotografiapara registrar as matérias de interesse, oque foi feito com o auxilio de uma câmeradigital MacVica, por meio do programa texto.Foram feitas cerca de 570 fotografias detextos, gravadas em disquete para posteriorimpressão. Deve ser esclarecido que oJornal do Brasil era o único que se

encontrava disponível em microfilme nasduas hemerotecas.

Em relação à mídia dedicada à informação ede circulação semanal, foram consultados353 números da Revista Veja e 197números da Revista ISTOÉ, disponíveis naHemeroteca de Minas Gerais. Todas asmatérias veiculadas foram classificadas, deacordo com o ator social e o enunciado queexpressavam.

3.3.2 Revistas de divulgação técnica decirculação periódica

Foram consultadas vinte e sete revistasagropecuárias, cinco das quaisespecializadas em suinocultura, bem comoanais de sete congressos e semináriosrealizados no Brasil na área de suinocultura,existentes na Biblioteca da Escola deVeterinária da UFMG, considerado operíodo de maio de 1978 a dezembro de1984.

3.4 Outras Fontes:

Foram consultados números avulsos dosperiódicos O Globo, Folha de São Paulo, OPasquim, O Estado de São Paulo, O Dia, OFluminense Especial, além de fotografias,relatórios, gentilmente colocados àdisposição por professores da Escola deVeterinária da UFMG. O mesmo aconteceuem relação a outras fontes, cedidas, deforma espontânea, por pessoas-chave,veterinários e presidentes de associaçõesde criadores de suínos. O material foicatalogado por tipo de fonte e cadareportagem foi classificada por ator social,de acordo com as recomendações deMinayo (2000).

A leitura das matérias publicadas pela mídiaconsultada permitiu conhecer a opinião decriadores, empresários, técnicos dogoverno, presidentes de associação decriadores de suínos, políticos, associaçãode moradores, donas de casa, jornalistas eoutros atores que se manifestaram sobre asações do programa de combate à doençano país. Foi possível também registrar osdepoimentos de empresários e criadoressobre os prejuízos causados pela doença,

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localizar as indústrias afetadas pelaocorrência da doença e ainda conheceroutras fontes documentais. A leitura dessematerial permitiu também obter umalistagem das principais indústrias deprodução e comercialização de suínos eacompanhar cronologicamente a evoluçãoda doença no país.

3.5 As experiências internacionais emrelação à peste suína africana

Os conhecimentos gerados pelos paísesafetados por essa doença se tornaramestratégicos, para que a OIE e outrasinstituições internacionais de referênciapudessem definir um conjunto de medidassanitárias de prevenção e de combate epolíticas compensatórias, mitigadoras e decomunicação social. Dessa forma, essapesquisa, ao tratar da história e da memóriada PSA no Brasil, não poderiadesconsiderar o estoque de conhecimentosgerado por outros países que vivenciaramuma experiência concreta de grandesignificação social e econômica.

No entanto, por entender que a experiênciade Cuba em 1971 e em 1980 com relação àPSA não encontrava similar em outra partedo mundo, pela rápida erradicação obtidanos dois episódios e ainda pelo fato dehaver poucos registros na literaturaocidental, considerei importante visitaraquele país para conhecer sua experiênciacom a PSA. Para isso, foram estabelecidoscontatos, a partir de abril de 2001, com asautoridades sanitárias cubanas, por meio daDra. Adela Encinosa Liñero, subdiretora doInstituto de Medicina Veterinária, doMinistério da Agricultura de Cuba. Emagosto de 2002, foi aprovado o programa devisita, previamente acordado e a viagem foirealizada, no período de 12 a 20 de outubrode 2002. De acordo com a programaçãooficial foram realizadas reuniões noMinistério da Agricultura, em Havana paraconhecer a organização da produçãoanimal, a estrutura da defesa sanitáriaanimal e as formas de mobilização socialfrente a desastres dessa natureza. Foramrealizadas entrevistas com cinco médicosveterinários do Ministério da Agricultura deCuba que atuaram nos dois surtos da peste

suína africana no país, ressaltando-se queum dos entrevistados também prestouassessoria aos governos de Malta e daRepública Dominicana. Foi possível tambémconhecer uma unidade local do Ministérioda Agricultura situada no município de LosBoyeros, na Província de Havana, onde sedesenvolve atualmente a experiência de“município produtivo”. Além disso, tornou-sepossível conhecer parte da estrutura desaúde pública, do sistema de educaçãoelementar e de nível médio, em especial aescola de formação de trabalhadoressociais, que atuam de forma integrada comas demais instituições cubanas.

As normas internacionais relativas à PSA,PSC e à doença vesicular suína (DVS)foram obtidas no Código ZoosanitarioInternacional, da OIE, Código.... (1982). Noentanto, esse Código, nas ediçõespublicadas a partir de 1995, foi referenciadopara ilustrar a mais significativa alteraçãodesde a criação da OIE, que foi aintrodução, em suas recomendações, daanálise de risco no processo decomercialização de animais, subprodutos ematerial de multiplicação animal, conformeCódigo... (1998). Essa exigência passou afazer parte dos negócios entre os grandesblocos econômicos a partir daquele ano e,por decisão da Organização Mundial doComércio (OMC), a OIE foi elevada àcondição de árbitro no julgamento daspendências na sua área de atuação, fatoque veio a fortalecer a instituição dentro danova ordem econômica determinada pelainternacionalização da economia. Tendo emvista o rigor e o nível de exigência dessaanálise de risco, poderia ser feita umaconjectura de que a PSA dificilmenteafetaria o Brasil, se essa condição estivessepresente naquela época.

As informações sobre a ocorrência da PSA,PSC e DVS foram obtidas em publicaçõesda OIE, conforme Enfermedade... (1977),Reunión... (1978), Situación... (2002). Foramutilizadas ainda de informações disponíveisno site da OIE.

Além da literatura clássica, recorri às fontesdocumentais do Ministério da Agricultura, àsinformações prestadas pelas pessoas-

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chave, pelos veterinários, empresários,dirigentes de cooperativas de produção e deassociações de suinocultores. Além disso,consultei jornais, revistas semanais erevistas técnicas. A leitura de todas essasfontes documentais demonstrou aimportância da comunicação social noplanejamento das ações de combate à PSAno Brasil.

A utilização de algumas dessas fontes deconsulta e das matérias extraídas da mídia,em função de suas peculiaridades, ocorrerádiretamente nos capítulos seguintes.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Pela própria concepção de mundo pertencemossempre a um determinado grupo, precisamenteao de todos os elementos que partilham de ummesmo modo de pensar e agir. “Somosconformistas de algum conformismo, somossempre homens-massa ou homens-coletivos”.

Gramsci, A.

4.1 Uma visão histórica das estruturasnas políticas de saúde animal no Brasil

Quando se levantam os problemas desaúde que atingiram a produção animal noBrasil percebe-se que, ao longo do tempo,os fatores ou os determinantes quecontribuíram para a entrada e adisseminação de inúmeras doençascontinuam intocáveis e imunes à críticahistórica. É preciso delimitar um tempo demaior duração para perceber, com maiorclareza, como esses acontecimentos seestruturaram.

Não é, pois, de se surpreender que essesvariados registros estejam esquecidos emalgum espaço público, aparentementepouco acessíveis à maioria dospesquisadores. Ao se ler, por exemplo, orelatório oficial publicado, em 1925, pelogoverno do Estado de São Paulo sobre oepisódio da peste bovina no Brasil, ocorridaem 1921, não se percebe ali qualqueranálise que leve em conta a importânciasocial do problema, nem as causas quepropiciaram a entrada, pela primeira e únicavez no continente americano, de uma dasdoenças de animais mais temidas pelahumanidade. Ao contrário, são tomados

todos os cuidados para que não haja críticaàs autoridades políticas e sanitárias. Damesma forma, a entrada e a disseminaçãoda PSA no Brasil evidencia toda afragilidade do sistema de vigilânciaepidemiológica do Ministério da Agricultura,embora esse contasse, na época, com oinstrumental jurídico de suporte para atomada de decisão. Esse descompromissodo Estado e da sociedade em preservar asua história é algo que está impregnado nacultura nacional.

Pode-se considerar que, tanto a pestebovina quanto a peste suína africana, aquitomadas como referência, hoje não passamde uma “constatação” na memória nacional.É preciso estabelecer que o fenômeno, paraser melhor entendido e interpretado, deveser considerado como parte de umadeterminada estrutura que, na concepçãode Le Goff (2001), compreende a análisedas correspondências ou das relaçõeshistóricas, geográficas, ecológicas,econômicas, sociais, culturais, psicológicasque se estabelecem, de forma quaseimperceptível, num tempo longo.

Dessa forma, para compreender a estruturana qual se insere o fenômeno representadopela epidemia da PSA no Brasil, énecessário considerá-lo dentro de um tempode longa duração, entendendo que o“acontecimento” relativo à entrada da PSAno Brasil não se constitui em um fatoisolado, desagregado da formação social,econômica e política do país. A falta de umavisão histórica e de uma análise maisabrangente da chamada “estrutura” dificultaredefinir as políticas de Estado, no sentidode torná-las mais eficientes, do ponto devista técnico, e mais adequadas dentro deuma realidade socioeconômica e política.Observa-se que há uma tendência emmanter inalterada a política do Estado,especialmente a que se refere ao setoragropecuário, que se caracteriza porapresentar uma posição conservadora noperíodo considerado, como, por exemplo,quanto ao arcabouço jurídico que sustentaas ações de vigilância e de combate àsdoenças animais. É preciso ressaltar queforam construídas, ao longo do tempo,relações entre o poder do Estado, a

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começar da Coroa portuguesa e os grandesgrupos de produtores que se alternavam nocenário da produção e na vida política dopaís.

4.1.1 Um olhar sobre a estrutura deprodução e de trocas comerciais noBrasil, da Colônia à República

De acordo com os registros históricos, o“descobrimento” do Brasil não fomentounenhum tipo de entusiasmo nas ruas deLisboa ou mesmo na corte, conforme retrataRussel-Wood (1998). Nos primeiros trintaanos do descobrimento, o país ficoupraticamente abandonado, servindo apenaspara atividades extrativas, especialmente dopau-brasil. Enquanto nos países da Ásia eÁfrica a atividade mercantil encontrava-semuito avançada, com excedentes paravenda ou troca, no Brasil isso não ocorria,em razão de a cultura indígena estarbaseada na caça e na agricultura itinerante,suficiente para o seu sustento e, portanto,descontaminada dos princípios mercantisvigentes na sociedade européia.

Os portugueses, ao contrário dosespanhóis, trouxeram poucos animais emsuas caravelas, sendo citadas apenascabras e galinhas, conforme descreve PeroVaz de Caminha, em 1500, em sua famosacarta ao Rei de Portugal, Caminha (1.500).Segundo Gândavo (1980) e Vicente deSalvador (1982) a grande variedade equantidade de animais silvestres existentesno Brasil, era suficiente para oabastecimento de carne de todos os novoshabitantes da colônia, pois, segundo eles,“sendo essa província tão grande edesabitada em sua maior parte, cheia dearvoredos e espessos matos, não é de seespantar a diversidade de animais, bichosmuito ferozes e venenosos”. Narraramtambém que muitos desses animais serviampara o consumo, a exemplo dos porcosmonteses, capivaras, pacas, antas, cotias,tatus, coelhos, cuja carne é “muito saborosae tão sadia que são dadas também aosenfermos”. Fazem também referência àsinúmeras espécies de macacos, peixes,aves, especialmente papagaios. O FreiVicente de Salvador, nascido na Bahia, aopublicar, em 20 de dezembro de 1627, a

primeira história do Brasil colonial,abarcando o período entre 1500 e 1620, nolivro 1o, que trata do Descobrimento, lança aprimeira crítica aos portugueses, aocomentar que eles não estavaminteressados na exploração interior doterritório e agiam como caranguejosarranhando o litoral do Brasil, Vicente doSalvador (1982).

Coube ao fidalgo português Martim Afonsode Sousa introduzir no Brasil as primeirasmudas de cana-de-açúcar, em janeiro de1532, ao fundar a Vila de São Vicente. Noentanto, ele retornou a Portugal, em maiode 1533, para cumprir missões diplomáticasna Índia e posteriormente em Portugal. Ahistória oficial da colonização do Brasil seiniciou graças aos méritos de Ana Pimentel,esposa de Martim Afonso de Souza, quedeixou Lisboa com destino à colônia, ondechegou a 3 de março de 1534, para assumiro governo da Vila de São Vicente, nacondição de procuradora dos negócios doBrasil, uma função aparentementeburocrática. Por dez anos ela dirigiu aCapitania de São Vicente, mandou vir dePortugal mudas e sementes e implantoupessoalmente a cultura de arroz, trigo, canae laranja, além da criação de gado, que viriaa espalhar-se por toda a colônia, conformeSchumaher e Brasil (2000). Foi ela quemintroduziu, portanto, as primeiras espéciesde animais domésticos de grande porte nacolônia, em sua maioria procedentes dePortugal e Espanha, como foi o caso debovinos da raça caracu, trazidos das Ilhasde Cabo Verde, que enfrentaram muitasdificuldades de adaptação em relação àalimentação, clima, doenças e parasitoses,em Raça... (s/d). A entrada do cavalo naAmérica é atribuída a Colombo, na Ilha deSão Domingos, em 1493. Depois dessareferência, cabe à iniciativa de Ana Pimentela introdução desse animal no Brasil, em1534, na Capitania de São Vicente.Posteriormente, segue-se a entrada decavalos em Pernambuco, em 1541, porDuarte Coelho e, na Bahia, em 1546, porTomé de Souza, conforme Torres e Jardim(1992).

Em 1550, Tomé de Souza mandou umacaravela a Cabo Verde para trazer um novo

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carregamento de bovinos, desta vez paraSalvador, de onde se disseminou para oNordeste, principalmente Pernambuco,Piauí e Maranhão. Num primeiro momento,o gado foi criado no próprio engenho, sendoutilizado como força de tração e alimento. Osenhor de engenho era o dono dos animais.A pecuária poderia ser considerada umaatividade secundária no processo decolonização, embora de primordialimportância no processo de interiorização.Mais tarde, em 1701, a administraçãoportuguesa iria proibir a criação de bovinosem uma faixa de 80 km da costa para ointerior.

A falta de apoio financeiro por parte daCoroa, a descapitalização dos donatários, aresistência indígena e a aparente ausênciade riquezas minerais, no entendimento deRussel-Wood (1998), tornavam poucoatraente aos eventuais pretendentesexplorar terras no Brasil. A divisão doterritório em grandes extensões, asCapitanias Hereditárias, revelou ser umaexperiência desafiadora, desde que nenhumoutro país tinha posto tal estratégia emprática, embora Portugal tenha feito, empequena escala, essa experiência nas ilhasda Madeira, Açores e Cabo Verde no séculoXV.

A exploração da colônia se revigora com aexpedição do governador-geral Tomé deSouza, que chega à Baía de Todos osSantos, em 29 de março de 1549, com maisde 500 pessoas, entre soldados,degredados, artesãos, padres, funcionáriosda Coroa, algumas mulheres e crianças,com a orientação clara de subjugar osindígenas, iniciar a exploração da novaterra, bem como organizar e centralizar aadministração das Capitanias. A partir deum processo de aliança com determinadastribos indígenas, a exemplo de outrosconquistadores, os portugueses foram seapossando, à força, das terras jápreparadas para o cultivo. Em vista dasdificuldades de submeter o indígenacapturado para realizar tarefas repetitivas, aCoroa decidiu investir fortemente notrabalho escravo, cujo tráfico se mostroualtamente rendoso para determinados

grupos mercantis, conforme Bueno (2003) eÍndios... (2002)

Outro elemento de análise de grandeimportância foi o papel desempenhadopelos jesuítas na colônia. Elespermaneceram 210 anos no Brasil, atéserem expulsos em 1759 e nesse tempoexpandiram seus estabelecimentos e seustrabalhos desde o Amazonas até os limitesextremos do sul do Brasil, exceto a regiãomineradora central. Mantinham-se graças àssubvenções da Coroa e às esmolas do povoe em pouco tempo criaram uma sólidaestrutura econômica apoiada em fazendas,currais e engenhos. No início do processode colonização, a mão-de-obra disponívelera a dos indígenas que mereceram aatenção especial dos jesuítas. Os índios, emtroca de proteção dos jesuítas contra aescravidão, tinham de abandonar certaspráticas, consideradas inaceitáveis para aIgreja. Educados para a guerra e a vidalivre, tinham que se transformar emagricultores sedentários e realizar tarefas denatureza repetitiva, anteriormente reservadasàs mulheres. Estas, por sua vez, perdiamdeterminadas funções tradicionalmente sobsua responsabilidade. Por isso muitospreferiam fugir ou participar de expediçõesguerreiras pelo interior do território. Aquestão da catequese gerou conflitos deinteresses entre colonos e jesuítas. Paraestes, segundo analisa Maranhão (2003),tanto tinha importância a conversão dasalmas quanto a utilização econômicadaquela mão-de-obra disponível; ao passoque, para aqueles, o que interessava, defato, era a exploração da força de trabalhoindígena, sem que a catequese seinterpusesse como um empecilho. O quepropunham os jesuítas, na verdade, aomesmo tempo em que visavam realizar seusobjetivos políticos-religiosos, era garantiruma forma "mais racional" de colonização, oque se confrontava com a atitudepuramente predatória dos colonos, maiscondizente com os termos da políticamercantil.

Segundo Bassanezi et al. (2002) essaestrutura colonial, marcada por guerrascontra tribos indígenas, holandeses,franceses e revoltas civis não motivou a

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Coroa a investir no desenvolvimento doBrasil. Portugal mantinha um sistemapolítico e institucional completamenteabsolutista em relação à colônia, a tal pontoque os principais casos envolvendoprocessos judiciais aqui instaurados eramenviados, pelas cortes de apelação, à Casade Suplicação em Lisboa para a decisãofinal. Os cargos honoríficos concedidos aprepostos do Rei para governar asprovíncias tinham valor simbólico e regional,como era o caso de Vice-Reis, ao contráriodo que ocorria na Índia. A descoberta deouro por volta de 1690, e de diamantes, em1720, modificou essa relação, e o Brasilpassou a ser considerado “a pérola” entreas colônias portuguesas. De acordo comMineiração (sic)... (2001), a noticia do ourodeu início a uma corrente de imigração parao Brasil, o que foi responsável porprofundas mudanças na vida colonialSegundo Bueno (2003), entre 1700 e 1799foram extraídas 840 toneladas deste metal,somente na Capitania de Minas Gerais.Enquanto nos séculos XVI e XVII cerca de4.000 pessoas deixavam anualmentePortugal rumo ao Brasil, no século XVIII, noperíodo áureo da atividade mineradora, assaídas anuais de portugueses oscilaramentre 8.000 e 10.000 pessoas. Em cemanos, a população da colônia passou de300 mil para três milhões de pessoas,incluindo-se cerca de 800 mil imigrantesportugueses.

Ao lado da indústria açucareira, do tráficode escravos e do comércio nas grandescidades, a atividade mineradora passou adesempenhar um papel importante, queresultaria na política de exploração interiordo Brasil e na diversificação da produção,especialmente em Minas Gerais.

Dessa forma, como analisa Fausto (2001), oBrasil viria a ser uma colônia de grandeimportância, por ser capaz de abastecer ocomércio europeu de gêneros alimentícios ede minérios. A política da metrópoleportuguesa era ter o controle da produçãoobtida em larga escala na colônia, baseadana grande propriedade. O açúcar ocupava ametade dos bens exportáveis e, com atendência de escassez na produção dealimentos, houve o estímulo à diversificação

na produção de gêneros alimentícios.Assim, a pecuária bovina, iniciada em tornodos engenhos, contribuiu para ainteriorização da criação animal e deu inícioaos imensos latifúndios, onde o gado seesparramava a perder de vista.

Muitas capitanias, como a de Minas Gerais,em decorrência do processo de mineração,tinham diversificado sua economia econquistado certa autonomia que lhespermitiam, legalmente ou não, comercializardiretamente e em melhores condições comcapitães estrangeiros, especialmenteingleses, em que pesem os esforços dosportugueses para impedir tal prática. Nointerior desse processo de diversificação daeconomia, em Minas Gerais, no séculoXVIII, a produção, na perspectiva doabastecimento alimentar, segundo Meneses(2000), baseava-se na estrutura dasesmaria, com utilização de mão-de-obrapredominantemente escrava e com grandediversidade de produção agrícola epecuária. Dessa forma, a produção rural dealimentos que surgia passaria, também, aparticipar de um mercado no interior dacolônia, chegando a constituir umaeconomia ativa, em que a atividade demineração coexistia com a produçãomanufatureira e com a agropecuária.

O controle que Portugal exercia sobre aprodução colonial era incompleto,principalmente por não dispor de condiçõespara controlar tanto o comércio internoquanto o comércio praticado entre suascolônias, no caso específico do Brasil comAngola, Moçambique e Macau. Havia aindaum grande contrabando do Rio de Janeiropara o rio da Prata e dos portos brasileirospara as ilhas do Atlântico, África e Portugal,além da cumplicidade de capitães de naviosnão portugueses, que traficavam ouro,pedras preciosas e diamantes brasileirospara a Holanda e Inglaterra, de acordo como relato de Russel-Wood (1998).

De forma semelhante, também na Europa,Portugal não detinha o controle sobre todasas rotas comerciais existentes, sob odomínio de espanhóis, holandeses eingleses e, dessa forma, parte da produçãoexportada pela colônia acabava, de um

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modo geral, por servir à economia européia.Portugal criou, então, a Companhia Geraldo Comércio do Brasil, inicialmente privadae posteriormente pública, com o objetivo decontrolar o mercado das importações devinho, farinha, azeite de oliva e bacalhaupela colônia. Essa iniciativa não impediuque fossem feitas concessões à Holanda eespecialmente à Inglaterra, em troca deproteção política inglesa. A esta foipermitido comercializar diretamente com oBrasil, com exceção dos produtos quefaziam parte do monopólio da citadaCompanhia. É necessário esclarecer quePortugal lucrava duplamente no comérciocom a colônia, seja deprimindo ao máximoos preços das mercadorias importadas, sejalucrando, pela inexistência de concorrência,com os bens exportados, conforme avaliaFausto, (2001).

O espaço urbano era muito disputado pelafiscalização da Coroa, a ponto de ajurisdição sobre a cidade do Rio de Janeiroser dividida, por volta de 1770, entre ogovernador-geral, os militares, os oficiais daalfândega e os conselheiros municipais,sendo que o cais do porto era a o territóriomais importante, sobre o qual essasautoridades buscavam o controle. Essamarca que agrega poder e corrupção émuito forte no período colonial e em outrasfases da história do Brasil. Não raro haviaconflitos em razão dessa disputa porespaço. O contrabando se apresentava comuma face ilegal e, portanto, combatida pelaCoroa, e uma outra face tolerada ou mesmopraticada pelo Reino e seusadministradores, conforme analisa Pijning(2001). A constatação dessa prática torna-se relevante para evidenciar a visão políticae a própria fragilidade do Estado ao tratardas trocas comerciais.

Esse é também um elemento de grandesignificado para se fazer uma reflexão sobreas ilegalidades que se apresentavam porocasião da importação de animais e paracompreender que essas práticas não podemser vistas fora do contexto das condiçõeseconômicas, sociais e políticas existentes.Esse mesmo raciocínio permeará asdiscussões sobre a defesa sanitária animalem tempos mais recentes.

Sob a influência da revolução francesa e darevolução industrial inglesa, o sistemacolonial torna-se decadente em todo omundo. A Inglaterra, na busca de novosmercados, trata de impor a política de livre-comércio e o fim dos princípiosmercantilistas, que se apoiavam no lucroexagerado, no monopólio do comércio, empactos coloniais e no protecionismo àsindústrias nacionais.

Percebe-se que inúmeros acontecimentosque permearam a vida do período colonialnão poderiam ser atribuídos ao acaso. Aocontrário, eles resultaram de decisões queiriam repercutir na formação da identidadebrasileira, como a subjugação do índio, oemprego da mão-de-obra escrava, ainfluência da Igreja na conformação doscostumes e na legitimação do poder real, orígido controle sobre o quê, como e ondeproduzir, o processo de divisão e de acessoà terra, a forma de exploração mercantil dosbens produzidos na colônia, as concessõesdadas a alguns países em troca de proteçãopolítica, o contrabando ou trocas comerciaisconsideradas ilegais. Portanto, estão aquirepresentados importantes elementos deanálise que incluem as condições sociais,econômicas e políticas que conformam umaestrutura que, embora apresentesimilaridades com outros povos, é, emgrande parte, peculiar do nosso país.

A fuga para o Brasil, em 27 de novembro de1807, de cerca de quinze mil pessoas daCorte com a finalidade de escapar doexército de Napoleão coincide com umperíodo de agravamento da crise financeirado Reino, que perdera grande número depossessões na África e gastara grandeparte de sua poupança para garantir aproteção política da Inglaterra. Exemploclássico da submissão de Portugal àInglaterra foi o tratado de Methuem (panos evinhos), assinado logo após a descobertadas primeiras grandes jazidas de ouro emMinas Gerais e que resultou na ruína dasindústrias manufatureiras em Portugal. Essetratado vigorou entre 1703 e 1836 edeterminava que vinhos e tecidos poderiamser vendidos com vantagens alfandegáriasentre os dois países. Ao passo que aInglaterra obtinha grandes lucros, pois os

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valores de suas exportações superavam osdas importações, Portugal perdiaduplamente, tanto com a falência de suaindústria manufatureira quanto com adesorganização de seu sistema deprodução de alimentos, uma vez que grandeparte de suas terras encontrava-se ocupadacom o cultivo da uva, Belatto (s/d). Deve serressaltado que a Inglaterra, à época, tinhasido alvo de um bloqueio econômicoimposto por Napoleão Bonaparte e seusaliados. A acumulação de riqueza por partedesse país vai determinar a possibilidade deinvestir na mudança da base técnica de suaindústria, que levou à chamada RevoluçãoIndustrial, conforme Mineiração (sic)...(2001).

A abertura dos portos, em 1808, muitosaudada em nossa história oficial, na práticafoi uma medida de pouco impacto, já queprocurava legitimar uma situação que jáexistia, com o crescente “comércio ilegal”. Ésignificativo o fato de ter durado apenasquatro meses a liberdade dada àsatividades de tecelagem, manufatura demetais e alimentos no Brasil para que sepudesse exportar, uma vez que D.João VI,forçado pelo governo inglês, aplicou umasobretaxa de 16% sobre esses produtos,inviabilizando sua comercialização,conforme comenta Fernandes (2002).

Para Moscateli (2000), o sentido dacolonização do Brasil foi a constituição deuma economia voltada para a satisfação deum mercado externo, que ele assim retrata:“as estruturas da história brasileira teriamsido erguidas sobre os alicerces dadependência em relação aos ditames daeconomia internacional e não sobre asbases de um projeto para a formação deuma nação autônoma diante de seuscolonizadores”. Nesse sentido, esse autorconsidera que a colonização do país definiuos contornos da nascente classe dirigentebrasileira, que iria promover a construção doestado imperial no século XIX e queconserva ainda determinadas característicasque permanecem até hoje.

Instaurada a independência e o períodomonárquico, de 1822 a 1889, os EstadosUnidos e logo após a Inglaterra reconhecem

o novo regime, interessados nacontinuidade das relações comerciais. Operíodo imediatamente anterior favoreceumuito as Capitanias do Rio de Janeiro,Minas Gerais e São Paulo, onde seconcentravam os negócios do açúcar, ouro,diamante, algodão e tráfico de escravos,Fausto (2001).

Os períodos históricos seguintes irãoconsolidar no Brasil uma classe socialdominante formada por grandesproprietários de escravos, mineradores,latifundiários, grandes comerciantes eburocratas. Para se ter uma idéia dainfluência desses grupos, o projeto deConstituição pós-independência (1822)propunha que o direito ao voto caberia aosgrandes proprietários, mediante oestabelecimento de uma quota mínima derenda. Essa medida, no entanto, não foiposta em prática porque D.Pedro I dissolveua Constituinte, com receio de perder poderde mando. Em 1891, a exclusão social erade tal magnitude que a primeira Constituiçãobrasileira concedia o direito de voto aosmaiores de 21 anos, excluídos osanalfabetos e as mulheres, e, dessa forma,apenas 6% da população estavam apta aeleger os seus governantes.

Merece registro a análise feita por Moscateli(2000), quando considera que “no interiordas elites brasileiras, a ‘cordialidade’produziu o gosto pelas práticas autoritáriasde poder, o qual, aliado aos costumes deenxergar a realidade nacional com os olhosda cultura européia, conduzia osgovernantes a exercer seu mandodesconsiderando totalmente os problemasconcretos do restante da população”. Acordialidade a que o autor se refere vem daanálise que Buarque de Holanda faz dohomem cordial como “o ser humano geradopelo espírito da colonização portuguesa”.

A grande novidade na economia brasileiradas primeiras décadas do século XIX foi osurgimento da produção do café paraexportação. Foi introduzido no Rio deJaneiro por volta de 1760, mas foi no valedo Paraíba, em São Paulo, que ascondições de expansão dessa cultura semostraram mais favoráveis. Embora o

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comércio de café estivesse em mãos dosbrasileiros até o porto, daí por dianteassumiam os negócios as grandescorporações americanas e inglesas. Entre1881 e 1890, o café representava 61% dapauta de exportação. Até 1850, aexportação da carne e seus subprodutostinha pouca importância econômica e aprodução era destinada à subsistência e aomercado interno, especialmente em MinasGerais e no Sul do país. A partir de 1750, acultura do algodão desponta com vigor, aponto de sobrepujar a produção de açúcar,conforme Prado (1961). A base daeconomia mineira, por exemplo, consistia nacriação de animais e no cultivo dealimentos, como o milho, feijão e amandioca, enquanto porcos e bovinos eramcomercializados para outras regiões,conforme analisa Fausto (2001). SegundoPrado (1961), “o porco tem na economiacolonial um grande papel, particularmentenas capitanias do Centro-Sul, incluindo-seRio de Janeiro e São Paulo. A sua carne,neste setor da colônia, entra em grandeproporção para a dieta dos habitantes”.

Com a instauração da República, em 1889,até dezembro de 1984, vão se sucedendono cenário político do país diversasoligarquias, cunhadas desde o períodocolonial até a República. A ocupação deterras seguiu uma política que vinha dopassado e iria repetir-se ao longo da históriado Brasil, com total indefinição dos limitesdas propriedades e muitas terrasinexploradas.

Conforme se depreende da análise dosdiversos períodos históricos do país, omodelo de exploração comercial da fasecolonial, baseado no trabalho compulsórioaliado a uma alta concentração de renda,resultou na ausência de condições para quese estruturasse no Brasil um mercadointerno, sob o enfoque capitalista. Nessaperspectiva, não havia transformação dopadrão econômico de acumulação e decrescimento, com pouca divisão social dotrabalho. A abolição da escravaturapossibilitaria uma mudança na estrutura deprodução agroexportadora, com osurgimento de uma agricultura desubsistência que produzia excedentes que

iriam alimentar o capital variável e ocomplexo latifúndio-comercialização-minifúndio. No entanto, esse período marcaa forte entrada de imigrantes europeus, oinício da implantação da indústria e adiversificação da produção agrícola,especialmente no Estado de São Paulo. Aimplantação de frigoríficos de multinacionaisamericanas e inglesas representou umavanço em relação aos processos deconservação da carne, favorecendo a suaestocagem. Apesar desse aparenteprogresso, em 1928 o país da AméricaLatina mais endividado era o Brasil, cujoserviço da dívida consumia cerca de 22% dareceita de exportação. As empresasestrangeiras, especialmente as inglesas,controlavam os serviços públicos deprodução e distribuição de energia elétrica,transportes ferroviários, portuários e ainda osistema bancário, conforme relata Fausto(2001).

Nos períodos seguintes, do Governo deGetúlio Vargas a Juscelino Kubsticheck, opaís assiste a uma mudança rápida dasociedade, com o incremento do processode industrialização e a forte migração dapopulação rural rumo às cidades. Assucessivas crises geradas pelo desequilíbriodas contas públicas, com a conseqüenteinstabilidade política, resultaram em váriastentativas de golpe militar, o que veio a seconcretizar em 1964, com a tomada dopoder pelos militares, com o apoio político ematerial do governo norte-americano. Adependência técnica e política que estavaem mãos de ingleses, a partir do fim daSegunda Guerra Mundial concentra-seassim na submissão aos grandes interessesdo governo dos Estados Unidos da América.Na década de 1970, ocorre a chamada“modernização conservadora” no âmbito daagropecuária, graças a uma políticafortemente apoiada na concessão decréditos, a juros negativos, que favoreceu ogrande latifúndio e grupos econômicosfortes e que resultou na mudança da basetécnica da agricultura, com a formação docomplexo agroindustrial e na exportação,especialmente de grãos. Durante o governomilitar, houve um curto período decrescimento da economia brasileira, faseque ficou conhecida por “milagre

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econômico”, de cujo beneficio, a maiorparcela da população brasileira foi excluída.Com a crise energética mundial do petróleo,a partir de 1973, inicia-se o declínio danossa economia, sucedendo um gravedescontrole das contas nacionais. Ao longodo governo militar, acentuou-se o processode exclusão social e agravamento de nossaeconomia, quando, ao final da década de1970, a inflação atingia o índice de 94,7%ao ano, passando para 110%, em 1980 epara 200% em 1983. A dívida externaultrapassaria os US$ 90 bilhões e 90% dareceita das exportações foi utilizada para opagamento dos juros dessa dívida. O paísentrou em severa recessão, com alto índicede desemprego; em agosto de 1981 haviacerca de 900 mil desempregados nasregiões metropolitanas do país e a situaçãose agravava nos anos seguintes, de acordocom Rohden (2000).

Portanto, é nesse cenário de inflaçãoincontrolável, desemprego e incertezas,associado à censura política, perseguiçõesideológicas, seqüestros de cidadãos,seguidos de tortura e assassinato por partedo aparelho repressor do Estado brasileiro,que surgiu o episódio da PSA, justamenteno momento em que a suinoculturabrasileira havia conquistado o quarto lugarno mercado internacional. Ao afetar, asuinocultura nacional, desde o mais simplescriador até o cidadão comum, a PSA expôsao mundo a fragilidade da situação sanitáriaanimal e os muitos dos elementosdeterminantes da estrutura da produçãoanimal no Brasil, estimulou a mídiainvestigativa a retirar dos baús aslegislações, relatórios e outros documentospara alertar sobre o risco da introdução deagentes biológicos exóticos.

Essa configuração do Estado brasileiro,marcado por diversos ciclos de produção,submetido em grande parte à espoliação docolonizador e de outras nações, levaria opaís a buscar caminhos de sobrevivência,muitas vezes por meios nem sempre legaisou lícitos. Tal como acontecia no período daColônia, o Brasil continuava, no Império ena República, refém do capital estrangeiro,que se infiltrava em todas as áreas,passando a dominar desde a produção até

a comercialização de nossos produtosagropecuários. Outro fator que se tornavacomum na conformação dessa estrutura deprodução econômica no Brasil eram osinúmeros acontecimentos relacionados ànossa subserviência técnica, política eeconômica em relação aos interesses dospaíses capitalistas centrais, reproduzindo asituação semelhante por Portugal frente àInglaterra e a outros povos. A PSA, tomadacomo referência para esse trabalho, traz àtona a situação da defesa sanitária animal eos interesses demonstrados pelos diversosatores sociais, como se verá a seguir.

4.1.2 O Brasil dependente de materialgenético importado.

É importante retomar novamente a questãoda entrada de animais e sua expansão noBrasil. No período que abarca os séculosXVI e XIX o gado foi avançando lentamente,à medida que ocorria a interiorização naexploração do território brasileiro. Osbovinos importados da Europa tiveramgrande dificuldade de adaptação ao climatropical, tendo encontrado melhorescondições de expansão no sul e sudeste dopaís, enquanto nas demais regiõespredominava o gado zebu, o gado crioulo eo caracu, fruto de cruzamento de raçastrazidas pelos colonizadores.

O primeiro núcleo de zebus puros foi trazidopor ordem de D. Pedro I, em 1826,procedente da região do Nilo. Excetuando-se essa importação, os primeiros bovinosindianos ou zebuínos foram trazidos aoBrasil como uma curiosidade.Posteriormente verificaram-se pequenasimportações de reprodutores em 1850,1854, 1878 e 1887. Porém o registro inicialda entrada do nelore (ou ongole) no Brasildata de 1868, com a chegada de um casalde animais em Salvador, na Bahia. Em1874, o Barão do Paraná, adquiriu um casaldo gado ongole em um zoológico deLondres, repetindo a compra em 1877. Em1878, Manoel Lemgruber comprou um casaldessa raça no jardim zoológico deHamburgo. A seguir passou a encomendaranimais diretamente da Índia por empresasespecializadas no fornecimento de animaispara circos e zoológicos. Até 1883,

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Lemgruber fez outras importações. Em1893, o criador mineiro Teófilo de Godoy foià Índia, de onde trouxe oito cabeças e, entre1903 e 1906, fez novas viagens e convidououtros criadores para essa mesma missão,Santiago (1987).

De acordo com Felício (2002), o guzerá foi,entre os zebuínos, a única raça quesobreviveu, produtivamente, durante asconsecutivas secas do nordeste. O primeironúcleo de zebu no país ocorreu no Estadodo Rio de Janeiro, expandindo-se paraMinas Gerais, São Paulo e Goiás, e daí paraoutras regiões.

É muito significativo o registro, em livro doProfessor Alberto Santiago, sobre afacilidade com que se traziam animais daÍndia, com ou sem o conhecimento dasautoridades sanitárias brasileiras, apesar daproibição de se importar animais daquelepaís, em razão de lá existirem as doençasanimais classificadas na lista A da OIE. Noentanto, em 1930, apesar da existência delegislação que proibia a importação deanimais da Índia, os criadores mineirosFrancisco Ravísio Lemos e Manoel deOliveira Prata conseguiram licença especialdo Ministério da Agricultura e trouxeramdaquele país 192 exemplares de quatroraças zebuínas. Em 1952, FelisbertoCamargo, Diretor do Instituto Agronômico doPará, “afrontando a séria oposição doMinistério da Agricultura e da Associação deCriadores, trouxe um lote de 31 bovinos daraça sindi do Paquistão” conforme relataSantiago (1987). Já o criador JoaquimMachado Borges, mesmo sem ter obtido alicença para importação, conseguiu trazer,em 1955, 114 cabeças de gado gir da Índia,que entraram no Brasil por contrabando,através da Bolívia. Em 1960, Celso GarciaCid trouxe da Índia, 102 cabeças, quepassaram por um período de quarentenaem Paranaguá. Em 1960, novamente essecriador, juntamente com Torres Homem,Rubens de Carvalho e Jacinto HonórioGarcia Cid importaram outros 297 zebuínose 48 búfalos da Índia, com licençaconcedida pelo Ministério da Agricultura.Entre 1813 e 1963 entraram no Brasil 6.262zebuínos, a maioria procedente da Índia.Ainda segundo esse autor, as primeiras

importações de bovinos de raças zebuínas,principalmente da Índia, se deviam, emgrande parte, à iniciativa das famíliaseuropéias que imigraram para o Brasil, nofinal do século XIX. Graças à sua grandeadaptação ao nosso clima tropical, essasraças foram responsáveis pela expansão dapecuária bovina no país. Existiam firmasestrangeiras, estabelecidas na cidade doRio de Janeiro, que se especializaram naimportação do zebu. No mandato de JoãoPinheiro, Governador de Minas Gerais, em1908, foi implantada uma política deincentivo à importação de zebuínos da Índiapara tornar o Estado de Minas Gerais umcentro de criação e expansão das raçaszebuínas. Outra motivação para aimportação de zebuínos da Índia foi agrande valorização da carne bovina, emdecorrência direta da Primeira GuerraMundial. Estima-se que entre 1914-1918entraram 1847 reprodutores zebuínos noBrasil.

No entanto, o grande desastre sanitário queo Brasil veio a sofrer em decorrência deimportação de animais ocorreu no ano de1921, com a entrada da peste bovina,considerada a mais temida doença debovinos de todos os tempos. Somente naRússia, entre 1844 e 1845, morreram cercade um milhão de cabeças, na Áustriamorreram meio milhão de bovinos, entre1847 e 1864, e na França, em 1870, cercade cem mil bovinos. Essa doença quasedizimou o rebanho bovino da Europa, entreos séculos XVIII e XIX, com mortesestimadas na ordem de 200 milhões debovinos. No início do século XX a doençareapareceu na Europa, conforme Peste...(1925).

É interessante assinalar que as autoridadessanitárias brasileiras, preocupadas com orisco de entrada de doenças animais nopaís, especialmente a peste bovina, editou oDecreto 9.194, de 9 de dezembro de 19113,aprovando o novo regulamento dos serviçosveterinários, que contemplava vários artigossobre o processo de importação, comdestaque para a peste bovina, conforme setranscreve a seguir:

3 Manteve-se a linguagem original.

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“Art. 24 Fica igualmente prohibido:2º. a importação de animaes que, nãoobstante procederem de paizes immunes,tenham sido adquiridos em paizcomprehendido no art. 22, mórmente navigencia de qualquer epizootia; ”

“4º. a importação de animaes que procedamde logares que officialmente tenham sidodeclarados infectados; ”

“Art. 29 Si se tratar de peste bovina, osanimaes serão sacrificados e incineradossem que os proprietarios tenham direito áindemnização, salvo o caso do art. 32”;

Art. 45 Ficam obrigadas as emprezas denavegação e as estradas de ferro quetransportarem gado do estrangeiro a exigirdos interessados, no ponto de embarque,attestados expedidos pelo Ministerio daAgricultura do paiz de origem ou darepartição a que estiver affecto este serviço,os quaes deverão ser visados pelo consulbrasileiro, declarando que:1º, no paiz donde procedem os animaes nãoexiste peste bovina nem existiu no decursode 10 ultimos annos”; Brasil (1911).

Portanto, não é incomum constatar, nosrelatos e documentos diversos que tratamde epidemias animais, especialmente seimportadas, a tentativa de minimizar oimpacto causado para destacar o apoio dasautoridades públicas, o esforço e acompetência dos profissionais queconseguiram erradicar o mal. Não poderiaser omitida, nesse trabalho, a epidemia dapeste bovina que atingiu a pecuária nacionalem 1921, cuja erradicação se transformounuma referência do êxito da medicinaveterinária brasileira.

Em 1920, criadores brasileiros realizaramuma importação de zebus do Sul da Ásia,em um momento que grassava na Europanova epidemia da peste bovina. A legislaçãobrasileira era clara em proibir a importaçãode animais de países afetados pordeterminadas doenças e, nesse caso, maisuma vez contrariando as normas sanitáriasvigentes, foi feita essa aquisição. Osanimais, depois de desembarcados nacidade portuária de Amberes, na Bélgica,

em fins de junho de 1920, contraíram adoença. No entanto, a peste bovinasomente foi detectada no Brasil, no Estadode São Paulo, em fins de fevereiro de 1921,inicialmente em bovinos de tração depropriedade do Frigorífico Osasco e empequenas criações em Cotia. Foramregistrados 172 focos da peste bovina erealizadas 199.420 operações dedesinfecção, numa área de 4.388 km2,abrangendo os municípios de São Paulo,Cotia, Santo Amaro, São Roque, Itu,Araçariguana e Sorocaba, atingindo umapopulação bovina de 49.926 cabeças. Asuspeita clínica foi levantada em 15 demarço de 1921 e, dez dias depois, foi feita aconfirmação laboratorial da doença. Dorelatório oficial sobre o surto da PesteBovina, publicado pelo governo do Estadode São Paulo, é ilustrativo o seguintetrecho: “foi tal o terror que se espalhou nocontinente a súbita aparição da ´pestebovina` em São Paulo que o governoargentino mandou oferecer os seusprofissionais para nos auxiliar na extinçãoda epizootia”. A erradicação final foi obtidaem 25 de maio de 1921, após a morte eabate de 2.260 bovinos, Peste.... (1925) eConselho... (2002).

De acordo com Magnabosco (2002), ogoverno brasileiro, em 1921, em função doepisódio da peste bovina, proibiu a entradade animais zebuínos procedentes da Índia,porém, mais quatro importações foramautorizadas após esta proibição, sendo quea última ocorreu em 1962, em que pese avigência do Decreto 38.983, de 06 de abrilde 1956, que proibia tal prática, Brasil(1956).

Essa importação ocorrida em 1962, tidacomo a última a ser feita de gado indiano,veio a se tornar a mais famosa, quando ocriador e empresário Torres Homem, deUberaba conseguiu adquirir um lote debovinos da raça nelore da Índia, em que seincluía famoso touro Kavardi, campeão daÁsia e da Índia e que teve decisivaimportância no melhoramento da raça noBrasil. É interessante assinalar que essaimportação somente se tornou possívelgraças a um decreto especial, assinado nomandato do Presidente Juscelino

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Kubitschek, de acordo com Zebu... (2002).Esses animais foram submetidos a umaquarentena de oito meses na Ilha deFernando de Noronha.

Para Silva et al. (1983), é fundamental levarem conta o modo de produção, a divisãointernacional do trabalho, odesenvolvimento e subdesenvolvimento eas relações sociais de produção no interiorde nossa sociedade. Esses autores, aopesquisarem as doenças animais surgidasentre 1978 e 1982, a partir do demonstrativoepidemiológico de focos de doençasregistradas no Brasil, publicado peloMinistério da Agricultura, encontraram 54doenças em sete espécies animais, assimdistribuídas: bovinos 15, suínos 14, aves 9,eqüinos 6, ovinos/caprinos 7 e abelhas 3.Embora seja possível que parte dessasdoenças já estivesse presente no país antesdesse período, por deficiência do sistemade diagnóstico e de notificação, aimportação de animais provavelmente teveum papel importante na entrada dessasdoenças. Esses dados oferecem umadimensão da dependência de materialgenético que o Brasil mantém em relação aoutros países, no entender de Silva et al.(1983), embora muitos autores prefiramaceitar “de forma fatalista tanto as trocascomerciais como as doenças, dentro deuma visão mecânica de causa e efeito, semlevarem em conta outras vias para odesenvolvimento e as transformaçõeshistóricas e materiais na nossa sociedade enas relações que estabelecemos com outrospaíses”.

De acordo com Boletim... (1975-1984) eSilva et al. (1983) somente a partir de 1901é que o Ministério de Agricultura passou aregistrar o volume da importação de animaise material genético destinado àmultiplicação animal, caracterizandooficialmente a dependência da pecuáriabrasileira à tecnologia de outros países.Dessa forma, o Brasil importou entre 1901 e1970 o equivalente a 197.901 toneladas deanimais vivos (bovinos), enquanto somenteentre 1978 e 1982 importou 98.967 bovinospara reprodução, 309.498 bovinos paracorte, 2.252 suínos e outros animais, alémde ovos embrionados, pintos de um dia e

sêmen. Levando em conta apenas o valordo animal importado, dentre os vários itensde custo, e comparando-se a decisão deadquirir bovinos do Canadá/Estados Unidosou do Uruguai/Argentina é surpreendente ovalor médio pago por cabeça, segundo asua procedência. Assim, em 1978, o custoda importação de 2.200 bovinos do Canadá/Estados Unidos totalizou US$ 2 827 937.00FOB do Canadá/Estados Unidos,equivalentes a US$1 285.42 por cabeça,enquanto a importação de 24.506 bovinosdo Uruguai/Argentina, correspondeu aovalor de US$10 869487.00 FOB, ou seja,US$443.54 por cabeça, o que representaum valor aproximadamente três vezes maiora favor dos Estados Unidos e Canadá.

Um dos fatos mais emblemáticos quedemonstra a subserviência técnica e políticaaos países capitalistas centrais foi aimportação de cem matrizes bovinas dediversas raças leiteiras, dos Estados Unidose Canadá, com idade variando ente 18 e 35meses, promovida pela Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em31 de janeiro de 1983, ao custo unitário dedois mil e novecentos dólares, incluídos cemdólares para o transporte, com recursosobtidos junto ao Banco Interamericano deDesenvolvimento, conforme contrato deempréstimo n.318/OC-BR. Na oportunidade,o Ministério exigiu que o país exportadorsomente atestasse que os animaisprocediam de plantéis livres de leucoseenzoótica bovina (LEB), que estivessemsorologicamente negativos, nos 12 últimosmeses, em relação a essa doença e queprocedessem de Estados livres deestomatite vesicular contagiosa há mais deum ano. Por iniciativa de técnicos daEmpresa de Pesquisa Agropecuária deMinas Gerais e de professores do Setor deEpidemiologia da Escola de Veterinária daUFMG, decidiu-se verificar o estadosanitário do lote de 40 vacas destinadas aoscentros de pesquisa do Estado de MinasGerais, no momento do desembarque noAeroporto de Viracopos, Campinas, SãoPaulo, não obstante o fato de o CertificadoZoossanitário Internacional declarar que oscitados animais estavam isentos dasdoenças das listas A e B da OIE. Osanimais foram sangrados logo depois de

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desembarcados e os soros submetidos avários testes sorológicos e imunológicos emlaboratórios da Escola de Veterinária daUniversidade Federal de Minas Gerais(EVUFMG), Laboratório de ReferênciaAnimal, do Ministério da Agricultura, emPedro Leopoldo - MG e no CentroPanamericano de Febre Aftosa, no Rio deJaneiro. Para surpresa de muitos, foramencontrados 16 animais reagentes positivospara LEB, um reagente positivo parabrucelose, cinco para estomatite vesicular,sorotipo New Jersey, não existente noBrasil, e 14 para o subtipo Indiana I,conforme Empresa... (1983) e Modena et al.(1983). Em que pese a intenção inicial deassegurar que os animais estivessemsadios, quando os primeiros resultados dasorologia foram realizados, a Embrapaisolou e retestou os animais restantes emSão Paulo e tomou imediatas providênciaspara garantir o ressarcimento dos prejuízos,com o sacrifício dos cinco animaisreagentes para estomatite vesicular (NewJersey). A atitude inicial do Ministério daAgricultura foi de desmentir a existência doproblema sanitário, como se verifica naentrevista concedida pelo médico veterináriodo Ministério da Agricultura, responsávelpela instrução técnica referente àimportação de animais, quando afirmou que“as 100 vacas estão clinicamente sadias,sem sinais de doenças”, Não Teremos...(1983). Posteriormente, o Ministério daAgricultura e a Embrapa confirmaram aexistência da doença nesses animais.

Em Belo Horizonte, em entrevista àimprensa, o Prof. Élvio Carlos Moreira, daEVUFMG apontou algumas das falhasobservadas no processo de importaçãodesses animais, conforme seu relato àimprensa mineira em que diz que “aimportação de gado doente dos EstadosUnidos mostra a necessidade de haver ummaior cuidado nestes tipos de compra. OBrasil ao adquirir gado e outros animais doexterior sempre acredita nos laudos. Épreciso realizar um maior controle, que deveser feito no próprio país de origem doanimal. Se há rigor por parte dele quandonós exportamos, é preciso que também hajamaior controle ao importar”, Reses... (1983).

Embora a justificativa da Embrapa paraadquirir os referidos animais tenha sido oincremento à pesquisa e à difusão detecnologia agropecuária, questionou-se areal necessidade dessa importação, pelofato de o rebanho holandês criado no Brasiltambém possuir exemplares de excepcionalqualidade genética. Outra decisãoconsiderada polêmica, do ponto de vistaepidemiológico, foi o ato de se sacrificarapenas os animais considerados infectadospelo subtipo New Jersey, da estomatitevesicular, uma vez que houve o contato comoutros animais que deveriam ser tambémsacrificados, como determina o Decreto24.548, de 03 de julho de 1934.

Esse “acontecimento”, muito explorado pelamídia, à época, motivou o Ministério daAgricultura a realizar o I Seminário Nacionalsobre Importação de Material Genético,realizado na Escola de Veterinária daUFMG, em 19 de outubro de 1983,oportunidade em que foram feitas algumasrecomendações ao Ministério da Agricultura,como, por exemplo, o estímulo aodesenvolvimento de programas nacionaisde melhoramento genético em todas asespécies animais, a criação de umacomissão técnica, com representação dasaúde (animal e humana), da universidade,de associações de classes e de produtorespara definir uma clara política de importaçãoquanto aos aspectos zoossanitários, de realnecessidade para o país, de acordo comSilva et al. (1983).

A imprensa mineira entrevistou váriosexpositores deste evento. Assim, para oProf. Élvio C. Moreira, “o país tem pago umtributo muito pesado sob o aspecto sanitáriocom a importação de material genético, quetraz problemas de ordem econômica já queafeta a pecuária e a economia nacionalcomo um todo”. Sobre a entrada clandestinade animais ele disse: “o comércioclandestino que ocorre nas fronteiras secasfavorece a entrada de bovinos, ovinos,suínos e eqüinos do Paraguai, Uruguai,Bolívia e até da Argentina, além da entradailegal de sêmen e embriões”.

Para o Dr. Felix Rosemberg, do CentroPanamericano de Febre Aftosa, nos países

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subdesenvolvidos há um risco de introduçãode doenças exóticas, a partir dos programasde melhoramento genético, fato que exigeuma atuação efetiva por parte da vigilânciaepidemiológica e, nos últimos anos, temsido introduzida uma série de doenças,principalmente de origem viral, pelaimportação de material genético,especialmente de bovinos, suínos e aves.

Para o Professor Jonas Carlos Pereira, daEscola de Veterinária da UFMG, hádesconhecimento sobre as “raças quedevem ser introduzidas quanto ao valorgenético e contribuição potencial de cadauma delas dentro do sistema de produçãoanimal vigente no país, levando-se emconta o clima, a alimentação, os aspectossanitários, a importação de sêmen ouanimais, trazendo reflexo negativo aodesenvolvimento de programas internos demelhoramento genético, o beneficio social éelitista pelos altos custos da importação”.

Para o Professor José Ailton da Silva torna-se necessária uma política de controle deimportação, limitando a entrada de sêmenou animais vivos apenas para as raçasefetivamente capazes de contribuirgeneticamente para a melhoria do plantelnacional e também a criação de umprograma de estímulo ao melhoramento dasraças brasileiras, pois é preferível tornaracessível a todos o material genéticosuperior e não privilegiar pequenos grupos.

O Dr. Astor Gruman, do Centro Nacional deSuínos e Aves da Embrapa, disse que “échegado o momento de se coibir aimportação de suínos ou sêmen, tendo emvista que a suinocultura brasileira,principalmente a localizada no sul do país,já atingiu níveis de qualidade semelhantesaos encontrados nos Estados Unidos eEuropa. Entre 1970 e 1982 o Brasil importoucerca de cinco mil suínos, o que trouxe,como inconveniente, o desestímulo aopróprio desenvolvimento de programas demelhoramento genético no país”,Importações... (1983).

Com relação a suínos e aves, em que osistema de produção atingiu níveis demodernidade, com alta capitalização,industrialização progressiva, formas demanejo integradas e tecnicizadas, isto é,dependentes de pacotes tecnológicosparticularmente importados, o perfilpatológico sofreu modificações acentuadas,em relação à criação tradicional. Conformejá comentado, muitos fatores poderiamexplicar o surgimento de tantos problemassanitários, em um espaço de temporelativamente curto, e dentre eles aimportação de suínos, assume umaimportância significativa. Assim, as doençasde suínos presentes no Brasil em 1986, quese encontram discriminadas no Quadro I,não faziam parte do quadro nosológicodescrito pelo Ministério da Agricultura em1966.

Quadro I. Doenças de suínos não notificadas no Brasil em 1966 e registradas pelo Serviço deDefesa Animal do Ministério da Agricultura em 1983.

Doença Doença• Doença do edema • Pneumonia enzoótica• Disenteria suína • Meningoencefalite estreptocócica• Erisipela • Septcemia estreptocócica• Gastrenterite transmissível • Pleuropneumonia suína• Influenza e parainfluenza • Rinite atrófica• Parvovirose • Síndrome MMA• Peste suína africana • SMEDI

Fonte: Silva et al. (1983)

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Sob o título “criadores denunciamimportação ilegal” os presidentes dasAssociações de Criadores de Suínos doParaná, Santa Catarina e Rio Grande do Suldenunciaram ao Jornal do Brasil que aAgroceres estava importando três mil suínosda Inglaterra, em lotes de 500 animais, sematender à legislação brasileira. Esses leitõesforam gerados na Inglaterra, masconcebidos na França, e os criadoresbrasileiros afirmavam que “estes animaisnão atenderam aos requisitos sanitários deproveniência de plantéis localizados empaíses onde, pelo menos há um ano,ocorreu a eclosão de focos de doençavesicular de suínos”. Argumentavam,também, que não existia o parecerzootécnico da Associação Brasileira deCriadores de Suínos e da repartiçãocompetente do Ministério da Agricultura,Suinocultor... (1978).

Também o presidente da AssociaçãoParanaense de Suinocultores do Paranásolicitou ao Senador Paulo Brossard (MDB-RS) a abertura de uma comissãoparlamentar de inquérito para investigar aimportação de suínos ingleses feita pelaAgroceres, de maneira irregular, Governo ...(1978a).

De acordo com as normas sanitárias doCódigo Zoossanitário Internacionalreferentes à doença vesicular do suíno, aregião de um país considerada infectada poressa doença estaria novamente livre depoisde 60 dias do sacrifício sanitário edesinfecção, ou doze meses depois de curaclínica ou morte do último animal atacado,se não se utilizasse o sacrifício sanitário.Para um país ser declarado livre, a doençanão poderia ser ali registrada durante pelomenos dois anos, prazo que poderia serreduzido para nove meses se se utilizasse osacrifício sanitário. Além disso, o referidoCódigo estabelecia outras medidas para aimportação de suínos de paísesconsiderados infectados, conforme Código...(1982).

De acordo com Watson (1981), de fato aInglaterra sofreu inúmeros surtos da DVS,chegando a atingir 14 registros, entre

janeiro e junho de 1977, e 14, em 1979.Embora não se possa descartar o risco daimportação de suínos de um país queapresentou, na década de 1970, muitosfocos dessa doença, os prazosrecomendados pela OIE foram cumpridos,porque a Inglaterra, ao adotar a estratégiado rifle sanitário e medidas complementaresno combate à doença, pôde declarar-selivre, após cumprir nove meses sem registroda DVS. Porém, do ponto de vistaepidemiológico, esse prazo parece ser muitocurto para garantir a erradicação final,especialmente em se tratando de umadoença à vírus, classificada na lista A daOIE. Prova disso é que a doençareapareceu em 1982, data do último surtoregistrado na Inglaterra, de acordo comSituación... (2002).

Esses inúmeros relatos, aparentementeisolados entre si, guardam relações evinculações com a organização do setoragropecuário e com as políticas públicas desaúde animal e não podem ser entendidoscomo obra do acaso ou “do azar”,expressão utilizada pelo Sr. Alison Paulinelli,então Ministro da Agricultura, para explicar aentrada da PSA no Brasil, em junho de1978. Ao se analisar a história do paístorna-se inevitável conectar os fatosrelacionados à PSA com uma estruturarelativa à saúde animal construída com aargamassa feita de vantagens dedeterminados grupos, contrabando,subserviência técnica, política e econômica.

Por outro lado, é justo considerar osgrandes obstáculos que se apresentam aosserviços de vigilância sanitária, no caso doBrasil, tendo em vista a formidável extensãode nossas fronteiras territoriais, o crescentetrânsito internacional de passageiros, aimportação de animais, e ainda a entrada deprodutos animais pelos serviços especiaisde correio e nas bagagens de passageiros.Dessa forma, torna-se uma tarefa muitodesafiante fiscalizar todos os produtos e ossubprodutos de origem animal.

O fato de o Brasil não dispor de uma políticade importação de material genético animal,constituída por normas sanitárias e

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zootécnicas democraticamente elaboradas eaprovadas, traduz o interesse de gruposeconômicos hegemônicos e submete o paísà dependência e ao interesse dos paísesdetentores dessa tecnologia, inibindo assimo desenvolvimento de programas nacionaisde melhoramento animal, conforme opiniãode vários especialistas que participaram do ISeminário Nacional sobre Material Genético.Não raro, importavam-se animais de paísesonde grassavam doenças consideradasexóticas para o Brasil. Para essa importaçãobastava cumprir algumas medidaspreventivas, definidas pelo Ministério daAgricultura, conforme ficou evidente no casoda entrada de 100 vacas de leite, algumasdas quais infectadas por agente biológicoexótico para o Brasil. As normas sanitáriasinternacionais editadas pela OIE, até então,constituíam referências que os paísespoderiam seguir, tanto com maior ou menorrigor, pois permitiam a aquisição de animaise seus subprodutos de países livres quantode países considerados “infectados” pordeterminadas doenças. O nível deexigências sanitárias e a decisão sobre orisco a enfrentar caberiam a cada país.Nesse e em outros casos, as autoridadesamericanas e canadenses certamenteexigiriam, antes da importação, pelo menostrês colheitas de material biológico para serprocessado em seus laboratórios dereferência e, se os resultados fossemnegativos, os animais quando exportados,permaneceriam em estações dequarentena, oportunidade em que serepetiria o procedimento em relação aosexames laboratoriais. Se assim fosse feitono Brasil, certamente se evitaria a entradade muitas doenças exóticas em nossosrebanhos. Conforme se demonstrou, alegislação brasileira, com freqüência, erainfringida ou simplesmente ignorada.

Porém, com o avanço do processo deinternacionalização da economia e com aformação de blocos econômicos, houvemaior circulação de produtos de origemanimal e o turismo na Comunidade Européiaobrigou a OMC a exigir a aplicação demedidas sanitárias e fitossanitárias, postasem prática a partir de janeiro de 1995. AOIE, que era um organismo internacionalorientador desse comércio, passou à

condição de árbitro para decidir pendênciasentre países na área de comérciointernacional de animais e seus produtos.Em decorrência desse novo papel, a OIEimplantou a obrigatoriedade de se fazeruma rigorosa análise de risco para cadadoença das listas A e B, além de outrasexigências. Dessa forma, todos os países,tiveram de tornar suas políticas de saúdeanimal mais atualizadas com as exigênciasdo mercado mundial, em Código... (1982) eCódigo... (1998).

4.1.3 A organização zoossanitária

De acordo com Conselho... (2002), aprimeira referência que se tem no Brasilsobre a criação de uma instituição pública,na área de agricultura, data de 1860,quando D.Pedro II, por meio dos DecretosImperiais n. 1.607, de 28 de julho de 1860, en.2.747, de 16 de fevereiro de 1861, criou aSecretaria de Estado dos Negócios daAgricultura, Comércio e Obras Públicas, emque se destaca o propósito de tratar daintrodução e melhoramento de raças deanimais e de escolas de veterinária no país,expresso em elementos estruturais dapolítica de defesa sanitária animal no Brasil(item 2.5). No entanto, os citados objetivosnão foram implementados e essaSecretaria, após 12 anos de funcionamento,acabou sendo absorvida pelo Ministério daIndústria, Viação e Obras Públicas.Somente em 1906, foi criado o Ministériodos Negócios da Agricultura, Indústria eComércio, efetivamente instalado em 1909,pelo Decreto n°. 7.622, de 21 de outubro de1909, quando se regulamentou a Diretoriade Indústria Animal, que tinha entre suasatribuições específicas: “Incumbir-se dainspeção veterinária, cujo fim deve consistir,essencialmente, em zelar sobre o estadosanitário do gado, tomando e propondotodas as medidas capazes de evitar ecombater as epizootias e concorrendo parafiscalização de matadouros e estábulos emelhoramento da higiene alimentar”.

O Decreto n°. 8.331, de 31 de outubro de1910, de acordo com Brasil (1910), criou oserviço de veterinária e o seu regulamentoque, entre outros, contém os seguintestrechos em sua exposição de motivos:

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“Necessidade indeclinável do Serviço deVeterinária, seria sufficiente nesse propositoa relação que em verdade se verifica entre asaude dos animaes domesticos e a hygienepublica, o que tem induzido todas as naçõesorganizadas a incluir em sua legislaçãomedidas severas contra os paises quedescuram esse serviço, chegando a prohibira entrada de gado e dos produtos animaesque delles procedem”;

“Ao Brazil mais de uma vez tem sidoinfligido o vexame dessas prohibicões, comose deu ha pouco tempo, quando algumasdas nossas zonas criadoras foramflageladas pela febre aphtosa”;

“Fechar os nossos portos e as nossasfronteiras ao contagio de epizootiasmortíferas, devastadoras ... ” ;

“Para execução das medidas de que cogitaesse regulamento, temos em grande partede recorrer a technicos estrangeiros, assimcomo nos é forçoso appelar para o InstitutoOswaldo Cruz, notavel estabelecimentocientífico”;

O artigo 1º do capítulo I, ao tratar doserviço de veterinária, determinava, entreoutras obrigações, a inspeção sanitária dotráfego ou comércio interestadual do gado,a inspeção de matadouros, feiras eexposições. O artigo 2º determinava que aação do Ministério da Agricultura se dariaem todos os portos da República queimportassem ou exportassem gado, nafronteira do país, etc.

O capítulo II trata da importação eexportação de animais e seus produtos. Oart. 3º determinava que: “não será permitidaa entrada, por qualquer dos portos daRepublica ou pelas fronteiras de animaesatacados ou suspeitos de molestiascontagiosas, assim como de seus despojosou de quaesquer objectos que tenhamestado em contacto com elles e sejamsusceptiveis de transmittir germensinfecciosos”.

O art. 4º mencionava que o GovernoFederal contaria, na baía do Rio de Janeiro,com um embarcadouro e um posto de

observação e desinfecção, destinado àimportação e exportação do gado.

O artigo Nº 18 assim retrata a preocupaçãocom a vigilância sanitária: “O governopoderá prohibir a importação de uma oumais especies de animaes, assim comoforragens, carnes, leite, couros, lãs, pellos,ossos, estrumes, etc., quando procederemde paizes onde reinem molestiascontagiosas, ou onde não haja leis eregulamentos concernentes á policiasanitaria dos animaes domesticos, áimportação e exportação do gado e contra ainvasão e propagação de epizootias”; Brasil(1910).

De acordo com Conselho... (2002), forampublicados, ainda, os seguintes Decretos:n. 8899, de 11 de agosto de 1911; n. 9194,de 09 de dezembro de 1911; n.11460, de 27de janeiro de 1915 e 11.436, de 13 dejaneiro de 1915, modificando ou ampliandoas normas e regulamentos sanitáriosaplicados à saúde animal. Portanto, o Brasiljá dispunha de um razoável elenco dedispositivos legais a respeito de normassanitárias para importação de animais muitoantes da criação de um organismointernacional que cuidasse dessa matéria, oque veio a ocorrer somente em 1924,quando foi criada a Oficina Internacional deEpizootias, na França, logo reconhecidacomo instituição de referência internacional,no que se refere às normas internacionaisdo comércio de animais e seus subprodutos.A ocorrência da peste bovina no Brasil e emvários países do mundo, naquela época, foideterminante para a criação da OIE, Brevehistória... (2003).

O Ministério da Agricultura, por meio doDecreto 24.548, de 03 de julho de 1934,promulgou o Regulamento de DefesaSanitária Animal que, por muitas décadas,serviu de referência para ampararjuridicamente as decisões de governo,inclusive no caso da PSA, Brasil (1934). Arememoração desse documento nos revelao cuidado do legislador em relação àproteção da pecuária nacional, daí a razãode sua vigência por mais de 60 anos. Osartigos 2o e 3o proíbem a entrada de animaisafetados e seus subprodutos:

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“Art. 2º. Como medida de defesa dosrebanhos nacionais, fica terminantementeproibida a entrada em território nacional deanimais atacados ou suspeitos de estarematacados de doenças, direta ouindiretamente transmissíveis, mesmoestando aparentemente em estado hígido eainda dos portadores de parasitas externosou internos cuja disseminação possaconstituir ameaça aos rebanhos nacionais”.

“Art. 3º. É igualmente proibida a entrada emtodo território nacional de produtos oudespojos de animais, forragens ou outro equalquer material presumível veiculador deagentes etiológicos de doençascontagiosas”.

“Art. 4º. São condições essenciais para aentrada no país de animais procedentes doestrangeiro: apresentação de certificadosanitário de origem, firmado por veterináriooficial; apresentação, segundo os casos, decertificado oficial de tuberculinização,maleinização, soro aglutinação, de brucelase salmonela polorum”; “Parágrafo único. Os certificados sanitáriosde origem só terão valor se: forem visadospor autoridade consular brasileira do país deprocedência dos animais; atestarem boasaúde dos animais no dia do embarque; declararem que nos quarenta diasanteriores ao embarque não grassava nolugar de procedência, moléstia infecto-contagiosa”.

“Art. 5º. Os animais procedentes de paísesonde grassem, em estado enzoótico, astripanossomíases, a peste bovina, aperipneumonia contagiosa e outras doençasinfecto-contagiosas exóticas, só terãoentrada, no país, mediante préviaautorização do Diretor do Serviço de DefesaSanitária Animal, que estabelecerá ascondições em que a importação serápermitida”.

O artigo 19 listava 22 doenças, entre elas apeste suína que, se presente entre osanimais importados, determinaria o seusacrifício, sem direito a qualquerindenização. Esse artigo foi utilizado noepisódio da peste suína africana no Brasil,

como se verá mais adiante. O elementodeterminante para se chegar ao diagnósticoera o laudo de necropsia dos animais. Casonão se confirmassem as características ouelementos “patognomônicos” da doença sobsuspeita, o proprietário passaria a ter odireito à indenização sobre o valor total doanimal e dos objetos que oacompanhassem e que tivessem sidodestruídos.

É importante assinalar outros aspectosrelevantes do Regulamento quando se falado episódio da PSA no Brasil. Os artigos de42 a 45 referem-se à obrigatoriedade dalimpeza e desinfecção de vagões dascompanhias de estrada de ferro, comdestaque para o artigo 45 que diz: “Osveículos, vagões, ou quaisquer instalações,depois de limpos e desinfetados, sópoderão ser retirados dos postos e usados,após vistoria de um funcionário do Serviçode Defesa Sanitário Animal que afixará umaetiqueta em que conste a palavra –‘Desinfetado’- a data e a sua assinatura”. OCapítulo IX, trata das disposições gerais,tendo o artigo 83 e parágrafo único servidosde referência para a definição de algumasimportantes ações da vigilância sanitária nocombate à PSA no Brasil: “Os funcionáriosencarregados da execução do presenteregulamento terão, mediante aapresentação da carteira de identidadefuncional, livre acesso às propriedadesrurais, estabelecimentos oficiais de criação,depósitos, armazéns, estações de estradade ferro, aeroportos, bordo de naviosatracados ou não, alfândegas ou outro equalquer lugar onde possam existir animaisou despojos de animais a inspecionar”.

“Parágrafo único. Os referidos funcionáriospoderão requisitar o auxilio de força públicapara as diligências que se fizeremnecessárias na execução desteregulamento”.

Ressalte-se que, por esse Decreto, foitambém criado o Conselho Nacional deDefesa Sanitária Animal, composto porcinco membros efetivos, dentre osdetentores de cargos da alta direção doMinistério, com o objetivo de estudar epropor ao Ministro as medidas de defesa

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sanitária animal complementares, bemcomo decidir sobre os casos consideradosomissos. Os presidentes de associaçõesrurais de criadores também poderiamparticipar das reuniões, como membrosconsultivos, quando convidados. Asdecisões seriam tomadas por maioria devotos e publicadas no Diário Oficial.Portanto, a criação desse Conselhorepresentava, à época, um grande avanço,ao ampliar o nível de decisão e incluirrepresentantes da sociedade civil. EsseDecreto retoma e amplia os dispositivos delegislações anteriores no que se refere àsexigências sanitárias para a importação deanimais, além de prescrever outrasorientações procedimentais. Entretanto, oartigo 5o desse Regulamento, relembrandosituações semelhantes desde o Brasil-Império, abre uma grande oportunidadepara que uma determinada importação deanimais seja possível, mediante aautorização do Diretor do Serviço de DefesaSanitária Animal, sem mencionar requisitosobjetivos a serem observados para este ato.Portanto, este artigo fragiliza os dispositivosanteriores, concentra amplos poderes àmencionada autoridade e contraria oespírito colegiado obtido com a criação doConselho Nacional de Defesa SanitáriaAnimal.

A Lei n. 569, de 21 de dezembro de 1948,refere-se à política de indenização.Estabelece a referida lei em seu artigo 2º,parágrafo único, que, em se tratando dedoença incurável, a indenização não édevida ao criador. Deve ser esclarecido quea indenização não era autorizada para ocriador considerado responsável pelaentrada da doença no país, de acordo comessas normas legais. Contudo, na maioriados países, a indenização sempre foiinserida entre as estratégias dos programasde combate à essa doença, Brasil (1948).A Divisão de Defesa Sanitária Animal, doDepartamento Nacional de ProduçãoAnimal, do Ministério da Agricultura, veio aser criada em 09 de janeiro de 1950, pormeio da Lei n. 1.052, de 12 de janeiro de1950. Brasil (1950a)

O novo Regulamento sanitário, constante doDecreto n. 27.932, de 28 de março de 1950,

definia que não caberia qualquerindenização quando a zoonose motivadorado sacrifício fosse a raiva, a pseudo-raiva ououtra doença considerada incurável ou letal,Brasil (1950b).

Em 1971, a Portaria Ministerial n. 278, emrazão da ocorrência da PSA em Cuba e emoutros países proibiu o ingresso no territórionacional de suínos domésticos e selvagense seus subprodutos procedentes dePortugal, Espanha, França, Itália, África,Cuba e Continente Africano, Brasil (1971).Conforme já citado anteriormente, o Decreto24.548, de 1934, assegurava aos médicosveterinários amplos poderes para exercer avigilância sanitária em portos e aeroportosde todo o país. No entanto, a DelegaciaFederal do Ministério da Agricultura do Riode Janeiro, por meio da Ordem de Serviçon. 24, de 22 de julho de 1977, assinada peloDr. Carlos Rodrigues Limas, Chefe doGrupo Executivo da Produção Animal-GEPA, em que pese a vigência do citadodecreto, detalhava as medidas de vigilânciasanitária a serem empregadas nafiscalização dos terminais aéreos eportuários. O Jornal do Brasil, que realizouum trabalho investigativo desde o início doepisódio da PSA no Rio de Janeiro, ao“descobrir”, em 07 de junho de 1978, essaOrdem de Serviço, divulgou os artigosconsiderados mais importantes, ao mesmotempo que questionava as autoridadessanitárias pelo descumprimento das normasde fiscalização, especialmente quanto aofato de os restos de alimentos de aeronavesnão serem incinerados e saírem livrementeda área do aeroporto, Peste... (1978k)

Ao longo de sua história, o Ministério daAgricultura passou por várias reformasadministrativas, conforme já descrito. Noentanto, o Decreto n. 80.131, de 28 denovembro de 1977, que trata daestruturação interna do Ministério daAgricultura, apresenta um significadoespecial por ter sido publicado cerca decinco meses antes da entrada da PSA nopaís, Brasil... (1977). À Secretaria Nacionalde Defesa Agropecuária (SNAD) eraatribuída a função de gerir e executar asatividades de defesa sanitária, inspeção econtrole de qualidade de produtos de

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origem animal e vegetal, orientar,coordenar, e supervisionar e controlar asatividades da rede de laboratórios voltadapara os aspectos de apoio às ações dadefesa, da inspeção e da fiscalizaçãoagropecuárias, além de elaborar e promovera execução de programas nacionais decontrole de doenças animais. À Divisão deProfilaxia e Combate às Doenças, competia,dentre outras funções, elaborar normassanitárias aplicáveis ao trânsitointerestadual e internacional de animaisvivos, seus produtos e subprodutos, aosmateriais biológicos ou de multiplicaçãoanimal destinados a quaisquer fins e àsnormas técnicas e operacionais defiscalização dos portos, aeroportos, postosde fronteira, postos de controle de trânsito,repartições postais e estabelecimentosquarentenários, visando preservar o país daintrodução de doenças. O organograma daSNAD era dividido em uma coordenação delaboratório e outra de programação. Umaoutra grande divisão estava representadapelas Secretarias de Inspeção de Produtosde Origem Animal e de Defesa SanitáriaVegetal. Subordinada diretamente à SNADestavam as Secretarias de FiscalizaçãoAgropecuária, Defesa Sanitária Animal e deInspeção de Produto Vegetal. Por sua vez aSecretaria de Defesa Sanitária Animalcompunha-se de quatro divisões,abrangendo as áreas de doençasinfecciosas, parasitárias e carenciais,análise epidemiológica, comunicaçãozoossanitária, produtos biológicos, produtosquimioterápicos, registro e cadastro,bebidas e vinagres, produtos vegetais,serviço de registro, cadastro e estatística,divisão de padronização e classificação,conforme Brasil... (1978a). Essa estrutura,em sua essência, se repetia em cadaEstado da federação. Todo esse arcabouçoinstitucional, que orientava a conduta defiscalização de terminais aeroportuários,postos de fronteiras e outros locais, quantoao risco de entrada de produtos ousubprodutos de origem animal, poderia serconsiderado adequado, pois a legislaçãooriginal, mesmo tendo sido elaborada em1934, vinha sendo mantida em seusprincípios fundamentais e até sendoaprimorada em função das novas situações.Prova disso foi que, durante o episódio da

PSA no Brasil, nenhuma medida decombate à PSA deixou de ser tomada emfunção de uma possível deficiência dalegislação sanitária. Do ponto de vista daestruturação do Ministério, chama a atençãoa divisão por áreas de conhecimento deforma muito especifica, como por exemplo,doenças infecciosas, parasitárias ecarenciais. Esse desenho institucionalfavorecia a especialização e privilegiava ocomponente biológico, dentro da concepçãodo processo saúde-doença, reforçando,assim, o caráter positivista das decisõestécnicas e fragilizando o processo deinteração e de programação horizontal dasações sanitárias. Outros fatos que surgiramdas críticas e dos depoimentos da pessoa-chave n.13 referiam-se a uma criseinstitucional que o Ministério da Agriculturaenfrentava nessa época, como de resto, osdemais setores do funcionalismo federal.

4.2 A PSA nos continentes europeu eamericano

a) Portugal

A PSA foi diagnosticada em Lisboa, em abrilde 1957, tendo alcançado 27 municípios e11 Departamentos. A origem provável dosurto foi o uso de resíduos de cozinha, deaviões procedentes de Angola, por umacriação de suínos, localizada próxima aoAeroporto Internacional de Lisboa. Asuspeita de PSA foi baseada nos achadosclínicos, anatomopatológicos, nadifusibilidade do agente e nos índices demorbi-mortalidade, que não seenquadravam no quadro clínico eepidemiológico esperado para outrasdoenças, como, por exemplo, a PSC. Essesurto inicial foi controlado em junho domesmo ano, após o sacrifício de cerca de17 mil animais. Depois de um período dedois anos, a doença reapareceu, em 18 deabril de 1960, em Lisboa, e daí sedisseminou para todo o país.

Segundo Vigário et al. (1981), a PSAapresentou uma tendência de mover-se dasgrandes criações extensivas, do Sul, parapequenas criações do Norte do país. Porisso, em 1977, cerca de 10% do efetivosuíno de Portugal havia sido eliminado por

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causa desta doença. Embora o núcleo dematrizes estivesse localizado na região Sul,os leitões eram vendidos nos grandesmercados do centro, mas a terminação erarealizada no Norte do país. Essa formapeculiar da criação de suínos contribuía, emgrande parte, para que a doença setornasse endêmica por longo período detempo, com predomínio da forma crônica, oque dificultava seu reconhecimento. Aaplicação de uma vacina de vírus vivomodificado em 600 mil suínos, em maio de1962, resultou num grande fracasso, poisesses animais passaram a apresentarvariadas formas da doença, o que obrigou ogoverno a interromper a vacinação emmeados de 1965, conforme PorQue...(1978). Além disso, outros fatorestambém contribuíram para o aumento defocos, a partir de 1977: atraso nopagamento das indenizações, resistênciados criadores para notificar a doença e oprocesso de descolonização. Este últimoteve um papel importante, pois os milharesde colonos repatriados fixaram-se em voltade Lisboa, onde implantaram pequenascriações de suínos e outros animais, semtomar os devidos cuidados sanitários.

O diagnóstico da PSA, de acordo comCastro et al. (1978), estava centralizado emLisboa, no Laboratório de InvestigaçõesVeterinárias, que é um órgão do Ministérioda Agricultura. Quando havia suspeita dadoença, os técnicos desse laboratório eramchamados para avaliar o surto, realizarnecropsias e colher material para odiagnóstico. Eram realizadas as provas dehemadsorção, IEOP, IFI e a prova biológica.No período entre 1957 e 1978, cerca de 886mil suínos morreram ou foram sacrificadosem função da doença, 28 mil criações foramafetadas e 45 mil toneladas de carne foramdestruídas. As indenizações, nesse período,somaram 11.9 milhões de dólares, e osgastos com o programa atingiram o valor de6.1 milhões de dólares. A doença provocousurtos importantes até 1977. Quando estavaaparentemente controlada, surgiu um novofoco, em 1993, e outro, em 05 de novembrode 1999, na Aldeia de Fernandes, na regiãodo Alentejo, ao sul do país, envolvendoapenas 44 animais. Não se registraram

outros surtos da PSA no país depoisdaquela data.

b) Espanha

A PSA entrou na Espanha pela Província deBadajoz, ao final do mês de maio de 1960,por meio de animais infectados de Portugal.Houve uma demora de mais de 30 dias paraser reconhecida, por ter atingidoinicialmente pequenos núcleos de criadoresisolados. A doença manifestou-se de formaaguda, com mortalidade de 100% e comextraordinária capacidade de difusão. Emrazão do intenso comércio na região, adoença rapidamente disseminou para outrascriações, situadas fora da cidade. Foramsacrificados 2.157 animais na área focal eperifocal, compreendendo o perímetro decinco quilômetros em torno da cidade. Naárea rural todos os suínos foram abatidos.Em razão do alto poder de difusão doagente, surgiram numerosos focos, apenastrês dias depois de executadas essasmedidas. As autoridades criaram, então,uma zona de vazio sanitário ou de proteção,livre de criações de suínos, na tentativa defazer uma barreira de contenção da doença.Foram sacrificados mais 34.674 suínos atémeados de julho de 1960. Apesar de todosesses procedimentos, ainda se registrou umfoco, ao final de agosto, em uma criaçãoafastada 30 quilômetros da área deproteção.

Antes da aplicação dessas medidas várioslotes de suínos foram transportados paraMadri para consumo imediato. Emconseqüência surgiram, ao redor dessacidade, 220 focos em pequenos núcleos decriação, com 1.214 mortes que obrigaramsacrificar 25.227 suínos. Apesar dasseveras medidas sanitárias implantadas adoença irradiou-se para o restante do país,entre os meses de setembro e dezembro de1960, o que determinou a morte de 19.646 eo sacrifício de 104.771 suínos. Demonstrou-se que 84% dos surtos relacionavam-se acriações extensivas, em regime depastoreio, de acordo com Pólo Jover eSanchez-Botija (1961). Decorridos dez anosda entrada da PSA no país, a doençaapresentava-se clinicamente de forma muitomodificada. O número de focos havia

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decaído consideravelmente ao longo dotempo, e o numero de propriedadesafetadas, que era de 1894, em 1977, caiupara 223, em 1981. No inicio da epidemia,os restos de alimentos constituíam asprincipais fontes de infecção. Já em 1981aquelas fontes de infecção perderamimportância em relação aos veículos eequipamentos, responsáveis por 60% dosfocos. Essa alta porcentagem se deveprovavelmente à endemicidade da doença eà alta densidade animal. Nas criaçõesextensivas, os animais dispunham degrandes áreas, o que facilitava o contatocom outros rebanhos. O tipo dealimentação, naquela época,desempenhava um papel secundário, comapenas 1,7% de participação nos surtos.Somente em 7,7% dos casos não foipossível determinar a origem da doença,conforme Ordás et al.(1981).

O serviço de diagnóstico da peste suína,segundo Castro et al.(1978) era feito peloLaboratório do Patronato de BiologiaAnimal, em Madri. Pela facilidade detransporte ferroviário qualquer amostrachegava a este laboratório no tempomáximo de 12 horas. Considerando-se operíodo entre 1960 e 1979, foram afetadas23.500 granjas e destruídos 2.753.000suínos, equivalente a 165 mil toneladas decarne, com um custo total de 33,3 milhõesde dólares.

c) França

Na França, foram registrados surtos dadoença em 1964, 1967 e 1974, emdecorrência do comércio de subprodutossuínos na região fronteiriça com a Espanha,Gayot et al (1974) e Ruíz Martinez (1978).Considerando-se que a doença foiprontamente erradicada na França, nos trêssurtos ali ocorridos, a forma superaguda foia mais comum, o que era esperado, pois aerradicação foi prontamente obtida, nãodando oportunidade de serem observadasas formas crônicas. Esse caráter agudo daPSA na França constituiu-se em uma dasmaneiras de identificar a doença, conformePor Que... (1978).

Segundo Castro et al. (1978), a defesasanitária animal na França está alicerçadaem um modelo descentralizado, em que asatividades de coordenação, planejamento eexecução são exercidas pelo Ministério daAgricultura. Esta estrutura conta comsuporte de laboratórios regionais dediagnóstico, vinculados ao laboratóriocentral de referência, onde são realizadasas provas que requerem segurança. Sãoempregadas as provas de hemadsorção,biológica e de imunofluorescência direta, emórgãos, e indireta, em soros.

d) Itália

Na Itália, a doença foi registrada pelaprimeira vez em 1967, em criaçõeslocalizadas próximas a Roma, sendo logoerradicada. Porém, novo foco seestabeleceu na Sardenha, em 17 de marçode 1978, em Cagliari. A presença da PSAna Sardenha causou severas perdassanitárias e problemas econômicos. Naaplicação das medidas de controle, asdificuldades foram: o sistema de criação desuínos, a topografia montanhosa da ilha eainda os fatores sociais As fontes deinfecção mais prováveis foram o lixo deaeroporto ou resíduos de alimentos do portode Cagliari, que eram utilizados paraalimentar porcos. A doença espalhou-se por14 distritos, com 23 focos identificados. Ofato de os porcos serem criados “à solta”muito facilitou a disseminação da doença.Desde sua introdução até novembro de2004, a doença tem mostradocaracterísticas típicas da PSA, com poucasvariações. A mortalidade tem sido muitovariável, pois, enquanto em alguns surtosela era muito baixa, em outros situava-seentre 90 e 100%, dependendo dascondições da criação. A doença era agudana maioria dos casos, com sinais clínicostípicos entre 2 e 4 dias e raramente entre 20e 30 dias. Os restos de alimentosconstituíram a fonte de infecção em pelomenos, 13% dos surtos, conforme Contini etal.(1981).

O serviço de defesa sanitária animal estavasubordinado ao Ministério de Saúde Animale os trabalhos de campo apoiaram-se numarede de dez institutos zooprofiláticos,

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vinculados ao laboratório de referência, emPerugia. Esse sistema permitia que adecisão técnica fosse rápida edescentralizada. Nos laboratórios regionaisera realizada a prova de imunofluorescênciadireta, sendo o restante do materialencaminhado ao Instituto Zooprofilático,para execução de outras provas dediagnóstico. Nos laboratórios regionais eramrealizadas as mesmas provas dediagnóstico executadas na França e osresultados eram obtidos em algumas horasou, em caso de dúvida, no máximo em seteou oito dias, conforme Castro et al. (1978).Na parte continental da Itália, em 1967,foram abatidos cem mil suínos e na Ilha deSardenha, outros 35 mil, no período entre1978 e 1979. Nessa ilha ocorreram 83 focosda PSA entre 1997 e 2000, enquanto orestante da Itália foi declarado livre a partirde 30 de outubro de 1999. Pelasparticularidades dessa ilha, a doença setornou endêmica e até 2004 não foi possívelerradicá-la, especialmente peloacometimento dos suínos selvagens.

e) República Dominicana

Em fevereiro de 1978, surgiu na RepúblicaDominicana uma grave doença de suínos,logo diagnosticada como sendo a PSC.Com a continuidade dos focos, em maio de1978 foi iniciada uma campanha nacional devacinação contra a PSC, utilizando-se aamostra chinesa. No entanto, criadores eveterinários se alarmaram ao verificaremque 100% dos porcos vacinados morriamrepentinamente, Sanchez Dias (1979). Asuspeita de PSA foi confirmada pelaUniversidade Autônoma de Santo Domingo,em 30 de junho de 1978, por meio da provabiológica. No dia 03 de julho de 1978, umaamostra de material biológico foiencaminhada ao Centro de DoençasExóticas de Plum Island, nos EstadosUnidos, que confirmou o diagnóstico dePSA, em 06 de julho de 1978. Nesseperíodo a doença se disseminou por todo opaís, e a erradicação somente se tornouviável após a implantação da estratégia deeliminação total de suínos domésticos e aredução da população dos porcosselvagens. O governo criou um fundo de 27milhões de dólares para implantar um plano

de erradicação da doença, tendo a AgênciaInternacional de Desenvolvimentoparticipado com 6,2 milhões de dólares.Esses recursos foram utilizados paraindenização dos criadores de suínos. Oprograma de erradicação foi planejado para27 meses, tendo sido iniciado em agosto de1979. Na primeira fase, foram desenvolvidasações de educação sanitária, abate edesinfecção das instalações, que contaramcom a participação das forças militares. Azona sob processo de erradicaçãopermanecia três meses impedida de criarporco. Na fase seguinte, foram utilizadosporcos importados, altamente susceptíveis,para atuarem como sentinelas nessasáreas, por três meses. Esses animais eramsangrados a cada 45 dias e, em caso demorte, enviava-se material para olaboratório.

Em janeiro de 1980, o programa foiampliado para o restante do país, antesmesmo da conclusão dessa fase piloto. Foipermitido criar porco até o dia 31 de agostode 1980 e, após essa data, os animaisseriam confiscados. Assim, foram abatidos192.270 suínos e indenizados 24.270criadores, no valor de um dólar por kg/pesovivo do animal, correspondente a um gastototal de 8,5 milhões de dólares. O governocomercializou uma certa quantidade deporcos, por meio do Instituto deEstabilização de Preços. Entre 1970 e 1980,foram comercializados pelo governo 7.417porcos, a preços populares, para aspessoas mais pobres da população. Comrelação aos porcos selvagens o governopagou aos fazendeiros dez dólares poranimal capturado. As 75 amostras dematerial suspeito desses animais selvagensapresentaram resultados negativos. Umadas políticas mais inéditas na historia damedicina veterinária foi implantada pelaSecretaria de Agricultura, que importou edistribuiu aves brancas para famílias ruraisde baixa renda, como medidacompensatória pelo abate dos suínos,conforme Organización... [198-]. O últimocaso positivo para a PSA ocorreu em agostode 1980. O governo destinou um fundo de4,5 milhões de dólares para orepovoamento de suínos. O governo doCanadá doou 300 porcos. Foi implantado

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um centro de produção de suínos, com 141fêmeas e 18 machos, que foi utilizado comotreinamento para pequenos produtores. Osresultados obtidos até 1981, na opinião deRivera (1981), foram consideradossatisfatórios, tendo sido observada umaexcelente adaptação dos animaisimportados. Segundo Rivera (1981), aspolíticas compensatórias e mitigadorasimplantadas se revelaram socialmenteinadequadas, considerada a frágil situaçãoeconômica do país.

f) Haiti

O Haiti é o mais pobre país da AméricaCentral e o porco era criado por 80% oumais das famílias rurais. O porco chamadocrioulo é negro, relativamente magro, capazde ficar de dois a três dias sem se alimentar.Em 1980 a população desses animaisultrapassava mais de um milhão de animais.A Republica Dominicana faz fronteira com oHaiti por meio da Ilha Hispañola, queoferecia grande facilidade para a entrada dadoença no país. No inicio de outubro de1978, foi feito um acordo entre a RepublicaDominicana e o Haiti para eliminar todacriação de suínos na área de fronteira entreos dois países. De acordo com Reichard(1978), o país rapidamente tratou deeliminar a criação de suínos em uma áreade 15 quilômetros da fronteira da RepublicaDominicana e interrompeu todo o trânsito naregião de fronteira, com exceção para opetróleo e seus derivados. No entanto,também nesse país, o vírus da PSAfacilmente rompeu essa barreira física, emjaneiro de 1979, tendo se propagado paratodo o país, comprovando-se, mais uma veza grande capacidade do vírus de ultrapassarvazios sanitários, em razão de sua altaresistência, virulência e poder de difusão.Devido à eliminação dos suínos nativos ecom a implantação do programa derepovoamento, os Estados Unidosnegociaram com o governo haitiano a vendade animais puros, procedentes do Estadode Iowa. Essa estratégia, no entanto,mostrou-se inapropriada, tendo em vista oalto custo de manutenção desses animais eas más condições financeiras de grandeparte da população do país. SegundoEasley (2000), os haitianos logo passaram a

denominá-los de “four legged princes”(“príncipes de quatro pernas”), porque essesanimais requeriam melhores condições devida do que a própria população, incluindoalimentação importada ao custo de 120 a250 dólares por animal/ano, que a maioriadas pessoas não poderia pagar. Parareceber os porcos, o morador deveriademonstrar possuir condições financeiraspara construir instalações, de acordo comas recomendações oficiais. Somente essacondição já eliminou a maioria doshabitantes que estavam alistados parareceber os porcos. Economicamente aestratégia mais indicada seria o pagamentode indenização por animais eliminados e orepovoamento por animais nativos. Paraentender o impacto da erradicação dossuínos sobre a população daquele país,deve-se dizer que o haitiano comparava oporco a uma conta bancária que lhe permitiaprover os recursos financeiros para pagarescola, casamento, funeral e emergências.Assim, no ano em que todos os porcosforam mortos, houve uma redução dematricula nas escolas rurais de 30%, aprodutividade na agricultura caiu, bem comoo consumo de proteína. Quando os porcosimportados chegaram, muitos adoeceram erequereram o uso de medicamentosveterinários. Embora maiores que osanimais crioulos, eles demandavam muitomais recursos para se manterem vivos, emais ainda para serem criados. Issodemonstrava, na opinião de Easley (2000),que as decisões dos ricos e poderosospoderiam ter um impacto devastador sobreos mais pobres.

g) Cuba

A PSA atingiu Cuba em duas ocasiões. Aprimeira vez, em 6 de maio de 1971, naProvíncia de Havana, em uma criação determinação, com 11.425 suínos. Essesanimais eram procedentes, em sua maioria,das unidades estatais e de pequenosprodutores da Província de Havana. A partirdesse foco, foram afetadas outras trêscriações, com cerca de nove mil porcos.Conforme informação de pessoas-chaveentrevistadas em Cuba, essas unidades deprodução, embora estatais, intercambiavamanimais, alimentação e mão-de-obra com

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criadores privados. De acordo comInstituto... (1971) e com Fernandez eWilliams (1979), a criação estatal de suínosem Cuba, em 1971, era da responsabilidadedo Instituto Nacional de MedicinaVeterinária.

Não se pôde precisar como a doençachegou ao país. Segundo uma pessoa-chave entrevistada, que participou de todasas operações de combate à peste, o paísmantinha comércio somente com paísessocialistas, onde não existia essa doença.Por essa razão, suspeitou-se,posteriormente, que o vírus da PSA foiindroduzido no país de forma criminosa, fatoque foi defendido também por Oliveira(2002). O rápido aparecimento da infecçãoe a semelhança dos achados patológicoslevantavam a suspeita inicial de PSC. Masdois dias depois da notificação da doençano país, tornou-se evidente que umadoença que apresentava 100% demorbidade e de mortalidade não poderiacorresponder a PSC, especialmente quandoa maior parte do rebanho estatal eravacinada contra essa doença, com amostrachinesa. Em razão da demora emestabelecer o resultado e da falta deexperiência da equipe do Ministério daAgricultura de Cuba com uma doençaexótica dessa natureza, houve oportunidadepara a sua rápida disseminação. Odiagnóstico inicial foi realizadosimultaneamente nos laboratórios da UniãoSoviética e de Cuba, concluído em 17 dejunho com a confirmação da existência daPSA, ou seja, 42 dias após a ocorrência dosprimeiros casos. Foram usadas as técnicasde hemadsorção, imunodifusão,imunofluorescência e prova biológica.

As medidas de controle/erradicação sebasearam em: imobilidade de todos osrebanhos privados e estatais, censo suíno,eliminação dos focos mediante sacrifício,incineração, enterro dos animais criados naárea focal e perifocal, sacrifício dos suínosnas faixas de cinco quilômetros de Norte aSul, entre Havana e Piñar del Rio e Havana-Matanzas e sacrifício de todos os suínos daProvíncia de Havana. Cuba, ao contrário deoutros países, estimulou o aproveitamentode até três animais por família, na área

urbana, e cinco, na rural. Os demais animaiseram seqüestrados pelo Estado e levadosaos matadouros oficiais paraprocessamento industrial, sob a forma deenlatados esterilizados, sendo seusproprietários indenizados. Na área urbana,foram consumidos 105.652 e, na área rural,100.000 suínos. Os animais seqüestradospelo Estado somaram 177.670 cabeças.Foram também sacrificados 29.923 suínosde fazendas estatais, perfazendo um totalde 413.245 suínos. As medidascomplementares de controle se basearamna instalação de postos de controle naProvíncia de Havana, para se fazer adesinfecção de veículos, proibição dacriação de porcos em áreas urbanas,melhoria do processo de criação de suínosestatais e privados, desinfecção do solocom cloro a 35%, desratização da área focale arredores, eliminação de cães, gatos eoutros animais que poderiam servir devetores mecânicos do vírus, incineração demadeiras e outros elementos de construçãoque não permitiam desinfecção profunda,uso de animais sentinelas e fiscalização daentrada e saída de produtos de suínos emaeronaves. Com todos esses cuidados, foipossível preservar três núcleos genéticos desuínos, na Província de Havana, com cercade 250 a 300 matrizes cada, que, porestarem situados no meio dos focos,requereram um enorme esforço paraimpedir a entrada da PSA. A preservaçãodesses núcleos foi importante na etapaseguinte de repovoamento. Segundo orelato de uma pessoa-chave, a Federaçãodas Mulheres Cubanas, ao lado de outrasorganizações civis, desenvolveu um papeldestacado na implementação do programade combate à doença. Geralmente, essasmulheres, pelo fato de cuidarem da casa etambém dos animais, assumiram um papeldestacado nas brigadas de combate àdoença, ajudando a explicar para outrasmulheres o significado da doença, os riscossanitários, estimulando, assim aparticipação dos demais cidadãos. Alémdisso, auxiliaram na coleta de vísceras paraexames, na aplicação de desinfetantes e emoutras tarefas. Com isso, praticamente nãohouve protesto ou manifestação contrária àsduras medidas implantadas, embora adoença tenha representado um duro golpe

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na economia popular, pois também oscubanos reservam parte de seus animaispara as festas de final de ano ou paraalguma despesa extra. Com relação àexperiência acumulada, a pessoa-chaveentrevista considerou que as medidas debiossegurança funcionaram, pois os trêsnúcleos de criação genética de suínos nãoforam afetados. Disse também que o paísdeveria se preparar melhor para enfrentarnovos desafios nessa área. Segundo ela, avitória obtida contra a doença foi muitoimportante para mostrar à sociedade aimportância de um trabalho integrado econtribuiu para consolidar a importância damedicina veterinária no país.

O segundo surto, de acordo com Negrin(1981), ocorreu em janeiro de 1980, em trêsProvíncias localizadas a leste do país. Oprimeiro caso de PSA foi detectado nomunicípio de Baracoa, Província deGuantânamo, em fins de janeiro de 1980.Nessa Província existia uma empresaestatal de suínos com oito mil animais,enquanto os demais noventa mil animaiseram de propriedade privada. O surtoestendeu-se para as Províncias vizinhas deSantiago de Cuba e Holguin, entre 8 e 17 defevereiro de 1980. A investigação dosprimeiros casos e os achadosanatomopatológicos realizadosevidenciaram o caráter agudo da doença.Cerca de 10% dos animais afetadossobreviveram. Também nesse caso foinecessário organizar brigadas para abateros porcos selvagens, tarefa que se mostroumuito difícil pela topografia montanhosapredominante nessa província. Foramregistrados 56 surtos, e foram adotadaspraticamente as mesmas medidasempregadas no surto anterior. Nas trêsProvíncias foram abatidos 173.287 suínos,dos quais 123.250 foram incinerados.Foram feitas brigadas para abater porcosselvagens nas regiões montanhosas eutilizados 1.344 porcos sentinelas,distribuídos em 122 áreas, por um períodode 45 a 70 dias. Depois de 2 de março de1980, não foram registrados casos dadoença.

h) Malta

Em 1978, a população suína de Malta eraestimada em oitenta mil cabeças,distribuídas entre 1600 pequenas criaçõescom 50 a 150 animais, quando foi infectadapela PSA. O primeiro surto apareceu em 15de março de 1978, perto do porto deValletata e do aeroporto de Luga, e, cincodias mais tarde, outros vinte surtosocorreram no mesmo local. Com apenas 45dias, a partir daquela data, cerca de 600 das1.600 criações estavam envolvidas. Osporcos infectados durante os primeiros diasdos surtos haviam sido alimentados comrestos de comida de navios e aeronaves.Por causa do turismo, possivelmente adoença tenha se espalhado por meio decarne transportada pelos viajantes.

O serviço veterinário suspeitou de pestesuína após o exame de porcos mortos emduas criações, cujos proprietários relatarama existência de outros animais doentes emortos. Nos dois dias seguintes a essanotificação, porcos doentes, procedentes deoutras criações trazidos para o matadourooficial, evidenciaram lesões de peste suínana inspeção das carcaças. Amostrasenviadas em 18 de março de 1978, para osLaboratórios de Weybridge e Pirbrightconfirmaram a presença da PSA.

Em 21 de marco, 27 surtos haviam sidodiagnosticados, de acordo com inspeçãopost morten no matadouro. Iniciou-se, apartir dessa data, um programa emergencialpara eliminar a doença, que continuava a sedisseminar de forma rápida. Ao final da 4ªsemana (13 de abril), 304 criações estavaminfectadas, envolvendo mais de um terço dapopulação suína estimada. A adesão aoprograma, que no inicio era voluntária,passou a ser obrigatória, com o abate dosanimais doentes seguido de incineração emuma área remota da ilha. Os animaisaparentemente sadios eram abatidos nomatadouro oficial e estocados em freezerpara subseqüente processamento paraconsumo humano. Ao final de junho, maisde 4.500 carcaças estavam estocadas embaixas temperaturas. No caso de 23criações não infectadas, com cerca de 13mil suínos, foi feito um isolamento ou

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quarentena, na tentativa de salvar umnúcleo de cruzamento para eventualrepovoamento. Em 11 de maio, foi concluídoo trabalho de sacrifício de animais emrebanhos infectados. O número de surtosrelatados na fase de sacrifício de animaisvariava de 40 a 60 por semana e, após essaetapa, apenas 15 novos surtos foramnotificados, o que demonstrava o aparentesucesso das medidas tomadas. No entanto,novos focos voltaram a acontecer e mais1.500 carcaças foram estocadas. Entre julhoe agosto, registraram-se 30 a 40 novosfocos da doença. Uma análise de 718 surtosconfirmados entre 16 de março e 31 dejulho foi feita para determinar a proporçãode perdas de suínos em sete áreas da ilha.Na área 1, a perda foi de 97%, na 2 foi de81%, enquanto as menores perdas foramregistradas nas áreas 4, com 33% e 3, com50%. Com isso a decisão foi a de sacrificartodos os porcos remanescentes de Malta,por meio de uma ordem legal de 20 denovembro. Nenhum porco poderia sercomprado de matadouro e toda a carnedeveria ser processada em fábricas. Avenda de porco foi proibida após 30 denovembro. Em fins de janeiro de 1979,menos de 12 meses após o diagnósticoinicial, o programa foi finalizado e não haviamais porcos na ilha de Malta. O testeempregado foi a IEOP. Os sinais clínicos eas lesões observadas nos porcos em Maltaforam variáveis. Algumas lesões eramtípicas da forma aguda, similar aoobservado na Espanha em 1960, mashouve casos subclínicos, semelhantes àsformas ocorridas nos últimos anos naEspanha. Assim, em algumas criações, ataxa de mortalidade era deaproximadamente 100%, enquanto emoutras a doença se disseminavalentamente, com menos de 50% demortalidade. O custo total do programa foide 5 milhões de libras esterlinas, conformeBalbo e Iannizzotto (1981) e Wilkinson et al.(1980). A principal falha do programa foiconcentrar num mesmo ponto deobservação, no caso o matadouro oficial,animais de rebanhos negativos com animaisde rebanhos infectados.

4.3 A Peste Suína Africana no Brasil

Os suínos foram trazidos da PenínsulaIbérica para a Capitania de São Vicente e,segundo Oliveira [199-], somente nocomeço do século XX é que se deu início aomelhoramento dos rebanhos consideradasnativos, por meio da importação de animaisdas raças berkshire, tamworth e largeblack,da Inglaterra, e, posteriormente, das raçasduroc e poland china. Entre 1930 e 1940chegaram as raças wessex e hampshire; em1950 o landrace, e na década de 60, oslarge white. O melhoramento genético dasuinocultura nacional ganhou novo impulsocom a entrada dos primeiros animaishíbridos da seghers e pic, na década de 70.É interessante verificar como havia umprocesso dinâmico na seleção dedeterminada raça ou linhagem de suínos,em cada período de tempo, reforçando ahipótese da dependência genética doexterior, Oliveira [199-].

O processo de integração entre os criadoresde suínos, patrocinados por cooperativas deprodução e por grandes gruposempresariais, foi fator decisivo para aincorporação de novas tecnologias e, porconseqüência, para o aumento da produçãoe da produtividade, especialmente nascriações localizadas na região Sul do país.A suinocultura nacional ganhou novoimpulso a partir da importação dereprodutores melhorados, o que fez comque ela se tornasse cada vez maisdependente do material genético nãoexistente no país, conforme analisam Silvaet al. (1983). Segundo esses autores, asmedidas de combate às doenças,juntamente com as ações de vigilância,mostravam-se insuficientes para impedir aintrodução e difusão das doenças, por nãolevar em conta as transformações históricase materiais na sociedade e nas relaçõesque se estabelecem com outros países.

O Brasil, que se viu sob a tutela daInglaterra durante muitos séculos, passou,gradualmente, a sofrer influência norte-americana, notadamente após a PrimeiraGuerra Mundial, configurando uma relaçãode troca comercial nos remete a pensar naque foi descrita na época do Brasil Colônia.

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No entanto, um aspecto muito importante eque deve estar presente na análise doepisódio da PSA no país era o momentopolítico vivido pelo Brasil que, desde 1964,estava submetido a uma ditadura militar,apoiado em uma política econômica quefavoreceu o crescimento de uma pequenaclasse dominante. Em razão da criseeconômica e da falta de credibilidadepolítica, os militares estavam colocando emprática um lento processo de aberturapolítica, sob o governo do GeneralFigueiredo. É nesse contexto político que oBrasil seria surpreendido pela entrada daPSA, em maio de 1978. É necessárioreconhecer, no entanto, o enorme desafioque se colocava diante das autoridadessanitárias do Ministério da Agricultura, pois,além dos graves prejuízos sociais eeconômicos, do caráter extremamenteimpopular das medidas preconizadas para ocombate à doença, é preciso considerar osentimento do povo brasileiro ante umaditadura militar impiedosa. Além disso, adoença atingiu a suinocultura nacional emum momento em que ela se encontrava emfranco processo de especializaçãotecnológica e de crescimento, chegando aocupar o quarto lugar no comérciointernacional de carnes e subprodutossuínos, o que tornava estratégico edesafiante dispor de um serviço decomunicação social, com o objetivo deinformar a sociedade sobre a natureza dosfatos e sobre a necessidade da adoção deseveras medidas sanitárias.

O vírus causal da PSA que se notabilizapela elevada resistência às condiçõesadversas do ambiente, incluindo a maioriados desinfetantes químicos, pode-se manterviável por vários meses em derivadossuínos, condição que facilita a suadisseminação. Tendo em vista que a carnesuína tradicionalmente faz parte do cardápiode grande parte das refeições e lanchesservidos a bordo de aeronaves,embarcações, trens, ônibus e outrosveículos de transporte, o vírus da PSAencontra muitas possibilidades de sedifundir de uma região para outra, conformeaconteceu na maioria dos países afetados.Também no Brasil, o episódio da PSA foiatribuído a essa forma de transmissão,

embora as circunstâncias que o cercaramfossem bastante peculiares.

Considerando-se a importância social eeconômica que a PSA representa, oMinistério da Agricultura, certamentepreocupado com esse problema, promoveuuma viagem técnica do Dr. Sérgio CoubeBogado, entre 15 de junho e 04 de agostode 1963, à Espanha e Portugal paraconhecer a experiência desses países nocombate a essa doença. O Dr. Bogadoapresentou um detalhado relatório de suaviagem, em que alertava as autoridadessanitárias do Ministério da Agriculturaquanto ao risco da entrada dessa doença noBrasil e, especialmente, quanto à vigilâncianos portos e aeroportos. Nesse relatório, oautor propõe, entre outras medidas a“inspeção rigorosa nos aviões, navios,caminhões e outros meios de transporte, afim de averiguar se conduzem carne ousubprodutos oriundos dos países ondegrassa a enfermidade. Caso positivo,procederem as autoridades sanitáriascompetentes à imediata incineração domaterial”. A preocupação do autor, comrelação ao risco de entrada da doença noBrasil era muito grande, a ponto de“recomendar a todos os laboratóriospertencentes à Defesa Sanitária Animal quemantenham, pelo menos, constantemente,uns quatro suínos hiperimunizados, a fim deque, em caso de necessidade, seja possívela aplicação do teste biológico”. Destaca-se,ainda, na introdução desse relatório, feitapor d´Almeida Guerra Filho, Diretor doServiço de Informação Agrícola doMinistério da Agricultura, o vaticínio sobre orisco da entrada da PSA no Brasil por meiode terminais aéreos e marítimos: “... entrenós, ao que nos consta, ainda não foramtomadas providências capazes de aparelharnossos portos e aeroportos contra aintrodução de tão terrível virose, parecendoque nossas autoridades competentes estãodeslembradas de que a peste suína clássicanos chegou pelo porto do Rio de Janeiro-Ilha de engenho e Santos e que a doençade Newcastle surgiu nas proximidades doaeroporto de Belém-Pará”, Bogado (1964) eDe Rose (1978).

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Posteriormente após esse fato, a Federaçãoda Agricultura do Estado de São Paulo(FAESP) enviou, em 30 setembro de 1976,um relatório às autoridades sanitárias doMinistério da Agricultura, alertando sobre orisco sanitário em relação aos resíduos deaeronaves procedentes do exterior. Aresposta somente foi feita em junho de 1977e assegurava que o processo erasupervisionado, não havendo problema como lixo que pudesse comprometer o rebanhonacional na veiculação de doenças exóticas,conforme Peste... (1978f).

Do ponto de vista internacional, o surtoocorrido em Cuba, em 1971, colocou todosos países da América em estado de alerta,embora não existisse comércio com aquelepaís em razão do bloqueio continentalimposto pelos EUA. Mesmo assim, oMinistério da Agricultura publicou a Portarian. 278, de 19 agosto de 1971, proibindo aimportação de suínos de todos os paísesconsiderados infectados pela doença, Brasil(1971). Essa portaria foi editadaprovavelmente por razões políticas, pois,também o Brasil não mantinha comércio deanimais e de seus subprodutos com Cuba,e, nessa ocasião, a doença já havia sidototalmente erradicada naquele país. Narealidade, devido ao grande intercâmbioturístico, a situação de alto risco erarepresentada por Portugal e Espanha, umavez que a doença grassava, sem controle,naquele país, desde 1957 e neste, desde1960.

De acordo com Reunión... (1978), outroalerta muito importante foi feito pela OIE, emmarço de 1997, ou seja, 13 meses antes daentrada da doença no Brasil, uma vezconstatado o aumento significativo de casosda PSA na Península Ibérica.

Infelizmente, conforme se verificouposteriormente, todos esses precedentesforam minimizados ou mesmo ignoradospelas autoridades sanitárias brasileiras, a tal

ponto que alguns aeroportos importantessequer dispunham de fornos crematórios ede sistema de tratamento de esgotos,conforme depoimento das pessoas-chavenºs 8, 11 e 18.

O histórico da entrada da doença no país seinicia com um fato levantado pelosrepórteres do Jornal do Brasil, dando contade que em uma propriedade ruraldenominada Fazenda Floresta, emParacambi, Estado do Rio de Janeiro,estava ocorrendo uma alta mortalidade deporcos, o que levou seu proprietário a culparuma conhecida marca de ração que,segundo ele, estava intoxicando seusanimais. O veterinário da empresa produtorada referida ração suspeitou da ocorrênciada peste suína (clássica) e encaminhou, nofinal de abril de 1978, alguns animaisdoentes ao Laboratório da UniversidadeRural do Rio de Janeiro, de acordo comPeste... (1978n). Segundo o depoimento deduas pessoas-chave, a necropsia foi feita noInstituto de Biologia Animal, pelos médicosveterinários Rubens Pinto de Melo e CarlosTokarnia que, em vista da severidade daslesões, suspeitaram tratar-se de peste suínaafricana. Por uma coincidência encontrava-se nessa Universidade o Dr. Wilhelm OttoDaniel Neitz, professor e patologista, quehavia trabalhado no programa de combate àPSA na África do Sul e que assim seexpressou ao avaliar os achados denecropsia: “parabéns pelo diagnóstico daPSA, meus pêsames pela entrada da PSAno Brasil”.

O material colhido nesses animais foiencaminhado ao Centro de DoençasAnimais de Plum Island, em New York,pertencente ao Departamento de Agriculturados Estados Unidos, onde chegou em 26 demaio de 1978. Pela sua importânciahistórica, transcrevo, a seguir, o laudo oficialcujo original e respectiva tradução forampublicados pelo Boletim de Defesa SanitáriaAnimal do Ministério da Agricultura.

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Fonte: Boletim... (1975-1984)

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Fonte: Boletim... (1975-1984)

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Segundo consta das diversas publicaçõesdo Ministério da Agricultura, o primeiroanimal morreu no dia 30 de abril de 1978,conforme relato do proprietário, mas asuspeita da doença foi estabelecida em 13de maio de 1978, por ocasião da necropsiarealizada em alguns suínos da propriedade.De acordo com os relatos oficiais, morreram200 dos 1000 suínos, conforme Peste...(1979) e Serrão et al. [198-]. Considerandoque o caso primário ocorreu em 30 de abrilera de se esperar, do ponto de vistaepidemiológico, que por volta do dia 13 demaio, o índice de mortalidade fosse maiselevado. Esse fato somente foi devidamenteesclarecido na entrevista com as pessoas-chave nºs 11 e 17 que afirmaram, commuita segurança, que morreram mais de500 animais, dentro de um efetivoaproximado de 1.100 cabeças, ou seja,aproximadamente 50%, ou provavelmenteacima desse valor, pois existiam muitosanimais doentes que seguramente nãosobreviveriam. A severidade das lesões dossuínos dessa criação chamam a atenção,conforme de observa nas figuras 1 a 34 .

Figura 1. Rim de suíno: hemorragias, tipopetequial, distribuídas em toda a superfície.Paracambi-RJ.

4 Fotos gentilmente cedidas pelo Prof. ErnaneFagundes do Nascimento - Escola de VeterináriaUFMG.

Figura 2. Rim de suíno: hemorragiasdistribuídas pela córtex, atingindo a porçãomedular. Paracambi-RJ.

Figura 3. Coração de suíno: aspectogloboso, com hemorragias difusas noepicárdio. Paracambi-RJ.

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O proprietário entrou na justiça para recebera indenização, que lhe foi negada peloMinistério da Agricultura, baseado noDecreto n. 24.548, de 03 de julho de 1934,já comentado. O Sr. Antonio Chiarine,caseiro do sítio havia cinco meses, afirmouao Jornal do Brasil, que foi o único órgão deimprensa a entrevistá-lo, que foram abatidos780 porcos, 500 galinhas, 23 bois e 5cachorros, Defesa... (1978).

Com a informação de que o Sr. Severinocomercializava animais diretamente para afavela Nova Brasília, no Bairro de BomSucesso, Rio de Janeiro, o Ministério daAgricultura colocou em prática uma açãomuito complexa para promover rapidamentea erradicação da criação de suínos no local.Para isso instituiu uma política deindenização que foi arbitrada no valor deCr$20,00 (vinte cruzeiros ou US$ 1,11) porquilo de peso vivo. Deve ser ressaltado queos primeiros casos de mortes de porcosnessa favela gerou uma grande comoção,com os proprietários resistentes em aceitara existência daquela doença. Considerandoque se tratava de uma doença de grandeimpacto, surgiram variadas versões para aentrada da doença no país, conforme sededuz principalmente das matériasjornalísticas consultadas e também dasleituras de outras fontes de consulta,incluindo as respostas aos roteiros e asentrevistas com pessoas-chave. Relatossemelhantes foram registrados na RepúblicaDominicana e também por ocasião daentrada da peste bovina no Brasil. Dessaforma, ao registrá-las estou sendo fiel aopensamento dos diversos segmentosouvidos ou pesquisados sem, no entanto,deixar de considerá-los e reconhecer a suaimportância dentro de uma concepçãomemorialística, que, antes de negar outentar minimizar cada versão, deve ressaltaro seu valor para efeito de avaliação,especialmente quanto ao processo decomunicação social.

4.3.1 Versões sobre a forma de entradada PSA no Brasil

Não há como desvincular o episódio da PSAdo regime político, o que tornava

compreensível a reação da sociedade frenteà diversidade de informação sobre adoença. A outra questão referia-se aoconhecimento popular, do pequeno aogrande criador que, acostumados àsdoenças corriqueiras de seus animais, nãoaceitavam os laudos emitidos pelolaboratório central de diagnóstico. Asautoridades somente valorizavam umainformação, o diagnóstico laboratorial, comoo único conhecimento que poderia sermedido, independente das experiências daspessoas, conforme analisa Spink (1999).Outros autores, como Berger e Luckmann(1973), ressaltam a importância do sensocomum na produção do conhecimento.

A contribuição de Moscovici (1984) pareceser apropriada para evidenciar a importânciado processo de representação social, aoconsiderar que o seu propósito é o detransformar algo não familiar em familiar.Para isso se torna necessário classificar edenominar o objeto, pois as “coisas que nãosão classificadas, nem denominadas sãoestranhas, não existentes e, ao mesmotempo, ameaçadoras”. O fato de se tratar deuma doença estranha, desconhecida, tidacomo uma peste africana, certamente iriadespertar variadas formas de representaçãoentre os diversos atores sociais. O não-reconhecimento dessas representaçõescertamente comprometeu todo o sistema decomunicação social implantado pelogoverno. Dessa forma, foi pouco eficiente osimples uso de estratégias como adistribuição de folhetos por meio de aviões ea realização de almoços de “desagravo aoporco”, patrocinados pelas autoridadespolíticas e sanitárias.

Portanto, as versões surgidas após oregistro da PSA no Brasil correspondem àdiferentes formas de representação socialdos diversos atores sociais envolvidos, oque também ocorreu em outros paísesafetados. Esse aspecto social da questãodeveria ser valorizado e apropriado pelacoordenação de comunicação social e peloPrograma de Combate à Peste Suína, mas,as autoridades sanitárias mantiveram-seinflexíveis e coesas na defesa de umaconduta técnica que excluía a incorporação

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de outros elementos de análise, de formadialética.

Embora o país estivesse sob um regimemilitar, não faltou apoio político e econômicopara que os técnicos do Ministériopudessem planejar livremente as ações decombate à doença. Ao consultar os artigosproduzidos em revistas de divulgaçãotécnica e matérias diversas publicadas namídia, foi possível identificar pelo menossete versões sobre a entrada da PSA noBrasil, analisadas a seguir.

a) Desvio de restos de alimentos debordo de aeronaves para uma criação desuínos em Paracambi-RJ

Essa hipótese corresponde à versãodivulgada em todos os documentos ecomunicados do governo do Brasil, emborase procurasse evitar aprofundar no assunto,porque envolvia uma questão delicada, emrelação ao descumprimento de medidassimples de vigilância sanitária, por parte dosserviços oficiais do Ministério da Agricultura,presentes no Aeroporto Internacional doGaleão, por onde se deu o desvio de restosalimentares de aeronaves procedentes doexterior para uma criação de suínos deParacambi. A imprensa descobriu que,neste aeroporto, os restos de alimentos debordo de aeronaves procedentes doexterior, que deveriam ser recolhidos eincinerados em fornos ali existentes, poruma empresa terceirizada, a Marriot, eramdesviados clandestinamente pelo Sr.Severino Pereira da Silva, para a suacriação de suínos em Paracambi. O Sr.Severino, por sua vez, era funcionário daPolícia Federal, do Departamento de OrdemPolítica e Social (DOPS) e ainda eramotorista de um general, na épocaSecretário de Segurança do Rio de Janeiro.Uma das conclusões dessa matéria era que,se os técnicos do Grupo Executivo deProdução Animal - Secção RJ (GEPA)“tivessem seguido à risca as instruçõescontidas na Ordem de Serviço n. 24, de 22de julho de 1977, talvez a peste suína nãoestivesse matando agora os porcos, noEstado do Rio”. A Ordem de Serviçodeterminava que os médicos veterinárioseram os responsáveis pela fiel observância

da legislação de controle zoossanitário nasdependências do aeroporto e em outrosterminais terrestres e marítimos. Um dositens dessa portaria determinava a imediataincineração dos produtos que circulassemfora das áreas restritas. Diariamente eramrecolhidas cinco toneladas de restos decomida dos aviões, de rotas internacionais,Peste... (1978k).

O responsável pela manutenção doaeroporto, onde estavam os fornos, o Sr.Mauricio Cysneiros de Oliveira, em 08 dejunho de 1978, foi enfático em suasdeclarações à imprensa, quanto àpossibilidade de saída clandestina deresíduos do aeroporto: “Posso afirmarcategoricamente que nenhum fazendeirocomprou restos de comida aqui noaeroporto. Acredito, e disso ninguémescapa, que possam acontecer desvios nacomissária ou percurso até o depósito. Esselixo é coisa cobiçada mesmo. Muitas vezessobram fatias de pernil intactas noscontainers de porão. É fácil imaginar que osfuncionários, mal remunerados e até malalimentados, sejam tentados a carregar osrestos”.

O Sr. Dominick Larufa, Presidente daMarriot, empresa que fornecia mil refeiçõesdiárias aos aviões internacionais, garantiuque “raramente sobram mais de 10refeições intactas por vôo. De sobras,recolhemos 17 sacos de 100 litros por dia, oque não é muita coisa. Agora, depois quelevamos o lixo para o depósito do Aeroportodo Galeão, onde os detritos devem serincinerados, ignoro o que acontece”,Perez... (1978).

As outras três empresas que atendem ascompanhias aéreas no AeroportoInternacional do Galeão apresentam amesma versão da Marriot. O Jornal doBrasil, em 09 de junho de 1978, insistiu emcontinuar investigando a questão dosdesperdícios e descobriu que o proprietárioda Fazenda Floresta, onde surgiu o primeirofoco da doença, tinha um contrato deCr$4.500,00 (US250.00) mensais que lhegarantia o direito de retirar da sede daMarriot, na Estrada do Galeão, restos decomida suficientes para encher três

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caminhões por semana. Essa informação foiprestada por um funcionário da Marriot, doisdias após o Presidente dessa companhia ternegado qualquer envolvimento com o donoda Fazenda Floresta. O Jornal apurou queos restos de comida saíam do aeroporto,sem a autorização dos técnicos doMinistério da Agricultura, do GEPA, para asede da Marriot, distante a 10 km do citadoaeroporto. Segundo o que a imprensaapurou, esses desperdícios eram tambémdesviados por outros criadores. O Jornal doBrasil descobriu, posteriormente, que o Sr.Severino há seis anos trabalhava com aMarriot, fato por ela negado e pela ARSA(Aeroportos do Rio de Janeiro SociedadeAnônima), empresa subsidiária da Infraero.A ARSA, por sua vez, defendia-seafirmando não possuir delegação parafiscalizar a saída de alimentos da área doAeroporto do Galeão. No entanto, segundoa matéria desse jornal, existia uma circularda Diretoria do Serviço de Saúde dos Portosque, em seus artigos 1º. e 2º., determinavaque “todo lixo proveniente dos aviões deveser incinerado e não deixar a área doaeroporto”. Porém, o artigo 3º. abria umaexceção às empresas contratadas: “éaceitável retirar os containers com sobrasde alimentos dos aviões para dentro decaminhões que se destinem ao exterior doaeroporto, desde que essas sobras sejamcolocadas em sacos plásticos e levadas aoincinerador”, Peste... (1978n).

As pessoas-chave nºs 8, 11, 17 e 18informaram que o Sr. Severino Pereira daSilva mantinha um cômodo de sua casarepleto de garfos, colheres e facas, de açoinox, de companhias estrangeiras,especialmente da TAP, Ibéria e KLM,confirmando assim a mesma versãopublicada pela imprensa. Nem essasconstatações foram suficientes para que seabrisse um processo administrativo paraapuração de responsabilidades, conformepropunham alguns representantes dossuinocultores. Na época alguns deputadosda oposição tentaram em vão abrir umacomissão parlamentar de inquérito paraapurar responsabilidades. Pelasdeclarações à imprensa e mesmo emdocumentos publicados, as autoridadessanitárias se mostraram cautelosas ao

abordar essa questão. O próprio Secretáriode Agricultura do Rio de Janeiro, Sr. JoséResende Peres, personagem que se tornoupolêmica no desenrolar dos fatosassociados à PSA, ao ser questionadosobre a origem do surto da PSA no Brasil,pela revista Agricultura de Hoje, em agostode 1978, assim se expressou: “quemgarante que a peste não chegou aquiatravés de um outro Estado?” Dessa formaclaramente preferiu evitar comentar todos osfatos levantados pela imprensa a respeitodo problema, Por que... (1978).

Dada a gravidade do fato, era de se esperarque o Ministério da Agricultura admitissepublicamente as falhas da vigilânciasanitária, o que jamais ocorreu, pois não foitomada qualquer iniciativa para apurarresponsabilidades. Mesmo após todos osjornais de grande circulação apontarem ascausas da entrada da PSA no Brasil,expondo as falhas na estrutura defiscalização existente nesse aeroporto, asautoridades sanitárias do Ministério daAgricultura continuaram impassíveis,minimizando os graves fatos apontados,preferindo atribuir a disseminação dadoença à criação de porcos nos lixões,favelas e periferia das cidades e ao uso derestos de alimentos para a alimentaçãodesses animais, desviando assim o foco daatenção das falhas da vigilância sanitária.Além disso, as autoridades sanitárias,pressionadas pelos empresários do setor,uniram-se no discurso da urgência namudança da base técnica da suinocultura,incentivando a criação tecnicizada, por meioda concessão de linhas especiais de créditoe orientação por técnicos da Emater e dascooperativas de produção, ao mesmo tempoem que apregoavam a necessidade deerradicar a pequena criação de suínos ou a“criação de fundo de quintal”.

b) Inexistência da PSA no Brasil

Essa possibilidade foi colocada, de formaveemente, principalmente por criadores eempresários do setor de suínos. Essaposição comportaria várias hipótesesexplicativas, embora se admita queencontrar uma explicação definitiva emciência social parece remoto, como nos

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ensina Minayo (2000). Contudo énecessário destacar que o Ministério daAgricultura demorou muito a dar umaexplicação para o surgimento da doença,que era um questionamento dosespecialistas, criadores, empresários, donasde casa, enfim, de toda a sociedade. Aocontrário, a primeira reação de certossetores oficiais foi combater o que algunstécnicos do governo denominavam de“imprensa alarmista”.

A bem da verdade, deve ser ressaltada aopinião do Sr.José Alberto Lira, SecretárioNacional de Defesa Agropecuária, sobre aimportância da divulgação de informaçõessobre a doença, em entrevista concedida àimprensa, em 07 de junho de 1978, em quedeclarou que “somente com informaçõesprecisas, o auxilio da imprensa e doscriadores de porcos a população tem umamedida exata da extensão do problema,ajudando, assim a conter o avanço dadoença”, conforme Peste... (1978k).

No dia 20 de junho de 1978, em matériapublicada pelo Jornal do Brasil, a SecretariaNacional de Defesa Agropecuária doMinistério da Agricultura afirmou que estavasendo criada uma coordenadoria decomunicações e para isso pedia ajuda aosproprietários de jornais e revistas queenviassem ao Ministério denúncias, notíciase matérias sobre a situação da peste. Épreciso ressaltar que, nessa data, já haviatranscorrido quase dois meses do início dadoença no país e o programa não contavaainda com informações centralizadas,conforme Governo... (1978a).

Os materiais biológicos recolhidos nosanimais na Fazenda Floresta, em 25 demaio de 1978, foram recebidos pelo “PlumIsland Animal Disease Center, Greenport,New York, USA, laboratório considerado dereferência internacional para doençasexóticas e virais, conforme Mebus et al.(1978). Em 1º. de junho de 1978, odiagnóstico de PSA já estava confirmado,no entanto, o respectivo laudo técnico sobreo diagnóstico da PSA no Brasil somente foidivulgado no Boletim de Defesa SanitáriaAnimal, do Ministério da Agricultura, emdezembro de 1978, Peste... 1978e).

O fato de esse laudo não ter sido publicadoem jornais ou revistas de circulaçãonacional, ou mesmo em revistas científicasespecializadas, certamente contribuiu paradificultar o acesso dos técnicos, criadores,empresários e ao público em geral a essainformação. Essa é uma questão que meparece ser substantiva, pois, em se tratandode uma informação estratégica, ela deveriamerecer a mais ampla divulgação, para quea sociedade se sentisse devidamenteinformada, especialmente em um momentoem que o poder político encontrava-sedesgastado.

Dessa forma a imprensa de todo o paíspassou a registrar as observações feitaspelos diversos setores da suinocultura, quetambém contestavam a forma deapresentação da doença, uma vez que elanão se expressava com o poder de difusãoe virulência esperados e não matava senãoalguns poucos animais, ao contrário do quefora divulgado, de forma intensa, por todosos veículos de informação oficiais e, porconseqüência, pela imprensa. A esserespeito deve ser acrescentado que algunsmédicos veterinários, mesmo com pós-graduação em suinocultura, demonstravam,de forma pública, sua desconfiança emrelação ao diagnóstico da PSA, utilizando osdiversos meios de comunicação de massa,as plenárias dos seminários e doscongressos e ainda os artigos e opiniões emrevistas especializadas. Se, na interpretaçãodo problema, fossem consideradas asoutras correntes do pensamento,certamente não ficaria tão marcado ocaráter notadamente positivista em relaçãoàs praticas sanitárias adotadas peloMinistério da Agricultura. Como assinalaMinayo (2000), as possibilidades deinterpretação social situam-se entre opositivismo, a fenomenologia e a dialéticamarxista, que, por sua vez, tem a ver com aluta política mais ampla da sociedade.Algumas características marcantes da teoriapositivista, que consiste na poucavalorização conceitual do processo saúde-doença, já se depreendem da análise dopróprio organograma do Ministério daAgricultura, em que a saúde é tratada deforma individual, o que é próprio do enfoquepragmático e funcionalista, como se a

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ciência fosse universal, atemporal edestituída de valores. Em meio a tantasmanifestações dos vários atores sociais quecolocavam em dúvida o diagnóstico dadoença, o Ministério centralizava odiagnóstico e provocava sobrecarga detrabalho no laboratório com todo tipo dematerial biológico. Não faltou quemsugerisse fazer o contraditório da provadiagnóstica, dentro de uma interpretaçãomais dialética, em que a verdade se constróiem torno do saber individual e coletivo. Aquestão da credibilidade do diagnóstico foiabordada pelas pessoas-chave de nºs 2, 3,7, 8, 11, 13, 14, 15, 17 e 18, sendo que a den. 11 disse que a sua sugestão era de sefazer o diagnóstico em laboratóriosinternacionais de referência, o que não foiacatado. Logo o espírito criativo e irônico docarioca se revelou, quando algunssuinocultores e técnicos passaram adenominar a doença de “peste brasileira” enão de peste africana, porque o vírus haviase tornado “brasileiro” ou “bonzinho”, emalusão a um programa humorístico datelevisão, em voga na época. Se não houvea PSA, qual seria a explicação para a altamortalidade de suínos observada empraticamente todo o país? Sobre essaquestão, parte significativa de técnicos ecriadores levantaram a possibilidade detratar-se da PSC e não da PSA. Para o Sr.Fernando Marrei, Presidente da Federaçãoda Agricultura de São Paulo e grandecriador em Bragança Paulista, “boa parteda peste suína africana não passava depeste suína clássica que já poderia ter sidoerradicada com vacinação que custa muitobarato”, Imigrantes... (1978). Em Ourinhos,o Sr. Hildebrando Ferreira de Sousa, com71 anos e criador de suínos há 50 anos,expressava suas dúvidas com relação àexistência da PSA “Se a peste é incurável,como é que os porcos vacinados nãomorreram até hoje, mesmo estando próximoao foco? Que explicação podem dar oGoverno Federal e o Ministro daAgricultura?”, Portaria... (1978a).

Em Minas Gerais, o Sr. Hélio Lodi,representante da Associação Brasileira deCriadores de Suínos afirmou que “está paraser provada a existência real do vírus dapeste”, Essa afirmação mereceu, no

entanto, pronta resposta do GovernoFederal, na pessoa do Secretário doMinistério da Agricultura, Sr. Paulo AfonsoRomano que declarou à imprensa que oBrasil detém atualmente todo oconhecimento possível acerca da doença eque o laboratório de Niterói não constatousomente indícios da peste no materialanalisado, mas sim a presença do vírus,Técnicos... (1978b).

O médico veterinário Cláudio Lowenthal,que desde 1969 trabalhava com suínos,tendo feito curso de especialização noexterior, concedeu entrevista à imprensa detodo o país, em que colocava em dúvida aexistência da PSA no Brasil: “muita coisaabsurda sobre a peste africana é discutidano momento. É provável que esta doençanem exista no Brasil; se existe, ela já estáerradicada há mais tempo do que diz ogoverno, o qual vem adotando métodosfalhos no seu combate”, conforme QuePeste... (1978).

O criador e advogado Luis Alberto Linch, em20 de julho de 1978, utilizando-se daimprensa, chegou a oferecer ao Ministérioda Agricultura um lote de 50 suínoslandrace para serem inoculados commaterial suspeito da PSA. A única condiçãoimposta era que os exames deveriam serrealizados em laboratórios internacionais dereferência. Explicou o criador que o seugesto deveria ser entendido como ato desolidariedade para com a sociedade e nãocomo de sensacionalismo, conforme Sul...(1978).

Conforme recomendam Lucas et al. (1967)e Sanchez Botija et al. (1977) a escolha dométodo mais apropriado de diagnósticodepende do estágio da doença no país,podendo-se recorrer ao teste biológico emáreas onde acredita-se que não haja focosde PSA. Considerando-se que, em muitasregiões, havia dúvidas sobre o diagnóstico,o teste biológico, em que pese seu customais elevado, deveria ser empregado,conjuntamente com a prova dehemadsorção, como também consta dorelatório de Bogado (1964).

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Em caso de ocorrência simultânea de PSCe PSA, Sanchez Botija e Ordás (1969),utilizaram, na Espanha, a prova deimunofluorescência direta, descrita porCarnero et al (1968) e, em caso negativo, atécnica de hemadsorção. No entanto,considerando-se que havia dúvida sobre odiagnóstico oficial da PSA no Brasil,especialmente na região Sul do país,deveria ser implantado também o testebiológico recomendado por Sanchez Botijaet al. (1977). Ressalte-se que Bogado(1964), ao também defender o uso do testebiológico e temendo que a doença atingisseo Brasil sugeriu, em seu relatório, que cadalaboratório oficial do Ministério daAgricultura mantivesse permanentementesuínos hiperimunizados contra a PSC, o quenão se efetivou.

O Ministro da Agricultura, Sr. AlissonPaulinelli, no dia 27 de julho, tendo em vistao domínio nos meios de comunicação dapolêmica envolvendo o diagnóstico e porconseqüência a própria existência da PSAno país, fez a seguinte declaração “tenhovisto muita polêmica sobre o assunto ealgumas são insinuações feitas semqualquer base, que não nos interessam.Não temos dúvidas de que seja PSA adoença encontrada e de que estamosfazendo o que é recomendadotecnicamente”, Paulinelli...(1978c).

No Brasil, segundo Andrade (1981) olaboratório oficial de diagnóstico da PSArealizava as provas de hemadsorção emcultivo de leucócitos, IFD em corte detecidos e cultivo de células, IEOP e IFI.Prevaleceu, no entanto, a prova de IEOP,que apresentou resultados falso-positivosem soros colhidos em 1976 e estocados,sob congelação. Por outro lado, váriaspessoas-chave e inclusive o relatório deOrdás (1978), elaborado em setembro de1978, indicava que havia problemas emrelação a aspectos críticos em relação àestrutura do laboratório oficial.

c) A PSA no Brasil e o interesse dasempresas multinacionais

Essa hipótese foi colocada na mídia, commuita freqüência, por presidentes de

associações de criadores, empresários dosetor e alguns deputados estaduais efederais, tendo por base depoimentos degrandes criadores e opiniões de algunsespecialistas em doenças suínas, os quaisnão concordavam com o diagnóstico clínicoe laboratorial da doença. O economista eprofessor da Universidade de Campinas, Sr.Hélio Duque, em entrevista ao Jornal doBrasil, denunciou que a PSA favorecia odomínio das multinacionais sobre asuinocultura brasileira, estranhando que adoença fosse constatada apenas emcriações de pequenos e médiossuinocultores. Disse ainda que “a pestesuína africana evita cuidadosamente ascriações dos grandes grupos, razão pelaqual os superporcos por eles criados podempassar à vontade por todo territóriobrasileiro, com imunidade fornecida peloserviço de inspeção federal”. Para ele, adoença não possuía as proporçõesimaginadas, “existindo na verdade um surtode peste suína clássica, combatível com avacina”, Multinacional... (1978).

Essa hipótese, assim que publicada,mereceu um veemente desmentido porparte do Ministério da Agricultura, conformedeclarações à imprensa, em 15 de julho de1978, feitas pelo Sr. Auricedes AlvesMoreira, Delegado Regional do Ministério daAgricultura, em Minas Gerais: “ele tevemuita coragem, mas deverá agora confirmare assumir a responsabilidade pelasafirmações e que o economista invadiuseara alheia. Isso é umairresponsabilidade”, conforme Peste...(1978q).

Deve ser lembrado que, à época, asuinocultura brasileira estava se tornandocada vez mais empresarial, e asmultinacionais do setor já iniciavam umprocesso de participação nesse mercado dasuinocultura.

Para o suinocultor Antônio Luís PradoSimões, do norte pioneiro do Paraná, haviatanta contradição que levava a pensar napossibilidade de que ela não estivesseocorrendo no país e que “tudo não passa deinteresses ocultos”. Ele atribuiu a causa daPSA a interesses difusos, reforçando as

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idéias do Sr. Fernando Marrey, jácomentadas:“Acredito, isso sim, no vírus forjado porinteresses ameaçados, buscandointerromper o índice crescente dasuinocultura no Brasil, que poderia ocupar,em breve, uma posição de liderança nomercado mundial, e por interesses dos queobjetivaram impor ao país a predominânciado gado bovino”, Invasor... (1978).

Um artigo publicado pela Revista Nacionalda Carne contribuiu ainda mais paraconsolidar essa versão junto aossuinocultores do país, ao afirmar que, noRio Grande do Sul, “aumentam asdesconfianças de que a PSA não passe deum boato ou que tenha sido introduzida porgrupos multinacionais interessados noestabelecimento de grandes núcleos deprodução no Brasil”. Nesse mesmo artigoum deputado da oposição apontacontradições e coincidências que envolvemo surgimento da PSA no Brasil,relacionando-as ao incentivo à suinoculturatecnicizada que só beneficiaria os grandesinvestimentos, alijando do mercadopraticamente a maioria dos atuaisprodutores, Coincidências... (1978).

A pessoa-chave n. 3 assim se expressou arespeito da entrada da PSA no Brasil:“sevocê quer saber como a PSA entrou noBrasil foi porque, em 1976, houve umgrande problema com a safra de soja nosEstados Unidos, causado por um invernorigoroso e o Brasil imediatamente ocupou oseu lugar no mercado da Europa. OsEstados Unidos, em 1977, recuperaram suaprodução de grãos e, para aviltar o preço dasoja, inventaram essa história da pestesuína africana no Brasil. O governo gastouuma fortuna em um laboratório no Rio deJaneiro que não tinha a menor condição. Naépoca eles só tinham um equipamento deimunofluorescência. Se houve a peste suínaafricana no Brasil foi em Paracambi”.

d) A entrada da peste suína africana noBrasil antes de 1978

Segundo Martins (1978), a mortalidade desuínos, ocorrida em 1978, nos municípiospaulistas de Leme (18 de março), Araras (19

de março) e Bananal (10 de maio) foicorrelacionada à PSA, pois, no surto deLeme, que se prolongou até julho de 1978,foi confirmado, no dia 18 daquele mês, odiagnóstico para PSA, que o autor chamoude “caso índice”. Lyra (1978), ao fazerreferência a esse caso, afirma que soros desuínos coletados em 1976 e estocados sobcongelamento em institutos de pesquisa deSão Paulo revelaram presença deanticorpos da PSA.

Ao se analisar a história da PSA nos váriospaíses do mundo, inclusive no própriocontinente africano, observa-se que ocomportamento da doença em suínosdomésticos traduz-se por elevadas taxas demortalidade e letalidade, associadas a umgrande poder de difusão territorial. O Estadode São Paulo, por apresentar altadensidade populacional e animal, reunia ascondições apropriadas para uma rápidadisseminação do vírus dessa doença e, doponto de vista epidemiológico, a doençaseria facilmente rastreada, conformeocorreu em todas as regiões do mundo, emvista das características especiais do agenteda PSA. Pela importância desse achado,esses soros deveriam ser encaminhados aum laboratório internacional de referênciapara esclarecer rápida e definitivamente odiagnóstico.

No entanto, esse fato chegou aoconhecimento da imprensa que, semdesmentido ou mesmo confirmação porparte das autoridades sanitárias, tratou dedivulgá-lo, o que acendeu ainda mais adiscussão em torno dele. Apesar disso, essaversão, ao ser apresentada em reuniãorealizada em Lima - Peru, patrocinada pelaFAO/OPS/OMS e instituições norte-americanas para discutir o problema da PSAno continente americano, nos dias 13 e 14de julho de 1978, foi incorporada a umartigo publicado pelo Dr. Reichard, umespecialista em laboratório que participavadessa reunião. A partir daí, pesquisadoresde outros países passaram a consideraresse fato como verdadeiro, Reichard (1978).

Posteriormente, em 1984, o Ministério daAgricultura, por meio de sua SecretariaNacional de Defesa Agropecuária, admitiu

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que os resultados positivos para PSAnaqueles soros haviam suscitado dúvidassobre o primeiro foco identificado no país.Esse episódio significava que a doençaestaria presente no Brasil desde 1976. Noentanto, esse possível foco ficoudefinitivamente descartado pelo Ministérioda Agricultura, quando afirmou que essessoros “apresentaram resultados falso-positivos e que o primeiro foco de PSAidentificado no Brasil - Paracambi/RJ, narealidade representou o foco primário”,Brasil (1984).

A questão do diagnóstico foi consideradaum dos pontos mais polêmicos do episódioda PSA no Brasil e será discutida maisdetalhadamente em outra parte dessapesquisa. A doença que estava acometendoos porcos do país apresentava baixoscoeficientes de morbidade e de mortalidade,não se enquadrando, portanto, nascaracterísticas clínicas e epidemiológicasesperadas para uma enfermidade de grandepoder de difusão e virulência, como é ocaso da PSA. No entanto, as autoridades doMinistério da Agricultura defendiam a versãode que se tratava de PSA, porém causadapor uma amostra atenuada de vírus. Essaversão causou uma grande reação entrecriadores e mesmo entre especialistas emsuinocultura, que, em declarações àimprensa, colocavam em dúvida aexistência da PSA no Brasil e afirmavamque ela, provavelmente, estaria sendoconfundida com a PSC. Além disso, adivulgação desses resultados no exteriorcontribuiu para evidenciar a incapacidadede esclarecimento sobre a doença pelosserviços oficiais de defesa.

Uma variante dessa hipótese foi publicadano Jornal do Brasil, de 21 de junho de 1978,por meio da declaração do Sr. WagnerMarchesi, presidente da AssociaçãoPaulista de Criadores de Suínos, de que aPSA não teria começado no Rio de Janeiro,porque “ela existe há algum tempo no país ese concentrou primeiramente nos Estadosdo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande doSul”. A matéria contém ainda declaração doSenador Vasconcelos Torres, da Arena doRio de Janeiro, portanto da base dogoverno, dizendo-se estarrecido com a

notícia de que a epidemia seria originária derestos de comida de aviões e apelando aoMinistro da Agricultura para que o povofosse esclarecido sobre a doença, Criador...(1978).

Pela primeira vez em todo o episódio, opróprio Secretário Nacional de DefesaSanitária, Sr. José Alberto Lira, contestourapidamente a declaração do Sr.WagnerMarchesi, e disse que entraria em contatocom ele para saber a fonte de informaçãoque sustentava tal afirmativa e que, secomprovado tal fato, o Ministério teria quemodificar sua maneira de atuação,Governo... (1978c).

O Diretor Regional da OIE, nas Américas,publicou polêmico artigo em que afirma quea carne suína do Brasil, contaminada com ovírus da PSA, estava sendo comercializadapara outros países da América do Sul, sem,no entanto, explicitar as fontes deinformação, conforme se observa nosseguintes trechos: “As autoridades doEstado do Rio de Janeiro, foco inicial dapeste, há duas semanas, tomaram decisõesradicais sobre os primeiros casos e issopermitiu, segundo todos os indícios, que oscriadores transportassem animais para osestados do Sul para evitar que suaprodução fosse recusada pelo comércio”.

“Os rumores de que carne contaminada estásendo dirigida ao Paraguai e Argentinaforam comentados com insistência nosmeios periodísticos”.“Segundo a mais sólida dessas versões, hádois anos, houve mortes de animais noEstado do Paraná, fronteira com Paraguai eArgentina; e há três meses tornaram-seconhecidos também casos de morte deanimais pela chamada ´peste africana’. Aexpansão da doença em suínos ameaçatoda a criação brasileira”, Ruiz Martinez(1978).

Na condição de representante de umainstituição do porte da OIE, esperava-se queo artigo de Ruiz Martinez levasse emconsideração as informações oficiais dogoverno brasileiro. Provavelmente essescomentários foram baseados em notícias de

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jornais do Sul do país, dando conta de quehaviam ocorrido mortes de suínos no interiordo Paraná, atribuídas pelos criadores àPSA. No entanto, esse surto foi anterior aoepisódio de Paracambi e, na época, não foifeita uma sorologia ou mesmo umainvestigação epidemiológica para esclarecera causa das mortes. Quanto à denúncia decomercialização de carne contaminada parao Paraguai e Argentina, essa matéria partiude jornais argentinos, segundo os quais acarne de porco contaminada estaria sendoenviada para frigoríficos de Buenos Aires,conforme nota publicada pelo jornal OEstado de São Paulo, em Peste.... (1978s).

e) Veiculação do vírus da PSA por meioda vacina contra a PSC

Por ocasião da realização do 1º CongressoInternacional de Veterinário de LínguaPortuguesa, realizado em São Paulo, emjulho de 1978, técnicos portuguesesalertaram os veterinários brasileiros sobre apossibilidade da veiculação e disseminaçãoda PSA, por meio de vacinas “cristal violeta”contra a peste suína clássica emDivergência ...(1978). Posteriormente, o Dr.Ubiratan Mendes Serrão, que ocupava ocargo de Secretário Nacional de DefesaAgropecuária, discorreu sobre essapossibilidade em um Congresso patrocinadopela OIE/OPS/OMS, realizado em Curazao,de 17 a 20 de abril de 1979. Ele afirma “Ocontrole é baseado na vacina cristal violeta,produzida em porcos. Espécimens deamostras do vírus usados na preparação davacina foram examinados; dois resultadospositivos para os testes realizados emdiferentes laboratórios levaram a suspendero embarque, distribuição e comercializaçãoda vacina desde então”, Serrão (1979).Curiosamente o relatório técnico sobre ainvestigação epidemiológica da PSA emSão Paulo, publicado em julho de 1978,essa hipótese também é considerada.Certamente essa versão buscava explicarcomo a PSA poderia aparecer, ao mesmotempo, em locais tão isolados e nãorelacionados, como, por exemplo emEstrela, no Rio Grande do Sul, situada a450 km de Porto Alegre e na Ilha de Marajó,no Pará.

f) PSA causada por vírus atenuado

Os defensores desta teoria justificam queem Portugal se empregou um vírusatenuado na preparação de vacinas contraa PSA, o que explicaria a baixa virulênciaencontrada no Brasil. O Prof. OutobrinoCorrêa, em entrevista à revista SuinoculturaIndustrial, ressaltou que o diagnóstico feitono laboratório do Rio de Janeiro estavacorreto e que nem poderia ser diferente.Considerava importante conhecer qual ouquais eram as cepas que invadiram o Brasil,pois já haviam sido registrados casos deforma benigna da PSA por Botija, naEspanha, em 1962, com baixa mortalidade.Se o vírus fosse fracamente patogênico,poucos animais adoeceriam e morreriam, deacordo com Professor... (1978).

Tendo em vista o fato de o Ministério daAgricultura ter-se apoiado fortemente nessahipótese e a repercussão que o temadespertou entre os técnicos e criadores, eleserá tratado no próximo capítulo destapesquisa.

g) Entrada da PSA por meio de suínos ede seus subprodutos trazidos porimigrantes angolanos

Essa hipótese ganhou as manchetes daimprensa logo após a realização de umareunião da Comissão de Agricultura daCâmara dos Deputados em que o Sr. JoséAlberto Lira, Secretário Nacional de DefesaAgropecuária, ouviu várias críticas àatuação do Ministério da Agricultura nocombate à PSA, entre as quais apossibilidade de a doença ter entrado noBrasil por meio de animais infectadostrazidos por refugiados angolanos. O Sr.José Alberto admitiu não poder afirmar comsegurança se foram os angolanos quetrouxeram a peste, em resposta à hipóteselevantada pelo Deputado Nelson Maculan(MDB-PR). Em matéria de 22 de junho de1978, o referido deputado assim seexpressou no Jornal do Brasil: “elestrouxeram animais, tudo o que quiseram. Eunão quero acusar o Governo, mas houvedesleixo, pois, quando os angolanoschegaram, ninguém se interessou em ver oque eles traziam”. Posteriormente a essa

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declaração e considerando a gravidadedessa suspeita o próprio Ministério seencarregou de repassar à imprensa osresultados de um rastreamento feito emtodos os portos onde houve desembarquede refugiados angolanos, dando conta quenão foram registrados surtos de doenças desuínos nesses locais, dentro de um períodode tempo determinado, de acordo comImigrantes...(1978).

Essas variadas interpretações do episódioda PSA no Brasil revelam situações deantagonismos, conflitos, desconfianças einteresses difusos em relação à versãooficial. Não se pode alegar falta deinformação ou baixo nível cultural dos atoresenvolvidos, pois, ao contrário, a maioria ébem informada e representa entidades ouinstituições conhecidas e tradicionais. Asinterpretações aqui reunidas sob a forma dehipóteses constituem formas derepresentação do fenômeno que, dentro deuma concepção mais dialética, não podemser desconsideradas. Essas pessoas quetraduzem os interesses das corporaçõestêm grande representatividade social, sãoformadoras de opinião e, na maioria dasvezes, não foram devidamenteconsideradas e valorizadas em relação àsdecisões de natureza técnica e política. Emque pese o enorme desafio de combateruma doença de tão grande complexidade eque, de certa forma, envolveu praticamentetoda a sociedade, o Ministério da Agriculturamanteve em todo o decorrer do episódio,uma atitude inflexível, ortodoxa e atéautoritária, atitude própria do regime militarinstalado no país.

Para melhor entender a evolução dasteorias sobre o conhecimento e a suaaplicação aos fatos relacionados aoepisódio da PSA no Brasil, recorro a Minayo(2000), para quem as correntes filosóficasque amparam o entendimento de umdeterminado fenômeno estão representadaspelo positivismo, fenomenologia e dialéticamarxista. Para Triviños (1987), a filosofiapositivista está orientada a guiar o serhumano ao preciso, eliminando o vago, e arealidade se apresenta formada por partesisoladas, não se aceitando outra que nãoseja aquela em que os fatos possam ser

observados. Por isso, ao se admitir um sócaminho, uma só “verdade”, aodesconsiderar as outras “partes”, oprograma de combate à PSA implantado noBrasil se ajusta e se sente confortável nessemodelo. Os fatos eram objeto da ciência,enquanto os valores, por serem expressõesculturais, ficavam fora do interesse dopesquisador positivista e, dessa forma, nãose traduziam em conhecimento científico.Essa teoria predominou até a década de1970 e começou a perder terreno a partir de1980.

A teoria fenomenológica exerceu uma forteinfluência na área da saúde entre asdécadas de 1960 e 1970, e foiquestionadora da onipotência e onipresençado Estado sobre os indivíduos e daimposição das classes dominantes por meiodos sistemas de saúde, conforme analisaMinayo (2000).Essa teoria compreende oestudo das essências, da sua descrição,sem, no entanto, buscar entender as razõesou fazer uma análise do fenômeno em si. AFenomenologia defende a idéia de que asrealidades sociais são construídas nossignificados e através deles e que, paraidentificá-los, é preciso reconhecer alinguagem significativa da interação social.Um de seus princípios, o da suspensão,significa colocar à parte as crenças esuposições sobre o mundo natural. É aepoché para os gregos, que significadescrever o fato em toda a sua pureza. Noentanto, essa teoria não considera ou nãodá relevo à historicidade do fenômeno,conforme analisa Triviños (1987), paraquem “a busca da essência, isto é, o que ofenômeno verdadeiramente é, depois desofrer um isolamento total, uma redução,eliminando o eu que vivencia e o mundocom os seus valores, cultura, etc., carece detoda referência que não seja a de suapureza como fenômeno”.Percebe-se, nesse sentido, que o Ministérioda Agricultura aparentemente não valorizoudevidamente a tarefa de repassar para apopulação que o consumo de suínos nãooferecia perigo à saúde, quando, noimaginário das pessoas, estava presente orótulo de peste, só concedido aos grandesflagelos da humanidade, e acrescido dotermo “africana”, que remete ao continente

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mítico e desconhecido para muitos. Esseimaginário era reforçado à medida que osnoticiários da televisão e as fotos dos jornaismostravam técnicos do Ministério daAgricultura, protegidos por macacões, botasde borracha, gorros e luvas, abatendoanimais a marretadas ou a tiro. Além disso,os animais eram queimados e enterrados,procedimentos que eram seguidos pelo usode desinfetantes. Como decorrência desseprocesso, houve uma extraordinária quedano consumo de carne suína, em que pese oesforço dos dirigentes de associações decriadores, das autoridades sanitárias epolíticas, que chegaram a promoveralmoços “em desagravo ao porco” em váriascidades brasileiras. Para um grupo decriadores, a doença foi “plantada” pelasmultinacionais do setor de suínos,empenhadas em conquistar o mercado.Para muitos profissionais da medicinaveterinária, a doença, que estava sendonotificada em grande parte do país, nãoguardava nenhuma relação com a PSA, queera representada nos textos clássicos comouma doença altamente mortal, arrasadora.Para grande parte dos dirigentes, técnicos eautoridades políticas, associar a doença àcriação caseira de animais, ao uso deresíduos de alimentos humanos recolhidosnos restaurantes, casas e lixões era umarepresentação importada da Espanha ePortugal, onde a doença em grande partese disseminou dessa forma. No entanto,para esses grupos que deixaramdepoimentos na mídia e em revistasespecializadas, a PSA foi vista como umaoportunidade de “modernizar” a suinoculturaque nasceria após a erradicação da doença.

A partir da década de 1970, ganharia força,na área da saúde, o enfoque marxista,como uma reação de negação aosprincípios positivistas e funcionalistas, emdefesa dos direitos individuais, do princípioda autonomia das pessoas e de gruposmediadores frente ao Estado e das grandesinstituições médicas. Assim, o marxismoprocurava entender o processo histórico,com seu caráter dinâmico e transformador,bem como apreender e reconhecer a práticasocial empírica dos indivíduos. Um dosprincípios do marxismo é que não existemidéias, instituições e categorias estáticas,

pois toda a vida humana é social e estásujeita à mudança, à transformação; éperceptiva e, por isso, toda a construçãosocial é histórica. Embora ocorressemalgumas tentativas no sentido de contestara existência da doença no país, essasencontraram resistência por parte dasautoridades sanitárias, o que impediu umtratamento dialético ao episódio da PSA. Aestrutura que explica historicamente aformação do setor agropecuário no Brasilpermite também afirmar que ele sempre sealinhou ao Estado e deu sustentação àssuas políticas. Naquele momento, não seesperaria invocar os princípios do Marxismopara construir um conhecimento novo.Dessa forma, independente de existir umgoverno militar no Brasil, no períodoconsiderado, não se vislumbrava aaplicação desses princípios na tentativa dese construir um conhecimento coletivo. Noentanto, a multiplicidade de interpretaçõesque o fenômeno despertou entre osdiversos atores sociais e a efervescência deidéias, longe de ser um obstáculo aoplanejamento, deveriam ser levadas emconsideração para se construir umconhecimento sólido. Provavelmente, seesses princípios fossem considerados, aPSA teria uma outra interpretação e umdesfecho diferente no país.

4.4 A mídia e a peste suína africana noBrasil: ambivalência e resistência

Como se observou, a mídia se infiltrou emtodas as brechas, ouviu todas as partesenvolvidas no episódio da PSA no Brasil,reproduziu discursos, não raro antagônicosà versão oficial, como se estivessepromovendo uma espécie de “acareação”entre os representantes do Estado e osvários atores sociais que se sucediam nocotidiano dos acontecimentos.

Deve-se considerar que a mídia também éafetada pelos grandes interesses políticos eeconômicos e, nesse sentido, Miguel (2004),analisa que “o controle da informação é umdos pontos de estrangulamento da ordemdemocrática nos regimes ocidentais e asolução liberal padrão – controle mutuo dosveículos de comunicação na concorrênciapelo mercado – provou-se amplamente

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insuficiente para garantir à cidadania meiosde comunicação plurais de fato, isto é,capazes de refletir os diferentes interesses evisões de mundo presentes na sociedade”.

Um dos elementos-chave do processocomunicacional é o modo como os atoressociais percebem sua própria história.Geralmente, as forças de maior poderinjetam no senso comum e na tradição suasversões do passado e suas representaçõesda origem do fenômeno. Já as forças quetêm poder reduzido recebem estasmensagens, de modo ativo, reconstruindo-as, de acordo com as percepções do mundoque as envolvem. No mundo atual, asmídias desempenham importante papel noprocesso de criação, manutenção edesenvolvimento do simbólico e,conseqüentemente, da própria vida social;fazem a mediação social, servindo deveículo para a formação das consciências erespectivos comportamentos, conformeLopes (2002).

Dessa forma, as inúmeras versões ourepresentações sobre a PSA surgidas naimprensa se configuravam comoverdadeiros “desafios” à versão oficial, quecada vez se tornava mais fragilizada,colocando em campos opostos até mesmoespecialistas e instituições. O silêncio ou ademora do governo em contra-argumentarem momentos de graves denúncias,reforçavam convicções e alimentavamincertezas em meio a um processodesarticulado de comunicação social porparte do Estado. Considerando-se que ogoverno tinha uma suspeita da existência dadoença em 13 de maio e a confirmaçãooficial no dia 01 de junho, houve temposuficiente para se organizar e montar umsistema centralizado de comunicação. Noentanto, em 20 de junho de 1978, O Sr JoséAlberto Lira, Secretário Nacional de DefesaSanitária Animal, do Ministério daAgricultura, em entrevista à imprensa,informava que seria constituída uma centralde comunicação social, que contaria com oapoio do Ministério da Agricultura, daEmpresa Brasileira de Assistência Técnica eExtensão Rural e da Assessoria deRelações Públicas da Presidência daRepública, que se ocuparia principalmente

de alertar os produtores sobre os riscos dadoença.

O próprio Secretário Nacional de DefesaSanitária Nacional, antecipando-se a umadas críticas às autoridades sanitárias,admitia que “o quadro atual da doença nopaís anda muito tumultuado, pois muitagente desautorizada está falando. Hoje atéum porco atropelado vira peste suínaafricana”. Já o Deputado Federal NelsonMaculan (MDB-PR), defendia um certo sigiloem relação à divulgação de fatos sobre adoença ao afirmar à imprensa que “apublicidade em torno do assunto estáexagerada porque “pode prejudicar nossasexportações”. O Sr. José Alberto Lira secontrapôs a essa atitude, ressaltando queas notificações eram importantes e que “nãopodemos dispensá-las dos jornais e dosmeios de comunicação”, de acordo comImigrantes... (1978).

Em capítulo anterior, foram registradas asdiversas leituras que os atores sociaisfizeram a respeito da entrada da PSA noBrasil e agora irei apresentar e discutir aevolução dos acontecimentos, oposicionamento de cada ator e de cadarepresentação social nesse processo. Serãoexpostos, a partir deste capítulo, asinterpretações dos fatos, as críticas, osinteresses, as articulações dos diversosatores sociais, incluindo o Estado, nacondição de gestor da política sanitáriaanimal. A mídia, nesse contexto, seconfigurava como um depositário de todosos discursos, às vezes atuando de forma“investigativa”, e desfazendo versões emostrando os descompassos e atropelos nacondução da política sanitária. Ao secolocar em uma posição aparentementeambivalente, a mídia se torna também alvoda crítica dos mesmos atores sociais.

4.4.1 O registro da mídia sobre o impactoinicial da PSA no Brasil

Logo após as primeiras notícias veiculadaspela imprensa sobre a ocorrência de mortesde suínos em Paracambi, seguidas da fortepresença de técnicos do Ministério daAgricultura e de forças militares, comsacrifício de grande número de suínos em

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torno do foco, interdição de rodovias, osjornais e as revistas semanais trataram deprojetar o risco sanitário que aquela novadoença representava para a suinoculturanacional e o conseqüente impactoeconômico-social que ela poderia causar.Para os técnicos do Ministério daAgricultura, tratava-se provavelmente datemível PSA e as medidas preventivas se

justificavam porque estaria em jogo toda asuinocultura nacional, especialmente acriação caseira de suínos, que erapredominante nessa época em grande partedo país. As figuras seguintes obtidas dejornais da época documentam as primeirasmedidas para combate ao foco da PSA noRio de Janeiro.

Figura 4. Soldados vigiam os porcos de fazenda interditada em Barra do Piraí - RJ. Jornal OGlobo, 03 jun.1978.

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Figura 5. Os caminhões são os mais visados pela fiscalização.Jornal O Fluminense, 5 jun.1978.

Figura 6. Mas, nem os carros de passeio escapam. BR-101, Campos-RJ: O Fluminense, 5jun.1978.

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A mídia ofereceu a oportunidade a todos osgrupos sociais para se expressarem sobre oepisódio da PSA, conforme se verifica nessapesquisa. Os primeiros surtos foramregistrados nas favelas e na periferia dacidade do Rio de Janeiro, habitadas pelapopulação pobre e historicamentemarginalizada, que criava o porco no fundodo quintal para dispor de banha e de carne,e por esse motivo a imprensa dedicou aessa parcela da sociedade um grandeespaço nos primeiros momentos do episódioda doença no país.

Após a suspeita da PSA em Paracambi, oMinistério imediatamente isolou a criaçãoafetada, impedindo a aproximação daimprensa e do público em geral. Porém,quando se descobriu que o proprietário daFazenda Floresta mantinha um comérciocom os moradores da favela Nova Brasília,localizada em Bonsucesso, no Rio deJaneiro, com cerca de 20 mil moradores ecom uma criação aproximada de mil porcos,a situação se alterou completamente, emrazão do número de pessoas envolvidas,bem como, das condições ambientais,sociais e políticas. Um outro desafio para ostécnicos do Ministério da Agriculturaconsistia na necessidade de intervir numespaço geográfico novo, desconhecido eonde o Estado historicamente se fizeraausente. Essa ação somente poderia tersucesso caso contasse com uma amplacooperação das pessoas.

Se a cobertura da imprensa, em Paracambi,tornava-se muito difícil em função doaparato policial presente, em Nova Brasílianão havia como impedir o trabalho dosjornalistas. Não foi difícil para a imprensadescobrir, logo no primeiro dia de coberturada ação do Ministério da Agricultura nessafavela, um personagem do lugar queconfirmava as informações oficiais arespeito da comercialização de porcos commoradores da favela, por parte do Sr.Severino Pereira da Silva. Essepersonagem, que desempenhou papelcentral no episódio da PSA no Brasil, alémde desviar, de forma fraudulenta, as sobrasde alimentação de bordo de aeronaves derotas internacionais do Aeroporto do Galeão

para a sua criação de suínos, ainda vendiaos seus animais para os moradores dafavela, o que configurava uma fraude denatureza fiscal.

Percebe-se que a mídia, de um modo geral,coloca em destaque o fato de o Sr. Severinoser um funcionário da Polícia Federal, lotadono Departamento de Ordem Política e Social(DOPS) uma instituição pública queparticipava ativamente da repressão política,da tortura e execução de presos políticosdurante a ditadura militar, e que usou dessaprerrogativa para desviar sobras dealimentos para os suínos de suapropriedade. Para as autoridades sanitáriase a maioria dos atores sociais a doençatinha como culpado o criador de porco de“fundo de quintal”, que, de forma ilegal eanti-higiênica, mantinha seus animais emlixões ou em chiqueiros e os alimentavacom restos de comida e até lixo. Como severá, no decorrer dos registros na mídia,havia um extremo cuidado das autoridadessanitárias quando se referiam à entrada dadoença no país. Deve ser ressaltado quealguns jornais, no final de maio ou nosprimeiros dias de junho de 1978, já citavamque a principal suspeita era a peste africanae que o surto tinha relação com o desvio derestos de alimentos de bordos de aeronavesdo Aeroporto do Galeão para servirem dealimentação aos porcos criados emParacambi, pelo Sr. Severino Pereira daSilva. A propósito desse personagem poucose escreveu, merecendo destaque o artigode Lancelloti et al. (1978), do qual extraí oseguinte trecho: “Bom coração, o deSeverino Pereira da Silva. Tratava seusporcos como se eles fossem passageiros deprimeira classe num vôo internacional.Policial lotado no Galeão, Pereira da Silvaabusava de seu poder para capturar, junto àempresa Marriot, que diariamente forneceserviços de bordo e hotelaria a dezesseiscompanhias internacionais as sobras dacomida oferecida nas aeronaves”.

Sob o titulo “um balanço da PSA” o jornalEstado de Minas, em 26 de maio de 1979,entrevistou o veterinário Sérgio Bogado quedisse que “ao visitar a granja (deParacambi) pela primeira vez, deparamos

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com uma serie de resíduos da empresaaérea TAP, numa forte evidência de queesses animais vinham sendo alimentadoshá muito tempo dessa forma. Embora existaum regulamento rígido nos aeroportosinternacionais para que todos os resíduossejam cremados, muitas vezes foge aocontrole das autoridades competentes,como no caso especifico”, de acordo comBalanço... (1979).

Na favela Nova Brasília, o Ministério daAgricultura tratou de fazer um rastreamentodos animais ali criados. O caso inicial, paraas autoridades sanitárias, ocorreu na casade D.Georgina Pereira, que criava “porcos ameia” com seus vizinhos, quando uma desuas porcas apareceu doente. O animal foisacrificado e, uma vez confirmado odiagnóstico da PSA, iniciou-se a erradicaçãoda criação de porcos em toda a favela. Nodia 02 de junho de 1978, o Sr. GuilhermeUtrin, morador dessa favela, aposentado porinvalidez, tentou esconder da imprensa oque fazia: o abate clandestino, no alto domorro, de porcos que disse seremprocedentes da Fazenda Floresta. Disseque adquiriu 400 quilos em porco, à razãode Cr$17,00 o kg, (US$0.94),imediatamente comercializados. Ele serecusou a acreditar que uma porca deD.Georgina estivesse contaminada, porque“os porcos estavam comendo bem, bebendoágua normalmente e, dessa forma, nãopoderiam estar doentes”, conforme Peste...(1978i). Um fato curioso foi a forma depagamento da indenização, feita à vista, emdinheiro, na base de Cr$20,00 (vintecruzeiros), por quilo de peso vivo, oequivalente a US$1.11. No caso deD.Georgina, faltaram Cr$1.800,00 (US$99.83) para o pagamento da indenização,porque o malote com o dinheiro atrasou e oveterinário, José Diocleciano, deu umcheque seu, com o valor acima citado(figura 7). Os técnicos fizeram aplicações decarbonato de sódio e formol na caçamba delixo na praça da favela, onde os porcos sealimentavam e também nas valas, esgotos,casas e chiqueiros, enquanto o restante daárea, num raio de 15 km, permaneceu emobservação. Foram recolhidos cerca de 900porcos, 20 dos quais com a PSA.

O Sr. Amaro José Luis Santana, Presidenteda Associação de Moradores da FavelaNova Brasília, denunciou que algunsmoradores estavam escondendo os seusporcos, com medo de perdê-los, conformeSuinocultor... (1978). Esse fato tambémaconteceu em outros países que tiveramsurto da PSA. Já que no Brasil, ospequenos criadores foram os maissacrificados, essa atitude de esconder oanimal representava um mecanismo dedefesa e de proteção contra o sacrifícioimediato do animal, pois ele era a únicareserva alimentar ou protéica das famíliasde baixa renda. Não raro, ficoudemonstrada a relação de “amizade” que seestabelecia entre os moradores e essesanimais, somente percebida pela sociedadeem geral ou pelos técnicos nessesmomentos de crise. A esse propósito, cabeaqui sublinhar a crônica “Amizade noMorro”, de Carlos Drummond de Andrade,publicada, a propósito da recusa de umamoradora da Favela Nova Brasília ementregar a sua porca de estimação,conhecida por “Chironga”, para o abatedeterminado pelo governo. Drummondmostrou, com sutileza, a importância devalores como respeito à vida e amizade,criava situações para ironizar as últimasmedidas postas em prática pelasautoridades sanitárias do país, Amizade...(1978).

Assim, há relatos, em várias fontes deconsulta, que dão conta de que, no Brasil eem outros países, moradores escondiamseus porcos em locais os mais inusitados.Na República Dominicana, foi encontradoum leitão sendo transportado para umacentral de abastecimento, camuflado dentrode um caixote de alfaces e, na cidade deHavana, Cuba, leitões eram criados àsescondidas, em prédios de apartamentos.

A operação de abate de suínos na favelaNova Brasília foi uma operação demorada ecomplicada. A captura dos 18 porcos daD.Georgina levou uma hora e meia, sendoque a porca maior, com quase 200 quilos,precisou de 10 homens para ser arrastadapara um caminhão caçamba (figura 8).

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Figura 7. Jornal O Globo, 3 jun.1978.

Figura 8. Favela Nova Brasília – Rio de Janeiro. O Globo, 03 jun.1978.

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Cada vez que um porco conseguia escapardas mãos dos fiscais sanitários, começava aperseguição que, às vezes, mobilizavacerca de cem pessoas. Os moradores quepossuíam outros animais, com receio deque eles fossem também confiscados,aproveitavam esses instantes estratégicospara sair, disfarçadamente, com galinhasdebaixo dos braços, conforme a imprensaoportunamente documentou, Paulinelli...(1978 d,e).

No dia 20 de junho, a repórter Lena Frias,do Jornal do Brasil realizou uma amplacobertura jornalística focalizando algumasfiguras marcantes de algumas favelas efeiras livres do Rio de Janeiro sobre oaparecimento da PSA. Os criadoressituados nas periferias e favelas dascidades encontravam-se desconfiados, ecomo criavam poucos animais (quatro acinco cabeças) tratavam de esconder a suacriação. Outros estavam tentando venderrapidamente seus porcos, comercializadossob os mais diferentes disfarces. À medidaque essa repórter ia percorrendo algumasfavelas cariocas, as figuras clássicas aliresidentes iam aparecendo aos poucos namatéria, como o caso de um tal de ZéBonitinho, morador do Parque Alegria, nobairro do Caju, que levava uma sacola deplástico na mão e, dentro dela, bemescondido, os quartos de uma porca quehavia matado, na noite anterior, rumo aobotequim ou a feira. Em Jacarepaguá, oambiente era discreto, pouco se falava emporco, ou mudava-se logo de assunto.“Ninguém é contra a doença, afinal é umapeste”, fala um dos moradores. Na opiniãodo Sr. Armando da Silva Moreira, haviaporco sendo sacrificado sem doençanenhuma: “Ora, que conversa é essa?Como é que não há vacina, nem remédiopara a tal da peste africana? Quer dizer queresolver queimar nossos porcos, só porcausa de uma doença que tem de ter cura,logo na hora em que porco estrangeiro vaientrar aqui? O culpado é o governo, é só ogoverno. Como é que esses Ministérios têmtantos fiscais e eles só servem para comer eroubar? Eles chegam na porta da horta, naporteira do curral, na beira do chiqueiro enem querem saber se tem doença, se nãotem. Eles querem é levar os Cr$ 10 mil, os

Cr$ 20 mil de cada vez. Eu tenho o dinheiroe dou. Agora querem queimar o meu porco.Quem chegar no meu chiqueiro pra queimarmeu porco, morre”.

Em Santa Cruz, outro criador anônimoguardou as 300 cabeças de porco sabeDeus onde: “minha criação é sadia, tenhoveterinário e tudo. Comecei com pouco, maseu gosto dos bichinhos”. Não acreditava ounão quer acreditar na peste e achava queos porcos estavam sofrendo de febre suína(peste suína clássica). Na favela algunscriadores chegam a alugar área para criarseus animais. O comércio do produto eragarantido na própria favela, nas suasvizinhanças, na feira, além de restaurantese churrascarias que lucravam com a criaçãomarginal porque saía mais barato, a carneera mais fresca, não havia problema comnotas fiscais e com a fiscalização. Segundoesses comerciantes, o porco de frigoríficonão tinha o mesmo sabor daquele que eraengordado no quintal.

Os marchantes de animais existiam tambémnos morros e favelas do Rio, elesarrematavam animais aqui e ali, havia lugarpara guardá-los por dois ou três dias antesdo abate. Só no Largo do Boiadeiro,próximo à favela da Rocinha, havia uns 20deles. Entre eles logo se destacava a figurado Seu Come Gordo, de pouca fala e muitaobservação. Com ele tudo funcionava deforma legal; se, por exemplo, a ordem eramatar porco “vamos matar os porcos”, dizia.Agora com a doença dizia que não podiatrabalhar: “Empatei Cr$28 mil em porco,(US$1 553.00), os bichos tudo sadio, tudocriado em lugar bonzinho, no Alto da BoaVista, comidinha sadia, de restaurante, tudoporquinho de qualidade”. A Dona Severina,mulher de Come Gordo, estava preocupadacom a saúde dele, pois “o homem nãodorme sem ver as notícias da televisão, dedia e de noite”. Contou ainda que toda afamília vivia em função do porco: “Nóstrabalha pra mais de nove marchantes, sóaqui na Rocinha. É o nosso ramo de vida.Meu marido não mexe com outra coisa. Ummucado de anos fazendo trabalho de porco.A gente nem sabe girar outra vida”. Ao dizerque a clientela havia diminuído, surgiu umaKombi, coincidentemente naquele momento,

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de um famoso restaurante de Botafogo, aprocura dos marchantes. Outra figura dafavela, um senhor de nome Pedro AbdiasCordeiro, vulgo Major Cosme, de 70 anos arespeito da nova enfermidade dos porcosdisse o seguinte: “Mato porco pra feiradesde menino. Só de botar o olho no porcodigo se está sadio ou doente. Souveterinário da moléstia, na prática nenhumdoutor me encosta. E lhe digo: tem malíciaaí, já escutamos falar nas fogueiras, tãotacando fogo nos porcos. Acho mais quetem gente vendendo esses bichos da gente.Botar fogo, perder tudo? Ora, dizer isso pramim ...” Um outro interessante personagem,um vendedor de brilhantina, perfumes esabonetes no morro, seu Egberto NunesFerreira, tido como poeta e de fala “bonita”disse que tinha algumas dúvidas sobre essadoença: “Primeiro eu vou fazer umapergunta: onde estão aquelas organizaçõescientíficas, entre elas a Fundação OswaldoCruz, Vital Brasil, Butantã de São Paulo,que dormem eternamente, sem fazerempesquisas para a defesa do gado suíno?”

Segundo Frias (1978) a autora dareportagem, o que chamava a atenção naFeira de Caxias era que lá havia de tudo, eo porco, que andava meio escondidinho,estava presente no sarapatel, nosarrabulho, nas costeletas assadas, nossanduíches de pernil e no churrasquinhocom cerveja. Vendedores com sacolas decarne de suíno morto à noite não faltavam.Na feira de São Cristóvão, a situação nãodiferia da Feira de Caxias. Um freguêsdessa feira assim resumiu o problema daPSA“antes que o governo mate, nós mata ecome” .

Os técnicos do Ministério achavam que onúmero de porcos na favela Nova Brasíliaaumentou muito desde que o abate foiiniciado e a explicação poderia estarrelacionada com a quantia paga a título deindenização - Cr$20,00 o quilo (US$1,11) -considerada alta, o que estaria levando

muita gente a levar porco para a favela como objetivo de vendê-los, conformeGoverno... (1978c).

A partir da primeira semana de junho, foramidentificados novos surtos em váriosmunicípios do Rio e o Ministério daAgricultura ordenou o sacrifício de suínosdas criações consideradas infectadas esituadas em um raio de 16 km, uma vez quea estratégia era impedir que a doençaatingisse outros Estados, especialmentenaqueles onde a suinocultura era muitoexpressiva. Para que não houvessederramamento de sangue e conseqüentecontaminação do ambiente, o Ministérioordenou que o abate dos animais criadosem torno dos focos da PSA fosse feito comauxilio de marreta. A imprensa de todo opaís documentou e criticou a forma deeliminação dos porcos que, ora eramamarrados e arrastados pelas ruas dascidades, como foi o caso de Paracambi oudas favelas e periferia do Rio de Janeiro,ora abatidos ou atordoados a pauladas emarretadas, na frente de crianças e adultos,conforme Paulada... (1978). As fotospublicadas nos principais jornais e revistassemanais geraram protestos de todas aspartes (figuras 9 e 10). Representantes daAssociação Protetora dos Animais,professores de medicina legal, dentreoutros, denunciaram, de forma veemente, ométodo de abate, como foi o caso doProfessor Antônio Protássio Pereira, daUniversidade Federal Rural do Rio deJaneiro- Km 47, que invocou o Decreto no.24.645, de 10 de agosto de 1934, em seuartigo 30, inciso 6, que “considera ´maus-tratos` não dar morte rápida, livre desofrimentos prolongados, a todo animal,cujo extermínio seja necessário para oconsumo ou não”. Considera o uso damarreta condenável, é uma prática dasociedade do barbarismo, do início domilênio à época medieval, conforme Abate...(1978).

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Figura 9. Apesar dos protestos contra a marreta, ela foi usada ontem para matar mais de 500porcos. Jornal O Globo, 7 jun.1978.

Figura 10. Ignonímia! São arrastados para a morte como bois para o matadouro. O Pasquim, 7jul.1978.

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Logo que se iniciaram os abates dos porcoscom o uso de marreta, os veterinários doRio de Janeiro confidenciaram à imprensaque “repugna o método de matançautilizado para abater os porcoscontaminados – é algo medieval, brutal,pouco eficaz e que, alem de provocarsofrimento no animal, traz outros doisproblemas graves: a demora no abate e arevolta dos criadores”. Eles sugeriam o usode pistola para abate dos animaisinfectados. Alguns veterinários estavampensando em aplicar anestésico nosanimais, mesmo que com recursos próprios,“mas essa medida está proibida pelosnossos superiores, já que demanda tempo”,de acordo com Ministro... (1978c).

A representante da Sociedade ZoófilaEducativa, a médica veterinária ClaudeDunin, disse que “é um absurdo a maneiracom que os técnicos estão matando osporcos sob suspeita de estarem com a PSA,além de ser contra todos os princípios deabate humanitário, é ilegal. Isto semconsiderar que os animais estão sendosacrificados sob as vistas da população”,conforme Peste... (1978k).

As primeiras imagens dessa forma desacrifício falam por si e não encontramsimilar em qualquer outro país onde oproblema ocorreu. Ao reproduzí-las nestapesquisa, a intenção é de manter viva “essalembrança”, ainda que negativa, para quedessa experiência resulte um conhecimentoque contribua para o crescimento a inserçãosocial da veterinária brasileira. Em vista dapressão social, as autoridades sanitárias doMinistério da Agricultura recuaram epassaram a utilizar o processo defuzilamento dos animais, Figuras 11, 12 e135.

5 Fotos 12 e 13 gentilmente cedidas pelo Prof.Élvio Carlos Moreira – Escola de VeterináriaUFMG

Figura 11. Abate de porcos, com auxilio demarreta. Ourinhos - SP: Folha de S.Paulo,24 jun. 1978.

Figura 12. Presença de curiosos durante ospreparativos para o sacrifício sanitário desuínos. Região centro-oeste de MG.

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Figura 13. Abate de suínos pela Polícia Militar de MG – região centro-oeste de MG

No dia 22 de junho de 1978 dois caminhõeslevaram para o abate mais 150 porcos dasfavelas Lixeira e Alvorada, situadas atrás daNova Brasília. Os dois caminhões maiscinco viaturas do Ministério da Agriculturasubiram nessas duas favelas e tiveram deenfrentar dificuldades dos buracos, das ruasestreitas e da falta de colaboração dosmoradores. Os animais passaram a sertransportados vivos para o local do abatepara não provocar revolta nos moradores,pois há vinte dias, quando os trabalhoscomeçaram, os porcos eram mortos àmarreta no local, e alguns moradoreschegaram a ameaçar os técnicos, emMinistério... (1978).

Outra denúncia que chegou à imprensareferia-se a uma propriedade comdiagnóstico de PSA, em Ourinhos, SãoPaulo, interditada em 22 de junho de 1978,em que os 71 suínos confiscadospermaneceram durante todo o dia dentro deum caminhão da Prefeitura, sob a ação dosol, sem comida ou água, à espera daexecução que, afinal, não aconteceu pelaausência do pelotão de fuzilamento ouainda pela falta de munição, de acordo com

o depoimento de técnicos da própriaSecretaria, em Governo... (1978e)

O trabalho na favela Nova Brasília, iniciadono dia 1º. de junho estava praticamenteconcluído no dia 29 daquele mês. A equipe,constituída por dois veterinários e dozetécnicos, deslocou-se para a favela deJoaquim Queiroz, que possuía cerca de milsuínos e para a favela do Rato Molhado. Emtodos esses lugares, a situação de criaçãodos animais era muito semelhante. NaFavela do Rato Molhado, próximo ao valão,funcionava a birosca do Sr. FranciscoHeleno Mota. Nos fundos da casaconviviam, em meio à lavagem e à lama,uma porca de 150 Kg (“Bóia”), uma cabra(“Sua Mãe”), outros vinte e três porcos, umcabrito, dez cachorros, alguns gatos e dezcrianças. Tendo sido esse o primeiro localvisitado pelos técnicos, houve uma certaresistência dos moradores e muitachoradeira, como retrata a imprensa.Quando o proprietário recebeu doveterinário Diocleciano Peixoto, um vale deum cheque de Cr$25.000,00 (US$1 387.00),o Sr. Francisco e seus filhos se acalmaram,conforme Peste... (1978o). Ao final dostrabalhos nas favelas Nova Brasília,

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Alvorada e Rato Molhado foram abatidos1.171 porcos e outros 556, em lixões,favelas de vários municípios do Rio deJaneiro, conforme Comissão... (1978).

Em decorrência do apelo das autoridades,muitos donos de criações denunciaramespontaneamente casos de doenças emortes em seus animais e, como não haviapossibilidade de atender a tantos chamadose denúncias, muitas situações inusitadasocorreram. Assim, Dona Marinita dosSantos Oliveira, moradora em São João doMeriti, depois que nove filhotes de suaporca morreram, esperou em vão pelapresença de autoridade sanitária em suacasa, enterrou quatro filhotes no quintal dacasa e atirou os demais no rio Sapucaí. Elaresolveu então comunicar o fato à delegaciade policia de sua cidade, que encaminhou ocaso para a Secretaria de Agricultura do Riode Janeiro, segundo Aviso... (1978) ePortaria... (1978b).

Outro caso curioso e que merece registroaconteceu com D. Benedita VieiraGonçalves, moradora em Duque de Caxias,no Rio de Janeiro, que possuía mais de 30porcos que foram adoecendo e morrendocom sintomas de diarréia e febre. Ela avisouao Hospital Infantil de Duque de Caxiassobre as mortes dos animais. Este, por suavez encaminhou o caso ao Ministério daAgricultura, que enviou uma equipe técnicapara apurar as denúncias. Os técnicosrecolheram um leitão afetado pela doença eo encaminharaam para exame nolaboratório da Ilha do Fundão. Foiconfirmado, após 30 dias, o diagnóstico daPSA, tendo então a equipe do Ministério daAgricultura retornado à residência da D.Benedita e procedido à apreensão dos cincosuínos sobreviventes. Contudo, não foi feitaa captura dos porcos criados nos quintaisdos vizinhos, conforme se recomendava emáreas de foco da PSA, segundo Rio...(1978b).

Em Belo Horizonte a Prefeitura propôs aerradicação da criação de suínos dentro dacidade, em consonância com as diretrizesdo Ministério da Agricultura. Inicialmenteseria feito um trabalho destinado a estimularo autoconsumo, conforme BH... (1978).

A imprensa mineira, a exemplo do queocorreu no Rio de Janeiro, interessou-se emacompanhar todas as providências emrelação ao abate de suínos nas favelas eperiferias da cidade. Assim, no dia 25 dejulho de 1978, quando os repórteresresolveram ir à favela para verificar a atitudedos moradores, puderam registrar situaçõesinusitadas e às vezes pitorescas. D. MariaAgripina, com seus cinco cachorros, umgato, algumas galinhas e dez porcos,explicava: “vou conversar com um coronelque conheço, para ver se ele quer levar osporcos para o sítio dele. Assim, a gente cria´à meia` porque o tempo que eles deram pragente decidir é muito pouco e eu não sei oque fazer”. Praticamente em cada casa hápelo menos um porco e, como muitos nãotêm chiqueiros, os animais se misturam comcrianças e adultos. D. Onofra dos Anjos, diznão entender por que eles iriam fazer aquilocom os seus bichos. “Nunca tiveram umadoença e a única que me está dandoproblema é uma porca que está comreumatismo”. As crianças avisam à repórter:“perto daqui tem uma dona que cria 26porcos” e se ofereceram como guia, masrecomendam para não entrar por causa doscachorros. A dona de casa aparece eassustada explica: “tenho apenas umaporca gorda, já na hora de matar, por issoacho que não vou ter problemas”. Às suascostas, os roncos de muitos animais podiamser ouvidos, mas ela insistia “não tenhocriação, já tive muitos porcos, mas venditudo no Natal”, e desapareceu no estreitocorredor que a levava até sua casa.Segundo a Secretaria Municipal de Saúde,só na Favela Morro do Papagaio existiamperto de 20 mil cabeças, conforme Nasfavelas... (1978a).

Na favela, a notícia de que os porcos alicriados iriam ser abatidos pelo governoprovocou grande agitação. Muitosmoradores asseguravam que se issoacontecesse “o número de assaltos vaiaumentar, a Arena vai perder, pois é partidode governo e o governo quer é nos matar”.O Sr. Modesto Cupertino, do Morro doPapagaio, dono de 17 porcos declara aorepórter do Estado de Minas, em NasFavelas... (1978b): “A gente perde o sono efica pensando onde está a mentalidade

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desses chefes de nação, porque meu Deus,falar que a criação de porcos aqui é ilegalse jamais apareceu por esses lados umfiscal da prefeitura? Porque matar nossosporcos se nunca tiveram nenhuma doença enem conhecemos essa tal de peste suína?Isso para mim não passa nem na cabeça decavalo”.

Na favela Barragem Santa Lúcia D.IldaAraújo Oliveira, dezessete filhos, engordasete porcos para ter banha para cozinhar ecomer carne duas vezes por ano. Nãoconsegue vender seus porcos e diz “como éque vou matar uma porca que daqui a unsdias vai dar cria?”. Nos botecos, osgrupinhos não conversam sobre outra coisa.

Na Secretaria Municipal de Saúde, ninguémfala mais sobre o assunto e todos repassamo problema para o Ministério da Agricultura,que é o órgão responsável pelo combate àPSA. Este, por sua vez, não quer seresponsabilizar sozinho e transfere oproblema para a Secretaria Estadual deSaúde, que tem jurisdição sobre as áreasurbana e suburbana da cidade. No dia 1º.de agosto, em Belo Horizonte, apesar daconfirmação de um foco da PSA no bairroSaudade, situado na periferia da cidade, eesgotado o prazo dado aos favelados, aindanão se tinha uma decisão sobre os porcoscriados nas favelas. O Sr. José XavierMonteiro, Chefe do Serviço de DefesaSanitária do Ministério da Agricultura, ementrevista à imprensa dizia que “a prefeituraestá se retraindo e jogando a bomba sobrenós. Só temos autonomia para atuar nosfocos da doença, mas entrar nas favelaspara retirar os porcos é da competência daprefeitura, para dar cumprimento à lei queproíbe a criação”, conforme Prefeitura...(1978).

O Presidente da União dos Favelados deBelo Horizonte, Francisco Nascimento,afirmava à imprensa que “num país comtanta pobreza, desemprego, subemprego,baixas pensões, igual ao nosso, não sepode exigir que certas posturas sejamobservadas com rigor”. Para ele, apesar dea criação de porco não ser uma atividadelegal, sua prática vinha sendo tolerada pelas

autoridades e pela própria sociedade,Matança... (1978b).

No entanto, era possível encontrar criaçõesde suínos de favelas, criados com restos dealimentos recolhidos de sacolões, como sedocumentou, na época, por meio das figuras14 a 166.

Figura 14. Moradoras da favela Cabeça dePorco, recolhendo restos de “sacolão” doBairro Savassi, Belo Horizonte, paraalimentar porcos. Agosto/1978

Figura 15. Moradora da favela Cabeça dePorco, recolhendo restos de “sacolão” doBairro Savassi, Belo Horizonte, paraalimentar porcos. Agosto/1978

6 Fotos gentilmente cedidas pelo Prof. ÉlvioCarlos Moreira, da Escola de Veterinária daUFMG.

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Figura 16. Criação caseira de porcos. Favela Cabeça de Porco, Belo Horizonte-MG.Agosto/1978

Para as autoridades sanitárias e políticas,todos os surtos ocorridos no Estado do Riode Janeiro estavam associados ao focoinicial de Paracambi ou da favela NovaBrasília. Porém uma explicação inusitada,que guarda semelhança com a teoria docausador humano, cujo exemplo clássicoencontra-se na história da disseminação dapeste bubônica na Europa, tenta justificar aorigem do primeiro foco da PSA em MinasGerais, em Volta Grande, cidade próxima àdivisa do Estado do Rio de Janeiro, ondeduas criações de porcos de “fundo dequintal” foram atingidas pela doença, comquatro animais mortos e 46 abatidos. Aorigem desse surto, na opinião doSecretário de Agricultura de Minas Gerais,Sr. Agripino Abranches Viana, foi aseguinte: “O transmissor foram dejetoshumanos, lançados diretamente emchiqueiros, onde eram engordados algunsporcos. Acontece que estes dejetosestavam contaminados pelo vírus contraídopela família proprietária dos porcos que, háalguns dias, havia participado de uma festade casamento na favela Nova Brasília, noRio, onde há um foco da peste”,Aparecimento... (1978).

Porém, poucos dias após esse surto, surgiuoutro em Minas Gerais, ainda maisenigmático, na Fazenda Jacilândia, emIgarapé, desta vez em uma suinoculturamodelar, de propriedade do Sr. LincolnMartins Viana Jr., Vice-Presidente doNúcleo de Suinocultura de Belo Horizonte.Segundo Viana informou à imprensa, cercade 1100 animais foram eliminados a tiros eenterrados, sem que fosse apresentadoqualquer indício da entrada da doença norebanho, Começa... (1978).

4.4.2 A mídia e o discurso dos técnicossobre o episódio da PSA no Brasil

O Secretário Nacional de DefesaAgropecuária do Ministério da Agricultura,Sr. José Alberto da Silva Lira, convocou aimprensa, em 29 de maio de 1978, paraesclarecer o tipo de doença que atacou orebanho suíno em Paracambi, no Km 56 davia Dutra. Segundo ele, tratava-se de umapeste suína exótica, cuja confirmaçãodependia ainda do resultado da análiselaboratorial que estava sendo feita nosEstados Unidos. O Secretário explicou quealimentos contaminados são a provávelorigem do surto, Peste... (1978d).

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Em 31 de maio de 1978, o Ministério daAgricultura recebeu, por telefone, aconfirmação do Centro de Investigações deDoenças Animais Exóticas, dos EstadosUnidos, de que o vírus que contaminou orebanho do Estado do Rio era realmente oda PSA, conforme No RJ... (1978).

O Sr. José Alberto Lira disse à imprensaque a única coisa que ainda permanecia emsegredo, para as autoridades ligados aoproblema, era a origem do vírus que,embora fosse peculiar na África, poderia tersido importado da Espanha ou de Portugal,conforme Ministro... (1978a).

O veterinário José Mauro de Carvalho, daSecretaria da Agricultura do Rio de Janeiro,que participou do trabalho na Favela NovaBrasília, declarou à imprensa que “há muitotempo que a peste africana acabariaatingindo o nosso rebanho e nunca foi feitonada para se evitar que isso acontecesse”.Certamente ele deveria estar se referindo àsrecomendações do Relatório do Dr. SérgioCoube Bogado, que havia realizado umaviagem oficial aos países da PenínsulaIbérica. Para o entrevistado, os aeroportosdeveriam ter uma “fiscalização mais sériapara evitar que aconteçam coisas como estapeste, que poderá exterminar o nossorebanho suíno e nossa barreiraepidemiológica é praticamente inexistente efalha em todos os sentidos”, Peste...(1978k).

Em declaração ao Jornal do Brasil, de 08 dejunho de 1978, que, segundo os repórterespresentes na entrevista, deixou a todos“surpresos” e que repercutiu em toda aimprensa nacional, o Sr. Antonio Perez,Secretário da Agricultura do Estado do Riode Janeiro, disse que manteve em segredodurante “algum tempo” - não precisouquanto - a informação sobre o ataque daPSA ao rebanho da Fazenda Floresta, paranão prejudicar a imagem do Brasil noexterior, conforme Perez (1978). No diaseguinte, o referido jornal, sob o título “piorepidemia” reproduz a matéria, criticandoduramente a posição do Sr. Antônio Perez: “a psicose das salvaguardas costuma dar osmais inesperados resultados. Agora é oSecretário da Agricultura deste Estado, Sr.

José Resende Perez, que, evidenciandouma forma de zelo inteiramente inédita pelasalvaguarda do prestigio do Brasil noexterior, resolveu manter secreta a notíciado surto da peste suína africana que vempreocupando as autoridades e a populaçãodo Rio. Aí está a verdadeira e graveepidemia do Brasil. A de pretender ocultar-se, por sistema, ou camuflar-se, toda equalquer noticia dos vícios, erros e desviosdos poderes constituídos. Aí está o querealmente projeta, no exterior, essa imagemtão desprimorosa quanto injusta, que nosdiminui e nos humilha. Essa não é africana,nem ataca suínos. É uma epidemiacaracterística de uma certa casta deadministradores brasileiros, para os quais opaís se reduz a uma chácara particular, naqual tudo se permitem e a nada se sentemobrigados. Quanto às imagens não épreciso realmente, recorrer aos pobresporcos. A opinião pública, a tal que nãoexiste, é espelho mais do que suficiente. Epara ela, seja a nacional, seja a estrangeira,o que compromete inapelavelmente oprestígio do país é substituir-se a franquezae a coragem do debate pela vergonha desegredo institucionalizado”, segundo Pior...(1978).

Esse tipo de declaração do Secretário deAgricultura do Estado do Rio de Janeiroajudou a aumentar o desgaste técnico epolítico das autoridades sanitárias. Deacordo com a legislação brasileira, essaexigência de notificação à OIE caberiaapenas ao Ministro da Agricultura, que é aautoridade máxima do país na área daAgropecuária. Porém, conforme comentadono item 4.3.1, que trata das versões daentrada da PSA no Brasil ficou marcado ocaráter polêmico desse personagem, aoafirmar que a PSA poderia ter entrado noRio de Janeiro por meio de outros Estados.

Em Belo Horizonte, o médico veterinárioMarco Aurélio Jardim de Miranda, ao serentrevistado pelo Estado de Minas, disseque “a única maneira de se evitar que apeste, trazida pelos colonos de Angola eMoçambique, se alastre pelo resto do país éeliminar todos os porcos onde foremdetectados os focos da doença”, emPaulada... (1978).

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De acordo com Brasil... (1978b), oPresidente da República, General ErnestoGeisel, por meio do Decreto nº 81.798, de15 de junho de 1978, autorizou o uso dasforças armadas no combate à PSA, quandorequisitada pela autoridade sanitária e, pelaprimeira vez na história da defesa sanitáriaanimal, obrigava a qualquer pessoacomunicar ao Ministério da Agricultura aexistência de doença em suínos, conformeconsta do art.3º: “As autoridades federais,estaduais e municipais, bem comoquaisquer pessoas que tenhamconhecimento da existência de doenças emsuínos, são obrigadas a comunicar o fatoimediatamente ao Ministério da Agricultura.”

Em 16 de junho de 1978, o Ministro daAgricultura, Sr. Alison Paulinelli, por meio decadeia nacional de rádio e televisão, pediu acolaboração da população no sentido deinformar a existência de algum foco depeste suína, conforme Geisel... (1978).

A Secretaria de Agricultura do Estado doRio de Janeiro distribuiu documento técnicopara criadores e técnicos sobre a evoluçãoe medidas de combate da PSA, que, deacordo com trabalho do Dr. Sérgio Bogadoé de curso letal e que não tem vacina eficaz.São descritos ainda os principais sinaisclínicos da doença e a necessidade de serecorrer a testes laboratoriais para seudiagnóstico, Peste... (1978a).

O Sr. Paulo Rocha Camargo, Secretário deAgricultura de São Paulo, em declarações àimprensa insinuou que a doença nãoafetaria as criações tecnicizadas pois: “oscriadores dotados de alta tecnologia,utilizando métodos profiláticos maisavançados, poderão contornar a crise,evitando que os seus rebanhos sejamatingidos, caso contrário terão de se adaptarcom maior dificuldade à nova situação,depois de sofrerem a dizimação de seusrebanhos”. Comentou que, na Espanha,havia a peste suína, mas os grandescriadores, dotados de alta tecnologia,sabiam como isolar seus rebanhos dadoença. E arrematou: “tudo depende doesforço individual de cada um, emobediência às normas baixadas por nós e oMinistério da Agricultura”, Peste... (1978t).

Em São Paulo, a imprensa levantouinformações sobre 212 mortes de suínos naregião de Ourinhos, desde o dia 18 de maiode 1978, e em Jacarezinho, onde teriammorrido cerca de 400 suínos. Segundo ocriador Sebastião Tonete, de Santa Rosa,os técnicos da Secretaria de Agricultura doParaná e as autoridades municipais tinhamconhecimento da morte de animais háquase três meses, sem que fosse feitoqualquer diagnóstico, tendo morrido 250cabeças até meados de maio de 1978. Ostécnicos paranaenses não negaram que apeste africana poderia ter tido o seuprincipal foco naquele Estado e não no Rio,como concluiu o Ministro da Agricultura. Ainterpretação dada a esse episódio foi, nomínimo, precipitada, devido à carência deinformações, pois não houve diagnósticoclínico e laboratorial, portanto, não existiamdados que permitissem fazer uma análiseepidemiológica adequada. Além disso, ainterpretação dada, além de influir nacredibilidade das autoridades sanitárias nopaís, repercutiu negativamente no exterior,Peste... (1978j).

A propósito desse fato, o Sr. Carlos RuizMartinez, que era, desde 1948, o delegadopermanente do governo da Venezuela juntoao Escritório Regional da OIE, em Caracas-Venezuela, assim se manifestou “segundo amais sólida das versões, há dois anoshouve mortes de animais no Estado doParaná e há três meses esses casos estãoestabilizados, mas eram tambémconhecidos casos de mortes de animaispela chamada peste africana”, em RuízMartinez (1978). O que é estranhável nainterpretação do autor é que a notíciadivulgada pela mídia era vaga, informandoque o diagnóstico laboratorial não havia sidofeito e, em decorrência, não fora objeto denotificação extraordinária por parte dasautoridades do Ministério da Agricultura. Aposição assumida pelo autor e pelaentidade internacional que representava nãose coadunavam com os termos do artigopublicado, por não se basear nascomunicações oficiais do governo brasileiro.Esse caráter alarmista do artigo certamentecontribuiu para que os países vizinhos aoBrasil adotassem medidas de vigilânciasanitária muito extremas, como ocorreu no

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Uruguai, que sacrificou todos os suínos desua fronteira com o Brasil, numa faixa de 15a 20 quilômetros, Balanço... (1979).

O Secretário Estadual de Saúde de SãoPaulo, Walter Leser, considerava que nãodispunha, até aquele momento, deinformações precisas sobre asconseqüências do vírus da PSA noorganismo humano, pois nem ao menos ostécnicos da Agricultura tinham podido, atéentão, apurar se a ingestão da carne suínaafetava ou não a saúde do homem, em SP:...(1978). Essas considerações daautoridade maior de saúde do Estado deSão Paulo, quando divulgada para todo opaís, colocou em dúvida as afirmativas dopróprio Ministro da Agricultura que, nosprimeiros dias da epidemia, esclareceu queo vírus não era transmissível ao homem.

Não faltou, por outro lado, opinião de comocombater a doença por meio de estratégiasque nunca haviam sido aplicadas em outropaís. No Rio de Janeiro, em declarações àimprensa, o veterinário e professor daUniversidade Federal Fluminense, PauloVon Freta, disse que a contaminaçãopoderia ter sido controlada se tivessem sidotomadas as medidas adequadas. Segundoele, a doença tinha de ser combatida daperiferia para o foco e que a área ondesurgiu a peste suína deveria ter sidointerditada militarmente e as pessoas quetiveram contato com o local deveriam ficarsessenta dias isoladas, Aparecimento...(1978).

Em Minas, alguns técnicos da Secretaria daAgricultura consideravam “inviável” o planodo Ministério da Agricultura, que previa aeliminação dos depósitos de lixo próximosdas cidades para evitar a disseminação dadoença, porque não havia nada quepudesse impedir a engorda de porcos poruma multidão de famílias em todo o país,conforme Secretaria... (1978).

Também para os técnicos, da Secretaria deAgricultura de Minas Gerais, a eliminaçãodo risco de novos surtos da PSA era“praticamente impossível”, de vez queapenas a implantação de criatórios emcondições perfeitas de higiene poderia

impedir o aparecimento de novasepidemias. No entanto, sugeriam umtrabalho de esclarecimento junto àspopulações rurais sobre os riscos da PSA edivulgação de alternativas de baixo custo,no sentido de melhorar a pequena criaçãodestinada ao consumo familiar, de acordocom Técnicos... (1978a).

O Sr. Agripino Abranches Vieira, Secretárioda Agricultura do Estado de Minas Gerais,defendia a tese da convivência dasuinocultura com a PSA e, para ele, “aepidemia poderia trazer algum beneficio namedida em que, a partir de agora, se tornanecessária a adoção, em larga escala, dacriação confinada, intensiva, substituindo acriação extensiva, de quintal, feita porpequenos criadores”, de acordo comCombate... (1978). Coincidentemente, oSecretário de Agricultura do Rio de Janeiro,Sr. José Resende Perez, expressou amesma opinião a respeito da pequenacriação de suínos, pois, segundo ele, “atendência no Brasil, a longo prazo, ésubstituir as criações medievais de suínos,ou seja, em fundos de quintais e favelas,por criações em granjas de confinamento,não implicando o aniquilamento dospequenos criadores que podem se atualizarcom as regras da zootecnia, a exemplo doque ocorre no Estado de Santa Catarina”,segundo Delegado... (1978).

No entanto, o Sr. Ari Guimarães, Presidenteda Associação Mineira de Suinocultores,discordou da posição assumida peloSecretário de Agricultura de Minas, poisdisse: “em Minas, por exemplo, apenas 30%do mercado são abastecidos pelos grandessuinocultores que empregam tecnologiadesenvolvida”. É necessário distinguir,nesse momento, a atitude firme e únicadentro do cenário nacional, do Sr. AriGuimarães, que sempre ressaltou em suasdeclarações a preocupação com ospequenos produtores, conforme Combate...(1978).

No dia 1º de julho de 1978, a imprensaprocurou o Dr. Sérgio Bogado, que há 15anos havia alertado o governo brasileirosobre os perigos da PSA. O Dr. Bogado,quando retornou da viagem à Espanha e

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Portugal, onde estudou a PSA, já prevendoo risco da entrada da doença no país fez umapelo, pela imprensa, às colôniasportuguesas e espanholas, quandovisitassem o Brasil “para que nãotrouxessem embutidos nas suas viagens”,Essa declaração, no entanto, foiinterpretada pelo Itamarati como umaingerência dele em outra área do governo e,a partir daí, ele decidiu-se a não mais darentrevistas, em Peste... (1978t).

O Ministro da Agricultura, Sr. AlisonPaulinelli, ao reconhecer que o Ministérionão dispunha, ainda, de um sistema dedefesa sanitária perfeito e ideal, justificavaser esse um problema mundial e que oBrasil tinha grande dificuldade em fiscalizaruma área muita extensa de fronteira,constituída por cinco mil quilômetros deterra e sete mil quilômetros de costa. Noentanto, afirmava que estava preocupadoem apurar as responsabilidades e que osepidemiologistas continuavam estudando ascausas da doença e como ela surgiu eentrou no país. O Ministério da Saúdeadmitiu que os alimentos de origem animaltrazidos a bordo de barcos angolanos,assim como animais vivos, roupas ecalçados dos imigrantes poderiam serconsiderados como a via mais provável deintrodução do vírus da PSA no Brasil, doque os alimentos servidos a bordo de aviõesinternacionais. O Ministério da Aeronáuticaexpressou a mesma opinião. Contrariando ocomportamento do Ministério da Agricultura,que nunca havia dado uma explicaçãoconsistente quanto ao surgimentosimultâneo da PSA em regiões tãoafastadas do território nacional, o Ministérioda Saúde, para fortalecer a sua hipótese,apresentou a relação da chegada ao Brasil,nos últimos anos de, pelo menos, quinzebarcos procedentes de Angola quetransportavam animais vivos, inclusivesuínos, em promiscuidade com passageirose alimentos de origem animal. Em SantaCatarina, chegaram quatro barcos; naBahia, cinco e no Rio de Janeiro, seis,conforme Paulinelli...(1978a).

O Sr. Alison Paulinelli, garantiu, em Juiz deFora, que todos os focos da PSA no país jáhaviam sido erradicados e propôs aos

criadores que denunciavam a doença comomanobra das multinacionais do porco, queautorizassem a inoculação de seusrebanhos, para ver os resultados, conformePaulinelli...(1978b). No dia seguinte, aimprensa nacional estampava manchetescom a notícia do reaparecimento da doençaem cinco Estados, totalizando 11 focos. Aassessoria do Ministro tratou de dizer queele não havia declarado a erradicação detodos os focos da PSA e sim que a situaçãoestava sob controle, em Peste... (1978r).

O veterinário Cláudio Lowenthal,especialista em suínos, disse à imprensanão acreditar na existência da pesteafricana, nem mesmo crônica, ou seja,atenuada, Que Peste... (1978).

O responsável pelo setor de educaçãosanitária do Ministério da Agricultura, naDelegacia Federal do Rio de Janeiro,Francisco Sampaio, ao ser entrevistadosobre a entrada da PSA no Brasil,considerou que existia apenas a hipótese douso de restos de alimentos de bordos deaeronaves desviados do AeroportoInternacional do Galeão: “Todas ashipóteses foram estudadas pelo Ministério,pelos epidemiologistas e existem provasconsideráveis de que ela chegou através derestos de comida de avião e entrou pelafazenda de Paracambi, porque há três anos,aproximadamente, eles já alimentavam osanimais com restos de comida de avião.Inclusive na propriedade foram encontradosmais de 15 mil talheres usados e umaquantidade imensa de material plástico paraconsumo de refeições de várias companhiaseuropéias e africanas”. Quanto àfiscalização de restos de comida e demaisresíduos em aeroportos, portos e terminaisde passageiros, disse que: “... essa questãoestá afeta aos Ministérios da Agricultura,Saúde, Aeronáutica e várias organizaçõesque funcionam nos aeroportos, portos edemais meios de transporte. O Ministério daAgricultura é responsável pela parte daprodução animal e nosso acesso à área defiscalização está mais ou menos controladopelo sistema da alfândega. Ao Ministériocaberia ver questões de passageiros ebagagem trazendo produtos que pudessemeventualmente contaminar o rebanho

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brasileiro” Essa afirmativa, no entanto, nãoencontrava respaldo no Decreto n.º 24.548,de 03 de julho de 1934 e nas legislaçõessanitárias complementares hierarquicamentesuperiores às portarias ou normas internasde funcionamento de portos e aeroportos. Aprópria imprensa se encarregou de levantaras legislações sobre as obrigações dadefesa sanitária animal, quando ficou claro,para toda a sociedade, a responsabilidadedo Estado brasileiro quanto à falta defiscalização de resíduos de alimentosproveniente de outros países. Enquanto oMinistério fazia segredo quanto à provávelorigem do surto, a imprensa rapidamentedesmascarava todo o esquema fraudulentode desvio e aproveitamento ilegal dessesrestos de alimentos, de acordo comGoverno... (1978b).

Com o aparecimento de novos focos dePSA, em vários pontos do país, comcaracterísticas distintas daquelas divulgadaspelas autoridades sanitárias do Ministério daAgricultura, começaram a surgirdivergências sobre o diagnóstico e ascaracterísticas clínicas da doença. Asopiniões contraditórias sobre ocomportamento da doença em todo o paíscertamente comprometiam a credibilidadeda veterinária brasileira, desde que muitosatores sociais colocavam em dúvida odiagnóstico laboratorial e, conseqüentemente,as medidas de combate à doença. A PSAno Brasil foi um dos temas discutidos noCongresso Internacional de Veterinária daLíngua Portuguesa, realizado em SãoPaulo, entre 23 e 28 de julho de 1978,oportunidade para que o Conselho Federalde Medicina Veterinária (CFMV), ainda quedecorridos mais de dois meses da entradada doença no país, se manifestasseoficialmente, por meio de seu Presidente,René Dubois, que publicou nota oficial emuma revista especializada em suinocultura,de circulação restrita, em que decidia:

1. Apoiar integralmente a política adotadapelo Ministério da Agricultura, por meio daSecretaria Nacional de DefesaAgropecuária, por entender que a mesmapersegue o objetivo de erradicar, o maisrapidamente possível, a PSA.

2. Reafirmar, na condição de órgãofiscalizador do exercício profissional, aconfiança na idoneidade e na capacidadedos médicos veterinários responsáveis pelodiagnostico da virose e pelas conseqüentesmedidas sanitárias indicadas.

3. Manter, como órgão assessor dogoverno, representação permanente junto àComissão Central de Erradicação da PSA,acompanhando o processamento sanitárioem todas as suas fases e testemunhando aalta qualidade dos métodos empregados nodiagnostico por imunofluorescência,imunodifusão e cultivo de vírus, capazes deoferecer total segurança.

No mesmo documento, o Conselho Federalsugeria a revisão dos serviços de vigilânciasanitária em fronteiras e áreas dedesembarque, implantação de um programanacional de sanidade em suínos, laboratóriocentral de diagnóstico, segundo Dubois(1978). Com essa nota, o CFMV deu mostrade sua visibilidade, emprestou solidariedadee apoio prévios tanto à política do Ministérioda Agricultura, quanto aos veterináriosresponsáveis pelo diagnóstico da doença. OConselho, como autarquia que tem, entresuas atribuições principais, a assessoria aosórgãos públicos, deveria cumprir um papeldestacado ao longo de todo o processo,sendo solidário ao Ministério da Agriculturae aos profissionais encarregados deexecutar as diversas ações sanitárias. Noentanto, o que se verificou foi uma totalausência dessa autarquia, especialmentenos momentos de maior questionamentosobre a veracidade da existência da PSA noBrasil. Considerando-se a relevância doassunto e a polêmica que já estavaestampada em manchetes diárias em todosos jornais do país, esperava-se que essanota oficial, ainda que tardia, fossepublicada nos jornais de maior divulgaçãono país, o que não ocorreu. A leitura deoutros documentos e fontes de informaçãorelacionados com a ocorrência da PSA noBrasil permitiu-me descobrir a mudança dopensamento do Sr.René Dubois em relaçãoà PSA. Assim, em 19 de novembro de 1980,conforme está publicado no capítulo deintrodução dos Anais do CongressoBrasileiro de Suinocultura, realizado em

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novembro de 1980, em Campinas, SãoPaulo, o Presidente do CFMV, em seupronunciamento, surpreendeu pelacontundência da crítica que fez, tanto àpolítica sanitária do Ministério, quanto àcondição de treinamento dos veterináriosenvolvidos no programa de combate àdoença, contrariando o que fora publicadohá 18 meses, na nota oficial, anteriormentereferida, ao afirmar que “a suinocultura e apecuária viviam um seriíssimo problema naárea da sanidade, a política do Ministériotinha perdido o ´apoio prévio` do Conselho esobre a questão do aprimoramento técnico,reconhece que os técnicos (médico-veterinários) necessitavam de maiorcompetência profissional”. O trechoselecionado a seguir ilustra a nova posiçãodo Presidente do CFMV: “O fulcro da criseque atinge a suinocultura em particular,como a pecuária em geral, é o seriíssimoproblema da sanidade animal. Vivemosainda o severo revés que nos foi impostopela peste suína africana. O fortalecimentoda defesa sanitária animal, que precisaatuar com mais autoridade, maioragressividade, e melhor eficiência, é medidaque precisa tornar-se prioritária. Para tantoé indispensável maior aporte de recursos,destinando a sua aplicação com adequadoequipamento material e intensoaprimoramento técnico” , Congresso... (1980).

O Encontro de Médicos Veterinários,realizado em Belo Horizonte, encerrado em06 de setembro de 1978, concluiu, em vistada rapidez com que a PSA se alastrava emdiversas partes do país, que ela já existia noBrasil, muito antes de ser detectada no Rio.Acreditavam os veterinários que o vírusprocedia da Península Ibérica e haviachegado aqui bastante enfraquecido,provocando baixa taxa de letalidade,conforme Encontro... (1978). Essaconclusão foi baseada provavelmente nadivulgação, em alguns documentos doMinistério, da ocorrência de reaçõespositivas para a PSA em soros estocadosdesde 1976 em institutos de pesquisa deSão Paulo e também de informações de queo surto da doença havia ocorrido em marçode 1978, no interior de São Paulo, conformePeste... (1979).

Em 6 de julho de 1978, a imprensa noticioua iniciativa do Secretário de Agricultura doRio de Janeiro, que organizou um almoçode “desagravo ao porco” para 60convidados, no qual o menu constou deleitão assado, costeleta de porco e feijoadacompleta, como forma de demonstrar para apopulação que não haveria risco emconsumir carne suína. Apesar dasreiteradas declarações das autoridadessanitárias de que o vírus da PSA nãoafetava o homem, e decorrida uma semanadesse peculiar evento, a venda de carnesuína continuava a cair, chegando a afetarentre 50 e 80% de seu consumo, em cincoEstados pesquisados, de acordo comSecretários... (1978) e Perigos... (1978).

Em Belo Horizonte, aproximadamente apóstrinta dias do evento realizado no Rio deJaneiro, foi também repetida a estratégia doalmoço de “desagravo ao porco”, promovidopela Associação Mineira de Criadores deSuínos, Núcleo dos Suinocultores daRegião Metalúrgica e Clube dos Porqueirosde Belo Horizonte. Conforme mencionado,havia um sentimento de desconfiança e dedesaprovação da sociedade quanto à formade sacrifício dos animais e quanto a outrasações sanitárias. Na oportunidade, foi lidauma mensagem de desagravo ao porco, naqual o representante da Associação assimse expressava: “O criador não é apenas umprodutor, vive a sua criação com amor erespeito ao animal de que se utiliza ohomem. Devota-lhe carinho e o tratamento,indispensáveis. Evita-lhe o sofrimento, a dora intranqüilidade, oferecendo-lhe segurançacontra doenças, contra a insatisfação.Converte-o na base protéica dasobrevivência humana”, conformeSuinocultores... (1978).

A propósito desse almoço, o professor egastrenterologista Sebastião Cassimiro deFigueiredo publicou uma crônica, no jornalEstado de Minas, em que analisa oconsumo da carne de porco, após oepisódio da PSA. Em sua opinião, osreferidos banquetes, além de inúteis,poderiam ter tido um efeito contrário aodesejado, já que, naquele momento, haviaum medo ou uma fobia coletiva em relaçãoao consumo da carne suína. Para o autor,

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os elementos psicológicos, culturais,religiosos e instintivos permeiam a vida daspessoas e, no caso da PSA, estavaassociada fenômeno vírus ou qualquer outroagente patogênico a idéia de coisa suja oumá. Quem beberia uma água de esgoto,mesmo alguém afirmando que ela forafiltrada e fervida a 120°C e que dela foramretiradas todas as impurezas? Segundo ele,a ocasião escolhida para o banquete foibastante imprópria porque : “As notíciaschegavam ao povo aos borbotões, atelevisão mostrava um quadroimpressionante: homens uniformizados, deroupas e botas brancas, corriam atrás dosporcos ora agarrando-os a unhas, oramatando-os a tiros com pistolas automáticasestranhas e importadas. E mais, depois demortos os porcos eram jogados em umaimensa vala comum. Ali, um fogo reluzentee abrasador carbonizava tudo, porcos evírus, tal como num ritual sagrado. Era umaespécie de purificação. Diante de umquadro tão impressionante quem não teriamedo da peste suína? ”, Figueiredo (1978).

Entre os políticos mineiros, a preocupaçãoera com a eleição que se avizinhava, poistemiam pelos resultados das urnas, caso asautoridades sanitárias tentassem eliminar ascriações de porcos nas favelas e na periferiade Belo Horizonte. A esse respeito, a mídiadivulgou a opinião de alguns desses“representantes do povo”. Para o DeputadoJesus Trindade Barreto, vice-líder dogoverno, na Assembléia de Minas Gerais,tratava-se de uma “medida inconstitucional,caso não fosse paga a indenização aosproprietários”, enquanto para a vereadoraIvone Borges Botelho, do mesmo partido,“levar a Arena para o buraco, parece seruma função, não tanto dos que falham, masdaqueles que, na sombra, sugerem medidasdessa natureza”, Matança... (1978a).

O veterinário do Ministério da Agricultura,Rômulo Cerqueira Leite, ao proferir palestra,em Belo Horizonte, para membros daComissão de Agricultura e Pecuária daAssociação Comercial de Minas, afirmouque a tendência era estimular a erradicaçãodos pequenos criatórios de suínos com apermanência apenas dos rebanhos criadosem condições técnicas consideradas

satisfatórias. Segundo seu entendimento,dificilmente as autoridades sanitárias teriamsucesso na tentativa de erradicar de nossoterritório a PSA, pois, em Portugal, essadoença instalou-se há mais de vinte anos etambém na Espanha é endêmica há maisde uma década, de forma que declarou-secéptico quanto à sua erradicação no Brasil,Peste... (1978l).

Na opinião do veterinário do Ministério daAgricultura, Sérgio Bogado, o início da pestesuína no Brasil suscitou uma serie decontrovérsias, pois o índice de mortalidadefoi baixo. “O que houve realmente foi umaadaptação do vírus às condições brasileiras.Esse vírus talvez se originou de uma cepaportuguesa, com a qual se tentou umavacina contra a doença”, de acordo comBalanço... (1979).

Como se percebe, mesmo entre os técnicos,as formas de abordagem do surto da PSAsão variáveis, inclusive definindo padrõesde virulência, que explicariam os baixosíndices de mortalidade ocorridos no Brasil.Outra questão defendida por profissionaisfoi a crença de que a doença já seencontrava no país, fato quatro anos maistarde atribuído pelo Ministério da Agriculturaa resultado falso-positivo da prova de IEOF,o que certamente contribuiu, naquelemomento, para aumentar, no plano nacionale internacional, as incertezas e suspeitasquanto à veracidade dos diagnósticosoficiais.

Não faltou, por parte das autoridadesbrasileiras, um grande sentimento ufanistaao declarar que o Brasil poderia fabricar avacina contra a PSA. O Centro de VirologiaComparada da Fundação Oswaldo Cruzrecebeu uma dotação inicial de 200 mildólares, por parte do Sr. Charles Merieux,seu presidente, para iniciar os estudosvisando à produção dessa vacina, conformeOswaldo... (1979). Todas as tentativasmundiais anteriores resultaram em fracasso,especialmente em Portugal, onde a vacinamesmo preparada com uma amostraconsiderada atenuada, possuía granderesidual de virulência e devido à ocorrênciade infecções subclínicas, o programa

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nacional de erradicação acabou sofrendoum grande atraso.

O Prof. Paulo Caldeira Brant, Presidente daFRIMISA, afirmou, em novembro de 1979,à revista Agricultura de Hoje que “se a pestesuína nos custou a perda de um mercado jáconquistado no exterior, ela trouxe alguns‘benefícios’ como, por exemplo, a melhoriada tecnificação e maiores incentivosfinanceiros à suinocultura”, Minas... (1979).

As autoridades sanitárias tiveram um papelpolítico relevante no episódio da PSA, umavez que, desde o primeiro momento, fizeramuma opção clara de se opor a qualquer tipode contestação na condução da política decombate à doença. As autoridadessanitárias do Ministério da Agricultura, aoinvés de adotarem critérios objetivos etransparentes na divulgação aos dados e naevolução dos acontecimentos, trataram dedesviar o foco da atenção sobre a doença,ao buscar outras explicações para justificara sua entrada no Brasil, desconhecendo,assim, a gravíssima falha na fiscalização deresíduos alimentares em um aeroportointernacional da importância do Galeão, noRio de Janeiro. Em decorrência desseprocesso, o foco da atenção se dirigiu àpequena criação caseira de porcos e, dessaforma, aparentemente ficaria mais fácilexplicar a disseminação da doença no país.Essa atitude abriu caminho para queassociações de criadores, empresários etécnicos unificassem seu discurso contra acriação caseira de porcos e a favor de umamudança radical da base técnica dasuinocultura nacional, reivindicando grandeaporte de recursos financeiros e garantia deassistência técnica por parte do Estado.

4.4.3 A posição de criadores,empresários e dirigentes de entidadesrepresentativas da suinocultura, segundoa mídia

A imprensa ao destacar as opiniões deamplos setores da suinocultura sobre oproblema da PSA, colocou em evidência asdiscordâncias e as dúvidas existentes. Senão fosse a mídia, provavelmente não seriapossível conhecer as várias representaçõesda doença entre os atores sociais

envolvidos. Essas representações deveriamservir, antes de tudo, para orientar asdecisões técnicas das autoridades sanitáriase especialmente as dos técnicos do setor decomunicação social. Embora algumasautoridades do Ministério da Agriculturatenham solicitado ajuda à imprensa eressaltado seu papel na divulgação dasmedidas preventivas há documentos oficiaiscriticando o aspecto sensacionalista dasmatérias divulgadas. No entanto, o espaçodado para que as autoridades divulgassemas medidas de combate à PSA eesclarecesse a opinião pública sobre osproblemas de diagnóstico e docomportamento da doença pode ser aferidoem diversas matérias, Angeli... (1978),Aparecimento... (1978), Governo... (1978e),Hackenhaar et al. (1978), Invasor... (1978),Peste... (1978g) e Sobestiansky (1978).

Como foi ressaltado anteriormente, quandoa PSA atingiu a suinocultura nacional ela seencontrava em franco processo deincorporação de novas tecnologias queestava associada ao um processo decrescimento das exportações,especialmente nos Estados do Sul. Noentanto, nas demais regiões, predominava acriação caseira de suínos e o país nãocontava com um programa nacional desanidade voltado para essa espécie animal.A entrada da doença no Estado do Rio deJaneiro guardava muitas semelhanças como que ocorrera em outros países.

O personagem principal do surtopraticamente desapareceu do cenário, nãoconcedeu entrevistas e nem foi fotografado.Segundo declarações da pessoa-chave n.11e da imprensa, o Sr. Severino Pereira daSilva, policial do DOPS, era um homem alto,corpulento, de modos rudes, proprietário,em Paracambi, de uma criação de mais demil porcos, sem raça definida, alimentadoscom restos de comida e ração comercial, eque, conforme Lancelloti et al. (1978),custou a acreditar na existência da peste ena sua responsabilidade quanto aoproblema, tendo por vários dias, serecusado “com a veemência de sua função,a permitir a entrada ou mesmo a meraaproximação de repórteres e veterináriosque chegavam em seu sitio à procura de

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informações. Somente cedeu quando o Sr.José Alberto Lira, Secretário Nacional deDefesa Agropecuária, determinou ainterdição de toda a área num raio de 16 kme quando o exército ocupou o sítio com amissão de exterminar os animais”.

Com a expansão do surto para a favelaNova Brasília e para outros municípios doEstado do Rio de Janeiro, o Ministério daAgricultura chegou a programar o extermíniode todos os suínos existentes naqueleEstado, como forma de evitar adisseminação da PSA para os Estadosvizinhos. Na favela Nova Brasília, conformejá retratado, o extermínio dos suínos foirelativamente rápido. Os moradores,embora protestassem, não resistiram àsordens das autoridades sanitárias e aoprocesso de captura dos suínos ali criados.

Já em relação às associações de criadoresde suínos, foi surpreendente verificar quepraticamente não houve resistência àproposta de extermínio de suínos no Estadodo Rio de Janeiro, ante à possibilidade dese erradicarem determinados focos decriação marginal de suínos, e de se obteremincentivos do Estado para promover umasuinocultura empresarial. Os própriosdirigentes políticos e autoridades sanitáriasapoiaram e, de certa forma, divulgaram essaestratégia em declarações à imprensa.Provavelmente a questão da concorrênciacom a criação caseira tradicional poderiaexplicar, em parte, esse interesse emmodernizar a suinocultura do Rio deJaneiro, tradicionalmente importadora deanimais de outros Estados. Essa hipóteseganhou força ao se tomar conhecimento daentrevista à imprensa, em 02 de junho de1978, do Sr. Robert Lee Gorham,Presidente da Associação dos Criadores deSuínos do Estado do Rio: “ a criação deporcos representa pouco para a economiado Estado do Rio, mas a Associação, criadaem janeiro deste ano, tinha a intenção detransformar o Estado do Rio em auto-suficiente para o abastecimento”, conformePeste... (1978i).

A hipótese de implantar uma suinoculturamoderna que pudesse atender a todo omercado do Rio de Janeiro começou a

materializar-se em 20 de junho de 1978,quando a imprensa registra o memorialencaminhado, pela corporação dossuinocultores do Estado do Rio de Janeiro,ao Sr. Faria Lima, Governador do Estado,em que reivindicava o corte imediato, porparte da Superintendência Nacional deAbastecimento, cotas de farelo de trigo paraos criadores de porcos de fundo de quintal,a proibição de financiamento dasuinocultura pelo Estado, sem o parecertécnico da Associação, a prorrogação, porseis meses, dos financiamentos bancáriosjunto ao sistema financeiro oficial e privadoe a ajuda efetiva do governo para eliminar aimagem negativa da carne suína, criada nosconsumidores em função da PSA, conformeGoverno... (1978a).

Em São Paulo, o discurso era também muitosemelhante, pois, em entrevista concedida àimprensa, em 22 de junho de 1978, oSr.Wagner Marchesi, Presidente daAssociação Paulista dos Criadores deSuínos e também um dos proprietários damaior criação de suínos da América do Sul,a Húmus Agrícola, em Pitangueiras, SãoPaulo, declarava à imprensa que a pestesuína afetaria somente os criadores deporcos que mantivessem seus rebanhossoltos, sem nenhuma técnica, não atingindo“os suinocultores que criam seus animais demaneira cientifica”. Para ele, o destaqueque vinha sendo dado à PSA era exageradoe a situação não era tão grave como sepropalava. Acrescentou que “tem muitotécnico aproveitando a peste suína paraaparecer, pois ela não apresenta um riscopara a suinocultura nacional, como andamdizendo e o Brasil tem que aprender aconviver com ela, como a França, Portugal eItália”. Para ele “quem tem medo da peste écriador de porco e não suinocultor”.Considerou, ainda, que a doença, a médioprazo, seria até um beneficio para asuinocultura nacional, pois obrigaria aadoção de tecnologia, de acordo comImigrantes... (1978), Portaria... (1978a).

Em outros países, a prática de alimentarsuínos com restos de alimentos derestaurantes favorecia a disseminação dadoença, o que geralmente ocorria naspequenas criações caseiras, como era de se

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esperar. No entanto, as grandes criaçõestambém foram afetadas, porém com menorfreqüência, ao contrário do que apregoavamalguns criadores e técnicos.

Recorro novamente às observações deLancelotti et al (1978), na sua condição decrítico independente: “Algumas empresasinclusive possuem um coeficiente desegurança quase absoluto contra epidemias– caso para citar um único exemplo, daHúmus Agrícola, dirigida por WagnerMarchesi, presidente da AssociaçãoPaulista de Criadores de Suínos. O carimboSIF num animal vivo, porém, não serve deimunidade contra uma peste que, sempresegundo a ciência, não escolhe as suasvítimas. Teria esta, enfim, de repente, setransformado numa moléstia relativa,prodigiosamente capaz de distinguir seusalvos e de atingir só os animais dospequenos criadores. As grandes empresas,cuja disponibilidade de capital lhes forneceos meios necessários ao cumprimento detodas as exigências da legislação sanitária,ganham, dessa maneira, mais um aliado nabatalha pelo monopólio do setor”.

Em um artigo publicado em revistaespecializada em suinocultura, oadministrador de empresas e vice-presidente do Frigorífico Seara, IvânioRamos Munhós, disse que a PSA fez surgir“uma onda de divulgação predatória,através da imprensa” e que paralelamente àPSA houve uma epidemia de entrevistas,considerando que muita barbaridade foi ditapor centenas de pessoas, o que provocou,por conseqüência, a redução do consumode carne em até 80%, o pânico do produtore do empresário. Isso “deu ensejo a umadesenfreada e imatura onda de divulgaçãoque, apesar de aumentar o faturamento dealguns jornais e revistas e talvez o índice deaudiência de alguns canais de TV, alijou oBrasil do mercado externo e encheu depavor o consumidor brasileiro, que deixoude comer carne de porco, com seriasrepercussões nas áreas de produção eindústria”. Considerou que a questãodeveria ser tratada como assunto desegurança nacional e que naquele momentodifícil para a suinocultura nacional,“devemos criar a oportunidade de banir,

para sempre, as técnicas retrógradas decriação e eliminação, de uma vez por todas,das operações clandestinas de abate ecomercialização”. Afirmou ainda que osempresários e representantes das classesprodutoras só foram ouvidos e chamados aparticipar após insistentes apelos aogoverno feitos pelos próprios empresários,Munhós (1978).

Essa opinião, possivelmente por ter sidoveiculada por uma revista especializada, decirculação restrita, não provocou maioresdesdobramentos, mas o depoimento do Sr.Munhós parece-me modelar, no sentido deexpressar o sentimento de uma parte doempresariado que, a exemplo dosrepresentantes de associações desuinocultores, defendia também aeliminação do pequeno produtor e aindaculpava a imprensa pelo fato de informar asociedade sobre um problema de tamanhaimportância para o país. É oportuno registrarque o Ministro Paulinelli reuniu-se, no iníciode junho de 1978, com quarentaempresários da indústria de transformaçãode carne, quatro técnicos norte-americanose com sua equipe de saúde animal paradiscutir as medidas a serem implantadas noRio de Janeiro para conter a peste,conforme Ministro... (1978b). Os jornaismencionaram diversos outros encontros doMinistro Paulinelli com representantes deassociações e entidades congêneres. Aocontrário, não há registro de encontro oureunião com pequenos produtores ou comrepresentantes da sociedade civil.

A Associação Brasileira de Criadores deSuínos-ABCS, representada por seupresidente, engenheiro agrônomo HélioMiguel de Rose, considerando que todos osfocos da PSA surgiram em criações queusam lixo ou resíduos de alimentaçãohumana, oriundos de restaurantes esimilares, sugeria que elas fossemexterminadas, em De Rose... (1978). Amesma entidade, em nota oficial, pediu acriação de uma comissão parlamentar deinquérito para apurar responsabilidade depessoas ou órgãos pela disseminação daPSA no Brasil, afirmando que “hoje se temcomo certo que a doença chegou ao paíspor meio de restos de alimento. Mas o

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próprio Ministério da Agricultura já sabia,desde 1964, da necessidade de se controlaros aeroportos internacionais, uma vez que apeste suína clássica também chegou porvôos internacionais”. A associação tambémpedia para que não fosse admitida aconvivência com a PSA no BrasilEvidentemente uma entidade representativada suinocultura nacional não poderiaconcordar com a tese da “convivência com aPSA”, pois isso significaria a impossibilidadedo crescimento da atividade, via exportação,em Barreiras... (1978).

Com a notificação de focos em váriosEstados do Sul do Brasil, o Ministério daAgricultura proibiu o trânsito de suínos doParaná para serem abatidos em São Paulo,fato que provocou uma grande polêmicaentre os criadores, o que motivou o criadorLuiz Prado Simões, de Jacarezinho, asugerir a criação imediata de um corredorsanitário para escoamento da produção doestado do Paraná. Essa estratégiaaparentemente nunca havia sido autorizadaem outro país, tendo em vista o risco dedisseminação do agente. Na Espanha,quando o surto surgiu com grandeintensidade, na cidade de Badajoz,estabeleceu-se uma área de proteção ouvazio sanitário, livre de suínos, numa áreade 4 a 10 km do porto, o que envolveu osacrifício de 34.674 animais. Essa medidaconteve o surto, mas posteriormente foidetectado um foco a 30 km da zonainfectada e de proteção, conforme relatamPolo Jover e Sanches-Botija (1961).

No Sul do Brasil, essa estratégia, que nãoteve o mesmo rigor e sentido adotado naEspanha, encontrou forte apoio entre osprodutores, técnicos e políticos e,finalmente, o Ministério autorizou, medianteo cumprimento de algumas determinaçõestécnicas, a abertura de um “corredor deexportação”, que o Ministério denominou de“rotas sanitárias controladas”, conformePeste... (1978e). O interessante é quenenhum especialista no país lançouqualquer tipo de crítica a essa estratégia,que não passou desapercebida paraLancelotti et al. (1978), que assim seexpressou: “subitamente, porém, todas asbarreiras foram levantadas – mas só para os

porcos privilegiados com um carimbodizendo SIF- Serviço de Inspeção Federal.Esses poderiam ser transportados, abatidos,etcétera, sem qualquer problema ouobstáculo”.

O Sr. Wagner Marchesi, da Húmus Agrícola,voltou novamente à cena, desta vez paraapresentar novas declarações de efeito,retratadas pelos principais jornais do país.Para ele, a PSA convivia com a suinoculturabrasileira há alguns anos, sendo, na maioriadas vezes, confundida com a peste suínaclássica. O fato não se tornou público antespela falta de diagnóstico diferencial.Segundo ele a PSA começara,provavelmente, nos Estados que exportamsuínos, como Santa Catarina e Paraná enão no Rio de Janeiro e São Paulo que sãoimportadores. Por isso considerou ingênuase desnecessárias as medidas deerradicação dos focos, tomadas pelogoverno, por não acreditar na erradicaçãodessa doença no Brasil, conforme Portaria...(1978a).

Criadores paulistas de suínos consideraramlamentável o fato de que a PSA tenhavirado assunto de programas humorísticosda televisão. Entrevistados pela revistaVeja, três humoristas da Rede Globo deTelevisão se posicionaram: Chico Anísiodisse que se guiava pelas informações dosjornais e o programa era reflexo dasociedade, não de informações oficiais; JôSoares disse que se “informou sobre apeste na revista Veja, vou pesquisar aonde?nos porcos? Charles Boyer e Robert Shawmorreram, não vou fazer nenhumcomentário enquanto não ligar para olegista” e Max Nunes afirmou: “não exigimosdocumentação de ninguém e só temoscerteza de que estamos vivos”, em Peste(1978b).

4.5 Os prejuízos

Em relação à PSA a literatura mundialgeralmente registra apenas os custosfinanceiros que os países têm comindenizações, sacrifício de animais,diagnóstico laboratorial, perda de produção,gasto com pessoal, combustível, material dedivulgação, além de perda de divisas pela

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interrupção de exportações. No Brasil, alémdesses prejuízos financeiros deveria sercontabilizado também o custo social,decorrente da demissão de trabalhadoresem todos os setores da suinocultura, daparalisação de empresas e indústrias, dafalência de criadores individuais, da perdade fonte protéica por uma parcelaconsiderável da população e do aumento dopreço da carne nos açougues esupermercados. Há que considerar tambémo aspecto estigmatizante que a doençarepresentou, pois mesmo que o criadorretomasse seu negócio, depois de cumpridotodo o período de vazio sanitáriodeterminado pelas normas sanitáriasindicadas para a PSA, dificilmenteconseguiria manter o mesmo nível decomercialização. Coube à mídia revelaresse outro lado do drama criado com oepisódio da PSA no país: um cenáriosombrio, porém real, em que estãorepresentados o drama dos criadores, dosempresários e a comoção social impostaaos moradores das favelas e cortiços dascidades. Há que se lembrar que, na época,o porco constituía, para muitas famílias, aúnica garantia de carne para a alimentaçãoe o fornecimento da gordura indispensávelna preparação dos alimentos.

Com a paralisação do abate e daindustrialização da carne suína, por trintadias, no início da epidemia, o vice-presidente da Associação dos Criadores deSuínos do Rio de Janeiro, informou que osprejuízos que o Estado estava sofrendo comICM eram incalculáveis. A Sola IndústriaAlimentícia de Três Rios contribuía comCr$11 milhões (US$ 610 095,00) mensais ea Bel Prato, em Barra do Piraí, pagava trêsmilhões (US$166 390.00). Além disso, osabatedouros e frigoríficos estavamdemitindo os empregados. Com relação aoscriadores, os repórteres do Jornal do Brasilentrevistaram o Sr. José de Carvalho,proprietário de uma granja modelo emPetrópolis, com três mil suínos, ondenasciam 500 animais por mês, e que, desdea proibição da comercialização no Estadodo Rio, não sabia o que fazer com os porcosde sua criação. A respeito das matrizes quese encontravam prenhas há três meses emeio, disse que elas teriam leitões a partir

daquele mês e que não havia espaçodisponível para colocar as novas crias, umavez que não poderia se desfazer dosanimais ali existentes, conformeSuinocultor... (1978)

Em telegrama enviado, no dia 19 de junhode 1978, ao Presidente Geisel, aAssociação dos Criadores de Suínos doEstado do Rio reclamava que, face aoembargo no abate de animais, determinadopelo Ministério da Agricultura, ossuinocultores do Estado, não poderiamarcar com os prejuízos da retenção deanimais, que já durava trinta dias esugeriam, dentre outras medidas, aautorização para abate emestabelecimentos sob fiscalização federal ouestadual, conforme Governo... (1978a).

A situação das 19 indústrias vinculadas àAssociação dos Industriais da Carne do Riode Janeiro era grave. A queda dofaturamento foi de 35%, em nove empresaspesquisadas, que representavam 65% dovolume de operações. Na Indústria Sola S.A(Três Rios), a queda foi de 53%; naMartuscello (Barra do Pirai), a queda foi de41% e na Sarandi (Duque de Caxias), foi de45%. A Dallari colocou em férias forçadas85 funcionários; a Lisamar 3; a Sarandi 38 ea Frizen demitiu 25 pessoas. A situaçãoestava se normalizando aos poucos, comum financiamento de Cr$ 80 milhões (US$ 4347 830.00) do Governo Federal, paradistribuição entre as indústrias fluminensesafiliadas à Associação. Esse financiamentoseria utilizado no abate de 20 mil suínospara serem estocados para futuro consumo.O Banerj já havia liberado 126 milhões (US$6. 441 100.00) para 12 empresas, Peste...(1978c).

Também a Secretaria Municipal de Saúdede Belo Horizonte estabeleceu que, no dia1o de agosto de 1978, iria começar amatança de suínos nas favelas, porém, no“Morro do Papagaio”, onde existiam cercade 20 mil cabeças de porcos, poucosmoradores estavam informados sobre essamedida, Nas Favelas... (1978a).

Para Roppa (1981), a suinocultura seriaresponsável por cerca de 380 mil empregos

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diretos, ajudando a fixar o homem nocampo. Somente na região Sul do Brasil,que possuía 42% do rebanho nacional eaproximadamente empregava 160 miltrabalhadores, a crise que afetou o setorprovocou uma paralisação de, pelo menos,30% das criações, afetando 48 milempregados, fato que não teve grandedestaque no noticiário nacional.

Uma pesquisa realizada em 20 de junho, noMercado Central de São Paulo, comprovou-se uma sensível diminuição na procura pelacarne de porco. O Sr. Saulo da SilvaSantos, um dos açougueiros entrevistados,confirmava que a venda dessa carne caíra75%, Peste... (1978h).

Também no Rio de Janeiro a imprensa, emmatéria de 22 de junho de 1978, verificouque a carne de porco, frango e boi haviadesaparecido de muitos supermercados eque nos últimos trinta dias, em algunsaçougues, a carne de boi chegava a custar70% mais caro do que a vendida nossupermercados, Rio... (1978a).

Em Minas, foi montado o golpe do porco,praticado por falsos agentes sanitários, queconfiscavam os porcos em favelas e bairrosda periferia de Belo Horizonte, Governo...(1978c).

O Ministro Paulinelli declarou à imprensa,em 23 de junho de 1978, que estavasuspendendo exportação de carne suína eexplicou que a medida estava sendotomada para que o Brasil não perdesse suacredibilidade no exterior”, Governo...(1978e).

A imprensa noticiou que dez navioscarregados com 20 mil toneladas de pelletse de farelo de soja brasileiro, com destino àAlemanha, estavam estocados no porto deHamburgo, à espera de liberação por umacomissão de sanitaristas alemães queestavam no Brasil avaliando o risco da PSA,conforme Peste... (1978p). Também aPolônia, Romênia e Bulgária passaram aexigir das autoridades brasileiras umcertificado de que a região produtora desoja, nos últimos seis meses, não esteve

exposta ao vírus da PSA, em Paulinelli...(1978c).

Em razão da ocorrência da PSA, aSecretaria de Agricultura de Minas Geraissuspendeu as exposições de gado emvários municípios (Carlos Chagas, ÁguasFormosas, conforme Sindicatos... (1978).

Segundo o Ministério da Agricultura foramsacrificados 66.966 suínos, com opagamento de Cr$44.313.945,00(US$2118827.00, a preços de 1978),conforme Brasil... (1984).

4.6 Peste suína clássica versus pestesuína africana

No transcorrer do episodio da PSA noBrasil, muitas hipóteses foram levantadaspara explicar as mortes de suínos no país.Concorreu para isso o fato de o Estado nãoter se preparado previamente para apoiar asuinocultura nacional, em franco processode expansão e de modernização. O paísnão dispunha de matadouros suficientesnas áreas de produção suína, não havia umprograma nacional de fomento e de saúdeespecíficos para a suinocultura por parte doMinistério da Agricultura. No entanto, asentidades representativas da suinoculturamostravam-se preocupadas com o risco deintrodução de agentes exóticos no país ecom o descaso das autoridades sanitáriasem responder às denúncias encaminhadaspor essas associações.

Nos capítulos anteriores foi feito umhistórico sobre a estrutura de saúde animaldo país, sobre a entrada e disseminação daPSA no Brasil e, para isso, foram levantadosdados oficiais, colhidos depoimentos junto adiversos atores sociais. O fato de essapesquisa destacar os aspectos qualitativosdos dados levantados se justifica à medidaque eles traduzem uma realidade concreta,marcada pela inconformidade com os atospraticados pelas autoridades sanitárias quenão foram valorizados nos documentosoficiais e nas publicações diversasenvolvendo essa temática. Dentre os várioscomponentes do plano de erradicação daPSA posto em prática, chama a atenção osentimento de desconfiança em relação ao

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diagnóstico clinico e laboratorial da doençaem todo o país, merecendo destacar queessas discordâncias partiram de técnicos,pequenos e grandes criadores, empresários,presidentes de associações e decooperativas, além da mídia queinterpretava em seus editoriais e matériasos dados e os depoimentos dos atoressociais envolvidos. Mais uma vez valho-meespecialmente da mídia para descrever ocenário da PSC no Brasil e a situaçãosanitária da suinocultura nacional, para comisso discutir a ambivalência entre a PSC e aPSA.

Conforme se levantou nos depoimentos,entrevistas, relatórios, jornais e revistas acada posição ou explicação sobre ocomportamento da PSA no Brasil surgiamas mais diversas reações por parte dosprincipais atores sociais envolvidos. Asposições assumidas pelo Ministério daAgricultura, mesmo enfrentando opiniõescontrárias e desafios lançados por criadorese técnicos tornaram-se inabaláveis ao longode todo o processo. Não se vislumbravapossibilidade do contraditório, não haviaoportunidade do exercício do controle sociale, dessa forma, muitos criadores recorreramà justiça para reconhecimento de seusdireitos. A mídia era provavelmente o únicoespaço possível para registrar as opiniões eposições dos criadores, técnicos e dasociedade de modo geral.

4.6.1 A Peste suína clássica

Os primeiros relatos da peste suína clássicano Brasil são de 1896 em São Paulo. Desdeentão, a doença vem provocando surtosepizoóticos. Entre 1931-1937, foi relatadoum surto da doença em São Paulo. Porém,em 1946, ocorreram surtos graves,especialmente no Rio de Janeiro, MinasGerais, São Paulo e Paraná. Por ocasião dapropagação da doença no Vale doParanapanema, teve início um programaoficial de controle, conforme Peste... [198-].Segundo Hipólito et al. (1965), ocorreuimportante surto da doença em Bambuí,Minas Gerais, enquanto Sugai (1978), em1950, citou que as criações do Rio Grandedo Sul foram reduzidas em mais de 50%,afetando 300 mil propriedades.

Considerando-se que a maioria das criaçõesde suínos era explorada em sistematradicional, exceto nos Estados do Sul dopaís, observava-se a ausência do Estadoem relação a essa atividade, pois os surtosde doenças, evitáveis por vacinação,multiplicavam-se, bem como o surgimentode novos problemas sanitários,provavelmente relacionados com o processode importação de animais, em razão dadependência genética do país. O melhorindicador dessa situação caótica em quevivia a suinocultura nacional era a baixacobertura vacinal contra a PSC, facilmentecontrolada por uma vacina, cuja técnica defabricação foi modificada por médicosveterinários brasileiros e que durante muitasdécadas foi utilizada em todo o mundo.

Por decisão da Secretaria de Agricultura doEstado de São Paulo foi feita na divisa como Estado do Rio de Janeiro uma campanhade vacinação contra a PSC, oportunidadeque permitiu conhecer com mais exatidão areal situação sanitária do rebanho suínopaulista. Em razão dessa campanha Martins(1978), elaborou um relatório sobre oresultado da investigação epidemiológica daPSA, entre março e julho de 1978. Assim,dos 29 rebanhos identificados comoinfectados pela PSA nesse Estado,verificou-se que o nível de cobertura vacinalcontra a PSC era de 48,7%, com a ressalvade que apenas 28,6% dos rebanhos eramvacinados semestralmente, conforme arecomendação técnica. Esses dadosdemonstraram que o nível de cobertura davacina favorecia a endemicidade da doençae a morte ocasional ou maciça de animais,dependendo do nível de proteção vacinal dorebanho e do tipo de amostra de víruspresente.

Considerando-se que não havia um sistemade vigilância suficiente para cobrir todo opaís e tendo em vista, que com osurgimento da PSA, o governo federaldeterminara, por decreto, que todo cidadãodeveria informar sobre mortes de suínos,era esperado um aumento de casos emtodo o país.

O representante do frigorífico Seara,empresário Jandir Paludo, em entrevista

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concedida à Revista Agricultura de Hoje,declarou que: “há uma certa dúvida sobre aextensão da PSA, e muita gente acha que éa PSC. Até onde vai a verdade dainformação? No Brasil temos um rebanho de40 milhões de suínos, houve uma produçãoe um consumo de vacinas contra a PSC, em1977, em torno de 8 milhões. Se issoocorreu, muitos suínos não foram vacinadoscontra a PSC e as pessoas podem estarconfundindo-a com a PSA”, em Por Que...(1978). Esse é um raciocínio lógico emqualquer procedimento de naturezaepidemiológica, mas não aparece de formaclara nos documentos oficiais.

A inexistência de um programa de saúdeespecífico para suínos não motivava o setorprivado para a produção da vacina cristalvioleta para atender a todo o mercado.Considerando-se a produção de apenas oitomilhões de doses anuais da vacina contra aPSC e admitindo-se que toda a produçãoseria consumida, a cobertura vacinalatingiria 20% do rebanho suíno nacional em1977. Considerando-se a necessidade deaplicação de duas doses anuais por animal,essa cobertura cairia à metade desse valor.

No ano de 1978 houve uma redução de35,5% na produção de vacinas, o quetornaria a situação ainda mais crítica.

Portanto, a baixa cobertura vacinal contra aPSC seria o principal fator explicativo para aendemicidade da doença em nosso meio,criando uma grande dificuldade para anotificação e vigilância epidemiológica dasdoenças de suínos, desde que,clinicamente, algumas patologias seapresentam de forma muito semelhantenessa espécie.

Segundo informações oficiais, o maiornúmero de casos concentrou-se nas regiõesSul e Sudeste. A disponibilidade de vacinacontra a PSC no Brasil, entre 1975 e 1984,está registrada na tabela 1. A partir de 1980,com a implantação do programa de combateà peste suína e com a obrigatoriedade davacinação contra a PSC, verificou-se maiorconsumo de vacinas, especialmente nosEstados do Sul e do Sudeste do país.Paralelamente observou-se o aumento decasos e focos da PSC a partir de 1976, quese reduziram após a implantação doprograma citado, conforme tabelas 1 e 2.

Tabela 1. Disponibilidade de vacinas produzidas no Brasil e importadas contra a Peste SuínaClássica (PSC), no período de 1975-84.

Ano Vacina brasileira(nº de doses)

Vacina importada(nº de doses)

Total(nº de doses)

1975 5.523.816 - 5.523.8161976 8.670.324 - 8.670.3241977 7.680.699 - 7.680.6991978 4.955.105 - 4.955.1051979 4.693.650 3.875.000 8.568.6501980 10.579.565 1.000.000 11.579.5651981 6.931.685 - 6.931.6851982 11.645.670 - 11.645.6701983 6.027.145 - 6.027.1451984 6.041.606 - 6.041.606Total 72.749.265 4.875000 77.624.265

Fonte: Bol...(1975-1984)

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Tabela 2. Distribuição relativa de número de focos e de casos de Peste Suína Clássica noBrasil, no período 1975 - 84.

Ano Foco % Casos % Freqüênciaacumulada

1975 154 4,7 2.402 4,3 4,31976 607 18,6 11.428 20,3 24,61977 640 19,6 12.717 22,6 47,21978 287 8,8 3.094 5,5 52,71979 222 6,8 8.313 14,7 67,41980 307 9,4 7.774 13,8 81,21981 343 10,6 3.547 6,3 87,51982 434 13,3 4.666 8,3 95,81983 140 4,3 943 1,6 97,41984 128 3,9 1.448 2,6 100,0Total 3262 100 56.332 100 -

Fonte: Boletim... (1975-1984)

O Ministério da Agricultura, até 1974,limitava-se a registrar o número de focos dadoença, o que não permitia estabelecerindicadores epidemiológicos adequados.Considerando-se o período entre 1975 e1984, o Ministério da Agriculturacontabilizou a ocorrência de 3.262 focos dePSC, com 56.332 mortes, sendo que, entre1975 e 1979, ocorreu o maior número denotificações da doença, com 67,4%. Mereceser ainda destacado que, em apenas doisanos consecutivos (1976 e 1977), afreqüência relativa a número de casos foi de42,9% do total do período.

A disponibilidade de vacinas contra a PSCpara o período de 1975 a 1984 era de77.624.265 unidades, com uma oferta muitoirregular, sendo que, entre 1975 e 1978,quando ocorreu maior número de casos dadoença (52,7%), a disponibilidade devacinas era de apenas 26,8 milhões dedoses ou 6,7 milhões/ano, enquanto entre1979 e 1982 a quantidade de vacinadisponível era significativamente maior, com36,1 milhões de doses ou 9,02 milhões/ano.Considerando-se que a PSC representava aprincipal preocupação dentre as doenças daespécie suína, esses dados demonstram agrande vulnerabilidade do rebanho nacionalem relação a uma doença que eraconsiderada uma das mais importantesprioridades em todos os países do mundo.Todos as cinco pessoas-chave que criavamanimais puros não os vacinavam contra a

peste suína clássica, embora afirmassemque contavam com assistência técnicaocasional de natureza privada ou pública.

O depoimento de técnicos e criadores foramrespaldados também por várias pessoas-chave, que consideram que a PSC secaracterizava, no Brasil, por apresentarcaráter crônico, episódios epidêmicoscíclicos, em decorrência da baixa coberturavacinal, especialmente nos períodos em quea doença apresentava-se com baixaincidência. A ocorrência desses períodos derelativo silêncio em relação à ocorrência daPSC provavelmente explicaria a poucaprocura pela vacina, visto que a maioria doefetivo suíno nacional era procedente depequenas criações caseiras, conforme jádescrito anteriormente. Com issoestabelecia-se um círculo vicioso, em que aindústria não era estimulada a produzirporque a demanda era baixa e osprodutores não vacinavam porque a ofertada vacina era muito restrita.

Esses dados, embora publicadosanualmente pelo Ministério da Agricultura,não eram sistematizados para propiciar seuaproveitamento, sob a forma de informação,nem para desencadear uma campanhacontra a PSC. Conforme se evidenciouquando os dados foram sistematizados soba forma de tabelas, não se tornounecessário fazer tratamento estatístico paraverificação de hipóteses, para afirmar que,

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dois anos antes da entrada da PSA noBrasil, estávamos frente a uma epidemia dePSC de grande significado, relacionadaprovavelmente à baixa cobertura vacinal. Seo controle da doença fosse efetivado a partirde 1976, deveríamos atingir, em 1978, umacobertura vacinal adequada para controlar aepidemia e facilitar a vigilância contra aPSA. Dessa forma, ganhava consistência ahipótese formulada por representantes dosvários segmentos relacionados com asuinocultura, da ocorrência da PSC e nãoda PSA em praticamente todo o país.Provavelmente, antes de 1978 haviasubnotificação pelo fato de ser uma tarefarestrita à vigilância sanitária deresponsabilidade do Estado. No entanto,com a entrada da PSA no país, o governofederal, ao determinar, por decreto, quequalquer cidadão deveria informar àsautoridades sanitárias a ocorrência demortes ou doenças em suínos, produziu umextraordinário fluxo de dados, a ponto demuitas autoridades reclamarem do excessode notificação sem significado sanitário. Oaumento da cobertura vacinal a partir de1979 promoveu forte declínio da PSC nopaís, sendo que entre 1981 e 1984 afreqüência acumulada de registros dadoença foi de apenas 18,8%. Essaconstatação reforça a hipótese anterior, ouseja, à medida que o Ministério promoveuum grande e louvável esforço para atingirníveis elevados de cobertura vacinal contraa PSC, a doença sofreu um imediatodeclínio e a PSA deixou também de seridentificada no país.

4.6.2 A peste suína africana

Com o desenvolvimento da suinocultura noBrasil as entidades representativas doscriadores passaram a se preocupar com asituação sanitária dos rebanhos,especialmente com relação aos animaiscriados sem os devidos cuidados higiênicos.Predominava em muitas regiões do país acriação caseira de suínos, de baixo custo,utilizando animais mestiços, do tipo banha,criados à solta, alimentados com sobras decomida, tubérculos e farelo de milho eempregando-se, via de regra, a mão-de-obra familiar. Além disso, esses animaiseram criados para consumo doméstico e a

produção excedente era destinada aocomércio informal, fato que desagradavaaos empresários do setor, que tinham maiorcusto de produção, pagavam os tributosdevidos e contavam com animaisespecializados, sob inspeção oficial.

No entanto, vários representantes dessasuinocultura especializada consideraramque a entrada da PSA, embora nãodesejada, não colocaria em risco seusrebanhos por serem criados com todos oscuidados sanitários e, possivelmente emfunção de algumas informações da literaturae das autoridades sanitárias brasileiras, queessa doença afetaria somente os chamados“porcos de fundo de quintal”, porcos criadosà solta, nos lixões e periferias das cidades.Porém ficou claro nas entrevistas dosrepresentantes desse setor que a PSA seriatambém uma oportunidade para “eliminar”essa criação de porco de fundo de quintalque, apesar de proibida, era tolerada pelasautoridades sanitárias da maioria dascidades brasileiras.

Com a oportunidade oferecida pelaexportação, abriram-se novas expectativaspara a suinocultura empresarial. Comotambém aconteceu na avicultura, essecrescimento se tornou muito dependente daimportação de animais geneticamentemelhorados. Assim, num período de apenas17 anos, foram reconhecidas no país 14novas doenças de suínos, introduzidas,provavelmente, por meio da importação deanimais da Europa e Estados Unidos. Osdirigentes de associações de produtores,empresários e criadores, muito antes dosurgimento da PSA, já haviam alertadosobre a fragilidade da vigilância de portos eaeroportos brasileiros, além da falta deinsumos e condições de diagnóstico daspatologias suínas. Logo no início doepisódio da PSA no Brasil, a imprensadescobriu que, em 1976, essas denúnciasforam encaminhadas ao Ministério daAgricultura, que demonstrou despreocupaçãoe indiferença em relação a elas. Assim, foimuito significativa a posição assumida peloSr. Fernando Marrey, Presidente daComissão Técnica de Suinocultura doEstado de São Paulo, quando encaminhou,em 30 de dezembro de 1976, relatório às

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autoridades sanitárias do Ministério daAgricultura expondo a fragilidade dafiscalização sanitária e os riscos sanitários aque a suinocultura nacional encontrava-seexposta, em Peste... (1978g). O documentorecuperado pela imprensa traz a seguintedenúncia: “... falta de controle de barreirasentre os estados limítrofes a São Paulo,com entrada livre de suínos doentes,abatidos clandestinamente e encaminhadosaos açougues da grande São Paulo; daausência de certificados de sanidade e detransito interestadual para cargas decaminhões; ausência de desinfecção decaminhões que transportam suínos paraabatedouros, assim como vagõesferroviários e desembarcadouros onde serealiza a grande comercialização; ausênciade controle e conseqüente coleta eincineração de restos de comida e delanches provenientes de aviões nosaeroportos internacionais”

Também o Presidente da Federação daAgricultura do Estado de São Paulo, FábioMeirelles, em Peste... (1978j), em entrevistaà Folha de São Paulo, informava que odocumento acima referido alertava oMinistério da Agricultura sobre o risco deentrada da PSA no país, em função da faltade controle do lixo e das sobras dealimentos nos aeroportos internacionais, jáque os técnicos da pasta não adotavamqualquer medida preventiva. O documentofoi encaminhado à Coordenadoria deCombate à Febre Aftosa, órgão vinculadoao Ministério da Agricultura e, em resposta,o Ministério informou, após 10 meses, quenão havia esse risco, porque o lixo dosaeroportos internacionais era devidamenteincinerado, em Governo... (1978d).

Em novas declarações à imprensa, o Sr.Fábio Meireles afirmou que nos aeroportose cais era comum a presença desuinocultores do Rio de Janeiro,aguardando a limpeza dos barcos e aviõespara aproveitarem os restos de alimentos nalavagem que era servida aos animais.Inclusive em São Paulo, onde, segundoafirmou, criam-se mais porcos que em todoo interior do Estado, repetia-se a mesmacena em aeroportos e até em hospitais, emPeste... (1978h).

No entanto, durante o episódio da PSA,alguns técnicos e autoridades do Ministérioda Agricultura reconheceram a deficiênciada estrutura de defesa sanitária animal nopaís, a começar pelo próprio Ministro daAgricultura, Sr. Alison Paulinelli, quedeclarou à imprensa que o Ministério nãodispunha ainda de um sistema de defesasanitária perfeito e ideal, ao mesmo tempoque justificava ser esse um problemamundial e que a área de fronteira a serfiscalizada no Brasil era muito extensa,alcançando 5.000 quilômetros de terra e7.000 quilômetros de mar, conformePaulinelli... (1978a).

Em documento preparado por Lyra [198-], oMinistério da Agricultura defendia anecessidade de o país estruturar um grupode erradicação de doenças exóticas eemergenciais. O documento, em seudiagnóstico, reconhece que o país carecede uma estrutura institucional frente àsnecessidades da vigilância epidemiológica esanitária. O trecho do documento abaixoselecionado corrobora e reforça a discussãoanterior sobre essa temática: “No que serefere particularmente às emergênciassanitárias, com exceção de uma débilvigilância a nível de portos, aeroportos,postos de fronteira e um sistema deinformação, cuja falta de dinamismo malconsegue elaborar estudos retrospectivosde ocorrência de várias doenças, encontra-se o sistema de defesa sanitária animal nopaís totalmente desprovido de meios parauma atuação dinâmica e eficaz diante daapresentação de um episódio sanitário maisgrave, exótico ou não”

Embora o Ministério da Agricultura contassecom legislação de defesa sanitáriaespecífica para algumas doenças animais,priorizava, na época, o programa decombate à febre aftosa, que tinhaorçamento próprio e uma estruturaverticalizada para o seu combate. Em quepese o crescimento da suinocultura a partirde 1970, especialmente na região Sul dopaís, as políticas públicas voltadas paraessa atividade eram mínimas, conforme ficaevidente nas denúncias dos produtores edas associações de criadores de suínos,ressalvando-se a iniciativa dos Estados da

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região Sul do Brasil, que mantinhampolíticas próprias de incentivo àsuinocultura, incluindo orientação técnica.

Além das questões técnicas, é necessárioreconhecer que o cenário políticoinstitucional vivenciado pela populaçãobrasileira em 1978 era muito sombrio,marcado por uma ditadura militardesgastada. Não se pode desvincularqualquer atividade de produção animal,como é o caso da suinocultura, dessecontexto político-institucional, sob pena derepetir a história factual, descomprometidacom as demais áreas do conhecimento. Aentrada da PSA no Brasil contribuiu paraagravar ainda mais a credibilidade dasautoridades políticas e sanitárias do país,pela facilidade com que a doença aquientrou. Esse quadro foi agravado não sópela natureza das medidas de controle eerradicação, o que era esperado, masprincipalmente pela polêmica que seestabeleceu em torno do diagnóstico.Contribuiu para isso a falta de infra-estruturado Ministério da Agricultura que, na época,não contava com um suficiente corpotécnico especializado em suinocultura, nãodispunha de programa nacional de sanidadeem suínos e, em conseqüência, nãopossuía cadastro atualizado das criações desuínos.

À medida que a PSA se disseminava paradiferentes municípios e Estados brasileiros,o Ministério da Agricultura procurava daruma explicação que geralmente provocavamais polêmica entre criadores, empresáriose especialistas. Um dos pontos maisdiscutidos em relação à PSA no Brasil foi aforma de manifestação da doença, conformejá discutido anteriormente. Nesse sentido, éilustrativo o que diz Sobestiansky (1982) naintrodução de obra sobre a peste suínaafricana: “a mortalidade geral foi baixa e nãoocorreram formas agudas, prolongando-sepor largos períodos, onde muitas vezes ospoucos animais atacados sobreviviam”. Noentanto, no capítulo dedicado à descriçãoda PSA, o autor retoma o conceito clássicoda doença: “a peste suína africana é umadoença altamente contagiosa de cursosuperagudo ou agudo, causada por umvírus, sendo o mesmo especifico da espécie

suína. Ela se caracteriza, do ponto de vistaclínico, pela evolução superaguda ouaguda, algumas vezes subaguda oucrônica, conduzindo na maioria das vezes àmorte e rara vezes a um estado de infecçãoinaparente”.

Essa aparente dúvida em relação aocomportamento do vírus da PSA, segundo aliteratura internacional, somente ocorreriaapós um tempo relativamente longo deduração da doença em uma determinadaregião ou país.

Para Lucas et al (1967), a PSA écaracterizada clinicamente por umaevolução superaguda ou aguda, algumasvezes subaguda ou crônica, cujo resultadomais freqüente é a morte e, mais raramente,um estado de infecção inaparente. Emcondições naturais, a PSA se manifestaclinicamente após um período de incubaçãode duração variável, segundo quatro formastípicas: superaguda, aguda, subaguda ecrônica. As formas superagudas e agudasão as habituais. As formas subagudas ecrônicas, raras na África, não forampraticamente observadas no início daevolução da PSA africana na Europa. Aocontrário, elas apareceram com maisdestaque nos últimos anos na PenínsulaIbérica, sem ser, no entanto, dominantes.

Para Ruiz Martinez (1978), a PSA é umavirose aguda do suíno, febril eextraordinariamente contagiosa, que secaracteriza pela rapidez de seu curso e porsua alta mortalidade.

De acordo com Mc Daniel (1986), a PSA éuma doença viral, que pode apresentarfases de aguda a crônica, febril, dos suínos.Geralmente quando a doença entra em umnovo país ou área, a morbidade emortalidade são altas e a maioria dos casosé do tipo agudo, mas, após vários meses,pode tornar-se menos severa.

Para Maurer (1975), a PSA é uma doençaviral de suínos, aguda, febril, altamentecontagiosa, de curso curto, mortalidademuito elevada

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Os técnicos do Centro Nacional de Suínos eAves, da Embrapa, localizado emConcórdia, Santa Catarina retratam adoença como sendo de natureza aguda,com mortalidade aproximada de 100%,embora admitam que essa mortalidade setorna mais baixa onde a doença se tornaendêmica, Embrapa (1978).

O Dr. J.M. Alvim, ex-professor daUniversidade de Lisboa, Portugal, na épocada ocorrência da PSA, define a doençacomo de caráter agudo, febril, altamentecontagiosa, atingindo os suínos,independentemente da faixa etária, por viadireta e indireta, sendo a mortalidadesempre bastante elevada, Alvim (1978).

Segundo o Dr. Bertrand Larenaudie, Chefedo Serviço de Virologia Geral, da EscolaNacional de Veterinária de Maison d`Alfort,França, em entrevista à Revista Agriculturade Hoje, a PSA, ao atingir a França, em1964, pôde ser rapidamente identificada porse apresentar em sua forma superaguda.No entanto, em outros países, essa formaperde terreno para a forma subaguda ecrônica, Por Que... (1978).

Também para Brillas e Olivella (1980), aPSA é uma doença exclusiva de suíno,infecciosa e transmissível por um vírus,clinicamente muito similar à peste suínaclássica, que se caracteriza por mortalidadeelevada, viremia, febre, alteraçõesvasculares congestivo-hemorrágicas etranstornos digestivos, respiratórios enervosos.

Uma das primeiras publicações doMinistério da Agricultura, que foi reproduzidae distribuída aos serviços de defesasanitária em todos os Estados da federação,continha a seguinte descrição da doença:“... as características da PSA, em sua formausual e diferenciada, é uma doença a vírus,altamente contagiosa, hiperaguda, febril eseptcêmica dos suínos domésticos, que secaracteriza por hemorragias nos órgãosinternos, cianose da pele e letalidadeaproximada de 100%.Nos casoshiperagudos, a morte sobrevém às vezessem qualquer sinal aparente de doença,exceto febre e ocasionais lesões

macroscópicas que mal chegam a seraparentes. A PSA se disseminarapidamente, tal como a PSC. Os poucosque sobrevivem a ela, apresentam-se comoportadores capazes de propagar o vírus”,Brasil... (1978d).

A mídia e as revistas de divulgação técnicadivulgaram exaustivamente o conteúdodessa monografia, como forma decolaboração com o Ministério da Agricultura.Também as primeiras entrevistas dasautoridades do Ministério reforçaram oconteúdo dessa publicação. No entanto,decorridos pouco mais de três meses daprimeira notificação da PSA, em razão de ocomportamento da doença não seenquadrar no quadro clínico esperado, oMinistério da Agricultura passou a defenderuma nova interpretação epidemiológica dadoença, baseado no argumento de que setratava de uma amostra atenuada do agenteda doença, tomando como referência otrabalho de Sanchez-Botija (1962), naEspanha. Essa nova explicação justificava,em certa medida, a ocorrência da pestesuína africana com baixa mortalidade,acompanhada de manifestações clínicasmoderadas, conforme Lyra (1978).

Essa corrente de pensamento passou adominar o discurso oficial e,conseqüentemente, a ocupar todas asprincipais fontes de comunicação. Paracontradizer os críticos que colocavam emdúvida o diagnóstico laboratorial e quedefendiam publicamente a ocorrência daPSC, a culpa passou a recair sobre apreparação dos médicos veterináriosbrasileiros, conforme ilustra o trecho abaixo,de Lyra e Garcia (1982/1983): “A polêmicacriada entre a própria classe médicoveterinária, não entendendo a forma deapresentação da doença, demonstrou afalta de atualização técnica de grandenúmero de profissionais. O próprioMinistério da Agricultura divulgou notasrevelando a elevada mortalidade em PSA, oque ocorreu nos primeiros episódios dadoença em Portugal e Espanha entre 1957e 1960 mas já não foram freqüentes em1979 na Espanha. Por falta de atualizaçãotécnica, desconhecendo a forma deapresentação da doença, os profissionais

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começaram a duvidar dos diagnósticoslaboratoriais. O primeiro no país(Paracambi) apresentou alta mortalidade,entretanto, outros episódios revelaram abaixa mortalidade e ausência de lesõescaracterísticas”.

Ao discordar da interpretação dada sobre asmudanças de características da PSA noBrasil, em tão curto espaço de tempo, estouamparado nas experiências de renomadospesquisadores mundiais, que descreverama forma considerada clássica e, portanto,esperada para essa doença, caracterizadapela alta mortalidade e elevada capacidadede disseminação do agente viral,especialmente quando introduzidarecentemente em um país ou região. A PSA,quando surgiu na Espanha pela primeiravez, em 1960, provocou mortalidade de100% nos sete meses iniciais, dentro de umcurso agudo de 2 a 8 dias de duração,complementada por alta contagiosidade eoutros sinais clínicos semelhantes ao daPSC em sua forma aguda, de acordo comPolo Jover e Sanchez-Botija (1961). No anoseguinte, segundo Sanchez-Botija (1962),embora a regra geral continuasse sendo amortalidade de 100%, registraram-sealgumas exceções, em que não se produziaa mortalidade de todo o efetivo suíno e emque, um número variável de animaisescapava ao contágio. Assim, em certasexplorações, com 150 a 200 animais,somente 20 a 30 animais morriam nosprimeiros 15 dias e o restante dos animaiscontinuavam vivos. O citado autor concluiuque era possível que as formas evolutivasda doença, caracterizadas por baixamortalidade e fraca contagiosidade,estivessem relacionadas com diferenças devirulência das amostras originadas no cursoda epizootia. Esses achados também foramrelatados em outros países em que adoença se manteve por um determinadoperíodo, geralmente superior a um ano, aexemplo das epidemias ocorridas emPortugal, República Dominicana eSardenha. Nos demais países afetados,essa condição não se tornou possível emvista do processo de eliminação dos animaister sido muito curto.

No entanto, no Brasil, essa novainterpretação do Ministério da Agriculturaencontrou forte resistência entre criadores,associação de produtores, técnicos eempresários do setor que não encontravamrazão para explicar a ocorrência da PSA emuma determinada criação sem que ascriações vizinhas fossem afetadas. Aimprensa tratou de retratar essasmanifestações contrárias que partiam detodas as regiões do país, e um dos relatosmais ilustrativos respalda, de certa forma, aopinião dos especialistas internacionaisnessa área da saúde animal. Aqui selevanta mais uma vez a importância daexperiência de alguns de nossos técnicos ede muitos criadores que insistiram emdiscordar do diagnóstico da PSA comargumentos que mereceriam, no mínimo,uma avaliação mais técnica por parte doMinistério da Agricultura. Se havia umclamor contra o diagnóstico, a provabiológica poderia ser empregada para dirimirdúvidas, ou mesmo o envio de material paraoutros laboratórios de referência poderia serutilizado. A própria imprensa, ao divulgar aocorrência de surtos atribuídos à PSA emtodo o Brasil, praticamente concomitantes,reforçava essa possibilidade de falha noprocesso de diagnóstico, como revela amatéria do Jornal do Brasil, do dia 20 dejunho de 1978, que anunciava a existênciade focos suspeitos da PSA em MatoGrosso, Espírito Santo, Minas Gerais, RioGrande do Sul, Santa Catarina, conformeGoverno... (1978a).

O suinocultor Milton Silveira, Km 217 daestrada Pirassununga - Porto Ferreira,ingressou na 9a Vara da Justiça Federalcom duas ações contra a União. A primeira,uma ação cautelar de produção antecipadade prova pericial, em que pretendia apurarresponsabilidade civil da União pelos danosque o surto viesse a causar em seurebanho, com vistas à futura açãoindenizatória, e a segunda, de protesto,notificação e interpelação para que a Uniãodeclarasse qual o modo de agir preconizadopelas autoridades federais competentescom relação ao problema, SP... (1978).

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Também em Pernambuco, outro criador, Sr.Emanuel Salvador Teixeira, conseguiu,mediante liminar na Vara de Justiça Federalde Pernambuco, sustar o abate de seusanimais até posterior avaliação e, ao mesmotempo, moveu ação indenizatória contra aUnião por perdas e danos em razão de seurebanho ter sido condenado em função daPSA, conforme Africana -1- (1978)

O Prefeito de Ourinhos, Sr. Aldo M. Thomé,afirmou à imprensa ter dúvida quanto aosresultados das provas diagnóstico norebanho suíno do Sitio Jacu, onde foi feito oprimeiro diagnóstico da PSA em Ourinhos eem São Paulo, em Governo... (1978e).

Também o Sr. José Fritsch, Prefeito deChapecó, no oeste de Santa Catarina,mobilizou os pequenos criadores contra oextermínio de porcos na região. Segundoele “quando um leitão adoecia, o laboratórioconfirmava a peste, sem que outros leitõesmorressem. “Que peste suína era essa quesó atingia um porco?”, Morissawa (2001).

Quanto à polêmica da transmissão da PSApela vacina cristal violeta, levantada peloCoordenador Nacional de Defesa Sanitáriado Ministério da Agricultura, UbiratamMendes Serrão, o médico veterinário AlbinoNesti, da Coordenadoria de AssistênciaTécnica Integral-CATI, da Secretaria deAgricultura de São Paulo, em declaração àFolha de S.Paulo, disse não acreditar que avacina contaminada pudesse ser aresponsável pela incidência da PSA emrebanhos brasileiros, embora pudesseexistir essa possibilidade. Segundo ele, avacina era preparada com todos oscuidados, considerando-se o tempo dematuração, temperatura e uma serie deoutros detalhes técnicos, em NãoSurgiram.... (1978).

Os suinocultores da região de Ourinhos,embora convencidos da existência da pestesuína, não concordam com o critério depoupar do sacrifício, na época, criações dealto padrão, situadas entre 50 e 500 metrosde rebanhos com diagnóstico da PSA, comono caso do Sr. Hildebrando Holanda deSouza, dono de 70 exemplares de porcosda raça large white, e do Sr. Orlando Zais,

com mais de 1200 suínos. “Se a peste érealmente africana, porque animaisvacinados contra a peste clássica não secontagiaram?” perguntaram os criadores.Alguns deles levantaram a possibilidade deintroduzir suínos vacinados contra a pestesuína clássica no local do foco para verificarse haveria contágio, mas as autoridadessanitárias não autorizaram essa prática,Embrapa (1978).

Não faltaram, porém, declaraçõespolêmicas, como a do Sr. Wagner Marchesi,Diretor da Húmus Agrícola, que afirmou aoJornal do Brasil e a outros meios decomunicação que a PSA convivia com asuinocultura brasileira há alguns anos,sendo, na maioria das vezes, confundidacom a PSC. O fato só não se tornara públicoantes pela falta de diagnóstico diferencial.Segundo ele, a doença começou,provavelmente, nos Estados queexportavam suínos, como Santa Catarina eParaná e não no Rio de Janeiro e SãoPaulo que eram Estados importadores. Porisso considerou ingênuas e desnecessáriasas medidas de erradicação dos focostomadas pelo governo, por não acreditar naerradicação dessa doença no Brasil,conforme Portaria... (1978a). Deve serressaltado que a imprensa publicouinformações do próprio Ministério daAgricultura informando que a PSAencontrava-se presente no Brasil antes demaio de 1978, pois soros estocados háalguns anos em instituições de pesquisa doEstado de São Paulo apresentaram reaçãopositiva à prova de IEOF. Posteriormente opróprio Ministério retificou essa informação,com a justificativa de que o métodoempregado poderia apresentar resultadosfalso-positivos.

Interessante foi a matéria assinada porLancelloti et al (1978), articulista da RevistaIstoé, que mesmo sendo um gourmet, fezuma análise muito sagaz e irônica da formacom que a PSA estava sendo tratada pelasautoridades sanitárias brasileiras. Comentouque as suinoculturas empresariais, sujeitasà inspeção federal, recebiam o carimbo doServiço de Inspeção Federal (SIF) e “poralguma razão, qualquer parecem imunes aovírus da doença”. Uma prova disso foi a

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suspensão das medidas preventivas, dainterdição do trânsito para que o transportede suínos pudesse ser restabelecido(corredores sanitários). Referiu-se tambémao exemplo da Húmus Agrícola, dirigida porWagner Marchesi, que “possui umcoeficiente de segurança quase absolutocontra epidemias. As grandes empresas,cujo capital lhes fornece os meiosnecessários ao cumprimento das exigênciasda legislação sanitária, ganham um aliadopelo monopólio do setor e ao pequenoprodutor sobra apenas o consolo de umamanifestação de 183 acadêmicos deveterinária da Universidade Fluminenseconclamando as autoridades a respeitaremos porcos”. A favor da opinião do articulistadeve ser considerado que a estratégia deinstituir corredores sanitários derivou dapressão de produtores de Estados do Sul doBrasil, fato nunca antes registrado empaíses que sofreram a doença.

O surto ocorrido em Igarapé- MG, nasuinocultura do Sr. Lincoln Viana, vice-presidente do Núcleo de Suinocultura deBelo Horizonte, pode ser consideradoemblemático, por ser uma granja modelo,altamente tecnicizada e, portanto, fora dopadrão considerado pelas autoridadessanitárias para ser atingida pela PSA. OMinistério da Agricultura nunca encontrouuma explicação epidemiologicamenteaceitável para a ocorrência desse surto,embora fosse aventada a possibilidade deque caminhões de frigoríficos ou de fábricasde ração poderiam atuar no transportemecânico do vírus da doença. Essapossibilidade nos parece ser remota, vistoque esses caminhões trafegavam por váriaspropriedades onde não ocorreram surtos dadoença. Morreram na propriedade 60animais e o restante do plantel, cerca de1000 animais, foi abatido a tiros de fuzil eenterrado. Nesse caso, também não seaplicou a regra de despovoamento num raiode 16 quilômetros, embora toda a áreaestivesse sob vigilância, Começa... (1978).

Em São Paulo, o Sr. Fernando Marrey,presidente da Comissão Técnica daSuinocultura da Federação de Agriculturado Estado de São Paulo disse que “épreciso acabar com o pânico, “há apenas

um laboratório que faz os exames, osresultados vêm tardiamente, ninguémgarante que se esteja fazendo confusão nasamostras, temos que duvidar, até certoponto, da veracidade dos diagnósticos”.Segundo o Sr. Marrey, a Portaria publicadano Diário Oficial de 10 de julho de 1978,estava fazendo com que se criasse umalarme no Estado, com uma “supostadoença que não está clinicamente nemlaboratorialmente confirmada. Temos deduvidar, até certo ponto, dos resultados dasanálises, pois em Pinhalzinho, por exemplo,um porco foi diagnosticado como tendomorrido de PSA, quando na realidade nemera peste suína”, Paraná... (1978).

Sobre o surgimento de focos atribuídos àPSA na Ilha de Marajó, o Ministro Paulinelliconsiderou uma “incógnita” tal fato, quepoderia indicar que a doença estivesse lá hámais tempo e só então tivesse sidodiagnosticada, Itália... (1978

O veterinário Cláudio Lowenthal,especialista em suínos, disse não acreditarna existência da peste africana, nem mesmocrônica, ou seja, atenuada, Que Peste...(1978). Em outra entrevista à imprensa, eledisse que “a PSA é uma doença com altoíndice de letalidade (90% dos animaismorrem na fase aguda), mas isso não estáacontecendo aqui. É curioso também queapareçam focos da doença nas pequenaspropriedades, não afetando grandescriatórios situados nas áreas próximas”,conforme Matança... (1978b). Em entrevistaà Revista Veja, Cláudio Lowenthal ressaltouinicialmente que: “a mortalidade de porcostem sido baixíssima, pois onde nunca houvea doença ela deveria se apresentarvirulenta, arrasando até 98% dos rebanhosnum prazo de nove dias. No caso do focode Pirassununga, São Paulo, dez diasdepois de um animal morto ser consideradopositivo para a PSA todos os demais 19animais da mesma pocilga estavam vivos. Omesmo fenômeno tem ocorrido em outrosEstados.Deus é mesmo brasileiro, o víruschegou aqui bonzinho”. Para Lewenthal “adoença aparece em pontos tão distantescomo Rio de Janeiro, Ilha de Marajó e SantaCatarina, sem levar em conta os animaisexistentes no meio deste complicado trajeto.

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Como explicar, por exemplo, que sendouma peste altamente contagiosa, tenhapassado despercebida em Bragança,município paulista de alta densidade suína,na sua viagem do Rio de Janeiro paraAmparo- São Paulo, local isolado e decriação pouco intensiva?” A partir dessasdúvidas é que diz não acreditar naexistência da peste africana, nem mesmocrônica, ou seja, atenuada, Que Peste...(1978).

Segundo os especialistas do Departamentode Virologia da UFRJ, o vírus que há 79dias atacava o rebanho suíno brasileiro é oafricano, mas as dúvidas recaiam sobre ocomportamento do vírus, pois nos Estadosdo Sul, o índice de letalidade era baixo, nãocorrespondendo às estatísticas da doença.Mais de 400 amostras de materiais jáchegaram ao laboratório, onde trabalhavam55 pessoas. O material recebido (baço,fígado, nódulo linfático e amídalas ousangue eram distribuídos para três setores.No setor de hemadsorção, o teste consistiana inoculação do material em suspensão deleucócitos e daí eram feitas leituras com 24,48 e 72 horas para se verificar a existênciaou não de aderência nas hemácias eleucócitos. O setor responsável pelo testede imunofluorescência trabalhava com osórgãos enviados (pesquisa do vírus nostecidos) ou ainda com a cultura de tecidoinoculada com material suspeito, emPeste... (1978c).

Em Maringá foram sacrificados 220 porcosna propriedade do Sr. Osmar FernandesDias, irmão do Deputado Álvaro Dias (MDB-PR), que contratou o veterinário EudesEstevão de Moraes para acompanhar ocaso, pois duvidava que os animaistivessem tido a PSA. Segundo o veterinário,“se houvesse realmente a doença, os 220suínos estariam mortos há mais de umasemana”. O Deputado explicou que osporcos que morreram na propriedade de seuirmão “foram intoxicados por terem ingerido,em demasia, farelo de soja”. Ele disse quepretendia comprovar isso e, caso a suspeitase confirmasse, iria recorrer judicialmentecontra o Ministério da Agricultura. Osrepórteres que chegavam à fazenda pararegistrar o abate de animais foram

perseguidos por cerca de cem soldados dapolicia militar e dois deles chegaram a serdetidos, conforme Peste... (1978c).

Passados três meses do surgimento daPSA, o editorial da Revista Nacional daCarne levantou uma série de dúvidas econcluiu que aumentavam as contestaçõesàs teorias do governo sobre a ocorrência daPSA e, que exceto por uma ou outra vozisolada, poucos se preocupavam em tomarpartido das teses governamentais.Considerava que o Ministro Paulinellievitava perguntas sobre o diagnóstico dadoença, o que dava origem a uma onda decontestações. Segundo o editorial asinsinuações de que grupos estrangeirosestariam por trás da peste, não foramrespondidas; a promessa de um deputado(da Arena), sobre um provável pedido deinstalação de uma CPI não foi rebatida; adiscordância de vários técnicos ebiologistas, sobre se a doença era clássicaou africana, bem como a procedência dosvírus, também não foi contra-argumentada,conforme Contradições? (1978).

Decorridos três meses do aparecimento daPSA ainda não havia sido dada umasolução definitiva para o caso,especialmente quanto ao problema da faltade infra-estrutura laboratorial e de pesquisa,conforme Convivendo... (1978).

Na cidade de Armazém, ao Sul de SantaCatarina, foram sacrificados 424 suínos semque se soubesse então como o vírus entrouno Estado. O maior centro produtor do paísrevelava o maior pessimismo: “a peste nãoserá erradicada e precisamos dar um jeitode conviver com o vírus”, em Por que...(1978).

A Associação Paranaense de Suinoculturapromoveu em Curitiba, a partir de 31 deagosto de 1978, um fórum de debatestécnico-científicos sobre a defesa dasuinocultura nacional, com o objetivo deesclarecer, no plano técnico, a validade dosdiagnósticos feitos no caso de peste suína edas medidas adotadas para combater aPSA até então, Foco ... (1978).

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O Encontro de Médicos Veterináriosrealizado em Belo Horizonte, encerrado em06 de setembro de 1978, concluiu, em vistada rapidez com que a PSA se alastrou emdiversas partes do país, que ela já existia noBrasil muito antes de ser detectada no Rio.Acreditavam os veterinários que o vírusprocedia da Península Ibérica e já chegaraaqui bastante enfraquecido, provocandobaixa taxa de letalidade, de acordo comEncontro... (1978).

Essa conclusão provavelmente foi baseadaem relatórios oficiais publicados logo noinício do episódio da PSA e também emalgumas matérias publicadas pela imprensainformando que soros estocados desde1976 em institutos de pesquisa de SãoPaulo apresentaram reação positiva paraPSA, em Martins (1978).

O Deputado Ivo Sporandel (MDB-RS)estranhou a chegada de 500 suínosimportados pelo grupo Rockfeller,justamente no momento em que sedenunciava a existência da PSA no Brasil. ODeputado desconfiou também dos laudostécnicos da Universidade FederalFluminense na Ilha do Fundão, queafirmaram existir PSA na cidade gaúcha deTrês Passos, porque “os técnicos quefizeram aquelas análises são, precisamente,norte-americanos e canadenses e nãobrasileiros”. Segundo ainda o Deputado,“vários técnicos de Santa Catarinaafirmaram que os casos ocorridos naqueleEstado não eram de PSA”, em Candidato...(1978).

Passado o susto, a perplexidade e a revolta,os criadores de porcos, enfim, começaram areagir com medidas práticas contra a PSA.A mortalidade era baixíssima, os sintomaspoderiam ser atribuídos a outras doenças eonde morria um porco os demaispermaneciam com boa saúde. Em TrêsPassos, no Rio Grande do Sul, 40 dias apóso laudo positivo para PSA, o restante dorebanho estava saudável e os criadores sereuniram para debater a questão eaprovaram um documento de quatro laudas,em que “negam de forma definitiva e comabsoluta segurança a existência da PSA emTrês Passos”, em Peste... (1978b)

A revista Dirigente Rural, depois decompletado um ano da entrada da PSA noBrasil, apresentou um retrospecto dadoença, demonstrando que 84% dos surtosocorreram em criações de porcos soltos,seguidas das extensivas, com 14% e dasorganizadas com apenas 2%. Em relação àexistência da doença assim se posicionou:“Decorrido algum tempo, começaram asurgir suspeitas de que não se tratava daPSA, mas da peste suína clássica, esta hámuito tempo presente em nossos rebanhose de fácil controle pela vacinação. A dúvidaera causada pelo índice de letalidade.Enquanto nos países europeus esse índiceera de 100%, no Brasil a doença estavamatando apenas 50% dos animaisatacados. Chamada até de peste suínabrasileira, em razão dessa peculiaridade, omal foi, no entanto, confirmado pelasautoridades, observando que o menoríndice de letalidade se deveria às suasvárias passagens por rebanhos europeus, oque teria provocado algumas mutações. Atéhoje a PSA é objeto de grande polêmica,considerando-se a hipótese de que muitoscasos tidos como de peste africana foram,na verdade, de peste clássica, visto que oquadro clínico torna praticamente impossívelproceder a um diagnóstico diferencial entreas duas e com outras doenças”, Convívio...(1979).

Da mesma forma, a Revista Nacional daCarne, por meio de seu editor, consideravaque a suinocultura “ainda convalesce de umestranho e inexplicável surto de PSA.Existem fortes indicações de que a PSAnunca houve, inclusive com uma análise daFAO, em caráter extra-oficial, confirmandosua inexistência. O que ocorreu pareceestar sendo considerado como uma‘precipitação’ por parte das autoridadessanitárias do país, havendo quem diga que,na realidade, o surto foi de peste suínaclássica, em níveis mais violentos”,Suinocultura... (1980).

Dois anos após o surgimento da PSA noBrasil, em entrevista à Revista Nacional daCarne, o Sr. Fernando Marrey, presidenteda Comissão Técnica de Suinocultura daFAESP, considerava que “a PSA não existee, portanto, não há o que combater. A

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moléstia foi um susto que quase matou odoente. São Paulo, Paraná e Santa Catarinaestão imunes ao mal e, em Piracicaba (SP),não se propagou devido a um mandado desegurança”, Forças... (1980).

A Revista Nacional da Carne, por meio denota de seu editor, referia-se à PSA comouma “neurose” e, de 1978 em diante, eramconstantes as denúncias sobre a suaexistência, a ponto de os criadoresconcluírem que havia uma campanhacontrária à suinocultura, PSA... (1980).

Em outubro de 1980 o coordenador daSecretaria Nacional de Defesa Agropecuáriado Ministério da Agricultura, Sr. UbiratanMendes Serrão, afirmava que os focos dePSA identificados no Brasil apresentavam-se, de modo geral, com “baixa mortalidade,provocando o descrédito e desconfiançanos diagnósticos laboratoriais, face aodesconhecimento dessa forma deapresentação da doença pelos criadores eaté mesmo por alguns veterinários” Brasil...(1980b)

Ao participar de um debate promovido pelaAssociação dos Engenheiros Agrônomos doEstado de São Paulo, o veterinário CláudioLowenthal afirmou que a demora no retornodos resultados dos materiais enviados aoLaboratório Central, no Rio de Janeiro, tinhasido até de dois meses, prejudicando aerradicação. O veterinário Cláudio deMoraes Andrade, responsável pelolaboratório carioca, justificou-se, dizendoque havia material que chegava ao

laboratório com 25 dias, acondicionados emvasilhas com glicerina ou com formol, quemata o vírus. Segundo ele, quando omaterial chegava em boas condições oexame era feito em seis horas. A maioriados exames não ultrapassava o prazo de 24horas, Burocracia... (1978).

4.7 Registros dos atores sociais

“Se era ou não peste suína africana, na época,não nos cabia analisar, conjecturar ou contestar,fazíamos parte da defesa sanitária animal daSecretaria de Agricultura, éramos técnicos etínhamos que cumprir ordens superiores”.(Depoimento de médico veterinário do Sul dopaís)

Neste capítulo serão discutidos osresultados das entrevistas, as respostas aosroteiros enviados por carta e por meioeletrônico envolvendo técnicos, pessoas-chave, criadores, dirigentes de associaçãode criadores de suínos e empresários dosetor. As respostas foram agrupadassegundo a similaridade de sentido entreelas.

4.7.1 Médicos veterinários

Foram enviadas 434 mensagens com oroteiro, do qual foram recebidas apenas 69respostas. No campo da identificação doroteiro, 32 responderam que exerciamfunção pública (58,2%), e 23, funçãoprivada (41,8%). No tocante àespecialidade, foram contabilizadas 53respostas, conforme se observa na tabela 3.

Tabela 3. Funções exercidas por 69 participantes de médicos veterinários.

Função exercida Nº %Produção/reprodução bovinos 11 20,70Produção/reprodução suínos 09 17,00Clínica médica 09 17,00Parasitologia/virologia 07 13,20Anestesiologia/imunologia/fisiologia 04 7,50Inspeção de carne 03 5,70Doenças / clínica de suínos 03 5,70Outras 07 13,20Total 53 100,0

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Em relação à qualificação, as respostasforam as seguintes: 8 graduados (15,7%), 8especialistas (15,7%), 6 mestres (11,7%) e29 doutores (56,9%). De acordo com o valormediano que representa, o ano deconclusão do curso de graduação foi o de1976.

De 69 roteiros recebidos, 18 (26%) nãoforam preenchidos, mas foram devolvidoscom justificativas tais como: “só vi essadoença nos livros”, “não temos a disciplinade doenças exóticas”, “não posso ajudar,tenho pouco conhecimento na área”, “nãotrabalho com suínos”,“desculpe-me, nãoposso participar por trabalhar em outraárea”. Essas justificativas merecem tambémser lidas e entendidas pelo aspecto éticoque elas encobrem. O fato de não atuar naárea aqui considerada não isenta oprofissional da responsabilidade deposicionar-se sobre um problema damedicina veterinária que causou grandeimpacto econômico no país e envolveuamplos segmentos da sociedade brasileira.

As respostas a cada pergunta do roteiroforam assim organizadas:

Pergunta n.1: Como você tomouconhecimento da notificação da peste suínaafricana (PSA) no Brasil?

A imprensa foi a fonte de informação maiscitada, com 43,7% de respostas, o que, decerto modo, era esperado. Apenas quatroparticipantes da pesquisa (6,2%) afirmaramque tomaram conhecimento da doença pormeios oficiais. É necessário relembrar que asuspeita de PSA foi estabelecida no dia 12de maio de 1978 e mantida sob sigilo pelasautoridades sanitárias até 28 de maio,quando houve um “vazamento” deinformação para a imprensa, pelos técnicosdo Ministério da Agricultura e da Secretariade Agricultura do Rio de Janeiro,empenhados no combate ao foco deParacambi. Aquelas reportagenspraticamente definiram o caráter da doençae ainda indicaram a provável origem dosurto, Peste... (1978k) e Perez... (1978).

Pergunta n.2: Você participou de algum tipode atividade que poderia ser relacionada

com a presença da PSA no Brasil?(especificar)

As respostas foram assim classificadas: 31afirmaram não ter participado de atividadesrelacionadas com a PSA (44,9%), 20responderam afirmativamente (29%), e 18(26,1%) não responderam. Em relação aogrupo que respondeu favoravelmente,apenas 12 (17,4%) participaramefetivamente de atividades que poderiamser reconhecidas como relacionadas aoprograma de combate à doença. Asexperiências e avaliações desses 12participantes serão apresentadas emseparado nesse capítulo.

Pergunta n.3: Como você explicaria aentrada da PSA no Brasil?

A maioria das respostas sobre a entrada dadoença no país (53,1%), apontava oproblema da alimentação de suínos comrestos de refeições de bordo de aviões. Noentanto, para 9,4% a causa foi a importaçãode animais, sem os devidos cuidadossanitários, enquanto para 6,3% dosparticipantes, o que ocorreu foi a falta devigilância sanitária ou inadequação debarreiras sanitárias. Novamente o que maissurpreendeu foi verificar que 21,9% dosmédicos veterinários afirmaram não poderexplicar com segurança como a PSA entrouno país. Outros (9,3%) afirmavam não tercerteza ou disseram não acreditar naexistência da PSA no Brasil, inclusivetécnicos que participaram diretamente dasações de combate à doença, o que tambémfoi retratado por Cláudio Lowenthal emdiversas entrevistas em jornais e revistas,conforme Que Peste... (1978) Esse últimoresultado reforça a importância do estudosobre a história e a memória dos problemassanitários que ocorreram no país, de umamaneira geral, uma vez que, nesse caso,trata-se de uma situação paradoxal:participar das ações de combate a umadeterminada doença e não ter uma posiçãoclara sobre a sua existência ou sobre aforma com que entrou no país. A epígrafedesse capítulo representa bem essaambivalência que marcava ocomportamento de alguns técnicos,

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especialmente do Sul do país, em relaçãoao conhecimento sobre a doença.

Pergunta n.4: Qual a sua avaliação sobreas medidas de combate à doençasimplantadas pelo Ministério da Agricultura,considerando-se desde a fase emergencial,quando a doença se restringia ao Rio deJaneiro, até o estabelecimento do programaoficial de erradicação?

Há por parte da maioria dos participantes(52,6%), de que as medidas de combate àPSA foram adequadas ou efetivas, em quepesem as restrições sobre osprocedimentos adotados, caracterizados poralguns como drásticos e severos. As críticasem relação à estrutura de pessoal, aodiagnóstico e à vigilância sanitária doMinistério da Agricultura corresponderam a29% das respostas, e 18,4% dosentrevistados disseram não possuirconhecimentos suficientes para fazer umaavaliação. Esses resultados sãoconcordantes com a opinião da maioria daspessoas-chave que disseram que asmedidas adotadas na fase inicial doepisódio, embora severas, foramnecessárias e bem executadas. As críticasaqui feitas, e também pelos atores sociaisem capítulos anteriores, concentraram-se noperíodo posterior ao episódio de Paracambi,quando a doença passou a ser notificadaem vários Estados do Brasil sem queguardasse um nexo de causalidade com ofoco primário. Nesse aspecto, váriosmédicos veterinários, especialmente os doSul do país informaram que não observaramlesões suspeitas da PSA durante suasatividades de combate à doença, o que, decerta forma, corrobora os depoimentos decriadores, publicados pelos jornais erevistas, abrangendo variadas regiões dopaís, conforme Peste... (1978b),Suinocultura... (1980), Convívio... (1979).

Pergunta n. 5: O fato de o Ministério daAgricultura ter declarado, em 1984, que oBrasil encontrava-se oficialmente livre daPSA, trouxe algum tipo de repercussão paraa suinocultura e para a indústria detransformação de derivados suínos nasdécadas seguintes? Especificar.

Foi apontado por 31 entrevistados (63,3%)que, depois de alcançada a erradicação daPSA, houve melhoria ou modernização dasuinocultura nacional e da indústria detransformação da carne suína, bem como arecuperação do mercado interno e oaumento das exportações. Essas respostasforam concordantes com as opiniões deautoridades sanitárias, técnicos,empresários e representantes deassociação de suinocultores, como foiregistrado anteriormente. Apenas dois (4%)participantes consideraram que ospequenos produtores foram os maisprejudicados, enquanto 28,6% nãoresponderam ou afirmaram não possuirconhecimentos sobre esse quesito.

Pergunta n. 6. Qual o conhecimento ouexperiência resultante do episódio da PSAque mereceria ser registrada para apreservação da memória e da histórianacional?

Foram registradas 62 atividades ou açõessanitárias consideradas relevantes nocombate à PSA no Brasil, das quais 30referem-se à melhoria ou desenvolvimentodas técnicas de planejamento. Foramregistradas 17 ações que mereceramelogios, a saber: estabelecimento denormas mais eficazes de defesa sanitáriaanimal, maior atenção às necessidades doplanejamento e execução das atividadesrelacionadas à defesa sanitária animal,implantação de vigilância epidemiológica,melhoria das equipes sanitárias, criação decentros modernos de diagnóstico, atuaçãointensiva e rápida nos focos da doença. Naárea de comunicação social, houve oitorespostas que elogiaram a participação daindústria e dos produtores, ademocratização da informação e a opiniãodos produtores quanto às medidas decombate. Foram contabilizados 13 registroscontendo críticas quanto à: vulnerabilidadedo país frente às doenças exóticas,fragilidade do serviço de defesa sanitáriaanimal, falta de preparação técnica pararealização do diagnóstico laboratorial,diagnóstico falho e falta de apoiolaboratorial para doenças exóticas. Essascríticas referiram também a questões comoo sacrifício indiscriminado de animais, o

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desencontro de informações sobre o riscode doenças para as pessoas, a importânciado problema para a opinião pública, ocritério e a forma de sacrifício de animais, aignorância de parte significativa da classeveterinária em relação à doença,possibilidade de o surto ter sido uma coisafantasiosa e a inexistência de um relatóriofinal sobre esse episódio e a real dimensãodo problema. É interessante observar queesses questionamentos foram tambémfeitos por outros atores sociais, conformeLancelloti et al. (1978), Secretaria... (1978) ePeste... (1978k).

De certa forma, essas referências, comoexperiência acumulada, que estouclassificando de memória, mostram que amaioria dos participantes considera que aatuação das autoridades sanitárias frente aofoco foi adequada e eficiente. As críticasconcentraram-se na questão da vigilânciaepidemiológica e do diagnóstico. Rarosforam os registros que destacaram osprejuízos dos produtores, empresários e dopaís em função do registro da ocorrência daPSA.

Pergunta n.7: Você gostaria de acrescentaroutras informações?

Poucos participantes acrescentaram outrasinformações. Merecem ser ressaltadosalguns registros que destacaram o êxito daerradicação da PSA no Brasil, aoportunidade de exportação, a obediênciaàs recomendações da OIE. Considerotambém muito significativo o fato de quepoucos foram os participantes que utilizaramesse espaço para expressar outros pontosde vista, o que, de certa forma, limitaria ouso dessa técnica, caso fosse a referênciaúnica desse estudo.

Entre os 69 roteiros recebidos selecionei 12em que foi possível estabelecer algum tipode participação no PCPS do Ministério daAgricultura. Entendi que era importantedestacar essas respostas nessa pesquisa,por representar situações vivenciadas naprática e que contribuíam para ampliar ereforçar opiniões de vários atores sociais.

Uma médica veterinária que na épocaestagiou no laboratório central dediagnóstico da PSA, no Rio de Janeiro,(roteiro n.9), disse ter tomado conhecimentoda notificação da PSA em sala de aula.Sobre a avaliação das medidas de combateà doença assim se expressou: “comotrabalhei em área de grande expressão dasuinocultura, em um estado do Sul do país,considero que as medidas, emboranecessárias, foram um tanto traumáticaspara os produtores locais. Acredito que arazão para este fato é que não houveacompanhamento efetivo dos técnicos daextensão rural. Na época ouvi muitoscolegas veterinários dizerem que aexistência desta enfermidade era umafraude”.

Esse depoimento revela uma situaçãoparadoxal, pois para quem passou por umestágio no laboratório oficial de diagnóstico,em um momento que muitos eram osdiagnósticos positivos, não poderia ter umaposição indefinida sobre a existência dadoença, ainda que tenha feito referência àfala do outro. Essa situação, relativamentefreqüente entre os profissionais da medicinaveterinária e entre outros atores, era umadas representações sobre a PSA maispolêmicas expostas pela mídia, conformeContradições... (1978), Governo... (1978),Que Peste... (1978) e Peste.... (1978b)

Em depoimento (roteiro n.13) de umprofissional responsável pela coordenaçãode escritório da Regional em um Estado doSul do país afirmou não ter explicaçãoquanto à entrada da doença no país. Arespeito da ocorrência de um foco de PSAem seu município disse que pediu para serafastado das operações de abate ecremação para que “não houvesseproblema para mim, uma vez que residia nacidade e prestava assistência técnica dedefesa sanitária animal para criadores dosmunicípios sob minha jurisdição”. Comentouainda que, ao participar de uma reuniãooficial sobre os problemas da suinoculturaem sua região, citou a ocorrência dessefoco de PSA e as medidas adotadas para osaneamento do mesmo, quando foicontestado, de forma muito agressiva, porum conhecido político do Estado e do país,

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sob o argumento de que “não havia pestesuína africana no Estado e que não era paraeu falar mais nisto” fato que o constrangeuperante aos demais colegas.

Segundo a opinião de um médicoveterinário da inspeção federal (roteiro n.E-29), houve ganho na “conscientização dasautoridades, no que tange às medidas devigilância, à recuperação do mercado e àtecnificação da suinocultura” e, comoconhecimento ou experiência decorrente doepisódio da PSA, destacou a “participaçãoefetiva dos médicos veterinários brasileiros”,embora considerasse que “a estruturaprecária, a deficiência de recursos humanose a falta de treinamento de pessoalcontribuíssem para o ingresso da doença nopaís”.

Outro técnico do setor público, que exerciaações de defesa sanitária animal em umEstado do Sul do Brasil (roteiro n.33) assimse expressou:“nunca ficou claro para anossa classe veterinária o início daepidemia. Eu faço parte dos veterináriosque acreditam que ela já existia no Brasil”.Relatou ainda que, nos 12 anos em quetrabalhou em defesa sanitária animal, sóregistrou um único caso de PSC, que atingiuentre 6 e 8 animais, dentro de um rebanhode mais de 200 cabeças. No mesmoperíodo informou que detectou um foco deDoença de Aujeszky, que causou 20% demortes em um rebanho de 300 cabeças.Considerou que as medidas tomadas foramtímidas e retardadas, tratando-se de umadoença exótica. Em sua opinião, asuinocultura brasileira mudou muito após oepisódio da PSA e os pequenos produtoresforam os mais prejudicados, pois tiverammaiores gastos e investimentos parareadaptação. Destacou os seguintes pontospositivos do PCPS: democratização dainformação, estabelecimento de normaseficazes de defesa sanitária animal, criaçãode centros de diagnósticos modernos e a“participação social e cidadã de nossaclasse médico veterinária”. Em outrasinformações acrescentou que, comoveterinário formado há mais de 25anos,“pouco mudou na preservação denossas fronteiras e por isso somosvulneráveis a uma série de doenças

exóticas”. Citou o caso de camelosadquiridos para o turismo no Rio Grande doNorte, responsáveis pela introdução de umcarrapato exótico no Brasil. Essedepoimento é revelador de duas situaçõesantagônicas: uma que revela a sua crençaem que a doença já existia no país antes de1978 e a outra que dá margem a dúvidasobre a sua ocorrência.

Segundo o depoimento de um profissionalda região Sudeste (roteiro n.48), houve umdespreparo do serviço de defesa para tomarmedidas emergenciais, fato que permitiu arápida disseminação da PSA para osdemais Estados. Segundo ele, tambémfaltou colaboração de segmentos dasociedade que não acreditavam na doençae procuravam burlar as recomendaçõestécnicas. Da mesma forma, alguns técnicosnão acreditavam na doença e nem nosdiagnósticos, o que muito contribuiu para odescrédito de algumas medidas. Em suaopinião, o serviço de defesa deveriamodernizar-se e os criadores tambémdeveriam melhorar os procedimentossanitários com seus rebanhos. Comoexperiência acumulada, citou que a PSAmarcou o fim da suinocultura do tipo “banha”ou de fundo de quintal; destacou a falta delaboratórios aptos a realizarem diagnósticosde doenças exóticas e a importância davigilância epidemiológica. Em outrasinformações, destacou o papel do ConselhoFederal de Medicina Veterinária e doConselho Regional de seu Estado, que semanifestaram publicamente, em apoio àsmedidas tomadas pelas autoridades,inclusive quanto ao abate sanitário. No seuentender, “foi o primeiro programa deerradicação de uma doença exótica noBrasil e graças a isto hoje o país éexportador de carne suína para váriospaíses”.

Merece citação a resposta de outro técnicoda inspeção federal (roteiro n.49), queconsiderou eficientes as medidas adotadas,embora no item de conhecimentos eexperiências com a PSA tenha ressalvadoque “sempre achei altamente discutível osacrifício indiscriminado de animais nestescasos”.

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Um professor universitário de um Estado daregião Sudeste (roteiro n. 53), considerouadequadas e corretas as medidas decombate à doença. Segundo ele, graças àrepercussão da erradicação conseguida, foipossível o retorno dos criadores às suasatividades, aumentando a expectativa deexportação. Por outro lado, o episódio daPSA deixou como experiência a certeza davulnerabilidade do país às doenças exóticase a necessidade de se contar com um planoefetivo de controle.

Outro professor universitário da região Sul(roteiro n. 56), a respeito da entrada da PSAno país disse que: “acredito que só tenhaocorrido um foco, o original de Paracambi.Os outros teriam sido resultantes da falta deespecificidade dos testes de IEOF ehemadsorção”. Para ele, as medidasempregadas foram adequadas e aerradicação da PSA contribuiu para aretomada das exportações e para reduzir adesconfiança dos consumidores. Citoucomo principal problema o elevado númerode diagnósticos falso-positivos.

Um técnico especializado em bovinoculturade leite (roteiro n. 57), que, na época,trabalhava no levantamento sorológico dadoença, foi o único a defender a hipótese deque a PSA existente no Brasil era causadapor uma amostra de baixa virulência e queas medidas adotadas para a erradicação dadoença foram boas.

Um médico veterinário do Sul do Brasil(roteiro n. 63), disse que participou dolevantamento sorológico da PSA em seuEstado e que era favorável às medidas decombate adotadas contra a doença. Disseainda que, após a erradicação da PSA, opaís passou a ter condição de diagnosticartodas as enfermidades para situaçõesemergenciais e que deveria haver umfortalecimento das instituições para que, emcaso de ocorrência de novos episódios, nãohouvesse alarme desnecessário.

Um profissional que, na época da PSA,prestava assistência técnica para umagrande empresa relacionada com asuinocultura, na região Sul (roteiro n. 67),considerou que havia dúvidas quanto à

eficiência das medidas de combate àdoença e que o país não tinha recursoshumanos qualificados para implantar eacompanhar um programa sanitário oficial.Destacou, como experiência resultante doepisódio, a forte participação da indústria edos produtores. Em outras informaçõesreferiu-se a um foco cujo diagnóstico foi dePSA e que, no entanto, foi consideradocomo sendo da doença de Aujesky, por umespecialista da Universidade Federal de seuEstado.

Segundo o depoimento de um médicoveterinário do Sul do Brasil (relatório n. 68),ligado ao setor público e que participou detodas as atividades de abate de suínos comPSA no interior de seu Estado, “até hojeninguém conseguiu provar como este vírusentrou no país”. É de opinião que asmedidas de combate foram corretas, pois“só dessa forma o país conseguiria ficar livreda doença”. Como experiência acumulada,mencionou a fraqueza do sistema devigilância sanitária, especialmente nasfronteiras, portos, aeroportos. Disse tambémque “mesmo tendo participado daerradicação nunca tomei conhecimento deum diagnóstico positivo. Em todos os focosem que atuei os suínos não apresentavamnenhum sintoma clinico”.

Observam-se nesses depoimentospraticamente as principais hipóteses eversões levantadas pelos jornais e revistasquanto à entrada do vírus da PSA,resultados laboratoriais e forma dedisseminação da doença para os Estadosdo Sul. Em que pesem os laudos oficiaisconfirmando o isolamento do vírus emlaboratório internacional de referência e odesmentido do próprio Ministério em relaçãoà possível entrada da doença antes de1978, os participantes dessa amostra sedeixam guiar por outros referenciais em queo conhecimento científico e o senso comumformam, conforme Schutz e Luckmann(1973), um conjunto de abstrações,formalizações e generalizações, construídose interpretados a partir do mundo do dia-a-dia, cuja compreensão se dá a partir doestoque de experiências pessoais e deoutros como companheiros, predecessores,contemporâneos e sucessores.

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4.7.2 Empresários, dirigentes decooperativas de produção e deassociações de suinocultores

a) Empresa de abate e transformação decarne suína, fundada em 1962, localizadano Sul do país (roteiro E-1)

Segundo a direção da empresa, em maio de1978, eram abatidos 300 suínos/dia, e paraisso, contava com 140 empregados. Nãosoube quantificar se houve mudançassignificativa no volume de produção e nonúmero de empregados no decorrer de1978. Houve, nessa época, acentuadaqueda das vendas, devido às restrições doconsumo, com relação dos produtos deorigem suína. A empresa tomouconhecimento da PSA pelos jornais, TV epor experiência própria, visto que “foidetectada PSA nos suínos que eramdestinados ao abate”. A empresa participoude atividades ligadas ao combate à doença,juntamente com o movimento liderado pelaSINDICARNE e associação de classe. Paraa direção da empresa o principal fator derisco para a ocorrência da PSA no Brasilforam animais soltos, criados em beiras delixões e favelas, em lugares sem asmínimas condições de higiene. Mencionouainda a falta de destino correto dos restosde alimentação humana dos aviões e naviosem operações internacionais. Considerouadequadas as medidas de combate à PSAempregadas, porém exageradas, visto que,quando a doença foi descoberta muitosanimais foram sacrificados e seusproprietários indenizados, mas que até hojenão houve confirmação oficial da doença nopaís. Quanto ao impacto ou repercussão doepisódio da PSA sobre os negócios daempresa, relatou que suínos mortos emviagem foram considerados pelasautoridades da inspeção, como sendovítimas da PSA, ocasionando a interdiçãoda empresa por poucos dias e de 680animais por aproximadamente 40 dias. Apósesse prazo os suínos, equivalentes a cercade 84 mil quilos, foram sacrificados a tiro eenterrados em uma vala. As pocilgas foramqueimadas. Outro detalhe que causoutumulto, pela falta de prática e estrutura detrabalho, foi segundo a empresa, o fato deos animais, no momento da entrada no

abate, serem examinados um a um, comtomada de temperatura, muito emborativessem atestados sanitários. A falta deestrutura e a pouca prática dos funcionáriospara examinar todos os suínos implicoumuito trabalho e tempo consumido nessatarefa. Houve indenização pelos animaissacrificados e as instalações foramqueimadas. As granjas de suínos quederam origem à suspeita de PSA tambémtiveram seus animais abatidos e enterrados,enquanto as instalações foram tambémqueimadas e os proprietários indenizados.Quanto à repercussão para a suinocultura,após declaração de país livre, considerouque a experiência negativa da PSA fez comque os suinocultores passassem a pensarem modernizar a atividade, deixassem decriar animais soltos e procurassem adaptar-se em termos de termos de tecnologia,seleção de raças, alimentação, manejo einstalações.

b) Frigorífico e indústria processadora decarne suína, localizado em Estado da regiãoSudeste (roteiro E.2)

Atualmente esse frigorífico emprega 130funcionários. A empresa, segundo seudiretor, era muito menor do que é hoje e, deacordo com suas palavras, “lembro-me deler na imprensa sobre a ocorrência da PSA,mas nenhuma alteração ocorreu em nossotrabalho normal. Nossa principal atividade, aprodução de embutidos, era e ainda édestinada somente ao mercado interno.Continuamos trabalhando sem alteração,nem em volume nem na linha de produção”.

c) Cooperativa regional de abate de suínoslocalizada em Estado da região Sul doBrasil: (roteiro E.3)

Segundo o presidente, em maio de 1978, acooperativa contava com 120 empregados eabatia 2.500 suínos por mês. Em relação apossíveis mudanças no volume de produçãoe no número de empregados, relatou quehouve acréscimo porque “tivemos queabater animais antes de estarem prontospara o abate sanitário”. Tomouconhecimento da PSA pelos órgãos oficiaise imprensa. A participação da cooperativanas medidas de combate à PSA se deu pela

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atuação do quadro técnico da empresa naoperação de abate sanitário, visandoeliminar os plantéis, atendendo à orientaçãodos órgãos oficiais. No seu entendimento, oprincipal fator de risco foi a alimentação desuínos com restos de comida contaminada,oriundas de aviões e navios, que vieram dezonas onde a doença é enzoótica. Osprejuízos ocorridos em função da PSAcorresponderam ao acúmulo de estoque deprodutos industrializados, demandareprimida e desestímulo à produção desuínos. O fato de o país ter erradicado adoença trouxe, como conseqüência, oreinício do processo de produção de suínos,a recuperação do mercado pela indústria ea confiança do consumidor. Sobre oconhecimento acumulado, disse que“aprendemos que é fundamental preservar asanidade do rebanho suinícola nacional,para ter garantia de continuidade daprodução industrial e cuidado especial naaquisição de animais importados”.

d) Cooperativa de produção agropecuáriaque atua na comercialização de produtos decarne suína, localizada na região Sul dopaís (roteiro E.4).

A direção da cooperativa informou que nãodispunha de dados referentes à épocamencionada, mas prometeu entrar emcontato com técnicos mais antigos da regiãoe mesmo produtores e verificar em que elespoderiam ajudar. O interessante nesse casoé o fato de a cooperativa na época doepisódio, ter ocupado espaço nos jornais degrande circulação para reclamar dogoverno, o pagamento dos prejuízos emsuas atividades, em função da PSA. Mesmodepois de repetidos contatos, não houvemanifestação da empresa em relação àresposta ao roteiro enviado.

e) Associação de Suinocultores de umEstado do Nordeste (roteiro ASS.1).

Essa associação e cooperativa informoupossuir, na época, cerca de 150 associados.Segundo opinião de seu diretor técnico, oabate indiscriminado de suínos, possíveisportadores de PSA, em granjasorganizadas, contribuiu para que houvessequeda de empregos no setor. A Associação

tomou conhecimento da ocorrência da PSAno Brasil por meio da imprensa, deinformação do Ministério e da Secretaria deAgricultura. Segundo ele, a medida decombate à PSA, tomada pelo governo foi ade erradicar animais em perfeito estado desaúde de granjas organizadas. Segundoele, anualmente surge, no princípio doinverno ou do verão, uma peste suínaatípica, não sendo comprovado que estetipo de enfermidade seja uma PSA.Segundo o diretor técnico da cooperativa“na minha opinião foi uma grande ‘balela’ aPSA, desde que a espécie suína é criada noBrasil extensivamente, com exceção dasgranjas tecnificadas, filiadas às associaçõesestaduais e à ABCS. Em todas as grandescidades do Brasil existe uma exploração desuínos, nos lixões e na periferia,inviabilizando qualquer controle sanitário.Especificamente sobre a doença na cidadedo RJ, só quem não conhece a baixadafluminense pode acreditar na erradicação damesma”.

f) Associação Regional de Suinocultores deum Estado da região Sudeste (roteiro:ASS.2).

A direção dessa associação respondeu que,infelizmente, não dispunha de dadoshistóricos sobre a PSA e sugeriu que eu medirigisse à associação estadual.

g) Associação de Criadores de Suínos deum Estado da Região Sudeste (roteiro:ASS.3).

Informaram que não possuíam, nos arquivosda associação, as informações solicitadas.Também disseram que, naquelaoportunidade, nenhum dos atuais dirigentesfazia parte do quadro societário ou não selembrava detalhadamente do ocorrido.

h) Cooperativa de Produtores Regional deum Estado da Região Sudeste (roteiro:ASS.4).

A cooperativa informou que foi fundada em1980 e não tinha como responder à maioriadas questões do roteiro. No entanto,acrescentou em sua justificativa que a PSAfoi uma das causas da formação da

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cooperativa, pois fez com que ossuinocultores existentes na época seunissem.

i) Associação de criadores de suínos deEstado da Região Sudeste (roteiro: ASS.5).

A Associação, por meio de um de seusassessores, informou que não possuíainformações sobre essa doença.Considerou, no entanto, ser de muitaimportância a pesquisa proposta. Sugeriuque fossem ouvidos os diretores da época.

j) Indústria processadora de carne suína,localizado em Estado da região Sul (roteiro:E.5).

A empresa justificou que não poderiainformar os dados de sua produção relativosà época da ocorrência da PSA. Em novocontacto foi solicitada a possibilidade deserem respondidas apenas as questões denatureza qualitativa e novamente a empresainformou que não poderia atender a essepedido, sem no entanto, apresentar asrazões desta decisão.

Embora tenham sido enviados 92 roteirospara dirigentes de empresas, cooperativas eassociações do setor de suinocultura obaixo número de respostas demonstra odesinteresse atual em levantar informaçõessobre um tema que, na época, causou umgrande temor a esses segmentos daprodução. As maiores empresas quecomercializam suínos e seus subprodutosapesar de contatadas repetidas vezes,deixaram de responder às perguntas doroteiro, embora tivessem ocupado espaçona mídia para reclamar de seus prejuízosem função do problema da PSA. Algumasdessas empresas, que na época da PSA,declaravam à imprensa que seriamobrigadas a dispensar empregados, ou atémesmo encerrar suas atividades, em funçãodos prejuízos sofridos, de certa forma“esqueceram” as lembranças do passado. Éverdade que as empresas foram atendidasem várias de suas reivindicações, aexemplo da concessão de recursos parafinanciamento das atividades que haviamsido paralisadas por 30 dias no Estado doRio de Janeiro, a liberação do transporte de

suínos e seus subprodutos por meio de“corredores sanitários” na região Sul dopaís, a certificação das granjas livres dePSA às expensas do erário público, etc.,fatos que minimizaram e compensaramimpactos. Para Lopes (2002), o não-conhecimento, as omissões e as novasversões modificadas relativas ao passadonão são casuais, pois fazem parte de umprocesso continuo de reconstrução, o queconsiste na essência do processo de gravarou de inculcar uma marca ideológica.

4.7.3 Pessoas-chave

Todas as pessoas-chave convidadas, aocontrário dos grandes empresáriosprontamente se colocaram à disposiçãopara participar da pesquisa. De acordo comos procedimentos descritos em métodos eprocedimentos (item 3.2.1, pessoas-chave)foram omitidas as informações quepudessem identificar os participantes.

Pessoa-chave n. 1

Essa pessoa-chave participou da execuçãode tarefas auxiliares, nas equipes detrabalho do Ministério da Agricultura, queenvolveram atividades de coleta de materialde suínos para efeito de monitoramento ede saneamento de focos de PSA. Apesar deter concordado em conceder a entrevista,alegou que tinha pouca contribuição aprestar. No entanto, admitiu que, “no início agente ficava 10 a 20 dias por mêstrabalhando, depois diminuiu”. Quandoperguntado sobre possível resistência porparte dos criadores ao saber dacondenação de seus rebanhos por causa daPSA, disse que, de um modo geral, isso nãoocorria, exceto em um caso, em que foinecessário solicitar reforço da Polícia Militar.Segundo ele, o valor da indenização foi umfator que favoreceu a colaboração doscriadores. Alegou que não tinha maisinformações porque já havia transcorrido umtempo muito longo e que, inclusive, já seencontrava aposentado há alguns anos.Não obstante a boa vontade em participarda pesquisa, certamente a pessoa-chaveoptou por omitir informações, por dizer quetinha pouco a contribuir e que já haviadecorrido um longo tempo. Esse fato se

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repetiu com outra pessoa-chave, o queconfirma o pensamento de Ricoeur (1977)quanto à importância dos conceitos dalembrança e do esquecimento, em que anegação dos momentos mais traumáticosdo passado não se traduz peloesquecimento, mas pelo silêncio.

Pessoa-chave n.2:

Em 1978, possuía uma criação consideradamoderna na época, embora não estivessesituada em região tradicional dasuinocultura. O entrevistado consideroumuito relevante a pesquisa ao afirmar “euquero te parabenizar por essa tarefamaravilhosa que vai trazer resultados muitoimportantes para o nosso país, obrigado,principalmente por aqueles que tantosofreram prejuízos e até desistiram dasuinocultura”. Essa frase inicial dá margema pensar no tempo em que o produtorguardou em sua memória o traumaresultante da eliminação de seus 810suínos. O problema se iniciou com algumasmortes de suínos em sua criação, e, poressa razão, levou dois leitões mortos àEscola de Veterinária da UFMG, para seremexaminados. O diagnóstico foi peste suínaclássica, acompanhado de pneumonia. Osoutros animais doentes foram tratados naprópria granja, e dois chegaram a serecuperar com medicamentos caseiros. Maso Ministério da Agricultura encaminhoutambém material para o laboratório do Rio,cujo resultado foi positivo para PSA. Porordem do Ministério da Agricultura, foramsacrificados 810 animais. Foi feita umavaleta com o auxílio de um trator e, duranteuma semana, os porcos foram sendoincinerados. Disse que porcas, pesandocerca de 350 quilos, na hora de parir, foramsacrificadas, sem que fosse observadoalgum tipo de problema. “Foi uma coisatremenda”, disse o entrevistado, porqueforam também capturados e mortos osporcos comuns de toda a região, num raioaproximado de 17 a 20 km. Comentou queum criador de São Paulo não deixou que osfiscais entrassem na granja e, nesseperíodo, “tirou sangue de cachorro, envioupara o laboratório e deu PSA”. Sobre aindenização, disse que “demorou quase umano para receber aquele valor e

considerando a elevada inflação do período,seria suficiente para repor apenas 10% dasmatrizes” e, por essa razão, decidiu pararcom a criação. Comentou que a PoliciaMilitar lotada em seu município foi quemabateu os animais, com o auxílio damarreta, e também quem impediu aaproximação de curiosos. O entrevistadodisse que possuía, na época, 120 cabeçasde gado confinado e que, ao comentar como médico veterinário do serviço público quepretendia encerrar a criação de suínos,recebeu dele o conselho para “não mexercom alimentação pra pobre e quecontinuasse engordando seus bois”. Disseque os quatro empregados que mantinha nasuinocultura foram demitidos e, quandoperguntado se não havia tentado interporação contra a União, disse que, na época,tentou mobilizar os vizinhos, mas o pessoalficou desanimado. Esse depoimento reforçao discurso de alguns atores sociais, quandocoloca em dúvida o diagnóstico do governoe menciona que outros produtoresconseguiram resistir, fato que a mídia doEstado de São Paulo também publicou,embora ela não tenha afirmado que houvediagnóstico positivo para PSA em soros decão. O produtor informou que o número desuínos que morreram de forma natural foiaproximadamente de 80 animais, o quecorresponde a 10% do total do rebanho. Aexemplo do depoimento anterior, há umasemelhança em relação ao histórico dessesurto, tanto pelo escasso número deanimais mortos, quanto pela ausência deregistro de mortes em outras criações naárea. Esse indicador associado àinformação da recuperação de animaisdoentes não configura um quadro a favor dapeste suína africana. Do ponto de vistaepidemiológico, não foi possível atribuiresse surto à PSA, porque não ficoudemonstrada a disseminação da infecçãopara outras criações, mesmo considerando-se que os caminhões que transportavamração trafegavam por muitas granjas. Comose menciona na história da PSA em outrospaíses, um fator que ajudou a identificar adoença foi justamente a alta virulência epoder de disseminação do agente, conformee Gayot et al. (1974) e Sanches-Botija(1962).

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Pessoa-chave n. 3

Esse entrevistado possuía, em 1978, umamoderna criação de suínos e surpreendeulogo no início da entrevista ao afirmar que“para mim nunca houve a PSA no Brasil”.Relatou que, em junho de 1978, algunsanimais morreram na propriedade e odiagnóstico foi de PSA. Porém essediagnóstico não poderia se referir a essadoença, pelo fato de os técnicos não teremencontrado “linfonodo hemorrágico, lesãono fígado e no intestino”. Outra evidenciamarcante foi a informação de que depois de20 dias do diagnóstico, os técnicos voltaramà propriedade para saber mais quantosanimais haviam morrido e, de acordo com oentrevistado, ficaram decepcionadosquando a resposta foi negativa. Durantemuitos dias a fazenda foi tomada por 50soldados. Os filhos de seus empregadosnão puderam sair para ir à Escola por 30dias, as frutas se perderam no pomar, poisnada poderia sair dali. O entrevistadoatribuiu as mortes de seus animais a umerro na dosagem de um medicamentocolocado na ração. Segundo ele, a doençaentrou no Brasil porque, em 1976, houvequebra da safra da soja nos EstadosUnidos, causada por um inverno rigoroso eo Brasil imediatamente ocupou o seu lugarno mercado europeu. Os Estados Unidos,em 1977, recuperaram sua produção degrãos e, para aviltar a soja brasileirainventaram essa história da PSA no Brasil.

Em relação ao diagnóstico da doença, disseque o governo gastou uma fortuna em umlaboratório no Rio de Janeiro que não tinhaa menor condição de funcionar. Disse aindaque “se houve a PSA no Brasil, foi somenteem Paracambi”. Disse que seus animaisforam abatidos a tiro pela Polícia Militar e,em seguida, incinerados em uma valeta.Afirmou que recebeu a indenização, queincluía os animais abatidos e a ração emestoque, em tempo relativamente curto, novalor de Cr$1.800.000,00 (um milhão eoitocentos mil cruzeiros), equivalentes aUS$ 99 834.00. Em razão dos prejuízos,ficou dois anos sem criar animais. Nãosoube informar se foi também sacrificadoalgum rebanho suíno dos criadores daregião. Também nesse caso não foi possível

atribuir à PSA a causa das mortes. Deacordo com o depoimento da pessoa-chaven.18, foi isolada desses animais amostra deErisipela, mas prevaleceu o diagnóstico daPSA, apesar da incoerência dos achadosclínicos e das evidências epidemiológicas afavor de outro fator causal.

Pessoas-chave n. 4 e 5

Essas duas pessoas-chave eram sócias naépoca do surgimento da PSA no Brasil e,por essa razão, foram conjuntamenteentrevistadas. Ao contrário dos criadoresanteriormente entrevistados, informaramdesconhecer que a granja em questãotivesse algum diagnóstico para PSA oumesmo que fosse monitorada peloMinistério da Agricultura, pois nenhumveterinário do governo estivera antes nagranja, a não ser o veterinário da Empresade Assistência Técnica e Extensão Rural(Emater-MG). Os entrevistados disseramconhecer a PSA apenas por informações,palestras e contatos com veterinários eprofessores. Para a pessoa-chave 4, adoença mais importante na época era aPSC, existente no Paraná, e, por isso, opessoal da região tinha medo de comprarsuínos daquele Estado. Relataram que oproblema que ocorreu na granja foi devido àfebre aftosa. Disseram não se lembrarem doano exato da ocorrência da febre aftosa ese havia rebanho bovino nas vizinhanças dagranja que pudesse estar infectado pelovírus dessa doença. Quanto à gravidade dadoença, afirmaram que os prejuízos foramenormes, pois eram recolhidos diariamentemuitos leitões mortos, que enchiam várioscarrinhos de mão. Praticamente todos osleitões que nasciam morriam,provavelmente mais de cem, mas houvetambém algumas mortes nas fases de recriae de terminação, enquanto os animaisadultos apresentavam vesículas no corpo,lesões nas patas e na boca. Disseram que aentrada da febre aftosa no rebanho se deupor meio de transmissão humana, pois umadas pessoas que residia na granja haviaadquirido essa doença. Afirmaram quepossuíam cerca de 800 suínos e que era aúnica granja tecnicizada da região. Apesardesse surto, a granja não foi interditada, nãofoi usada nenhuma medida preventiva e o

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surto desapareceu por si só. Disse que, naépoca, ninguém vacinava contra a PSC,mas sempre existia o medo de suaocorrência. Em que pese à existência deexame sorológico com diagnóstico positivopara a PSA, ao qual tive acesso, osproprietários da granja afirmaramdesconhecer esse fato. Os sinais clínicosdescritos e confirmados pelo especialista daEmater referiram-se à existência de umsurto de febre aftosa, que se extinguiunaturalmente sem a adoção de medidaespecífica de controle.

Pessoa-chave n.6:

Segundo essa pessoa-chave, na época daocorrência da PSA no país, a região nãotinha tradição em suinocultura. Disse que,nessa época, o rebanho era composto poraproximadamente 200 cabeças e que aprodução era vendida, ora para a região,ora para o frigorífico, dependendo da melhoroferta de preço. Informou que ocorreramentre 30 e 40 mortes de suínos em suacriação, de forma rápida, sem queapresentassem sinais evidentes de doença.O médico veterinário que prestavaassistência técnica ao rebanho colheumaterial e o enviou ao laboratório no Rio deJaneiro. Tendo sido constatada a existênciada PSA, o Ministério da Agriculturadeterminou o sacrifício de todos os animais.

Para ele, as autoridades sanitárias federaise estaduais que estiveram na granja secomportaram de forma muito atenciosa erespeitosa, tendo ficado clara a necessidadedo sacrifício do plantel. Questionado se orebanho era vacinado contra a PSC, afirmouque, na região, ninguém vacinava contraessa doença. A doença causou uma grandesurpresa e muito prejuízo, pois a criaçãonão foi reativada, embora reconheça que,com a indenização, a perda foi amenizada.Disse que tomou conhecimento da doençapela televisão, pelos jornais e porcomentários na cooperativa ou com outrosprodutores. Os porcos continuaram morrendoentre o diagnóstico e o dia do abate.Segundo o produtor, os animais eramjogados num caminhão basculante etransportados até a vala para seremfuzilados pela polícia militar. Era uma “cena

muito traumatizante, era uma coisa muitachata de presenciar, não aconselhoninguém a ver isso não”. Segundo oentrevistado, essa foi uma oportunidadepara se lembrar da história porque, “comose diz, aquilo que é bom a gente develembrar sempre e o que é ruim quanto maisdepressa esquecer menos prejuízo, raiva edecepção passa”.

Questionado se entre os vizinhos houvecasos da mesma doença, disse que não,pois, se houvesse algum problema, haveriacomentário. No entanto o pessoal que tinhaporco para o “gasto” certamente tratou deeliminar seus animais. Segundo a pessoa-chave, a granja não foi interditada paratrânsito de pessoas. Sobre a indenização,disse que foi paga num tempo razoável,tendo considerado o valor justo porque foicom base na estimativa de peso e, segundoele, “eu tinha mais experiência do peso doporco em pé do que eles e ai eu pedi paraevitar esse transtorno de pesar, vamosavaliar olhando nos animais. Nesse pontoeu acho que, se o preço estivessedistanciado, nós conseguimos equilibrar nopeso” Sobre a origem do surto acha que foi“um amigo radicado no Rio de Janeiro que,em visita à sua propriedade, trouxe adoença para os animais, embora houvessetambém a possibilidade de a entrada teracontecido por meio de um caminhão quenos vendia os concentrados para aformulação da ração”. Sobre o resultado doexame, acha que foi entregue, mas nãosaberia dizer onde estaria agora.

O entrevistado narrou que, no município,houve uma recepção ao Governador doEstado, oportunidade em que foi servido umalmoço muito sofisticado e, como a PSAestava no auge, nenhuma pessoa tinhacoragem de comer o lombo de porco queera servido. Também os açougues dacidade não conseguiam vender carne deporco. Esse foi o único entrevistado quemesmo tendo seu rebanho sacrificado,concordou com as medidas do Ministério daAgricultura, embora considerasse estranhoo aparecimento de uma doença apenas emsua criação. Esse depoimento revela umasituação muito próxima aos das pessoas-chave 2 e 3, no que se refere à

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manifestação clínica da doença e ao fato deter atingido somente essa criação numaárea em que havia pequenos produtores eem que o caminhão de ração circulava entrediversas propriedades. Também nesse casonão houve sacrifício de animais em torno dofoco, tal como ocorreu no caso dodepoimento n.3.

A exemplo da explicação dada para amortalidade de suínos pelas pessoas-chave4 e 5, aqui também aparece a explicaçãosobre o aparecimento da doença nos suínosrelacionada com um causador humano, oque já havia ocorrido em relação aoepisódio da PSA em Volta Grande, MinasGerais, conforme Aparecimento... (1978).Ao afirmar que “aquilo que é bom a gentedeve lembrar sempre”, a pessoa-chave seinsere no conceito desenvolvido por Freud(1987) quanto à existência de umadeterminada seleção entre as impressõesacumuladas, sendo que aquelasconsideradas mais aflitivas sucumbiriamcom maior facilidade.

Pessoa-chave n. 7

Essa pessoa-chave participou de algumasatividades ligadas à vigilância da PSA emum dos Estados da região Norte. Disse quecolaborou com o Ministério da Agricultura ecom a Secretaria Estadual de Agricultura notrabalho de vigilância da peste suína naregião. Foram realizadas muitas necropsias,inclusive de suídeos silvestres e qualquermaterial suspeito era enviado para olaboratório central do Rio de Janeiro. Aordem era para confiscar os suínos emtorno da capital. Os pequenos criadoresgeralmente viviam em palafitas, criavamseus porcos em gaiolas, mas, segundosoube, não houve sintomas da PSA nessesanimais.

Tomou conhecimento de que muitoscolegas, ao se depararem com as condiçõesde vida dessas pessoas humildes, deixaramde confiscar seus porcos e ainda emitiramuma ordem para o recebimento daindenização, como se os animais tivessemsido realmente sacrificados. Disse que osporcos eram bem cuidados - inclusivetinham nome- e que, no momento da visita

de inspeção dos técnicos, os moradorestentavam esconder seus animais. Essedepoimento é rico em valores e diz respeitoà questão da estima dos mais humildespelos animais, o que chegou a surpreenderos técnicos que, em face à situação depenúria e certamente movidos por váriosoutros sentimentos, deixavam de cumpriruma ordem superior, de cuja validadecertamente não estavam muito seguros. Osmecanismos de resistência dessas pessoas,ao esconderem seus animais para evitar oconfisco, foi também constatada emdiversos países.

Pessoa-chave n. 8

Essa pessoa-chave participou de decisõesimportantes sobre o Programa de Combateà Peste Suína (PCPS). Disse que a PSAsaiu de seu nicho ecológico, na África,Espanha e Portugal, na época em que haviaum grande número de focos, para Cuba,República Dominicana, Haiti e Brasil.Considerou que um país que tinha a quartasuinocultura do mundo deveria estar maisbem preparado para enfrentar umaemergência, não poderia conviver com 600focos anuais de PSC e nem utilizar umavacina do tipo cristal violeta.

Segundo ela, quando a doença entrou, elapôde ser rapidamente detectada porqueocorreu numa granja em Paracambi,próxima a uma das maiores universidadesdo Brasil. Além disso, a doença apresentoucaracterísticas exatamente clássicas daPSA, ou seja, elevada mortalidade, coisaque não aconteceu nos demais episódios.Era uma granja que tinha 1000 animais emorreram 200 na primeira semana. Ocriador resolveu culpar quem vendeu aração, que estaria contaminada por algumproduto. O produtor da ração, então, levouanimais doentes para serem examinados naUniversidade, onde estava um pesquisadorinternacional ministrando aulas no curso dedoutorado. Ele, ao suspeitar da PSAcomunicou-se com a defesa sanitáriaanimal, informando sobre sua suspeita.Essa pessoa-chave considerou muito ética aatitude desse professor. A esse respeitodisse que “se fosse um outro pesquisador,talvez publicasse esse trabalho num

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congresso e nós só iríamos descobrir doisanos depois, isso é muito comum”. Disseque uma comissão do Ministério daAgricultura, ao avaliar a situação existentena propriedade, constatou a existência derestos de comida de vôos internacionais,misturados com talheres e pratinhos da Tape da Ibéria. O proprietário da criação erachefe do DOPS, no Aeroporto Internacionaldo Galeão, que “havia sido inaugurado acerca de um mês e não tinha forno, nãotinha incinerador, fato que demonstrava avulnerabilidade da vigilância sanitária”. Ocriador informou haver vendido uma porcapara uma comadre que vivia em uma favelano Rio de Janeiro e vários porcos paracaminhoneiros próximos ao belvedere, nocomeço da serra entre Rio e São Paulo.Dessa forma, a doença já era esperadanesses Estados.

No caso da Fazenda Floresta, foi realizadoo sacrifício de todos os suínos e também debovinos, caprinos, eqüinos, cães e aves. Asmedidas tomadas tiveram por referência otrabalho realizado em Cuba. A porca dafavela veio a morrer e foi enviado materialpara Plum Island, nos Estados Unidos, e oresultado chegou no dia 30 de maio, comdiagnóstico positivo para PSA. A favela foium foco amplificador porque, segundo apessoa-chave, “todo mundo criava suínosna favela e os vendia nas feiras livres doRio”. Em sua opinião, essa doença nafavela tinha um caráter autolimitante porqueo “animal ali adoecia e ali morria”. Osgrandes erros que ocorreram nessa fase deemergência derivaram de uma publicaçãofeita por uma equipe de especialistas, emque se afirmava que a doença matava100% dos animais. Segundo ela, isso nãoocorria na realidade, o que causavadesconfiança nos resultados laboratoriais. Aprova de diagnóstico utilizada nessa faseera a IEOP, que era indicada pela OIE parapesquisa em grandes rebanhos, nacondição de triagem e não comodiagnóstico definitivo, o que provocou muitadesconfiança nos diagnósticos realizados.Depois dessa fase emergencial, ocorreu amudança para a prova de imunofluorescênciae a retirada do diagnóstico do laboratório doRio de Janeiro para um laboratório doMinistério. Foram detectados ainda alguns

focos positivos para a PSA e, como amortalidade havia sido muito baixa, inferior a10%, a pessoa-chave publicou um trabalhosobre a PSA de baixa mortalidade, tal comoaconteceu na França. A amostra do vírusisolado do Brasil foi caracterizada porMebus, nos Estados Unidos, como sendouma amostra de menor virulência, fatotambém confirmado pelo Dr. RamonCarnero Cabrera, especialista emlaboratório, que prestou assessoria aoMinistério da Agricultura. Disse não ter amenor dúvida sobre a existência da PSA,apesar do descrédito e da desconfiança.Afirmou que “foi enviado material biológicopara confirmação de diagnóstico da doençaem laboratórios da França e da Rússia e osdois deram resultados positivos. Era PSAmesmo que tinha no Brasil”.

A respeito da entrada da PSA antes de1978, a partir dos resultados positivos paraalguns soros estocados em institutos depesquisa em São Paulo, disse que “suaavaliação sobre esse fato é que a prova dediagnóstico apresentava resultados falso-positivos, por isso é que foi mudada”.

Sorologias realizadas no país para fins devigilância apresentaram resultados negativosem cerca de 500 mil soros testados. Devidoaos resultados positivos de alguns soros noEstado do Paraná, durante a fase devigilância sanitária, foi feito o reteste, cujosresultados foram negativos, o que a levou aconcluir que“realmente o número de falso-positivos foi muito grande”. Emboraconsiderasse correto, do ponto de vistaepidemiológico, sacrificar os animais queapresentaram resultados falso-positivospara erradicar a PSA, do ponto de vistasocial pensa que foi dramático, pois ospequenos criadores foram os que maisperderam, porque a doença não chegou àsgrandes propriedades, por ser transmitidapor restos de alimentos e quem usavarestos de alimentos era o pequeno criador.

Ao ser indagada sobre as facilidadesencontradas pelo Sr. Severino para desviargrande quantidade de alimentos doAeroporto Internacional do Galeão, disseque ele “trabalhava no aeroporto e era ochefe do serviço de polícia do DOPS e tudo

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que era proibido ele fazia e a defesasanitária animal não sabia”.

Esse depoimento faz uma análise crítica dosistema de vigilância sanitária existente nopaís, o que reforça minha posição deconsiderá-lo um eixo de grande importânciana caracterização estrutura da defesasanitária animal dentro de um tempo delonga duração. A hipótese defendida nessedepoimento sobre a disseminação dadoença para o resto do país, no entanto,não corresponde à versão produzidaposteriormente pelo Ministério da Agricultura,em que se analisa que não houvecorrespondência entre o foco de Paracambie os demais focos registrados no Sul dopaís. Já a versão do vírus atenuado, poderiaser considerada coerente com ocomportamento clínico da doença no país.No entanto, conforme já discutido em váriaspartes deste trabalho, a forma subclínica dadoença somente foi observada após umperíodo de tempo razoável, conformeobservou Polo Jover e Sanchez-Botija(1961).

Pessoa-chave n. 9

Essa pessoa-chave foi selecionada, emrazão de sua atuação no PCPS na área deepidemiologia. Considerou que o episódioda PSA constituiu uma experiênciaimportante para o sistema de saúde animale considerou como “descuido” a entrada dadoença no país, porque já existia todo umconhecimento disponível. No entanto,segundo ela “o organismo oficial foi capazde reagir e de se reestruturar durante operíodo em que a doença esteve em nossoterritório”. Destacou como pontos positivosdo episódio da PSA no Brasil a formação derecursos humanos na área oficial eprofissional e ainda a participação ativa dosatores sociais. Em seu entendimento, osucesso do programa foi “fruto de umamente aberta daqueles que estavamdirigindo a saúde animal no Brasil”.Segundo ela isso possibilitou a participaçãoda universidade, centros de pesquisa,iniciativa privada da cadeia produtiva suína,na busca de soluções alternativas para ocombate à doença. Essa experiência foiaproveitada posteriormente no programa de

combate à febre aftosa. Quando indagadosobre o cenário de produção suína após aerradicação da PSA respondeu que acomunidade ficou ciente de que semqualidade e produtividade não haveriapossibilidade de sucesso na suinocultura epassou a valorizar a vigilância epidemiológicapermanente.

Em relação às várias hipóteses levantadassobre a entrada da PSA no Brasil,considerou que admitia a hipótese daentrada de resíduos alimentares, emboranada impedisse que também outras formasde entradas tivessem ocorrido. Em relação àhipótese da doença ter entrada no paísantes de 1978, disse ser pouco provável,uma vez que, se isso tivesse ocorrido, elaseria reconhecida, em razão de seu caráteragudo, agressivo e letal. Em relação àocorrência de um foco em Minas Gerais emuma granja tecnicizada em que o Ministérioda Agricultura não conseguiu identificar aforma de entrada da doença no plantel,disse não ter condições efetivas deesclarecer essa questão, mas que poderiater havido um contato de empregados ououtras pessoas da fazenda com animaisinfectados de outro Estado. Apesar dessapossibilidade, considerava o caso comouma incógnita.

Pessoa-chave n.10

Essa pessoa-chave também participou dedecisões técnicas para a definição doPCPS. Disse que, quando ocorreu oprimeiro foco no Rio de Janeiro, ocupavacargo público e, dessa forma, tomouconhecimento da doença. Afirmou que aentrada da doença se deu pelo Aeroportodo Galeão, de onde foram desviadosalimentos, procedentes da PenínsulaIbérica, para alimentação de porcosdomésticos. Considerou que as medidastomadas foram extremamente rigorosas,com tolerância zero e sacrifício sumário dasfontes de infecção animal e contatos,seguidos de sorologia adequada e de outrosprocedimentos sanitários pertinentes. Disseque o Brasil reverteu o quadro resultante dapresença da PSA do ponto de vistacomercial e epidemiológico, resgatandoassim sua condição de exportador de carne

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suína. É de opinião que em “função deinteresses de plantão, na época, a imagemdo trabalho foi desgastada por elementosdeletérios que anunciavam que o corpotécnico do Ministério da Agricultura estava aserviço do interesse de Rockfeller, que tinhapretensão de criar porcos no Brasil e nãoqueria concorrência”, fato que consideraabsurdo. Em sua avaliação, houve poucaparticipação dos organismos internacionaisno sentido de apoiar as medidas que oBrasil acertadamente estava tomando, atéporque, internamente, havia interesses degrupos prejudicados pelas medidassanitárias rígidas em destruir a imagem doprograma de erradicação.

Pessoa-chave n. 11

Essa pessoa-chave participou do PCPS naárea de epidemiologia. Em sua avaliaçãoconsiderou que a doença realmente existiuno Brasil, tendo sido comprovadalaboratorialmente, mas “ela é restrita aoEstado do Rio de Janeiro e não ultrapassoua fronteira deste Estado e, com certeza, elaocorreu em Paracambi, quase certamente,na favela Nova Brasília, no Rio de Janeiro”.Em relação ao surto ocorrido em lixões dePetrópolis, considera que persiste a dúvidado diagnóstico de PSA porque não haviauma relação entre esses animais e o focode Paracambi. Quando o surto apareceu nagranja do Sr. Severino, em Paracambi, emmaio de 1978, em pouco mais de umasemana a metade dos animais já haviamorrido. Foi determinada a cremação dosanimais mortos, a eliminação dos demais eum monitoramento nas propriedadesvizinhas. Logo a imprensa se inteirou dasituação em razão da grande movimentaçãode pessoas, veículos e das forças armadasna região. As amostras de material, dediversas origens, foram encaminhadas paraos laboratórios da Espanha e da Inglaterra e“o único foco comprovado em exame delaboratório foi aquele que aconteceu noEstado do Rio de Janeiro”. O que chamou aatenção foi o diagnóstico de focos da PSAem regiões totalmente distantes, como naIlha de Marajó e em Santa Catarina, “enfim,coisas que não tinham a menor relação e derepente apareceram diagnósticos da PSA.Posteriormente cinco materiais dessas

origens foram encaminhados paralaboratórios da Espanha e em Wheybridge,me parece, se tratava de PSC, não eraPSA”. Disse que o que mais chamou aatenção foi esse problema relacionado comos resultados falso-positivos. Elogiou aposição do Sr.Alisson Paulinelli, Ministro daAgricultura, que emprestou todo o apoio àdecisão da Defesa Sanitária Animal paraque fossem adotadas as medidaspertinentes. Disse que o pessoal doMinistério levava mala de dinheiro à favelapara comprar os porcos, que estavam sendocriados sem as mínimas condições dehigiene. O rastreamento foi feito com muitorigor, pois havia ligação entre a favela NovaBrasília e a granja do Sr. Severino, que erao motorista de um general, na épocaSecretário de Segurança Pública do Rio deJaneiro. A sua granja, em Paracambi, tinhaentre 1200 e 1300 suínos, sem raçadefinida, criados sem higiene e alimentadoscom restos de comida servida em aviões,visto que o Sr. Severino não tinhadificuldades em entrar no lugar onde eramdescarregadas as sobras de aviões, queeram levadas para a sua granja. Disse quehavia na Fazenda Floresta um depósito detalheres de empresas aéreas dascompanhias TAP, Ibéria, KLM.

O Sr. Severino considerava que deveriareceber uma indenização, por parte dogoverno federal, mas a legislação nãopermitia esse benefício. Disse que naépoca, o Aeroporto do Galeão não tinhasistema de tratamento de esgotos, sendoque todos os resíduos eram lançadosdiretamente na Baia de Guanabara e que,em função disso, o aeroporto não haviarecebido o “habite-se” por parte doMinistério da Saúde. Sobre o número desuínos que morreram da doença ou queforam sacrificados na granja do Sr.Severino, disse que a metade do rebanhoestava doente ou já havia morrido. Falouque Brasília recebeu a notificação dasuspeita da doença por meio de umachamada telefônica, a partir de resultadosde necropsia realizada no Instituto deBiologia Animal, da Universidade FederalRural do Rio de Janeiro (UFRRJ), napresença do Dr.Tokarnia, da Embrapa, Dr.Neitz, Prof. Visitante da UFRRJ e do Dr.

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Rubens Pinto de Melo. Disse que foi feitaprova biológica utilizando animaishiperimunizados contra a PSC e osresultados foram idênticos aos dos gruposde controle. Outra importante revelação doentrevistado diz respeito ao trabalho de umconsultor internacional, Dr. Ordás, que levoupara o seu laboratório, na Espanha, cincomateriais que haviam apresentadoresultados positivos e mais quatro ou cincomateriais de outras regiões do Brasil;apenas o material de Paracambiapresentou-se positivo. Quando esteve naEspanha, fez uma visita ao laboratório doProf. Sanchez-Botija, quando ficou sabendopessoalmente sobre esses resultados, quedevem ter sido enviados para o Ministérioda Agricultura do Brasil. O materialrecolhido na favela Nova Brasília não foienviado para laboratório do exterior. Disseque sugeriu, na época, que todos osmateriais suspeitos fossem processados emlaboratórios internacionais de referência, oque não aconteceu.

Sobre os resultados falso-positivosconsiderou que os testes que estavamsendo realizados no Brasil não eramreferendados pelo Prof. Ordás. Sobre odiagnóstico positivo em alguns sorosestocados em São Paulo antes de 1978,disse não acreditar que a doença estivessepresente anteriormente a 1978 no Brasil,porque a disseminação seria violentíssima.Por sorte, ela entrou em um Estado que nãose caracteriza por exportar animais eocorreu numa granja de terminação ou deengorda, que levava seus animaisdiretamente para o abate. Citou um casoocorrido em uma reunião no Ministério daAgricultura, em Brasília, quando foi discutidaa qualidade da prova diagnóstica para aPSA, que era confiável por causa da suasensibilidade. Naquela oportunidade, ummédico veterinário de São Paulo disse queum soro considerado positivo, ao serenviado novamente ao mesmo laboratório,apresentou resultado negativo. Comentousobre o caso de um colega de MontesClaros, que de uma porca mandou setenta etantos soros e houve um problemaseriíssimo de diagnóstico. Quando indagadosobre os reflexos da erradicação da PSA nasuinocultura nacional, considerou que os

criadores passaram a adotar maiorescuidados sanitários em seus rebanhos,houve uma maior participação do produtorrural e das indústrias e que, pela primeiravez no país, foram organizados fundosfinanceiros para fazer face às despesas deeliminação dos animais, o que serviu dereferência para a organização do programade febre aftosa. Comentou que houve muitaconfusão com relação ao episódio da PSAno Brasil e citou os casos de um padre nointerior de Santa Catarina e do deputadoHelio Duque que comentaram que a doençaestaria relacionada aos interesses dasmultinacionais. Ao final, comentou o caso daexigência de uma declaração solicitadapelos países importadores de sojaproduzida no Sul do Brasil de que num raiode 200 km não havia registro de PSA,sendo que, na época, havia diagnóstico daPSA, desde a Ilha de Marajó até o RioGrande do Sul, passando por Goiás, MinasGerais e Espírito Santo.

Como se observa, esse depoimento seopõe claramente à hipótese de a doença terocorrido fora do Estado do Rio de Janeiro eacrescenta outras informações sobre odiagnóstico da PSA, até então nãodisponíveis em qualquer outra fonte deconsulta, que reforçam a convicção da nãoexistência da doença fora de Paracambi.

Infelizmente não foi possível ter acesso aosrelatórios dos assessores internacionais, anão ser a trechos deles, que apareceramnas publicações oficiais, em que pesemtodas as tentativas realizadas junto aoMinistério da Agricultura. No entanto, apessoa-chave n. 17, por uma casualidade,dispunha do relatório técnico da assessoriaprestada pelo Dr. Ordás Alvarez, datado de22 de setembro de 1978 e dirigido ao Dr.Ubiratan Mendes Serrão, responsável peloPCPS, que contém as seguintes observaçõessobre instalações, equipamento e pessoalencarregado do diagnóstico oficial da PSAno Brasil:“1. instalaciones: las instalaciones dondeactualmente se realiza el diagnóstico,ubicadas en el Hospital Universitário,Departamento de Virologia, no reúne lascondiciones idôneas, tanto en seguridadcomo en espacio.

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2. Equipo: el equipo actualmente existente,lo consideramos insuficiente, tanto enaparatos como en material fungible, ademásde ser destinado a otros fines.

3. Personal: el personal actualmenteexistente posee poca experiência en eldiagnóstico de enfermedades animales y enparticular de la PPA”.

Ao final, no item que denominou deperspectivas futuras, o Dr. Ordás disse que“Perspectivas futuras:ante el escaso númerode casos positivos de PPA observados enlos últimos meses, es de vital importancia laexistência de un diagnóstico diferencialrápido entre la PPA y otras enfermedadesdel cerdo, como la peste porcina clásica,pseudorrabia, salmonelosis, etc para llegara un diagnóstico definitivo en mayor númerode casos posibles. Todo ello, implica unaamplia formación del personal destinado aldiagnóstico de las enfermedades del cerdo,que en el caso presente no se posee”.Ordás (1978).

Pessoa-chave n. 12

Participou do PCPS no diagnóstico oficial dadoença. Disse que recebia soro de todo opaís e que foram vários os casos positivospara PSA. Afirmou não ter dúvida quanto àocorrência da PSA em todo o país. Em seuEstado ela não foi muito elevada e muitagente foi indenizada sem exame do rebanho,segundo informações que recebeu. Ao serquestionado se essa afirmação se referiaaos criadores de suínos situados na áreafocal e perifocal, respondeu que estavafalando de criador que não estava incluídonessa situação, porque havia na época umacrise muito grande na suinocultura e erainteressante receber a indenização pagapelo Ministério. Disse que começou atrabalhar com a técnica do IEOF e maistarde incluiu também a técnica de IFI.

Pessoa-chave n. 13

Essa pessoa-chave participou de atividadesrelacionadas com o saneamento de criaçõesde suínos que apresentaram animaisreagentes por ocasião do Programa deMonitoramento de Doenças de Suínos,

implantado pelo Ministério da Agricultura.Disse que a PSA foi um evento que ocorreuperto dos anos 80, e que se apresentoucomo uma doença de origem desconhecida,no município de Paracambi, no Rio deJaneiro. De acordo com o rastreamentorealizado na época, ficou demonstrado quea PSA foi introduzida no Brasil por meio dedejetos de aviões de Portugal. Após aidentificação do vírus, houve uma “explosãode diagnóstico de PSA no Brasil e na minhaopinião, não era a PSA”. Considera que aPSA ocorreu apenas em Paracambi. Naépoca, o Brasil estava vivendo um momentomuito difícil, o regime era militar e váriasinstituições encontravam-se muitodesorganizadas. O Ministério da Agriculturaestava passando por uma reforma muitogrande e, em sua opinião, “muito diagnósticofoi feito errado e alguns dessesdiagnósticos, pseudodiagnósticos da PSAeu acompanhei, e ficou comprovado que erarealmente erro de diagnóstico”.

Ao ser indagado como poderia comprovaressa afirmativa, descreveu o caso de umasuinocultura onde ocorreram mortes desuínos atribuídas à PSA. Ao ser designadopara fazer o sacrifício de todo o plantelverificou que, do ponto de vista clínico, nãohavia correspondência com a PSA. Ficouclaro nesse episódio a existência de outrosproblemas sanitários nesse rebanho e, emvez de cumprir a ordem de sacrificar todo oplantel, resolveu tratar os animais doentescom antibiótico, o que resultou narecuperação dos mesmos. Esse rebanho foimonitorado por cerca de um ano, tempo emque todos os animais permaneceramsadios. No entanto, os soros dessesanimais, quando enviados regularmentepara o laboratório oficial, deram resultadosora positivos, ora negativos para a PSA.Disse não ter certeza sobre quem fez aprimeira coleta de material na propriedade,embora pense que tenha sido o proprietário,pois na época qualquer porco que morriaera levado para o Ministério da Agricultura.

Relatou outra situação similar, em umacriação onde foram abatidos cerca de 50porcos, sendo que nenhum delesapresentava qualquer sinal de peste suína,pois, em se tratando de uma doença exótica

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grave como a PSA, esperava-se que 90%ou mais dos animais sucumbissem.

O terceiro rebanho, composto por cerca de70 suínos, localizava-se na região Norte doEstado. O caso em questão iniciou-se com odiagnóstico positivo para PSA em doisleitões mortos, procedentes dessa criação e,por essa razão, o diretor da DefesaSanitária do Ministério da Agriculturadeterminou a coleta de sangue de todo oplantel. A equipe encarregada dessa tarefa,no entanto, concordou que o sangue fossecolhido por funcionários da granja, a pedidodo proprietário. Segundo o entrevistado,foram colhidas “64 ou 68 amostras desangue e, quando o resultado oficial foidivulgado, cerca de 50% dos soros eramreagentes para a PSA. Disse o entrevistadoque, apesar de não ter participado dareunião entre o criador e o diretor do Serviçode Saúde Animal, foi informado logo emseguida do que ali havia se passado. Oproprietário da granja disse que nãoconcordava com o resultado dos examessorológicos de seu rebanho porque haviacolhido o sangue de um único porco e apartir dele foi feito o fracionamento paraatender ao pedido do Ministério. O Diretorda Defesa, mesmo assim, manteve a ordemde sacrificar todos os animais, porque ocriador havia cometido uma ilegalidade.Disse que essa história lhe foi contada pelopróprio Diretor da Defesa e agora que“já sepassaram vinte anos eu acho que isso temque ficar registrado”.

Sobre a sua experiência clínica por teratuado em rebanhos considerados positivospara a PSA, disse que nos focos em queatuou não existiu a PSA, mas que teveacesso às peças anatômicas do caso deParacambi, e que elas evidenciavam umquadro muito grave, como nunca havia vistoantes. Acha que foi correto centralizar odiagnóstico no Rio de Janeiro, que, naépoca, reunia as melhores condições paraesse trabalho. Considerou correto, noentanto, a descentralização dos laboratóriosem razão do grande volume de materialcolhido nos outros Estados. Em relação aosresultados de alguns soros colhidos no Suldo Brasil, que inicialmente eram positivospara a PSA e que posteriormente foram

considerados negativos, disse que asanidade do rebanho brasileiro era muitoruim, com a ocorrência de muitas doençasno mesmo rebanho e que, provavelmente,houve reação cruzada nos testesrealizados. No entanto, considerou que asmedidas adotadas pelo Ministério daAgricultura foram corretas.

Gostaria de deixar claro que a PSA foi umgrande avanço para a suinoculturabrasileira, pois, depois dela, os rebanhospassaram a ser de excelente qualidade e,apesar dos erros, houve muitas vantagensno combate à PSA. Sobre a hipótese dadisseminação do vírus da PSA por meio davacina cristal violeta considera que se tratade um equívoco, pois a vacina era feita comporcos da Bahia, onde não havia a doença.Considera também que houve erro quantoao diagnóstico de PSA em soros estocadosem São Paulo antes de 1978. Em relaçãoao processo de indenização afirmou quehavia recursos suficientes para tal e que sepagava por peso e não por qualidadegenética do animal.

Também esse depoimento surpreende pelasinformações sobre criações com diagnósticopositivo para PSA, cuja sintomatologia nãoera compatível com essa doença. A forçadesse depoimento contribui para validar otestemunho dos criadores que tambémrefutaram a hipótese da existência da PSAem seus rebanhos.

Pessoa-chave n. 14

Essa pessoa-chave, acompanhou, comoprofessor da área de doenças, a evoluçãodo episódio da doença no Brasil. Disse queesse assunto, ao longo dos anos, aindacausa polêmica, inclusive quanto àveracidade do surto. Em sua opinião, aentrada da doença se deu a partir deresíduos de alimentos provenientes deaviões vindos da Península Ibérica queforam utilizados na alimentação de suínos.Naquele momento, houve uma espécie depânico geral, por se tratar de uma doençaexótica, que movimentou todo o sistema dedefesa de vigilância sanitária do Ministérioda Agricultura, que não estava preparadopara situações emergenciais como esta.

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Citou o caso de vários laboratórios queforam improvisados para realizar odiagnóstico da doença.

Há alguns anos, encontrou-se, na Espanha,com o Dr. Sebastian Dias, especialista quetrabalhava no laboratório biológico desegurança máxima de Baldeons e um dosconsultores internacionais que participaramda estruturação do laboratório de diagnósticoda PSA no Brasil. Esse especialista, aoexaminar inúmeras lâminas pela técnica deimunofluorescência, verificou que, àexceção do material procedente do surto deParacambi, os demais materiais eramnegativos.

Lamentou também o fato de que pessoasque não eram especialistas no assuntoconcediam entrevistas “falando coisas querealmente não condiziam com a verdade”.

A seu juízo, a doença esteve restrita apenasa Paracambi, porque nos demais casos nãohouve a forma explosiva. A respeito deoutras hipóteses para a disseminação dosurto para todo o país, assim se expressou:“Falou-se, inclusive, de uma forma atenuadado vírus e mesmo da possibilidade de umaamostra vacinal, o que na realidadesabemos que não existiu”. Os problemasrelativos ao diagnóstico da PSA no Brasil,na opinião do entrevistado, devem seratribuídos ao pânico, por se tratar de umadoença exótica, que poderia afetargrandemente o sistema de exploração. Coma erradicação da PSA, considerou quehouve um “certo reaparelhamento dosistema de defesa sanitária animal e que elaajudou a classe veterinária na melhoria davigilância como também aconteceu naEspanha, onde a doença representou aredenção da veterinária”. Esse depoimentotambém ratifica as informações prestadaspelo informante-chave n.11, além de refutara hipótese da existência de uma amostravacinal.

Pessoa-chave n. 15

Essa pessoa-chave participou do PCPS, naárea de epidemiologia. Disse, a respeito doepisódio da PSA, que, no dia 14 de maio de1978, recebeu uma ligação do Ministério da

Agricultura para juntamente com outrocolega, especialista em diagnósticolaboratorial de doenças de suínos, avaliar omaterial da necropsia de suínos de umacriação situada em Paracambi, RJ, comsuspeita inicial de PSA, e fazer odiagnóstico diferencial para PSC e Erisipela.Os resultados foram negativos em relação aessas doenças e, no final do mês de maio,veio a confirmação oficial do diagnóstico daPSA.

Em meados de junho de 1978, chegou aoBrasil o Dr. Ordás, consultor espanhol quepermaneceu pouco tempo por causa dedivergências em relação ao seu trabalho,sendo substituído pelo Dr. Ramon Carnero,que defendia a idéia de se montarlaboratórios regionais de diagnóstico emEstados em que a suinocultura fosseexpressiva, bem como implantar um sistemade vigilância epidemiológica, por meio deprocedimentos de amostragem emmatadouros e em granjas. Essa estratégiasomente veio a ser implantada na segundafase do PCPS.

Indagado sobre os possíveis problemas dediagnóstico no laboratório central do Rio deJaneiro, disse que, desde o inicio de agostode 1978, “a gente já sabia que o diagnósticosorológico apresentava muitas reaçõesfalso-positivas”. Declarou que isso haviaficado claro, porque em uma criação desuínos, situada em local muito isolado, emum município situado na região Metalúrgicade Minas Gerais, alguns porcos haviamadoecido e o diagnóstico foi de PSA. Disseque, juntamente com três outros colegas, foia essa granja, quando foi verificado que oproblema sanitário existente não guardavarelação com a PSA, tendo sido isoladaposteriormente a Erisipela dos animaisdoentes. Com esse diagnóstico, foi possívelestabelecer o tratamento com antibióticos.Mesmo com a recuperação dos animaisdoentes, foi colhido sangue de todos osanimais, que foi enviado para o Laboratóriodo Fundão. Foram também enviadasamostras de soros dos animaisconsiderados positivos à PSA. Osresultados ora se apresentavam positivos,ora negativos. Outra situação em que secomprovou a hipótese da falha do

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diagnóstico oficial decorreu do acontecimentoassim descrito: “Fui chamado ao Ministérioda Agricultura, em Belo Horizonte, pelo Dr.José Monteiro Filho, Chefe do Serviço deSaúde Animal, que, em caráter reservado eem seu gabinete de trabalho, me disse queum fato inusitado havia ocorrido com osresultados de cerca de 70 soros de umagranja situada no Norte de Minas Gerais,cujos resultados oficiais indicavam cerca dametade dos animais reagentes para PSA ea outra metade negativa. No momento de setomarem as medidas cabíveis, o proprietáriodeclarou que aqueles resultados não eramaceitáveis porque aqueles soros eramprovenientes de um único animal”.

Disse que todos esses problemas foramcomunicados ao responsável pelo diagnósticooficial da PSA, que refutou essapossibilidade. Tentou-se, então, descentralizaro diagnóstico, mas a resistência foi muitogrande e somente mais tarde isso se tornoupossível. O Ministro Paulinelli foicomunicado sobre esse problema e,juntamente com o apoio do Dr. José Albertodos Santos, com a participação daAssociação Brasileira dos Criadores deSuínos e de associações estaduais, essadescentralização se tornou possível. Paraviabilizar essa estratégia foi providenciadoum treinamento do pessoal técnico doMinistério da Agricultura em Alfort, naFrança, com o Dr. Ramón Carnero.

A respeito da disseminação da doença apartir do Rio de Janeiro, disse taxativamenteque, em agosto de 1978, havia dúvida se aPSA havia se disseminado para o resto dopaís, a partir do Rio de Janeiro. Dois anosdepois, com a descentralização dodiagnóstico, houve a convicção de que aPSA somente ocorreu no Sítio Floresta, emParacambi, onde foi feito um diagnósticovirológico, enquanto nos demais casossomente houve diagnóstico sorológico.Indagado sobre a hipótese de falhas dediagnóstico, considerou que se estavatrabalhando com uma técnica de altíssimasensibilidade e que não havia controlespositivos e negativos. Também o volume dematerial processado, demandou acontratação de técnicos e auxiliares, muitossem experiência de laboratório. Quanto aos

reagentes positivos para PSA encontradosno rastreamento realizado na região Sul dopaís, disse que esses resultados não seconfirmaram posteriormente.

Disse ainda que, ao participar de umaassessoria prestada ao Ministério daAgricultura para avaliar a situaçãoepidemiológica da PSA no país, na segundafase do PCPS, foi verificado que o processode vigilância no Sul do país deixou de fazera investigação sorológica dos animais queviviam nos lixões, como no caso do lixão doGuaíba, em Porto Alegre, onde existiamcentenas de porcos. Nesses locais, noentanto, não havia relato de mortalidade deanimais. Também o Laboratório Nacional deReferência Animal (LANARA), em PedroLeopoldo, estava recebendo material decampo, o que não poderia continuaracontecendo porque não havia condiçõesadequadas quanto à segurança biológica.Também foi vetada a pesquisa com aamostra de material procedente deParacambi, pelas mesmas razõesanteriores. Esse depoimento é emblemáticono sentido de definir a importância da áreada epidemiologia como fonte de estudosimprescindível para a tomada de decisão.Ficou evidente que havia uma granderesistência em aceitar a possibilidade defalha nos procedimentos diagnósticos, oque, de certo modo, confere validade àscríticas de especialistas em suinocultura,criadores, dirigentes de associações deprodutores, já apresentadas e discutidasnesta pesquisa.

Pessoa-chave n. 16

Em sua avaliação sobre o episódio da PSAno Brasil disse, essa pessoa-chave que ahistória começou antes de 1978, quando osrefugiados das colônias portuguesaschegaram ao Brasil trazendo porcos,cachorros e outras coisas sem quehouvesse fiscalização sanitária. Um surto depeste suína no Paraná, em 1976, que foidiagnosticado clinicamente como PSC, naverdade era PSA. O problema da nãoidentificação da doença resultava daafirmação de que a PSA matava 100% dossuínos, o que é válido na primeira investidada doença, mas a tendência esperada é o

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surgimento de casos crônicos, com baixamortalidade, como se verificou na Espanhae Portugal. O episódio de Paracambi seria ocaso índice, porque, na época, o Dr. Neitzsuspeitou da PSA, o que se confirmouposteriormente, com o laudo do CentroInternacional de Referência de Plum Island.

Na estruturação do laboratório dediagnóstico, houve assessoria internacionalpor parte de Ramon Carnero Cabrera eCollete Costes. O laboratório, às vezes,recebia órgãos de cães e até pedras. Citouum caso de troca de material em umdeterminado Estado por material de suínosnormais, abatidos em matadouros, trocafacilmente verificável pela discrepânciaentre os dados constantes do formuláriooficial e os aspectos das peças anatômicasenviadas. Foi preciso fazer a densidade dossoros para descobrir fraudes e evitarproblemas. Nessa época foi encontradauma reação positiva para PSA em umasemente para produção de vacina contra aPSC, elaborada em dois Estados do país, oque explicaria a difusão do vírus paralugares remotos. A investigação mostrouque os animais utilizados como doadorespara a produção da vacina contra a PSCeram porcos comuns, que se mostraramreagentes para a PSA. A dúvida surgiuquando a prova de hemadsorção eranegativa. No entanto, comprovou-se notrabalho de tese de Luiz Carlos Rodrigues,no Instituto de Microbiologia da UFRJ, em1980, que o congelamento desses soros erao fator responsável pela inibição dessareação. Assim, segundo esse depoimento,contribuíram para a entrada da PSA noBrasil a vinda de imigrantes das colôniasportuguesas sem fiscalização, a produçãode vacinas contra a PSC, pela técnica cristalvioleta, e a destinação de restos dealimentos de vôos de Portugal para acriação do Sr. Severino, motorista de umgeneral, na época.

A hipótese levantada nesse depoimentoquanto à questão do escape de vírus pelavacina contra a PSC, é também citada porMartins (1978), Serrão (1979) e Andrade(1982). Contudo, essa hipótese é refutadapor várias das pessoas-chave entrevistadas,sob o argumento que, caso isso ocorresse,

o número de focos da doença seria degrande magnitude. Em relação aosimigrantes de colônias portugueses, opróprio Ministério da Agricultura realizouuma investigação em torno de cada portoonde ocorreu o desembarque dessescolonos, sem que fosse constatado, naépoca, o aparecimento de doenças emsuínos. Contudo, do ponto de vistaepidemiológico, a entrada desses imigrantescom produtos de origem animal, certamenteconstituiu sério risco para introdução dadoença no país.

Pessoa-chave n. 17

Essa pessoa-chave também participou dodiagnóstico e do planejamento relacionadoao PCPS. Em sua opinião, houve umacoincidência e uma sorte muito grande, nocaso do Brasil, de ter sido feita a suspeitaclínica da PSA logo em seu início, fato quenão aconteceu na maioria dos países.Assim, as autoridades da Defesa SanitáriaAnimal do Ministério da Agriculturapuderam, em pouco tempo, detectar o focoe controlar a doença. Considerou, noentanto, que ocorreram algumasimperfeições, como o sacrifício de animaiscom o uso de marreta. Disse que, nodecorrer do processo de combate à doença,ocorreram falhas de diagnóstico clínico, oque foi muito desagradável. Com relação aodiagnóstico sorológico afirmou que“ocorreram algumas dúvidas, ocorreramfalsos focos, sacrificaram-se animais emfunção de diagnósticos errados”. Masconsiderou ser “preferível que se peque porexcesso, desde que se tenha um efeitopositivo, que foi o caso nosso”. E assimconcluiu sua avaliação sobre o episódio daPSA no Brasil: "Olhe! Em poucos mesespudemos neutralizar o vírus da PSA. Isso éuma façanha, foi um fato importante damedicina veterinária brasileira, da defesasanitária brasileira, isso não tem dúvidanenhuma”.

Indagado a respeito do número de mortesde suínos no foco em Paracambi, quando ainformação oficial era de que haviammorrido cerca de 20% dos animais,enquanto uma pessoa-chave havia afirmadoque a porcentagem de mortes era superior a

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50%, confirmou que realmente o índice demortalidade foi muito alto, mais de 50%.Sobre o ocorrido quando esteve na granja,juntamente com outras autoridadessanitárias do Ministério da Agricultura, disse:“chutei um objeto metálico, abaixei e pegueio móvel do crime, uma colher TAP –Transporte Aéreos Portugueses. Quando euolho assim do lado vejo um monte deresíduos vindo do Galeão, isso quer dizerque é uma falha tremenda do serviço devigilância sanitária animal”.

Sobre o uso da prova biológica considerouque ela é que seria a “prova decisiva”,apesar de todo o aparato da tecnologiamoderna para fazer a diferenciação dodiagnóstico. No material enviado para PlumIsland, foi feito o teste biológico, queconfirmou definitivamente o diagnóstico daPSA. Havia ainda muita ignorância demuitos colegas que diziam: isso é coisa deamericano. Outro aspecto laboratorial quedeve ser destacado é a respeito da prova dehemadsorção, que é a única provaespecifica para a PSA e que só reacionacontra o vírus da PSA.

A respeito da disseminação da PSA para orestante do país, considerou que o vírus temvárias possibilidades de se disseminar.Sobre o surto de Igarapé, em Minas Gerais,atribuído à PSA, que causou grandepolêmica, disse não poder caracterizá-lo oucriticá-lo por não conhecer o caso, masconsiderou que tudo é possível em termosde disseminação de uma virose como esta,pois não se pode garantir que um veículoque vem de outra região, do Estado do Rio,por exemplo, onde havia focos, não possatrazer o vírus, por meio de suas rodas.

Sobre a hipótese divulgada pelasautoridades sanitárias brasileiras de que emapenas três meses a doença havia passadopara a forma subclínica, opinou que: “aí eutenho as minhas dúvidas, eu te confessoque não vou confirmar isso não. Porque oque houve foi o seguinte, houve umaprecipitação também, você sabe que muitosfocos, entre parênteses, não ocorreram,pode ser até esse caso dessa granja quevocê citou. Isso eu sei, eu posso lhe dizer, a

gente, por uma questão de ética, evitafalar”.

Ao ser novamente indagado se a provávelcausa estaria ligada à inexperiência damaioria do grupo gestor do programa dePSA, disse: “exatamente, exatamente, faltade experiência. Eu não tenho dúvida defalar isso. Foi uma falha de laboratório. Nósnão tínhamos laboratórios capacitados paraestabelecer esses diagnósticos. Essa é queera a verdade”.

Esse depoimento contribui para destacar aimportância de um diagnóstico seguro daPSA, especialmente quanto ao emprego daprova biológica, que deixou de ser realizadano Brasil, mas que foi decisiva em Cuba,República Dominicana, Portugal, Espanha eem outros países. Caso esta prova fosseutilizada no momento em que as críticas seavolumavam, certamente se evitariam ostranstornos ocorridos. Também essedepoimento é decisivo em relação à entradada doença no país, aos procedimentosiniciais quanto à suspeita clínica e aodiagnóstico de certeza realizado nosEstados Unidos.

Pessoa-chave n. 18

A pessoa-chave participou do PCPS, naqualidade de instrutor de cursos deatualização profissional e como assessor dediversas comissões técnicas do referidoprograma. Disse que houve uma mortalidadeexagerada de suínos em uma granja deParacambi, no Rio de Janeiro, e umveterinário que trabalhava com raçãocomercial nessa granja levou alguns suínosmortos, dentro de seu próprio carro, para aUniversidade Federal Rural do RJ, ondeforam necropsiados pelo Dr. Neitz, naocasião contratado como professor visitantena UFRRJ-“Km 47”. Quando ele fez anecropsia não teve dúvida em afirmar quepelas lesões, se fosse na África do Sul, odiagnóstico dele seria PSA. Disse que, nodia 13 de maio de 1978, pelo fato detrabalhar com a técnica deimunofluorescência para PSC e Erisipela,recebeu os primeiros materiais dos suínosque morreram em Paracambi, para realizaro diagnóstico diferencial em relação a essas

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duas doenças.O diagnóstico diferencial paraPSC e Erisipela foi negativo, fato que fezaumentar a suspeita de PSA. Esse materialfoi encaminhado para o Laboratório deDoenças Exóticas de Plum Island, nosEstados Unidos, quando foi identificado ovírus da PSA, de baixa virulência. Essediagnóstico provocou um grande rebuliço naimprensa brasileira, pois, quandocomeçaram a ser publicadas notícias sobrea PSA, todo mundo começou a se envolver,até mesmo um conhecido professor daFaculdade de Direito fez uma crônica sobrePSA, afirmando que a doença afetava ohomem. Na seqüência, os políticos seenvolveram, “a imprensa começou a soltarartigo, daí a pouco os economistasassumiram a PSA, os agrônomos,jornalistas, enfim era o assunto do dia”.

Quando a PSA foi diagnosticada, em 13 demaio, chegaram da Inglaterra 1.500 animaisimportados pela Agroceres, no dia 15 demaio. A esse respeito disse que “houve umatentativa de associar a PSA com a compradesses animais e não tinha nada a ver umacoisa com a outra”. Esses animais nãotiveram qualquer problema sanitário durantetodo o processo de adaptação e deprodução. Com a necessidade de seimplantar um laboratório de diagnóstico, foiescolhida a Ilha do Fundão, por apresentarmenor risco em caso de escape de vírus epelo fato de o Estado do Rio de Janeiro nãoter uma criação expressiva de suínos. Disseque o material da Granja Igarapé, ondehavia sido isolada amostra de erisipela, foipositiva para PSA, de acordo com oresultado do laboratório oficial. Foramsacrificados todos os animais existentes nafazenda, incluindo-se cães, aves, cavalo,“só não se matou gente”. Considera que aindenização paga naquele momentocorrespondia a um valor razoável, fato queminimizou o prejuízo do criador.

Alguns veterinários de Minas mandaramsoros de cachorro, cavalo e o resultado erapositivo para PSA, o que demonstrava queo laboratório não estava devidamentepreparado para fazer o diagnóstico. Oaumento de diagnósticos positivos paraPSA contribuiu para espalhar a idéia de que“todo material enviado para o laboratório

oficial apresentava resultado positivo”. Issoprovocou a seguinte dúvida: “Ou a doençaestá altamente disseminada ou essediagnóstico está errado!” O problema dosacrifício de rebanhos consideradosinfectados era quando o número de animaisexistentes era grande, fato que geravamuita discussão e repercussão. Em suaopinião, “depois de algum tempo, o DelfimNeto, que era Ministro da Fazenda, resolveuerradicar a PSA por decreto, mas hojeninguém acredita num negócio desse”.

A falta de um monitoramento mais ampliadofez com que durante muito tempo semantivesse a dúvida internacional se oBrasil tinha ou não a PSA. O Brasil estavamal preparado, não tinha números, otrabalho não convencia as comissõesinternacionais. Com isso ocorreu umperíodo longo em que houve dificuldadepara comprovar a erradicação da PSA. Asorologia era muito limitada, até que, com opassar do tempo, todo mundo passou aacreditar que a PSA fora erradicada.Atualmente, não existem sinais clínicoscompatíveis com PSC ou PSA nasuinocultura industrial praticada no Brasil.

Considerando que o país é grande demais,que existem vários tipos de suinocultura eque ainda ocorre a PSC em alguns Estadosdo Brasil, com focos antigos, dissedesconhecer se os laboratórios oficiaiscontinuavam fazendo diagnóstico diferencialpara PSA, pois, quando se envia ummaterial para diagnóstico da PSC, não háinformação sobre a PSA, como se ela nuncamais tivesse risco de ser reintroduzida nopaís. Na época em que surgiu a PSA, asituação se complicou mais porque oMinistério da Agricultura resolveu tambémescrever sobre ela: “doença causada porvírus, que provoca um quadro hemorrágico,febril e com uma mortalidade de 100%.” Oproblema é que a mortalidade foi muitobaixa, não coincidindo, portanto, com ainformação oficial, a ponto de se perguntar“então, que peste suína é esta? Isso é PSAou é uma PSA diferente dessa da definição?Essa dúvida criou dificuldade, por algumtempo, para o controle da doença.Posteriormente a amostra foi classificadacomo sendo de baixa virulência.

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O fato de terem sido encontrados talheres eoutros materiais da TAP em meio aosprodutos cárneos e restos de comidaconstituiu a versão apresentada, que podeser considerada muito razoável paraexplicar a entrada da doença no Brasil. OAeroporto Internacional do Galeão tinhatudo, menos forno crematório. O dono doSítio de Paracambi tinha um caminhãozinhopara recolher esses resíduos.

Sobre os casos de mortes de suínos em ummunicípio da região Metalúrgica de MinasGerais, atribuídas à PSA pelo Ministério daAgricultura e à Erisipela por ele, de acordocom o isolamento feito, disse não ter dúvidade que não se tratava de PSA, segundo oquadro clínico apresentado, o que seconfirmou a partir da recuperação dosanimais doentes, com o emprego deantibióticos.

O depoimento é altamente revelador dasfalhas atribuídas ao laboratório oficial dediagnóstico e também reforça as convicçõesexpressadas por seis médicos veterinários equatro criadores que participaram dessafonte documental. Outra consideração quemerece ser ressaltada refere-se ao atualsistema de vigilância sanitária quanto àpossibilidade de reintrodução do agente daPSA no país.

Em relação ao problema do diagnóstico,reconhecido por quase todas as pessoas-chave como um dos problemas mais críticosdo controle e erradicação da PSA no Brasil,considero que a discussão dialética nãofazia parte da cultura das autoridadesresponsáveis pela saúde animal. Fundadaem 1840, a doutrina marxista, de certaforma, representou uma das maioresrevoluções no pensamento filosófico. Adotacomo critério do conhecimento a práticasocial, individual e coletiva, dentro de umaperspectiva histórica. Diferentemente dospositivistas, a lógica dialética, ao procurarconhecer a realidade, insere o principio doconflito e da contradição, o que possibilita atransformação. Dentro dessa perspectiva aaplicação dos princípios da dialéticamarxista possibilitaria construir umconhecimento da prática das várias

categorias da sociedade, de acordo comTriviños (1987).

O depoimento das pessoas-chave constituiunum dos pilares mais importantes dessapesquisa por revelar fatos e trazer à tona amatéria memorial, não como um corpo totalno dizer de Viana (1995), mas por meio demuitas representações, que traduzemvalores de cultura e da ideologia do grupo.

Numa leitura mais atenta dos depoimentosdas pessoas-chave e dos médicosveterinários que participaram da pesquisa épossível perceber determinadas posiçõestécnicas que não se sustentam de formaindividual, mas sucumbem ante a ideologiado grupo. Essa questão também remete aoconceito de memória coletiva de Halbwachs(1950) para quem resulta inadmissível aexistência de uma memória pura eindividual, pois ela sempre tem um carátersocial, já que, seja qual for o tipo derecordação, agrega-se um conjunto denoções que nos dominam mais que outras eque se referem a pessoas, grupos, lugares,datas, palavras e formas de linguagem.

4.8 O Programa de combate à pestesuína – PCPS

Esse capítulo reproduz os dados einformações de documentos oficiaispublicados pelo Ministério da Agricultura, deacordo com Peste.... (1978e), Brasil (1982),Brasil...[198-] e Brasil...(1984). Considerandotodas as respostas do roteiro e daspessoas-chave há um claro entendimentode que as medidas sanitárias, adotadaspelo Ministério da Agricultura emParacambi, no Rio de Janeiro, ainda querigorosas para alguns, foram necessárias etecnicamente muito bem executadas, dentrode um tempo relativamente curto. Asdivergências verificadas a partir do surtoidentificado na Favela Nova Brasília, no Riode Janeiro, já foram objeto de análise emoutros capítulos e, portanto, não serão aquinovamente reproduzidas.

Assim, será apresentada a versão oficial doMinistério da Agricultura sobre a entrada daPSA no Brasil, o emprego das primeirasmedidas sanitárias emergenciais e o

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estabelecimento do programa de combate àdoença.

Para o Ministério da Agricultura, o primeirofoco de PSA no Brasil foi diagnosticado em13 de maio de 1878, na Fazenda Floresta,no município de Paracambi, Rio de Janeiro,tendo sido imediatamente tratado comoemergência zoossanitária. Segundo aversão oficial, “encontraram-se evidênciasda utilização de mongonga retiradaindevidamente do Aeroporto Internacionaldo Rio de Janeiro”. Após esse foco primário,surgiram outros, considerados secundários,em criatórios destituídos de tecnologia,onde a alimentação era constituída derestos de alimentos. O diagnóstico domaterial de necropsia dos suínos deParacambi foi efetuado em laboratório dereferência, nos Estados Unidos e,posteriormente, no Laboratório de Virologiada Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Com a ajuda de consultores internacionais enacionais, foi montado o sistema dediagnóstico e definidas as linhas de ação nocombate à doença. Com a disseminação dadoença no Estado do Rio de Janeiro e emvários Estados brasileiros, foramimplementadas diversas ações de combateque podem ser dividas em duas grandesfases.

Fase I: Emergencial

Essa fase vai de junho de 1978 a dezembrode 1979. Deve ser esclarecido que, naépoca, não havia um programa de sanidadevoltado para a suinocultura. Tendo em vistaque a doença estabeleceu-se inicialmenteno Rio de Janeiro e posteriormente emoutros Estados, em vista da polêmica emtorno da doença foram tomadas medidaspontuais quanto aos problemas que iamsurgindo, até que houve a definição técnicae política de se montar um programa deerradicação.

Nessa fase foi instituído um conjunto deportarias e normas que visavam reduzir oueliminar as situações de risco. A legislaçãode referência foi o Regulamento de DefesaSanitária Animal vigente, no Decreto81.798, de 15 de junho de 1978, que tratava

da mobilização dos Ministérios e dosGovernos Estaduais na luta contra adoença, sob a coordenação do Ministério daAgricultura, na Portaria Ministerial 488, de16 de junho de 1978, que tratava da criaçãoda Comissão Central de Coordenação paraErradicação da PSA, na Portaria Ministerialn. 543, de 27 de junho de 1978, queautorizava o recrutamento de médicosveterinários municipais e estaduais para ostrabalhos de erradicação da doença e naPortaria E/Z00-006, de 04 de julho de 1978,que continha as instruções técnicas e deserviço da Secretaria Nacional de DefesaSanitária sobre as características da doençae as atividades necessárias para sua prontaerradicação, conforme Brasil (1934), Brasil(1978b,c,d,e).

De acordo com Peste... (1978e), osepisódios motivaram a adoção de medidasemergenciais para erradicar a doença. Asprincipais medidas realizadas foram:

a) proibir a movimentação de suínos, seusprodutos e sub-produtos nas áreas de focoaté um raio de 16 km;

b) interditar, com isolamento completo,mediante auxilio de força policial ou doexército, os depósitos de lixo ou vazadourosdas cidades e a destruir por fogo, apóssacrifícar todos os animais alimentados commongonga aí existentes, seguida derevolvimento da terra e adoção de rigorosadesinfecção;

c) sacrificar os suínos existentes naspropriedades-origem dos focos, apósinterdição, cremação e inumação dos restos,seguidas das medidas complementares(desmatamento, desratização, desinfecçãode materiais, descarrapatização, etc.);

d) proibir a utilização e destruir toda cargaencontrada de restos de comida, lixos evarreduras de quaisquer procedências, quese destinem ao suprimento alimentar deanimais;

e) instalar o sistema de informação dadoença, por meio de registros próprios,utilizando inicialmente os canais existentespara febre aftosa, e informar às Delegacias

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Federais do Ministério da Agricultura, todasas ocorrências do assunto;

f) proceder ao levantamento epidemiológico,da PSA, mediante rastreamento, desde aorigem de focos iniciais, para identificaçãode populações de suínos onde pudessemexistir doentes, suspeitos, contatos esuspeitos de contatos e atuarimediatamente como descrito nos itensanteriores.

A coleta de material era acompanhada deficha informativa, que era enviada aoLaboratório do Rio de Janeiro. Foramadotadas ainda outras medidas em relaçãoà desinfecção de câmaras frigoríficasdestinadas ao estoque de carne suína,suspensão de crédito para financiamento eassistência técnica em áreas infectadas,fixação de locais oficiais para depósito ecremação de lixo, sob fiscalização rigorosados municípios. No desenrolar dos trabalhosde combate à doença, o Ministériointroduziu várias modificações, tendo emvista a evolução da PSA no país.

Foi criada uma Comissão CoordenadoraCentral para Erradicação da PSA(CCCPSA), constituída por dezesseismédicos veterinários, a maioria de seusmembros pertencentes aos quadros doMinistério da Agricultura. Em cada Estadofoi constituída uma Comissão formadageralmente por quatro ou cinco médicosveterinários. Foram também criados dezgrupos de trabalho, que contaram com aparticipação de 69 médicos veterinários, nãose incluindo aí as autoridades sanitárias doMinistério da Agricultura, responsáveis pelaexecução e coordenação do programa.

O governo do Brasil contou com aorientação técnica do Centro Panamericanode Febre Aftosa, Oficina Sanitária Pan-americana, Organização de Alimentação eAgricultura das Nações Unidas e OficinaInternacional de Epizootias e com aparticipação de 13 consultoresinternacionais e 11 nacionais, conformeBrasil (1984).

A tarefa de abate dos animais foi realizadacom uma ação integrada entre o Ministérioda Agricultura, Exército e Polícia Militar.

Após a aplicação das medidas saneadoras,era feita a desinfecção e após quatromeses, eram colocados animais sentinelaspor mais dois meses para, em seguida, serautorizado o repovoamento. Segundo oMinistério da Agricultura, a FAO repassouao Brasil a quantia de 158 mil dólares parao combate à PSA.

Foram ainda implantadas outras medidascomplementares às já descritas, sendo quealgumas perduraram até a erradicação final,conforme Brasil (1984):• comunicação imediata da ocorrência de

PSA no Brasil aos países limítrofes eorganismos internacionais de referência;

• declaração de emergência sanitária;• proibição do trânsito de suínos, dentro e

a partir de áreas afetadas;• sacrifício e cremação de todos os

animais existentes no foco;• limpeza e desinfecção de veículos e das

demais instalações e objetoscontaminados, inclusive sua destruição,nos casos que não permitissem asegurança suficiente dessas ações;

• proibição de realização de exposições,feiras e outras aglomerações;

• proibição da alimentação dos suínoscom restos de comida;

• vacinação contra a peste suína clássica;• incremento das notificações de doenças

ocorrentes em suínos, solicitadas,inclusive, através de determinação doMinistério da Agricultura, dirigida aosmédicos veterinários oficiais eparticulares.

Na fase emergencial foram identificados 224focos de PSA, com sacrifício de 66.966suínos e indenização de Cr$44.313.945,00(US$2118257.00, a preços de 1978).

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Fase II: implantação do programa

A segunda fase corresponde à implantaçãodo programa especifico e vai de 1980 a1984. Essa fase foi subdividida em quatrofases:

4.8.1 Etapa preparatória

a) Aprovação da legislação:

A legislação de apoio foi baseada noRegulamento de Defesa Sanitária Animalvigente, conforme Brasil (1934), no Decreto81.798/78, que tratava da mobilização dosMinistérios e dos Governos Estaduais naluta contra a doença, sob a coordenação doMinistério da Agricultura, de acordo comBrasil (1978b) e da Portaria Ministerial 488,de 16 de junho de 1978, que dispunhasobre a criação da Comissão Central deCoordenação para Erradicação da PSA e daPortaria Ministerial n. 543, de 27 de junhode 1978, que autorizava o recrutamento demédicos veterinários municipais e estaduaispara os trabalhos de erradicação, conformeBrasil (1978c,e).

b) Identificação dos recursos:

Levantamento dos centros criatórios nosestados, com caracterização do modo deprodução, do efetivo animal, das vias deacesso, do manejo alimentar e sanitário.

c) Mobilização da comunidade:

Essa atividade propunha assegurar oenvolvimento de todos os setores dacomunidade, alertando sobre o perigo dadifusão da doença e dos prejuízoseconômicos. Embora o programa tenha sidoimplantado em todo o país, a região Sul foiconsiderada área prioritária, devido àconcentração de criatórios suínostecnicizados (44,6%) e de indústrias defrigoríficos com processamento de carnesuína para exportação. Foram elaboradasmatérias sobre a PSA para divulgação natelevisão e jornais, produzidos três filmes decurta metragem sobre a PSA paraveiculação nacional pela televisão, queforam distribuídos para todos os Estados,reuniões com educadores sanitários e

líderes, divulgação dos resultados junto àsentidades nacionais e internacionais. Essascampanhas foram promovidas peloMinistério da Agricultura com colaboraçãoda Assessoria de Relações Públicas daPresidência da República.

d) Diagnóstico da situação:

Foi realizado um inquérito sorológico naregião Sul, no momento do abate dosanimais na rede de frigoríficos. Foi utilizadaa IEOP e os resultados positivos foramconfirmados pela IFI. Foram examinados49.643 soros, dos quais 80 foram positivos,ou seja, 0,3%.

e) Evolução da população suína:

Segundo o Ministério da Agricultura houveum decréscimo da população suína entre1982 e 1984, atribuído ao desestimulo àcriação em razão da elevação dos preçosdos insumos em geral e dificuldade deacesso a créditos compensadores. Assim apopulação suína estaria estimada em 34milhões de cabeças, com 46% do rebanhoconcentrado na região Sul do país.

4.8.2. Etapa de ataque: (1981-1984)

Essa fase correspondeu às seguintes açõesde vigilância sanitária:

a) controle do trânsito internacional:

Foi intensificada a fiscalização de portos,aeroportos e agências de correio, com acondenação e eliminação, em dois anos, deaproximadamente sete mil quilos deprodutos. O controle de vôos passou a serefetuado principalmente nas linhasprovenientes de áreas de risco e foiinterrompida a importação de suínos.

b) controle da movimentação interna desuínos:

Foi desenvolvido um sistema de controle damovimentação interestadual de animais,executado pelo Serviço Federal de DefesaSanitária Animal, Serviços Estaduais e pormédicos veterinários credenciados, de modoa possibilitar o apoio às demais ações

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desenvolvidas pelo PCPS. Para isso forammontados postos de controle emdeterminadas rodovias federais, onde osanimais eram inspecionados e os veículosdesinfetados. A movimentação interestadualde animais somente foi permitida para abatee participação em eventos agropecuários,mediante a apresentação de certificado deinspeção sanitária animal. No casoparticular de suínos, esse controle foiinstituído para apoiar o combate à PSC eintegrar o sistema de vigilância da PSA. NosEstados do Paraná, Santa Catarina e RioGrande do Sul foi montado um esquemaespecífico de controle e fiscalização queincluía a realização de provas sorológicasna origem e no destino, onde os animaispermaneciam isolados, sob supervisãooficial, antes de serem incorporados aosplantéis da região. Segundo o Ministério daAgricultura, foram movimentados 20.607suínos em 1983, sendo que 86% desse totalreferem-se aos Estados do Paraná, MinasGerais, São Paulo, Rio Grande do Sul eSanta Catarina. No entanto, a ComissãoCoordenadora Central, que haviadeterminado o bloqueio da movimentaçãode suínos e seus subprodutos no Estado doRio de Janeiro, após registro da PSA emoutros Estados criou as Rotas SanitáriasControladas, por meio das instruções deserviço nos. 2, 3, 5, 8 e 9/78, para evitar ocolapso econômico em regiõestradicionalmente exportadoras, promovendoa colocação de animais terminados noparque industrial dos Estados do RioGrande do Sul, Santa Catarina, São Paulo eMinas Gerais, o que impediu a ociosidadedas indústrias de produtos suínos. Ogoverno providenciou a estocagem da carnesuína em câmaras frias de empresasparticulares e na Companhia Brasileira deAlimentos (Cobal), para formar estoquesreguladores.

c) exposições e feiras:

Os suínos que fossem participar de feiras eexposições deveriam proceder de granjascertificadas livres de PSA e controladaspara PSC, brucelose, leptospirose,tuberculose e doença de Aujeszky, devendoapresentar resultados negativos em doisexames no intervalo de três meses.

d) vigilância Ativa:

Essa vigilância foi feita com auxíliolaboratorial no caso das chamadas doençasvermelhas e de reprodução do suíno. Entre1980 e 1984 foram examinados 1.364soros, com sete resultados positivos paraPSA. Considerando todo o processo devigilância em relação aos animaisdestinados ao abate e à reprodução, foramexaminados 288.369 soros, sendoencontrados 80 reagentes positivos em1980 e 48 em 1981. Contudo, o Ministérioesclareceu que, em rastreamentosposteriores, esses resultados foramnegativos, o mesmo ocorrendo com ossoros estocados em 1976, em instituiçõespaulistas, comprovando que a prova doIEOP detectava um certo número de falsospositivos.

No laboratório os materiais eram registradose, de acordo com a prioridadeepidemiológica, eram codificados eencaminhados para análise. Após arealização do diagnóstico, os resultadoseram enviados ao setor de comunicaçãopara transmissão ao órgão federal centralde defesa sanitária animal, que determinavaas ações de campo. Até o mês de julho,ainda na fase emergencial, para odiagnóstico diferencial entre a PSA e a PSCutilizaram-se as provas de hemadsorção emcultura de leucócitos, fazendo-se até trêspassagens e imunofluorescência direta,após cultivo celular em PK-15 e IBRS2. Apartir de 15 de agosto de 1978 iniciou-setambém a sorologia por meio das provas deIEOF e IFI.

e) certificação das propriedadescontroladas:

O programa oficial instituiu um programa deadesão voluntária para certificação contra aPSC e PSA, válido por seis meses, quepermitia o livre trânsito e participação emeventos agropecuários. As condiçõesbásicas para a certificação de granjas livresforam:• ser assistida sanitariamente por médico

veterinário;• apresentar dois exames sorológicos,

com resultados negativos, intervalados

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de 1 a 6 meses, realizados no plantel dereprodução;

• adotar técnicas de manejo compatíveiscom o controle sanitário adequado;

• vacinar os rebanhos sistematicamentecontra PSC;

• possuir um único acesso para entradade veículos, com rodolúvio edesinfetante na concentraçãoapropriada, ao qual o vírus da PSA sejasensível;

• possuir pedilúvio com desinfetante naconcentração apropriada, ao qual ovírus seja sensível, na entrada de todasas instalações;

• fazer a reposição do rebanho comanimais do próprio plantel ou adquiridosde granjas certificadas;

• realizar reteste semestral do plantel dereprodução.

f) vacinação (PSC):

Segundo Brasil (1984), o programa aoinstituir a obrigatoriedade da vacinaçãocontra a PSC, com vacina viva (amostrachina), provocou uma drástica redução nonúmero de casos dessa doença, chegandoa ser registrados apenas três, em 1984, naregião Sul do país. Em três anos deprograma foram vacinados cerca de 25milhões de suínos.

g) reestruturação dos laboratóriosregionais (PSC-PSA-Controle dequalidade de vacina):

Com o apoio de convênios específicos,foram implantados os seguintes laboratóriosregionais: Instituto de Pesquisa DesidérioFinamour, no Rio Grande do Sul, LARA deSão José, em Santa Catarina, InstitutoMarcos Enrietti, no Paraná, InstitutoBiológico, em São Paulo, LaboratórioNacional de Referência Animal (LANARA),em Pedro Leopoldo-MG. Nesseslaboratórios passaram a ser feitas as provasde IEOP, IFI. por técnicos treinados noLaboratório de Pesquisas Veterinárias deAlfort, na França. Foram montadas todas astécnicas atualmente utilizadas em PSC ePSA, como a hemadsorção e a deimunofluorescência, após inoculação emcélulas VERO.

h) educação sanitária e treinamento depessoal:

De acordo com Brasil (1984) a educaçãosanitária estava presente em todas asatividades do programa, buscandoconscientização e a participação dosmédicos veterinários, criadores e industriais.Foram produzidos diversos tipo de materialtécnico e de divulgação, a exemplo deáudio-visual, manuais de procedimentos,cartilhas, folhetos e outros. Durante oprograma, foram treinados 719 médicosveterinários e 4.863 auxiliares.

i) sistema de Informação:

O sistema foi organizado para receber asdenúncias dos médicos veterinários sobredoenças de suínos, por meio de formuláriopróprio. O médico veterinário responsávelpela notificação e atendimento do foco dadoença retornava à propriedade, pelomenos duas vezes, no período de um mês eorientava o rastreamento dos episódios.

k) atualização da legislação específica:

Considerando que um programa deerradicação tem características de grandedinamismo tornou-se necessário contar comuma legislação atualizada, o que se fezgeralmente sob a forma de instrução deserviço. No entanto, grande parte dalegislação relativa à fase emergencial foitambém utilizada nas fases seguintes doprograma. A Portaria 073, de 07 dedezembro de 1981 promulgada pelaSecretaria Nacional de DefesaAgropecuária, tratava de estabelecer asinstruções técnicas, complementares e deserviço relativas ao PCPS.

4.8.3 Etapa de consolidação

Com o propósito de manter e ampliar asituação conquistada nas fases anteriores,essa etapa baseia-se principalmente em:

a) vigilância epidemiológica;b) sistema estatístico sanitário animal;c) combate a focos de doenças de suínos,para estabelecer o diagnóstico diferencial;d) controle de trânsito de animais;

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e) repetição da fase de ataque, quandonecessário.

4.8.4 Etapa de manutenção

Corresponde à última etapa do modeloteórico de um programa de erradicação dedoença. Nessa etapa os recursos humanose físicos utilizados nas etapas anterioressão incorporados ao sistema de defesasanitária animal. Na avaliação final doPCPS, o Ministério da Agriculturaconsiderou os seguintes fatores comofavorecedores da rápida eliminação da PSA:

• o sacrifício imediato dos animais daspropriedades afetadas e a delimitaçãoda área focal com base na análiseepidemiológica, procedendo-se tambémà eliminação dos suínos aí existentes;

• a responsabilidade assumida pelasautoridades sanitárias, de sacrificarcriações de suínos que apresentassemsinais sugestivos de PSA;

• o cadastramento e a eliminação desuínos criados em lixeiras públicas,favelas, especialmente nos centrosurbanos do Rio de Janeiro, EspíritoSanto e São Paulo.

As autoridades sanitárias do Ministério daAgricultura admitiram que alguns rebanhossuínos foram sacrificados, com base emresultados falso-positivos, realizados noperíodo entre 1978 e 1979. Esse fatocontribuiu para gerar desconfiança no meiotécnico e na comunidade em geral, porém amedida contribuiu para o sucesso dostrabalhos de erradicação. Quanto àdesativação dos lixões em várias cidades,consideraram que houve um grande impactosocial, principalmente pelo alarde dos meiosde comunicação, cuja divulgação indicavaque o governo estava retirando alimento dopobre, ou que esta era uma peste perigosacapaz de contaminar as populações. Osdesmentidos ocasionavam as maiorespolêmicas e a repercussão política provocoua constituição de comissões parlamentaresde inquérito, como questionamento dasações técnicas. Apesar da polêmica criada,essa medida cortou o ciclo de transmissãoda doença nos criatórios industrializados,conforme Brasil (1984).

No entanto, não consegui, em todas asfontes documentais analisadas, comprovar averacidade das afirmações desta publicaçãooficial.

O Ministério da Agricultura declarou que,desde novembro de 1981 até fins desetembro de 1984, não se tem diagnósticopositivo para PSA no Brasil e que todos osfocos foram eliminados com o sacrifício deanimais afetados e contactos. Considerandoo período entre junho de 1978 e novembrode 1981 ocorreram 577 notificações,colhidos 717 materiais, dos quais 222 forampositivos para PSA, em 18 Estados e 84para PSC, enquanto 217 foram negativos.Os estudos epidemiológicos e derastreamento não permitiram relacionar ofoco primário ocorrido em Paracambi comos outros focos ocorridos nos demaisEstados da federação.

Em 05 de dezembro de 1984, o Brasil sedeclarou livre da PSA, de acordo com asnormas do Código ZoossanitárioInternacional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O obstáculo inicial que se apresenta quandobuscamos trabalhar a história e a memóriade um determinado acontecimento é oencontro de inúmeras vertentes conceituaissobre esses termos. Por outro lado, opróprio tema constitui um desafio em si, emrazão das inúmeras representações epolêmicas que surgem em face doacontecimento, desencadeadas pelosdiversos atores sociais. No entanto, essesdesafios constituíram-se em estímulo nabusca de iluminar um pouco mais oconhecimento sobre o episódio da PSA noBrasil. Acontecimentos de ordem sanitáriaque envolveram a medicina veterinária nopassado não contaram senão cominformações pontuais descontextualizadasdo momento histórico, das implicaçõessociais e econômicas, e geralmenteacríticos em relação às falhas muitas vezesrelacionadas com todo o processo devigilância sanitária animal.A introdução das principais espécies deanimais domésticos no Brasil a partir dastrês primeiras décadas da viagem de Cabral

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tinha como pressuposto propiciar os meiospara a expansão da atividade açucareira.Com a decisão da Coroa portuguesa deimplantar uma política de interiorização doBrasil à procura de ouro e pedras preciosas,iniciou-se a expansão da criação de animaisdomésticos. No entanto, essa produçãoanimal voltada para o mercado interno eramonopolizada pelos grupos dominantes nopaís, representados pelos coronéis,senhores de escravos, donos de engenhode açúcar, barões do café e do cacau,dentre outros, que se alternavam no poderpolítico. Nas últimas décadas do século XIXe primeiras décadas do século XX, com oincremento das importações de animais,começaram a surgir os problemassanitários. Daí a razão da nossa primeiralegislação ter sido promulgada ainda noperíodo imperial, em 1862, e aperfeiçoadanas décadas seguintes.

Em que pese a proibição de se importaremanimais de países que apresentassemdoenças exóticas em seus rebanhos, asexigências sanitárias eram freqüentementeburladas pela ação do contrabando oumesmo descumpridas pelas autoridadescompetentes e dirigentes políticos queacabavam autorizando a importação, pormeio de decretos especiais ou por outrasformas. Mesmo com a entrada da pestebovina no Brasil em 1921, sobre a qualpouco se sabe, persistiram essasirregularidades no processo de importação.Com o crescimento de nosso rebanhoanimal acentuou-se a dependência dematerial genético importado e novamente asexigências sanitárias foram minimizadas.Exemplo dessa política foi a importação devacas de leite dos Estados Unidos eCanadá pela Embrapa, quando em um lotede 40 animais foram detectados váriosproblemas sanitários.

A partir desse fato realizou-se o primeiro eúnico seminário para discutir a política deimportação de material genético pelo Brasil,quando ficou demonstrado que, no períodoentre 1978 e 1982, o Ministério daAgricultura já havia registrado, no país, aexistência de 54 doenças em sete espéciesanimais, 14 das quais correspondentes àespécie suína. A suinocultura no Brasil, a

partir de 1970, especialmente na região Sul,estava no auge de seu crescimento,situando-se em quarto lugar comoexportador mundial de carne suína. Aentrada da PSA, pela primeira vez em Cubaprovocou um grande temor em toda aAmérica Latina. Novamente, em março de1977 a OIE alertou sobre o risco dedisseminação dessa doença na Europa,tendo em vista o aumento de focos naEspanha e em Portugal, fato que secomprovou nos anos seguintes. Ressalta-seque, em 1963, o próprio Ministério haviaenviado um de seus técnicos à Europa paraestudar essa doença e que posteriormentea Federação de Agricultura do Estado deSão Paulo enviou um relatório àsautoridades sanitárias do Ministério daAgricultura alertando sobre o risco daocorrência da PSA no Brasil. A entrada dadoença em Paracambi, Rio de Janeiro, em1978, por meio do desvio de restos dealimentos de aeronaves procedentes dePortugal, configurou uma situação de gravedescumprimento da legislação e deindiscutível negligência das autoridadesresponsáveis pela fiscalização sanitária noAeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Ofato não poderia ser atribuído ao azar, comofoi afirmado pelas autoridades, pois aanálise de longa duração da estrutura deprodução e de defesa sanitária permitiaprever a possibilidade de entrada dequalquer tipo de doença, exótica ou não, nopaís. Nesse contexto se inclui o regimepolítico brasileiro marcado por uma dasditaduras mais truculentas da AméricaLatina, em que não havia espaço para adiscussão dialética e para o exercício docontrole social.

A forma de entrada da PSA no Brasil foiretratada pela mídia e pelas revistas dedivulgação técnica, com variadas formas derepresentação, pelos criadores, dirigentesde associação de criadores, empresários etécnicos. Quando a doença passou tambéma ser notificada em diferentes partes doterritório nacional, sem guardar relaçãoaparente com o episódio inicial do Rio deJaneiro, sem apresentar os sinais clínicosesperados para uma doença exótica decomprovada virulência e baixos índices demorbidade e mortalidade, reacendeu-se e

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revigorou-se a polêmica sobre acredibilidade do diagnóstico e naturalmenteda própria existência da doença no país.

As autoridades sanitárias do Ministério daAgricultura desenvolveram várias hipótesesexplicativas para justificar a disseminaçãoda PSA, a partir do surto inicial no Estadodo Rio de Janeiro. Assim, consta de algunsdocumentos oficiais e anais de congressosinternacionais que a doença já seencontrava no país desde 1976 ou aindaque a vacina preparada contra a PSCpoderia ser um dos fatores a considerar nadisseminação da PSA. Finalmente foiapresentada a teoria que melhor se ajustavaao comportamento clínico esperado, pois setratava de uma doença causada por umaamostra atenuada do vírus da PSA,conforme havia ocorrido na Espanha. Defato pesquisadores espanhóis publicaramque a PSA apresentava também a formasub-clínica e crônica, porém, só depois dedecorridos dois anos de endemia, enquantono caso do Brasil havia transcorrido menosde três meses do registro inicial da doença.

Ressalta-se que desde 1976 estava emcurso uma significativa endemia de PSC emtodo o país, que dificultava o processo devigilância sanitária. O número de casosnotificados no Brasil, que era, em 1975,2.402, chegou a atingir 35.552, entre 1976e 1979. A inexistência de dados históricosimpedia uma análise retrospectiva para sedeterminar os períodos epidêmicos. A faltade cobertura vacinal provavelmenteexplicaria a origem dessa epidemia, tendoem vista que o país fabricava entre 5 e 8milhões de dose anuais para umapopulação estimada de 45 milhões desuínos, em 1978. Tratando-se de doençaexistente há mais de 100 anos no país econsiderando a baixa cobertura vacinal, eraesperado o surgimento de casos clínicos ede mortes de animais, dentro de um quadroem que se poderia alternar formas agudas acrônicas, com baixa e alta mortalidade deanimais. Em razão disso a vigilânciaepidemiológica para a PSA se tornaria muitomais difícil, pois demandava recursoslaboratoriais de qualidade. A epidemiologiada doença em outros países demonstravaque nos primeiros anos predominavam as

formas agudas, com mortalidade em tornode 100%, e prova disso foi que as barreirassanitárias empregadas em Badajoz, naEspanha, e entre a República Dominicana eo Haiti não foram capazes de impedir adisseminação da PSA, e na Ilha de Malta ofuncionamento de um único frigorífico paraabater tanto animais positivos quantonegativos para a PSA contribuiu para arápida disseminação da doença. Na regiãoSul do Brasil foram estabelecidas rotassanitárias controladas como forma depossibilitar o escoamento de suínos para oabate. Se o vírus da PSA estivesserealmente presente nesses plantéis, adoença encontraria condições adequadaspara sua rápida disseminação tanto nomomento do transporte quanto do abate. Aconvocação das forças armadas para ajudarna tarefa de sacrifício dos animais, apesardos protestos dos criadores demonstrava ocaráter coercitivo da campanha oficial deerradicação, que não admitia revisão dodiagnóstico, que não permitia o uso daprova biológica ou do envio de materialsuspeito para laboratórios internacionais dereferência, como era a sugestão de uma daspessoas-chave e do pedido de um criadorpaulista. Ressalta-se que, em Cuba, porocasião dos dois episódios do surgimentoda PSA as ações de controle foramexecutadas por comissões semelhantes àde defesa civil que integrava váriossegmentos representativos da sociedade,para atuar de forma voluntária e solidária,sem que fossem registrados incidentes oumanifestações.

A percepção dos diferentes atores sociaisem relação ao episódio da PSA revela quehavia muitas divergências entre asexplicações oficiais e os fatos que ocorriamna realidade. Enquanto o discurso oficial eraa favor de se implantar uma nova emoderna suinocultura, com incentivoscreditícios e com assistência técnicacoordenado pelo Estado, foram concedidoscréditos à indústria de transformação decarne suína no Rio de Janeiro, em vista daproibição do abate pelo período de trintadias, e ainda autorização para a operaçãode um único matadouro, sob inspeçãofederal, no Estado do Rio de Janeiro e aabertura de rotas de exportação para os

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produtores do Sul. Por outro ladoapregoava-se a erradicação das pequenascriações de suínos no país, e o exemplomais emblemático dessa situação ocorreuem Juiz de Fora-MG, onde foi promulgadauma lei municipal determinando aerradicação das pequenas criações desuínos, inclusive no meio rural, que foiexecutada sob a coordenação de ummédico veterinário da Embrapa.

Dentre os 69 Médicos Veterinários quenesta pesquisa responderam às questõesconstante do roteiro semi-estruturado sobrea PSA no Brasil, apenas 34,2% avaliaramque as medidas de combate foramadequadas ou eficientes, mas 63%reconheceram que houve um grandedesenvolvimento da suinocultura nacionalapós o episódio da PSA. Deve serregistrado, no entanto, que alguns médicosveterinários da região Sul do Brasilafirmaram que, embora tivessem participadodas ações de combate à doença, osrebanhos sacrificados em função dodiagnóstico oficial de PSA nãoapresentavam sinais clínicos compatíveiscom essa doença e que poderia tratar-se dePSC. Houve, no entanto, algumas respostasconcordantes com a hipótese da baixavirulência do agente causal.

As entrevistas com os pessoas-chaveajudaram a consolidar a hipótese baseadana análise epidemiológica de que não erapossível afirmar que a PSA houvesse sedisseminado para o restante do país a partirdos casos iniciais ocorridos no Rio deJaneiro. As entrevistas realizadas comquatro criadores localizados em trêsdiferentes regiões do Estado de MinasGerais foram coincidentes em vários pontos:nenhum deles vacinava seus animais contraa PSC, poucos animais foram afetados e,mesmo assim, não houve disseminação dadoença para o restante do rebanho. Emuma das criações morreram somenteanimais jovens, em três outras em quetodos os animais foram sacrificados não foipossível atribuir as mortes ocorridas àexistência da PSA, uma vez que amortalidade inicial foi baixa, inclusive com arecuperação de animais doentes, não tendosido relatado mortes de suínos em criações

vizinhas, mesmo considerando que muitosdos veículos que tinham acesso àpropriedade circulavam também por outrascriações da região que não chegaram aapresentar o problema.

A maioria dos sete técnicos queparticiparam da pesquisa, na condição depessoas-chave afirmaram que a doençatinha atingido apenas o Rio de Janeiro eprovavelmente a favela Nova Brasília e queo restante das notificações correspondia aresultados sorológicos falso-positivos. Trêspessoas-chave que participaram de açõesde saneamento em criações de suínosinformaram que em duas delas os animaisdoentes com resultados positivos para PSArecuperaram-se com tratamento adequado emesmo assim os resultados sorológicossubseqüentes variavam entre positivos enegativos, fato que também ocorreu em SãoPaulo, segundo relato de outra pessoa-chave. Foi também relatada por duaspessoas-chave que, em uma suinoculturado Norte de Minas, considerada positiva apartir de material de órgãos de suínos quemorreram por causa desconhecida deveriapassar por uma prova sorológica de todo orebanho. O criador, no entanto, armou umaestratégia para que o sangue dos animaisfosse colhido por um de seus empregados,para compor uma amostra de cerca de 70soros. A resposta do laboratório oficialindicava que parte dos animais era reagentepositivo e os demais eram negativos, fatoque provocou a revolta do criador queadmitiu haver determinado a sangria deapenas um suíno, cujo sangue foidistribuído em vários frascos. Outroargumento a favor da hipótese do surto terocorrido apenas no Estado do Rio deJaneiro consta da declaração de duaspessoas-chave que estiveram com médicosveterinários na Espanha, responsáveis pelodiagnóstico de PSA, afirmando que apenaso material de suínos procedentes deParacambi era positivo.

A mídia também registrou em todo o paíscasos bem caracterizados de animais quesobreviveram ou em que a doença nãoevoluiu em rebanhos considerados positivospara PSA, a partir de declarações decriadores empresariais e de técnicos com

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experiência na área de suinocultura. Opróprio Ministério da Agricultura, que haviaidentificado 62 reações positivas à prova deIEOP em 248 soros estocados desde 1976em São Paulo, considerou, seis anos maistarde, tratar-se de resultados falso-positivos,fato que se repetiu com outros 434 sorossuínos procedentes de rastreamentosrealizados pelo Ministério da Agricultura,dos quais 80 apenas confirmaram-sepositivos à IFI.

Tal como aconteceu com o episódio daPeste Bovina no Brasil, muitas publicaçõesoficiais e de instituições representativas daMedicina Veterinária trataram de enaltecer avitória da profissão no país e dos dirigentespolíticos, sem considerar os determinantesprincipais que deveriam ser também levadosem consideração para que no futuro taisacontecimentos fossem mais bemcontrolados e minimizados em seus efeitos.

6. CONCLUSÕES

1. A caracterização da estrutura da defesasanitária animal no Brasil, considerado oreferencial teórico, revelou a fragilidade davigilância sanitária, comprovada pelaentrada de inúmeras doenças exóticas deanimais, em razão da alta dependência deimportação de material genético de origemanimal.

2. As denúncias e alertas sobre o risco daentrada da PSA no Brasil e sobre asdeficiências do sistema de vigilânciasanitária nos portos e aeroportos nãomotivaram o Ministério da Agricultura afortalecer a estrutura existente.

3. O Ministério da Agricultura manteve-sesilencioso sobre o verdadeiro corredor deentrada da doença no país e, quando osilêncio não foi mais possível, tentou desviaro foco de atenção da sociedade, culpando acriação caseira de porcos peladisseminação da doença, enquanto a mídia,já nos primeiros dias da epidemia, apontavao desvio clandestino de restos de alimentosdo Aeroporto Internacional do Galeão parauma criação particular de suínos, emParacambi, de propriedade de um

funcionário do DOPS, em exercício noreferido aeroporto.

4. Enquanto a epidemia grassava entrecriações de fundo de quintal, favelas eperiferia do Rio de Janeiro, paradoxalmenteparte das autoridades sanitárias,representantes de entidades dos criadores ea maioria dos especialistas em suinoculturainiciavam um movimento técnico-políticopara alterar a base técnica da suinoculturado país; uma modernização custeada peloEstado.

5. O registro de surtos da PSA emdiferentes regiões do país, sem que sepudesse relacioná-los com os casos iniciaisdo Rio de Janeiro, suscitou grandepolêmica, entre os diversos atores sociais econtribuiu para colocar em dúvida averacidade do diagnóstico e, porconseqüência, a própria existência dadoença no país.

6. O laudo emitido pelo Laboratório deReferência Internacional de Plum Island,nos Estados Unidos, foi conclusivo paracomprovar a existência da PSA nos suínosprocedentes do foco de Paracambi, mas adivulgação tardia e restrita desse laudo empublicação oficial do Ministério daAgricultura, foi uma falha grave no processode comunicação social do episódio da PSA.

7. A ocorrência de uma epidemia de PSC apartir de 1976, devida à baixa coberturavacinal, certamente contribuiu para que oscasos de mortes de suínos em todo o paísfossem atribuídos à PSA.

8. A erradicação da PSA, segundo a opiniãodos médicos veterinários, foi determinantepara a modernização da suinoculturabrasileira e para a reabertura dasexportações. No entanto, a maioria dosprofissionais duvidava da existência da PSApor não encontrarem, nas suinoculturasmonitoradas, a presença de sinais clínicos elesões patológicas próprios dessa doença.

9. O baixo número de respostas dosempresários e dirigentes de associações decriadores ao roteiro semi-estruturado, quese utilizou nesta pesquisa, demonstrou o

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desinteresse deles em relação ao tema. Amaioria dos participantes se limitou aminimizar o episódio da PSA, e poucos sepreocuparam em descrever os prejuízossociais e econômicos causados pela PSA,embora, naquela época, muitos delestenham ocupado espaço na mídia parareclamar de prejuízos, em função dasmedidas restritivas na comercialização dosanimais e de seus subprodutos. Asrespostas enviadas pelos empresários doSul do país, por sua vez, concordam com aposição do Ministério da Agricultura, quantoà importância de se erradicar a criaçãocaseira, e à necessidade de modernizar asuinocultura nacional.

10. As declarações dos criadoresentrevistados e das pessoas-chavecontribuíram para descaracterizar aexistência da PSA nas criações por elescitadas, em razão de discrepânciasobservadas no diagnóstico oficial: baixamortalidade de suínos; recuperação deanimais doentes; inexistência da mesmadoença nas criações vizinhas, apesar dotráfego de veículos e de pessoas entre ascriações.

11. O Ministério da Agricultura apresentouvárias hipóteses na tentativa de explicar oscasos ocorridos fora do Rio de Janeiro,tendo, ao final, considerado tratar-se deuma amostra viral atenuada, fato queexplicaria o inusitado comportamento dadoença, mas que não encontraria respaldona história da PSA em todos os países porela afetados.

12. O Ministério da Agricultura, ao publicar oinforme final sobre a erradicação da PSA,considerou que houve alarde por parte daimprensa ao divulgar as ações do programade combate à doença e falta de preparaçãotécnica dos médicos veterinários, quedesconheciam a forma subclínica da PSA.

13. A análise dos dados epidemiológicos edas demais fontes documentais leva aconcluir que a peste suína africana entrouno país por meio de restos de alimentos debordo, procedentes de vôos internacionais,vindos da Península Ibérica, e desviados doAeroporto Internacional do Galeão para a

propriedade do Sr Severino Pereira da Silva,em Paracambi. Assim, os casos surgidosem outros municípios do Estado do Rio deJaneiro e em outras regiões do país nãotiveram diagnóstico conclusivo de PSA.

14. O episódio da PSA constituiu-se em umdos acontecimentos de maior repercussãona história da Medicina Veterinária do Brasilpor afetar praticamente todos os segmentosda sociedade brasileira. Considerando quea doença não ultrapassou os limitesgeográficos do estado do Rio de Janeiro, aocorrência da PSA, segundo os informesoficiais se revelou como um dos maioresequívocos da Medicina Veterinária em todosos tempos no Brasil, deixando um saldolamentável de esforços perdidos, dedesemprego, de prejuízos para criadores eindustriais, de perdas não compensadas ede desgaste público.

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ANEXOS

ANEXO A: Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG- COEP.

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ANEXO B: Carta de apresentação do professor orientador.

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ANEXO C: Carta encaminhada aos médicos veterinários.

Belo Horizonte,

Prezado (a) Colega,

Sou médico-veterinário formado pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de MinasGerais e estou preparando uma pesquisa sobre a história e a memória da peste suína africana -PSA- no Brasil. Essa doença foi notificada pelo Ministério da Agricultura em maio de 1978, nomunicípio de Paracambi-RJ e, em 1984, ela foi considerada erradicada.Para desenvolver minhapesquisa estou colhendo depoimentos de médicos veterinários que tenham completado suaformação acadêmica até o ano de 1984.A sua colaboração nessa pesquisa é de fundamental importância, para que não se perca oregistro histórico de um problema sanitário que envolveu toda a sociedade brasileira,especialmente técnicos, criadores de suínos e empresários.Eu me comprometo a manter o sigilo sobre a identidade da fonte consultada e, para facilitar oregistro da informação, organizei o presente roteiro, que uma vez preenchido, solicito que meseja remetido preferencialmente por e-mail, ou caso preferir, pelo correio.Desde já agradeço pela atenção dispensada a esse pedido.

Cordialmente,

Francisco Cecílio Viana- CRMV-MG 0087

E-mail: [email protected] End. Resid.: Rua Trieste, 225 - B.Bandeirantes –CEP: 31-340-430 – Belo Horizonte - MG

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ANEXO D: Roteiro encaminhado aos médicos veterinários.

IdentificaçãoNome:Especialidade (s):Função que exerce: Pública ( ) Privada ( ) Autônomo ( )Outro ( ) Citar: .......................... Aposent. ( ) Função Exercida: ...............................Telefone: ( ) -Ano de conclusão do Curso de: Graduação ............. – Especialização: ................ Mestrado ............. – Doutorado: ....................

1. Como você tomou conhecimento da notificação da peste suína africana (PSA) no Brasil?

2. Você participou de algum tipo de atividade que poderia ser relacionada com a presença daPSA no Brasil? (Especificar)

3. Como você explicaria a entrada da PSA no Brasil?

4. Qual a sua avaliação sobre as medidas de combate à doença implantadas pelo Ministério daAgricultura, considerando-se desde a fase emergencial, quando a doença se restringia ao Riode Janeiro, até o estabelecimento do programa oficial de erradicação.

5. O fato de o Ministério da Agricultura ter declarado, em 1984, que o Brasil encontrava-seoficialmente livre da PSA, trouxe algum tipo de repercussão para a suinocultura e para aindústria de transformação de derivados suínos nas décadas seguintes? Especificar.

6. Qual o conhecimento ou experiência resultante do episódio da PSA que mereceria serregistrada para a preservação da memória e da história nacional?

7. Você gostaria de acrescentar outras informações

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ANEXO E: Carta encaminhada aos dirigentes de empresas, de cooperativas de produção e deassociações de criadores.

Belo Horizonte,

Ilmo. Senhor Presidente da .......... (Empresa, Cooperativa de produção e Associação deCriadores de suínos).

Prezado Senhor

Sou médico-veterinário formado pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de MinasGerais e estou preparando uma pesquisa sobre a história e a memória da peste suína africana -PSA- no Brasil, tomando-se como referência maio de 1978 a dezembro de 1984, tempo quecompreende o período entre a notificação da doença e sua erradicação no país, conforme osregistros do Ministério da Agricultura.Espero que o resgate histórico e memorialístico do episódio da Peste Suína Africana no Brasilpossa contribuir para que se compreenda melhor o papel dos diversos atores em todo oprocesso de tomada de decisões e para a orientação das políticas públicas na área desanidade animal, no futuro. Por isso, considero ser a sua participação de grande importânciapara o enriquecimento de meu trabalho. Comprometo-me a manter o sigilo sobre a identidadeda fonte consultada. Para facilitar o registro da informação, organizei o presente roteiro.Para o preenchimento do roteiro, em anexo, V.Sa. poderá consultar, caso julgue conveniente,os membros da Diretoria que vivenciaram o episódio da peste suína africana no Brasil.Peço, por gentileza, que envie a resposta para o meu endereço eletrônico ou para oresidencial.Desde já manifesto meus sinceros agradecimentos pela atenção dispensada a esse pedido.Atenciosamente

Francisco Cecílio VianaResidência: Rua Trieste, 225 – Bairro Bandeirantes – CEP: 31.340-430 Belo Horizonte - MG -Fone: 31-3491-7889 ou (031) 8833-5115 - E-mail: [email protected]

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ANEXO F: Roteiro encaminhado aos dirigentes de empresas, de cooperativas de produção ede associações de criadores

IDENTIFICAÇÃONome e endereço (empresa ou cooperativa):Informação prestada por:Cargo ou função atual:E-mail: Telefone p/ contato:

1. Em maio de 1978 qual era aproximadamente o volume de produção da ....... (empresa oucooperativa) e quantas pessoas eram empregadas para atender a essa produção?

2. Houve mudança significativa no volume de produção e no número de empregadoscontratados no decorrer do ano de 1978?

3. Como a ............ ( empresa ou cooperativa) tomou conhecimento da notificação da PSA noBrasil?

4. A ................... (empresa ou cooperativa) participou de algum tipo de atividade que poderiaser incluída entre as medidas de combate a essa doença no Brasil? (especificar)

5. Qual o principal fator de risco que você destacaria para explicar a ocorrência da PSA noBrasil?

6. Qual a sua avaliação sobre as medidas de combate à PSA implantadas pelo Ministério daAgricultura, considerando-se desde a fase emergencial, quando a doença se restringia ao Riode Janeiro, até o estabelecimento do programa oficial de erradicação.

7. Houve algum impacto ou repercussão sobre os negócios da .....................(empresa oucooperativa) a partir da notificação da PSA no Brasil? Em caso afirmativo, favor descrever otipo do impacto

8. O fato de o Ministério da Agricultura ter declarado, em 1984, que o Brasil encontrava-seoficialmente livre da PSA, trouxe algum tipo de repercussão para a suinocultura e para aindústria de transformação de derivados suínos nas décadas seguintes?

9. Qual o conhecimento ou experiência acumulada que merece ser registrada para apreservação da memória e da história nacional após o episódio da peste suína africana?

10. O senhor gostaria de acrescentar outras informações?

Comprometo-me a manter o sigilo da fonte de informação

Favor enviar a resposta para o endereço contido na carta de apresentação.

Muito lhe agradeço pela cooperação.

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ANEXO G:

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ANEXO H:

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ANEXO I:

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ANEXO J:

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ANEXO K:

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ANEXO L: