história da sociologia

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2013 HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA Prof.ª Franciele Otto

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Page 1: História da sociologia

2013

História da sociologia

Prof.ª Franciele Otto

Page 2: História da sociologia

Copyright © UNIASSELVI 2013

Elaboração:

Prof.ª Franciele Otto

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

301.09O912h Otto, Franciele

História da sociologia / Franciele Otto. Indaial : Uniasselvi, 2013.242 p. : il

ISBN 978-85-7830- 702-8

Sociologia – História.I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Page 3: História da sociologia

III

apresentaçãoQuerido(a) acadêmico(a)!

A disciplina de História da Sociologia é muito importante a você que cursa a Licenciatura em Sociologia, pois terá a chance de conhecer como chegamos ao atual estágio de conhecimento sociológico, de que forma a Sociologia se desenvolveu e se consolidou, além de compreender seu espaço no meio científico. É também neste caderno que você terá acesso aos principais instrumentos teóricos desta ciência, para compreender o momento e o contexto em que a História da Sociologia surgiu.

Para fins didáticos e para facilitar sua compreensão dos conteúdos, o caderno foi dividido em três unidades, baseadas em três grandes períodos da História da Sociologia: seu surgimento, consolidação e contemporaneidade. A primeira unidade trata dos primórdios do pensamento sociológico, mencionando autores, conceitos e marcos históricos da época de constituição da Sociologia. A segunda unidade volta-se ao processo de consolidação, trazendo o desenvolvimento da Sociologia, principais autores e conceitos desta fase. E, para finalizar, a última unidade apresentará alguns elementos da Sociologia na contemporaneidade.

Para começar, você conhecerá os primeiros passos da Sociologia: sua importância, seu método (objeto sociológico e método sociológico), bases científicas, desde seu surgimento até sua consolidação como ciência. Para isto você conhecerá os marcos históricos que a fundamentaram: a Revolução Industrial, a Revolução Francesa (e o Iluminismo) e o Renascimento. O positivismo, importantíssimo para a afirmação da prática sociológica como ciência, também será apresentado a você neste momento. É nesta unidade também que você conhecerá os famosos autores clássicos da Sociologia: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Suas obras estão presentes nos estudos sociológicos da atualidade, e suas teorias influenciaram todo o desenvolvimento desta ciência.

Seguindo, você conhecerá grandes autores que consolidaram a Sociologia, e contribuíram com grandes obras e teorias para este campo científico. Para facilitar, estes autores foram divididos em três grandes escolas de pensamento, que determinaram os rumos das pesquisas e teorias sociais: a sociologia norte-americana, a sociologia francesa e a sociologia alemã. Além dos importantes autores que cada um destes núcleos trouxe, há ainda a Escola de Chicago (Estados Unidos) e a Escola de Frankfurt (Alemanha), cuja influência nos caminhos da Sociologia é indescritível.

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IV

Para finalizar, você estudará elementos da Sociologia da Contemporaneidade, como os principais conceitos utilizados em seus estudos: instituições sociais, desigualdade social, movimento social, mobilidade social, violência e educação. Conhecendo estes conceitos, avançará para o estudo de duas noções fundamentais nos estudos de todas as ciências sociais, e ainda mais na Sociologia: sociedade e cultura e suas variações. E não poderíamos deixar de lado o estudo do desenvolvimento da Sociologia no Brasil, com a apresentação de importantes teóricos como Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes, que encerram esta última unidade do caderno, além de uma reflexão acerca do papel do sociólogo na atualidade.

Todos estes conteúdos são importantíssimos na sua formação profissional, pois contextualizam o processo histórico da formação da Sociologia como ciência e permitem que você localize as principais teorias, autores e conceitos em períodos históricos, atingindo os objetivos da disciplina. Conhecendo este desenvolvimento histórico, fica mais fácil entender como chegamos à nossa prática sociológica atual e determinar para onde devemos seguir!

Acadêmico(a): espero que este caderno proporcione momentos de reflexão e traga novos conhecimentos, para enriquecer seu entendimento acerca da importância dos métodos e objetos da Sociologia. Obrigada pela chance de desvelar estes conteúdos a você. Desejo uma excelente leitura!

Prof.ª Franciele Otto

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V

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

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UNI

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VII

UNIDADE 1 - PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO –AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS .................................................................1

TÓPICO 1 - A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA ...........................................................................31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................32 CONHECENDO A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA .........................................................43 BASES CIENTÍFICAS E SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA ..................................................54 FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO .........................................................6

4.1 OBJETOS SOCIOLÓGICOS ............................................................................................................ 64.2 MÉTODOS SOCIOLÓGICOS ......................................................................................................... 8

RESUMO DO TÓPICO 1.....................................................................................................................10AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................11

TÓPICO 2 - BASES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA ..........................131 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................132 MARCO ECONÔMICO: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL .......................................................133 MARCOS POLÍTICOS: A REVOLUÇÃO FRANCESA E O ILUMINISMO .........................174 MARCO CULTURAL: O RENASCIMENTO ...............................................................................225 AUGUSTE COMTE E A FÍSICA SOCIAL ....................................................................................24RESUMO DO TÓPICO 2.....................................................................................................................27AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................29

TÓPICO 3 - CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICASOCIOLÓGICA DE ÉMILE DURKHEIM .......................................................................................311 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................312 POSITIVISMO DURKHEIMIANO ...............................................................................................333 FATO SOCIAL ....................................................................................................................................344 ANOMIA .............................................................................................................................................385 TIPOS DE SOLIDARIEDADE ........................................................................................................40

5.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA ................................................................................................... 415.2 SOLIDARIEDADE ORGÂNICA ................................................................................................... 42

6 VIDA SOCIAL E MORALIDADE ..................................................................................................437 RELIGIÃO ...........................................................................................................................................46LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................47RESUMO DO TÓPICO 3.....................................................................................................................49AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................50

TÓPICO 4 - CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICASOCIOLÓGICA DE MAX WEBER ...................................................................................................511 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................512 OBJETIVIDADE E CONHECIMENTO .........................................................................................533 ESTAMENTOS E PARTIDOS .........................................................................................................554 TIPOS IDEAIS E OS TIPOS PUROS DA AÇÃO SOCIAL .......................................................565 FORMAS DE LEGITIMAÇÃO .......................................................................................................596 RACIONALIZAÇÃO ........................................................................................................................61

sumário

Page 8: História da sociologia

VIII

7 CARISMA E DESENCANTAMENTO DO MUNDO .................................................................64LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................66RESUMO DO TÓPICO 4.....................................................................................................................67AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................68

TÓPICO 5 - CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICASOCIOLÓGICA DE KARL MARX ...................................................................................................691 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................692 MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO .............................................................................713 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA ..............................................................................734 CLASSES SOCIAIS ...........................................................................................................................755 ALIENAÇÃO ......................................................................................................................................776 PAPEL REVOLUCIONÁRIO DA BURGUESIA E COMUNISMO .........................................797 SOCIEDADE CAPITALISTA ..........................................................................................................81LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................83RESUMO DO TÓPICO 5.....................................................................................................................84AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................85

UNIDADE 2 - O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA:ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES ..................................................................................87

TÓPICO 1 - SOCIOLOGIA NORTE-AMERICANA .....................................................................891 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................892 ESCOLA DE CHICAGO ...................................................................................................................903 SOCIOLOGIA URBANA .................................................................................................................944 SISTEMAS SOCIAIS ........................................................................................................................98AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................102LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................103RESUMO DO TÓPICO 1.....................................................................................................................105AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................106

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................107SOCIOLOGIA FRANCESA2 PIERRE BOURDIEU ..........................................................................................................................108

2.1 HABITUS ........................................................................................................................................1162.2 FORMAS SIMBÓLICAS ...............................................................................................................119

3 NORBERT ELIAS ..............................................................................................................................1223.1 CIVILIZAÇÃO ..............................................................................................................................125

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................128RESUMO DO TÓPICO 2.....................................................................................................................130AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................131

TÓPICO 3 - SOCIOLOGIA ALEMÃ .................................................................................................1331 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................1332 ESCOLA DE FRANKFURT ..............................................................................................................1343 INDÚSTRIA CULTURAL ................................................................................................................1374 MAX HORKHEIMER ........................................................................................................................141AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................1415 THEODOR W. ADORNO ................................................................................................................1456 JÜRGEN HABERMAS ......................................................................................................................1477 REVISÃO DOS PRINCÍPIOS MARXISTAS ................................................................................154LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................156

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IX

RESUMO DO TÓPICO 3.....................................................................................................................158AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................159

UNIDADE 3 - A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE ..............................................161

TÓPICO 1 - IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DASOCIOLOGIA NA ATUALIDADE ...................................................................................................1631 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................1632 INSTITUIÇÕES SOCIAIS ...............................................................................................................164

2.1 FAMÍLIA ........................................................................................................................................1682.2 IGREJA ...........................................................................................................................................1712.3 ESTADO .........................................................................................................................................175

3 DESIGUALDADE SOCIAL .............................................................................................................1794 MOVIMENTOS SOCIAIS ...............................................................................................................186

4.1 MOVIMENTO CONSERVADOR ............................................................................................... 1904.2 MOVIMENTO REFORMISTA .................................................................................................... 1914.3 MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO ........................................................................................ 191

5 MOBILIDADE SOCIAL ...................................................................................................................1926 VIOLÊNCIA HUMANA ...................................................................................................................1957 EDUCAÇÃO E SOCIEDADE ..........................................................................................................197RESUMO DO TÓPICO 1.....................................................................................................................204AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................206

TÓPICO 2 - VARIAÇÕES DO CONCEITO DE CULTURA E SOCIEDADE ...........................2071 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................2072 CULTURA MATERIAL E NÃO MATERIAL ................................................................................2083 CULTURA DE MASSAS E CULTURA POPULAR .....................................................................2084 PATRIMÔNIO CULTURAL, CONTRACULTURA E IDENTIDADE CULTURAL .............2105 SOCIEDADE TRADICIONAL E SOCIEDADE INDUSTRIAL ...............................................2136 SOCIEDADE POLÍTICA E SOCIEDADE CIVIL ........................................................................2157 GRUPOS SOCIAIS ............................................................................................................................217LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................218RESUMO DO TÓPICO 2.....................................................................................................................220AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................222

TÓPICO 3 - CONCEITOS-CHAVE PARA UMACOMPREENSÃO DO MUNDO SOCIAL .......................................................................................2231 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................2232 POLÍTICA E IDEOLOGIA ...............................................................................................................2233 PODER E ÉTICA ................................................................................................................................2254 ESTADO E GOVERNO ....................................................................................................................226RESUMO DO TÓPICO 3.....................................................................................................................228AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................229

TÓPICO 4 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA .................................................2311 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................2312 BREVE HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA NO BRASIL .................................................................2313 IMPORTANTES PENSADORES SOCIAIS BRASILEIROS .....................................................234

3.1 GILBERTO FREIRE ...................................................................................................................... 2343.2 DARCY RIBEIRO ......................................................................................................................... 2353.3 FLORESTAN FERNANDES ....................................................................................................... 236

4 O PAPEL DO SOCIÓLOGO NO MUNDO ATUAL ...................................................................237RESUMO DO TÓPICO 3.....................................................................................................................238AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................239REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................241

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UNIDADE 1

PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES,

CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• descrever o processo de constituição da sociologia como ciência, definindo seus objetos e métodos;

• situar o momento histórico de formação da sociologia diante da história geral;

• relacionar o movimento inicial de surgimento da sociologia e seus pri-meiros encaminhamentos aos momentos históricos marcantes do perío-do em questão;

• discutir as teorias sociológicas clássicas e seus principais elementos, dife-renciando os autores clássicos e seus principais conceitos.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos. Em cada um deles, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a compreender e fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

TÓPICO 2 – BASES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 3 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE ÉMILE DURKHEIM

TÓPICO 4 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

TÓPICO 5 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE KARL MARX

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TÓPICO 1UNIDADE 1

A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

1 INTRODUÇÃO

A sociologia é uma ciência social que surgiu no século XVIII, e naquele momento foi uma tentativa de compreender as modificações sociais ocorridas em virtude da Revolução Industrial. Tendo este marco inicial, ela se desenvolveu até ocupar espaço nas universidades, sendo considerada atualmente uma disciplina acadêmica, integrante das chamadas ciências humanas.

Podemos entender que ela é uma forma científica de observar a sociedade, entender os grupos sociais, os fenômenos que ocorrem no interior destes grupos, suas características, interações e relações.

Muitos afirmam que todos temos um pouco de sociólogos, pois observamos a sociedade e podemos analisá-la. No entanto, como ciência, a sociologia segue métodos e persegue objetos em suas atividades, buscando atingir o rigor científico em suas investigações. Para compreender como a sociologia tornou-se uma ciência, é necessário que você, acadêmico(a), conheça sua história e os conceitos principais que foram desenvolvidos dentro desta ciência.

Nesta unidade começaremos conhecendo as formas pelas quais a sociologia se institucionalizou como ciência, seus objetos e métodos e os marcos históricos que determinaram e influenciaram o seu surgimento. Depois haverá um tópico para conhecer cada um dos autores clássicos da sociologia: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Aprenderemos os conceitos principais que marcaram suas práticas sociológicas.

Convido você para conhecermos a sociologia a partir de sua história, vamos lá?

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

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2 CONHECENDO A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIADesde o seu surgimento, o pensamento sociológico criou inúmeras teorias

sobre as relações entre os indivíduos e suas construções sociais. Um vocabulário comum entre os sociólogos também foi criado gradativamente a partir das pesquisas produzidas, e muitas palavras e expressões estão na rotina das pessoas, como movimentos sociais, classes, contexto social, entre outras (COSTA, 1997).

Pesquisas de opinião como, por exemplo, as de preferência de voto realizadas em época de eleição podem ter seus resultados analisados com os conhecimentos da sociologia, constituindo saberes que permitem à população ter uma noção da situação coletiva em relação à política local.

Isto é muito importante porque a sociologia conseguiu encontrar certas leis gerais de funcionamento dos grupos sociais, que podem ser observadas e entendidas pelo sociólogo. Estas leis resumem-se a regularidades encontradas, e por isto até é possível, às vezes, prever um fenômeno social que irá ocorrer em determinado grupo, deixando a possibilidade de intervenção em aberto.

[...] o leitor de uma pesquisa de opinião, mesmo desconhecendo a sua metodologia, sabe que existem meios mais ou menos eficazes de se desvendar o comportamento, o gosto e a opinião de uma população pela investigação de uma amostra, isto é, de uma parte escolhida dessa população. O leitor intui a existência de uma regularidade nesses comportamentos e opiniões; reconhece que, por trás da diversidade entre as pessoas, existe certa padronização nas suas formas de agir e pensar, de acordo com o sexo, a idade, a nacionalidade etc. (COSTA, 1997, p. 9 -10).

Assim, os conhecimentos construídos pela sociologia já estão disseminados entre a própria população, não só os cientistas sociais fazem uso de suas informações. Todos confiamos nas formas de conhecer a realidade estabelecidas pelas ciências humanas e em seus procedimentos de pesquisa social, mesmo sem saber como exatamente funcionam as técnicas e os processos das investigações.

A sociologia ganha ainda mais importância quando pensamos que os dados e resultados divulgados por qualquer pessoa não são mais considerados válidos apenas pela sua palavra, costuma-se exigir a comprovação da informação, as bases das quais ela foi extraída.

O entendimento estabelecido acerca do comportamento social é útil também para outras áreas, como marketing ou comércio. Por exemplo, para abrir um negócio costuma-se pesquisar o público; para divulgar um produto verifica-se que tipo de público será atingido para produzir uma propaganda eficiente; para construir um prédio residencial, verifica-se a preferência e as características comuns dos possíveis moradores, entre outros.

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TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

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3 BASES CIENTÍFICAS E SURGIMENTO DA SOCIOLOGIAA sociologia surge juntamente com a consolidação do sistema capitalista

e a queda do regime feudal, situações que ocorreram em virtude da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, aliadas aos movimentos do Iluminismo e do Renascimento.

Os hábitos dos compradores são resultados muito importantes nestas áreas, bem como seus comportamentos. Busca-se conhecer as características da sociedade para a atuação eficiente sobre ela.

Não existe, portanto, nenhum setor da vida onde os conhecimentos sociológicos não sejam de ampla utilidade. E essa certeza perpassa hoje toda a linguagem dos meios de comunicação e toda a atuação profissional das pessoas. É por isso que a sociologia faz parte dos programas universitários que preparam os mais diversos profissionais – de dentistas a engenheiros – e por isso também o sociólogo hoje tem entrada nas mais diversas companhias e instituições. (COSTA, 1997, p. 11).

Por isso atualmente se define a sociologia por sua abordagem, e não por seu objeto, pois a sociedade é algo muito amplo, tudo existe em sociedade. Assim, “[...] um fenômeno é sociológico quando sobre ele se debruça o sociólogo, tentando entendê-lo no que diz respeito aos homens e às influências sociais de seu comportamento (COSTA, 1997, p. 11).

O mundo atual, com os conflitos causados pelo sistema econômico capitalista, dá novos desafios para a sociologia, uma vez que antigos conceitos, como a divisão social do trabalho ou a democracia, podem ser revisitados e reaplicados nas análises mais recentes. Isto pode contribuir para uma compreensão mais clara da realidade que nos envolve e nos situa como seres sociais.

ESTUDOS FUTUROS

Os marcos históricos que influenciaram o surgimento da sociologia serão apresentados com maior ênfase no próximo tópico!

As mudanças sociais causadas pelas revoluções, sobretudo a industrial, por meio das quais os camponeses eram inseridos de forma abrupta à vida urbana, foram associadas a um novo modo de pensar, que enfatizava a razão humana e permitia realizar uma crítica à sociedade existente na época.

Page 16: História da sociologia

UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

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Estes dois aspectos históricos contribuíram para o surgimento de uma ciência que buscasse entender tantas mudanças, que procurasse identificar uma ordem social na existência coletiva, para que pudesse ser feita uma reorganização da sociedade.

A sociologia foi a primeira ciência social a se institucionalizar, antes mesmo da Antropologia e da Ciência Política.

As ciências sociais inauguraram um novo fator na ciência, que é o observador, pois ele é o seu próprio objeto de estudo. “[...] ao mesmo tempo em que observa o fenômeno, sofre influências e influencia o seu objeto de estudo” (DIAS, 2005, p. 40). Este fato trouxe para a sociologia o problema da relação do pesquisador com os objetos da sociologia.

O que caracteriza as ciências sociais, em contraste com as ciências físicas, é a circunstância em que nelas o assunto ou objeto de que tratam se confunde com o próprio ser humano. O ser humano é, ao mesmo tempo, ator e espectador. Os fatos sociais que são seu objeto de estudo foram originados por ação humana e ao mesmo tempo é ele – como ser humano – quem observa e tece considerações sobre o fato, para constituir com ele o conhecimento e a ciência. Em outras palavras, o homem tem um duplo papel nas ciências sociais – o que não ocorre nas ciências físicas (DIAS, 2005, p. 40).

Diante das demais ciências sociais, a sociologia apresenta determinadas características singulares, que podemos chamar de pensamento sociológico.

4 FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO

4.1 OBJETOS SOCIOLÓGICOS

Para se caracterizar como ciência, a sociologia precisou constituir um conjunto de técnicas e metodologias levando em conta os princípios do conhecimento científico. Por este motivo, podemos identificar os objetos que a sociologia estuda e os métodos que utiliza para seus resultados e análises.

A sociologia é, essencialmente, a ciência que estuda os grupos sociais humanos ou as sociedades. Ela busca analisar as relações sociais existentes entre os indivíduos, que os interligam em grupos, associações e instituições.

Alguns comportamentos humanos, como dormir, caminhar, comer, são estudados pelas ciências naturais, pois são originais do indivíduo como um organismo biológico. No entanto, outros comportamentos como casar-se, ir à igreja, frequentar a escola são comportamentos sociais, fruto da organização de grupos sociais e da existência das sociedades. As formas de organização deste comportamento coletivo são objeto de estudo da sociologia.

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TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

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O estudo do indivíduo é realizado pela psicologia, enquanto a sociologia se debruça sobre as interações ocorridas entre os grupos de indivíduos, que caracterizam fenômenos sociais. O objeto de estudo da sociologia seria, portanto, o comportamento social humano (OLIVEIRA, 1999).

A sociologia se diferencia das demais ciências sociais, pois, para facilitar as pesquisas e promover uma especialização dos conhecimentos, foi necessária a criação de mais disciplinas dentro das ciências sociais, como a Antropologia e a Ciência Política.

FONTE: Oliveira (1999, p. 8)

Estas ciências complementam seus estudos entre si e colaboram nas investigações em virtude da complexidade dos fenômenos sociais e de suas explicações. As ciências sociais buscam pelos meios científicos compreender os fenômenos sociais e aumentar o conhecimento sobre o homem e a sociedade.

Atualmente os objetos de estudo da sociologia são muito variados e acompanham a especialização que ocorre no mundo científico. Assim, temos a sociologia da educação, que busca abordar o fenômeno da educação de uma perspectiva sociológica; a sociologia do conhecimento, que estuda as formas de construção do conhecimento e o desenvolvimento da ciência; a sociologia ambiental, que investiga as relações da sociedade com o meio natural; a sociologia da religião, que estuda as diferentes manifestações do fenômeno religioso nos grupos sociais; entre outras especializações encontradas dentro da ciência sociológica.

Sociologia – estuda as relações sociais e as formas de associação, considerando as interações que ocorrem na vida em sociedade. A sociologia abrange, portanto, o estudo dos grupos sociais; da divisão da sociedade em camadas; da mobilidade social; dos processos de cooperação, competição e conflito na sociedade etc.

Antropologia – estuda e pesquisa as semelhanças e diferenças culturais entre os vários agrupamentos humanos, assim como a origem e a evolução das culturas. Atualmente, tem-se preocupado não só com a cultura dos povos pré-letrados, como também com a diversidade cultural existente nas sociedades industriais. São objetos de estudo da antropologia os tipos de organização familiar, as religiões, a magia, os ritos de iniciação dos jovens, o casamento etc.

Ciência política – estuda a distribuição de poder na sociedade, bem como a formação e o desenvolvimento das diversas formas de governo. É a ciência política que estuda, por exemplo, os partidos políticos, os mecanismos eleitorais etc.

Page 18: História da sociologia

UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

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Para garantir a objetividade em seus estudos, a sociologia possui seus métodos científicos de pesquisa, que são variados e vão desde os estudos quantitativos até as comparações e observações.

4.2 MÉTODOS SOCIOLÓGICOS

Para obter credibilidade no meio científico, a sociologia precisou utilizar meios científicos em seus estudos, não considerando as opiniões e comentários do senso comum, ou dando crédito aos juízos de valor emitidos pelos pesquisadores. Assim, Dias (2005, p. 36) sublinhou as regras que devem ser seguidas pelos sociólogos em todas as pesquisas científicas:

• As evidências empíricas devem ter a confiança do pesquisador, pois são coletadas por meio de observação sistemática.

• O sociólogo deve usar várias técnicas de forma organizada para obter a diminuição dos erros e dos preconceitos e garantir o rigor científico.

• As conclusões em sociologia nunca são totalmente fechadas, pois seus objetos envolvem um grande público, permitindo que haja uma discussão em torno dos resultados obtidos.

• Para que o cientista faça uma generalização, é necessário que compare vários fatos que foram estudados profundamente, não utilizando uma única situação em seus estudos.

• O sociólogo não deve apenas descrever, mas também tentar explicar, relacionar os fatos e os princípios de um acontecimento social.

Vários meios de pesquisa são utilizados para que se atinjam estas considerações anteriores, mas essencialmente podemos reunir os tipos de pesquisa em três grupos (DIAS, 2005, p. 36):

• Pesquisa bibliográfica – busca suas informações em contribuições teóricas publicadas em documentos e não em relatos ou experimentos. Pode ser uma pesquisa avulsa ou estar dentro de outras pesquisas na forma de levantamento bibliográfico.

• Pesquisa descritiva – este tipo de pesquisa tem por objetivo descrever um fenômeno, relacionar fatos e situações, sem manipulá-los. É produzida por meio de observação, registro e análise do objeto e pode ser classificada em exploratória, descritiva, pesquisa de opinião, pesquisa de motivação, estudo de caso e pesquisa documental.

Page 19: História da sociologia

TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

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Nas investigações sociais, os métodos em geral costumam ser empregados de forma conjunta, de acordo com a análise que se deseja realizar do objeto de estudo. Os mais comuns são (DIAS, 2005, p. 37):

É por meio da utilização destes métodos que a sociologia busca se manter entre as chamadas disciplinas científicas, garantindo rigor nas investigações e produzindo análises importantes dentro do campo das ciências sociais.

• Pesquisa experimental – o pesquisador manipula as variáveis, interferindo na realidade que está sendo estudada, observando e analisando o que acontece de acordo com sua interferência, para compreender as causas do fenômeno e o modo de produção.

• Método histórico – para este método, é importante estudar o passado dos fenômenos, para entender suas origens e analisar as funções atuais que possui na sociedade, principalmente quando o objeto é um modo de vida social, um costume ou uma instituição.

• Método comparativo – compara os diversos grupos, comunidades, instituições ou fenômenos sociais, buscando identificar semelhanças e diferenças entre eles. Geralmente a comparação é feita entre diferentes culturas e permite encontrar generalizações que poderão ser utilizadas em outros estudos sociais.

• Método do estudo de caso – resume-se ao estudo específico de um grupo, comunidade, instituição ou movimento social. Para este método, a partir do estudo de um caso, podem-se realizar generalizações.

• Método estatístico – é o famoso método quantitativo, no qual se utilizam ferramentas matemáticas e procedimentos estatísticos para medir os fenômenos sociais. Ele traduz os fenômenos em quantias que, tratadas pela estatística, permitem estabelecer relações e encontrar generalizações.

Page 20: História da sociologia

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você viu que:

• A sociologia foi a primeira ciência social a se institucionalizar, antes mesmo da antropologia e da ciência política.

• Para se caracterizar como ciência, a sociologia precisou constituir um conjunto de técnicas e metodologias levando em conta os princípios do conhecimento científico.

• A sociologia é a ciência que estuda os grupos sociais humanos ou as sociedades. Ela busca analisar as relações sociais existentes entre os indivíduos, que os interligam em grupos, associações e instituições.

• Os métodos de pesquisa geralmente utilizados pela sociologia são: histórico, comparativo, estudo de caso e estatístico.

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AUTOATIVIDADE

Agora que você já conheceu um pouco mais sobre a sociologia, escolha um tema atual (violência, criminalidade, problemas ambientais, entre outros) e escreva a partir do conteúdo do caderno como o sociólogo deve atuar diante desta problemática de estudo, qual deve ser sua postura ao investigar o fenômeno social escolhido.

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TÓPICO 2

BASES HISTÓRICAS DO

SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

2 MARCO ECONÔMICO: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

É muito comum ouvirmos as pessoas afirmarem que a sociologia surgiu acompanhando a Revolução Industrial, e por isso você, acadêmico(a), pode perceber a importância deste marco na história desta ciência. Mas ainda assim existiram outras influências muito importantes para o surgimento e a consolidação da sociologia.

Neste tópico você irá conhecer os marcos históricos que determinaram o desenvolvimento da ciência da sociedade. Eles serão apresentados da seguinte forma:

• marco econômico: a Revolução Industrial;

• marcos políticos: a Revolução Francesa e o Iluminismo;

• marco cultural: o Renascimento.

E, para encerrar o tópico, você conhecerá aquele que é tido como o fundador da “física social”, Auguste Comte, e o movimento do qual fazia parte e que foi de extrema importância para a história da sociologia, o positivismo.

A sociologia é uma ciência que procura explicar a realidade social não apenas a partir da contemplação, mas também utilizando dados empíricos e buscando nos fatos explicações para os fenômenos sociais. A utilização da racionalidade e de um método sistemático para entender a ordem social também são características que existem desde o seu surgimento.

Ela aparece inicialmente vinculada à consolidação do capitalismo moderno, para o qual contribuiu muito a Revolução Industrial. Este momento histórico concentrou os modos de produção nas mãos de um pequeno grupo social, o que modificou a vida dos inúmeros camponeses que passaram a ser operários industriais. A sociedade começa a se estratificar em duas classes: proletariado e burguesia.

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O século XIX sofreu uma das mais intensas, rápidas e profundas transformações sociais que a história já presenciou: a Revolução Industrial. O surgimento das máquinas alterava completamente as formas de interação humana, aumentando a produtividade e instaurando novas classes sociais: a burguesia e o proletariado. Junto com as mudanças econômicas vinham a migração, a urbanização, a proletarização, novas formas de pobreza e uma série de outros fenômenos sociais radicalmente novos. (SELL, 2002, p. 26).

A Revolução Industrial começou na Inglaterra, por volta do século XVIII, e seus reflexos adentraram o século XIX. Mais precisamente, estamos falando dos anos de 1760 a 1820, período de sua consolidação.

FIGURA 1 – PAISAGEM DA INGLATERRA NA ÉPOCA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.klick.com.br/enciclo/encicloverb/0,5977,client e-415,00.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

A principal característica deste marco histórico é a passagem da manufatura, sistema cuja produção era relativamente baixa e o controle dos meios de produção era dos indivíduos, para a indústria, com sua produção em larga escala e concentração da propriedade dos meios de produção em algumas pessoas.

A Inglaterra adiantou seu processo de industrialização com relação aos outros países da Europa e, por isso, conseguiu sair na frente nas explorações que culminaram na expansão de território pela formação de colônias. Isto se deve também à inserção de máquinas fabris, que ampliaram muito a capacidade produtiva das fábricas, principalmente as máquinas a vapor, a fiandeira e o tear mecânicos, acompanhados do uso do carvão e da energia elétrica como principais fontes de energia.

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Depois da Inglaterra, este movimento estendeu-se para outros países da Europa e, por volta de 1914, para os Estados Unidos, com características um pouco diferentes.

O processo da Revolução Industrial começou com a indústria algodoeira, que inseriu teares mecânicos no processo de fabricação de tecidos, triplicando a produção. Mas a siderurgia foi o ramo da indústria que mais impactou nessa evolução, pois influenciou todo o processo posterior.

O aperfeiçoamento de fornos e de processos de fundição permitiu obter um ferro com qualidade mais elevada, que facilitou a melhoria de técnicas já existentes e a construção de novas máquinas. A construção de ferrovias e a pavimentação de ruas também se tornaram possíveis a partir destas melhorias. A rapidez dos deslocamentos rompeu a dependência entre os núcleos urbanos e rurais que havia nas antigas sociedades agrícolas (DIAS, 2005).

As pequenas cidades, formadas por populações rurais pequenas e dispersas, foram substituídas por grandes aglomerados populacionais, concentrados em torno das grandes indústrias, que formavam enormes cidades.

Com a Revolução Industrial houve um enorme crescimento da economia inglesa, o que provocou um aumento da necessidade de matérias-primas para as indústrias, que a Inglaterra não tinha e que era obrigada a buscar no mercado externo, e a necessidade de ampliar o mercado consumidor dos seus produtos. Em decorrência desses dois fatores, tornou-se inevitável um aumento do controle das colônias, além de um crescimento da disputa com outras potências da época pela obtenção e manutenção dos mercados (DIAS, 2005, p. 16).

O comércio exterior também cresceu muito nesta época, pois a indústria precisava escoar sua produção. Neste momento começou a se desenvolver um mercado mundial, que também influenciou a expansão industrial.

As modificações sociais causadas pela absorção dos camponeses nas indústrias incitaram revoltas, pois as péssimas condições de trabalho, jornadas excessivas, o desaparecimento dos pequenos proprietários rurais, entre outros aspectos, traumatizaram e revoltaram a população. Esta respondeu com depredações, sabotagem, roubos e crimes, mas aos poucos passou a se organizar em sindicatos e movimentos revolucionários para exigir seus direitos.

Do ponto de vista da organização da sociedade, o homem deparou-se com novos problemas, que não poderiam ser solucionados pela antiga forma de ver o mundo. A realidade social sofreu transformações, que exigiam uma nova forma de pensar, bem como novas teorias que buscassem soluções para os problemas que surgiram em função do avanço industrial. É nesse contexto que surgem as ciências sociais e, em primeiro lugar, a sociologia (DIAS, 2005, p. 15).

As novas formas de organização social aconteceram em um curto período de tempo e, além de modificar o modo de vida de forma abrupta, ainda atingiram

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um número muito elevado de indivíduos. Para o pensamento social, a grande contribuição da Revolução Industrial representou a inserção da racionalidade na produção material da vida social, mas as mudanças que ocorreram tiveram algumas tendências gerais, que permitiram ser identificadas e são assinaladas por Dias (2005, p. 17):

• Passou a ocorrer uma substituição progressiva do trabalho humano por máquinas, situação na qual as máquinas substituíam muitos trabalhadores em sua tarefa, e com vantagens. Contrastando com o sistema artesanal, a pequena produção de vários trabalhadores é substituída pela grande produção de poucos trabalhadores, aliados às máquinas.

• O operário passa a ter funções mais especializadas e menos qualificação se comparado ao artesão, assim o trabalho precisa ser organizado racionalmente e coordenado com as máquinas, o que provocou uma divisão do trabalho. O aumento de produtividade se origina, então, da organização do trabalho, excluindo as habilidades profissionais do operário, que empobrece intelectualmente e passa a cumprir tarefas repetitivas. Isto facilitou a contratação de mulheres e crianças na época.

• A gestão do trabalho humano constitui-se em problema para os dirigentes das fábricas, pois os operários estavam acostumados com hábitos do trabalho agrícola e doméstico. Os industriais impuseram uma disciplina para os trabalhadores acostumados com certa autonomia no trabalho, por meio de capatazes ou pelos próprios empresários. Esta modificação das formas de trabalho implicou uma mudança nas formas de vida, que passou a ser urbana e não mais rural. Havia a dificuldade de obtenção de alimentos, moradia, falta de higiene e serviços de saúde, diferentemente da vida rural. A disciplina aparece, portanto, como fator dentro da indústria, mas também fora dela na adaptação ao modo de vida. E a divisão do trabalho acontece também entre o empresário e o operário, com o surgimento da supervisão, à qual os operários não estavam acostumados por terem a liberdade criativa do artesanato.

• A produção de bens em grandes quantidades, permitida pela mecanização, passa a interferir no preço, pois produzidos desta forma os bens são homogeneizados, e a padronização mantém a qualidade, mas diminui o preço final para o consumidor, evitando também as variações.

• Surgem novos papéis sociais, tais como a figura do empresário e do operário, que não existiam nas sociedades anteriores. No mercado, antes se vendiam produtos, agora se passa a vender capacidade de trabalho.

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Todas estas mudanças interferiram no surgimento de uma ciência que olhasse para elas e tentasse estabelecer uma compreensão sobre a realidade, sobretudo, que ajudasse a entender as novas relações humanas que surgiam e aquelas que passavam por uma reestruturação.

A questão social estava confusa na época, pois muitos camponeses começaram a deixar suas vidas de campesinato para trabalhar nas grandes fábricas. Isto porque o campo passava por problemas de reestruturação que culminavam na perda das terras de alguns agricultores. A alternativa de sobrevivência passava a ser, então, o trabalho industrial.

As cidades cresceram enormemente e num espaço de tempo muito curto, processo chamado de urbanização. Este processo degradou o espaço urbano, pois a velocidade do crescimento não vinha acompanhada de investimentos, o que causou poluição, acúmulo de detritos, entre outros.

Estas péssimas condições de vida vinham acompanhadas por péssimas condições de trabalho. As jornadas eram de mais de 16 horas diárias, mulheres e crianças recebiam um salário humilhante, e a maioria vivia em casas comuns, com péssimas condições de higiene. Estas situações urbanas causaram problemas sociais como doenças, falta de moradia, prostituição, alcoolismo, violência, suicídio e epidemias (DIAS, 2005).

Além de todas estas dificuldades, ainda havia a concentração do lucro na mão de poucos indivíduos, o que ampliava a revolta da população. Desta forma, constituindo um problema, a sociedade passou a ser objeto de análise, inicialmente para os filósofos da época, que buscavam compreender o que havia desencadeado os problemas sociais.

3 MARCOS POLÍTICOS: A REVOLUÇÃO FRANCESA E O ILUMINISMO

A Revolução Francesa teve importância tão grande para a história, que é um dos marcos da periodização histórica utilizada atualmente. Ela marca o início da Idade Contemporânea e ocorreu no século XVIII, causando a ruptura do sistema feudalista e abrindo caminhos para a constituição da sociedade moderna.

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FIGURA 2 – A REVOLUÇÃO FRANCESA

FONTE: Disponível em: <http://respostao.blogspot.com.br/2011/08/historia-3-ano-revolu cao-francesa.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

“As tradições feudais ainda predominavam na França à época da Revolução. A nobreza e o clero dominavam a posse de terras e tinham privilégios nos impostos, e o poder de mando estava nas mãos de um governo monárquico e absolutista, que não convocava os representantes das outras classes para as decisões políticas. Enquanto isso o povo não tinha condições dignas de sobrevivência, e os camponeses estavam sob o domínio dos senhores feudais”.

A nobreza e o clero dominavam a posse de terras e tinham privilégios nos impostos, e o poder de mando estava nas mãos de um governo monárquico e absolutista, que não convocava os representantes das outras classes para as decisões políticas. Enquanto isso o povo não tinha condições dignas de sobrevivência, e os camponeses estavam sob o domínio dos senhores feudais.

Estas condições, associadas aos problemas financeiros pelos quais a França passava e às péssimas colheitas, causaram uma crise econômica e social neste país. O povo, revoltado por sustentar a monarquia, o clero e a nobreza, começou a ser influenciado pelos ideais iluministas, e os conflitos de ordem política começaram a ser articulados.

O lema dos revolucionários é o famoso “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, e após uma série de acontecimentos políticos eles conseguiram derrubar o regime feudalista, fizeram a assembleia aprovar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e promulgou-se uma constituição para o país.

O mais importante a ser observado na Revolução Francesa é sua relação com o pensamento iluminista e o poder do povo para mudar a ordem social vigente.

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A revolução francesa foi um fenômeno da maior importância. A queda da monarquia e a progressiva instauração do sufrágio eleitoral democrático, os direitos do homem e as noções de liberdade, fraternidade e igualdade foram um tremendo terremoto nas tradições políticas da Europa. A revolução francesa trazia novos ideais políticos e inaugurava novas formas de organização do poder (SELL, 2002, p. 27).

O Iluminismo foi um movimento, essencialmente filosófico, deflagrado em consequência do Renascimento, e que teve relações muito fortes com a Revolução Francesa. A revolução modificou a estrutura feudal da sociedade, que teve embasamento na ideia defendida pelos iluministas de que a ordem social não era algo determinado pelo divino, mas que a sociedade era construída pelos homens e, portanto, podia sofrer modificações.

Os ideais iluministas foram disseminados por volta do final do século XVII e início do século XVIII, modificando as formas pelas quais os homens viam o mundo, a sociedade e as instituições sociais. Eles defendiam a liberdade de pensamento, a justiça, a igualdade, a busca da felicidade, entre muitos outros princípios para a vida dos indivíduos.

Os iluministas conceberam a sociedade como um organismo próprio, no qual a nação seria a forma de organização política por meio da qual a sociedade regulava suas relações. Ela representava a coletividade, independente de quem estivesse no poder. Essa ideia de representatividade política mostra como já era possível identificar fenômenos sociais e suas características naquela época.

Outro avanço do pensamento iluminista foi no sentido de defender que o conhecimento não deve ser apenas uma contemplação, uma exaltação da vida. Ele deve desenvolver utilidade prática. Os avanços industriais estavam começando a se consolidar, os lucros se ampliavam, a sociedade deveria ser preparada para receber novas formas de trabalho e os pensadores deveriam se envolver na busca por conhecimentos práticos (DIAS, 2005).

A sociedade apresentava necessidades urgentes ao desenvolvimento científico: melhorar as condições de vida; ampliar a expectativa de sobrevivência humana a fim de engrossar as fileiras de consumidores e, principalmente, de mão de obra disponível; mudar os hábitos sociais e formar uma mentalidade receptiva às inovações técnicas. A prática da elaboração dos projetos científicos para o desenvolvimento da indústria passa a ser aplicada à sociedade, pois, sem um planejamento

IMPORTANTE

O Iluminismo foi um movimento intelectual que buscava entender e organizar o mundo a partir da racionalidade humana.

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racional dos meios de transporte terrestres e marítimos, da distribuição e armazenamento dos produtos, da melhora da infraestrutura, todo o esforço produtivo estaria perdido (DIAS, 2005, p. 31).

A burguesia torna-se o grupo social que possui controle sobre o mercado, e a organização política precisa estimular o desenvolvimento econômico. Nesta lógica surge o conceito de nação, no qual se entende que a organização política deve considerar o indivíduo como base do progresso econômico, pois ele deveria ter liberdade de ação para promover o progresso.

O Iluminismo foi, portanto, um movimento pela modificação dos valores compartilhados em sociedade, um conjunto de ideias que defendia a modernização, o investimento em pesquisas que facilitariam o avanço da técnica e melhorariam as condições de vida das pessoas. A burguesia queria estabelecer uma nova ordem econômica, política e social, liberta das monarquias absolutas, para que pudesse realizar seus negócios sem impedimentos políticos. Ela já não precisava mais do rei para conseguir seus privilégios e favorecimentos comerciais e defendia um governo popular.

Os decretos reais não seriam mais necessários para regular a economia, pois se defendia que o mercado possuía leis naturais que regulavam a oferta e a procura, determinando todos os outros aspectos econômicos, como os preços, contratos ou produtos, pela concorrência livre. Estas leis seriam racionais e funcionariam apenas se não houvesse a intervenção do Estado absolutista.

A racionalidade tinha grande validade para o pensamento iluminista, e era com ela que se argumentava a favor da liberdade de consumo e da livre regulação do mercado. A racionalidade seria uma das bases da origem natural das leis de organização social e das atividades humanas. O homem tinha a capacidade de pensar e de escolher, sem a necessidade de ser guiado por leis muito rígidas. Na economia, ele deveria ter liberdade para realizar contratos, na política, ele deveria ter liberdade de escolher seus governantes, e no aspecto social a liberdade significava a possibilidade de realizar acordos mútuos entre os indivíduos (DIAS, 2005).

John Locke foi outro iluminista importante, que defendia a livre associação entre indivíduos, baseada na racionalidade. Para ele isso garantiria as formas de poder, a liberdade individual e o respeito à propriedade.

NOTA

A ideia de acordos e contratos entre os indivíduos foi desenvolvida principalmente pelo pensador Jean Jacques Rousseau, em seu livro “Do contrato social”, e é utilizado até hoje para a compreensão das formas contratuais estabelecidas pelos indivíduos entre si.

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Os iluministas já tinham ideia de que a organização social era regida por leis e que elas tinham relação com as dimensões materiais da vida. Eles já diferenciavam indivíduo e sociedade, mas consideravam a coletividade uma união das individualidades, que determinavam as manifestações sociais.

Adam Smith também foi importante no desenvolvimento do pensamento iluminista. Ele é considerado o fundador da economia, mas com relação à vida social sua contribuição foi identificar que o comportamento social segue regras diferentes das que regulam as condutas individuais. Nessa perspectiva, o indivíduo é separado da coletividade.

A monarquia absoluta, na qual somente o rei governava e tinha o poder de mando, deveria ser substituída por um Estado, que não seria o poder central, mas a instituição que regularia a distribuição do poder entre a coletividade. É com os pensadores iluministas que surge a divisão dos três poderes: executivo, para executar as leis; legislativo, para criá-las; e judiciário, para fiscalizar seu cumprimento. Assim o poder governamental seria dividido e organizado.

Acompanhava toda esta racionalidade e organização política um movimento cientificista, que acreditava no progresso a partir da ciência. A sociedade, como o conjunto de relações que poderia ser explicado e modificado, passa a ser timidamente olhada pela ciência. O método científico busca conhecer as leis do conhecimento e a natureza, para poder intervir.

FIGURA 3 – PENSADORES ILUMINISTAS

FONTE: Disponível em: <http://aprovadonovestibular.com/iluminismo-pensadores-caracteristicas-e-exercicios.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

A ciência teve grande participação nos ideais iluministas, pois as teorias sociais ali desenvolvidas foram as primeiras tentativas de pensar sobre a sociedade. Além do pensar, foram criados projetos concretos para a dimensão política do tipo social que se formava, capitalista e burguês.

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Alguns iluministas defendiam uma sociedade laica, sem religião, e no caso francês isso se manifestou em um anticlericalismo. Especialmente a igreja católica foi criticada, em virtude da Inquisição e de seu domínio sobre as dimensões política e econômica da época. O clero passou gradativamente a ser desacreditado à medida que se envolvia nas decisões de cunho político e econômico.

A Igreja passou a ser objeto de estudo social, não mais ela explicava o mundo, mas era explicada pelos homens. A sociedade deixou de ser vista como obra divina e passou a ser vista como construção humana, o que facilitou o desenvolvimento das ciências sociais. Em contrapartida da perda da Igreja como guia social e explicação legítima, a ciência passou a ter esta função. Ela passou a explicar as finalidades do mundo e a guiar os caminhos dos indivíduos.

Com a mesma proposta de isenção de valores com que se descobriria a lei da gravitação dos corpos celestes no universo, julgava-se possível descobrir as leis que regulavam as relações entre os homens na sociedade, leis naturais que existiriam independentemente do credo, da opinião e do julgamento humano. O poder do método científico assim se assemelhava ao poder das antigas práticas mágicas: bem usado, revelaria ao homem a essência da vida e suas formas de controle (DIAS, 2005, p. 42).

4 MARCO CULTURAL: O RENASCIMENTOO Renascimento foi um movimento ocorrido a partir de meados do século

XV na Europa e teve componentes culturais, filosóficos, artísticos e científicos. Ou seja, foi uma mudança no modo de pensar os valores e as noções básicas da vida social da época, como a ciência, a cultura ou a arte. Ele consistiu em uma ruptura tão importante que é considerado o marco que divide a Idade Média da Idade Moderna, na periodização histórica mundial.

Para os renascentistas, a razão humana deveria estar acima de todas as formas de conhecimento, pois era ela quem aproximava os seres humanos de Deus. A razão deveria ser utilizada para questionar o mundo que os cercava, pois ela era um dom enviado pela divindade. Além disso, tudo o que era humano estava recebendo grande importância, devido ao privilégio dado às ações humanas, o que era conhecido por humanismo.

ESTUDOS FUTUROS

Os novos valores sociais instituídos pelo movimento iluminista influenciaram na constituição do positivismo, primeira escola científica do pensamento sociológico, que estudaremos ainda neste tópico.

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O Renascimento comporta, portanto, o surgimento de novas posturas diante do conhecimento e da natureza. O conhecimento não é mais obtido por uma revelação divina, mas pela atividade metódica do pensamento humano. Isto causou certa descrença na Igreja como instituição (tão importante na Idade Média), e uma valorização da ciência, juntamente com um pensamento questionador e especulativo (COSTA, 1997). A arte também passa por mudanças, ela se volta às formas do mundo terreno, da realidade, buscando a precisão e o uso de formas geométricas.

FIGURA 4 – CIENTISTAS RENASCENTISTAS

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiag/renascimento-cientifico.htm>. Acesso em: 18 mar. 2012.

A grande mudança no pensamento renascentista é a de que o homem passa a ser o centro de tudo. Ele se desvincula da imagem divina e torna-se um agente da história, não se vê mais como pecador, mas como o protagonista dos acontecimentos. Esta forma de pensar remete ao individualismo.

Este individualismo permite ao homem pensar sobre si mesmo, livre da Igreja e da dívida com a divindade. Ele passa a criticar a realidade da qual faz parte, não a compreendendo como um castigo, mas observando-a em si.

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5 AUGUSTE COMTE E A FÍSICA SOCIALA ciência da sociedade teve como primeiro pensador o francês Auguste

Comte, que teve incontáveis contribuições para esta ciência. Ele é considerado o fundador da sociologia e criador de seu método científico.

FIGURA 5 – AUGUSTE COMTE

FONTE: Disponível em: <http://www2.hawaii.edu/~fm/comte.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

FONTE: Costa (1997, p. 45)

Comte era seguidor do positivismo, corrente teórica que influenciou muito para que ele criasse uma ciência que estudasse os fenômenos sociais. Vamos primeiro conhecer o positivismo, para depois compreender a interferência de seus princípios no pensamento de Comte e também no surgimento da sociologia.

Auguste Comte nasceu em 1798, em Montpellier, França, de uma família católica e monarquista. Viveu a infância na França napoleônica. Estudou no colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. Devotou seus estudos à filosofia positivista, considerada por ele uma religião, da qual era o pregador. Segundo sua filosofia política, existiam na história três estados: um teológico, outro metafísico e finalmente o positivo. Este último representava o coroamento do progresso da humanidade. Em relação às ciências, distinguia as abstratas das concretas, e a ciência mais complexa e profunda seria a sociologia, ciência que batizou em sua obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, publicada entre 1830 e 1842.

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Costa (1997, p. 46) assinala que:

A primeira corrente teórica sistematizada de pensamento sociológico foi o positivismo, a primeira a definir precisamente o objeto, a estabelecer conceitos e uma metodologia de investigação. Além disso, o positivismo, ao definir a especificidade do estudo científico da sociedade, conseguiu distinguir-se de outras ciências estabelecendo um espaço próprio à ciência da sociedade.

Por este parágrafo você já pode notar a importância que o positivismo teve para a sociologia, o quanto este movimento influenciou o pensamento social da época de Comte. Por sua vez, o positivismo também recebeu uma série de influências em sua constituição, das quais as mais importantes foram o darwinismo social, o organicismo e o cientificismo.

FONTE: UM BREVE HISTÓRICO do surgimento da sociologia. Disponível em: <http://www.visaopor tal.com.br/post/gilberto/564>. Acesso em: 8 mar. 2012.

Diretamente vinculadas ao pensamento social positivista, podemos destacar as seguintes concepções teóricas:

1) Darwinismo social: princípio a partir do qual as sociedades se desenvolveram de forma semelhante, segundo um mesmo modelo e que tais transformações representariam sempre a passagem de um estágio inferior para outro superior, em que o organismo social se mostraria mais evoluído, mais adaptado e mais complexo. Esse tipo de mudança garantiria a sobrevivência dos organismos – sociedades e indivíduos – mais fortes e mais evoluídos. Assim, afirmava-se que as sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam evoluir em direção a níveis de maior complexidade e progresso na escala da evolução social (evolucionismo), até atingir o estágio mais avançado ocupado pela sociedade industrial europeia.

2) Organicismo: parte do princípio de que existem caracteres universais presentes nos mais diversos organismos vivos, dispostos sob a forma de órgãos e sistemas – partes independentes cuja função primordial é a preservação do todo social. A sociedade é, portanto, concebida como um organismo constituído de partes integradas e coesas que funcionam harmonicamente, segundo um modelo físico ou mecânico. Procuravam identificar leis biológicas com leis sociais, hereditariedade e história. Desse modo, ignoram a especificidade histórica e cultural do homem.

3) Cientificismo: crença no poder dominante e absoluto da ciência em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis, que seriam a base de regulamentação da vida do homem, da natureza e do próprio universo. Com esse conhecimento, pretendia-se substituir as explicações teológicas, filosóficas e de senso comum por um método ou modelo eminentemente científico. Por essa razão, os primeiros pensadores sociais (Comte, Durkheim) buscaram no método das ciências naturais a base para a compreensão dos fatos sociais.

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Para o positivismo, a aproximação entre os princípios que regulavam o mundo físico e o mundo social ocorria porque a origem de ambos era natural (COSTA, 1997). Os positivistas acreditavam que os fenômenos sociais possuíam uma origem natural, assim como os fenômenos da natureza.

A sociedade, portanto, seria um organismo, com partes interligadas e funcionando em harmonia. Dessa forma, os métodos de análise das ciências sociais deveriam ser os mesmos utilizados nas ciências naturais, uma vez que todos os fenômenos – inclusive os sociais – teriam origens naturais.

Os seguidores positivistas defendiam a adoção de métodos de investigação provenientes das ciências naturais, sobretudo da Física, Química e Biologia, nas ciências sociais. Esse interesse nos métodos das ciências naturais ou físicas ocorreu pela evolução apresentada no controle das forças da natureza na época. O avanço nos conhecimentos científicos desta área chamou a atenção dos investigadores das ciências sociais, que buscaram trazer os mesmos métodos para suas pesquisas.

Para o positivismo, as ciências sociais deveriam ser tão objetivas quanto as ciências naturais, não levando para suas pesquisas ou resultados juízos de valor ou ideologias que contaminassem as interpretações. Assim, a objetividade e a neutralidade seriam muito importantes no processo de pesquisa social, para que o rigor científico fosse mantido.

Este modo de pensar tem influências das turbulências sociais vividas na Europa e que você viu ao longo desta unidade: a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, o Iluminismo e o Renascimento. Todos estes movimentos modificaram as relações sociais da época, que passaram a ser entendidas pelos positivistas como problemas no organismo coeso da sociedade. Eles acreditavam que os conflitos sociais seriam resolvidos com base na harmonia natural que deveria existir entre os indivíduos.

DICAS

O positivismo foi, também, além de um método, uma doutrina que pregava que deveria haver uma ordem social, que os fatos deveriam seguir uma natureza específica, científica.

Você sabia que a máxima “Ordem e Progresso” escrita na bandeira brasileira é positivista?Existe também uma igreja que defende princípios positivistas, conheça mais sobre ela no link <http://www.igrejapositivistabrasil.org.br/igreja.html>. Alguns de seus seguidores foram figuras importantes na história do Brasil!

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• A sociologia aparece vinculada ao surgimento do capitalismo moderno, para o qual contribuiu a Revolução Industrial.

• A Revolução Industrial colaborou para o surgimento de duas classes sociais: o proletariado e a burguesia. Ela começou na Inglaterra, por volta do século XVIII, e seus reflexos adentraram o século XIX.

• A principal característica da Revolução Industrial é a passagem da manufatura, sistema cuja produção era relativamente baixa e o controle dos meios de produção era dos indivíduos, para a indústria, com sua produção em larga escala e concentração da propriedade dos meios de produção em algumas pessoas.

• No período da Revolução Industrial, as novas formas de organização social aconteceram em um curto período de tempo e, além de modificar o modo de vida de forma abrupta, ainda atingiram um número muito elevado de indivíduos, como a mudança do campo para a área urbana.

• A Revolução Francesa marca o início da Idade Contemporânea e ocorreu no século XVIII, causando a ruptura do sistema feudalista e abrindo caminhos para a constituição da sociedade moderna.

• Na Revolução Francesa, o povo, revoltado por sustentar a monarquia, o clero e a nobreza, começou a ser influenciado pelos ideais iluministas, e os conflitos de ordem política começaram a ser articulados. Eles culminaram na queda do feudalismo.

• A Revolução Francesa modificou a estrutura feudal da sociedade, e essa modificação teve embasamento na ideia defendida pelos iluministas de que a ordem social não era algo determinado pelo divino, mas que a sociedade era construída pelos homens e, portanto, podia sofrer modificações.

• O Iluminismo foi um movimento intelectual que buscava entender e organizar o mundo a partir da racionalidade humana. Ele defendia a modificação dos valores compartilhados em sociedade, no sentido da modernização, do investimento em pesquisas que facilitariam o avanço da técnica e melhorariam as condições de vida das pessoas.

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• Para os renascentistas, a razão humana deveria estar acima de todas as formas de conhecimento, pois era ela quem aproximava os seres humanos de Deus. A razão deveria ser utilizada para questionar o mundo que os cercava, pois ela era um dom enviado pela divindade.

• A grande mudança no pensamento renascentista é a de que o homem passa a ser o centro de tudo. Esta forma de pensar remete ao individualismo.

• A ciência da sociedade teve como primeiro pensador o francês Auguste Comte, que teve incontáveis contribuições para esta ciência. Ele é considerado o fundador da sociologia e criador de seu método científico.

• O positivismo recebeu uma série de influências em sua constituição, das quais as mais importantes foram o darwinismo social, o organicismo e o cientificismo.

• Para o positivismo, os métodos de análise das ciências sociais deveriam ser os mesmos utilizados nas ciências naturais, uma vez que todos os fenômenos – inclusive os sociais – teriam origens naturais.

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AUTOATIVIDADE

Vamos fixar as ideias principais desenvolvidas neste tópico? Responda às questões a seguir.

1 Quais as principais modificações sociais ocorridas na Europa durante a Revolução Industrial?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Por que a Revolução Francesa é tão importante para a história? _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Descreva em um parágrafo os principais pontos do pensamento iluminista. _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 Para o positivismo, como as ciências sociais deveriam analisar a sociedade? _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 3

CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA

SOCIOLÓGICA DE ÉMILE DURKHEIM

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃOA sociologia deve muito ao clássico Émile Durkheim, pois ele é

considerado um dos primeiros grandes teóricos desta ciência. Durkheim teve papel fundamental na definição do papel científico deste tipo de análise da sociedade, diferenciando-a das demais teorias sociais. Conforme Costa (1997, p. 59), “[...] sua preocupação foi definir com precisão o objeto, o método e as aplicações dessa nova ciência”. O rigor científico que permite à sociologia fazer parte das disciplinas científicas partiu da atuação deste teórico nas pesquisas sociais.

Enquanto Auguste Comte é considerado o fundador da sociologia, Durkheim é considerado o profissional que a emancipou, definindo seu objeto, método e aplicações.

Ainda que preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução das sociedades humanas, Durkheim ateve-se também às particularidades da sociedade em que vivia, aos mecanismos de coesão dos pequenos grupos e à formação de sentimentos comuns resultantes da convivência social. Distinguiu diferentes instâncias da vida social e seu papel na organização social, como a educação, a família e a religião (COSTA, 1997, p. 65).

Vamos conhecer a biografia de Émile Durkheim?

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FIGURA 6 – ÉMILE DURKHEIM

FONTE: Disponível em: <http://idontwannadothiswork.blogspot.com.br/2010/05/monsieur-durkheim.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

FONTE: Sell (2002, p. 60-61)

Émile Durkheim, sociólogo francês, filho de rabinos, nasceu em 15 de abril de 1858 na cidade de Épinal, Alsácia. Iniciou seus estudos primários no colégio daquela cidade e lhes deu continuidade em Paris, no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Supérieure (1879). Teve como professores Foustel de Coulanges e Boutrox. Em 1882, Durkheim forma-se em filosofia e é nomeado professor em Sens, Saint Quentin e Troyes, iniciando neste período seu interesse pelas questões sociais. Entre 1885 e 1886, Durkheim faz uma importante viagem de estudos para a Alemanha, para estudar ciências sociais. Na Alemanha (Leipzig e Berlim) entra em contato com Wilhelm Wundt (1832-1920), fundador da psicologia. Desta viagem, Durkheim retorna com a intenção de desenvolver a sociologia na França, visando torná-la uma ciência autônoma. Em 1887 é nomeado professor de pedagogia e de ciência social na faculdade de Bordeaux, no sul da França. Trata-se do primeiro curso de sociologia criado em uma universidade. É neste período que Durkheim escreve suas principais obras e forma a base de seu pensamento social. Em 1893, ele defende sua tese de doutorado (A Divisão Social do Trabalho) e funda a revista “L’Anné Sociologique”, na qual foi publicada a maior parte dos trabalhos iniciais da escola sociológica francesa. Adquirindo grande notoriedade, no ano de 1902, Durkheim é convidado para tornar-se professor suplente de pedagogia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Em 1906 torna-se titular da cadeira e passa a lecionar paralelamente sociologia, que é transformada em cátedra no ano de 1913. No ano de 1914, começa na Europa a Primeira Guerra Mundial. Abalado com a morte de seu filho na guerra, Durkheim morre em Paris, no dia 15 de novembro de 1917. Algumas obras: “A Divisão Social do Trabalho”; “As Regras do Método Sociológico”; “O Suicídio”; “Educação e Sociologia”.

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Durkheim realizou diversas pesquisas sociológicas, investigando os mais variados objetos, e os seus conceitos são utilizados e revisitados até os dias de hoje pelos profissionais desta área. Portanto, neste tópico vamos conhecer este teórico e estudar seus principais conceitos: fato social, anomia, solidariedade mecânica e orgânica, moralidade e religião.

2 POSITIVISMO DURKHEIMIANOOs estudos de Durkheim partiram da lógica positivista, seguindo as ideias

de Auguste Comte e defendendo a superioridade da ciência e do pensamento racional. Para ele, a sociologia deveria investigar as leis gerais de funcionamento da sociedade, ou seja, encontrar regularidades que orientassem as atitudes dos indivíduos.

Ele defendia uma aplicação do método científico e de todo o seu rigor nas análises sociais. Para isso, o sociólogo deveria ter uma postura bem definida na aplicação de seu olhar aos fenômenos sociais: os fatos observados deveriam ser verificados, mensurados e relacionados por meio de dados que seriam recolhidos pelo pesquisador (COSTA, 1997).

Os métodos qualitativo e quantitativo foram muito usados por ele para suas interpretações, que apresentavam muitos dados estatísticos. Além disso, ele dizia que o sociólogo deveria estar em um estado de espírito semelhante ao dos físicos e químicos durante suas investigações (MARTINS, 1994).

Este autor criou um conjunto de conceitos e de técnicas de pesquisa baseado nos métodos das ciências naturais, mas que permitia observar o objeto com maior distanciamento e possuir meios específicos de interpretação de suas características. Com estes aparatos, Durkheim procurava encontrar aspectos regulares nos comportamentos sociais, dos quais ele poderia extrair uma lei geral de funcionamento.

IMPORTANTE

Em síntese, o positivismo durkheimiano acreditava que as relações sociais poderiam ser investigadas e analisadas por meio dos mesmos métodos que estudavam os fenômenos da natureza!

Toda essa preocupação com o rigor científico da sociologia nos permite falar hoje em um positivismo durkheimiano, que consiste na utilização dos métodos científicos e na busca por uma ordem social a partir de uma objetividade no trato do que está sendo pesquisado. Seguir esta linha de trabalho fez com

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que Durkheim conseguisse colocar a sociologia dentro da universidade, obtendo assim reconhecimento acadêmico para esta nova ciência.

Para este pensador, o papel da sociologia seria de manter a ordem social, ou seja, a ordem capitalista, funcionando como uma forma de controle técnico da sociedade e de manutenção dos poderes vigentes. Assim, a normalidade social estava associada ao bom funcionamento da sociedade. Simplificando, uma sociedade normal seria uma sociedade orgânica, em que cada parte funcionaria para que o todo estivesse em harmonia.

Para que isto acontecesse, Durkheim insistia que:

[...] seria necessário criar novos hábitos e comportamentos no homem moderno, visando ao “bom funcionamento” da sociedade. Era de fundamental importância, nesse sentido, incentivar a moderação dos interesses econômicos, enfatizar a noção de disciplina e de dever, assim como difundir o culto à sociedade, às suas leis e à hierarquia existente (MARTINS, 1994, p. 50).

Era deste modo que o autor Émile Durkheim pensava funcionar a sociedade e os métodos pelos quais a sociologia deveria conhecê-la.

Para isso, acadêmico(a), ele criou alguns conceitos importantes, os quais vamos conhecer, começando pela noção de fato social, que marcou profundamente seus estudos e tem relações com sua perspectiva positivista.

3 FATO SOCIALOs fatos sociais são, para Durkheim, o objeto de estudo da sociologia.

Ele os estudou e buscou explicar sua teoria no livro “As Regras do Método Sociológico”, que publicou no ano de 1895.

Para este autor, a sociedade exterior ao indivíduo condiciona seus comportamentos, ou seja, ele é considerado um adepto do objetivismo, que defende que os comportamentos sociais são determinados de fora para dentro nos indivíduos. Assim, o modo de agir de um determinado grupo social é imposto aos seus participantes desde o seu nascimento. O fato social está separado do indivíduo, ao mesmo tempo em que o envolve.

ESTUDOS FUTUROS

Para você conhecer um texto de Durkheim, veja um trecho deste livro nas “Leituras Complementares” desta unidade!

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A afirmação da exterioridade dos fatos sociais acompanhou o esforço deste sociólogo em distinguir o lugar, a perspectiva, a dimensão própria da sociologia. O fato social devia estar desembaraçado de razões e impulsos pessoais, das consciências individuais e de todo o conjunto de ideias longamente formuladas pela filosofia a respeito da vida em sociedade. (TURA, 2006, p. 36).

Para Durkheim, portanto, a sociedade é que explica o indivíduo, pois os fatos sociais são um produto da sociedade e determinam o modo de agir coletivo.

IMPORTANTE

Em síntese, os fatos sociais são modos de pensar, sentir e agir de uma coletividade, de um grupo social. Eles são o objeto de estudo da sociologia.

Este condicionamento social se dá pelas características do fato social, que são exteriores ao indivíduo, coercitivos e objetivos. Vamos entender cada um destes itens?

• Exterioridade – o fato social existe independente da vontade dos indivíduos, ele é externo. O indivíduo não se torna adepto deles de forma consciente, eles existem além das consciências individuais. Certas regras sociais, tipos de condutas, costumes já existem antes do nascimento e se impõem a ele.

• Coercitividade – para que os fatos sociais sejam impostos aos indivíduos, eles precisam ser coercitivos, ou seja, obrigar-nos a seguir a conduta estabelecida. Esta característica nos mostra como o movimento realizado é de inculcação, pois os fatos sociais são impostos pela sociedade ao indivíduo.

• Generalidade – os fatos sociais são comuns aos membros de um grupo, repetindo-se em todos os indivíduos ou em sua maioria. Assim, eles possuem uma natureza coletiva, como as formas de moradia ou a dimensão moral de um grupo social.

É devido a estas características que Durkheim defendia que os fatos sociais podiam ser estudados como “coisas”, utilizando-se os métodos das ciências naturais (pensamento positivista). Enquanto a Física ou a Biologia possuíam seus objetos de análise, a sociologia também teria os seus, ou seja, os fatos sociais.

Para ele, os fatos sociais cumprem uma função dentro da sociedade, esta padronização de comportamentos não existe sem razão. O sociólogo deve, nesta linha de pensamento, procurar investigar qual a função de um determinado fato social dentro da sociedade. É como se a sociedade fosse um organismo e possuísse

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órgãos que, por sua vez, teriam uma função específica no funcionamento social. Esta perspectiva de análise ficou conhecida como “Método Funcionalista”.

O funcionalismo parte do princípio de que:

[...] existem caracteres universais presentes nos mais diversos organismos vivos, dispostos sob a forma de órgãos e sistemas – partes interdependentes cuja função primordial é a preservação do todo social. Procuravam assim criar uma identidade entre leis biológicas e leis sociais, hereditariedade e história. Essas teorias entendem as análises sociais da espécie humana como integradas aos estudos universais das espécies vivas. Ignoram a especificidade do homem, enquanto espécie predominantemente histórica e cultural. Por fim estabelecem leis de evolução em que as diversas sociedades humanas são tratadas como espécies (COSTA, 1997, p. 51-52).

Para encontrar esta função, Durkheim acreditava que não deveríamos procurá-la no futuro, e sim no passado, começando a investigar o motivo que originou aquela prática social, sua causa, para então, a partir destes dados, descobrir sua função social (SELL, 2002).

Este tipo de análise privilegia a relação entre as partes e o todo, ou seja, entre os fatos sociais e a sociedade. A sociedade depende dos fatos sociais pelas funções que eles cumprem na manutenção da ordem e do seu bom funcionamento.

Embora a analogia do método durkheimiano com a biologia possa causar alguma estranheza, trata-se de uma contribuição refinada e complexa, que será fundamental para o desenvolvimento posterior da sociologia, abrindo, como dissemos, um dos primeiros “caminhos” de análise da realidade social (SELL, 2002, p. 69).

Considerando a sociedade como um organismo, Durkheim teorizava que ela teria estados normais e patológicos, e que a sociologia deveria encontrar soluções para os estados patológicos da sociedade.

A normalidade de um fato estaria associada à sua generalidade, ou seja, um fato social mais geral, comum, garante o estado normal porque expressa uma vontade social, uma conduta compartilhada, um consenso coletivo a respeito de um determinado tema. Costa (1997) cita o exemplo do crime, que é uma conduta encontrada em todas as sociedades e é normal porque integra as pessoas frente a uma conduta, que é a de punir os comportamentos nocivos.

Já os fatos patológicos eram considerados como as doenças da sociedade, algo transitório, mas que estava fora do que era permitido pela ordem social, pela moral coletiva, que não refletia os valores morais da maioria dos indivíduos. Assim, a sociologia deveria estudar também estes casos e procurar soluções para que eles não atrapalhassem a boa convivência social.

Para que o sociólogo consiga ter rigor científico na análise dos fatos sociais, Durkheim afirmava que eles deveriam ser estudados como coisas, ou seja,

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conforme descreve Costa (1997, p. 61), “[...] deveriam ser medidos, observados e comparados independentemente do que os indivíduos envolvidos pensassem ou declarassem a seu respeito”. Isto deveria acontecer para que a sociologia tivesse tanta eficiência em suas análises quanto as ciências naturais. As formulações dos indivíduos apenas contaminariam a análise, pois as leis sociais poderiam ser identificadas apenas pelos cientistas, que não deveriam considerar as opiniões e juízos de valor sobre o tema.

Além disso, o sociólogo deveria também atingir uma objetividade em suas análises, que seria possível mediante dois itens: o abandono de suas prenoções e a busca por uma neutralidade. As prenoções resumem-se às opiniões pessoais sobre o tema em estudo, que não deveriam ser trazidas para as investigações para não interferir na realidade dos fatos. A neutralidade seria atingida por meio de uma certa distância com o tema, por meio da qual o cientista não interferisse no fato observado. Estudando, por exemplo, um problema de família, o pesquisador não deveria interferir para solucionar o problema ou julgá-lo, apenas observá-lo mantendo distanciamento.

Com estes meios Durkheim queria eliminar da sociologia os “achismos”, fortalecendo suas características científicas. E para identificar os fatos sociais, portanto, o sociólogo deveria “[...] identificar, dentre os acontecimentos gerais e repetitivos, aqueles que apresentam características exteriores comuns” (COSTA, 1997, p. 61). Em um de seus livros mais famosos, chamado “O Suicídio”, Durkheim analisa este fato social.

DICAS

Quer conhecer mais sobre esta obra? Em “O Suicídio”, Durkheim pesquisa os índices de suicídio em diferentes segmentos da população europeia. Utiliza seus métodos de análise estatística para primeiro refutar as teorias que pretendem explicar as variações no número de suicídios com base em fatores psicológicos, biológicos, raciais, genéticos, climáticos ou geográficos, tarefa em que teve bastante êxito; e segundo, para apoiar com provas empíricas sua própria explicação teórica da sociologia. Você encontra este livro no Brasil publicado pela Editora Martins Fontes.

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4 ANOMIAA anomia é considerada um estado social, no qual o aumento do nível

de complexidade dos sistemas sociais desencadeia uma individualização dos membros sociais, que surte um efeito de ausência de regras.

Durkheim se preocupou em compreender os riscos que a integração social sofria pelo crescimento do individualismo na sociedade moderna, que enfraquecia a consciência coletiva e a moral compartilhada pelos grupos sociais. Este processo causava distorções na sociedade, que, para ele, eram os fatos sociais patológicos.

Durkheim discute os conceitos de consciência coletiva, anomia e os tipos de solidariedade (que serão apresentados na próxima seção) em sua obra “Da Divisão do Trabalho Social”, escrita em 1893.

Nela ele explica que a sociedade moderna deveria passar por um processo de evolução, no qual surgiria um nível cada vez maior de especialização entre as funções dos indivíduos nos grupos sociais. Em termos de produção, a sociedade precisaria se organizar, dividindo as tarefas e gerando a especialização, que implica isolamento dentro do grupo. Este isolamento enfraquece a solidariedade entre os indivíduos.

A divisão do trabalho deveria causar, para o autor, um aumento na cooperação entre os indivíduos e um crescimento no sentimento de solidariedade. Mas como as transformações na economia e nos processos de produção (especialmente nas sociedades europeias da época de Durkheim) ocorriam com muita rapidez, não existia ainda um conjunto de regras morais que regulassem os comportamentos naquelas novas relações sociais.

A falta das regras definidas e difundidas de forma clara levava à anomia, que era o que demonstrava as doenças da sociedade. Para comprovar isto, Durkheim estudou as ondas de suicídios da sociedade industrial que estava nascendo, mostrando que elas seriam a prova de que “[...] a sociedade encontrava-se incapaz de exercer controle sobre o comportamento de seus membros” (MARTINS, 1994, p. 48).

IMPORTANTE

A consciência coletiva é mais um conceito cunhado por Émile Durkheim. Ela se constitui em um sistema determinado que tem vida própria, formado pelo conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade.

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Com a diminuição da força da consciência coletiva e o aumento do egoísmo causado pelo individualismo, o excesso de liberdade pode afetar o sujeito, gerando desagregação social. As lutas de classe, por exemplo, seriam geradas não pela questão econômica, mas pelo problema moral do excesso de egoísmo.

A anomia seria o declínio da consciência coletiva, que gerava a falta de “[...] orientações morais que guiassem a conduta dos indivíduos e os integrasse na sociedade” (SELL, 2002, p. 87). As ambições do homem deveriam encontrar um limite, para que ele desse um sentido para sua vida, compreendendo o senso de dever e disciplina. Como quem fazia isso era o código moral, que estava decaindo, a integração social sofria o risco causado pelos conflitos generalizados.

Quando a coesão existente entre os indivíduos se tornava muito fraca, a sociedade entrava no caos, pois uma ruptura estava por vir em virtude da situação de anomia, da falta de normas.

É importante ressaltar que, para Durkheim, havia uma diferenciação entre o individualismo e o egoísmo. Para ele, não havia problemas no aumento de liberdade do homem causado pelo individualismo (fruto de movimentos como Renascimento e Revolução Francesa). O que causava os problemas anômicos era o excesso de egoísmo. Assim, apesar de defender que a sociedade condiciona o indivíduo, ele afirmava que a solução dos problemas do mundo moderno estava no indivíduo.

Uma das causas da ausência de normas era o enfraquecimento da religião, ocorrido também por influência dos movimentos citados anteriormente. Os

DICAS

O artigo “O Suicídio – reavaliando um clássico da literatura sociológica do século XIX”, de Everardo Duarte Nunes, comenta o livro de uma perspectiva atual. Você pode acessá-lo em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v14n1/0199.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2012.

IMPORTANTE

A anomia, portanto, era o egoísmo generalizado por falta de uma orientação moral (SELL, 2002, p. 87).

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valores e normas a serem seguidos pelos indivíduos eram passados pela religião, que estava perdendo adeptos devido à percepção de que a razão humana seria o centro do conhecimento. Mas como a razão ainda não estava conseguindo estabelecer as regras que faltavam, a sociedade estava se tornando anômica (SELL, 2002).

Comte defendia que a sociologia deveria intervir nesse caso, ditando as normas e valores a serem seguidos, mas Durkheim não achava ser este o papel da ciência, acreditava que a própria sociedade deveria encontrar seus caminhos morais e restabelecer a ordem social.

Para que o egoísmo excessivo fosse “tratado”, eram as instituições sociais que agiriam, como a família ou o Estado, que também apresentavam problemas naquela época. Então, ele defendeu o uso das corporações – organizações profissionais – para disseminar uma nova moral que eliminasse a anomia, ou ausência de regras, do meio social.

Agindo diretamente no mundo do trabalho, as corporações difundiriam a nova moral do “culto do indivíduo” e eliminariam os conflitos de classe, sinais de que a sociedade estava anômica (ou carente de normas). Com isso, a divisão social do trabalho estaria consolidada e as disfunções e patologias da sociedade (as lutas de classe) dariam lugar a uma sociedade integrada e harmônica. A sociedade alcançaria, então, o grande objetivo visado pelos positivistas e funcionalistas: a ordem e o progresso! (SELL, 2002, p. 89).

A anomia e os escritos, nos quais o autor utilizou a noção, traduzem também o desejo de Durkheim por uma moral em que o indivíduo se satisfizesse com sua posição na divisão do trabalho social, em que “[...] a sociedade seria como uma organização ou um organismo saudável, sem patologias”. (BOUDON; BOURRICAUD, 2004, p. 27).

5 TIPOS DE SOLIDARIEDADEPara realizar suas análises sociológicas, Émile Durkheim criou aparatos

metodológicos, e um exemplo deles é o conceito de solidariedade social. Esta solidariedade surge, para ele, a partir da divisão do trabalho ocorrida na sociedade, da organização necessária à produção de bens de consumo.

DICAS

A divisão social do trabalho foi estudada por Durkheim e publicada em “Da Divisão do Trabalho Social”. No Brasil temos uma edição publicada no ano de 2008 pela Editora Martins Fontes.

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5.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA

Para ele, a sociedade passa por um processo de evolução, que a cada nível diferencia mais a sociedade. A sociedade da solidariedade mecânica evoluiria para a sociedade da solidariedade orgânica, geradas por dois mecanismos: a divisão social do trabalho e a consciência coletiva, que já estudamos antes na seção sobre a anomia social.

FONTE: Disponível em: <http://www.visaoportal.com.br/post/gilberto/564>. Acesso em: 8 mar. 2012.

Estes dois tipos de solidariedade possuem características específicas e funcionam de maneira diferenciada. A solidariedade mecânica está pautada na consciência coletiva, e a solidariedade orgânica origina-se na divisão social do trabalho. São elas que conheceremos a seguir.

Segundo Durkheim, a divisão do trabalho gera duas formas de solidariedade:

- pela igualdade: os indivíduos que executam as mesmas tarefas reconhecem que têm pelo menos parte da personalidade em comum, e se unem em torno dela;

- pela diferenciação das atividades entre os membros do grupo: para que elas promovam o bem-estar coletivo, é preciso que sejam feitas de forma complementar por cada homem, isto é, elas precisam estar interligadas.

A diferença básica entre o primeiro e o segundo tipo de solidariedade, que foram respectivamente chamadas por Durkheim de “mecânica” e “orgânica”, consiste que na primeira a solidariedade é causada pela identificação entre elementos iguais, enquanto que na segunda ela é proporcionada pela coordenação de elementos diferentes.

Para compreender o conceito de solidariedade mecânica, teremos que retomar a noção de consciência coletiva que já estudamos: trata-se de um conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade, que forma um sistema determinado que tem vida própria. Encontramos esta definição na própria obra que fala sobre a divisão social do trabalho.

Nas sociedades em que predomina a solidariedade mecânica existe pouca individualidade, pois os indivíduos são semelhantes à sociedade, porque esta se impõe ao sujeito de forma muito determinante. Eles compartilham uma cultura comum que os faz viver em coletividade (SELL, 2002).

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Em geral os membros destas sociedades são unidos por laços de parentesco, pois são sociedades consideradas simples, como as indígenas, por exemplo, nas quais o indivíduo precisa estar inserido na cultura local para sobreviver. Este tipo de solidariedade se manifestou, sobretudo, nas sociedades anteriores ao regime econômico do capitalismo, como as sociedades primitivas e feudais.

Para entender estas relações sociologicamente, Durkheim escolheu estudar a aplicação das leis sociais, o direito, por considerar que ele é a materialização da moral coletiva de uma sociedade. Ou seja, é pelo direito que são colocadas em prática as normas de convivência social, fruto das normas morais que, por sua vez, originam-se na consciência coletiva.

O direito, nestas sociedades elementares, é o chamado direito repressivo ou penal. Os atos que ferem a consciência coletiva são punidos porque ferem a consciência comum, a moral estabelecida. O direito repressivo pune, enquanto nas sociedades de solidariedade orgânica predomina o direito restitutivo, que procura apenas restabelecer a ordem das coisas.

O crime é, nesta perspectiva, o rompimento da solidariedade, a quebra do acordo das consciências, e por isso é punido. Isto mostra a força da consciência coletiva sobre as consciências individuais, e a punição surge porque violar o acordo é colocar em perigo a coesão social, que é a própria solidariedade.

Logo, não são admitidas transgressões nas condutas individuais: os transgressores são punidos para mostrar aos outros membros do grupo o quanto custa desviar-se das regras coletivas. É neste sentido que o direito repressivo é um indicador bastante seguro do predomínio da consciência coletiva sobre a conduta dos indivíduos, indicando que se trata de uma sociedade de solidariedade mecânica. (SELL, 2002, p. 73).

Durkheim observou também que as sociedades em que predomina a solidariedade mecânica em geral são sociedades segmentadas. Isto quer dizer que são sociedades em que os grupos sociais vivem isolados, com um sistema social próprio. Mesmo que o grupo cresça, ele se mantém com pouca complexidade em seu sistema, e se se formar um novo grupo, ele leva as características do anterior consigo. Assim são as sociedades indígenas, que criam novas aldeias, mas não mudam seu sistema social.

5.2 SOLIDARIEDADE ORGÂNICA

Para Durkheim, a solidariedade mecânica é substituída pela solidariedade orgânica em virtude da divisão do trabalho, que surge de um processo de evolução social. A divisão provoca especialização das funções, portanto surge uma nova forma de integração na sociedade.

Todos passam a depender uns dos outros, por isso se integram no coletivo, pois cada função passa a ser essencial para o bom funcionamento social. Um bom exemplo é o de um fabricante de doces, que precisa de ovos para sua produção, que, por sua vez, precisam ser transportados até ele, e assim sucessivamente.

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6 VIDA SOCIAL E MORALIDADEA moralidade para o teórico Émile Durkheim está relacionada com

o conceito de anomia, afinal, se a anomia é a ausência de regras, a moral é o conjunto destas regras, que precisa ser transmitido aos indivíduos.

A moral é, portanto, o conjunto das regras que guiam as ações, que moldam os comportamentos, e por meio da educação ela é inculcada nos indivíduos, que devem aprender a obedecer este conjunto de regras. A educação se resume, neste caso, à transmissão dessas regras, ao meio de fazer as pessoas obedecerem ao que a sociedade deseja que obedeçam.

Segundo Durkheim, há três elementos que constituem a moralidade:

Os três elementos da moralidade discriminados por Durkheim são o espírito de disciplina, a adesão ao grupo e a autonomia. O espírito de disciplina fortalece na criança a obediência à regra. As regras sociais têm para Durkheim duas características importantes: regularidade e autoridade. A regularidade com que uma regra aparece já é o indício de sua adequação, correção e justiça. O seu aparecimento frequente no contexto social lhe confere autoridade. Seguir uma regra social

Mas há essa especialização também fora do campo econômico, pois cada campo social conquista uma maior autonomia e um funcionamento próprio. Dentro deles, há também novas diferenciações de atividades. Podemos usar como exemplo o campo da educação, com suas diferenciações entre níveis (fundamental, superior, técnica etc.), financiamento (público, privado) etc.

Para Durkheim essa diferenciação ocorrida nas sociedades modernas – especialmente nas capitalistas - produz novas formas de integração entre os indivíduos da sociedade, que passam a ter maior dependência entre si. Assim, “[...] é a especialização das funções que é a origem da solidariedade social, neste tipo de sociedade mais complexificada”. (SELL, 2002, p. 75).

Ele afirma que além da importância econômica da divisão social do trabalho, existe também, e é esta que produz a solidariedade, uma função moral. Esta função seria a produção da integração entre os indivíduos. A consciência coletiva perde força e, para fazer parte do grupo social, o indivíduo não precisa mais agir da mesma forma que o coletivo, ele pode se diferenciar.

Essa diferenciação pode causar maior autonomia do sujeito, mas também pode criar um excesso de egoísmo que levaria à anomia, da mesma forma como estudamos antes, ausência de regras.

Além disso, na sociedade de predomínio da solidariedade orgânica, o direito é do tipo restitutivo, de cooperação. Ele previne ao invés de punir. Os costumes são as regras, mas diversos tipos de contrato são estabelecidos e realizados para que as transgressões não sejam muito grandes.

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legitimada pela sua frequência e autoridade converte-se em um “dever”. A regra social, enquanto fato social, enquanto “coisa”, já representa uma ordem que exige obediência. O espírito de disciplina, transmitido na educação moral, facilita essa obediência, promovendo a sujeição da criança à autoridade da regra. Professores e pais, que são a personificação da autoridade da regra, devem insistir na disciplina e cobrar a sua prática, inculcando assim o “espírito de disciplina” nas novas gerações. (FREITAG, 1989, p. 19).

A moralidade, para Durkheim, não está no indivíduo, mas na sociedade, que julga o que é certo e errado por meio da justiça, materializada no direito. Ocorre uma moralização da sociedade em detrimento dos julgamentos morais realizados pelo indivíduo.

Ele sabia que a sociedade não era totalmente coesa e harmônica, sabia dos conflitos que existiam e defendia que estes conflitos não eram causados pela maldade dos sujeitos, mas sim pelo enfraquecimento da estrutura social, que implicava a diminuição da força das regras, causando a anomia social.

Sem a imposição das regras os sujeitos passam a deixar-se guiar por suas paixões pessoais, por sua ganância individual, não se importando mais com o todo social. Essa falta de limites para frear seus desejos pessoais coloca a sociedade em risco, porque é a moralidade que integra o indivíduo ao meio social.

IMPORTANTE

A moralidade, para Durkheim, promove a integração do indivíduo na sociedade, pois ela surge a partir da solidariedade, da dependência entre todos.

Quando uma sociedade é perturbada por uma crise, ela se torna momentaneamente incapacitada de exercer sobre seus membros o papel de freio moral, de uma consciência superior à dos indivíduos. Estes deixam, então, de ser solidários, e a própria coesão social se vê ameaçada porque as tréguas impostas pela violência são provisórias e não pacificam os espíritos. As paixões não se detêm senão diante de um poder moral que respeitem. Se toda autoridade desse tipo faz falta, é a lei do mais forte que reina e, latente ou agudo, o estado de guerra é necessariamente crônico.

A situação de anomia ou desequilíbrio da coesão social pode se manifestar também no processo de divisão do trabalho. Sendo este um fato social, seu principal efeito não é aumentar o rendimento das funções

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FONTE: Disponível em: <http://www.visaoportal.com.br/post/gilberto/564>. Acesso em: 8 mar. 2012.

Os desejos que o indivíduo possui são amorais, porque se direcionam apenas a si mesmo, não considerando o meio social em que vive. O valor moral está presente apenas nos desejos defendidos pelo grupo social. Por isso as crianças precisam ser educadas nos objetivos do grupo, aprender a pensar coletivamente.

Como a sociedade é o órgão que julga, ela que possui a justiça e não erra, quem pode cometer erros é o indivíduo, e por isso ele precisa ser educado para que não cometa erros. Para isto temos os processos educacionais, porque o indivíduo precisa ser educado para a vida social. O homem ideal, portanto, é aquele condicionado pela sociedade, que aprendeu a importância das normas sociais.

Durkheim deu grande importância ao estudo da educação moral, pois ele acreditava que os seres humanos nascem sem conhecimentos prévios, e que ele recebe estímulos da sociedade em que vive, sendo moldado de acordo com a estrutura que o cerca. Podemos pensar, por exemplo, que não escolhemos a língua que falaremos, simplesmente somos socializados na língua do grupo social ao qual pertencemos no momento do aprendizado da fala.

divididas, mas produzir solidariedade. Se isto não acontece, é sinal de que os órgãos que compõem uma sociedade dividida em funções não se autorregulam, o que pode resultar numa situação de anomia.

Vê-se, assim, que, sob certas circunstâncias, a divisão do trabalho age de maneira dissolvente, deixando de cumprir seu papel moral: o de tornar solidárias as funções divididas. Exemplos de tais circunstâncias podem ser: nas crises industriais ou comerciais, que denotam que as funções sociais não estão bem adaptadas entre si; nas lutas entre o trabalho e o capital, que mostram a falta de unidade e desarmonia entre patrões e empregados e na divisão extrema de especialidades no interior da ciência.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

IMPORTANTE

Para Durkheim a vida social está diretamente ligada à moralidade, pois é ela quem regula a convivência social, necessidade que não pode ser suprida por nenhuma outra estrutura social, somente pelas regras morais.

A educação para Durkheim tem esta definição:

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança particularmente se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41).

É desta forma que a sociedade mais uma vez se torna presente no indivíduo e, para Durkheim, impõe suas condições morais para que o sujeito seja aceito no grupo. Diretamente relacionados aos estudos sobre a moral, estão os estudos sobre a religião realizados por este teórico.

7 RELIGIÃODurkheim buscou realizar uma sociologia da religião ao final de sua

vida, quando escreveu “As Formas Elementares da Vida Religiosa”, de 1912. Ele buscou com este livro mais uma vez mostrar o predomínio da sociedade diante do indivíduo.

Este autor dividiu as religiões em duas esferas: a esfera sagrada e a esfera profana. Para ele, a esfera sagrada “[...] se compõe de um conjunto de coisas, de crenças e de ritos que formam uma certa unidade, que podemos chamar de religião” (SELL, 2002, p. 79). Nesta esfera sagrada temos tanto os ritos, manifestações institucionais ou materiais, como as crenças, que se compõem

DICAS

Você se interessa pelo estudo da moral na educação? “A Educação Moral” é um livro muito utilizado nos estudos sobre educação, foi publicado no Brasil pela Editora Vozes e temos uma edição do ano de 2008.

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de aspectos culturais. Quando um conjunto de indivíduos compartilha de determinadas crenças, eles formam o que chamamos de Igreja.

Já a esfera profana se opõe ao que é sagrado, em geral todas as atividades cotidianas, como a economia ou a família. Para ele qualquer religião possui como essência a oposição entre as esferas sagrada e profana.

Para Durkheim a origem da religião também é social, porque a força superior que está presente nas religiões, à qual os homens devem obediência, na verdade é a força da sociedade sobre o indivíduo, mas que eles não veem dessa forma. É como se a sociedade exercesse no indivíduo a força que a divindade exerce em seus fiéis.

Para estudar a religião, Durkheim optou por conhecer a mais simples das formas religiosas, o totemismo. Esta religião elege para cada grupo social (clã) um símbolo (totem) que é adorado, bem como todos que se associam à sua imagem. Cada clã possuía um totem diferente, e dentro do totemismo todos os seres eram classificados como pertencentes ao mundo sagrado ou ao mundo profano. Desta forma o homem, a partir da religião, poderia classificar e ordenar as coisas do mundo (SELL, 2002).

E como havia esta classificação, ele defendia que era a sociedade que criava estas representações sobre os totens, bem como os ritos que deveriam ser seguidos de acordo com cada imagem, que poderiam ser ritos negativos (proibições), positivos (deveres religiosos) ou ritos de expiação (cerimônias de perdão). Estes ritos “[...] constituiriam o conjunto de práticas que definem as religiões” (SELL, 2002, p. 81).

É dessa forma que Durkheim concebia a sociedade, como exterior ao indivíduo e como fator de imposição de comportamentos sociais. Assim, para ele, a sociedade deveria evoluir de uma sociedade simples, com pouca diferenciação e predomínio do coletivo, para uma sociedade complexa, com alto grau de diferenciação e predomínio do individual.

CAPÍTULO SEGUNDOREGRAS RELATIVAS À OBSERVAÇÃO DOS FATOS SOCIAIS

Regra fundamental: Tratar os fatos sociais como coisas.

I – Fase ideológica que atravessa todas as ciências, durante a qual elaboram noções vulgares e práticas em vez de descrever e explicar as coisas. Motivo por que esta fase devia prolongar-se na sociologia mais do que nas

LEITURA COMPLEMENTAR

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outras ciências. Fatos extraídos à sociologia de Comte, à de Spencer e ao estado atual da moral e da economia política, mostrando que este estágio ainda não foi ultrapassado. Razões para ultrapassar: 1ª) Os fatos sociais devem ser tratados como coisas porque são os dados imediatos da ciência, enquanto as ideias, de que os fatos sociais são supostamente os desenvolvimentos, não são diretamente dadas. 2ª) Têm todas as características da coisa. Analogia desta reforma com a que transformou recentemente a psicologia. Razões para esperar, no futuro, um progresso rápido da sociologia.

II – Corolários imediatos da regra precedente: 1º) Afastar da ciência todas as noções prévias. Acerca do ponto de vista místico que se opõe à aplicação desta regra. 2º) Maneira de constituir o objeto positivo da investigação: agrupar os fatos segundo as suas características exteriores comuns. Relações do conceito assim formado com o conceito vulgar. Exemplos de erros a que nos expomos ao negligenciar esta regra ou ao aplicá-la mal: Spencer e a sua teoria sobre a evolução do casamento; Garofalo e a sua definição de crime; o erro comum que recusa a moral às sociedades inferiores. Que a exterioridade das características que entram nestas definições iniciais não constitua um obstáculo às explicações científicas. 3º) Estas características exteriores devem, além disso, ser o mais objetivas possível. Método para conseguir: apreender os fatos sociais de modo que se apresentem isolados das suas manifestações individuais.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 41.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

• Émile Durkheim é considerado um dos primeiros grandes teóricos da sociologia. Durkheim é considerado o profissional que a emancipou, definindo seu objeto, método e aplicações.

• Durkheim partiu seus estudos da lógica positivista, seguindo as ideias de Auguste Comte e defendendo a superioridade da ciência e do pensamento racional. Para ele, a sociologia deveria investigar as leis gerais de funcionamento da sociedade, ou seja, encontrar regularidades que orientassem as atitudes dos indivíduos.

• Para Durkheim, a sociedade exterior ao indivíduo condiciona seus comportamentos, ou seja, ele é considerado um adepto do objetivismo, que defende que os comportamentos sociais são determinados de fora para dentro nos indivíduos.

• Em síntese, na perspectiva durkheimiana, os fatos sociais são modos de pensar, sentir e agir de uma coletividade, de um grupo social. Eles são o objeto de estudo da sociologia e são exteriores ao indivíduo, coercitivos e objetivos.

• A anomia é considerada um estado social, no qual o aumento do nível de complexidade dos sistemas sociais desencadeia uma individualização dos membros sociais, que surte um efeito de ausência de regras.

• A solidariedade mecânica está pautada na consciência coletiva, e a solidariedade orgânica origina-se na divisão social do trabalho.

• A moralidade para o teórico Émile Durkheim está relacionada com o conceito de anomia, afinal se a anomia é a ausência de regras, a moral é o conjunto destas regras, que precisa ser transmitido aos indivíduos.

• A moralidade, para Durkheim, promove a integração do indivíduo na sociedade, pois ela surge a partir da solidariedade, da dependência entre todos.

• Durkheim dividiu as religiões em duas esferas: a esfera sagrada e a esfera profana.

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AUTOATIVIDADE

Vamos fixar conceitos?

Escreva, resumidamente, o que você compreendeu sobre os conceitos das teorias sociológicas de Émile Durkheim.

1 Fato social: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Anomia: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Solidariedade mecânica: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

4 Solidariedade orgânica: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

5 Moralidade: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

6 Religião: _________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 4

CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA

SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃOO pensamento de Max Weber se diferenciou do pensamento de Durkheim

em diversos aspectos. Um deles é que para Durkheim a sociedade é superior ao indivíduo, ela determina suas ações, enquanto para Weber o indivíduo é o fundamento da sociedade, porque ela só existe pelas relações entre os indivíduos.

Em Weber, a possibilidade de entender a sociedade e suas instituições passa pela análise do comportamento dos indivíduos. Tudo o que existe na sociedade, seus grupos, instituições e comportamento são fruto da vontade e da atividade dos homens. Por isso não faz sentido compreendê-los sem resgatar o sentido contido em cada elemento da sociedade (SELL, 2002, p. 108).

É assim que Weber defende o estudo das ações sociais, comportamentos dos indivíduos que são relacionados a um sentido subjetivo e orientados pelo comportamento dos outros.

ESTUDOS FUTUROS

O conceito de ação social será explicado e detalhado mais adiante nesta unidade!

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

Este é Max Weber:

FIGURA 7 – MAX WEBER

FONTE: Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011 /04/max-weber-e-burocracia.html>. Acesso em: 18 mar. 2012.

O sociólogo alemão Max Weber nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864. Filho de um advogado, Weber realizou seus estudos em Heidelberg, a partir do ano de 1882. Embora tivesse seguido a carreira jurídica, também estudava filosofia, teologia, história e economia. Em 1889, ele terminou seus estudos, tendo obtido o doutorado em direito no ano de 1891, quando defendeu sua tese. Terminada a fase de estudos, Weber passa a se dedicar à docência universitária. Foi professor de direito em Berlim (1891-1893), de economia política em Friburgo (1895) e, finalmente, também de economia política em Heidelberg (1896). No ano de 1897, Weber foi acometido de uma crise nervosa, que durou até 1902. Somente neste ano ele vai retomando, aos poucos, seu trabalho. Em 1903, ajuda a fundar o “Arquivo para a ciência social e a ciência política”, que se tornou uma das principais revistas de ciências sociais. Em 1904, Weber faz uma viagem de estudos para os Estados Unidos, que vai influenciar diretamente sua reflexão sobre o capitalismo. É a partir deste período que Weber passa a se interessar mais diretamente pela sociologia. Em 1907, o pensador alemão recebe uma herança que permite que ele se dedique apenas às suas atividades de pesquisa. Sua casa torna-se um centro frequentado por intelectuais de renome, como George Lukács, Georg Simmel e outros. Em 1908, Weber ajuda a fundar a associação alemã

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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FONTE: Sell (2002, p. 96-98)

Neste tópico conheceremos mais sobre a obra deste importante sociólogo alemão, estudando os conceitos de objetividade, conhecimento, estamentos e partidos, tipos ideais e os tipos puros da ação social, formas de legitimação e racionalização.

2 OBJETIVIDADE E CONHECIMENTOMax Weber constituiu sua teoria sociológica com bases diferentes daquelas

pregadas pelo positivismo e, por consequência, da forma como Durkheim praticava a pesquisa social. Se para os positivistas era a sociedade o elemento determinante e que dominava o indivíduo, para Weber é o sujeito que merece a atenção da sociologia.

O indivíduo passa a ser um elemento muito importante nas análises da realidade social a partir de Weber, e essa ideia atravessa toda a sua metodologia de estudos. Ele cria a chamada interpretação sociológica compreensiva.

O positivismo defendia que o homem evoluía e a história seria o processo de evolução do homem, sendo que o cientista poderia identificar os estágios deste desenvolvimento. Mas Weber negou esta concepção de história, ele defendia que as diferenças sociais estavam na origem e na formação dos grupos sociais, e não em estágios de evolução. Desta forma, o papel do cientista seria de compreender as sociedades, interpretando as fontes.

Portanto, segundo a perspectiva de Weber, o caráter particular e específico de cada formação social e histórica contemporânea deve ser respeitado. O conhecimento histórico, entendido como a busca de evidências, torna-se um poderoso instrumento para o cientista social. Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo histórico. (COSTA, 1997, p. 71).

Mas para ele os fatos históricos não tinham sentido por si mesmos, os dados que o historiador possui sempre são fragmentados. Por isso sua proposta era de que se utilizasse o método compreensivo, para entender o passado e seus efeitos nas sociedades contemporâneas. E com este método seria possível encontrar um sentido social nos fatos.

de sociologia. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1917), administra alguns hospitais da região de Heidelberg. Em 1918, aceita uma cátedra na Universidade de Munique. Weber ainda participa da redação da nova Constituição Germânica que funda a República da Alemanha (chamada de constituição de Weimar, cidade onde foi redigida). Seu falecimento ocorreu no ano de 1920, na cidade de Munique. Algumas obras: “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”; “Economia e Sociedade”; “A Ciência e a Política como Vocação”; “História Econômica Geral”.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

Para Weber, diante do método compreensivo, a objetividade do sociólogo é algo que ele rejeita. Isto porque ele não via meios de o cientista descartar suas prenoções, pois ele mesmo é também um indivíduo em ação, dotado de cultura. Assim, o pesquisador seleciona e relaciona os elementos da realidade a ser analisada (COSTA, 1997), mas, a partir do momento em que inicia o estudo, deve buscar não envolver suas crenças em seus resultados.

Desta forma, para o método weberiano, o cientista deveria buscar o sentido da ação social, um de seus conceitos que será apresentado mais adiante, a partir dos elementos que têm significado para ele e também para os integrantes do grupo social que ele analisará.

É por meio da objetividade que Max Weber estabeleceu uma metodologia específica para as ciências sociais. Ele afirmava que o uso de leis gerais pregado pelo positivismo poderia ser útil ao cientista, mas trazia o risco de que a pesquisa caísse em um mero subjetivismo. O sociólogo deve, portanto, utilizar-se da explicação causal e também da compreensão para analisar seu objeto, conforme os fins da pesquisa (SELL, 2002).

Assim, os métodos a serem utilizados são o individualizante e generalizante. O primeiro consiste em observar as particularidades do objeto de estudo, considerando suas singularidades. Já no segundo se busca a causalidade do fenômeno, procurando relações com outros aspectos da sociedade. Mas mesmo no método generalizante a busca não seria por leis gerais, como defendiam os positivistas.

Este método generalizante, para Weber, seria fundamental para a objetividade nas ciências sociais, mesmo não buscando apenas leis gerais. Isto porque com ele o sociólogo estabelece relações entre os diversos fenômenos sociais e as esferas da sociedade, procurando entender o sentido do desenrolar das situações.

Weber também buscou o conceito de conhecimento, que definiu como os acontecimentos racionalizados, pensados, guiados pela razão. Para ele o conhecimento é acumulado através das gerações, é a relação entre a consciência e um objeto que se quer conhecer, e também é gerado pelo pensamento que desencadeia uma ação.

IMPORTANTE

No método compreensivo, desenvolvido por Weber, o papel do sociólogo é compreender o sentido das ações sociais.

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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3 ESTAMENTOS E PARTIDOSMax Weber estudou a diferenciação social, ou seja, as desigualdades

existentes entre um indivíduo e outro, não apenas do ponto de vista econômico, mas também social e cultural. Para Sell (2002, p. 139):

A grande novidade da teoria da estratificação social de Weber é buscar compreender as diferentes posições do indivíduo na sociedade não a partir de um único critério, mas a partir de sua inserção em várias esferas da realidade. Portanto, se, do ponto de vista econômico, as pessoas estão divididas em “classes sociais”; do ponto de vista político elas se encontram em diferentes “partidos” e, quanto ao aspecto cultural, elas podem se diferenciar em diferentes tipos de “estamentos”.

Assim, a classe está relacionada à diferenciação econômica, à diferença da posse de bens e entre seus interesses econômicos. O partido está relacionado com a diferença existente na distribuição do poder dentro da sociedade, e a diferenciação estamental trata dos diferentes estilos de vida e prestígio social conferidos às camadas sociais.

Ao estudar a sociedade e sua estratificação, para Weber, o sociólogo deveria observar qual esfera domina as outras, qual determina a diferenciação e estabelece a hierarquia social.

As classes sociais são formadas pelas diferentes posses de capital econômico e pela posse ou não de bens. Os estamentos são formados pela diferenciação causada pelo status social, que nem sempre está relacionado ao dinheiro, pode ser o prestígio do nome da família, por exemplo. Já os partidos são formados por uma socialização seguida de uma racionalização, que visa à obtenção de poder.

O conceito de estamento foi formulado por Max Weber, para auxiliá-lo em suas análises sobre os tipos de sociedade. Ele aparece principalmente nos estudos sobre a estratificação social realizados por esse autor. Este conceito se aplica principalmente às sociedades europeias feudais.

O conhecimento pode ser dividido em concreto e abstrato. No primeiro o sujeito estabelece uma relação com um objeto individualizado, enquanto no segundo a relação é estabelecida com um objeto tido como universal, geral.

As relações existentes entre o conhecimento e o pensamento são importantes, segundo este autor. Anterior à ação humana, existe um pensamento do ato que será praticado, e este pensamento, por ser organizado, pode ser chamado de ideia. As ideias são, portanto, representações de uma situação ideal, que na prática irá gerar a ação, a partir daquilo que foi pensado.

É com esta forma de realizar suas pesquisas que Weber buscou dotar a sociologia de conceitos e de métodos para auxiliar a prática dos pesquisadores das ciências sociais. Partiremos agora para conhecer os principais conceitos desenvolvidos por este autor, começando pela estratificação social.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

As sociedades feudais são exemplos de sociedades estamentais, nas quais os estamentos existiram por séculos e eram muito parecidos com as castas, porém não tão fechadas como estas. Nestes estamentos prevaleciam as uniões matrimoniais entre parentes consanguíneos, e a transmissão do status era hereditária.

Os estamentos eram determinados pelas forças divinas, sua hierarquia se dava porque Deus queria daquela forma. Assim, um indivíduo não poderia sair de seu estamento, precisava cumprir sua função social, mantendo sua posição e os privilégios ou obrigações e tarefas que esta acarretava.

Dias (2005) utiliza como exemplo para ilustrar uma sociedade estamental a sociedade francesa do século XVIII. Existia a nobreza, que não podia exercer atividade econômica; o clero, que possuía alguns direitos especiais e tinha descontos nos impostos, e o restante da sociedade. Estas divisões eram tão claras que nas reuniões do parlamento francês as cadeiras eram divididas: a nobreza sentava à direita, o clero ao centro e o povo à esquerda.

Já os partidos, diante da estratificação social, são esferas que buscam se impor pela via do poder, dominando o chamado mercado eleitoral.

Utilizando os conceitos de classe social, estamentos e partidos que Max Weber compôs suas teorias sobre a estratificação social. Mas mais importante do que esta foi sua teoria dos tipos sociais, que conheceremos na próxima seção.

4 TIPOS IDEAIS E OS TIPOS PUROS DA AÇÃO SOCIALWeber construiu o conceito de tipo ideal para utilizá-lo em suas análises

sociológicas, ele deveria ser utilizado pelo pesquisador para guiá-lo diante de uma realidade muito complexa. Ele não existe na realidade, trata-se de um modelo que é criado no pensamento, e é usado para a análise de casos reais e concretos. Eles são construídos a partir de traços, de características essenciais notadas pelo sociólogo no fenômeno a ser estudado.

Ele se preocupou, ao criar os tipos ideais, em compreender a importância dos conceitos nas ciências, de que forma eles são importantes para o processo de

DICAS

Para você se aprofundar no estudo do conceito de partido utilizado por Weber, veja o artigo do cientista político José Carlos Belieiro Junior, intitulado “Os partidos políticos em Weber”. Você pode acessá-lo em: <http://www.espacoacademico.com.br/049/49cbelieirojr.htm>. Acesso em: 11 mar. 2012.

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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pesquisa e, mais especificamente, qual o papel dos conceitos na interpretação de uma determinada realidade social (SELL, 2002).

Para ele, os conceitos não são reproduções reais da realidade, como as teorias positivistas afirmavam, pois eles estariam contaminados pelos elementos culturais trazidos pelo sociólogo para o processo de pesquisa.

Simplificando, o sociólogo faz escolhas no processo de pesquisa, optando pelos traços sociais que serão pesquisados e mesmo determinando as relações existentes entre eles. Estas escolhas estão relacionadas com a cultura que o pesquisador traz em si, e sua mente está estruturada de acordo com essa cultura. Assim, o processo de pesquisa apresenta as escolhas realizadas pelo profissional.

Para ajudar o sociólogo na realização de suas investigações e análises, os tipos ideais seriam criados a partir de características gerais encontradas nos casos particulares, que constituiriam uma construção teórica, ou seja, um conceito.

A construção de um tipo ideal deveria ocorrer por meio da acentuação de uma determinada característica de um fenômeno social, a partir de um ponto de vista.

O cientista, pelo estudo sistemático das diversas manifestações particulares, constrói um modelo acentuando aquilo que lhe pareça característico ou fundante. Nenhum dos exemplos representará de forma perfeita e acabada o tipo ideal, mas manterá com ele uma grande semelhança e afinidade, permitindo comparações e a percepção de semelhanças e diferenças. Constitui-se em um trabalho teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é essencial na diversidade das manifestações da vida social, permitindo a identificação de exemplares em diferentes tempos e lugares (COSTA, 1997, p. 75).

O tipo ideal é construído e testado em uma determinada realidade, para então ser aplicado a realidades que se aproximam e nas quais ele pode ser utilizado. Ele permite também que as manifestações sejam comparadas. O sociólogo pode organizar a realidade a partir do uso dos tipos ideais.

IMPORTANTE

Weber utilizou diversos tipos ideais em seus estudos, como os tipos de ação, capitalismo, ética protestante, feudalismo, burocracia, Estado.

Sell (2002, p. 115) define com simplicidade a função dos tipos ideais, que facilita a compreensão: “[...] permitir às suas pesquisas clareza conceitual quanto aos objetos estudados, bem como um entendimento dos traços típicos que permitem entendê-los”.

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Como já foi explicado na introdução deste tópico, Max Weber preocupou-se muito em estabelecer conceitos claros para a sociologia e defendeu que o fundamento da explicação sociológica deveria ser o indivíduo, e não a sociedade, como Durkheim dizia, por exemplo.

Ele acreditava que o indivíduo também era muito importante para os estudos sociológicos, assim como a sociedade. Para isso, ele defendia que o objeto de estudo específico da sociologia eram as ações, que ele definiu como comportamentos que os indivíduos associavam a um sentido subjetivo.

Cada formação social adquiriu, para Weber, especificidade e importância próprias. Mas o ponto de partida da sociologia de Weber não estava nas entidades coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação é a ação social, a conduta humana dotada de sentido, isto é, de uma justificativa subjetivamente elaborada. Assim, o homem passou a ter, enquanto indivíduo, na teoria weberiana, significado e especificidade. É ele que dá sentido à sua ação social: estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos (COSTA, 1997, p. 72).

Mas a sociologia não deveria estudar qualquer tipo de ação e, sim, as ações sociais. Estas seriam ações que os indivíduos realizam orientados pelas ações dos outros. Ou seja, a referência para este tipo de ação é o coletivo, o comportamento de outros.

Na visão de Weber do mundo social, portanto, é o agente social que conecta o motivo da ação, a ação em si e seus efeitos. Por isto, é esta ação que deve ser estudada, na tentativa de se descobrir qual o sentido da ação na realidade social que está sendo investigada. Este sentido sempre é gerado por uma motivação individual, mas como os indivíduos são dependentes entre si, seus motivos e sua consciência fazem com que ajam sempre considerando os outros agentes, o que torna a ação social.

A ação social é, portanto, para este autor o objeto de estudo da sociologia, e é a partir do indivíduo que ele realiza a explicação dos fenômenos sociais. O sentido das ações é o que deve ser determinado pelo cientista, segundo Weber. Compreender os motivos que desencadearam a ação social explica sua existência, e é por este motivo que a sociologia realizada por ele é chamada de compreensiva.

Mas para dar conta de todos os tipos de ações humanas praticadas pelos indivíduos Weber utiliza sua teoria dos tipos ideais. Ele estabelece quatro tipos de ação social, considerados os tipos puros da ação social, agrupando-as de acordo com o modo pelo qual os agentes orientam suas ações.

IMPORTANTE

Weber agrupou as ações sociais em tipos ideais, formando quatro grupos chamados de “tipos puros da ação”: ações racionais referentes a fins; ações racionais referentes a valores; ações sociais afetivas e ações sociais tradicionais.

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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• Ação social tradicional: é a ação movida em favor de um hábito ou costume arraigado.

• Ação social afetiva: este tipo de ação é orientado pelo impulso, pela dominação momentânea de um estado emocional, pelo modo afetivo.

• Ação racional referente a fins: ocorre quando racionalmente o indivíduo estabelece um fim a ser atingido, cria expectativas com relação ao comportamento de outras pessoas e do mundo e busca combinar estes meios para atingir o fim previsto. Assim, estabelecem-se objetivos que, para serem atingidos, precisam ser perseguidos com o auxílio de determinados meios, sempre buscando um resultado eficiente.

• Ação racional referente a valores: ação que leva em conta os princípios do indivíduo, na qual este age em função de suas convicções e mantendo fidelidade aos valores nos quais acredita. Nesta situação, o motivo da ação é o valor, independente dos resultados que traga.

Estabelecida a unidade básica da análise sociológica, a ação social e os seus tipos fundamentais, Weber vai mostrar como as interações entre os indivíduos vão ser a base de formação dos grupos sociais e também das instituições sociais. Acompanhemos seu raciocínio. Quando o sentido da ação social é compartilhado por vários agentes, temos a relação social. A relação social parte do pressuposto de que é provável que se aja conforme o sentido compartilhado (que pode ser um uso ou um costume). Estas relações sociais, segundo Weber, podem ser ainda de caráter comunitário (pessoais) ou societárias (impessoais) (SELL, 2002, p. 112).

Foi utilizando os tipos ideais e a teoria da ação que Weber produziu uma teoria social que aplicou a diversos elementos sociais, entre eles o poder e as formas de dominação encontradas nos grupos sociais. Vejamos agora um pouco sobre seus estudos que tratavam das formas de dominação.

5 FORMAS DE LEGITIMAÇÃOWeber desenvolveu diversos estudos sobre o poder e a dominação, estes

são conceitos que se encontram com frequência em seus escritos, e são objetos sociológicos de extrema importância para este autor.

Ele diferenciou poder de dominação, sendo que poder é “[...] a capacidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social”, enquanto a dominação “[...] é a probabilidade de se encontrar a obediência a um determinado mandato” (SELL, 2002, p. 137). Esta obediência pode depender do costume, do hábito de obedecer, das vantagens que aquele que obedece pode tirar da relação ou do simples afeto entre os envolvidos.

Mas a dominação não se apoia apenas na obediência na forma como foi mencionada, ela em geral se apoia também em bases jurídicas, das quais vêm as formas de legitimação da dominação social.

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IMPORTANTE

Weber classificou a dominação em três tipos puros, conforme os fundamentos que trazem sua legitimidade: dominação legal racional, dominação tradicional e dominação carismática.

• Dominação legal (onde qualquer direito pode ser criado e modificado através de um estatuto sancionado corretamente), tendo a burocracia como sendo o tipo mais puro desta dominação. Os princípios fundamentais da burocracia são: a administração está baseada em documentos, a demanda pela aprendizagem é profissional, as atribuições são oficializadas e há uma exigência de todo o rendimento do profissional. A obediência se presta não à pessoa, em virtude de direito próprio, mas à regra, que se conhece competente para designar a quem e em que extensão se há de obedecer. Weber classifica este tipo de dominação como sendo estável, uma vez que é baseado em normas que, como foi dito anteriormente, são criadas e modificadas através de um estatuto sancionado corretamente. Ou seja, o poder de autoridade é legalmente assegurado.

• Na dominação tradicional a autoridade é, pura e simplesmente, suportada pela existência de uma fidelidade tradicional. O governante é o patriarca ou senhor, os dominados são os súditos e o funcionário é o servidor. O patriarcalismo é o tipo mais puro desta dominação. Presta-se obediência à pessoa por respeito, em virtude da tradição de uma dignidade pessoal que se reputa sagrada. Todo o comando se prende intrinsecamente a normas tradicionais (não legais). A criação de um novo direito é, em princípio, impossível, em virtude das normas oriundas da tradição. Também é classificado, por Weber, como sendo uma dominação estável, devido à solidez e estabilidade do meio social, que se acha sob a dependência direta e imediata do aprofundamento da tradição na consciência coletiva.

• Na dominação carismática a autoridade é suportada, graças a uma devoção afetiva por parte dos dominados. Ela assenta sobre as “crenças” havidas em profetas, sobre o “reconhecimento” que pessoalmente alcançam os heróis e os demagogos, durante as guerras e sedições, nas ruas e nas tribunas, convertendo a fé e o reconhecimento em deveres invioláveis que lhes são devidos pelos governados. A obediência a uma pessoa se dá devido às suas qualidades pessoais. Não apresenta nenhum procedimento ordenado para a nomeação e substituição. Não há carreiras e não é requerida formação profissional por parte do “portador” do

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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FONTE: Disponível em: <http://www.visaoportal.com.br/post/gilberto/564>. Acesso em: 8 mar. 2012.

6 RACIONALIZAÇÃOMax Weber não estudou apenas as relações de poder e as formas

de dominação, ele se interessou também por compreender de que forma se originou e como se desenvolveu a modernidade que, para ele, se inicia a partir de um processo de racionalização do mundo. A racionalização é, portanto, uma característica da modernidade para este autor.

É com o estudo das formas de racionalização que Weber busca realizar interpretações sobre a religião, ou seja, sua sociologia da religião. Ele afirma que a mudança nos modos de pensar que colocou a razão humana no centro de todas as coisas, em detrimento da vontade divina, trouxe ao homem uma crença na capacidade de domínio do mundo (via ciência e técnica), mas trouxe também certa perda de liberdade (SELL, 2002).

Para empreender seu estudo sobre a modernidade, primeiro Weber se dedica a entender a relação que existe entre o protestantismo e a conduta econômica capitalista. Depois, suas análises se deslocam do Ocidente para o Oriente, para analisar a ligação entre economia e religião na Índia (hinduísmo e budismo) e na China (confucionismo e taoísmo), sem esquecer ainda do judaísmo e até do islamismo. É a partir destas múltiplas comparações que Weber procura entender a cultura ocidental, sua originalidade e também os seus problemas (SELL, 2002, p. 116).

Diante de todas as análises e comparações que realizou, Weber chega à conclusão de que existe um tipo de racionalização em cada cultura, que todas elas passam por esse processo. Mas ele se interessa mesmo em desvendar as características específicas da racionalização ocorrida no mundo ocidental e sua influência na vida dos homens.

carisma e de seus ajudantes. Weber coloca que a forma mais pura de dominação carismática é o caráter autoritário e imperativo. Contudo, Weber classifica a dominação carismática como sendo instável, pois nada há que assegure a perpetuação da devoção afetiva ao dominador, por parte dos dominados.

DICAS

Se você quer conhecer melhor os tipos de dominação social identificadas por Weber, veja o artigo disponível em: <www.ufrgs.br/tramse/pead/textos/weber.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2012.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

Weber busca em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” compreender as origens do capitalismo, relacionando a ética protestante e seus princípios com o surgimento e a consolidação do sistema capitalista, não como único fator, mas como parte da origem. É também neste livro que ele descreve como o protestantismo favoreceu o processo de racionalização da vida.

Para o catolicismo, na época, a vida das pessoas deveria ser dirigida à busca pela salvação, que se dava pelo aumento da glória de Deus. Por isto para eles o processo de racionalização não foi tão intenso, enquanto que para os protestantes a pregação de uma vida que deveria ser disciplinada e ordenada, voltada ao trabalho, fazia surgir um comportamento racionalizado. Este comportamento era a racionalização, ou seja, a dominação da vida das pessoas pelo sistema econômico.

Quando a busca por riquezas desaparece, mas mesmo assim o comportamento de trabalhar metodicamente permanece, a racionalização da sociedade está em seu nível máximo. Weber diz, portanto, que o capitalismo surge de um processo chamado “desencantamento do mundo”. A racionalização é uma das etapas finais deste processo.

Para Weber a racionalização da cultura está relacionada com a prática religiosa, e para investigar esta teoria ele buscou entender por que as culturas religiosas orientais não influenciaram o desenvolvimento de uma cultura racionalizada que, por sua vez, desse impulso à origem do capitalismo.

Weber parte de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de adeptos da Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários bem-sucedidos e mão de obra qualificada. A partir daí, procura estabelecer conexões entre a doutrina e a pregação protestantes, seus efeitos no comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista. Weber descobre que os valores do protestantismo – como a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho – atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias protestantes, os filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril, optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o cálculo e os estudos técnicos ao estudo humanístico. Weber mostra a formação de uma nova mentalidade, um ethos – valores éticos – propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao “alheamento” e à atitude contemplativa do catolicismo, voltados para a oração, sacrifício e renúncia da vida prática (COSTA, 1997, p. 76).

ESTUDOS FUTUROS

Você poderá entender o processo de “desencantamento do mundo” ainda neste tópico, na próxima seção.

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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Ele analisou as grandes religiões mundiais e notou que cada uma delas possuía um conteúdo e um caminho de salvação diferentes, que condicionavam a prática religiosa que deveria ser seguida pelos fiéis e, por consequência, interferia no modo de vida destas pessoas.

Assim, Weber notou que existiam dois tipos de religião, as teocêntricas e as cosmocêntricas. Nas religiões ocidentais ele identificou a presença de um Deus supramundo, que sempre existiu e que criou o mundo, estando fora e acima dele. “Nas religiões orientais predomina a existência de um Deus intramundo, que se confunde com o próprio mundo, existe como força que o sustenta e está dentro dele” (SELL, 2002, p. 123).

Esse autor identificou também uma diferenciação na imagem do mundo que as religiões possuem. Algumas defendem a afirmação do mundo, e, para conseguir a salvação, o homem precisa apenas contemplar, sendo passivo diante da realidade mundana. Já naquelas que defendem a negação do mundo, existem duas formas de obter a salvação: uma seria se isolando e se afastando do mundo, como nos mosteiros, por exemplo, e outra seria transformar os males existentes no mundo a partir de seu engajamento.

Com todas estas categorizações, Weber chegou à conclusão de que, quanto ao conteúdo, as religiões ocidentais veem Deus como um ser que está fora do mundo, ou seja, são religiões teocêntricas. E combinam esta visão com a ideia de que o mundo é um lugar de pecado, um lugar negativo.

E estas teorias religiosas existentes foram a inspiração para o modo como as pessoas devem viver, ou seja, o modo como devem se comportar para alcançar a salvação. Assim, nas religiões teocêntricas predomina a visão de que o homem deve controlar o mundo, pois como ele é o lugar do pecado, precisa ser dominado. Nas religiões cosmocêntricas poderá haver dois caminhos, ou a fuga do mundo ou a passividade diante dele.

Por meio de todas estas análises, Weber chegou à conclusão de que nas religiões orientais é mais comum uma orientação contemplativa diante do mundo, enquanto que as religiões ocidentais pregam uma atitude diante do mundo, um engajamento. Assim, por esta visão religiosa a ética protestante favoreceu o surgimento do capitalismo (SELL, 2002).

ESTUDOS FUTUROS

Para você ficar conhecendo mais sobre a obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, e também sobre seu autor, leia o trecho disponível nas leituras complementares desta unidade.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

Com todas estas análises, Weber percebeu também que poderia tentar compreender a evolução cultural do mundo ocidental, sua intelectualização, processo no qual, segundo ele, passou-se da religião para o desencantamento do mundo e chegou-se à racionalização.

7 CARISMA E DESENCANTAMENTO DO MUNDOO conceito de carisma utilizado por Max Weber é definido por “[...]

encanto ou a graça que acompanha certas personagens sobre as quais recaíram o olhar e a escolha de Deus” (BOUDON; BOURRICAUD, 2004, p. 48).

Estes personagens possuem certo poder, chamado de poder carismático. Esse poder pertence àqueles que são enviados por forças divinas, e são diferenciados não pela sua missão, mas pela forma de executá-la. Ele consegue, por meio de seu carisma, direcionar a execução das ações sociais dos indivíduos. É um sujeito popular e que nos leva a seguir suas convicções.

O líder carismático em geral exige trocas para que se possa segui-lo, e ele se torna popular em virtude da proximidade com o indivíduo. Para isto ele utiliza meios como metáforas, que garantem a fidelidade de seus seguidores e agem por meio do imaginário.

O carisma pode ser definido como uma relação de poder fortemente assimétrica entre um guia inspirado e uma corte de seguidores (Gefolgschaft) que reconhece nele e em sua mensagem a promessa e a realização antecipada de uma nova ordem, a que aderem com convicção mais ou menos intensa. Para o líder carismático, a mensagem é uma missão. Essa mensagem não é apenas a descrição de uma ordem possível ou desejável. Ele próprio se compromete – eventualmente com fanatismo – a realizá-la. A legitimidade do líder carismático, tal como ele afirma subjetivamente para si mesmo e para os outros, não é sentida por ele apenas como uma crença, mas também como uma urgência (BOUDON; BOURRICAUD, 2004, p. 49).

O poder carismático é um poder pessoal, e quando não o reconhecemos em um líder tendemos a considerá-lo como impostor. Por isto um dos meios utilizados para convencer seus fiéis é o apego à tradição. Além disso, ele forma em torno de si uma espécie de comunidade emocional, nas quais os seguidores se apegam ao líder, mas nem sempre com elevado grau de autenticidade.

Já desencantamento do mundo é, para Weber, o caminho realizado pelos humanos no qual as concepções mágicas e religiosas de um universo considerado sagrado são gradativamente substituídas por um mundo considerado racionalizado, material e dominado pelos conceitos científicos. A magia dos deuses é substituída pela organização racional, pela compreensão da existência defendida pelo conhecimento científico.

Este desencantamento é acompanhado por uma visão de que não mais os deuses controlam a vida do homem, as forças divinas são substituídas pela

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TÓPICO 4 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE MAX WEBER

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capacidade técnica e científica dos seres humanos. O homem tem total domínio sobre a natureza e a sociedade e pode controlá-la de acordo com suas vontades.

Enquanto o positivismo e os iluministas defendiam que o progresso da civilização traria mais felicidade, e seria causada pelo aumento da utilização da razão no domínio do mundo, Weber pensava diferente. Ele acreditava que o aumento desta racionalidade poderia ter seu lado negativo, que era a perda de sentido e de liberdade para as pessoas.

A perda de sentido ocorreria em virtude da substituição da religião pela razão. Isto porque a religião dá aos homens respostas para as perguntas relacionadas à existência, ela explica por que viemos e para onde vamos (SELL, 2002). A realidade era dotada de sentido. Com a racionalização, a ciência passa a substituir a religião e modifica com isto aspectos culturais. Mas para Weber a ciência não pode substituir a religião neste caso, porque ela não consegue dar um sentido à existência.

Para Weber, não se trata de renunciar à razão e voltar à religião só porque ela dotava o mundo de sentido. A ciência é um saber instrumental, que sabe apontar os meios para se atingir do melhor modo possível um objetivo, mas ela não tem como formular um juízo definitivo de que este objetivo é melhor que aquele, de que este valor supera outro (SELL, 2002, p. 129).

Em síntese, para Weber o mundo moderno era uma luta entre deuses, cada ser humano deveria escolher o seu. Para além da cultura, ele enxergava a racionalização também na economia e na política, por meio da burocratização, ou racionalização social. Este processo seria o aprisionamento do homem, uma vez que deixou de ser escravo das forças divinas e passou a ser escravo de sua criação.

A ausência da capacidade de dar um sentido à vida toma conta de tudo e o trabalho passa a ser um fim em si mesmo. “A produtividade aumenta, mas escraviza o homem” (SELL, 2002, p. 130). Weber tinha, portanto, uma visão pessimista da modernidade, que avançou na racionalidade, mas junto com isto trouxe consequências ruins.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

CAPÍTULO IFILIAÇÃO RELIGIOSA E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL

Um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa mista mostrará, com notável frequência, uma situação que muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas e nos congressos católicos, sobretudo na Alemanha: o fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas, é predominantemente protestante.

Esse fato não se verifica apenas onde a diferença de religião coincide com uma nacionalidade, e portanto com seu desenvolvimento cultural, como é o caso dos poloneses e dos alemães da Alemanha Oriental. Observamos a mesma coisa nas estatísticas de filiação religiosa de qualquer parte em que o capitalismo, na época de sua grande expansão, pôde alterar a distribuição social conforme suas necessidades e determinar a estrutura ocupacional. Quanto maior for a liberdade de ação, mais claro o efeito apontado.

É bem verdade que a maior participação relativa dos protestantes na propriedade do capital, na direção e nas esferas mais altas das modernas empresas comerciais e industriais pode em parte ser explicada pelas circunstâncias históricas oriundas de um passado distante, nas quais a filiação religiosa não poderia ser apontada como causa da condição econômica, mas até certo ponto parece ser resultado desta.

A participação nas funções econômicas costuma envolver alguma posse de capital, uma dispendiosa educação e, muitas vezes, ambas. Hoje tais coisas são largamente dependentes da posse de riqueza herdada ou, no mínimo, de certo bem-estar material. Certo número de domínios do antigo império que eram mais desenvolvidos economicamente, mais favorecidos pela situação e por recursos naturais, particularmente a maioria das cidades mais ricas, aderiram ao protestantismo no século XVI.

FONTE: WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 37.

LEITURA COMPLEMENTAR

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RESUMO DO TÓPICO 4Neste tópico você viu que:

• No método compreensivo, desenvolvido por Weber, o papel do sociólogo é compreender o sentido das ações sociais.

• Weber também buscou definir o conceito de conhecimento, que definiu como os acontecimentos racionalizados, pensados, guiados pela razão.

• A classe, para Weber, está relacionada à diferenciação econômica, à diferença da posse de bens e entre seus interesses econômicos. O partido está relacionado com a diferença existente na distribuição do poder dentro da sociedade, e a diferenciação estamental trata dos diferentes estilos de vida e prestígio social conferidos às camadas sociais.

• Na teoria weberiana, a ação social é o objeto de estudo da sociologia, e é a partir do indivíduo que ele realiza a explicação dos fenômenos sociais.

• Weber agrupou as ações sociais em tipos ideais, formando quatro grupos chamados de “tipos puros da ação”: ações racionais referentes a fins; ações racionais referentes a valores; ações sociais afetivas e ações sociais tradicionais.

• Weber classificou a dominação em três tipos puros, conforme os fundamentos que trazem sua legitimidade: dominação legal racional, dominação tradicional e dominação carismática.

• Para Weber a racionalização da cultura está relacionada com a prática religiosa, e para investigar esta teoria ele buscou entender por que as culturas religiosas orientais não influenciaram o desenvolvimento de uma cultura racionalizada que, por sua vez, desse impulso à origem do capitalismo.

• O conceito de carisma utilizado por Max Weber é definido por encanto ou a graça que acompanha certas personagens sobre as quais recaíram o olhar e a escolha de Deus.

• O processo de desencantamento do mundo é, para Weber, o caminho realizado pelos humanos no qual as concepções mágicas e religiosas de um universo considerado sagrado são gradativamente substituídas por um mundo considerado racionalizado, material e dominado pelos conceitos científicos.

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AUTOATIVIDADE

Vamos fixar conceitos?

Escreva, resumidamente, o que você compreendeu sobre os conceitos das teorias sociológicas de Max Weber.

1 Objetividade e conhecimento: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Estamentos e partidos: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Tipos ideais e os tipos puros da ação social: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 Formas de legitimação: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5 Racionalização: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 5

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE

KARL MARX

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃOMarx não foi um sociólogo do ponto de vista profissional, ele era um

filósofo. Mas seus estudos sociológicos foram realizados para a construção de seu projeto político para a sociedade, e suas teorias foram aos poucos adaptadas para as necessidades teóricas da sociologia, pelos seus seguidores, chamados marxistas (SELL, 2002).

Muitos estudiosos seguem suas teorias até a atualidade, pois ele estudou o sistema capitalista, vigente até hoje como forma de economia. Vamos conhecer Marx:

FIGURA 8 – KARL MARX

FONTE: Disponível em: <http://themeanings.com/dashboard/plugin/page/quote/philosophy-is-to-the-real-karl-marx>. Acesso em: 18 mar. 2012.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

FONTE: Sell (2002, p. 146-147)

Sua forma de analisar a sociedade estava relacionada com a construção da vida material ou formas de produção dos bens materiais. Por isto, neste tópico conheceremos o seu método de análise social, o materialismo histórico dialético e também os conceitos de sociedade capitalista; infraestrutura e superestrutura; classes sociais; alienação; papel revolucionário da burguesia e comunismo.

Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, no dia 5 de maio de 1818. Nesta cidade ele também realizou seus primeiros estudos. Em 1835, o jovem Marx vai estudar direito em Bonn e em 1836 transfere-se para Berlim. Nesta cidade, parte para o estudo da filosofia, aproximando-se do pensamento de Hegel. Em 1841, defendeu sua tese de doutorado na cidade de Iena. Todavia, a perseguição do governo alemão aos críticos de Hegel (chamados de esquerda hegeliana), bem como sua amizade com o filósofo Bruno Bauer, impedem-no de seguir a carreira como professor universitário. Por isso, em 1842, Marx torna-se editor do jornal Gazeta Renana, da cidade de Colônia. O contato com problemas sociais exerce uma grande influência na vida de Marx, provocando também violentas críticas por parte do autor, o que acaba resultando no fechamento do jornal. Marx decide então mudar-se para Paris, para continuar seus estudos críticos. Antes de partir, ele se casa com Jenny Von Westphalen, com quem teria seis filhos: Jenny, Laura, Edgar, Guido, Francisca e Eleanor. Marx permaneceu em Paris de 1843 até o início de 1845. Nesta cidade, além de tomar contato com os grupos socialistas franceses, ajudou a fundar a Revista “Anais Franco-Alemães”, editada uma única vez. Foi nesta cidade, em 1844, que Marx começou sua amizade com Friedrich Engels, que tinha publicado um artigo nesta revista. Em fins de 1844, Marx foi expulso de Paris e mudou-se para Bruxelas, onde começa a envolver-se com as atividades políticas do movimento dos trabalhadores. Em Bruxelas, participa da fundação da Liga dos Comunistas, da qual redige o Manifesto do Partido Comunista, em 1848. Em junho do mesmo ano, acompanha as insurreições de Paris; e, em 1849, participa da revolução alemã, tendo fundado, na cidade de Colônia, o jornal “Nova Gazeta Renana”. Com o fracasso da revolução alemã, Marx parte para o exílio, chegando a Londres no ano de 1850. Na Inglaterra, ele interrompe suas atividades políticas, iniciando, na biblioteca pública da cidade, um profundo estudo sobre o modo de produção capitalista, cujo maior resultado é a obra O Capital (1867). Em 1864, ele reinicia suas atividades políticas com a fundação da I Internacional (1864-1872), que se propunha a ser um órgão articulador do movimento comunista em nível internacional. Por causa da divergência com os anarquistas, a I Internacional é dissolvida em 1872. Marx falece em Londres, no dia 14 de maço de 1883, um ano depois da morte de sua mulher. Algumas obras: “A Ideologia Alemã”; “A Luta de Classes na França”; “O Capital”.

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TÓPICO 5 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE KARL MARX

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2 MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICOKarl Marx deu grandes contribuições aos estudos sociológicos, pois

inaugurou uma nova metodologia de estudos para a ciência sociológica. Além de rever os pressupostos filosóficos da sociologia, definindo a teoria filosófica do materialismo dialético, ele estabeleceu uma teoria de análise da sociedade, o materialismo histórico, que se constituiu na teoria social marxista (SELL, 2002).

Para formar a teoria do materialismo dialético, Marx se opôs ao filósofo Hegel, muito importante em sua época de estudos. Realizando essa oposição intelectual, ele identificou cinco pressupostos para seu pensamento, que foram:

FONTE: Sell (2002, p. 161-162)

Marx, por estes pressupostos, afirma que a consciência e o pensamento são determinados pela vida material, o ponto de partida da realidade é o mundo material. Por isto esta corrente é chamada de materialismo dialético. E é este esquema que ele buscou utilizar na análise da história, uma nova interpretação a partir do material.

Para ele a noção central para a interpretação é a noção de trabalho, pois por meio dele o homem se diferencia da natureza. É com o trabalho que o

O primeiro pressuposto básico da história é que os homens devem estar em condições de viver para fazer história. A primeira realidade histórica é a produção da vida material.

O segundo pressuposto é que tão logo a primeira necessidade é satisfeita, a ação de satisfazê-la e o instrumento já adquirido para essa satisfação criam novas necessidades. E essa produção de necessidades novas é o primeiro ato histórico.

O terceiro pressuposto existente desde o início da evolução histórica é o de que os homens, que renovam diariamente sua própria vida, se põem a criar outros, a se reproduzirem – é a relação entre homem e mulher, pais e filhos – é a família.

Segue-se um quarto pressuposto, de que um modo de produção ou um estágio industrial está sempre ligado a um modo de cooperação. A massa das forças produtivas determina o estado social.

Finalmente, somente depois de ter examinado os pontos anteriores, no quinto pressuposto é que se pode verificar, segundo Marx, “que o homem tem consciência”. Para Marx, a consciência nasce da necessidade, da existência de intercâmbio com outros homens. A consciência é, desde o seu início, um produto social.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

homem se distancia do meio natural e funda a sociedade. É também por meio do trabalho que o homem se forma como ser social, e por isso esta categoria é muito importante no pensamento de Marx.

O método dialético permitiu à sociologia mais uma contribuição, no sentido de observar a relação entre o indivíduo e a sociedade. Enquanto para Durkheim a sociedade condiciona o indivíduo, para Weber o indivíduo age sobre a sociedade, para Marx, por meio da dialética, a relação do homem com a sociedade é um processo de mudança contínuo, em que uma esfera influencia a outra. Os homens modificam a história, mas sempre a partir de condições preexistentes.

Para estudar a sociedade, Marx defendia que era necessário saber que o trabalho do homem movia a história e que, para pesquisar, o cientista precisava saber que o modo de produção material das sociedades condicionava todas as outras dimensões da vida, política, social etc.

Assim, quando o modo de produção material é modificado, toda a sociedade se altera, segundo as teorias de Marx. Por isto ele montou um esquema de evolução da sociedade ocidental, mostrando que haveria etapas na constituição da infraestrutura das sociedades. Estas etapas seriam, em ordem: modo de produção primitivo, modo de produção escravista, modo de produção asiático, modo de produção feudal, modo de produção capitalista e modo de produção comunista. Cada modo de produção corresponderia a uma etapa histórica.

Para Marx, o estudo do modo de produção é fundamental para compreender como se organiza e funciona uma sociedade. As relações de produção, nesse sentido, são consideradas as mais importantes relações sociais. Os modelos de família, as leis, a religião, as ideias políticas, os valores sociais são aspectos cuja explicação depende, em princípio, do estudo do desenvolvimento e do colapso de diferentes modos de produção (COSTA, 1997, p. 92).

Por meio dos estudos dos modos de produção, Marx procurou colocar em prática o materialismo histórico, que constituiu seu método de análise e assim desenvolveu uma teoria abrangente e universal, que pretende dar conta de todas as formas produtivas criadas pelo homem (COSTA, 1997).

A seguir vamos apresentar os dois conceitos que Marx criou para estudar as relações entre os modos de produção e as demais dimensões da vida em sociedade, a infraestrutura e a superestrutura, e as conexões estabelecidas entre estas noções.

ESTUDOS FUTUROS

Para Marx, o modo de produção material das sociedades é determinado pela infraestrutura e pela superestrutura, conceitos que conheceremos no próximo tópico.

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TÓPICO 5 | CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA PRÁTICA SOCIOLÓGICA DE KARL MARX

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3 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURAMarx analisou em toda a sua obra o desenvolvimento da história, buscando

compreender como se dava o processo histórico e os fenômenos sociais que o desencadeavam. Chegou à conclusão de que o andamento das situações estava diretamente relacionado com o trabalho humano, com as interações realizadas para satisfazer as necessidades de sobrevivência.

Desta forma, suas teorias sociais voltaram-se ao estudo do modo de produção da vida material, por acreditar que é este modo de produção que condiciona todos os outros fenômenos sociais, todas as outras esferas da vida social. Ele defendia que para iniciar um estudo sobre a sociedade o primeiro passo era reconhecer que existia essa dominação do modo de produção sobre o restante das dimensões sociais.

Esta é a tese fundamental de Marx e pode ser considerada a base de seu método sociológico. Para Marx, o estudo da sociedade deve começar sempre pela sua economia (vida material do homem), que é o elemento que condiciona todo o desenvolvimento da vida social (SELL, 2002, p. 165).

Partindo dessa ideia de dominação, Marx divide a dimensão econômica da sociedade em dois itens, que ele chama de infraestrutura e superestrutura. A infraestrutura é considerada por ele como base da sociedade (composta pelas relações de produção e forças produtivas), sobre a qual está edificada uma estrutura política e ideológica, chamada de superestrutura.

Assim, a infraestrutura condiciona a superestrutura, ou seja, os aspectos econômicos condicionam a vida política e cultural da sociedade. Para compreender esta relação, devemos analisar a base material da sociedade e verificar como ela interfere na vida política e nas ideologias de um determinado grupo social (SELL, 2002).

Para explicar a infraestrutura, Marx utiliza a dimensão do trabalho, que é parte da vida econômica. Ele defende que é o trabalho o elemento mais fundamental da economia, pois é na produção dos bens para a sobrevivência que o homem transforma a natureza (matérias-primas) e reproduz sua existência de acordo com a estrutura da qual faz parte.

Haveria, portanto, duas dimensões básicas no processo de trabalho, a relação do homem com a natureza e a relação do homem com os outros homens neste mesmo processo (SELL, 2002).

A relação do homem com a natureza se compunha pela relação com as ferramentas e matérias-primas, que o auxiliam no processo de produção. Estes elementos auxiliadores são os meios de produção de uma determinada sociedade e, juntamente com a matéria-prima, com a base inicial da produção, formam as forças produtivas, que resumindo “[...] correspondem a tudo aquilo que é

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utilizado pelo homem no processo de produção, desde uma simples enxada até as máquinas mais desenvolvidas” (SELL, 2002, p. 167).

As forças produtivas participam das determinações de uma sociedade por serem produtos de algo anterior ao indivíduo, ele não escolhe as suas forças produtivas, e isto para Marx tinha profundas relações com o desenvolvimento da história. E como o processo de trabalho não era solitário, e sim um fenômeno coletivo, envolveria também as relações entre os próprios homens.

As relações do homem com o próprio homem estão relacionadas com as relações de produção, ou seja, com as formas de interagir com os colegas de trabalho, situação relacionada com a divisão social do trabalho. Para Marx, as relações de produção mudam de acordo com as forças de produção, ou seja, as relações sociais também são determinadas pelas forças produtivas.

É desta forma que a base econômica da sociedade, ou infraestrutura, é formada: pelas relações de produção e pelas forças produtivas. E como as sociedades precisam do trabalho elas se organizam e é possível observar estas duas dimensões (SELL, 2002). Além disso, é importante ressaltar que as forças produtivas interferem nas relações de produção, determinam as relações sociais que irão surgir aí.

Para entender a composição da superestrutura, vamos antecipar resumidamente o que são as classes sociais para Marx. As classes sociais também são fruto das relações dos indivíduos com o processo produtivo, pois elas passam a existir quando surge a propriedade privada, e um grupo social passa a possuir os meios de produção e o outro não, originando dois grupos ou duas classes.

Para que a dominação seja efetivada dos proprietários com relação aos que não possuem os meios de produção, eles precisam utilizar a força, e surge neste momento o Estado. Para Marx o Estado é utilizado para garantir o interesse dos proprietários e o seu domínio econômico na sociedade.

Para isto os meios utilizados são as leis e o conjunto de normas legitimados pelo Estado, e quando estas não funcionam existe ainda a força para esta defesa. Esta força se manifesta nos grupos armados que, sendo obedientes ao Estado, também defendem os interesses dos dominantes.

A segunda forma de garantir a dominação é por meio das ideologias, conjunto de ideias que, na sociedade, é o conjunto de ideias da classe que domina. Portanto, se uma determinada classe domina economicamente um grupo social, ela também consegue, por meio das ideologias, difundir a sua visão do mundo e os seus valores (SELL, 2002).

Com este processo a classe que está em posição de dominada não percebe que está nesta condição, porque acaba compartilhando a ideologia imposta. As falsas representações incutidas pelas ideologias dos dominantes têm a função de

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manter seu poder e consolidá-lo, dominando também a esfera espiritual daqueles que não possuem os meios de produção.

Como exemplo, podemos citar que a infraestrutura se compõe pelas formas de trabalho, pelos recursos naturais e humanos que são utilizados, pelas fontes de energia que movem a produção ou mesmo pela tecnologia empregada. Já a superestrutura está no domínio do que envolve a representação, como a religião, as formas de poder empregadas, as ideologias difundidas, as determinações morais e mesmo a filosofia e a arte.

Para entender a sociedade, portanto, precisamos ir até a infraestrutura, pois ela determina o Estado e a ideologia, ou seja, a superestrutura. É na infraestrutura que se forma a classe dominadora, que controla o poder político e ideológico das sociedades (SELL, 2002).

4 CLASSES SOCIAISClasses sociais, em síntese, se definem como um grupo de pessoas que,

de acordo com determinados critérios, compartilham de uma mesma situação social, de um mesmo status. Em geral estes critérios estão associados ao capital e geram a classe dominante, detentora do poder do Estado, e a classe dominada, que reproduz a estrutura social definida pelos dominadores.

As classes sociais são, para Marx, a forma de estratificação social encontrada na sociedade capitalista, ou seja, para ele as desigualdades sociais que geram a diferenciação estão relacionadas com a dimensão econômica. As relações de produção determinam a classe dos que exploram e a classe dos que são explorados.

Para este autor, é na sociedade capitalista que é possível enxergar com clareza a distinção de camadas sociais, que ele identificou nas sociedades industriais e chamou de classes sociais. Ele dividiu a sociedade entre os que possuem os meios de produção e aqueles que não os possuem e vendem sua força de trabalho.

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Quando estudou estas classes sociais fundamentais (burguesia e proletariado), Marx defendeu que elas são dependentes entre si: uma não existe sem a outra. Mas ele também identificou a existência de outras classes ao longo da história, como escravos, plebeus, senhores, mestres, vassalos, entre outros.

[...] os interesses de classe são inconciliáveis. O capitalista deseja preservar seu direito à propriedade dos meios de produção e dos produtos e à máxima exploração do trabalho do operário, seja reduzindo os salários, seja ampliando a jornada de trabalho. O trabalhador, por sua vez, procura diminuir a exploração ao lutar por menor jornada de trabalho, melhores salários e participação nos lucros (COSTA, 1997, p. 86).

Marx privilegiou em suas análises a divisão entre as duas classes fundamentais por acreditar que o restante das classes sociais sucumbiria e todos passariam a se enquadrar em uma das duas. Assim, as pequenas indústrias não conseguiriam concorrer com os grandes capitalistas, bem como os pequenos comerciantes, camponeses etc. O proletariado seria formado, portanto, por todos aqueles que seriam “recrutados” nestas classes e absorvidos (DIAS, 2005).

Outras classes são identificadas por Marx como pertencentes à sociedade capitalista, embora estejam sempre orbitando em torno das classes fundamentais. Em outra parte do Manifesto Capitalista refere-se às camadas intermediárias que se encontram entre a burguesia e o proletariado como ‘classes médias’, identificando-as com: os pequenos comerciantes, os pequenos fabricantes, os artesãos e os camponeses. Caracteriza-as como conservadoras e que só combatem a burguesia quando esta lhes compromete a sua existência como classe (DIAS, 2005, p. 155).

Além disso, havia para ele uma camada marginalizada, ainda pertencente à sociedade capitalista, mas que estavam fora do processo produtivo, que Marx chamou de lumpemproletariado (DIAS, 2005).

Com o desenvolvimento do capitalismo, as classes sociais continuam relacionadas ao capital, mas a complexificação social produziu outras camadas sociais, além das identificadas por Marx e que possuem certa autonomia com relação à divisão em proletariado e burguesia.

As mudanças históricas, de acordo com Marx, se dariam por meio do conflito entre as classes sociais fundamentais, os capitalistas e proletariado. O

IMPORTANTE

Karl Marx identificou na sociedade capitalista uma divisão em classes sociais, que eram a burguesia (donos dos meios de produção) e o proletariado (composto por aqueles que não possuíam os meios de produção e vendiam sua força de trabalho).

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proletariado, de um lado, defendendo a mudança social, e os capitalistas, do outro, buscando manter a ordem social que legitima sua dominação. Este conflito ele denominou de luta de classes, e será estudado mais adiante ainda nesta unidade.

5 ALIENAÇÃOPara Marx, segundo Boudon e Bourricaud (2004, p. 22), “[...] a noção de

alienação é utilizada principalmente para descrever a desumanização que resulta do desenvolvimento capitalista”. Simplificando, podemos entender que o avanço do sistema capitalista desumanizou as sociedades e causou o fenômeno social definido por Marx como alienação. Esta desumanização está relacionada com a divisão social do trabalho e a separação dos trabalhadores dos meios de produção.

Segundo ele, o comércio da força de trabalho em troca de salário, o desenvolvimento industrial, o capitalismo e todas as suas características realizavam um processo de separação entre o trabalhador e os meios de produção, e também entre o trabalhador e os resultados de seu trabalho. Esta separação deixa o indivíduo alienado, pois tudo o que ele produz e os meios pelos quais produz passam a ser do capitalista, detentor destes itens.

A sociedade capitalista aliena o trabalhador do produto de seu trabalho; coloca-o como concorrente daqueles com quem partilha interesses e, em consequência, aliena-o de seus pares; enquanto o agricultor percebe imediatamente o sentido de seu trabalho (extrair da natureza seus meios de subsistência), o trabalhador da indústria é despossuído do sentido de seu trabalho; enfim a divisão do trabalho despoja o trabalhador de sua própria humanidade (BOUDON; BOURRICAUD, 2004, p. 22).

Para Marx a essência do homem é o trabalho, e é nesse ponto que a alienação é produzida. Ele identificou quatro tipos de alienação humana provocados pela propriedade privada: alienação do homem do produto do seu próprio trabalho; alienação do homem no ato da produção; alienação do homem de sua própria espécie; alienação do homem de sua própria natureza humana.

IMPORTANTE

A alienação resume-se, portanto, à situação na qual o indivíduo não percebe as coisas como elas são na realidade, ele não reconhece sua essência, e para Marx a causa disto seria o sistema capitalista.

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FONTE: Sell (2002, p. 159)

Com o desenvolvimento do capitalismo, a filosofia, por sua vez, também passou a criar representações do homem e da sociedade. Diz Marx que a divisão social do trabalho fez com que a filosofia se tornasse a atividade de um determinado grupo. Ela é, portanto, parcial e reflete o pensamento desse grupo. Essa parcialidade e o fato de que o Estado se torna legítimo a partir dessas reflexões parciais – como, por exemplo, o liberalismo, transformaram a filosofia em “filosofia do Estado”. Esse comportamento do filósofo e do cientista em face do poder resultou também na alienação do homem (COSTA, 1997, p. 85).

Marx defendeu que, como os indivíduos passam por este processo de alienação, a única forma de se humanizarem novamente seria realizar uma crítica ao sistema capitalista que promovia a sua exclusão da sociedade. Esta crítica ocorreria de forma prática, por meio de uma ação política transformadora (COSTA, 1997).

Essa é a forma que Marx afirmou ser o projeto de ação sobre a sociedade, não apenas explicando seus fenômenos, mas identificando que a crítica social deve vir acompanhada de uma ação política, que defenda os direitos das classes desfavorecidas e alienadas, ou seja, do proletariado.

• Alienação do homem do produto do seu trabalho - aquilo que o trabalhador produz no capitalismo não pertence a ele. Pertence ao proprietário capitalista, ao dono dos meios de produção. Portanto, o homem aliena, ou seja, perde o controle daquilo que ele mesmo produz, quer dizer, do objeto do trabalho.

• Alienação do homem no ato da produção - na economia capitalista, o trabalhador também não controla a atividade de produzir. Esta capacidade é vendida por ele ao capitalista. Portanto, no processo de produção, o trabalhador também aliena sua atividade. Ela não lhe pertence e é controlada por outra pessoa.

• Alienação do homem de sua própria espécie - com isto, Marx estava querendo ressaltar que o homem também se achava separado de seus semelhantes.

• Alienação do homem de sua própria natureza humana - a principal consequência da propriedade privada e do capitalismo é que o homem está alienado de si mesmo, ou seja, daquilo que ele mesmo é. Isto acontece porque o trabalho – que é o elemento que o diferencia das outras espécies – não está mais a seu serviço. As coisas inverteram-se. Sob a forma capitalista, o homem tornou-se escravo do trabalho.

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6 PAPEL REVOLUCIONÁRIO DA BURGUESIA E COMUNISMO

Marx se preocupou em ressaltar que defendia que o mais importante na sociedade era sua transformação, que os filósofos estavam muito preocupados em contemplar os acontecimentos sociais e não em mudar a realidade. Dessa forma, ele buscou construir um projeto político para a sociedade, que considerasse a possibilidade de uma transformação social e a mudança de uma sociedade capitalista para um regime socialista ou comunista.

Como já vimos anteriormente nesta unidade, para Marx o que move os acontecimentos históricos é a luta entre as classes sociais, que ele chamou de forma resumida de “luta de classes”. Ele identificou que, em sua época, a formação do proletariado e da burguesia estava se tornando cada vez mais fortalecida, suprimindo as outras classes sociais.

DICAS

Se você quer conhecer mais sobre o conceito de alienação, veja o livro de István Mészáros chamado “A Teoria da Alienação em Marx”, Editora Boitempo, 1970.

IMPORTANTE

Um dos livros mais famosos de Karl Marx é o Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848 com Engels, e no qual ele apresenta um pouco da sua teoria da luta de classes. Sua fama se deve ao conteúdo político da obra, que alcançou o mundo inteiro e até hoje é utilizado como referência por grupos que fazem críticas sociais.

Conforme Marx, a classe burguesa foi muito importante no desenvolvimento da história, pois seu surgimento dissolveu a sociedade feudal e construiu a sociedade capitalista. Para ele, da mesma forma que a burguesia acabou com o feudalismo, ela criou condições para que os então proletários se voltassem contra ela.

Desta forma a burguesia fortaleceu a classe dos operários, que naquele momento histórico deveria destruir o capitalismo e implantar o regime socialista, de acordo com quatro etapas: combatendo as máquinas; defendendo seus direitos

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por meio do sindicalismo; organizando-se em partidos políticos para afirmar sua classe social; por último, iniciando uma luta que causaria uma revolução contra a burguesia (SELL, 2002). Seguindo este processo a burguesia seria derrotada.

Todavia, para realizar a revolução socialista que vai derrubar o capitalismo e instaurar a futura sociedade sem classes, os operários precisam construir uma consciência de classe. Com isto, Marx está querendo chamar a atenção para a diferença entre a condição objetiva de ser um proletário (ou seja, indivíduo que vive da venda de sua força de trabalho) e a condição subjetiva pela qual o indivíduo toma conhecimento desta situação, percebendo também que ele é explorado pelo sistema capitalista e por isso ele deve organizar-se para mudar a situação. Para Marx, é através das lutas coletivas que os operários vão formando esta consciência [...] (SELL, 2002, p. 189).

Essa organização política e o surgimento da consciência de classe seriam gerados pela própria industrialização, pois as condições de trabalho mostrariam que há interesses comuns entre os trabalhadores, e isso os levaria à organização política (COSTA, 1997).

Era essa organização que poderia revolucionar a situação social causada pelo capitalismo, e seria o proletariado que derrubaria a burguesia e instauraria uma nova forma econômica da humanidade, o comunismo. Mas ele sabia que para isso o operariado deveria conhecer as conduções objetivas que levariam à criação deste novo sistema econômico, e por este motivo defendia o papel da teoria na construção da realidade.

Para Marx, a sociedade comunista deveria abolir as classes sociais, pois cada um deveria ser livre para se desenvolver, e também deveria eliminar o Estado, pois ele era um instrumento de dominação da luta de classes e, como não haveria mais classes, o Estado não teria mais nenhuma função social de existência.

A base econômica do socialismo é a propriedade social dos meios de produção, isto é, os meios de produção são públicos ou coletivos, não existem empresas privadas. A finalidade da sociedade socialista é a satisfação completa das necessidades materiais e culturais da população: emprego, habitação, educação, saúde. Nela não há separação entre proprietários do capital (patrões) e proprietários da força de trabalho (empregados) (OLIVEIRA, 1999, p. 63).

Mas antes de o comunismo se consolidar, haveria uma fase intermediária porque o Estado deveria ser usado na luta contra a burguesia. Esta fase seria o socialismo, que seria o período de transição, no qual a classe burguesa seria abolida e as bases do comunismo seriam implantadas (SELL, 2002). Marx não assistiu à revolução que tanto propunha, e o socialismo se dividiu em correntes, mas ainda existem pessoas que acreditam e defendem que esta seria uma alternativa aos problemas da sociedade capitalista.

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7 SOCIEDADE CAPITALISTAO modo de produção capitalista é uma das principais preocupações da

teoria de Karl Marx, ele o estudou densamente, pois era o regime econômico no qual vivia a sociedade de sua época.

A principal característica do capitalismo é a existência da propriedade privada, mas ele também é caracterizado por um grande acúmulo de riquezas e lucros nas mãos de poucos indivíduos. Muito inicialmente esta acumulação se dava por comercializações, de modo geral ilegais, mas o grande pontapé em seu desenvolvimento foi a Revolução Industrial.

O trabalhador não dispunha mais de instrumentos de trabalho em sua casa, passou a ser assalariado, e o avanço da técnica acelerou a separação entre o trabalhador e seus instrumentos. Apenas os mais ricos tinham condições de adquirir os meios de produção, e os artesãos não conseguiram competir com as fábricas que eram criadas. Desta forma o lucro dos patrões passou a dominar as relações de produção.

Ao analisar o capitalismo, Marx chegou a algumas conclusões e construiu conceitos para examiná-las. Um destes conceitos é a mercadoria, produto do sistema capitalista. A mercadoria possui um valor de uso e um valor de troca. Seu valor de uso é sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana, ou seja, seu conteúdo. O valor de troca é a capacidade da mercadoria de ser trocada por outra. Para Marx, o que determina este segundo valor é o tempo de trabalho que é empregado na produção desta mercadoria, ou seja, quanto mais tempo levar para que ela seja produzida, mais valor no mercado ela terá. Assim, ele relaciona a mercadoria ao trabalho.

Por meio da produção de mercadorias e de seu valor de troca, o capitalismo consegue gerar acumulação de riquezas, pois o capital, ou dinheiro, que é investido na produção da mercadoria, acaba gerando lucros, ou seja, mais dinheiro. O lucro conquistado com a mercadoria vem também do trabalho.

O trabalhador nunca produz apenas o suficiente para pagar o custo dos meios de produção (matéria-prima, ferramentas) e o seu salário. Ele produz além disso, e este excedente é chamado por Marx de mais-valia. A mais-valia pode ser absoluta, quando o lucro é obtido pelo aumento da jornada de trabalho,

DICAS

Para compreender mais sobre o comunismo, assista ao filme “Olga”, de 2004, do diretor brasileiro Jayme Monjardim.

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UNIDADE 1 | PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO – AUTORES, CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS

ou relativa, quando o lucro é obtido pelo aumento da produtividade. As duas formas fazem com que o trabalhador produza e trabalhe mais, pagando em pouco tempo seus custos e construindo o lucro do detentor do capital. Este processo é denominado de exploração.

Outro conceito da análise sobre o capitalismo em Marx é o conceito de salário. Ele é a quantia em dinheiro recebida pelo operário que vendeu sua força de trabalho, pois não tem condições de possuir meios de produção. Sua única forma de sobrevivência é transformar sua força em mercadoria.

Marx acreditava que o capitalismo estava fadado à ruína, pois é um sistema econômico no qual a produção de bens de consumo e produtos são produzidos, mas os trabalhadores, pela exploração, ficam cada vez mais pobres e não podem consumi-los. Isto geraria uma espécie de colapso, um período de estagnação e desemprego que provocaria a revolta dos trabalhadores (SELL, 2002).

De acordo com Sell (2002), em síntese, Marx desenvolveu quatro teses fundamentais sobre o capitalismo:

• o objetivo do sistema capitalista é o lucro;

• o lucro é gerado pela exploração (mais-valia);

• na base do capitalismo está um sistema de relação de classes;

• no capitalismo, o homem se encontra alienado.

Estas seriam as características do sistema econômico capitalista que, para Marx, estaria condenado à ruína, mas esta tese ainda não se concretizou, pois o capitalismo é o modo de produção vigente na maior parte dos países no mundo atual.

DICAS

É na obra “O Capital” que Marx estuda detalhadamente o capitalismo. Ela é dividida em quatro livros, cujo primeiro foi publicado em 1867.

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CAPÍTULO IVPRIMEIRO MANUSCRITO: SALÁRIO DO TRABALHO

O salário é determinado pela luta árdua entre o capitalista e o trabalhador. O necessário triunfo do capitalista. O capitalista pode viver mais tempo sem um trabalhador do que o contrário. A união entre capitalistas é comum e competente, enquanto a união entre trabalhadores é proibida e traz-lhes os mais árduos resultados. Ainda mais, o proprietário e o capitalista podem completar os seus ganhos com os lucros da indústria, ao mesmo tempo em que o trabalhador não tem renda da terra nem mesmo juros sobre o capital para acrescentar ao seu salário industrial. Assim, vem a magnitude da concorrência entre os trabalhadores. Consequentemente, só para os trabalhadores é que a separação do capital, da propriedade de raiz e do trabalho, constitui uma separação contra a qual não se pode lutar, essencial e maléfica. O capital e a propriedade de raiz não precisam insistir nesta abstração, mas sim o trabalho do operário.

Consequentemente, para o trabalhador é inevitável a separação do capital, da renda da terra e do trabalho.

A lista de salários que abastece o sustento do trabalhador durante o trabalho é mais baixa e unicamente necessária, e um complemento apropriado para criar a família a fim de que a categoria dos trabalhadores não seja extinta. Pelo pensamento de Smith, o salário normal é o mais baixo que for compatível com a simple humanité, ou seja, com uma vida banal.

FONTE: MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 65.

LEITURA COMPLEMENTAR

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico você viu que:

• Muitos estudiosos seguem as teorias de Marx até a atualidade, pois ele estudou o sistema capitalista, vigente até hoje como forma de economia. Ele deixou inúmeros seguidores, chamados marxistas.

• Para Marx, a consciência e o pensamento são determinados pela vida material, o ponto de partida da realidade é o mundo material. A corrente que defende esta tese é chamada de materialismo dialético, e é desta forma que ele buscou analisar a história.

• A infraestrutura é considerada por ele como base da sociedade (composta pelas relações de produção e forças produtivas), sobre a qual está edificada uma estrutura política e ideológica, chamada de superestrutura.

• Classes sociais, em síntese, se definem como um grupo de pessoas que, de acordo com determinados critérios, compartilham de uma mesma situação social, de um mesmo status.

• Karl Marx identificou na sociedade capitalista uma divisão em classes sociais, que eram a burguesia (donos dos meios de produção) e o proletariado (composta por aqueles que não possuíam os meios de produção e vendiam sua força de trabalho).

• A alienação resume-se à situação na qual o indivíduo não percebe as coisas como elas são na realidade, ele não reconhece sua essência, e para Marx a causa disto seria o sistema capitalista.

• Marx defendia que o proletariado derrubaria a burguesia e instauraria uma nova forma econômica da humanidade, o comunismo.

• Segundo as análises de Marx, a principal característica do capitalismo é a existência da propriedade privada, mas ele também é caracterizado por um grande acúmulo de riquezas e lucros nas mãos de poucos indivíduos.

• Para Marx, o trabalhador nunca produz apenas o suficiente para pagar o custo dos meios de produção (matéria-prima, ferramentas) e o seu salário. Ele produz além disso, e este excedente é chamado por Marx de mais-valia.

Page 95: História da sociologia

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AUTOATIVIDADE

Vamos fixar conceitos?

Escreva, resumidamente, o que você compreendeu sobre os conceitos das teorias sociológicas de Karl Marx.

1 Materialismo histórico dialético: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Sociedade capitalista: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 Infraestrutura e superestrutura: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 Classes sociais: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5 Alienação: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

6 Papel revolucionário da burguesia e comunismo: _________________________________________________________________

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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UNIDADE 2

O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE

PENSAMENTO E AUTORES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• relatar a consolidação da sociologia como campo científico, partindo das principais escolas de pensamento e autores que participaram deste pro-cesso;

• comparar diferenças e semelhanças entre as teorias sociológicas norte-a-mericana, alemã e francesa, delimitando a importância individual de cada para os rumos da sociologia diante das demais ciências;

• identificar e localizar os autores determinantes para a institucionalização da sociologia como ciência.

Esta unidade está dividida em três tópicos. Em cada um deles, você encon-trará atividades que o(a) ajudarão a compreender e fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – SOCIOLOGIA NORTE-AMERICANA

TÓPICO 2 – SOCIOLOGIA FRANCESA

TÓPICO 3 – SOCIOLOGIA ALEMÃ

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TÓPICO 1

SOCIOLOGIA NORTE-

AMERICANA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃOEsta unidade apresentará para você, acadêmico(a), as formas pelas quais

ocorreu o desenvolvimento da ciência sociológica, destacando as principais escolas de pensamento e os autores que marcaram a produção das pesquisas sociais durante o período de consolidação deste campo científico.

Veremos quais caminhos a sociologia tomou após a sua consolidação como ciência e após as teorias clássicas que estudamos na Unidade 1. Entre estes caminhos, destacamos três vertentes que fizeram parte da consolidação da sociologia como ramo de estudos da sociedade e que produziram grandes investigações que determinaram os caminhos mencionados anteriormente.

Destacamos, para isso, a sociologia norte-americana, a sociologia francesa e a sociologia alemã, que ainda hoje influenciam os estudos sociológicos, sob a forma de referências para estudos e trabalhos.

Estas práticas estão associadas, na história da sociologia, a escolas de pensamento, que são a Escola de Chicago, a Escola Francesa de Sociologia e a Escola de Frankfurt. Cada uma destas escolas teve pensadores muito importantes, que batalharam para realizar seus estudos sociais e produziram teorias de inestimável importância.

Vamos começar conhecendo a sociologia norte-americana, marcada pelos estudos da Escola de Chicago, associada à Universidade de Chicago, na qual se iniciaram os estudos de sociologia urbana e o uso do conceito de ecologia humana.

Os estudos americanos foram marcados pelo uso de métodos bastante pragmáticos e menos teóricos, tal como a coleta de dados empíricos com metodologias quantitativas, por exemplo.

Também é nos Estados Unidos que Talcott Parsons desenvolveu sua teoria dos sistemas sociais, considerando a integração entre as esferas sociais e buscando descrever seu funcionamento.

Vamos praticamente fazer uma viagem de leituras na qual veremos os aspectos históricos e os destaques do processo de consolidação da sociologia e conheceremos os personagens que participaram deste processo. Bons estudos!

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

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2 ESCOLA DE CHICAGOA Escola de Chicago é uma corrente de pensamento e estudos sociológicos

surgida na década de 1910 e que teve seu espaço entre 1915 e 1940 na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Seu surgimento está atrelado ao desenvolvimento da sociologia neste país, surgindo a partir do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago que, por sua vez, foi fundado por Albion Small.

FIGURA 9 – ALBION SMALL

FONTE: Disponível em: <http://www.brocku.ca/MeadProject/Timeline/ASAPre-sidents.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

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TÓPICO 1 | SOCIOLOGIA NORTE-AMERICANA

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Os primeiros esforços de pensar a sociedade neste país partem da identificação de problemas sociais, considerados patológicos, para os quais se buscava não efetivamente uma explicação, mas mais uma solução. Os estudos estavam direcionados aos fenômenos sociais urbanos das grandes metrópoles que existiam nos Estados Unidos.

Estes estudos inauguraram a área de sociologia urbana diante das práticas sociológicas, focando suas pesquisas nos fenômenos sociais encontrados nas áreas urbanas.

A família Rockefeller, especialmente John Davison Rockefeller, teve ampla influência no financiamento das pesquisas sociológicas americanas até a década de 30, incluindo as investigações da Escola de Chicago. Esta família mantinha a própria Universidade de Chicago, fundada em 1895 a partir de uma grande doação deste milionário que fez fortuna na indústria do petróleo, dono da Standard Oil.

A partir de 1930 a associação que integrava os pesquisadores americanos desta área, a American Sociological Society (ASS), sofreu uma diminuição na quantidade de membros, em virtude de dois fatores: a) o crescimento de associações regionais e uma clivagem entre antigos pesquisadores ligados às tradições reformistas; b) e modernos pesquisadores, adeptos das investigações práticas e com métodos estatísticos.

Uma das primeiras pessoas a ingressar no corpo de professores do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago foi William I. Thomas. [...] Thomas, Small e outros deram início a um programa de pesquisas. Estudaram as comunidades de imigrantes e a pobreza – principalmente Thomas, que sempre imagino como um homem muito vigoroso, corpulento e dinâmico. Ao lado do polonês Florian Znaniecki, Thomas iniciou uma pesquisa que veio a se tornar um dos primeiros grandes trabalhos de campo publicados: The Polish Peasant in Europe and America reuniu um grande número de entrevistas e histórias de vida de pessoas que viviam na Polônia e das que haviam emigrado para os Estados Unidos. [...]

O Departamento cresceu sob a direção de Thomas e tornou-se muito importante, tendo gerado diversos departamentos. Alunos de Chicago foram para outras universidades americanas, onde instalaram departamentos de sociologia. Em um curto espaço de tempo, essas unidades também estavam formando doutores na disciplina: a Columbia University, sob a direção de Franklin Giddings, e, logo depois, Los Angeles, Seattle, Washington e alguns outros centros passaram a desenvolver programas de pesquisa e ensino para sociólogos. Assim, em pouco tempo profissionais dessa área começaram a ocupar o país (BECKER, 1996, [s.p.]).

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

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A perspectiva empirista marcou os trabalhos sociológicos, definindo um caráter pragmático aos trabalhos americanos e permitindo que a realização de inúmeros trabalhos empíricos se tornasse uma das características da sociologia norte-americana. Os sociólogos se voltam para fenômenos locais, utilizando-se de teorias mais localizadas e dados da realidade concreta na qual viviam.

A Primeira Guerra Mundial representa um verdadeiro choque para os sociólogos americanos. Ela enfraquece consideravelmente a sua convicção em um possível trabalho racional da sociedade sobre si mesma, trabalho que, à luz dos preceitos promulgados pelas ciências sociais, poderia ter evitado acontecimentos históricos tão cruéis. Sendo assim, longe de toda tentação profética e tendo trabalhado o luto das teorias gerais, os sociólogos americanos consagram uma atenção particular às comunidades ecológicas, objeto mais circunscrito e diretamente atingido pelos fenômenos de industrialização e urbanização (LALLEMENT, 2004, p. 16).

O primeiro programa de estudos da sociologia urbana foi elaborado pela chamada primeira geração de sociólogos da Escola de Chicago: Albion W. Small; Robert Ezra Park; Ernest Watson Burgess; Roderick Duncan McKenzie e William Thomas.

O “empirismo” domina, portanto, a sociologia americana. Longe, porém, de rejeitar qualquer orientação teórica, ele se caracteriza antes por sua desconfiança de um procedimento hipotético-dedutivo que parta de um corpo sistematizado de postulados, preferindo estudar cada fenômeno social particular no quadro de problemáticas construídas segundo “racionalidades” específicas. Estas últimas mais definem fórmulas originais de investigação empírica de fatos (a que o pesquisador permanece inteiramente submetido) do que abstrações conceituais por meio das quais esses fatos sejam construídos e interpretados. Esse empirismo, portanto, é naturalmente pluralista: cada escola elabora a sua problemática, tomando emprestado das tradições científicas exteriores elementos teóricos e conceituais que ela seleciona e reinterpreta muito livremente (CUIN; GRESIE, 1994, p. 188).

Park nasceu em Omaha, Nebraska, no centro dos Estados Unidos e fazia parte de uma família de ricos comerciantes. Estudou, se não me engano, na Harvard University e depois foi para Heidelberg, onde estudou com Simmel. Logo nos primeiros anos deste século, voltou de Heidelberg com um doutorado cuja tese era um ensaio sobre as massas e o público como formas diferentes de organizar a sociedade de larga escala. De volta a Harvard, lecionou filosofia durante alguns anos. Todavia, Park parece não ter gostado muito da vida acadêmica, ingressando, então, no jornalismo. Primeiro foi repórter, depois editor de vários jornais americanos, chegando a ser editor chefe do Free Press de Detroit, o mais influente jornal da cidade. Trabalhou

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Após eles, outros estudiosos firmaram participações importantes na Escola de Chicago: Frederic Thrasher, Louis Wirth, Everett Hughes e Erbert Blumer. Estes são considerados pertencentes à segunda geração da Escola de Chicago, no entanto, nesta fase o vigor e a fama da escola haviam diminuído.

A Escola de Chicago, de fato, se abrira amplamente à diversidade metodológica; seus resultados, porém, haviam desapontado seus clientes, que esperavam “soluções” práticas para os problemas urbanos. Sob o choque da grande depressão, a sociedade americana sem dúvida exigia mais de sua sociologia... (CUIN; GRESIE, 1994, p. 194).

A realização de projetos de investigação que buscavam prevenir o chamado desvio social demonstra a forte vertente de intervenção no social que persegue os projetos destes sociólogos, marcando o vínculo entre a sociologia e o intervencionismo social.

Sobre esta segunda geração, temos o seguinte depoimento, bastante ilustrativo da situação da época:

durante anos nessa profissão, tornando-se, posteriormente, ghost writer dos mais famosos líderes negros da época, como Booker T. Washington, famoso educador. Park escreveu ensaios e livros para Washington, inclusive seu livro mais conhecido, The Man Farthest Down. Mais tarde, foi secretário executivo da Organização para a Libertação do Congo Belga. Ele teve, pois, uma vida muito ativa e movimentada. Escreveu e publicou alguns ensaios com seu próprio nome, não em revistas de ciências sociais, mas naquelas de opinião que tratavam de questões sociais. Foi desse modo que chamou a atenção de Thomas, que, ao conhecê-lo, sugeriu que ele talvez se interessasse em ensinar sociologia na Universidade de Chicago e lhe ofereceu um cargo por um ano.

Ao chegar a Chicago, Park mostrou-se uma pessoa muito dinâmica, organizando quase toda a Universidade, pelo menos na área de ciências sociais. Parecia que ele vinha pensando há anos no tipo de trabalho que precisava ser feito. Logo em seus primeiros tempos em Chicago, Park escreveu um ensaio sobre a cidade, encarando-a como um laboratório para a investigação da vida social. Ele tinha uma ideia central sobre a história do mundo naquela época, sobre o que estava ocorrendo, ideia que resumiu ao dizer: “hoje, o mundo inteiro ou vive na cidade ou está a caminho da cidade; então, se estudarmos as cidades, poderemos compreender o que se passa no mundo”. Assim, Park organizou seus alunos para esse empreendimento. O ensaio que resultou desse trabalho é muito interessante: consiste em uma série de tópicos, quase todos constituídos de perguntas cujas respostas se desejavam conhecer e que só podiam ser encontradas por meio da pesquisa empírica. Cada uma dessas questões poderia, por si mesma, servir de base para toda uma subárea de pesquisa sociológica – aliás, muitas se tornaram exatamente isso (BECKER, 1996, [s.p.]).

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Mas as atenções deixaram de pertencer à Escola de Chicago quando a Universidade de Colúmbia desenvolve uma prática sociológica voltada para novos temas, que preocupam mais a sociedade norte-americana daquele momento: “A industrialização, o desaparecimento da pequena comunidade tradicional, a acentuação das clivagens entre as classes sociais – e até entre castas (brancos e negros), o desenvolvimento das técnicas de propaganda [...]” (LALLEMENT, 2004, p. 18).

Após a guinada dos sociólogos da Universidade de Colúmbia, passam também a ter destaque as pesquisas realizadas na Universidade de Harvard, sobretudo com teorias desenvolvidas por Talcott Parsons, que assume a presidência da American Sociological Society em 1949, conforme veremos mais adiante.

3 SOCIOLOGIA URBANAA sociologia urbana, inaugurada a partir da Escola de Chicago, é um ramo

de pesquisas sociológicas, cujas investigações são especializadas nos fenômenos sociais urbanos. A cidade é, portanto, tomada como objeto de análise.

Muitos novos fenômenos de interação social e problemas sociais estavam surgindo a partir do início do século xx, em virtude da industrialização crescente em diversas regiões dos Estados Unidos. O crescimento destes novos fenômenos colaborou com o surgimento da sociologia urbana e, por consequência, da Escola de Chicago.

Estes novos fenômenos foram designados como problemas sociais e diziam respeito à delinquência entre os jovens, surgimento de aglomerados de pobreza e de desempregados, aumento do número de crimes e de pessoas marginalizadas, problemas com os imigrantes, surgimento de gangues, entre outros.

Passo agora a discorrer sobre a história da nova geração da Escola de Chicago. Hughes foi para o Canadá, onde já se encontrava um ex-aluno de Park, Carl Garson, na McGill University. Nessa época, quando os alunos terminavam seus estudos e procuravam emprego, um dos principais professores, como Park ou Burgess, pegava o telefone, ligava para algum lugar e dizia: “nós temos aqui um jovem sociólogo muito bom; acho que vocês deviam contratá-lo”, e ele era contratado. É por isso que sustento que a Universidade de Chicago era, de longe, a instituição mais importante da época, na área de sociologia, nos Estados Unidos. Quer dizer, era a instituição número um, e a número dois ficava muito atrás. Vocês podem imaginar como essa situação causava ressentimentos nos outros programas, que também formavam doutores, de modo que isso só durou até o final da Segunda Guerra Mundial (BECKER, 1996, [s.p.]).

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Estes problemas sociais mencionados eram considerados doenças do sistema social, tanto que o termo utilizado para se referir a eles era patologias. Estas “patologias” passaram a ser estudadas na Escola de Chicago, o que implicou o surgimento de teorias sociais sobre os problemas urbanos e permitiu a utilização de novos métodos de investigação, como o uso frequente de coletas estatísticas, por exemplo.

Um dos conceitos mais utilizados para as análises urbanas naquele momento foi o de ecologia humana, elaborado por Park, Burgess e McKenzie. A posição do ser humano no meio social urbano seria a referência que determinaria seu comportamento social e, por isso, os estudos da ecologia humana questionavam se o habitat influenciava o modo de vida dos cidadãos. O habitat, nesta situação, se resumia ao espaço físico que o indivíduo habitava e às relações sociais que mantinha.

FIGURA 10 – ROBERT EZRA PARK

FONTE: Disponível em: <http://www.lib.uchicago.edu/projects/centcat/cent cats/fac/fac_img35.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

Park nasceu em Harveyville, no ano de 1864, e faleceu em Nashville, em 1944. Sociólogo, foi uma das figuras mais representativas da chamada Escola de Chicago de Sociologia. Ele foi um pioneiro nos estudos urbanos e é considerado o introdutor do conceito de “ecologia humana”, além de se destacar por seu trabalho com grupos étnicos minoritários. Trabalhou como jornalista em diversas cidades, familiarizando-se com os problemas da sociedade americana do final do século XIX, em especial aqueles

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relacionados à população negra. Em 1922 ele publicou A Imprensa Imigrante e seu Controle, obra que expôs a necessidade de meios de comunicação para os imigrantes como um meio para conseguir a sua integração. Em 1921, ele escreveu, junto com Ernest W. Burgess, Introdução à Ciência da Sociologia, um manual que foi a primeira tentativa de sistematização da sociologia do conhecimento. Foi um dos estudiosos de ecologia humana, área na qual fez suas contribuições mais notáveis. Em seu livro A Cidade e outros Ensaios de Ecologia Urbana, publicado após sua morte, Park explicou como o ambiente urbano tornou-se o “habitat natural do homem civilizado” para representar a si próprio e satisfação de seus desejos, ou seja, a cidade é a melhor expressão da natureza humana. Este pensamento original influenciou não só os sociólogos, mas também geógrafos e urbanistas desde a segunda metade do século XX. Em seus últimos anos lecionou na Fisk University, em Nashville.

FONTE: Disponível em: <http://pt.infobiografias.com/biografia/28371/Robert-Ezra--Park.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

A tentativa dos sociólogos era determinar o uso que os indivíduos faziam do espaço urbano, ou seja, das cidades, mediante uma seleção. A ideia principal seria aplicar bases teóricas da ecologia vegetal e animal nas comunidades urbanas para tentar descobrir esta seleção operada para a ocupação do espaço.

A partir disso, eles notam as relações entre a distância física no espaço social e a distância social entre os indivíduos. Esta relação seria estudada por uma sociologia do espaço, que conseguisse medir as diferenças sociais a partir de suas distâncias no espaço.

De acordo com este princípio teórico, tudo se resumiria a uma teoria da dominação, pois nesta situação o espaço seria ocupado conforme uma hierarquia étnica, social e econômica. Existem, portanto, conflitos causados pelas tentativas de dominação de um grupo sobre o outro, sendo que os mais fracos tendem a assimilar a soberania dos mais fortes.

Partindo deste ponto de vista, os sociólogos definiram as áreas naturais, nas quais a ocupação não seria planejada e, por isso, era determinada pelas diferenciações entre grupos sociais. Um exemplo concreto desta situação é a marginalização espacial dos imigrantes, que na cidade analisada, Chicago, era muito presente naquele momento histórico.

Burgess definia o grande centro espacial, território disputado por todos, como sendo o Central Business District. Ele seria o centro com os espaços mais disputados e, a partir do afastamento deste centro, as terras passariam a perder valor social e, mesmo, econômico. Quanto mais afastado deste centro, mais o território era desconsiderado, tornando-se o espaço daqueles que sofriam o processo de segregação social.

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Com relação à migração para as cidades, os estudos teorizavam que os imigrantes eram acolhidos em espaços de segregação, os chamados guetos. Estes guetos seriam o desejo de permanecer unidos aos conterrâneos, mas pouco a pouco surgiria uma abertura para que eles participassem da vida social com aqueles que moravam há mais tempo naquele local. Isto explicaria a seleção que levava à formação dos guetos, que era descrita pelo conceito de densidade.

De todas estas teorizações, os sociólogos retiraram a ideia principal da Teoria da Interação Progressiva, que consistia na situação em que as populações formadas pelos imigrantes aos poucos se integravam com as populações locais, conforme o tempo passava.

Outra grande questão da sociologia urbana era descobrir se as patologias sociais, como a criminalidade, por exemplo, eram fruto do local onde o indivíduo estava inserido, do grupo social ao qual estava vinculado.

Esta perspectiva de ecologia humana teve grande influência das primeiras correntes sociológicas, como vimos na Unidade 1 deste Caderno de Estudos, que defendiam a existência de um processo de evolução social e criavam analogias entre o mundo natural e o mundo social. Deste modo, o centro urbano era considerado um laboratório, e foram utilizados com afinco métodos de coleta de dados, como os estatísticos.

Mas serão, sobretudo, os esforços de William F. Ogburn, que se transferiu de Columbia para Chicago em 1927 (e passou à direção da ASS em 1928), que farão a sociologia americana ingressar na era de uma metodologia estatística cuja sofisticação será crescente. Por fim, uma característica notável dessa sociologia essencialmente pragmática é que ela atribui a si mesma, como missão primeira, a elaboração de “tecnologias sociais” capazes de resolver as questões que geram as suas problemáticas: o tratamento dos fenômenos de marginalidade, de criminalidade e de segregação social será objeto dos Urban Area Projects, a que se atrelarão os pesquisadores de Chicago, ao passo que os de Columbia se aprofundarão mais tarde na tecnologia das sondagens pré-eleitorais e das pesquisas de marketing. Por isso, pode-se descrever essa geração de pesquisadores como a dos primeiros profissionais da sociologia (CUIN; GRESIE, 1994, p. 189).

A força das coletas empíricas e a multiplicação do surgimento dos guetos, em virtude das grandes ondas de imigração, fizeram com que os problemas sociais surgidos desta realidade fortalecessem as pesquisas realizadas na grande cidade industrial de Chicago, estabelecendo a primeira escola americana de sociologia, que por isto se voltou aos problemas urbanos e à interação entre os indivíduos e seu ambiente.

Uma das fortes características da sociologia urbana foi a compreensão de que a cidade, além de ser um laboratório no qual se poderiam analisar as mudanças sociais e fenômenos de organização no espaço e culturais, era também uma comunidade ecológica. Esta comunidade reunia elementos em interação, que resultavam em comunidades com equilíbrio precário; ocorrendo o desequilíbrio,

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geravam fenômenos que atingiam o espaço, a coletividade e a personalidade (CUIN; GRESIE, 1994).

O grande marco de “fundação” da sociologia urbana foi a publicação de um artigo de Park, em 1916, chamado “A Cidade: Propostas de Pesquisa sobre o Comportamento Humano em Meio Urbano”. Ele marca esta área da sociologia por lançar novas problemáticas, voltadas ao estudo do meio urbano.

Segundo Cuin e Gresie (1994), o lançamento desta problemática fez com que se realizassem muitos estudos direcionados à marginalidade, ao fenômeno de segregação étnica, à criminalidade, à delinquência juvenil e aos casos de doentes mentais.

Os métodos utilizados para estas investigações foram o estudo do meio, monografias sobre bairros, observação participante e análise das histórias de vida. Muitos estudos se resumiram a descrições e utilizavam a ecologia urbana para reivindicar o estatuto acadêmico.

4 SISTEMAS SOCIAISTambém a Universidade de Harvard se destacou na história da sociologia

americana, mesmo antes de ter seu departamento de sociologia fundado em 1930. Isto porque Elton Mayo elaborou uma pesquisa experimental realizada entre 1927 e 1932 com trabalhadores e uma grande indústria de Chicago, a respeito da fadiga.

Funda-se nesta universidade a chamada sociologia industrial, que nestas pesquisas afirmou a influência das relações sociais dentro da indústria na produtividade dos trabalhadores. Além disto, havia grande preocupação em situar os trabalhos realizados em relação às teorias dos clássicos, colocando as pesquisas realizadas em diversos quadros teóricos.

O departamento de sociologia da Universidade de Harvard foi fundado por Pitirim Sorokin, imigrante nos Estados Unidos, saído da antiga União Soviética. Ele realiza diversos trabalhos importantes utilizando o conceito de civilização.

Mas em 1944 é Parsons quem assume a prática sociológica desta universidade e cria o Department of Social Relations, que era multidisciplinar. Logo após, em 1949, Parsons é eleito presidente da American Sociological Society.

Talcott Parsons redigiu uma obra importante para a área das ciências sociais, a “The Social System”, em que esboça sua teoria dos sistemas sociais. Mas para compreendê-la vamos conhecer este americano:

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FIGURA 11 – TALCOTT PARSONS

FONTE: Disponível em: <http://revistaparametro.wordpress.com/2011/04/16/talcott-parsons-e-a-configuracao-do-estrutural-funcionalismo/>. Acesso em: 1 maio 2012.

Parsons nasceu em Colorado Springs, no ano de 1902 e faleceu em 1979. Sociólogo americano, sua contribuição mais notável foi a disseminação do conceito de “ação social”. Após graduar-se no Amherst College, em Massachusetts (1926), ele se mudou para a Europa, onde realizou grandes estudos na London School of Economics e na Universidade de Heidelberg, onde obteve seu doutorado em 1927 com uma tese sobre a origem do capitalismo na obra de Max Weber. Ele começou a ensinar como economista na Universidade de Harvard, em 1931, transferindo-se para o ensino de sociologia. Em 1944 finalmente recebe a cátedra dessa disciplina na Universidade de Harvard, onde, entre 1946 e 1956, foi chefe do novo Departamento de Relações Sociais. Depois de sair de Harvard, lecionou por três anos na Universidade da Pensilvânia, como professor visitante. Junto com Merton, Talcott Parsons foi o representante mais influente do funcionalismo sociológico. Inicialmente enquadrado dentro da teoria da ação social, a sistemática funcionalista desenvolveu uma teoria do comportamento humano baseada no princípio da voluntariedade. Neste contexto, Parsons volta-se para a psicologia moderna, dinâmica e se aprofunda na análise comparativa das estruturas sociais de Durkheim e Malinowski e o método para o estudo comparativo das instituições sociais em Weber. A partir de uma análise estrutural-funcional e influenciado pela tradição de autores europeus e teóricos como Pareto, Marshall, Durkheim e Weber, Parsons produz em sua obra mais importante, A Estrutura da Ação

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Social (1937), a Teoria da Ação”, como nós a concebemos. O elemento mais original está exposto no conceito de “ato unidade”, que consiste em quatro componentes: um ator, um objetivo, uma ação dividida para transformar-se em padrões intelectuais, expressivas, instrumentais e morais; e valores que determinam os três acima. O objetivo é obter o máximo de partes do mínimo de gratificação, além de ser influenciada por um complexo sistema de variáveis interdependentes e outras dimensões. Em seu trabalho posterior colocou mais ênfase no impacto da estrutura social sobre os atores, com a adoção de um novo conceito: o “status/papel” ou a posição ocupada por um ator na rede de interações sociais. Sua teoria foi criticada por autores como C. Wright-Mills. Em 1949 foi nomeado presidente da Sociedade Americana de Sociologia.

FONTE: Disponível em: <http://pt.infobiografias.com/biografia/28485/Talcott--Parsons.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

Talcott Parsons se diferencia dos demais sociólogos da época em que viveu por buscar construir grandes teorias, aplicáveis de forma geral, não apenas voltadas aos problemas sociais locais. Ele é considerado um dos expoentes das teorias estruturalistas.

Empenhado em um grande projeto teórico que pretende opor-se ao empirismo característico da sociologia americana, Parsons é o autor de um conjunto de trabalhos complexos e evolutivos. Assim o termo “estrutural-funcionalismo” (structural-functional analysis), que serve em geral para comodamente qualificar os trabalhos de Parsons, não permite com todo o rigor designar senão um dos momentos da obra (LALLEMENT, 2004, p. 114).

Por meio desta citação já podemos notar a grandiosidade da obra de Parsons, que buscou diferenciar-se da sociologia americana, que se pautava em buscas e pesquisas fortemente empíricas, e construir bons trabalhos teóricos. Primeiro ele elabora uma teoria da ação, que depois dará ênfase à noção de sistema, que Parsons estende a outros campos, não só ao sistema social.

Parsons pensa também no papel do sociólogo e da sociologia, e no livro The Structure of Social Action ele diz que a sociologia é “[...] a ciência que tenta construir uma teoria analítica dos sistemas de ação social na medida em que é possível compreender esses sistemas a partir da natureza da integração com base em valores comuns”. (PARSONS apud LALLEMENT, 2004, p. 114).

Neste trecho podemos notar o conceito de sistemas trazido pelo autor. Devem ser estudadas as estruturas da ação social, observando as relações e as trocas entre os atores sociais envolvidos. Mas o sociólogo precisa também compreender as conexões entre a estrutura estudada e a totalidade social na qual ela está envolvida e da qual participa para que haja bom funcionamento da estrutura.

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O sistema social contém vários exemplos de aplicação deste modelo analítico. Parsons mostra interesse, por exemplo, pela interação médico-paciente. Para que essa relação se torne funcional, o médico deve inscrever o seu papel sob os auspícios da performance (ele possui, para

Então vamos estudar a teoria dos sistemas de Parsons.

Ele baseia sua teoria dos sistemas em três elementos: personalidade, cultura e sociedade, que estão presentes, de um modo geral, na sociologia norte-americana. Assim, a personalidade está aliada à noção de papel social, vinculada a expectativas e antecipações recíprocas, fixando critérios de comportamento que regem interações em um dado momento. Já a cultura e a sociedade possuem uma diferenciação, pois a cultura apresenta um conjunto de valores e símbolos compartilhados pelos atores, que não envolvem as interações sociais (LALLEMENT, 2004).

Em O Sistema Social, bem como nos seus trabalhos em parceria com Robert F. Bales e Edward A. Shils, Parsons acredita que existem cinco dicotomias que, à semelhança de modelos de valores, são subjacentes ao sistema de ação. Estas “variáveis de configuração” (pattern variables), que na convicção de Parsons têm caráter exaustivo e universal, se interpõem ao ator que deve escolher os seus termos. A ação social oscila, assim:

Em primeiro lugar, entre afetividade e neutralidade afetiva: o ator pode se deixar guiar abertamente pelos seus sentimentos ou, ao contrário, reprimir todas as manifestações de afeto.

Em segundo lugar, entre a coletividade e a postura autocentrada: a ação pode ser motivada por fins partilhados em comum com outros atores ou, ao contrário, por metas estritamente pessoais.

Em terceiro lugar, entre universalismo e particularismo: o ator julga o seu ambiente com o auxílio de critérios gerais aplicáveis de modo universal ou, ao contrário, com a ajuda de critérios específicos aos atores e às coisas que ele avalia.

Em quarto lugar, entre qualidade e performance: a avaliação do outro repousa sobre suas qualidades individuais (aquilo que o outro é) ou sobre suas performances, avaliadas no crivo dos resultados da sua ação.

Em quinto lugar, enfim, entre especificidade e difusão: o ator pode interessar-se por uma parte da personalidade e da ação dos outros atores ou apreendê-los em sua globalidade.

FONTE: Lallement (2004, p. 113)

Vamos analisar um exemplo para compreender melhor?

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tanto, competências que foram socialmente validadas), do universalismo (os sentimentos e relações particulares que o médico pode por outro lado ter com seu paciente não devem interferir no tratamento), da especificidade (ele é especialista apenas da saúde) e da neutralidade (o médico não deve sucumbir à sedução do seu paciente sob o risco de não poder dirigir-lhe os sacrifícios às vezes necessários ao tratamento).

Diversamente do que se dá com os homens de negócios, sua ação, enfim, é orientada para a coletividade (o médico atua em prol de um interesse que não é puramente pessoal). Quanto ao enfermo, cabem-lhe um papel e expectativas diferentes, de maneira quase simétrica, pela afetividade, a qualidade e o particularismo.

FONTE: Lallement (2004, p. 113)

Observando as variáveis de configuração que permeiam a ação social, conforme a teoria de Parsons sobre os sistemas sociais e suas dicotomias (afetividade e neutralidade, coletividade e centralização em si etc.), escolha um papel social (estudante, filho, trabalhador, entre outros) e descreva, partindo do exemplo da interação médico-paciente dado neste tópico, uma interação social entre dois agentes sociais e a forma de orientação da ação destes (ex.: orientada para a coletividade, neutralidade, especificidade).

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Os sistemas, para que pudessem funcionar corretamente, segundo Parsons, precisavam estar em acordo com as ações humanas e destas dependiam. Ele decompõe, portanto, a ação humana em quatro subsistemas: o organismo, a personalidade, o sistema social e o sistema cultural.

Para o funcionamento destes sistemas, ele determina quatro categorias funcionais que garantem o funcionamento dos sistemas de ação e sua reprodução, de acordo com Lallement (2004):

• A adaptação às condições globais do meio que o cerca: esta função trata da necessidade de extrair recursos do meio para sobreviver.

• A orientação para a realização das metas: o sistema apenas existe quando possui objetivos e utiliza metas para alcançá-los.

AUTOATIVIDADE

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• A integração interna do sistema: refere-se à estabilização do sistema por meio da ordenação e integração entre as diversas partes.

• A manutenção dos modelos de controle: esta função trata do conjunto de valores que precisa ser produzido, mantido e reproduzido para manterem as motivações das ações individuais.

Parsons utiliza estas funções para compreender o ambiente externo (formado por elas) do sistema humano de ação, cujo sistema social também é a base. Ele compreende, portanto, o sistema social como um conjunto de trocas entre um meio e seu ambiente.

O sistema social seria constituído ainda de diversos subsistemas, cujo mais importante seria a comunidade societal, pela sua função de integração social. Segundo o autor, a lealdade presente nas comunidades é um elemento essencial para esta integração.

Já o subsistema de manutenção dos modelos culturais tem como função a formação de valores e orientações culturais. Por sua vez, o terceiro subsistema é a dimensão política, que envolve a ordem pública, a defesa do território, aplicação de sanções, entre outros. Ainda o subsistema econômico volta-se à especialização das funções adaptadas ao meio em que vive determinado grupo.

TALCOTT PARSONSA ESTRUTURA DA AÇÃO SOCIAL

A unidade de base pode receber o nome de “ação elementar” (unit act). Da mesma forma que na mecânica clássica, as unidades de um sistema, as partículas no caso, podem ser caracterizadas por suas propriedades – massa, velocidade, situação no espaço, direção do deslocamento... – as unidades dos sistemas de ação possuem também propriedades de base, mesmo que pareça impossível conceber a existência efetiva de tais unidades. [...] Uma “ação” implica logicamente os elementos seguintes: 1) ela supõe um agente, um “ator”; 2) uma ação deve ter

LEITURA COMPLEMENTAR

DICAS

Outro sociólogo importante e contemporâneo, Anthony Giddens, escreveu um capítulo em seu livro comentando a obra de Parsons: o livro se chama “Política, Sociologia e Teoria Social: Encontros com o Pensamento Social Clássico e Contemporâneo”, publicado em sua versão traduzida pela Editora da UNESP em 1998. Se você deseja conhecer mais sobre a obra de Parsons, esta é uma boa indicação, assim você conhece dois importantes sociólogos em uma mesma leitura!

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um “fim”, seu processo de se desenrolar; 3) deve ter lugar em um quadro que difere, no todo ou em parte, do estado de coisas para o qual está tendendo a realização deste ato. Esta situação pode ser analisada a partir de dois tipos de elementos: os elementos sobre os quais não exerce controle (isto é, que ele não pode modificar ou impedir que sejam modificados na perspectiva de realização do seu objetivo) e aqueles sobre os quais ele tem controle. Pode-se dar ao primeiro tipo de elementos o nome de “condições de ação”, ao segundo, “meios”; 4) finalmente, esta concepção analítica da ação pressupõe relações entre todos esses elementos: a escolha de meios alternativos destinados a atingir um fim, na medida em que a situação autoriza uma escolha dessas, revela uma “orientação normativa” da ação. No campo controlado pelo ator, os meios empregados não podem ser concebidos, de modo geral, nem como escolhas efetuadas ao acaso nem como puros produtos das condições de ação. [...] A primeira implicação importante é que uma ação é sempre um processo temporal. A categoria de tempo é fundamental neste esquema. O conceito de fim implica sempre uma referência futura, um estado que ou ainda não existe – e que não viria se nada fosse feito pelo ator para alcançá-lo – ou já existe, mas não permaneceria no estado. Este processo, analisado primeiramente em termos de relação afins, é denominado de maneira variável obtenção de fins (attaintment), realização (realization) ou ainda execução (achievement).

FONTE: Lallement (2004, p. 117)

DICAS

Leia mais em: PARSONS, T. The structure as social action. New York: The Free Press, 1937.

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RESUMO DO TÓPICO 1Neste tópico você viu que:

• A Escola de Chicago surgiu a partir do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago que, por sua vez, foi fundado por Albion Small.

• Os estudos da Escola de Chicago estavam direcionados aos fenômenos sociais urbanos das grandes metrópoles que existiam nos Estados Unidos.

• A realização de projetos de investigação que buscavam prevenir o chamado desvio social demonstra a forte vertente de intervenção no social que persegue os projetos destes sociólogos, marcando o vínculo entre a sociologia e o intervencionismo social.

• A sociologia urbana, inaugurada a partir da Escola de Chicago, é um ramo de pesquisas sociológicas, cujas investigações são especializadas nos fenômenos sociais urbanos. A cidade é, portanto, tomada como objeto de análise.

• Um dos conceitos mais utilizados para as análises urbanas naquele momento foi o de ecologia humana, elaborado por Park, Burgess e McKenzie.

• Na teoria da ecologia humana, os sociólogos buscavam determinar o uso que os indivíduos faziam do espaço urbano, ou seja, das cidades, mediante uma seleção. A ideia principal seria aplicar bases teóricas da ecologia vegetal e animal nas comunidades urbanas para tentar descobrir esta seleção.

• Também a Universidade de Harvard se destacou na história da sociologia americana, mesmo antes de ter seu departamento de sociologia fundado em 1930. Em 1944 ele é assumido por Talcott Parsons.

• Talcott Parsons redigiu uma obra importante para a área das ciências sociais, “The Social System”, em que esboça sua teoria dos sistemas sociais.

• Para Parsons, em sua teoria dos sistemas sociais, o sociólogo deve estudar as estruturas da ação social, observando as relações e as trocas entre os atores sociais envolvidos. Mas o sociólogo precisa também compreender as conexões entre a estrutura estudada e a totalidade social na qual ela está envolvida e da qual participa para que haja bom funcionamento da estrutura.

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AUTOATIVIDADE

Para observar o que você fixou sobre a sociologia norte-americana, descreva em tópicos suas características, os principais autores e suas teorias._________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 2

SOCIOLOGIA FRANCESA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A sociologia produzida na França ainda hoje é muito influente em todo o mundo, especialmente nas produções brasileiras. Dentro da sociologia da educação, por exemplo, diversos autores são muito utilizados como referências para a realização de novos estudos. Um deles estudaremos neste tópico, que é Pierre Bourdieu.

O desenvolvimento da sociologia na França foi marcado por estudos multidisciplinares, ou seja, que consideram todos os campos do saber, evitando barreiras disciplinares em suas realizações. Neste sentido, os autores que marcaram e que iremos conhecer agora foram bastante enfáticos: Norbert Elias e Pierre Bourdieu. Elias é alemão, mas sua sociologia desenvolveu-se na França, por isto sua prática é considerada como sendo da tradição francesa de sociologia.

De Norbert Elias conheceremos mais profundamente o conceito de civilização, que passa por toda a sua obra, e de Bourdieu, os conceitos de habitus e formas simbólicas.

Seria impossível apresentar a obra completa destes autores neste Caderno de Estudos, pois ambas são vastas e deram origem a muitas outras produções. Mas estudando estes conceitos principais passaremos pelos traços de todas as teorias produzidas por estes grandes sociólogos, aos quais o campo da sociologia deve inúmeras e importantíssimas contribuições.

Vamos à França?

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2 PIERRE BOURDIEUBourdieu foi um dos mais famosos sociólogos franceses que, além de

produzir inúmeros estudos, se envolveu de forma política nas lutas das classes dominadas socialmente. Ele possui uma vasta obra multidisciplinar, pois produziu não apenas na área da sociologia, mas também da filosofia, antropologia, arte, educação, entre outras.

Suas produções teóricas têm sido utilizadas com frequência no Brasil, nas mais diversas áreas, mas, sobretudo na sociologia, destacando-se a sociologia da educação e do conhecimento. Ele construiu uma teoria do mundo social baseada na localização dos agentes sociais determinada pela posse de capitais específicos: cultural, econômico e social.

Mas antes de entendermos sua teoria do espaço social, vamos conhecê-lo:

FIGURA 12 – PIERRE BOURDIEU

FONTE: Disponível em: <http://euvivonasociologia.blogspot.com.br/p/pierre-bourdieu-pierre-felix-bourdieu-1.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

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FONTE: Disponível em: <http://cafehistoria.ning.com/group/biografiatrajetriaseprosopografia/forum/topics/o-sociologo-pierre-bourdieu>. Acesso em: 1 maio 2012.

O sociólogo Pierre Bourdieu nasceu no dia primeiro de agosto de 1930, em Denguin, na França, e morreu em 2002. Foi aluno da Escola Normal Superior, entre 1951 e 1954, na qual recebeu o diploma de graduado em Filosofia. Trabalhou como professor do Liceu de Moulins, na França, nos anos de 1954 e 1955 e prestou serviço militar entre 1955 e 1958. Foi professor assistente na Faculdade de Letras de Argel, entre 1958 e 1960, e professor assistente na Faculdade de Letras de Paris, nos anos de 1960 e 1961. Atuou como orientador pedagógico na Faculdade de Letras de Lille, entre 1961 e 1964, ano no qual foi diretor de coleção das Éditions de Minuit. Exerceu o cargo de diretor de estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e diretor do Centro de Sociologia da Educação e da Cultura, entre 1964 e 1972, e membro visitante do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos Estados Unidos, nos anos de 1972 e 1973. Trabalhou ainda como professor visitante nas universidades de Chicago e Harvard, em 1973, e foi editor da revista Theory and Society, em 1974. Atuou como professor visitante e membro do Conselho Científico do Instituto Max Plank, em Berlim, em 1974, e foi diretor da revista Actes de la Recherche em Sciences Sociales e editor consultivo do American Journal of Sociology, em 1975. Assumiu as funções de membro do conselho editorial da The Sociological Review, em 1976, e do conselho editorial de Media, Culture and Society, em 1980. Como pesquisador, Pierre Bourdieu estudou os camponeses, os artistas, a escola, os clérigos, os patrões, as classes populares, a Etnologia, a Sociologia, a Filosofia, a Sociolinguística, a Economia e a História. Como autor, publicou o seu primeiro livro, Sociologia da Argélia, em 1958, demonstrando que a crise do campesinato não encontra sua explicação apenas no capitalismo agrário, mas também nos mecanismos muito mais sutis que se relacionam com a própria reprodução. Ali, estabeleceu o conceito de habitus. O seu segundo livro, Os Herdeiros, é de 1964. O livro tinha como subtítulo “Os Estudantes e a Cultura” e foi escrito em parceria com Jean-Claude Passeron. Nele, Bourdieu evidenciou o papel do capital cultural. No livro Amor pela Arte, publicado em 1966, Pierre Bourdieu aprofundou a noção de capital cultural e analisou as funções sociais das práticas culturais. A reprodução circulou em 1970, tendo como subtítulo de “Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino”. Escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, o trabalho recebeu muitas críticas e estabeleceu a noção de violência simbólica. “O Mercado dos Bens Simbólicos” é o título de um artigo publicado no ano de 1971 em L’Anné Sociologique. O texto delimita a ideia de campo de produção em sentido estrito como espaço de produção erudita no qual os produtores têm por público, essencialmente, os outros produtores, seus concorrentes diretos. Além disso, delimitou a ideia de campo da grande produção cultural, ao discutir o jornalismo, as indústrias culturais e tudo que se dirige a um grande público.

O pensamento sociológico de Pierre Bourdieu tem sido objeto de diversos estudos e reconhecido em escala mundial. Suas obras são caracterizadas pela densidade e variedade nos assuntos: campesinato, arte, escola, patronato, política, consumo, mídia, cultura etc.

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Apesar de suas construções teóricas estarem situadas no campo das Ciências Sociais, a formação de Bourdieu realizou-se em Filosofia, campo que forneceu a ele suas influências teóricas iniciais. O autor também utilizou e rejeitou elementos de diversas correntes teóricas, desde a filosofia das ciências – na tradição de Bachelard –, estendendo-se ao marxismo e ao diálogo com seus contemporâneos – Althusser, Habermas e Foucault.

Apesar de muitos autores terem classificado sua abordagem como estruturalista, Bourdieu criticava a filiação teórica unilateral e afirmava que o pesquisador deveria aproveitar a multiplicidade de conhecimentos das mais diversas abordagens. Ele sugeria um "pluralismo metodológico", de forma que o pesquisador confrontasse os resultados obtidos por diferentes métodos de investigação para chegar aos resultados mais corretos.

Em se tratando do estruturalismo, o pensamento bourdieusiano rejeita seu reducionismo, que nega as práticas dos agentes e afirma o determinismo das estruturas. À filosofia das ciências ele se opõe às tipologias que cristalizam as situações, recusando-se a aplicar sistemas classificatórios aos seus objetos de pesquisa. Considerando o descritivismo como etapa do processo de investigação, Bourdieu rejeita a fenomenologia. Do marxismo, ele absorve as ideias de luta pela dominação, e do individualismo metodológico rejeita a ideia de que o fenômeno social é unicamente produto das ações individuais. Defendendo que a objetividade da investigação não é atingida por ser o objeto um ente que pensa e que fala, ele opõe-se também ao positivismo.

A reconversão de Bourdieu às Ciências Sociais ocorreu durante estudos que realizou enquanto prestava serviço militar e lecionava na faculdade de Argel (1958-60). A situação que lhe chamou atenção naquele momento foi a agricultura argelina, pois esta encontrava-se em transição, passando de um sistema tradicional ao capitalismo moderno.

Nesse contexto, Bourdieu escreve Sociologie de l’Algérie (1958), Travail et Travaileurs en Algérie (1963) e Le Déracinement (1964). É na obra Travail et Travaileurs en Algérie (1963) que ele desenvolve o conceito de habitus, constituinte da marca fundamental de toda sua sociologia. Estas obras até o momento não possuem traduções para o português.

Veremos o conceito de habitus mais adiante, porém cabe lembrar que nas obras de Bourdieu o conceito de habitus é descrito como:

Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada de um maestro (BOURDIEU, 2004, p. XL).

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É o conceito de habitus que fundamenta a teoria da ação de Bourdieu, onde busca solucionar o problema do subjetivismo versus objetivismo. Sobre esta temática ele produz Esboço de uma Teoria da Prática (1971) e O Senso Prático (1980). É também na obra Esquisse d’une Théorie Pratique que Bourdieu elaborou analiticamente a noção de habitus. O autor defende o conhecimento praxiológico como alternativa para o problema do subjetivismo – tendência a ver a ordem social apenas como produto consciente e intencional da ação individual – e do objetivismo – tendência a tomar a ordem social como realidade externa e que determina os indivíduos de fora para dentro, transcendendo o indivíduo (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006).

Segundo Bourdieu, esse conhecimento "[...] tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas [...]" (BOURDIEU, 1983, p. 27). Assim, essa forma de conhecimento articula, sobretudo, o plano da ação (práticas subjetivas) e o plano das estruturas através do conceito de habitus, enquanto processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade.

Bourdieu descreveu a sociedade em termos de espaço social, o que lhe permitiu analisar a dimensão relacional das posições sociais. O pensamento bourdieusiano foge, desta forma, das explicações clássicas para as desigualdades trazidas pela tradição sociológica e encabeçadas por Karl Marx e Max Weber. Para as concepções marxistas, a sociedade está dividida em classes sociais que se opõem segundo um critério econômico. Para as concepções derivadas de Weber, a sociedade é analisada em termos de estratos, definidos a partir dos seguintes princípios de classificação: poder, prestígio e riqueza.

Estas duas concepções são sintetizadas e superadas pela abordagem que utiliza as noções de espaço e campos sociais, na intenção de evitar se inserir nessas dicotomias. A teoria do espaço social proposta por Bourdieu rompe com as tradicionais descrições da sociedade – que a formatam, do ponto de vista hierárquico, em pirâmide –, pois pressupõe que os agentes são definidos pelas suas posições relativas no espaço, formando assim um espaço multidimensional. Este espaço é definido por coordenadas, correspondentes a valores de diferentes variáveis, e que posicionam o agente (capitais). A posição dos agentes na estrutura do campo é dada pelo volume global de seus capitais, outro conceito cunhado por Bourdieu. A discussão sobre os capitais e seu sistema de herança social, que será aprofundada na próxima seção, é apresentada pelo autor na obra Les Héritiers, em 1964.

Os agentes sociais mobilizam estratégias para conservar ou para se apropriar de capital, procurando manter ou elevar seu volume para, consequentemente, manter ou elevar sua posição social. Por este motivo, são ativados mecanismos de reprodução que mantêm conservada a ordem social e a perpetuam.

Para Bourdieu, a reprodução das estruturas sociais serviu de base para a construção de uma de suas obras – escrita em conjunto com Jean Claude Passeron – mais influentes, em especial no campo educacional, A Reprodução (1970). Nesta obra ele se preocupa em apreender a contribuição do sistema de ensino aos processos mais gerais de reprodução social (CATANI; CATANI; PEREIRA, 2001)

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e desenvolve o conceito de estratégia, que divide na seguinte tipologia: estratégias de investimento biológico, estratégias de sucessão, estratégias educativas, estratégias de investimento econômico e estratégias de investimento simbólico.

As estratégias de investimento biológico relacionam-se ao controle de fecundidade e às estratégias profiláticas, objetivando facilitar a ascensão social da prole e manter a saúde (patrimônio biológico). As estratégias de sucessão garantem a transmissão de patrimônio material entre gerações com o mínimo de perda possível. As estratégias educativas produzem agentes capazes de receber a herança do grupo e transmiti-la. As estratégias de investimento econômico perpetuam ou aumentam os capitais. E, por fim, as estratégias de investimento simbólico conservam e aumentam o capital de reconhecimento social (BONNEWITZ, 2003). Cabe lembrar que essas estratégias nem sempre são conscientes, pois resultam da conjunção do habitus com práticas anteriores.

Na obra O Poder Simbólico (1989), Bourdieu discute como a produção e a reprodução da vida social são influenciadas pela dimensão simbólica, que defende ser uma dimensão fundamental na análise da realidade social. Ele buscou sintetizar três tradições sociológicas e filosóficas sobre as produções simbólicas:

A primeira, que tem em Durkheim seu maior representante sociológico, toma os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, como elementos que organizam o conhecimento ou mais amplamente a percepção que os indivíduos têm da realidade. A segunda, cuja origem se encontra no estruturalismo linguístico de Saussure e que teve em Lévi-Strauss um dos seus grandes expoentes, analisa os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, ou seja, como realidades organizadas em função de uma estrutura subjacente que se busca identificar. Finalmente, a terceira tradição, representada sobretudo pelo marxismo, concebe os sistemas simbólicos, antes de mais nada, como instrumentos de dominação ideológica, ou seja, como recursos utilizados para legitimar o poder de determinada classe social (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 33-34).

Sintetizando estas tradições, Bourdieu afirmou que a organização e a lógica da percepção dos indivíduos podem ser cientificamente identificadas, pois as produções simbólicas (língua, ciência, religião, arte, moral etc.) funcionam como estruturas estruturantes. Elas funcionam desta forma porque também são estruturadas e, por isso, reproduzem as estruturas de dominação social e hierarquias presentes na sociedade. As produções simbólicas podem ser produzidas ou apropriadas por um grupo, por um corpo de especialistas ou mesmo por um campo de produção e circulação relativamente autônomo.

Quando se refere aos campos de produção e circulação relativamente autônomos, Bourdieu consolida mais um de seus conceitos, o conceito de campo (por volta de 1960). Para o autor, à medida que as sociedades apresentam uma divisão social do trabalho mais complexa, alguns domínios de atividade se tornam relativamente autônomos (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006).

Os agentes contribuem para a conservação ou transformação da estrutura do campo no qual estão envolvidos, pois eles se enfrentam com meios e fins

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diferenciados conforme sua posição na estrutura, o que o caracteriza como campo de forças e de lutas. O conceito de campo diz respeito às estruturas sociais, uma vez que os campos “[...] se apresentam à apreensão sincrônica como espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinados por elas)” (BOURDIEU, 1983, p. 32).

Desenvolvendo sua teoria da dominação, Bourdieu afirma que a cultura é o meio pelo qual as elites garantem sua dominação e, por ser um sistema de significações hierarquizadas, torna-se móvel de luta para grupos sociais que querem manter distintivos entre classes sociais (BONNEWITZ, 2003). Esta teoria é desenvolvida em A Distinção, no ano de 1979.

Os conflitos ocorrem porque a cultura dominante tem a legitimidade de definir o mundo social e, consequentemente, garantir a reprodução da sociedade. Assim, ele defende que as lutas de classes são lutas simbólicas, cujo conflito encontra-se na imposição de categorias de percepção do mundo social de acordo com o interesse dos agentes dominantes. Os agentes passam a consumir bens culturais inscritos numa vontade de distinção social, e procuram em geral o que é socialmente legítimo como superior. Essa é a base para o que Bourdieu chama de violência simbólica, onde:

Os indivíduos que sustentam as formas dominadas da cultura podem, por outro lado, da mesma forma como ocorre no interior de um campo específico, adotar uma de duas estratégias diferentes. A primeira, mais comum, consiste em reconhecer a superioridade da cultura dominante e, em alguma medida, buscar se aproximar ou mesmo se converter a essa cultura. [...] A segunda consiste em se contrapor à hierarquia cultural dominante visando reverter a posição ocupada pela cultura dominada. [...] Bourdieu se mostra cético, no entanto, em relação às possibilidades de sucesso dessa segunda estratégia. As crenças, os valores e as tradições que compõem o que se denomina habitualmente cultura popular não constituiriam, do ponto de vista dele, um sistema simbólico autônomo e coerente, capaz de se contrapor efetivamente à cultura dominante (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 38-39).

A hierarquização dos bens simbólicos constitui, para Bourdieu, a base das hierarquias construídas pelos grupos sociais, reforçando as estruturas de dominação social e restringindo a mobilidade social destes. Como os capitais incorporados no habitus definem o posicionamento do agente no espaço social, ele está em relação de homologia com os consumidores dos mesmos bens simbólicos, permitindo assim um recorte teórico que Bourdieu chama de classe.

Portanto, nessa perspectiva, as classes não são algo pré-construído, os agentes são classes potenciais por estarem em relação de homologia. Um dos gráficos mais clássicos produzidos por Bourdieu demonstra a disposição dos agentes no espaço social, segundo o volume de seu capital econômico e cultural. Este gráfico é formado por um eixo positivo e um negativo, onde na parte superior estariam os detentores de maior capital, e na parte inferior os possuidores de menor capital, comprovando as diferenças entre segmentos sociais.

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FIGURA 13 – ESPAÇO DE POSIÇÕES SOCIAIS E ESTILOS DE VIDA

FONTE: Bourdieu (2005, p. 20)

CAPITAL GLOBAL +(de todos os tibos)

piano | bridgegolfe

PROFISSÕES LIBERAIS

PROFESSORESSECUNDÁRIOS

SERVIÇOSMÉDICO-SOCIAIS

QUADROS MÉDIOS COMÉRCIO

QUADROS MÉDIOS ADMINISTRATIVOS

EMPREGADOS DE ESCRITÓRIO

EMPREGADOS DO COMÉRCIO

PROFESSORES

TÉCNICOS

CONTRAMESTRES

CAPITAL GLOBAL

Espaço das posições sociais e espaço dos estilos de vida - (Diagrama das páginas 140 e 141 de La distinction, simplificado e reduzido a alguns indicadores significativos em termos de bebidas, esportes, instrumentos musicais ou jogos sociais). A linha pontilhada indica o limite entre a orientação provável para a direita ou para a esquerda.

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champanhenáutica

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caça

nataçãoágua mineral

QUADROSPÚBLICOS

PROFESSORESUNIVERSITÁRIOS

vinho tinto comum

vinho frisante

ASSALARIADOS RURAIS

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Partindo da teoria dos campos sociais, Bourdieu analisa o campo no qual o próprio sociólogo está inserido, o campo científico. Segundo ele, este campo dispõe de certa autonomia, pois as pressões externas são mediatizadas pelas pressões do campo, e quanto mais autônomo for o campo maior a sua capacidade de refração.

Todo campo é um campo de luta para transformar a disposição das forças, os agentes criam o espaço e o espaço existe pelos agentes e relações objetivas entre eles. Para clarificar, como exemplo pode-se utilizar o campo econômico, no caso em que a inserção de uma grande empresa pode redefinir todo o espaço econômico, conferindo-lhe uma certa estrutura, bem como um grande cientista pode o mesmo com o campo científico – como Einstein o fez (BOURDIEU, 2005).

Pierre Bourdieu discutiu e analisou o campo de atuação do sociólogo, a prática da sociologia e os usos sociais desta ciência. Sua principal obra neste sentido foi O Ofício de Sociólogo, de 1968, escrita em parceira com Jean Claude Passeron e Jean Claude Chamboredon, onde debate como romper com as visões do senso comum para atingir o espírito científico. A primeira tarefa do sociólogo seria, efetivamente, afastar-se das ideias difundidas pelo senso comum, que podem distorcer os resultados de uma pesquisa. Para os profissionais da sociologia existe maior dificuldade em cumprir esta tarefa, pois também são socialmente situados.

Deste modo, deve haver constantemente um elevado nível de vigilância epistemológica por parte do sociólogo, pois a reflexão epistemológica torna-se indispensável. Além disso, Bourdieu defende que a função social da sociologia é de permitir o desvelamento das estratégias de dominação, fornecendo instrumentos de compreensão do mundo social que permitirão aos agentes lutar contra todas as formas de dominação (BONNEWITZ, 2003).

A obra de Bourdieu passa ainda por outras temáticas, tais como as funções sociais das práticas culturais (L’Amour de l’Art, em 1966), os professores universitários (Homo Academicus, 1984), a alta burguesia (La Noblesse d’Etat, 1989), a exclusão social (La Misère du Monde, 1993), entre outros. Criou e dirigiu o periódico Actes de la Recherche en Sciences Sociales (1975). Além disso, passou por uma fase de forte engajamento político, nos anos 90, quando publicou livros visando alimentar os debates sociais e ideológicos, sobretudo com Sur la Television, 1996.

Em síntese, pode-se afirmar que as noções de habitus e campos foram sendo construídas e reconstruídas ao longo de toda a obra de Bourdieu. O conceito de habitus é considerado por autores que se apropriam de suas teorias como conceito que marca profundamente sua sociologia, ou seja, um conceito central de seu pensamento que, aliado à noção de campo, permite propor a solução do problema da objetividade e da subjetividade no mundo social.

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2.1 HABITUS

A palavra “habitus” tem como origem histórica a tradição escolástica medieval, sendo a tradução latina da noção grega de "hexis", utilizada por Aristóteles. Hexis referia-se a um estado adquirido e estabelecido do caráter moral que orienta nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, a nossa conduta. Com o filósofo Tomás de Aquino a noção se expande, adquirindo o sentido de disposição durável suspensa a meio caminho entre potência e ação propositada. Émile Durkheim utilizou-se da noção para designar um estado geral dos indivíduos, interior e profundo, que orienta suas ações de forma durável.

Por consequência de sua formação em filosofia, Bourdieu esteve envolvido nos debates filosóficos em torno da noção de habitus, porém em sua teoria do mundo social este conceito passa por uma renovação e assume um caráter delineado pela sociologia. Isto porque em Bourdieu é o conceito de habitus que articula o individual e o coletivo, além de dar a coerência entre a sua concepção de sociedade e de agente social individual (BONNEWITZ, 2003).

Portanto, o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais. Como já mencionado anteriormente, é nas pesquisas realizadas na Argélia que Bourdieu executou as experiências de campo e os trabalhos teóricos que o levaram a elaborar sua proposta para o conceito de habitus.

Considerando que o habitus é um sistema de disposições, estas são engendradas em condições determinadas e inegavelmente ajustadas a outras condições. Dessa forma, é pelo desajustamento que o habitus torna-se manifesto. Quando os argelinos dos anos 50 e 60 são lançados ao universo urbano – após serem arrancados de seu universo rural – ocorre que suas disposições passam a se ajustar ao novo ambiente, porém a partir de experiências anteriores já interiorizadas, originando uma espécie de senso prático de orientação no mundo social. Assim, o habitus é formado por dois aspectos: um objetivo – a estrutura – e um subjetivo – a percepção dos indivíduos.

A partir dessa experiência o conceito é retirado de seu contexto inicial e adquire alcance universal, definindo-se como noção mediadora que capta, nas palavras da já famosa fórmula, "a interiorização da exterioridade e a exteriorização da

DICAS

Grande parte da obra de Bourdieu, incluindo artigos e livros completos traduzidos para o português, está disponibilizada pela página da internet do Círulo Brasileiro de Sociologia, que você pode acessar em: <http://circulobrasileirodesociologia.blogspot.com.br/2010/02/bibliografia-completa-de-pierre.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

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interioridade", ou seja, o modo como a sociedade torna-se depositada nos indivíduos e guia suas respostas às solicitações do mundo social (WACQUANT, 2007).

O habitus constitui-se em um sistema de disposições duradouras adquirido pelo indivíduo durante o processo de socialização, cuja interiorização permite que determinados comportamentos e valores sejam efetivados sem a necessidade de lembrar-se explicitamente das regras que os regem antes de agir. Neste sentido, o habitus pode ser dividido em primário e secundário. O habitus primário é fruto das ações pedagógicas recebidas na infância, as mais precoces e mais antigamente adquiridas, onde predomina a influência da família. Consequentemente, produz as disposições mais duradouras.

Bourdieu defende em suas obras o conceito de habitus de classe, pois, segundo ele, toda família ocupa uma posição no espaço social, e no momento da socialização recebemos uma educação ligada a essa posição, para que possamos reproduzir espontaneamente as relações sociais existentes no momento da aprendizagem. Portanto, sujeitos situados em condições sociais diferentes vão adquirir disposições diferentes (BONNEWITZ, 2003). O habitus não é imutável, ele recebe estímulos externos que vão sobrepondo-se ao programa inicial constituído no habitus primário. Esse processo cumulativo traduz-se no habitus secundário, formado essencialmente pela instituição escolar.

Do ponto de vista teórico e analítico, os componentes formadores do habitus são três: ethos, hexis e eidos. Ethos designa os valores em estado prático, que regulam a conduta moral diária dos seres humanos de maneira inconsciente; hexis refere-se às interiorizações inconscientes do indivíduo ao longo de sua história em relação às posturas e disposições do corpo, uma aptidão corporal adquirida; eidos relaciona-se ao modo de apreensão intelectual da realidade, um modo de pensar específico. Bourdieu objetiva, com a utilização do conceito de habitus, resolver a dicotomia entre subjetivismo e objetivismo, constante em diversas análises sociológicas e cuja resolução tornou-se a principal característica da sociologia contemporânea.

Para facilitar a compreensão, vamos visualizar os elementos que constituem o habitus em um esquema:

Ethos: valores (dimensão normativa)

Hexis: posturas (dimensão existencial)

Eidos: pensamentos (dimensão cognitiva)HABITUS

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Bourdieu defende então, como alternativa capaz de solucionar os problemas entre subjetivismo e objetivismo, o conhecimento praxiológico, à medida que considera as relações dialéticas entre as estruturas e as disposições estruturadas. Efetivamente,

[...] o conhecimento praxiológico não se restringiria a identificar estruturas objetivas externas aos indivíduos, tal como faz o objetivismo, mas buscaria investigar como essas estruturas encontram-se interiorizadas nos sujeitos constituindo um conjunto estável de disposições estruturadas que, por sua vez, estruturam as práticas e as representações das práticas. Essa forma de conhecimento buscaria apreender, então, a própria articulação entre o plano da ação ou das práticas subjetivas e o plano das estruturas, ou, como repetidamente refere-se o autor, o processo de ‘interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade’ (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006, p. 26).

O conceito de habitus seria então a mediação entre as dimensões objetiva e subjetiva do mundo social, conciliando a oposição aparente entre realidade exterior e realidades individuais. Assim, diante desse aspecto relacional pode-se afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados, tornando-se um conjunto de esquemas de percepção, apropriação e ação, que é experimentado e posto em prática, na medida em que o campo estimule.

A relação dialética entre subjetivismo e objetivismo está manifesta na relação conceitual entre habitus e campos, pois os segundos são as estruturas e conjunturas que pressionam e influenciam os primeiros. Neste sentido, há uma interdependência entre habitus e campos, pois o habitus não é autossuficiente para a geração da ação: ele necessita de impulso externo e não pode ser considerado isoladamente dos campos nos quais evolui (WACQUANT, 2007). Para Bourdieu, a grande maioria das ações dos agentes sociais é produto do encontro de um habitus e de uma conjuntura, ou seja, um campo.

À medida que as sociedades tornam sua divisão social do trabalho mais complexa, ocorre um processo de autonomização de certos domínios de atividade da realidade social. Estes domínios são os campos, certos espaços de posições sociais nos quais determinado tipo de bem é produzido, consumido e classificado.

A relação entre o habitus e o campo é dialética: enquanto o habitus de certa forma é determinado pelo campo, a estrutura das posições do campo é determinada pelos habitus dos agentes integrantes deste. A relação de homologia entre habitus permite a formação dos diversos campos sociais, bem como – sendo o habitus produto de uma filiação social – ele se estrutura em relação a um campo. É através dos campos que ocorre o processo de diferenciação que distingue as funções sociais, tais como as funções religiosas, econômicas, educacionais, políticas, entre outras.

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2.2 FORMAS SIMBÓLICAS

A teoria das formas simbólicas de Pierre Bourdieu está intimamente associada à noção de cultura, que em sua sociologia é resumida como conjunto de valores, normas e práticas adquiridos e compartilhados por uma pluralidade de pessoas. Para ele, existe também o campo da produção cultural que possui relativa autonomia, pois é constituído por produtores especializados.

A cultura não é apenas um conjunto de obras, mas sim um conjunto de esquemas de percepção. Ou seja, ela determina a forma de descrever e interpretar o mundo conforme a posição do indivíduo no mundo social, ou seja, é determinada também pela classe à qual o indivíduo pertence.

As diversas percepções de mundo estão sempre em conflito, pois as classes buscam o seu domínio social mediante a imposição de seus esquemas e percepções culturais, mas a aceitação deste domínio pelas outras classes não é algo automático e natural.

O conjunto cultural de uma classe pode se tornar a chamada cultura legítima, ou seja, aquela que é aceita como a dominante em todos os grupos. Ela é, portanto, legítima, e assim ficou por um longo trabalho de legitimação, afinal nada a justifica ou obriga os outros a aceitarem suas proposições.

Este conflito cultural e de imposição entre as diferentes visões de mundo são chamados por Bourdieu de conflitos simbólicos, pois não se dão por meio da força física, mas sim da imposição de valores culturais entre as classes. As visões de mundo são impostas de acordo com o interesse dos agentes e se referem “[...] tanto à posição objetiva no espaço social (o lado objetivo) quanto às representações que os agentes fazem do mundo social (o lado subjetivo)” (BONNEWITZ, 2003, p. 98).

O primeiro aspecto importante deste conflito é a definição pela classe do que é importante para aquele grupo social, afinal isto se torna legítimo e é o que deve ser mantido no domínio. Esta citação explica bem o que estamos falando:

A realidade social é também uma relação de sentido, e não somente uma relação de força: toda dominação social, a menos que recorra pura e continuamente à violência armada, deve ser reconhecida, aceita como legítima. Isto supõe a mobilização de um poder simbólico, poder que consegue impor significações e as impor como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da sua força. Desse ponto de vista, as relações sociais são também relações de concorrência entre arbítrios culturais (culturas). Como elas se referem ao campo simbólico, Bourdieu propõe que sejam chamadas “lutas de classificação” (BONNEWITZ, 2003, p. 99).

A chamada violência simbólica se resume, assim, à imposição das categorias de percepção do mundo social, dos esquemas de percepção.

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Para que isto de fato aconteça, Bourdieu defende a tese de que estas representações dominantes, expressas nas opiniões comuns, nas crenças estabelecidas, nas ideias preconcebidas, só se impõem aos grupos sociais por meio de um processo de condicionamento, que só funcionaria se cumpridos dois fatores.

O primeiro fator seria a racionalização de exigências particulares, como, por exemplo, a possibilidade da liberdade. Ela é uma exigência de todos os povos e se estende mesmo aos analfabetos ou àqueles que vivem em total dependência econômica. Ou seja, a categoria de liberdade, por exemplo, é proposta em nome da razão e da ciência, mas na prática é uma relação de força cultural que a mantém.

O segundo fato, associado ao primeiro, é a linguagem. Ela possui um papel muito importante para definir o que é legítimo, pois tem a capacidade de fazer as coisas existirem de outra forma ou mesmo pode abolir sua existência. Os grupos dominados, como grupos sexuais, de idade, étnicos, religiosos, entre outros, são objeto de discurso que deprecia sutilmente sua existência, dando-lhes uma identidade negativa (BONNEWITZ, 2003).

A transmissão das crenças impostas se dá pelas instituições sociais, que conseguem inclusive instituir a realidade. Elas impõem definições de realidade às quais os agentes dão crédito total, funcionam como autoridades. Alguns atores sociais conseguem impor suas representações porque estão à frente destas instituições, que podem ser escolas, organizações religiosas, políticas, ou mesmo a mídia (BONNEWITZ, 2003).

As instituições têm o poder de atribuir títulos, rotulando e consagrando os agentes nelas envolvidos. Isto provoca no agente a necessidade de corresponder seus comportamentos às instituições e, assim, estas influenciam as representações que eles têm da realidade. Mas, para que haja esta eficácia simbólica, é necessário que o agente esteja preparado para se submeter à instituição. Este processo de legitimação também está ligado às práticas culturais das classes sociais.

O espaço social possui em seu interior constantes lutas relacionadas ao acúmulo do capital simbólico, como explica a citação a seguir:

Nenhuma propriedade objetiva pode existir se não for objeto de uma representação que acarrete a adesão. Viver como um morador de rua e dispor, ao mesmo tempo, de um patrimônio elevado suscitará desaprovação; ao contrário, exibir sinais de riqueza disfarçando uma miséria objetiva garantirá um certo reconhecimento social. A diferença está no capital simbólico. Efetivamente, importa ver que, socialmente falando, uma coisa existe a partir do momento em que se crê que ela existe, e inversamente ela não existe se não se crê na sua realidade. Nesse sentido, pode-se dizer que o capital simbólico é um crédito (no sentido, ao mesmo tempo, de crença e de confiança concedida antecipadamente) posto à disposição de um agente pela adesão de outros agentes, que lhe reconhecem esta ou aquela propriedade valorizante (BONNEWITZ, 2003, p. 103).

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O espaço social funciona baseado no desejo de distinção dos agentes, de quererem possuir uma identidade própria que permita o pertencimento a um grupo, ou seja, que faça o agente existir socialmente. Assim este indivíduo adquire visibilidade, é visto pelos outros, reconhecido, e possui um sentido para sua existência.

Por este motivo os agentes sentem necessidade de transferir uma propriedade objetiva em capital simbólico, pois conseguem dar aos outros a ideia de algo que de fato não existe, mas que, à medida que pensam que existe, dará aos indivíduos proveitos positivos.

Assim, “[...] isto supõe que os agentes dominantes devam construir uma reputação, isto é, acumular capital simbólico, fazendo com que se creia em seus méritos” (BONNEWITZ, 2003, p. 103). Assim eles passam a ser valorizados e reconhecidos pelos dominados, em virtude deste carisma composto pelo capital simbólico. Desta forma eles assumem um poder de mando com relação aos dominados.

Por isto muitos agentes com talentos comuns, mas que estavam em circunstâncias propícias e auxiliados pela mídia, por exemplo, conseguem chegar e se legitimar em campos e posições de poder para os quais não possuem competências específicas.

Esta acumulação de capital simbólico explica também as práticas culturais, pois as classes dominantes possuem mais acesso aos bens culturais: vão a museus, ao teatro, compram mais livros e vão a bibliotecas. Assim, isso não ocorre em virtude apenas da desigualdade econômica, mas também das estratégias de distinção social. “A luta de classes no cotidiano se apresenta mais frequentemente sob a forma irreconhecível e eufemizada da luta pela hierarquização legítima das diversas práticas, isto é, da luta pelas classificações sociais” (BONNEWITZ, 2003, p. 104).

Para Bourdieu, portanto, os bens culturais são hierarquizados e classificados, opondo, por exemplo, o golfe e o futebol. Desta forma, o consumo destes bens classifica também os agentes que os consomem, opondo-se a determinadas práticas e gostos e se alinhando a outros.

O campo cultural classifica, portanto, do mais legítimo ao menos legítimo, de acordo com a dominação simbólica vigente, o que permite aos agentes criar suas estratégias de distinção, que podem ser expressas em diversas ocasiões: festas, decoração de casas, turismo, apreciação esportiva, entre outros.

Assim, o gosto é, para Bourdieu, uma forma de integração do agente em uma determinada classe social, mas é também uma forma de exclusão dos indivíduos de outras classes e outros grupos sociais.

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3 NORBERT ELIASNorbert Elias foi um sociólogo natural da Alemanha, mas que encontrou

na França o espaço necessário para o desenvolvimento de sua prática sociológica. Na verdade, ele residiu na Alemanha, França, Inglaterra e Holanda. Estudou na Alemanha e teve influências de todos estes lugares em sua obra, mas foi na França que colocou em prática a sua sociologia (HEINICH, 2001).

Partindo da teoria das formas simbólicas de Bourdieu, podemos observar em nossa realidade diversos exemplos de dominação cultural. Observe criticamente a realidade atual na qual você vive, identifique uma situação de dominação e descreva as relações sociais existentes e o processo de domínio identificado.

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AUTOATIVIDADE

DICAS

Se você se interessou pela obra de Pierre Bourdieu, sugiro que inicie suas leituras pelo livro “Bourdieu & a Educação”, escrito por Maria Alice Nogueira e Cláudio Marques Martins Nogueira, publicado em 2006 pela Editora Autêntica. Os autores apresentam alguns conceitos de forma bastante didática e de fácil compreensão e também analisam sua utilização no campo da educação.

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FIGURA 14 – NORBERT ELIAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/chbr6t>. Acesso em: 1 maio 2012.

FONTE: Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$norbert-elias>. Acesso em: 1 maio 2012.

Sociólogo alemão, Norbert Elias nasceu em 1897, na então cidade alemã de Breslau (atual Wroclaw, Polônia), e veio a falecer em 1990, nos Países Baixos, onde passou a fase final da sua vida. Com formação de base nas áreas da medicina, filosofia, psicologia e sociologia, lecionou na Universidade de Heidelberg (1924-29) e na Universidade de Frankfurt (1939-33), onde teve Karl Mannheim por colega. A ascensão do nazismo forçou-o a abandonar a Alemanha em 1933, tendo-se estabelecido na Grã-Bretanha após uma passagem por Paris. Só voltou a lecionar após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando aceitou os convites da Universidade de Leicester (1954-62), da Universidade do Ghana (1962-64) e do Zentrum für Interdisziplinare Forschung em Bielefeld, na Alemanha. A obra que lhe granjeou seguidores teve um impacto mínimo quando da sua primeira publicação em 1939; trata-se de Über der Prozess der Zivilisation. Nesta, o autor analisa a formação e a consolidação dos Estados na Europa e inter-relaciona-a com as alterações nos padrões individuais de comportamento e de personalidade, recorrendo a interessantes fontes ilustrativas, como sejam as das regras de etiqueta. Esta interdependência entre os indivíduos e a sociedade em que vivem é recorrente nas obras de Elias e as suas consequências teóricas correspondem à linha da figurational sociology com a qual o autor se identifica. As influências de Max Weber e de Freud são detetáveis na sociologia de Elias. As suas obras principais: Über der Prozess der Zivilisation (1939); Die Höfische Gesellschaft (1969); Was ist Soziologie? (1970); The Loneliness of Dying (1982); Involvement and Detachment (1986); Die Gesellschaft der Individuen; Studien über die Deutschen (1989).

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Um dos temas que interessou muito a Elias foi o estudo da sociedade de corte da França, quando ele aproveita para estudar as transformações políticas, militares e econômicas das sociedades feudais em monarquias absolutas.

Para Elias, como na monarquia absoluta o poder de fiscalidade (a cobrança de impostos) e o poder do uso das armas estão centralizados nas mãos do rei, o soberano adquire maior autonomia com relação à nobreza, que passa a depender dele. Antes, na sociedade feudal, a nobreza possuía maiores privilégios e poderes, constituindo-se em uma classe que também determinava os futuros sociais.

Esta situação fazia do rei e dos demais membros da casa real prisioneiros das próprias regras de etiqueta e comportamento, pois elas garantiam o domínio com relação às outras classes, e eles não poderiam se descuidar de seguir as próprias regras. O cerimonial determinava as relações entre os membros da corte, e uma fuga a estes comportamentos provocaria descontentamento das outras classes que possuíam algum privilégio, por medo de perder seu domínio baseado nestas regras de etiqueta e cerimonial.

A sociedade de corte possuía, de acordo com Elias, três princípios de funcionamento: o primeiro, a relação entre proximidade e distância, o segundo, a redução da identidade à aparência e o terceiro, a superioridade baseada na submissão.

A relação entre proximidade e distância se dá na localização espacial: como os palácios eram organizados, de acordo com hierarquias das relações internas entre sexos, categorias sociais, entre outras hierarquias.

No segundo princípio, na aristocracia de corte a aparência definia a representação dos outros com relação à sua categoria social. A posse de uma habitação grandiosa não determinava a riqueza, mas o estatuto social e o reconhecimento dos outros da pertença a uma classe superior.

E, de acordo com o último princípio, seria submetendo-se a regras de etiqueta da corte e obedecendo integralmente ao soberano que a aristocracia se mantinha distante da burguesia e das demais classes.

DICAS

A análise da sociedade de corte foi escrita por Elias no livro “A Sociedade de Corte”, publicado em 1969 e traduzido para o português em 1987 pela Editora Zahar.

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Estes princípios provocavam uma diferenciação da sociedade de corte aristocrática com relação às outras classes sociais, no entanto causavam também uma concorrência, sobretudo com a burguesia, que buscava sempre ascender na escala social. Em virtude desta luta, cada vez mais os aristocratas criavam novas regras de conduta com relação aos seus hábitos, no intuito de afastar os burgueses e se diferenciar deles por meio dos comportamentos e da etiqueta, que podemos chamar também de regras de civilidade.

O nível de exigência destas regras passava a ser cada vez mais elevado, para discriminar quem não fosse da corte. Esta competição pela apropriação da diferença é o motor do processo civilizatório, para Elias. Este processo gera em si mesmo competências psicológicas específicas: a arte de observar os semelhantes, a arte de manejar os homens, a racionalização e o controle dos afetos, a incorporação de regras de civilidade – características do “processo de civilização” (HEINICH, 2001, p. 28).

3.1 CIVILIZAÇÃO

O conceito de civilização permeia toda a obra de Elias. Ele é fundamental para a compreensão das ideias do autor acerca do desenvolvimento das relações sociais e, principalmente, sobre sua teoria que busca explicar as diferenciações sociais que divide as sociedades em estratos.

DICAS

DICAS

Existe uma associação que preserva o pensamento de Norbert Elias por meio de trabalhos e manutenção da memória; se você quer conhecer acesse: <http://www.norberteliasfoundation.nl/>. Acesso em: 1 maio 2012.

A teoria sobre a civilização de Norbert Elias foi publicada em dois volumes da obra “O Processo Civilizatório” publicados em 1939. O primeiro volume dedica-se ao estudo da evolução dos costumes na sociedade ocidental, e o segundo analisa historicamente e realiza uma síntese antropológica dos fenômenos que foram trazidos no primeiro volume.

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A investigação sociológica que Norbert Elias nos apresenta em O Processo Civilizatório tem um tema original para a época em que foi publicada, pois trata dos costumes das sociedades ocidentais no que diz respeito aos atos mais humanos: comportamentos na hora das refeições, comportamentos na hora de urinar ou defecar, cuspir, assoar o nariz, fazer a higienização do corpo ou mesmo sobre os comportamentos durante os atos sexuais.

Elias começa sua análise a partir dos manuais de civilidade que encontra da época do Renascimento, o movimento cultural que contribuiu para o surgimento da sociologia e que estudamos na unidade anterior. Estes manuais forneceram a ele informações sobre os costumes daquele período e também sobre o desenvolvimento destes costumes de todo o século XVIII (HEINICH, 2001).

Ele percebe, com seus estudos, que os homens buscavam se afastar cada vez mais de tudo o que revelava sua natureza de origem animal. O comportamento que fosse considerado de origem animal era tornado cada vez menos visível ou era confinado à intimidade das pessoas.

Assim, a nudez passa a ser evitada, os odores corporais eram disfarçados, as necessidades naturais passam a ser realizadas em locais próprios para isso e geralmente isolados: assoar o nariz não com as mangas e sim com lenços, cuspir não no chão, mas sim no escarrador, não comer com as mãos e sim com instrumentos como garfos e colheres.

Com essa exposição, Elias pretendeu mostrar que as funções naturais do homem também são moldadas pela esfera social, principalmente pelo contexto histórico no qual o indivíduo está inserido. Ele observou também que a evolução das formas de ocultar estas necessidades estava associada ao sentimento de repugnância, vergonha, incômodo e pudor, que faziam com que se evitasse aos outros participar das excreções e pulsões do corpo.

Estes sentimentos incorporados e naturalizados influenciavam as regras de conduta que construíam o consenso com relação aos comportamentos que deveriam ou não ocorrer, e que Elias defendia que modelavam uma nova sensibilidade que causava a evolução social. Esta evolução ele chamou de sociogênese. Além dela, para ele existe o processo de psicogênese, que é a evolução do indivíduo no sentido do processo de civilização que a sociedade também já percorreu, pois os bebês não nascem civilizados, eles precisam evoluir neste sentido.

Esta evolução de que Elias fala são processos longos, com movimentos de aceleração, estagnação ou regressão (HEINICH, 2001) que vão ocorrendo ao longo da história, chegando mesmo a durar séculos.

Ele usa o exemplo da utilização do garfo, algo que foi gradativamente inserido na sociedade, começando pelos estratos sociais superiores, que tinham acesso aos talheres de metais nobres como a prata ou mesmo o ouro. Isso passou a diferenciá-los dos homens que comiam como na Idade Média, com as mãos, na mesma tigela e no mesmo copo muitas vezes. Assim, começa a surgir o sentimento de nojo ao toque em algo que encostou a boca ou as mãos de outra pessoa, que acompanha uma modificação no contato social entre todos.

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Uma explicação através das condições materiais, como a diminuição da pobreza ou a melhoria das condições sanitárias, não é suficiente: os costumes dos senhores mais ricos da Idade Média parecer-nos-iam hoje tão “sujos” como os dos camponeses mais pobres. É a subida do limiar de sensibilidade que explica a melhoria das casas de banho e a invenção de utensílios ligados às funções corporais, e não o contrário. Igualmente insuficiente é a explicação através da higiene, que constitui menos uma causa da evolução dos costumes do que uma racionalização na sensibilidade. O exemplo do escarro é, a este nível, muito revelador: numa geração, esta prática passou do higiênico (considerava-se que era saudável expectorar) para o anti-higiênico (hoje se considera que cuspir aumenta os riscos de contágio) (HEINICH, 2001, p. 35).

O conceito de civilização está na base da sociologia de Elias, pois para ele era a civilização que determinava a evolução social, e a civilidade estava relacionada à conduta de boas maneiras. A dinâmica das relações entre os inferiores e os superiores justifica o estágio de civilização de um grupo social.

Para Elias funciona da seguinte forma: os novos hábitos são instituídos nas camadas superiores da sociedade, no caso da história iniciando na aristocracia da corte, e só então passam a ser transmitidos às outras camadas sociais. Enquanto o comportamento é apenas da camada superior, ele é considerado um sinal distintivo, mas depois que os hábitos são difundidos às camadas populares ele perde essa capacidade de distinção.

Em tempos mais antigos, os homens da corte relacionavam-se com a aristocracia que, por sua vez, relacionava-se com os burgueses que tinham um contato maior com os estratos inferiores da sociedade. Desta forma, os novos costumes iam sendo transmitidos até se popularizarem e não serem mais motivo de diferenciação da corte.

Os vários estratos sociais tinham uma concorrência entre si, querendo sempre possuir maiores privilégios e, para isso, buscavam refinar seus hábitos, o que substituía o domínio material ou do poder. Ou seja, a classe podia não ter muito poder ou muito dinheiro, mas seus hábitos refinados garantiam que estivessem no domínio social.

Por isso os grupos sociais inferiores em geral cedem com mais facilidade às suas emoções e pulsões, seus comportamentos são menos regulados, pois as pressões sociais que atuam sobre eles são as ameaças físicas, torturas, extermínio pela espada

IMPORTANTE

Para Norbert Elias, o pesquisador deve comparar documentos de locais e de épocas diferentes, observando a evolução dos costumes, o processo de colocar na intimidade as funções naturais. Depois, com o auxílio dos dados históricos, o sociólogo deve se questionar sobre as causas do fenômeno e a sensibilidade que provocava nos grupos sociais.

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

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ou mesmo miséria e fome. Isso não resulta em autocontrole ou em sentimentos de embaraço como aqueles desenvolvidos nas camadas superiores, que cada vez mais camuflam suas pulsões e suas explosões de sentimentos (HEINICH, 2001).

Para Elias o processo de civilização pode ser conduzido para satisfazer as necessidades da humanidade, enquanto o homem conseguir encontrar um ponto de equilíbrio entre seus afazeres sociais, as exigências da sua existência social e a satisfação de suas necessidades pessoais. E a sociologia poderia ajudar nisso, à medida que “[...] o conhecimento sociológico pode encontrar uma aplicação prática num projeto humanista, com o objetivo de aperfeiçoar a estrutura das inter-relações e a cooperação entre os homens” (HEINICH, 2001, p. 22). Após isso, para Elias, a humanidade poderia dizer que é civilizada, pois por enquanto está apenas em um processo de civilização.

Esta capacidade de Elias para propor uma visão global da condição humana, alargada a uma dimensão antropológica, faz-se acompanhar – e aqui reside uma das maiores contribuições do seu pensamento – de uma atenção precisa às particularidades locais, às especificidades históricas. Ele interessa-se assim, como iremos ver, pelas diferenças nacionais na acepção da palavra “civilização”, que são o tema da longa introdução de Prozess der Zivilisation; e pela dinâmica das diferenças de costumes, segundo as categorias sociais, analisadas em A Sociedade de Corte (HEINICH, 2001, p. 22, grifo no original).

Norbert Elias realizou uma grande comparação para tentar definir o que é a civilização, sobretudo com as definições utilizadas na França e na Alemanha por volta da década de 1930, que tinham muita relação com o conceito de cultura. Ele identificou a diferenciação no uso deste termo que, na Alemanha, designava sua diferenciação cultural de outros povos, ou seja, suas obras (livros, arte, filosofia) ou sua própria cultura.

Já na França o conceito de civilização determina a diferenciação entre os povos ocidentais e bárbaros, de uma maneira mais geral e não tão local quanto o conceito alemão. O que determina a civilidade para eles é o refinamento dos costumes, as distinções de hábitos entre a elite e o povo.

PIERRE BOURDIEUCULTURA LIVRE E DESIGUALDADES ESCOLARES

Os estudantes mais favorecidos não devem somente ao seu meio de origem hábitos, treinamentos e atitudes que os auxiliam diretamente em seus deveres escolares; herdam também saberes e um savoir-faire, gostos e um “bom gosto” cuja rentabilidade, mesmo sendo indireta, nem por isso é menos certa. A cultura “livre”, condição implícita do sucesso universitário em certas disciplinas, acha-se repartida muito desigualmente entre os estudantes oriundos de meios diferentes, sem que a desigualdade das rendas possa explicar as distâncias constatadas. O privilégio cultural é manifesto quando se trata da familiaridade com as obras

LEITURA COMPLEMENTAR

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TÓPICO 2 | SOCIOLOGIA FRANCESA

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DICAS

Leia mais em: BOURDIEU, P. Les héritiers. Paris: Éd. De Minuit, 1964.

que somente se podem adquirir com a frequência regular do teatro, do museu ou do concerto (frequência não é organizada pela escola, ou somente de modo esporádico). Torna-se ainda mais manifesto, no caso das obras geralmente mais modernas, que são as menos “escolares”.

Em qualquer domínio cultural em que sejam medidos, teatro, música, pintura, jazz ou cinema, os estudantes têm conhecimentos tanto mais ricos e mais amplos quanto mais elevada for a sua origem social. Se a forte variação da prática de um instrumento de música, do conhecimento das peças do espetáculo ou da música clássica através do concerto não tem nada que possa causar admiração, dado que os hábitos culturais de classe e os fatores econômicos somam aqui os seus efeitos, é digno de nota que os estudantes se distinguem ainda nitidamente, segundo a sua origem social, no que tange às visitas aos museus e até ao conhecimento da história do jazz ou do cinema, muitas vezes apresentados como “artes de massa”.

[...] Vê-se, evidentemente, que uma cultura puramente escolar não é apenas uma cultura parcial ou uma parte da cultura, mas uma cultura inferior porque os próprios elementos que a compõem não têm o sentido que teriam em um conjunto mais amplo. A escola não exalta, na “cultura geral”, exatamente o contrário daquilo que ela denuncia como prática escolar da cultura daqueles que a sua origem social condena a não ter outra cultura a não ser a que devem à escola? Cada conhecimento deve, portanto, ser percebido ao mesmo tempo como um elemento de uma constelação e um momento do itinerário cultural na sua totalidade, cada ponto da curva contendo toda a curva. Enfim, é a maneira pessoal de realizar os atos culturais que lhes confere a qualidade propriamente cultural: assim, a desenvoltura irônica, a elegância preciosa ou a segurança da própria condição que permite a sem-cerimônia ou a afetação de prosperidade são quase sempre o apanágio de estudantes provenientes das classes altas onde essas maneiras desempenham o papel de um sinal de pertença à elite.

FONTE: Lallement (2004, p. 77)

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• O desenvolvimento da sociologia na França foi marcado por estudos multidisciplinares, ou seja, que consideram todos os campos do saber, evitando barreiras disciplinares em suas realizações. Neste sentido, dois autores marcaram a sociologia francesa: Norbert Elias e Pierre Bourdieu.

• Apesar de suas construções teóricas estarem situadas no campo das Ciências Sociais, a formação de Bourdieu realizou-se em Filosofia, campo que forneceu a ele suas influências teóricas iniciais.

• Bourdieu descreveu a sociedade em termos de espaço social, o que lhe permitiu analisar a dimensão relacional das posições sociais.

• Portanto, o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais.

• O habitus constitui-se em um sistema de disposições duradouras adquirido pelo indivíduo durante o processo de socialização, cuja interiorização permite que determinados comportamentos e valores sejam efetivados sem a necessidade de lembrar-se explicitamente das regras que os regem antes de agir.

• O conjunto cultural de uma classe pode se tornar a chamada cultura legítima, ou seja, aquela que é aceita como a dominante em todos os grupos. Este conflito cultural e de imposição entre as diferentes visões de mundo são chamados por Bourdieu de conflitos simbólicos, pois não se dão por meio da força física, mas sim da imposição de valores culturais entre as classes.

• Um dos temas que interessou muito a Elias foi o estudo da sociedade de corte da França, quando ele aproveita para estudar as transformações políticas, militares e econômicas das sociedades feudais em monarquias absolutas.

• O conceito de civilização está na base da sociologia de Elias, pois para ele era a civilização que determinava a evolução social, e a civilidade estava relacionada à conduta de boas maneiras. A dinâmica das relações entre os inferiores e os superiores justifica o estágio de civilização de um grupo social.

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AUTOATIVIDADE

Para observar o que você fixou sobre a sociologia francesa, descreva em tópicos suas características, os principais autores e suas teorias.______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 3

SOCIOLOGIA ALEMÃ

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A sociologia alemã está profundamente associada às produções realizadas na chamada Escola de Frankfurt, uma escola de pensamento que atuou por duas gerações e deixou herdeiros, que ainda vivem e são referências nas obras sociológicas mundiais.

Ela existiu em um prédio associado à Universidade de Frankfurt, mas na verdade teve seu lugar pela criação do Instituto de Pesquisas Sociais, e em virtude da Segunda Guerra Mundial precisou ser deslocada por um tempo determinado. O prédio no qual funcionava o Instituto era este:

FIGURA 15 – EDIFÍCIO DO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS

FONTE: Disponível em: <http://marxismocultural.blogspot.com.br/>. Acesso em: 1 maio 2012.

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

A Escola de Frankfurt teve ilustres pensadores como participantes, tais como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Marcuse e Habermas.

Os membros da Escola de Frankfurt desenvolveram o conceito de Indústria Cultural e a Teoria Crítica, que influenciaram e influenciam estudos não apenas sociológicos, mas também das áreas de comunicação.

Eles possuíam uma forte ligação com o marxismo e acabaram revendo muitos princípios desta corrente sociológica, estudando a obra de Marx e utilizando-a como base para a produção e aplicação de outras teorias em pesquisas sociais.

Vamos, neste tópico, conhecer a história destes integrantes e da escola como um todo, que deixou um legado muito consistente para as teorias sociológicas, que ainda permite a produção de inúmeros trabalhos acadêmicos fundamentados em suas obras.

2 ESCOLA DE FRANKFURTA criação da Escola de Frankfurt é um dos principais marcos da sociologia

alemã, que teve crucial importância para o desenvolvimento da sociologia e influenciou esta ciência no mundo todo. Os escritos de seus teóricos são utilizados até os dias atuais para estudos não apenas sociológicos, mas sobre a comunicação e a cultura também, por exemplo.

Para entendermos o que foi a Escola de Frankfurt, seus principais expoentes e os conceitos que deixou para a prática sociológica como herança, precisamos conhecer o que foi este fenômeno do ponto de vista histórico. Vamos lá?

O marco inicial sempre lembrado acerca do surgimento da Escola de Frankfurt é a criação, em 3 de fevereiro de 1923, do Instituto de Pesquisas Sociais em Frankfurt. A criação deste instituto foi bastante peculiar, pois surgiu da iniciativa de um filho de um rico negociante de cereais que enriqueceu na Argentina. Este filho chama-se Felix Weil e era doutor em Ciências Políticas, o que o fez organizar uma semana de estudos marxistas, que culminou na ideia de manter um instituto de pesquisas independente.

Hermann Weil, o pai, colaborou com o capital inicial para a criação do instituto, que funcionaria em parceria com o Ministério da Educação, que determinou que o diretor da instituição deveria ter uma cadeira universitária. O financiamento do instituto por este produtor de trigo foi muito determinante ao instituto, pois lhe dava uma autonomia e independência que poucos institutos possuíam na época.

A Escola de Frankfurt surgiu em um período turbulento da história alemã, quando se tenta instituir uma sociedade democrática pela primeira vez, a chamada República de Weimar (1918-1933). Neste momento a Revolução Russa começa em

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TÓPICO 3 | SOCIOLOGIA ALEMÃ

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1917, com a ditadura bolchevique e o fascismo dando sinais de existência. Além de tudo isso, o nazismo se fortalece ao ponto dos frankfurtianos terem que deixar a Alemanha, em um processo rápido e que tomou conta do país.

Em 1924 é inaugurada a sede própria do Instituto de Pesquisas Sociais, que publicava uma revista inicialmente chamada Archiv, substituída em 1932 pela Seitschrift.

As ideias dessa corrente de pensamento encontram-se, em grande parte, nas páginas da Revista de Pesquisa Social, um dos documentos mais importantes para a compreensão do espírito europeu do século XX. Seus colaboradores estiveram sempre na primeira linha da reflexão crítica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade e da cultura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo a participar da militância política. Por tudo isso, foram alvo de perseguição dos meios conservadores, responsáveis pela ascensão e apogeu dos regimes totalitários europeus da época (MATOS, 2012, [s.p.]).

Em 1933 foi instalado um escritório em Genebra, que acabou sendo o centro administrativo do instituto, mas que foi fechado pelo regime nazista. O crescimento do nazismo e do antissemitismo fez com que o instituto se dividisse em escritórios nas cidades de Genebra, Londres e Paris.

Foram instalados dois outros escritórios em Paris. Em setembro deste ano a escola não mais está em Frankfurt, mas com sede na Suíça e com sua revista sendo publicada na França, em Paris.

Apenas dezessete anos depois a escola volta a ser frankfurtiana, retornando para sua antiga sede, em virtude do fim da guerra. Mas nesse meio tempo o instituto havia se unido à Universidade de Colúmbia, estabelecendo ligações com os Estados Unidos. O financiamento continuou sendo do pai de Felix Weil, e não da universidade. A primeira publicação da revista em inglês ocorreu em 1940, e no ano seguinte ela já foi fechada.

No entanto, é importante lembrar que a Escola de Frankfurt aconteceu porque os membros do instituto deixaram o país, pois o Instituto era o suporte material para o funcionamento da escola. Apenas no retorno à Alemanha é que surgiu o título “Escola de Frankfurt” (ASSOUN, 1991).

Em meio a estes acontecimentos, o diretor do instituto era Horkheimer, que recebe convite para voltar com os membros do instituto que também o desejassem à Frankfurt, onde é recebido calorosamente, o que o faz concordar com o retorno do Instituto em 1950 para a então derrotada Alemanha.

O primeiro diretor do instituto foi Grünberg, seguido em 1931 por Max Horkheimer, que permite às pesquisas realizadas terem o caráter de filosofia social, ou seja, de estudos de filosofia que se voltavam às interações sociais. Por meio desta perspectiva de estudos, eles buscaram formular novas teorias sociais originais, cujo início teria se dado com Horkheimer, e cujo conjunto mais adiante

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foi chamado de teoria crítica. O primeiro artigo sobre esta nova perspectiva de escolha e observação dos objetos sociológicos foi publicado na revista do Instituto em 1937 e intitulado “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”.

Em 1947 Horkheimer e Adorno, outro integrante da escola cuja biografia apresentaremos adiante, publicam “A Dialética do Esclarecimento”, refletindo sobre como eles encaram a evolução da cultura nas modernas sociedades de massa, das quais os Estados Unidos seriam o ápice. A direção do Instituto é assumida em 1967 por Adorno, em virtude da aposentadoria de Horkheimer.

O chamado herdeiro da teoria crítica seria Jürgen Habermas, pois a escola

de Frankfurt estava reduzida a Adorno e Horkheimer como principais expoentes, e ele recebeu a influência destes dois teóricos na produção de suas obras.

Poderíamos dizer que a teoria crítica da Escola de Frankfurt foi concebida e desenvolvida em três grandes momentos. No primeiro, período de antes e durante a Segunda Guerra Mundial, época da perseguição nazista, Horkheimer exerce a principal influência sobre o andamento dos trabalhos. No segundo, Adorno assume a direção intelectual do Instituto, introduz o tema da cultura e desenvolvimento em sua teoria estética, uma versão especial da teoria crítica. Já no terceiro momento, a liderança passa a Habermas que, pela discussão da crítica, buscará com sua teoria da ação comunicativa uma saída para os impasses criados por Horkheimer e Adorno, por meio da proposta de um novo paradigma: o da razão comunicativa (HELOANI, 2007, p. 3).

Na década de 60 eclode o movimento estudantil, que em 66 e 67 vai contra as estruturas autoritárias da Universidade. Durante esse acontecimento Rudi Dutschke transpõe a teoria crítica produzida na Escola de Frankfurt em prática revolucionária, defendendo a transformação radical da sociedade capitalista alemã.

Nesse movimento os frankfurtianos viram traços fascistas e começaram a combatê-los. Adorno teve que chamar a polícia quando os estudantes ameaçaram invadir o Instituto. Habermas tentou promover um debate crítico escrito, que não foi aceito. O movimento estancou, Horkheimer se retirou para a Suíça e Adorno faleceu.

Assim, inicia-se outro período nas teorias sociológicas desta vertente, onde se passa a trabalhar sobre a Escola de Frankfurt, reeditando obras e retomando debates dos seus primeiros integrantes. As teorias dos frankfurtianos passam a servir de base para estudos sociológicos e sobre a comunicação. Nos anos 70 entra em vigor um novo paradigma: o da razão comunicativa, cunhado por Habermas e que será descrito adiante.

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3 INDÚSTRIA CULTURAL

Um dos grandes temas de estudo da escola frankfurtiana foi a chamada indústria cultural. Horkheimer e Adorno se dedicaram a estabelecer conceitos para seu estudo, suas produções foram muito importantes e marcaram não só a prática sociológica da época, mas ainda influenciam estudos atuais. Eles foram os primeiros a utilizar a expressão “indústria cultural” e a significá-la como a entendemos ainda hoje.

DICAS

Se você quer saber mais sobre a Escola de Frankfurt, acesse o seguinte link: <http://www.youtube.com/watch?v=0XfrUPWet68>. Ele apresenta um vídeo com os principais expoentes desta corrente teórica e algumas de suas reflexões. Acesso em: 17 abr. 2012.

O termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Este último, numa série de conferências radiofônicas, pronunciadas em 1962, explicou que a expressão “indústria cultural” visa a substituir “cultura de massa”, pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa.

Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam seus interesses.

A indústria cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. Aliada à ideologia capitalista, e sua cúmplice, a indústria cultural contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de anti-iluminismo.

Considerando-se, diz Adorno, que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e liberando o mundo

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da magia e do mito, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Mas, ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo engodo: o progresso da dominação técnica. Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas.

A indústria cultural nas palavras do próprio Adorno “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O próprio ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de tal modo que, sob o capital capitalismo, em suas formas mais avançadas, a diversão e o lazer tornam-se um prolongamento do trabalho.

Para Adorno, a diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condições de se submeterem a ele. A mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para a distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, diz Adorno, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando-se a ele no ócio”.

FONTE: Matos (2012, [s.p.])

A indústria cultural se resume ao conjunto de indústrias, ou seja, empresas e afins, que comercializam produtos culturais e artísticos, buscando o lucro com esta atividade dentro de uma sociedade capitalista.

Assim, as manifestações artísticas, culturais tornam-se um produto, que permite o acesso de algumas pessoas ao lucro. Esta indústria procura fazer com que a grande massa da população, que neste caso são os chamados espectadores, consuma os produtos culturais sem desenvolver o senso crítico.

A diversão, o lazer passam a ser mercadorias, e quem as consome não se preocupa em analisar as obras, em estabelecer uma crítica, ele é distraído. Este grupo de pessoas entretidas forma a grande massa, que alimenta um sistema porque segue o que lhes é imposto por meio das ideologias, sem questionar as produções culturais apresentadas a si.

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Para Adorno e Horkheimer, a indústria cultural:

[...] está na base do totalitarismo moderno ao promover a alienação do homem, entendida como um processo no qual o indivíduo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social circundante, transformando-se com isso em mero joguete e, afinal, em simples produto alimentador do sistema que o envolve (COELHO, 1993, p. 14).

De acordo com as teorias da indústria cultural, as produções do ramo da cultura e as artes não são mais expressões artísticas puras, pois seu processo de realização carrega em si um planejamento que inclui elementos profissionais que culminem em vendas, por meio da conquista de um público.

Os teóricos da Escola de Frankfurt não identificavam esta indústria como um democratizador da cultura, conforme alguns autores descrevem, mas sim como um instrumento de alienação, por produzir uma diversão que era falsa, um falso prazer.

Horkheimer e Adorno desenvolveram este conceito no livro “Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos”.

Podemos utilizar um exemplo bastante simples para explicar a indústria cultural: o cinema. Ele deixou, a partir do fortalecimento do comércio em virtude da consolidação da indústria moderna, de ser arte e lazer para se tornar um bem de exploração. Ou seja, o cinema tornou-se um bem cultural explorado para obtenção de lucro e assim tornou-se também um meio de manipulação, pois difunde as ideologias dominantes.

É importante frisar que a grande força da indústria cultural se verifica em proporcionar ao homem necessidades. Mas não aquelas necessidades básicas para se viver dignamente (casa, comida, lazer, educação e assim por diante) e, sim, as necessidades do sistema vigente (consumir incessantemente). Com isso, o consumidor viverá sempre insatisfeito, querendo, constantemente, consumir e o campo de consumo se torna cada vez maior (SILVA, 2002, [s.p.]).

Para Adorno, diante da indústria cultural, o homem se torna um objeto de manipulação porque ele sofre influência das ideologias e mesmo em seu lazer é como se estivesse em uma extensão de seu trabalho (SILVA, 2002). Isso porque ele passa a consumir os bens culturais difundidos pelos dominantes, afinal ele estaria com seus esquemas mentais condicionados para consumir o que é oferecido pela indústria cultural, sem precisar pensar, mas apenas escolher.

Este processo de consumo do que os dominantes desejam que seja consumido causa um condicionamento da cultura e, por consequência, de valores. Afinal, as percepções individuais passam a ser regidas pelos elementos que influenciam as opiniões e agem principalmente nas pessoas que são formadoras de opinião, ou seja, aquelas nas quais muitos indivíduos se baseiam para constituir suas opiniões pessoais sobre determinados temas. Além disso, a indústria cultural busca criar necessidades e incentivar o consumismo.

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Além da transformação da cultura em mercadoria, há também outro processo identificado por Adorno em relação à indústria cultural: a banalização da cultura. Para chegar a esta teorização, ele dividiu a arte em dois tipos, a superior e a inferior. A superior é a arte consumida por poucos, e a inferior é a arte proveniente da cultura popular.

A arte superior provoca na pessoa que a contempla a reflexão, ela é percebida de forma diferente por quem a contempla. Muitas vezes a obra é transferida para a massa, e então se torna arte inferior, pois perde seu caráter inovador. Este processo é o que Adorno chama de banalização da cultura.

A cultura passa a ficar à mercê do consumo instantâneo, perdendo seu valor após o uso. Mesmo diante de todas as criações de manipulação da indústria cultural, Adorno ainda defendia que a arte seria a forma de salvação do ser humano, conforme está explicado na citação seguinte.

Na Teoria Estética, obra em que Adorno tentará explanar seus pensamentos sobre a salvação do homem, dirá ele que não adianta combater o mal com o próprio mal. Exemplo disso ocorreu no nazismo e em outras guerras. Segundo ele, a antítese mais viável da sociedade selvagem é a arte. A arte, para ele, é que liberta o homem das amarras dos sistemas e o coloca com um ser autônomo, e, portanto, um ser humano. Enquanto para a indústria cultural o homem é mero objeto de trabalho e consumo, na arte é um ser livre para pensar, sentir e agir. A arte é como se fosse algo perfeito diante da realidade imperfeita. Além disso, para Adorno, a indústria cultural não pode ser pensada de maneira absoluta: ela possui uma origem histórica e, portanto, pode desaparecer. (SILVA, 2002, [s.p.]).

Um último fenômeno identificado pelos estudiosos da indústria cultural é chamado de estandardização da cultura:

IMPORTANTE

Um exemplo de fácil compreensão do fenômeno de banalização da cultura, ou de transformação da arte superior em arte inferior, é a utilização de grandes telas de artistas famosos, como Leonardo da Vinci (autor de Monalisa), por exemplo, em chaveiros, camisetas, eliminando a aura que as diferenciava enquanto arte superior e aparecendo nos locais mais improváveis, dando origem até mesmo a piadas.

Da palavra inglesa standard, que significa “padrão”, o conceito de estandardização da cultura define que os consumidores, em virtude da indústria cultural, teriam passado a ter as mesmas necessidades e

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FONTE: Disponível em: <http://www.visaoportal.com.br/post/gilberto/564>. Acesso em: 8 mar. 2012.

Este fenômeno se tornou ainda mais intenso após os últimos anos, em virtude da globalização, que permite a difusão de culturas aos mais diversos espaços do globo terrestre. Existem países que dominam as produções artísticas de determinadas áreas, cujo exemplo mais concreto é o domínio do cinema produzido em Hollywood diante de todas as outras produções mundiais, exemplificado na quantidade de prêmios recebidos e no elevado número de bilheteria atingida por seus filmes.

4 MAX HORKHEIMER

DICAS

O processo de dominação do indivíduo pela indústria cultural é explicado muito claramente, a partir das teorias de Adorno e Horkheimer, no vídeo produzido por acadêmicos de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná, em 2010. Você pode acessá-lo em: <http://www.youtube.com/watch?v=TGt842HLkvk&feature=related>. Acesso em: 1 maio 2012.

preferências culturais em todo mundo, dos modos de fazer cultura às preferências dos consumidores por produtos culturais.

Grandes conglomerados de entretenimento ligado à música e ao cinema, principalmente, criam gostos semelhantes em culturas bastante distintas em suas preferências.

Você consegue observar a indústria cultural em ação na sua realidade local? Descreva um exemplo, observando o conceito de indústria cultural definido pelos teóricos da Escola de Frankfurt, de uma manifestação da atuação da indústria cultural na difusão de ideologias dominantes em seu cotidiano.

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AUTOATIVIDADE

Horkheimer tornou-se muito importante na história da Escola de Frankfurt por ter assumido a direção do Instituto de Pesquisas Sociais e ficado à sua frente por muitos anos, retornando do exílio com louvores e reassumindo a direção do Instituto. As pesquisas e teorias realizadas ali tiveram a marca deste filósofo. Vamos conhecê-lo?

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FIGURA 16 – MAX HORKHEIMER

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/HmaJZq>. Acesso em: 1 maio 2012.

Max Horkheimer, nascido em Stuttgart em 1895, morto em 1973. Filho de um industrial judeu, Moritz Horkheimer, e destinado ele aos próprios negócios, dedicou-se primeiro à literatura (começou por escrever romances). Fez estadias em Bruxelas e Londres em 1913-1914 para aprender o francês e o inglês, com o seu amigo Friedrich Pollock, em cuja companhia estuda nas universidades de Munique, Friburgo e Frankfurt. Orienta-se para a psicologia, em seguida para a filosofia, defendendo depois um doutorado sobre Kant. Horkheimer descobriu em seguida Marx e Engels. Associado por intermédio de Pollock à criação do Instituto de Pesquisas Sociais, Horkheimer sucede a Grünberg na chefia do Instituto em 1931 após ter-se tornado titular da cadeira de “filosofia social”, para ele criada em 1929. Para homologar universitariamente as suas funções, Horkheimer apresentou o estudo sobre Os Primórdios da Filosofia Burguesa da História. O Instituto teve desde então a sua revista, a Zeitschrift für Sozialforschung. Em março de 1933, com a chegada de Hitler ao poder, tendo o Instituto sido fechado por “tendências hostis ao Estado”, Horkheimer é oficialmente afastado. Permanece assim em Genève onde se encontrava e dirige, no exílio forçado, a dependência genebresa do Instituto (enquanto duas pequenas dependências se abrem em 1933 em Paris – apadrinhadas pelos durkheimianos Bouglé e Halbwacks, e por Bergson – e em Londres). Horkheimer publica então em

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FONTE: Assoun (1991, p. 12-13)

Horkheimer esteve muitos anos à frente do Instituto de Pesquisas Sociais, o que fez com que as pesquisas realizadas neste local possuíssem características da sua forma de praticar sociologia e de realizar estudos. Além disso, ele teve grande influência das teorias marxistas.

Horkheimer, em sua obra A Dialética do Esclarecimento, de 1947, debruça-se sobre o profundo conflito existente entre a dialética e o positivismo, ao contrapor a filosofia de René Descartes (que considera a forma mais perfeita da teoria tradicional, com base no cogito, pensamento, como única realidade confiável, fundamento da ciência) ao pensamento revolucionário de Marx. Enquanto para o cartesianismo tudo o que é contraditório é impensável, irracional, Horkheimer preocupa-se com restabelecer a pluralidade, a diversidade, a alteridade. No que concerne à sua reflexão a respeito de questões teóricas do marxismo, Horkheimer afasta-se da utopia marxista de uma sociedade justa, considerando que, mesmo que se resolvesse a questão da miséria entre os homens, restaria o sofrimento da própria natureza, como elemento explorado pelo homem em seu trabalho, o que por si só geraria um sofrimento trans-histórico com base nessa não conciliação homem-natureza. Descreve, assim, as características essenciais de cada uma dessas vertentes do pensamento, seus objetivos e sua forma de atuação e denuncia o caráter sistêmico e conservador da teoria positivista, enquanto sublinha a dimensão humanística e emancipatória do método marxista, embora faça a este algumas ressalvas (HELOANI, 2007, p. 5).

É Horkheimer que produz os traços essenciais da teoria crítica da Escola de Frankfurt, utilizando como base o marxismo e se contrapondo à chamada teoria tradicional. Para ele, a obra de Marx não apresentava conceitos fechados sobre a realidade, que terminavam em conclusões sobre o mundo social, mas conceitos que deveriam ser reaplicados em outras investigações. Assim, ao utilizar o materialismo, ele não se volta apenas ao material determinando a sociedade, mas também aos momentos subjetivos e objetivos que devem ser considerados nas interpretações.

Zurique sob o pseudônimo de “Heinrich Regius”. De visita aos Estados Unidos em maio de 1934, Horkheimer recebe de Butler a proposta para se instalar em Nova Iorque, o que faz em julho de 1934. De regresso à Alemanha em abril de 1948, Horkheimer viu-se reempossado em sua cadeira em julho de 1949, e o Instituto voltou a aceitar o seu trabalho em agosto de 1950. Horkheimer tornou-se catedrático do departamento de filosofia, depois reitor da Universidade (1951-1953) e recebeu o prêmio Goethe. De regresso aos Estados Unidos em 1954, ainda cidadão americano, membro da Universidade de Chicago, Horkheimer acabou por se aposentar em 1958 e ficar em Montagnola, na Suíça (em companhia do seu inseparável Pollock). Celebridade nacional daí em diante, Horkheimer ficou em contato com o Instituto de Frankfurt e sua dependência americana, e manifestou-se nos anos 1967-1970 com a reedição das suas obras e a publicação de balanços críticos da sua produção e da Escola.

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Por teoria tradicional Horkheimer entende uma certa concepção de ciência resultante do longo processo de desenvolvimento que remonta ao Discurso do Método de Descartes (1596-1650). Descartes – diz Horkheimer – fundamentou o ideal de ciência como sistema dedutivo, no qual todas as proposições referentes a determinado campo deveriam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas pudesse ser derivada de algumas poucas. Estas formariam os princípios gerais que tornariam mais completa a teoria, quanto menor fosse seu número.

A exigência fundamental dos sistemas teóricos construídos dessa maneira seria a de que todos os elementos assim ligados o fossem de modo direto e não contraditório, transformando-se em puro sistema matemático de signos. Por outro lado, a teoria tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo de ciência no fato de que os sistemas assim construídos são extremamente aptos à utilização operativa, isto é, sua aplicabilidade prática é muito vasta.

Horkheimer admite a legitimidade e a validez de tal concepção, reconhecendo o quanto ela contribuiu para o controle técnico da natureza, transformando-se, como diz Marx, em “força produtiva imediata”. Mas o reverso da moeda é negativo. Para Horkheimer, o trabalho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza-se desvinculado dos demais, permanecendo alheio à conexão global dos setores da produção. Nasce assim a aparência ideológica de uma autonomia dos processos de trabalho, cuja direção deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto.

O pensamento cientificista contenta-se com a organização da experiência, a qual se dá sobre a base de determinadas atuações sociais, mas o que estas significam para o todo social não entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros termos, a teoria tradicional não se ocupa da gênese social dos problemas, das situações reais nas quais a ciência é usada e dos escopos para os quais é usada. Chega-se, assim, ao paradoxo de que a ciência tradicional, exatamente porque pretende o maior rigor para que seus resultados alcancem a maior aplicabilidade prática, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais estranha à realidade (enquanto conexão mediatizada da práxis global de uma época) do que a teoria crítica. Esta, dando relevância social à ciência, não conclui que o conhecimento deva ser pragmático; ao contrário, favorece a reflexão autônoma, segundo a qual a verificação prática de uma ideia e sua verdade não são coisas idênticas.

A teoria crítica ultrapassa, assim, o subjetivismo e o realismo da concepção positivista, expressão mais acabada da teoria tradicional. O subjetivismo, segundo Horkheimer, apresenta-se nitidamente quando os positivistas conferem preponderância explícita ao método, desprezando os dados em favor de uma estrutura anterior que os enquadraria. Por outro

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FONTE: Matos (2012, [s.p.])

5 THEODOR W. ADORNOAdorno fez parte da Escola de Frankfurt e, até os dias atuais, suas ideias

e estudos influenciam algumas áreas da sociologia e das teorias sobre as artes e comunicações. O pensamento de Theodor Adorno foi influenciado por muitos filósofos, entre eles Marx, Engels e Benjamin.

FIGURA 17 – THEODOR WIESENGRUND ADORNO

FONTE: Disponível em: <http://ivancarlo.blogspot.com.br/2011/08/apostila-sobre-escola-de-frankfurt.html>. Acesso em: 1 maio 2012.

Leia a breve biografia de Adorno:

lado, mesmo quando os positivistas atribuem maior peso aos dados, esses acabam sendo selecionados pela metodologia utilizada. E esta atribui maior relevo a determinados aspectos dos dados, em detrimento de outros.

A teoria crítica, ao contrário, pretende ultrapassar tal subjetivismo, visando a descobrir o conteúdo cognoscitivo da práxis histórica. Os fatos sensíveis, por exemplo, vistos pelos positivistas como possuidores de um valor irredutível, são, para Horkheimer, “[...] pré-formados socialmente de dois modos: pelo caráter histórico de objeto percebido e pelo caráter histórico do órgão que percebe”.

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FONTE: Assoun (1991, p. 17-18)

Para Adorno, o sistema capitalista se resume à indústria cultural, no qual o progresso técnico é perseguido enquanto coexiste a sociedade da mercadoria. Assim, ele critica o movimento iluminista, pois vê no desenvolvimento técnico o motivo para o crescimento do que ele chama de “razão instrumental”, uma forma de, literalmente, pensar o mundo como instrumento para chegar a determinados fins.

O domínio do homem sobre a natureza trazido pelo movimento iluminista, segundo ele, é paralelo a um movimento de domínio também sobre o homem, no qual utiliza os movimentos de dominação como o nazismo e o fascismo para exemplificar. Adorno valoriza não apenas a racionalidade, a dominação pelo racional, mas também o irracional, e por isso valoriza muito as artes, sobretudo as inovações artísticas.

Adorno buscou estudar o conceito de técnica e realizou algumas considerações sobre sua utilização.

Theodor Wiesengrund Adorno, nascido em Frankfurt em 1903, era filho de pai alemão e de mãe italiana. Descobriu precocemente a filosofia de Kant graças ao seu amigo Siegfried Kracauer, versado na sociologia do conhecimento. Provém, aliás, de um meio de músicos que o orienta à partida para a estética musical. A mãe, filha de uma cantora alemã e de um oficial do exército francês, de origem cora, fez uma brilhante carreira de cantora antes de se casar com um próspero negociante de vinhos, judeu convertido. A irmã era pianista de profissão, de modo que muito cedo ele aprendeu piano e composição musical. Em janeiro de 1925 seguiu Alban Berg, que encontrara no ano anterior, no Festival de Frankfurt da Sociedade Alemã Universal, em Viena, onde seguiu cursos de composição e técnica de piano. Além disso, frequentou os meios de vanguarda e dirigiu um jornal, Anbruch. A sua estadia vienense terminou em 1928, data em que voltou a Frankfurt. De regresso a Frankfurt, começou em 1929 a redigir a sua tese de doutoramento sobre Kierkegaard, construção da estética, defendida em 1931 (e publicada em 1933), o que lhe permitiu tornar-se Privatdozent. De fato, só em 1938 é que se tornou oficialmente membro do Instituto de Investigação Social. Adorno não se exilou em 1933, mas até 1937 passa a maior parte do tempo na Inglaterra, no Merton College, em Oxford. Após o exílio nos Estados Unidos, Adorno retoma a estreita colaboração com Horkheimer, que culmina com a obra comum sobre a Dialética da Aufklärung (1947). É um dos que querem voltar o mais depressa possível a Frankfurt após a guerra, e torna-se diretor-adjunto do Instituto, depois codiretor em 1955. Enfim, em 1958, depois que Horkheimer se aposenta, Adorno toma a direção do Instituto. Após o testamento filosófico, a Dialética Negativa (1966) e o seu papel ativo na “polêmica do positivismo”, Adorno desaparece no verão de 1969, no momento em que começaram a ser publicadas na Suhrkamp as suas obras completas.

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O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. Ao visarem à produção em série e à homogeneização, as técnicas de reprodução sacrificam a distinção entre o caráter da própria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças, em grande parte, ao fato de que as circunstâncias que favorecem tal poder são arquitetadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria sociedade. Em decorrência, a racionalidade da técnica identifica-se com a racionalidade do próprio domínio. Essas considerações evidenciariam que, não só o cinema, como também o rádio, não devem ser tomados como arte (MATOS, 2012, [s.p.]).

Adorno estudou muito a arte, e esta acabou sendo o escape proposto por ele para a dominação da indústria cultural. Ele apresenta a arte em seu último livro, Teoria Estética, como a salvação, ou seja, uma perspectiva otimista diante dos fatos terríveis que a humanidade havia presenciado com os movimentos ditatoriais.

6 JÜRGEN HABERMASJürgen Habermas é considerado um importante sociólogo contemporâneo,

herdeiro dos conhecimentos produzidos e discutidos na Escola de Frankfurt, e teórico da modernidade.

FIGURA 18 – JÜRGEN HABERMAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/4nU7Li>. Acesso em: 1 maio 2012.

DICAS

Quer saber mais sobre a vida e obra de Theodor Adorno? Acesse o vídeo disponível na rede: <http://www.youtube.com/watch?v=ihegGg-KC9k&feature=related>. Acesso em: 1 maio 2012.

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FONTE: Disponível em: <www.intervox.nce.ufrj.br/~ballin/habermas.doc>. Acesso em: 1 maio 2012.

Habermas desde estudante não respeita fronteiras disciplinares ou procedimentos e métodos específicos de um campo do saber, prefere interessar-se por diversas escolas de pensamento e orientações ideológicas diversificadas, assim como já vimos anteriormente em Bourdieu.

A formação de Habermas realizou-se no campo da filosofia, sendo que sua tese de doutoramento foi defendida em 1954, em Bonn, e tratava da filosofia da história de Schelling. Concluído o doutoramento, foi trabalhar como autor independente no jornal FAZ (Frankfurter Allgemeinem Zeitung) e na revista trimestral Merkur.

Estas publicações, em especial as de cunho sociológico, levaram Theodor W. Adorno a convidar Habermas para trabalhar no Institut für Sozialforschung (o Instituto de Pesquisas Sociais), em 1952, onde se tornou assistente de pesquisa e aprendeu as técnicas de pesquisas empíricas.

Ali, sua maior contribuição foi para a influente pesquisa Student und Politik (Estudante e Política), que investigava “os padrões de orientação política do estudantado da República Federal da Alemanha (Ocidental), na década de 50” (HONNETH, 1999).

Jürgen Habermas nasceu na cidade de Düsseldorf, na Alemanha, curiosamente no mesmo ano em que foi fundada a Escola de Frankfurt, 1929. Em 1954, aos 25 anos, graduou-se com o trabalho intitulado O Absoluto e a História, sobre Schelling. Ainda no mesmo ano Habermas tornou-se assistente de Adorno, a quem assistiria durante os próximos cinco anos, até 1959, no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, a chamada Escola de Frankfurt. Aos 31 anos Habermas passou a lecionar filosofia em Heildeberg e em 1961 publicou a famosa obra Entre a Filosofia e a Ciência - O Marxismo como Crítica, inserida em O Estudante e a Política. Jürgen Habermas passou, então, a lecionar filosofia e sociologia na Universidade de Frankfurt. Várias obras e artigos foram publicados pelo filósofo nos anos seguintes, entre os quais se destacam: Evolução Estrutural da Vida Pública, em 1962; a famosa Teoria e Práxis, em 1963; Lógica das Ciências Sociais, em 1967; e Técnica e Ciência como Ideologia e Conhecimento e Interesse, ambas em 1968. Em 1968 Habermas mudou-se para New York e tornou-se professor da New York School for Social Research. Mas já em 1972 muda-se novamente, desta vez para Starnberg, assumindo a direção do Instituto Max-Planck. Contudo, em 1983, Habermas torna, novamente, a lecionar na Universidade de Frankfurt. Por fim, em 1994, Habermas aposentou-se, porém sem nunca deixar de contribuir para o arcabouço do conhecimento através de contínuas palestras, obras publicadas e outros. Autor de vasta obra, que compreende hermenêutica jurídica; críticas ferrenhas ao positivismo em sua expressão resultante, o tecnicismo; análise do marxismo e muitos outros temas, Jürgen Habermas é representante da segunda fase da Escola da Frankfurt.

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Sua pesquisa pós-doutoral intitulava-se Mudança Estrutural no Espaço Público e foi orientada por Wolfgang Abendroth, pois tanto Horkheimer quanto Adorno não concordaram com uma série de ideias da proposta, e por este motivo Habermas pediu demissão do Instituto. Depois de passar pela Universidade de Heidelberg, retornou à Universidade de Frankfurt em 1964 e, posteriormente, tornou-se diretor do "Instituto Max Planck" – em Starnberg – até 1981.

Enquanto membro atuante do Instituto em Frankfurt, período que marcou profundamente sua trajetória, Habermas estudou primordialmente as tendências para crises nas sociedades de capitalismo tardio e recebeu influências dos outros membros da Escola de Frankfurt. Assim, ele adquiriu notoriedade intelectual por ser considerado nos círculos sociológico e filosófico como herdeiro legítimo dos frankfurtianos, pertencente à segunda geração deste grupo de intelectuais.

Apesar da forte presença frankfurtiana, Habermas sofreu outras motivações e influências intelectuais. Neste sentido, Aragão (2002) divide a trajetória de Habermas em três fases: “seu passado frankfurtiano e o acerto de contas com seus mestres”, sua “obra de maturidade” e sua “maioridade intelectual”.

Na fase do “seu passado frankfurtiano e o acerto de contas com seus mestres”, Aragão (2002) afirma que inicialmente as influências sofridas por Habermas foram provenientes de sua formação filosófica e enquadravam-se nas correntes neokantianas, existencialistas e fenomenológicas. As leituras de Marx e Lukács também aparecem neste momento, seguidas pelo estudo sistemático de Heidegger e Schelling. Seus estudos iniciais de sociologia ocorreram quando era assistente de Adorno, onde realizou leituras de Durkheim, Weber e Parsons.

Ainda enquanto assistente de pesquisa, travou conhecimento com a psicanálise. Seu distanciamento em relação aos seus mestres deu-se quando começou a se dar conta de que "[...] o marxismo, baseado numa filosofia da história, não satisfazia mais como fundamento normativo de uma teoria crítica da sociedade". (ARAGÃO, 2002, p. 53).

As fraquezas que Habermas enxergava na teoria crítica proposta pelo Círculo de Frankfurt relacionavam-se à sua fundamentação normativa (apoiada em um conceito de razão baseado na filosofia da história); seu conceito de verdade e sua relação com as disciplinas científicas (que considera como verdadeiro apenas o conhecimento filosófico, que utiliza proposições universais); e sua subestimação das tradições democráticas e constitucionais de um Estado legal (não se atribuía importância ao Estado de Direito como forma de propiciar justiça social e igualdade de oportunidades).

Na “sua obra de maturidade” Habermas desenvolveu sua Teoria do Agir Comunicativo, publicada em 1981, e que foi resultado de dez anos de trabalho. Inicialmente, ele produziu o conceito de racionalidade comunicativa, baseado na intuição central da teoria, que recupera a ideia de Adorno e afirma que há uma vontade de compreensão presente na linguagem.

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Para insistir na ampliação do conceito de razão comunicativa usado pela filosofia e pela ciência e afirmar a multiplicidade de aspectos relacionados à razão, o autor baseou-se em exemplos da psicanálise, da ética e da estética. Considerando a ampliação de seu conceito de razão, Habermas utiliza-se de Weber e interpreta a racionalização em sua teoria social como derivada do crescimento dos elementos sistêmicos e da diminuição dos elementos do mundo da vida.

Jürgen Habermas diferenciou quatro tipos de ação:

1 Ações teleológicas: definidas como aquelas realizadas por uma pessoa em busca de um objetivo. São estratégicas e incluem pelo menos outra pessoa no cálculo dos meios e fins. Este tipo de ação é racional porque os agentes calculam qual a melhor estratégia para atingir um determinado fim e, assim, eles se relacionam uns com os outros compreendendo-os como meios ou obstáculos para a realização de seus fins. Também são chamadas de ações instrumentais.

2 Ações normativas: a intenção das ações normativas é atender expectativas recíprocas por meio do ajuste de conduta aos valores e normas compartilhados na sociedade. Os objetivos individuais podem ser neutralizados pelos deveres sociais e padrões de gosto, que são legitimados na forma de um código normativo compartilhado. Para ser considerado racional, esse tipo de ação deve se conformar com os padrões de comportamento aceitos pela sociedade e defender os interesses gerais das pessoas afetadas.

3 Ações dramatúrgicas: são revestidas pela personalidade do agente, estratégicas no sentido de obter uma resposta determinada de certa audiência. Estas ações são baseadas na sinceridade dos agentes, envolvidas por seu caráter verdadeiro. São racionais se forem sinceras e não permitirem que um dos agentes seja enganado.

4 Ações comunicativas: ocorrem quando duas pessoas pretendem chegar a um acordo voluntário, coordenando esforços para uma cooperação mútua. Nas outras ações não é necessário que os agentes desejem necessariamente chegar livremente a um acordo, porém na ação comunicativa utiliza-se a linguagem para obter um acordo em torno de temas problemáticos, e por isso não é uma ação estratégica.

Em sua teoria do agir comunicativo, Habermas distingue o mundo da vida do mundo sistêmico. Nestas definições ele especifica as diferenças entre as esferas da reprodução social – material e simbólica – e as funções de integração da sociedade – sistema e social, além das duas interações com essas esferas – ação instrumental e ação comunicativa. O sistema limita as decisões do sujeito através de mecanismos de mercado ou burocráticos, relacionados à sobrevivência política e econômica do indivíduo.

O mundo da vida contribui para o indivíduo realizar ações em torno de valores compartilhados e manter sua identidade social. Exemplificando, as

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famílias e as esferas de acesso público (cultural, social e político) pertencem ao mundo da vida, enquanto o mundo sistêmico manifesta-se nas empresas e órgãos do Estado. No entanto, não se podem dissociar as funções reprodutivas materiais da família, ou as funções reprodutivas simbólicas da comunidade empresarial – há uma sobreposição de funções, que Habermas reconhece como válida (INGRAM, 1993).

Em sua “obra de maturidade”, Habermas torna-se relativamente autônomo em relação às influências que sofreu, passando para sua “maioridade intelectual”. Em sua maioridade intelectual, expressa sob a forma de uma filosofia do direito, Habermas não abandonou suas mudanças de orientação e conquistas obtidas durante a construção da Teoria do Agir Comunicativo.

Ele altera a visão crítica que possuía do Direito como instrumento do sistema administrativo para a colonização do mundo da vida (transformando as relações comunicativas em jurídicas), e passa a vê-lo como instrumento de democratização e redução das desigualdades.

Assim, o Direito seria a forma de garantir maior justiça social e gozo dos direitos a cada vez mais grupos sociais. Para que isso efetivamente ocorresse, seria necessário fortalecer os processos de formação da opinião pública e ampliar a participação política da sociedade civil.

O motivo central da teoria da sociedade de Habermas parte da tentativa de explicitar, por meio de uma abordagem sociológica, os efeitos negativos do progresso técnico, apesar de este ter contribuído nas melhorias do progresso econômico (HONNETH, 1999).

O progresso técnico proporcionaria dois tipos de alienação: o primeiro, em consequência da automatização do processo de produção, resultaria em perda do conhecimento de materiais e do espaço de atuação dos operários; no segundo, o espaço de consumo se altera, tornando-se espaço de consumo de massa, e causa um contato menos duradouro com os objetos, pois o consumidor é constantemente estimulado a satisfazer as necessidades de uma forma acelerada (HONNETH, 1999).

Essa forma de racionalização é chamada por Habermas de racionalização técnica e, para a correção desse desenvolvimento, deveria haver o processo que denominou de racionalização social. A racionalização social reduziria o distanciamento do mundo das coisas, colaborando para a regeneração das forças do mundo da vida, mas só ocorrendo se houvesse um processo de frenagem na organização da produção e no comportamento da esfera do consumo (HONNETH, 1999).

Gradativamente, Habermas abandona a ideia de que é a partir da racionalização técnica que se podem identificar as consequências negativas decorrentes da ação do homem sobre o mundo. Esta ideia é, então, substituída pela interação linguisticamente mediatizada entre sujeitos que fornece o padrão

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capaz de medir os danos provocados no interior do mundo da vida.

Esta ideia é amadurecida em sua tese de livre-docência, onde ele se baseia em Kant – mais precisamente nas produções kantianas sobre racionalização discursiva – até esta ideia chegar a ser utilizada como fundamento de sua teoria da sociedade, sob forma do conceito de "ação comunicativa". De forma geral, o conceito de ação comunicativa refere-se ao fato de que a reprodução da sociedade ocorre através da interação social, onde os agentes buscam o entendimento linguístico como objetivo final (HONNETH, 1999).

Com a diferenciação das racionalidades realizada, Habermas amplia seus conceitos – interação (ação comunicativa) e trabalho (ação instrumental):

De um lado, associa o conceito de "ação comunicativa" à categoria de "mundo vivido social", que se refere àquelas normas e convicções que – graças aos processos do entendimento linguisticamente mediatizado – já se cristalizaram sob a forma de um pré-saber intersubjetivamente partilhado no horizonte de cada um. Na medida em que se trata de convicções básicas, resultantes de processos interativos que já se refletem no tecido institucional de cada sociedade, Habermas pode afirmar com Parsons que a moldura institucional, dentro da qual a reprodução societária se realiza, já se encontra predeterminada. De forma análoga, num segundo momento, Habermas procura associar ao conceito de ação instrumental uma categoria complementar, à qual cabe a tarefa de destacar do fluxo das atividades práticas as formações cristalizadas em instituições. Àquelas esferas de ação que se institucionalizaram, levando em consideração exclusivamente os aspectos instrumentais, Habermas passa a chamar de "subsistemas" da ação instrumental (HONNETH, 1999, p. 18).

No que se refere à reprodução da sociedade, Habermas afirma que a reprodução material da vida social é tão fundamental quanto a renovação simbólica do mundo da vida. A reprodução simbólica se dá sempre pela via da ação comunicativa, partindo da perspectiva do mundo da vida, enquanto a reprodução material relaciona-se mais à preservação sistêmica, onde as atividades instrumentais necessárias à reprodução ocorrem independentemente das intenções dos sujeitos, ou seja, são funcionais.

Para o autor, na modernidade ocorre uma colonização do mundo da vida pelo sistema, onde o mundo da vida passa a ser instrumentalizado pelo sistema e intensifica a complexidade sistêmica. Assim, as patologias da modernidade seriam causadas pela penetração das formas instrumentais no interior da sociedade, que depende de processos comunicativos (encontrados no mundo da vida) para obter um equilíbrio reprodutivo.

O principal ponto de contraposição de Habermas em relação à sua herança frankfurtiana diz respeito ao seu posicionamento otimista, que defendia que a esfera pública poderia sofrer uma reabilitação e as pessoas passariam a decidir o futuro de suas ações sem imposições coercitivas, mas apenas pela disposição em dialogar e buscar um consenso por meio da racionalidade das ações.

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Muitos dos outros integrantes da Escola de Frankfurt eram pessimistas em relação a estas teorias, enquanto Habermas defendia que a sociedade civil poderia passar a ter função decisória e controlar a esfera de atuação do Estado.

Assim, a discussão sobre Habermas ser ou não herdeiro da Escola de Frankfurt ainda causa polêmica, e, segundo Aragão (1992), ele permaneceu fiel ao projeto e ao programa desta Escola (teoria social crítica com intenções práticas e pesquisa interdisciplinar procurando estabelecer nova relação entre a filosofia e as ciências sociais, respectivamente).

Porém, a partir dos anos 40-70, esta corrente toma outros direcionamentos, aos quais o pensamento habermasiano se opõe, principalmente em relação à crítica da razão instrumental e ao pessimismo radical provocado pela experiência histórica do nazismo, 2ª Guerra Mundial e stalinismo. Habermas propõe, diante desta situação, que seu paradigma da razão instrumental traga mudanças no sentido otimista.

Mesmo assim, Aragão (1992) sintetiza os principais pontos em que o autor concorda com Horkheimer e Adorno mesmo nos anos 40-70: a) a total submissão do operariado ao sistema e sua perda de potencial emancipatório; b) descrédito em relação às formas de ativismo político, em especial uma postura crítica em relação ao movimento estudantil; c) recusa à previsão por antecipação e, assim, nenhuma teoria poderia servir de paradigma para orientar a ação diretamente.

Aragão (1992) agrupa as obras de Habermas em três conjuntos temáticos: as epistemológicas, as filosóficas e as sociológicas. Obras epistemológicas: Técnica e Ciência como Ideologia; Sobre a Lógica das Ciências Sociais; Teoria da Sociedade ou Tecnologia Social?; Hermenêutica e Crítica da Ideologia; A Disputa Positivista na Sociologia Alemã. Obras filosóficas: Conhecimento e Interesse; Teoria e Práxis; Perfis Filosófico-Políticos; Teorias da Verdade; Para a Reconstrução do Materialismo Histórico; O que quer dizer a Pragmática Universal?; Indicações sobre o Sistema de Delimitações do Eu; Política; Arte e Religião; Teoria do Agir Comunicativo; Consciência Moral e Agir Comunicativo; Estudos Preparatórios e Complementações à Teoria do Agir Comunicativo; O Discurso Filosófico da Modernidade e O Pensamento Pós-Metafísico. Obras sociológicas: Mudança Estrutural da Esfera Pública; Cultura e Crítica; Problemas de Legitimação no Capitalismo Maduro; Notas sobre a Situação Espiritual do Tempo; Pequenos Escritos Políticos I – IV; A Nova Intransparência (Pequenos Escritos Políticos V).

Em resumo, os conceitos de ação instrumental e ação comunicativa, a partir de sua construção, permearam toda a teoria social de Habermas, em especial sua teoria sobre um agir e uma racionalidade comunicativa. Esta teoria constitui o núcleo que organiza todo o restante do pensamento habermasiano e constitui-se na teoria social deste intelectual contemporâneo.

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

7 REVISÃO DOS PRINCÍPIOS MARXISTASKarl Marx foi um autor que influenciou muito a ciência sociológica, como

vimos na Unidade 1. Mas suas teorias não influenciaram apenas a sua época, foram muito mais além, sendo lidas e discutidas ainda na atualidade.

FONTE: Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/60190370/15/Capitulo-3-%E2%80%93-Teoria-Critica-Marxismo-e-Neo-marxismo>. Acesso em: 1 maio 2012.

Designa-se por marxismo um conjunto de doutrinas políticas e de teorias sociais, sociológicas, econômicas, políticas etc. que se encontraram na base ideológica da ação de muitos partidos socialistas e comunistas, e que derivam todas da obra de Karl Marx e Friedrich Engels. Esta “visão do mundo” desenvolveu-se apenas após a morte de Marx e teve grande importância, não só do ponto de vista intelectual, mas especialmente do ponto de vista dos modos de vida e organização política de, aproximadamente, um terço da população mundial, durante o século XX.

Poderemos talvez afirmar que o marxismo, nas suas múltiplas vertentes, foi o fenômeno mais marcante da cultura, da história, da economia e da política do século XX, quer como condutor da ação humana, quer como objeto de reação e rejeição. Existe uma série de teorias que são diretamente subsidiárias do pensamento de Marx, embora muitas vezes seguindo orientações muito diversas. Daí falarmos em marxismos e não em marxismo.

Após Marx, as teorias marxistas seguiram de perto a convicção determinista economicista do seu inspirador. Este determinismo econômico é caracterizado pela crença na existência de uma teleonomia na história humana determinada pela proeminência dos fatores econômicos da vida social. Assim, a economia e as lutas sociais que ela gera, necessariamente, são tidas como o motor da mudança social e da evolução histórica. As outras dimensões da vida humana, tais como a política, a religiosa etc. encontram-se subordinadas aos aspectos econômicos.

A concepção determinista e economicista da teoria marxista parece ter atingido o seu máximo no período que vai entre 1889 e o início da Primeira Guerra Mundial. Na esteira de Marx e Engels, Karl Kautsky e Eduard Bernstein mantiveram a convicção de que o sistema capitalista, por natureza e lógica interna, produziria crises e contradições internas capazes de o levarem à autodestruição. No entanto, não desistem da ideia de estimular o proletariado a acelerar essas crises, com o fim de antecipar o que a história produziria por si: o fim da sociedade sem classes.

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O pensamento deste autor foi estudado com afinco pelos chamados marxistas, mas seu estudo também deu origem a novos movimentos, que buscaram rever os princípios das teorias de Marx, modificando-os em alguns casos. Suas obras sofreram e sofrem constantes releituras, muitas vezes até mesmo contraditórias. A Escola de Frankfurt produz algumas releituras, especialmente com seu integrante Marcuse, que utiliza as obras de Marx em movimentos estudantis na Europa e Estados Unidos.

O marxismo oficial (também denominado de “soviético”) que se expressa como leninismo-stalinista, a ascensão dos movimentos fascistas e a nova sociedade tecnológica norte-americana são, ao que tudo indica, os componentes que podem explicar a realização de uma revisão do marxismo entre os intelectuais da Escola de Frankfurt. Foi, sem dúvida, a busca de uma teoria (crítica) e uma retomada da filosofia como herdeira do pensamento negativo que propiciaram a retomada do pensamento de Marx em novas condições históricas. Evidentemente que parte do marxismo ortodoxo é repensado, como afirmam alguns de seus intérpretes: “ele (o marxismo) permanece o instrumento da crítica da dominação, mas mostra-se também solidário com o movimento da razão instrumental”. Assim, mesmo operando no interior do marxismo, a Escola de Frankfurt irá incorporar novas contribuições, permitindo que o marxismo possa tornar-se mais atual, crítico, sem perder sua dimensão transcendente. (MANIERI, 2008, p. 33).

Além disso, o marxismo é a principal fonte teórica da teoria crítica produzida na Escola de Frankfurt, chamado por alguns autores de neomarxismo crítico. Este movimento pode ser considerado uma crítica da dominação.

A Escola de Frankfurt, como vimos anteriormente, é criada após uma reunião de estudos marxistas, realizada em 1922, mas tirando alguns participantes, a maior parte deles reclamava do marxismo, em suas duas vertentes, teórica e militante. Assim, não seria possível criar um instituto de investigações marxistas, mas seu primeiro intento foi esse, unir as diversas correntes de pensamento baseadas em Marx.

Inicialmente o instituto se chamaria Instituto para o Marxismo, no entanto, a ideia era atuar na área de investigações sociais. Então a mudança do nome para Instituto de Pesquisas Sociais tranquilizou o Ministério da Educação, pois diminuía seu caráter subversivo, e o desejo dos integrantes era construir uma teoria científica do social.

Em um primeiro momento, no Instituto, houve o que pode ser chamado de marxismo sociológico, trazido por seu primeiro diretor, Grünberg. O aspecto mais importante nesta corrente seria a aproximação experimental do social, para o qual o método do materialismo histórico-dialético contribuía consideravelmente.

Mas, após esta fase, a teoria crítica proposta pelos integrantes do instituto foi uma revisão dos princípios marxistas mais influentes, e teve seu manifesto em “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” de Horkheimer, em 1937.

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UNIDADE 2 | O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA: ESCOLAS DE PENSAMENTO E AUTORES

Um dos grandes problemas do marxismo que não havia sido resolvido e que Horkheimer queria resolver era o motivo da classe operária, ou proletariado, não ter conseguido assumir o poder e comandado a história. Para estabelecer o material empírico, realizou mais de três mil questionários, cujos “[...] resultados obtidos insinuam que a classe operária alemã se oporia muito menos firmemente a uma tomada de poder pela direita do que seria capaz de acreditar a ideologia militante” (LALLEMENT, 2004, p. 202).

Habermas, herdeiro das teorias da Escola de Frankfurt e considerado membro da última geração de seus integrantes, não esconde sua ligação com Marx e suas relações com a teoria crítica. No entanto, o marxismo deveria ser renovado e romper em três aspectos com Marx: romper com o evolucionismo; recusar a total predominância das forças produtivas na sociedade e na história; e rejeitar a tendência a perceber o social unicamente pela dominação (LALLEMENT, 2004). Para Habermas, a libertação não seria unicamente realizada pela revolução do proletariado, mas poderia ser atingida pelo estado ideal de comunicação.

MAX HORKHEIMER E THEODOR ADORNOCRÍTICA DA CULTURA DE MASSA

Segundo os sociólogos, o desaparecimento dos esteios que eram tradicionalmente oferecidos por uma religião objetiva, a desagregação dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização transformaram o setor da cultura em um verdadeiro caos. Esta tese é desmentida todo dia pelos fatos, pois a civilização atual confere a tudo

Com efeito, a partir de 1930-1931, nada mudou, literalmente, no Instituto: procede-se a uma procura de ciência social, e usa-se de forma privilegiada o marxismo como recomendação. Mas, de fato, tudo mudou: a teoria crítica identificou-se. Se continua a referir-se ao marxismo, é porque este se tornou funcionalmente o seu referente teórico dominante – em vez de ser o campo natural onde se operava: ela situa-se, pois, em relação íntima com ele, mas relação significa afastamento. Filha do materialismo histórico, a teoria crítica começa a pensar a sua filiação assumindo a paternidade marxista, sem aí perder a sua diferença. Isso não significa que seja preciso tomar simplesmente uma parte das aquisições do marxismo (o que depende, aí ainda, do revisionismo, que então é já velho de cerca de meio século), mas é uma postura própria que se reivindica. Seríamos tentados a exprimi-la dizendo que a teoria crítica se viu ao mesmo tempo como estando dentro do marxismo e no marxismo. Ela recusa escolher entre pertencer e reivindicar (ASSOUN, 1991, p. 64).

LEITURA COMPLEMENTAR

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um ar de semelhança. O filme, a emissão radiofônica e as revistas ilustradas constituem um sistema. Cada setor é uniformizado e todos o são, uns em relação aos outros. Até as manifestações de oposição política em suas expressões estéticas são unânimes para cantar os louvores do ritmo férreo deste sistema. Dos países totalitários aos outros países, quase todos os prédios administrativos e os centros de exposições industriais são semelhantes pela sua decoração. Os edifícios claros e monumentais que vão surgindo por toda a parte são os sinais exteriores da engenhosa racionalidade dos grandes cartéis internacionais para os quais afluíram as livres empresas em plena expansão, cujos monumentos eram os sombrios imóveis habitacionais ou escritórios em cidades sem alma. As casas mais antigas em torno dos centros urbanos de concreto já se assemelham a cortiços e os novos bangalôs situados às bordas das cidades são como frágeis construções das feiras internacionais, monumentos erigidos ao progresso técnico e que convidam a desembaraçar-se deles depois de um breve período de utilização, assim como alguém se desembaraça de latas de conservas vazias. Mas os projetos de urbanismo que, em pequenas residências higiênicas, deveriam assegurar a perenidade do indivíduo como ser independente, o submetem ainda mais totalmente ao poder absoluto do capital que é de fato seu inimigo. Da mesma forma que os habitantes são enviados para os centros urbanos para aí trabalharem e se divertirem como produtores e consumidores, assim também as células habitacionais se aglomeram em conjuntos bem organizados. A evidente unidade entre macrocosmo e microcosmo apresenta aos homens o modelo de sua civilização: a falsa identidade do geral e do particular.

FONTE: Lallement (2004, p. 44)

DICAS

Leia mais em: HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. A dialética da razão. Paris: Gallimard, 1974.

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RESUMO DO TÓPICO 3Neste tópico você viu que:

• A sociologia alemã está profundamente associada às produções realizadas na chamada Escola de Frankfurt, uma escola de pensamento que atuou por duas gerações e deixou herdeiros, que ainda vivem e são referências nas obras sociológicas mundiais.

• Os membros da Escola de Frankfurt desenvolveram o conceito de indústria cultural e a teoria crítica, que influenciaram e influenciam estudos não apenas sociológicos, mas também das áreas de comunicação.

• O marco inicial sempre lembrado acerca do surgimento da Escola de Frankfurt é a criação, em 3 de fevereiro de 1923, do Instituto de Pesquisas Sociais em Frankfurt.

• A indústria cultural se resume ao conjunto de indústrias, ou seja, empresas e afins, que comercializam produtos culturais e artísticos, buscando o lucro com esta atividade dentro de uma sociedade capitalista. Assim, as manifestações artísticas, culturais tornam-se um produto, que permite o acesso de algumas pessoas ao lucro.

• Horkheimer tornou-se muito importante na história da Escola de Frankfurt por ter assumido a direção do Instituto de Pesquisas Sociais e ficado à sua frente por muitos anos, retornando do exílio com louvores e reassumindo a direção do Instituto. As pesquisas e teorias ali realizadas tiveram a marca deste filósofo.

• Para Adorno, o sistema capitalista se resume à indústria cultural, no qual o progresso técnico é perseguido enquanto coexiste a sociedade da mercadoria.

• Habermas desenvolveu a teoria do agir comunicativo e diferencia as ações teleológicas, normativas, dramatúrgicas e comunicativas. Diferencia também o mundo da vida e o mundo sistêmico.

• O marxismo é a principal fonte teórica da teoria crítica produzida na Escola de Frankfurt, chamado por alguns autores de neomarxismo crítico. Este movimento pode ser considerado uma crítica da dominação.

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AUTOATIVIDADE

Para observar o que você fixou sobre a sociologia alemã, descreva em tópicos suas características, os principais autores e suas teorias.

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UNIDADE 3

A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• definir e diferenciar os principais conceitos utilizados pela sociologia na contemporaneidade;

• esboçar teorias sociológicas sobre a sua realidade, fazendo uso dos concei-tos contemporâneos;

• situar a posição do Brasil diante do desenvolvimento da sociologia global;

• debater o papel do sociólogo no mundo contemporâneo.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encon-trará autoatividades para reforçar sua aprendizagem.

TÓPICO 1 – IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA NA ATU-ALIDADE

TÓPICO 2 – VARIAÇÕES DO CONCEITO DE CULTURA E SOCIEDADE

TÓPICO 3 – CONCEITOS-CHAVE PARA UMA COMPREENSÃO DO MUN-DO SOCIAL

TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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TÓPICO 1

IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DA

SOCIOLOGIA NA ATUALIDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Querido(a) acadêmico(a), chegamos à última unidade deste Caderno de Estudos. Última, mas não menos importante. Pelo contrário, nesta unidade você conhecerá alguns conceitos importantes para a sociologia, durante seu desenvolvimento, e que ainda são utilizados atualmente.

Você conhecerá as instituições sociais básicas: família, Igreja e Estado. Verá ainda os conceitos de desigualdade social, as formas de manifestação dos movimentos sociais (conservador, reformista e revolucionário). Entenderá como ocorre a mobilidade social e estudará os fenômenos da violência humana e as relações entre a sociedade e a educação.

No tópico seguinte você irá compreender as variações dos conceitos de sociedade e cultura, tão presentes na sociologia, mas também utilizados com frequência em nosso cotidiano. É preciso saber diferenciá-los para atingir uma perspectiva científica e deixar de lado o senso comum. Em seguida, temos outros conceitos importantes para as análises sociais, como política e ideologia, poder e ética, Estado e governo.

E no último tópico você será apresentado(a) à sociologia brasileira, conhecendo nomes importantes para o desenvolvimento desta ciência no Brasil, e um breve histórico de sua inserção em nosso território. Para finalizar a unidade e o Caderno de Estudos, há uma reflexão sobre o papel do sociólogo no mundo atual.

Ufa! Temos bastante conteúdo nesta unidade, e ele é de extrema importância a você, acadêmico(a), que está estudando a História da Sociologia. Além disso, todo ele é muito interessante, pois esclarece diversos pontos da prática sociológica. Vamos começar, então, pelas instituições sociais? Boa leitura!

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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2 INSTITUIÇÕES SOCIAISVamos começar esta unidade conhecendo um conceito muito importante

para a sociologia, e que você já deve ter ouvido muito: instituições sociais. Uma instituição social, conforme a definição de Oliveira (1999, p. 108), é “[...] um conjunto de regras e procedimentos padronizados, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade e que têm grande valor social. São os modos de pensar, de sentir e de agir que a pessoa encontra preestabelecidos”.

Ou então em uma definição um pouco mais complexa: “[...] um sistema complexo e organizado de relações sociais relativamente permanente, que incorpora valores e procedimentos comuns e atende a certas necessidades básicas da sociedade”. (DIAS, 2005, p. 201).

As regras e os procedimentos que devemos seguir no grupo social do qual fazemos parte são ensinados desde o nosso nascimento e, à medida que crescemos, passamos a ter consciência destas regras e de quais são as mais importantes e legítimas. Essas regras sempre são determinadas por quem viveu no passado, e em geral o processo de modificação delas é bastante lento.

Para os sociólogos, o estudo das instituições sociais é muito importante por permitir conhecer condutas padronizadas e definir as regras que mantêm o grupo social organizado e coeso, satisfazendo as necessidades dos indivíduos que fazem parte dele. Para realizar investigações acerca das instituições, é necessário separá-las do conceito de grupos sociais.

Os grupos sociais são conjuntos de indivíduos que possuem objetivos comuns, que interagem continuamente. Já as instituições referem-se ao conjunto das regras, condutas e procedimentos padronizados dos grupos sociais. Oliveira (1999) sugere o exemplo: um pai, mãe e filhos formam um grupo social, enquanto as regras e os procedimentos que seguem formam a instituição família.

Uma instituição não é um grupo enquanto tal, mas, sim, um conjunto de comportamentos e crenças que o grupo adota. As pessoas pertencem a grupos ou associações; no entanto não podem pertencer a uma determinada instituição no sentido científico do termo. Uma instituição também não pode ser vista, pois trata-se de uma abstração. Podemos ver igrejas, mas não uma religião; assim, também, nós podemos ver os operários trabalhando numa fábrica, mas não a economia. O mesmo pode ser dito de um funcionário público que aplica multas; podemos vê-lo, mas não o sistema político (DIAS, 2005, p. 203).

Há também outro aspecto importante: a interdependência das instituições, a tal ponto que uma modificação em uma instituição de um modo geral afeta as outras, em maior ou menor grau. As instituições sociais principais se resumem a: instituição familiar, educativa, religiosa, jurídica, econômica e política. Um dos papéis fundamentais das instituições sociais é regular os comportamentos e atividades dos indivíduos, além de resolver possíveis necessidades surgidas entre eles.

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As relações existentes entre os indivíduos que participam das diversas instituições sociais tornam-se padronizadas, e as atividades atingem um nível de previsibilidade. O desenvolvimento destas instituições se dá gradativamente e pode ocorrer de forma espontânea conforme as necessidades, e suas normas podem não estar determinadas por leis ou regulamentos (DIAS, 2005).

Uma instituição também pode ser definida como uma organização de normas e costumes para a obtenção de alguma meta ou atividade que as pessoas julguem importante. Instituições são processos estruturados por meio dos quais grupos e indivíduos se esforçam para levar a cabo suas atividades. Em outros termos, podemos afirmar que uma instituição é uma maneira definida, formal e regular de fazer alguma coisa (DIAS, 2005, p. 202).

Para que exista a previsão nas relações sociais, é preciso que existam procedimentos de rotina para lidar com problemas que surgem. As gerações mais novas não precisam criar métodos para lidar com estes problemas, pois eles já foram instituídos pelas gerações antigas. Existem mudanças que podem ocorrer, mas a essência da forma de lidar com o problema ou necessidade permanece a mesma.

As instituições têm finalidades específicas, como a instituição educacional tem a finalidade de socialização dos indivíduos mais jovens de um grupo. Elas constituem procedimentos organizados pelos quais a sociedade busca alcançar objetivos.

As instituições também possuem elementos comuns, como “[...] pessoal, equipamentos (bens materiais), organização e um certo ritual (costumes, leis, cerimônias)” (DIAS, 2005, p. 202). Em geral possuem ligadas a si associações que realizam na prática as funções da instituição, que possuem nomes, membros, estabelecimentos e uma determinada organização.

Para que existam as instituições, ocorre um processo de padronização e criação de rotina em certas atividades, chamado de institucionalização. Estas atividades são esperadas e buscam atingir objetivos, obedecendo a determinadas regras e passando por um processo de aprovação. Dias (2005) nos traz o exemplo de uma briga de rua, que não é institucionalizada, enquanto o boxe, por possuir regras e rotinas, é uma atividade institucionalizada.

IMPORTANTE

As instituições formam a estrutura permanente, na qual operam a cultura e a estrutura social (DIAS, 2005).

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É este processo que transforma a conduta espontânea e imprevisível em uma conduta regular e que pode ser prevista. Ele também desenvolve o sistema de normas e papéis sociais aceitos pelo grupo social.

Uma instituição educacional apresenta pessoas colocadas em papéis sociais especializados, tais como o diretor, coordenador, professor, inspetor, entre outros. O comportamento de cada um desses indivíduos é orientado por códigos, estatutos e regulamentos. A compreensão dos preceitos que orientam o comportamento das pessoas que trabalham nas instituições de ensino facilita a compreensão e a previsão do rumo que as suas ações tomarão em um determinado conjunto de circunstâncias. Por exemplo, o conflito entre professor e aluno será encaminhado para o coordenador que tentará resolver o problema, e, caso ele não consiga, o levará ao diretor (DIAS, 2005, p. 203).

Associada ao processo de institucionalização, está a criação de símbolos

que representem as instituições, quando sinais passam a representar as instituições e lembrar sua existência. Podemos usar como exemplo o crucifixo que simboliza uma instituição religiosa, a aliança que simboliza a instituição de uma nova família, a bandeira que simboliza um clube representante de uma instituição esportiva. De um modo geral, todas as instituições possuem símbolos, que também podem ser prédios e construções.

Para sintetizar, as instituições, segundo Dias (2005), podem ser identificadas por apresentarem características comuns:

• Cada instituição tem como objetivo principal a satisfação de necessidades sociais específicas e, para atingir seus objetivos, desempenha múltiplas funções. Por exemplo, a instituição familiar regula o comportamento sexual, controla a função reprodutora e socializa as crianças.

• As instituições sociais incorporam os valores fundamentais adotados pela maioria da sociedade. Por exemplo, diante da instituição educacional, o governo é obrigado a fornecer o ensino básico até uma certa idade, enquanto os pais devem enviar seus filhos à escola e estimular a boa convivência para que existam boas relações entre os grupos sociais.

• Os ideais de uma instituição são, em geral, aceitos pela grande maioria dos membros de uma sociedade, mesmo que eles não participem dela. Ex.: Embora pessoas não concordem com o partido político que governa no momento, elas compreendem o papel importante das instituições políticas.

• Mesmo havendo uma profunda interdependência entre as diversas instituições dentro de uma sociedade, cada uma delas está perfeitamente estruturada e organizada segundo um conjunto estabelecido de normas, valores e padrões de comportamento. As regras das instituições políticas, por exemplo, são o preenchimento de seus cargos por concurso público e o respeito à hierarquia.

• As instituições exercem tal influência que suas atividades ocupam um lugar

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central dentro da sociedade; uma mudança drástica em uma instituição provavelmente provocará mudanças em outras. As mudanças econômicas impactam nas famílias, nos investimentos em educação, entre outros.

• As instituições são relativamente duradouras, e os padrões de comportamento estabelecidos dentro das instituições se tornam parte da tradição de uma determinada sociedade. A monogamia é uma tradição brasileira que regula os casamentos, por exemplo.

Além das características apresentadas, as instituições possuem também funções específicas dentro das sociedades, mas permeadas por funções comuns e básicas a qualquer instituição, que podem ser manifestas ou latentes.

As manifestas são aquelas que são mostradas claramente e aceitas pelas sociedades, como a função educacional da transmissão da cultura, por exemplo. Já as funções latentes não são evidenciadas e podem não ser aprovadas pela sociedade, como a função de promover o contato social para estimular a tolerância, dentro da instituição educacional.

As funções básicas das instituições, ainda de acordo com Dias (2005), podem ser resumidas em:

• As instituições sociais apresentam para os indivíduos vários modelos de comportamentos sociais apropriados a diversas situações. Na escola, por exemplo, aprendemos o correto tratamento às autoridades, como aos diretores.

• As instituições proporcionam um grande número de papéis sociais com um determinado comportamento julgado adequado. A escolha da profissão por jovens se dá também pelo desempenho do papel social de determinadas funções, como médicos, advogados, entre outros.

• De um modo geral, as sociedades aprovam o comportamento institucionalizado, pois eles dão estabilidade e consistência aos seus membros. Ao frequentar a escola, o indivíduo aceita valores e normas que irão determinar um comportamento disciplinado.

• As instituições tendem a regulamentar e controlar o comportamento dos indivíduos. Como elas incorporam as expectativas aceitas pela sociedade, qualquer desvio dessas expectativas pode gerar punição ou uma exposição a constrangimentos. Quem trabalha em instituições políticas, por exemplo, não pode receber suborno ou sofrerá punições.

Estas são as funções gerais das instituições dentro da sociedade, no entanto, como elas possuem também funções específicas, iremos estudar três instituições nas quais se baseia a constituição da sociedade contemporânea: Família, Igreja e Estado.

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2.1 FAMÍLIA

A família é uma instituição social que tem sua estrutura variada de acordo com o tempo e o espaço. As famílias patriarcais do Brasil colonial, por exemplo, são diferentes das famílias contemporâneas. A família é o primeiro grupo social do qual fazemos parte e no qual somos socializados.

A família é um grupo aparentado responsável principalmente pela socialização de suas crianças e pela satisfação de necessidades básicas. Ela consiste em um aglomerado de pessoas relacionadas entre si pelo sangue, casamento, aliança ou adoção, vivendo juntas, em geral, em uma mesma casa por um período de tempo indefinido. A família é considerada uma unidade social básica e universal. Básica, porque dela depende a existência da sociedade; e universal por ser encontrada em todas as sociedades humanas, de uma forma ou de outra. O estereótipo da família de nossa cultura é constituído pelo marido, esposa e filhos. Considerando-se outras culturas, há muitas variações na estrutura familiar (DIAS, 2005, p. 210).

As variações encontradas nas instituições familiares dizem respeito aos seguintes aspectos: número de casamentos, forma de casamento, tipo de família (OLIVEIRA, 1999).

Com relação ao número de casamentos temos a monogamia e a poligamia. Nos grupos sociais de base monogâmica, cada integrante do casal possui apenas um cônjuge, independentemente se o casamento admita divórcio ou não. É o caso do Brasil, mas que permite, pelas leis, o casamento após o divórcio. A poligamia permite o casamento com mais de um cônjuge ao mesmo tempo, como é o caso das religiões muçulmanas.

A poligamia pode ser de dois tipos, a poliandria, que é a união de uma mulher com mais de um homem, permitido entre os esquimós e tribos do Tibete, por exemplo; e a poliginia, quando um homem casa com mais de uma mulher, como entre povos árabes ou algumas religiões e tribos africanas.

Quanto às formas de casamento, existem a endogamia e a exogamia. A endogamia é o casamento permitido apenas entre pessoas de um mesmo grupo, como da mesma tribo ou casta. É o caso do casamento entre membros da mesma casta na Índia antiga, que veremos mais adiante neste tópico. A exogamia é o

DICAS

O link <http://www.lcqribeiro.pro.br/wp-content/uploads/2011/03/O-que-%C3%A9-uma-instituicao-social-Berger-e-Berger1.pdf> direciona a um excelente texto intitulado “O que é uma instituição social?”, escrito por Brigitte Berger e Peter Berger. Acesso em: 14 maio 2012.

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casamento comum da sociedade moderna, que permite a união de casais de diferentes locais, religiões ou classes.

Conforme Dias (2005):

• Exogamia – é o nome que se dá ao casamento entre indivíduos que pertencem a grupos distintos. Por exemplo, em nossa sociedade, as pessoas são proibidas de casar com parentes de sangue próximos - irmão ou irmã etc. A escolha deve ser feita fora do grupo de parentesco.

• Endogamia – é o tipo de casamento em que os indivíduos são obrigados a escolher os cônjuges dentro do grupo a que pertencem. Na África do Sul, vigorou durante muito tempo a endogamia racial; o branco só podia casar com um branco e o negro com outro negro.

O tipo de família classifica-se em família nuclear ou conjugal e família consanguínea ou extensa. O primeiro tipo reduz-se à vivência do lar, como mãe, pai e filhos, ou mesmo mãe e filho, entre outros arranjos. E a família consanguínea é a extensão, formada pela maioria de parentes de sangue, como pais, filhos, netos, cônjuges. Neste caso, o marido passa a viver com a família da esposa ou vice-versa, e o que determina o núcleo familiar é o grupo de irmãos, que passam a agregar seus cônjuges.

Há uma enorme variação na forma com que ocorrem os casamentos. Na sociedade brasileira predomina a livre escolha entre parceiros baseada no amor. Embora para a maioria dos brasileiros essa pareça ser a forma mais natural, essa precondição para o casamento, na realidade, nem sempre é aceita universalmente.

O casamento por amor é bastante recente; e ele só se consolidou gradativamente, graças ao incremento da industrialização. Anos atrás predominavam os casamentos arranjados – em que as famílias é que determinavam quem devia casar com quem. Com a industrialização e o rápido processo de urbanização, o amor tornou-se funcional à medida que ajuda as pessoas a cortar os laços de união com suas famílias, dando ao novo casal o suporte afetivo e emocional que os cônjuges recebiam antes de seus parentes.

Em sociedades tradicionais, o amor é desencorajado como prerrequisito para o casamento, pois pode romper com os laços de parentesco existentes. É o que acontece, por exemplo, no Iraque, onde se busca o parceiro dentro do grupo de parentesco, e os pares são formados para fortalecer as relações familiares. (DIAS, 2005, p. 212).

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Estes tipos de casamento, formas de família e funções interessam à sociologia em seus estudos das estruturas sociais. Observou-se que a função padrão da família nos grupos sociais é a reprodução e assistência inicial à criança. No entanto, apesar disso, as estruturas familiares e as funções da família mudam muito conforme os grupos sociais.

Entre as diversas funções que pode ter, a instituição familiar apresenta as seguintes:

• Regulamentação do comportamento sexual – as oportunidades de satisfação dos impulsos sexuais variam conforme os grupos sociais. Há, por exemplo, grupos que permitem as relações anteriores ao casamento, enquanto outros proíbem este tipo de situação.

• Reposição de membros da sociedade de uma geração a outra por meio da reprodução – a procriação é, por excelência, a função principal da família na sociedade. Crianças que não convivem com este núcleo podem ter dificuldades de sobrevivência.

• Cuidado e proteção às crianças, aos enfermos e idosos – o cuidado nos momentos em que as funções do corpo estão dificultadas por alguma condição em geral é realizado pelos membros da família.

• Socialização das crianças – a família é o primeiro grupo social no qual a criança está inserida, desde o seu nascimento inclusive, e é deste grupo que ela recebe os primeiros padrões de condutas e valores, ou seja, a primeira educação.

• Fixar a posição e estabelecer o status, transmitido por meio da herança social – o indivíduo ao nascer recebe o status social de seu núcleo familiar, inclusive financeiro, o que determina suas primeiras relações com o mundo.

• Segurança econômica, afeto e proteção – a família tem como função inicial manter seus integrantes, além de desenvolver relações afetivas as quais, por exemplo, geram a dependência das crianças com relação aos pais.

Estas são as funções que podem ser identificadas na instituição social

familiar, cuja responsabilidade recebem e por meio das quais buscam suprir as necessidades humanas com relação a estes grupos.

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2.2 IGREJA

A Igreja é outra instituição social, esta ligada à religião. A religião existe desde os tempos mais remotos e é encontrada em todas as sociedades, nas mais diversas formas. Muitas religiões já surgiram, outras desapareceram e outras continuam até os dias atuais. A crença em um elemento divino ocorre, de forma geral, em todos os grupos sociais.

Desde as antigas civilizações, percebe-se o culto ao sobrenatural como algo muito importante, mostrando que o espírito de religiosidade acompanha o homem desde os primórdios. Cada povo tem sua cultura própria, tem o culto ao sobrenatural como motivo de estabilidade social e de obediência às normas sociais. As religiões, as liturgias variam, mas o aspecto religioso é bem evidente. O homem procura algo sobrenatural que lhe transmita paz de espírito e segurança. A religião sempre desempenha uma função social indispensável (OLIVEIRA, 1999, p. 117).

A instituição da religião sempre está acompanhada de um misticismo, da crença em poderes sobrenaturais, existindo respeito, medo e veneração com relação à divindade, materializada nas atitudes públicas de relação com esses poderes. A comunidade espiritual formada pelos fiéis é a chamada Igreja.

A religião é uma instituição que não surgiu de necessidades físicas ou materiais das pessoas, mas sim da necessidade espiritual, de uma necessidade simbólica. E sua forma de existência varia conforme os grupos religiosos, eles podem atribuir maior ou menor importância aos rituais ou às crenças, por exemplo.

Com as mudanças sociais geradas pela industrialização e o avanço científico, as religiões do Ocidente tiveram que se adaptar à nova visão do homem de si mesmo e do mundo que o cerca. Assim, estas religiões buscam conciliar sua doutrina com a ciência. Além disso, novas correntes dentro da própria Igreja defendem uma luta por maior igualdade social entre os fiéis.

Mas há também nas igrejas os grupos conservadores, que defendem a tradição e são enfáticos com relação à missão delas, não concordando com modificações realizadas em suas bases.

As angústias do homem moderno e os problemas sociais como as crises econômicas e sociais deixam espaços a serem preenchidos pela religião, e as grandes religiões buscam ocupar este espaço com projetos de reconstrução do mundo. Os chamados movimentos carismáticos procuram amenizar o chamado mal-estar da civilização contemporânea, utilizando recursos como a mídia para difundir sua mensagem. Outros exemplos de recursos utilizados são o tele-evangelismo, movimentos carismáticos católicos ou evangélicos protestantes ou reislamização (OLIVEIRA, 1999).

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Dentro da prática sociológica, as religiões já foram estudadas pelos clássicos. Você lembra-se da Unidade 1, na qual falamos sobre os estudos de Durkheim? Ele estudou as religiões e produziu uma obra importantíssima: “As Formas Elementares da Vida Religiosa”. Já neste livro ele destaca alguns aspectos das religiões, como as crenças e práticas sagradas adotadas por toda uma comunidade.

Para a sociologia, a grande questão não está em definir a veracidade ou não de uma religião, mas em estudá-la como fenômeno social encontrado em todas as sociedades, estabelecendo-a como instituição social e estudando sua estrutura (DIAS, 2005). Há, inclusive, uma ramificação chamada Sociologia da Religião, que busca investigar o fenômeno social da religião.

Dentro dos estudos acerca da religião existe um conceito importante, o conceito de secularização. Ele trata do processo pelos quais passam pessoas, crenças, instituições, de mudança do domínio da religião para o regime leigo. O mundo contemporâneo apresenta esta tendência à secularização, mas não é em todos os lugares que ela consegue se estabelecer.

Dias (2005, p. 219) nos traz a diferenciação entre a sociedade religiosa e a sociedade secular:

• A sociedade religiosa

As sociedades religiosas ou sagradas são aquelas que consideram que todas as suas instituições e costumes são de origem divina. Os principais problemas são explicados tendo como origem a manifestação de Deus, e a violação das leis divinas implica o surgimento de desgraças. A responsabilidade dos homens está no cumprimento dos rituais, que determinam a fertilidade do solo ou a estabilidade do clima. Nas sociedades religiosas, há pouca distinção entre o que é ou não sagrado. A religião está presente todos os dias, regula a lei, o casamento, as obrigações morais, a alimentação, o plantio e a colheita, a cura de enfermidades e todos os múltiplos aspectos de uma cultura.

• A sociedade secular

As sociedades seculares podem apresentar rituais e ritos religiosos que, no entanto, não procuram estabelecer seu domínio interpretando as instituições e os costumes do ponto de vista religioso. As leis são regras estabelecidas pelos homens e não pela vontade de Deus. O plantio e a colheita são planejados em função do conhecimento científico, como o são também todos os aspectos da economia. A distinção do que é sagrado, religioso ou não, é perfeitamente estabelecido. A religião pode não estar presente na vida de um grande número de pessoas, e, para muitos, sua prática está restrita a um determinado dia da semana.

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Nas sociedades religiosas, as religiões apresentam três dimensões: as doutrinas, que são as crenças relacionadas à relação do homem com a divindade; os rituais, que são a manifestação simbólica das doutrinas e deixam as pessoas conscientes do significado destas; as normas de comportamento, que estão relacionadas e de acordo com as doutrinas (DIAS, 2005).

As religiões são classificadas de acordo com sua forma de organização (DIAS, 2005):

• Ecclesia – organização na qual há uma forte ligação da Igreja com o Estado, na qual a Igreja aceita o apoio do Estado e sanciona as práticas culturais da sociedade. É uma organização religiosa muito forte dentro da sociedade, posicionada, com Igreja estabelecida e que representa a religião, inclusive a religião nacional, como a Igreja Católica na Itália. Toleram-se outros credos, mas a ecclesia está em uma posição privilegiada e exerce influência, inclusive na educação. Também podemos citar como exemplo a Igreja Anglicana na Inglaterra.

• Denominação ou congregação – sustentada por doações privadas e não governamentais, é um grupo amplo, que influencia o comportamento de seus membros e da sociedade em geral, e resiste às influências institucionais que não estão de acordo com suas regras de conduta. É um grupo grande, que existe com estabilidade e está organizado e institucionalizado. O sacerdote é capacitado para suas funções, os novos membros são captados pela socialização e o serviço religioso é calmo e reservado. Citamos como exemplos a Igreja Católica e a Assembleia de Deus.

• Culto – o culto enfatiza a experiência emocional de seus participantes, não costuma entrar em conflito com as atividades governamentais ou educacionais, controladas por outras instituições. Com relação à sociedade em geral, procura fazer com que tolere comportamentos que são considerados esquisitos. Em geral possuem poucos membros, são grupos menores e enfatizam aspectos particulares da religião, como exemplo a cura pela fé. Pode-se exemplificar com o candomblé.

• Seita – as seitas são rígidas, buscam fazer com que seus membros sigam todos as suas doutrinas na vida, sem desvios, e seus costumes podem ser bem diferentes da sociedade em geral. A seita não busca converter grandes massas, quer apenas realizar suas práticas sem entraves. Ela geralmente é pequena e pouco formal, e a conversão acontece por meio de uma experiência pessoal e emocional. O líder também não é formalizado. Temos como exemplo os menonitas.

As funções institucionais da Igreja e da religião se dividem em psicológicas e sociais. A função psicológica se define pela necessidade humana e possui uma explicação para tudo o que não podemos verificar como experiência pessoal. Neste ponto entram as crenças, que são institucionalizadas, e explicam o que a ciência ainda não conseguiu alcançar.

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A religião explica ao indivíduo o mundo por meio da fé e elimina suas incertezas, incapacidades e carências. As incertezas causadas pela morte, por exemplo, são interpretadas pelas religiões e explicadas aos que creem, e com base nisto eles organizam sua vida. As incapacidades relacionam-se ao domínio do futuro, como, por exemplo, a incapacidade de encontrar uma solução para sair da pobreza. A religião explica esta condição, melhorando a autoestima e dando condições para o enfrentamento do cotidiano. As carências materiais e sentimentais são supridas muitas vezes pelas religiões, enquanto a divindade trará conforto e um futuro pródigo quando seguidos determinados valores (DIAS, 2005).

É por meio da ação nestas esferas psicológicas que a religião recebe o significado das pessoas, sendo apoio psicológico por responsabilizar a divindade; transmitindo segurança, pois existe a proteção divina; e facilitando o conformismo, justificando as condições dos menos favorecidos na sociedade (DIAS, 2005).

Já na esfera social, as funções da instituição religiosa são dez, de acordo com a análise de Dias (2005), que iremos resumir a seguir:

• participa do processo de socialização, difundindo valores e costumes;

• influencia decisivamente outras instituições sociais, como a influência exercida na família;

• é uma força de controle social, pois proíbe desvios de conduta e pune os desviantes;

• contribui para eliminar ou para promover o conflito social, defendendo valores de paz, mas muitas vezes motivando conflitos entre as religiões;

• importante fator de sociabilidade, pois favorece o contato entre seus membros, incentivando casamentos entre eles;

• preenche a falta de explicações de fatores não explicados cientificamente, pois proporciona interpretações neste sentido;

• é um instrumento utilizado para incentivar perseguições a outros grupos sociais, pois justificam-se os motivos por meio dela;

• é utilizada para conservar a sociedade e ir contra mudanças sociais, pois muitas posições são justificadas na religião;

• contribui para a coesão social, pois incentiva a unidade que facilita o enfrentamento dos problemas sociais;

• promove a solidariedade grupal, pois incentiva o sentimento de pertença a um grupo.

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2.3 ESTADO

O Estado é uma instituição social definida por seu poder de controle social, possuindo funções que executa por meio da lei e tem o poder legítimo de uso da força. Ele é a instituição que tem poder legítimo para retirar recursos das pessoas por meio de impostos, tanto diretos quanto indiretos, e que financiarão a própria estrutura estatal e os serviços que deve prestar ao grupo social a ele vinculado.

Esta extração de recursos é possível em virtude do poder de coerção apresentado pelo Estado, que é manifestado na possibilidade do uso da violência física para o cumprimento dos fins estatais, por estar à frente das equipes policiais e porque a lei lhe permite recorrer à violência. Assim, o Estado tem o monopólio do uso da violência física, ele pode utilizar a coação para obrigar alguém a fazer algo.

As pessoas que exercem o poder no Estado compõem o governo. Em virtude do seu legítimo (mas jamais completo) monopólio da força, o governo, evidentemente, detém o poder supremo da sociedade. Ele reserva para si o direito de impor e de obrigar. Dentro das fronteiras de um país, a força ou a anulação da força só é usada legitimamente pelo Estado e em seu nome, como, por exemplo, por policiais ou funcionários carcerários. Qualquer outro uso ou ameaça do uso de força (por bandos criminosos ou soldados amotinados, por exemplo) é ilegítimo e será suprimido, se possível, pelo Estado. Se ele não conseguir eliminar a violência, perderá sua característica principal, deixará de existir. Isso acontece quando um Estado não consegue acabar com uma revolução ou uma insurreição (OLIVEIRA, 1999, p. 121).

As pessoas que compõem o governo fazem uso dos mecanismos do poder político, como as Forças Armadas, a polícia, a burocracia estatal, entre outros. O governo não é permanente, ele muda, é transitório. Já o Estado é permanente, e suas organizações variam de acordo com o regime político de cada país (DIAS, 2005).

A diferença do Estado para outras instituições sociais como a família ou a religião é que ele pode controlar todas as relações entre todas as pessoas da sociedade. O Estado é formado pelas instituições políticas ou sistemas sociais nos quais estão estabelecidos os métodos para o exercício do poder, e utilizam os órgãos para terem a autoridade legítima.

As pessoas que recebem a nomeação para possuir o poder nas instituições políticas e representar a sociedade e seus interesses são formadoras do governo, independente de sua forma. Elas são limitadas de acordo com as fronteiras geográficas, dentro das quais possuem soberania (DIAS, 2005).

Estas funções da instituição religiosa estão presentes nas diferentes sociedades, inclusive no Brasil, que atualmente possui um grande mosaico de religiões, incluindo o sincretismo religioso, situação na qual ocorre a fusão de elementos de religiões diferentes, mesmo que a oficial seja o catolicismo.

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O governo pode existir de diversas formas, mas as mais importantes são a monarquia, a oligarquia, a democracia e a ditadura. Vamos conhecer cada uma delas, conforme nos expõe Dias (2005):

• Monarquias – a autoridade está centralizada em uma só pessoa (rei ou rainha) que recebe o poder por herança e o possui até sua renúncia ou morte. As monarquias podem ser absolutas ou constitucionais: nas primeiras não há Parlamento e o poder é total do rei; nas segundas há um Parlamento que funciona e o governo está nas mãos de um primeiro-ministro.

• Oligarquias – nas oligarquias o poder é de um grupo formado por poucas pessoas, como grupos que se alternam no poder ou grupos familiares. No período da República após 1889 este regime político funcionou no Brasil, quando poucas famílias exerciam o poder estatal.

• Democracia – o regime democrático é o sistema no qual o povo exerce o controle do Estado por meio das eleições de representantes, com o Parlamento e o Judiciário independentes entre si. No Brasil temos a alternância entre partidos, pois estamos em um regime democrático.

• Ditadura – sistema no qual uma pessoa ou um grupo exerce total poder sobre o Estado, que no Brasil ocorreu com Getúlio Vargas, por exemplo. Houve também a ditadura militar após 1964.

Você deve ter percebido que todas as formas de governo estão associadas a um conceito fundamental também nos estudos sociológicos: o conceito de poder. O poder e a autoridade estão centralizados no Estado, sendo o poder definido pelas oportunidades que um homem possui de realizar seus desejos mesmo com a resistência de outros, impondo sua vontade diante deste grupo (OLIVEIRA, 1999).

O exercício do poder é um processo social na medida em que indivíduos ou grupos detêm condições de influenciar ou alterar o comportamento de outros indivíduos ou grupos. O exercício do poder está diretamente vinculado à cultura dos grupos sociais que estabelecem aquilo que tem ou não valor naquela sociedade em particular. Caso a força física seja valorizada, então ela é que se tornará o principal componente do poder. Se for a capacidade dos indivíduos em se relacionar com divindades, os sacerdotes terão mais valor, e, desse modo, exercerão mais poder. Em grupos menores, por exemplo, entre amigos, terá mais poder aquele que detiver os elementos mais valorizados por todos (DIAS, 2005, p. 242).

O poder é, em resumo, a capacidade de afetar o comportamento dos outros, um meio de fazer com que as coisas sejam realizadas por outros, e é estudado especificamente pela Ciência Política. Ele é legítimo quando há obediência entre os que não o possuem, e é ilegítimo quando é imposto a um grupo que não concorda com a vontade de quem possui o poder. Ele se manifesta por meio de três elementos essenciais, que geralmente surgem associados: a força, a autoridade e a influência, descritas por Dias (2005).

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• Força – resume-se ao uso de ameaças ou coerção física, exercida por meio do uso de instrumentos como armas ou pelo porte físico de algum indivíduo. O Estado monopoliza o uso da força para se impor em seu território, recrutando os meios de coerção para suas organizações, tais como a polícia e as forças militares. O surgimento de grupos que disputem com o Estado este monopólio é cada vez mais comum, como, por exemplo, os grupos de crime organizado, que dominam locais aos quais o Estado muitas vezes não consegue chegar. Muitas favelas são dominadas por bandos criminosos, que não permitem que o Estado exerça suas funções para com aqueles habitantes. A força é o mais antigo componente de poder, por tempos foi o único, mas com o regime capitalista outros componentes surgiram, mas a força continua tendo extrema importância.

• Autoridade – a autoridade é o direito para tomar decisões e ordenar ações às outras pessoas. É um poder legítimo pelas regras morais ou jurídicas, consentido e que tende a se expandir para outros membros do grupo social. Max Weber identificou três tipos de autoridade, categorias utilizadas nos estudos sociológicos até hoje: autoridade burocrática, tradicional e carismática. A autoridade burocrática é baseada no cargo, a pessoa só possui a autoridade enquanto ocupar o cargo, pois é o cargo que a contém, e não a pessoa em si. A lei legitima este tipo de autoridade, que também forma as organizações burocráticas. Exemplo: juiz, vereador, prefeito. A autoridade tradicional é baseada na tradição, em crenças e normas sagradas obedecidas sem a legislação, apenas pelos costumes e tradições. O poder é legítimo pela herança do status herdado, e os exemplos são o rei, o príncipe etc. A autoridade carismática se baseia nas qualidades do indivíduo que é líder, que é obedecido em virtude de seu carisma, tais como Napoleão, Gandhi, Hitler etc. Em muitos casos a força é combinada com a autoridade, como nas forças militares.

• Influência – esta se relaciona com a habilidade de afetar as ações e decisões de outras pessoas, mesmo sem possuir autoridade ou força. Há indivíduos que conseguem influenciar a opinião de outros sem o uso da coerção física e sem ocupar cargos legítimos. A posse de bens materiais muitas vezes permite aos indivíduos ter maior parcela de poder e utilizar as habilidades para manipular os outros, modificando comportamentos. As fontes de poder podem ser várias, como deter o conhecimento, que, manipulado da forma correta, faz com que comportamentos sejam modificados.

DICAS

Os tipos de autoridade são baseados nos tipos de dominação, que já vimos na Unidade 1, no tópico sobre Max Weber. Que tal reler este tópico?

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Estes componentes de poder podem formar o que chamamos de elites, que são grupos minoritários que possuem poder e autoridade, opondo-se à maioria que não os possui. São grupos que ocupam posições de poder, que podem vir por herança (elites tradicionais), pela posse de bens (elites econômicas), pela posse de títulos políticos (elites políticas), entre outros (DIAS, 2005).

O poder é móvel dentro das sociedades humanas, e os processos pelos quais as pessoas movimentam o poder são chamados de instituições políticas. Na modernidade temos instituições políticas especializadas, como tribunais e partidos, que formam o Estado.

A primeira fase do desenvolvimento do Estado foi a separação do “escritório do rei” da pessoa que era o rei. A segunda fase do desenvolvimento do Estado envolveu o desenho de limites nacionais e a criação de burocracias públicas. O Estado hoje participa na maior parte do tempo da vida das pessoas. O registro de nascimento, a carteira de trabalho, a de identidade, o casamento, o uso e a propriedade da terra e o atestado de óbito são exemplos que demonstram a importância da atividade reguladora do Estado (DIAS, 2005, p. 247).

O Estado é composto por território, população e governo. O território é o local físico do Estado, no qual possui autoridade legítima; a população é formada pelo conjunto de habitantes e o governo é o grupo de pessoas que exerce o poder público (OLIVEIRA, 1999). Além destes, há outros conceitos importantes relacionados aos estudos do poder e da política.

Povo – o povo se refere a agrupamentos humanos com fortes laços de solidariedade, pois compartilham uma cultura semelhante. Seus integrantes são relativamente homogêneos, e podemos utilizar como exemplos o povo cigano, o povo brasileiro ou o povo judeu.

Nação – quando um povo se organiza e se fixa em uma determinada área geográfica é chamado de nação, as pessoas possuem consciência de pertencer a uma unidade cultural composta por uma cultura e história comuns. Como exemplos, temos a nação basca e a nação palestina.

Governo – é o quadro que administra as atividades de uma nação organizada que possui questões comuns, como a saúde. Ele estabelece normas e mantém a ordem, regendo as relações entre os cidadãos. O povo palestino possui seu governo próprio dentro do Estado de Israel, por exemplo.

Estado – é a nação com um governo, é a instituição social que permanece, enquanto o governo passa. O Estado brasileiro é governado pela Presidência da República, por exemplo.

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TÓPICO 1 | IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA NA ATUALIDADE

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3 DESIGUALDADE SOCIALA desigualdade social é um dos grandes temas de investimentos da

sociologia, desde o seu surgimento. A Revolução Industrial, como vimos na Unidade 1, causou a divisão da sociedade em donos dos meios de produção e assalariados ou camponeses.

Desde então existem problemas de desigualdade no acesso às condições adequadas de sobrevivência, que são causadas por inúmeros fatores, relacionados com as realidades locais. A sociologia busca estabelecer entendimentos para a existência das desigualdades, estudando os fenômenos sociais que as causam e explicando sua dinâmica de funcionamento.

De acordo com Dias (2005, p. 153), “[...] a expressão ‘desigualdade social’ descreve uma condição na qual os membros de uma sociedade possuem quantias diferentes de riqueza, prestígio ou poder. Todas as sociedades são caracterizadas por algum grau de desigualdade social”.

Esta última afirmação precisa ser explicada. A desigualdade social está presente em todas as sociedades porque a igualdade total não é possível, considerando todas as diferenças existentes entre os indivíduos, desde sexo, idade, força, beleza, velocidade, entre muitos outros aspectos.

Por este motivo, indivíduos tão diferenciados não podem compor uma sociedade igual, mas podem participar de uma sociedade igualitária, na qual existe igualdade de oportunidades, sem discriminação por qualquer aspecto.

ESTUDOS FUTUROS

O conceito de Estado será estudado com mais afinco ainda nesta unidade, no Tópico 4.

Você consegue identificar a importância das instituições sociais para os grupos sociais? Faça uma análise crítica desta importância, descrevendo exemplos em que as funções das instituições básicas – família, Igreja e Estado – estejam presentes.

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AUTOATIVIDADE

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Quando a desigualdade social é combatida, a bandeira levantada é a da tentativa de se atingir uma sociedade que seja baseada na equidade social, na qual todas as pessoas têm o direito de participar da economia e da política, além de ter acesso às condições de subsistência e aos serviços necessários a ela (DIAS, 2005).

A persistência da desigualdade social é hoje um dos grandes problemas do processo de globalização; a mudança de paradigmas nos processos produtivos, a intensificação do uso de tecnologia avançada, entre outros fatores que caracterizam esse processo de mundialização, têm causado o desemprego e, consequentemente, o aumento da desigualdade. Por outro lado, o Estado, que durante um certo tempo cumpriu o relevante papel de amenizar a desigualdade inerente ao sistema capitalista (o Estado de Bem-Estar Social), vem sendo desmontado de maneira rápida, sem se discutir mais profundamente qual o papel que lhe caberá numa nova articulação do sistema social como um todo (DIAS, 2005, p. 154).

A desigualdade social está ligada a outro conceito muito presente nos estudos de sociologia, que é o conceito de estratificação social. Ele está presente desde as análises dos clássicos, como vimos em Weber e em Marx na Unidade 1.

A estratificação social indica a existência de grupos diferenciados nas sociedades, que ocupam diferentes posições sociais, partindo de suas diferenças e das desigualdades existentes entre si. A estratificação é um processo, e por ele ocorre uma hierarquização dos grupos sociais baseada em suas diferenças.

Existem três formas gerais de estratificação:

• econômica – sua base é definida na posse de bens materiais, diferenciando pobres, ricos e classes médias;

• política – tem como base a distribuição do poder na sociedade, entre grupos que o possuem e grupos que não o possuem;

• profissional – baseada nas diferenciações profissionais, com relação à importância das profissões determinadas pelos grupos sociais.

Oliveira (1999) destaca que estas dimensões estão interligadas, pois os aspectos sociais (econômicos, políticos, profissionais) estão interligados. A estratificação não pode ser compreendida como um processo fragmentado. O exemplo que este autor dá é que as pessoas que ocupam posições econômicas elevadas também, de um modo geral, possuem poder e funções valorizadas na sociedade. Mas o aspecto econômico se sobressai nestes casos.

Na estratificação econômica, podemos separar os indivíduos em classes de acordo com a posse financeira e depois hierarquizar estas classes. Quando se fala de estratificação social, que é o que nos interessa para o estudo das desigualdades, a sociedade pode ser dividida em estratos ou camadas sociais, nos quais estão três grupos de estratificação, por casta, por estamento e por classe.

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a) ESTRATIFICAÇÃO POR CASTA

Resumidamente, as castas sociais são camadas de dinâmica hereditária e endógama, ou seja, as pessoas só podem se casar com membro da mesma casta social. Não existe a mobilidade social, os membros sempre permanecem na casta em que nasceram, e devem seguir regras de conduta para não sofrer punições.

As castas são exemplos de divisões sociais nas quais, mesmo se esforçando e utilizando seus meios, o indivíduo não consegue alcançar uma posição social mais elevada. Sua vida será sempre na posição social que herdou de sua família.

O exemplo mais comum deste tipo de estratificação social é a Índia antiga, que possui o sistema de castas. Nas sociedades democráticas é permitido o casamento entre pessoas de diferentes classes sociais, o que muitas vezes leva indivíduos a subirem socialmente, mas na Índia isto não é permitido. Apenas há o casamento entre pessoas da mesma casta.

Os membros da casta, que é, portanto, fechada e endógama, seguem uma profissão herdada do pai e possuem direitos e deveres específicos oriundos de sua posição social, na qual deverão permanecer pelo resto da vida.

FIGURA 19 – PIRÂMIDE SOCIAL DA SOCIEDADE INDIANA DE CASTAS

FONTE: Disponível em: <http://www.oocities.org/br/gilberdidil/sbimestre/sociedade.htm>. Acesso em: 14 maio 2012.

SOCIEDADE DE CASTAS DA ÍNDIA

Brâmanes

Xátrias

Vaicias

Sudras

Párias

operários

comerciantes

guerreiros

sacerdotes

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Oliveira (1999) explica a estratificação das castas na Índia: no topo estão os brâmanes, sacerdotes e mestres da erudição sacra. Após estão os xátrias, guerreiros da aristocracia militar. Seguem os vaicias, compostos por artesãos, comerciantes, camponeses. Após há os sudras, trabalhadores manuais e profissionais de ocupações servis, que compõem a casta mais inferior da sociedade. Fora da pirâmide social e abaixo dos sudras, existem os párias, que são miseráveis que vivem de benfeitorias alheias, destituídos de quaisquer direitos. Eles não podem se banhar no rio sagrado, ler as escrituras sagradas e aceitam este tratamento por acreditarem que em outra vida poderão estar em uma posição social melhor, conforme os preceitos hindus.

Este sistema de castas tem sido rompido gradativamente desde o século passado, pois a industrialização e as mudanças econômicas da Índia causaram modificações sociais. É mais fácil atingir os grandes centros, neste sentido, pois as aldeias possuem arraigadas em si aspectos religiosos que justificam a existência das castas para estes grupos sociais. A abolição oficial das castas na Índia data de 1947, mas muitos não querem perder os privilégios decorrentes de sua posição na hierarquia social.

b) ESTRATIFICAÇÃO POR ESTAMENTOS OU ESTADOS

Os estamentos predominaram na sociedade feudal, durante a Idade Média, conforme também vimos na Unidade 1 deste caderno. Eram divididos em três: nobreza, clero e servos. A estratificação formada pelos estamentos é mais aberta que o sistema de castas, permite uma pequena mobilidade social. Um filho de servo poderia se tornar padre e fazer parte do clero, por exemplo (PILLETI, 1987). Também era permitido o contato com pessoas de outro estamento, o que nas castas não era permitido.

A ascensão social vertical era difícil, mas não impossível como na sociedade de castas. Oliveira (1999, p. 77) menciona as situações que tornavam isto possível:

DICAS

DICAS

A Revista SuperInteressante, da Editora Abril, fez uma reportagem especial sobre a Índia e seu sistema de castas, na edição de junho/2009. Você pode fazer o download desta revista no blog: <http://cavernadasideiasdownloads.blogspot.com.br/2009_05_01_archive.html>. Acesso em: 14 maio 2012.

Veja também o vídeo: <ttp://www.youtube.com/watch?v=AoPsfv2-AAk>, no qual um líder hindu explica e comenta o sistema de castas indiano antigo e atual. Acesso em: 14 maio 2012.

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TÓPICO 1 | IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA NA ATUALIDADE

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Quando a Igreja recrutava, em certas ocasiões, seus membros entre os mais pobres; quando os servos eram emancipados por seus senhores; caso o rei conferisse um título de nobreza a um homem do povo; ou, ainda, se a filha de um rico comerciante se casasse com um nobre, tornando-se, assim, também membro da aristocracia.

Mas de uma forma geral as pessoas permaneciam no estamento em que haviam nascido, pois estas situações eram muito raras. Assim, vamos ver a pirâmide social da sociedade feudal:

FIGURA 20 – PIRÂMIDE SOCIAL DA SOCIEDADE ESTAMENTAL

FONTE: Disponível em: <http://www.desconversa.com.br/historia/renascimento-par te-1/>. Acesso em: 14 maio 2012.

Os dominantes eram a nobreza, com títulos de corte, incluindo o rei e o alto clero, que eram as camadas possuidoras das terras, sustentadas pela exploração de servos. O alto clero era formado pelas altas funções religiosas (como bispos e cardeais), seus membros eram oriundos da nobreza e constituíam esta camada intelectual e eclesiástica.

Após estes, estavam os comerciantes, que em geral eram ricos, mas não possuíam privilégios como os nobres, e sofriam inúmeras restrições na atividade comercial.

Em outra camada, havia os artesãos, o baixo clero e os camponeses livres. Os artesãos desempenhavam suas funções profissionais em associações, o baixo clero assistia religiosamente a população (e eram oriundos das camadas mais pobres), e os camponeses plantavam e vendiam seus produtos nas cidades.

A última camada social era composta pelos servos, que trabalhavam para si e para seus senhores, e, quando os senhores vendiam a terra, permaneciam nela e passavam a obedecer outra pessoa. Eles estavam ligados à terra na qual produziam seu sustento e aos senhores feudais.

clero

nobreza

camponeses

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Este tipo de estratificação social, com divisões em estamentos, durou até o final do século XVIII na Europa. Com a queda do regime econômico feudalista, esta divisão foi superada, a partir da Revolução Industrial, como estudamos no início da Unidade 1, a partir da qual surge a sociologia.

c) ESTRATIFICAÇÃO POR CLASSES

O sistema de estratificação por classes é considerado o mais aberto, pois permite uma maior mobilidade entre as camadas, relacionadas à posição econômica do indivíduo. Este sistema de estratificação está presente na sociedade contemporânea, a capitalista.

Existem, portanto, dois grupos, os proprietários dos meios e produção e aqueles que possuem apenas sua força de trabalho para vender. Assim, o que determina a posição social é a posse dos meios de produção, formando duas camadas essenciais, chamadas de classes. Marx já afirmou a existência de duas classes principais neste sistema: a burguesia e o proletariado.

Há diferenciação entre as classes sociais, como nos explica Oliveira (1999, p. 79):

Essa desigualdade se explica porque são diferentes as relações que as pessoas mantêm com os elementos de produção (trabalho e meios de produção). De modo geral, os proprietários dos meios de produção (máquinas, terras etc.) estão entre as pessoas de renda alta, enquanto aquelas que trabalham se situam no grupo de renda média (trabalho qualificado), ou no grupo de renda baixa (trabalho não qualificado). Da mesma forma, o prestígio social está associado às relações entre as pessoas e os elementos da produção: os proprietários dos meios de produção sempre gozam de maior prestígio social do que os trabalhadores. Também a distribuição do poder está baseada na posição dos indivíduos em relação aos elementos da produção.

DICAS

DICAS

Uma boa explicação da relação entre os estamentos na sociedade feudal está disponível no vídeo disponível no link: <http://www.youtube.com/watch?v=oNfT66nyGSA>. Acesso em: 14 maio 2012.

Marc Bloch, um importante historiador que marcou a produção historiográfica mundial, escreveu um livro dedicado ao estudo da sociedade feudal, chamado “A Sociedade Feudal”, cuja tradução foi publicada em 1987 pela Editora Imprenta em Lisboa.

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TÓPICO 1 | IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA NA ATUALIDADE

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Assim, aos que possuem os meios de produção é reservado maior prestígio social, poder e possibilidade de consumo, enquanto que aos que trabalham é reservado apenas um salário limitado. Em síntese, a classe social é um grupo de pessoas que apresenta condições semelhantes em relação aos meios de produção.

Mesmo com essa divisão principal em duas classes, há ainda a divisão de acordo com o nível e possibilidade de consumo dos grupos, dividindo a sociedade em três classes: a classe alta ou grande burguesia, que possui o grande capital (banqueiros, grandes comerciantes, latifundiários, donos de grandes indústrias etc.); a classe média, ou pequena burguesia, que possui o pequeno capital (pequenos industriais, pequenos comerciantes, profissionais liberais etc.); e por último o proletariado, que vive de seu trabalho (trabalhadores assalariados em geral).

FIGURA 21 – PIRÂMIDE SOCIAL DA SOCIEDADE DE CLASSES

FONTE: Disponível em: <http://wasukun.wordpress.com/2010/06/08/status-modinhas/>. Acesso em: 14 maio 2012.

Desta forma, é possível compreender a relação existente entre a estratificação social em classes e o poder econômico dos grupos sociais, dentro da sociedade capitalista. Além destas categorias básicas há ainda subdivisões como classe média alta e classe média baixa.

Algumas características podem ser identificadas na sociedade de classes: a determinação da posição social com relação à situação econômica do indivíduo; o recebimento de informações iguais e consumo dos mesmos produtos por indivíduos da mesma classe social; a resistência dos que estão em posições superiores em receber pessoas que tenham subido de camada social, não sendo fácil este processo; a formação da camada superior pelos mais ricos que se apoderam de cargos de prestígio; o controle das camadas mais baixas pelas camadas mais altas; a existência de pontos de tensão que muitas vezes são inconscientes, mas que podem gerar uma consciência de classe; a ambiguidade das classes médias, cujos interesses não coincidem com as classes superiores, mas com as quais desejam se identificar (QUEIROZ, 1978 apud PILETTI, 1987).

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4 MOVIMENTOS SOCIAISSegundo Dias (2005, p. 296), a definição de movimento social é: “Um

movimento social caracteriza-se como um agrupamento de indivíduos envolvidos em um esforço organizado para promover ou resistir a mudanças na sociedade ou no grupo do qual fazem parte”.

Os movimentos sociais, portanto, buscam formas de intervir na realidade social, especialmente naquela que os envolve como grupos sociais, para resistir a alguma mudança social ou apoiar uma mudança neste sentido, isto depende dos objetivos do movimento. Em geral, as ações que o movimento irá organizar para defender a sua causa são de ordem política.

Estes grupos podem desejar uma mudança total, apenas a transição de um modelo para outro ou uma revolução que transforme completamente a realidade social, em geral modificando as condições de uma classe social em posição de dominada.

FIGURA 22 – SLOGAN DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, UM EXEMPLO DE MOVIMENTO SOCIAL CONTEMPORÂNEO

FONTE: Disponível em: <http://fabriciopancotto.blogspot.com.br/2011/02/forum-social-mundial.html>. Acesso em: 14 maio 2012.

DICAS

O vídeo disponível no link <http://www.youtube.com/watch?v=xQm-8QEi6Go> explica as relações entre as classes sociais e alguns conceitos fundamentais para sua compreensão. Acesso em: 14 maio 2012.

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O grupo formado pelo movimento social passa a ser porta-voz de um coletivo, que luta por ideais compartilhados por todos, e questiona a realidade que impede a realização dos desejos deste grupo. Assim, ele passa a possuir uma identidade, que utiliza na luta por seus interesses. Esta identidade é manifesta em elementos como bandeiras, hinos, slogans, imagens, relacionados à causa pela qual lutam.

Em resumo, pode-se dizer que os movimentos sociais são formas de ação social coletiva, em que se reúnem pessoas que compartilham anseios comuns por estarem em uma mesma classe (considerando que podem ser anseios econômicos, políticos, sociais, religiosos, entre outros). Estas pessoas compartilham também seus valores, de um modo geral, e encontram no coletivo uma forma de fortalecer a busca por resultados em favor de seus interesses comuns.

Se nos voltarmos às teorias de Karl Marx que vimos na Unidade 1, podemos afirmar que os movimentos sociais são expressão da luta de classes, dos conflitos sociais causados pela ordem econômica da sociedade capitalista. A estrutura geral da sociedade, portanto, causaria a dominação de grupos de pessoas, que utilizariam os movimentos sociais para mudar esta estrutura, partindo da ação coletiva.

Assim, os movimentos sociais se tornam fundamentais para a sociedade, à medida que vão além da democracia política que nos permite ter eleições, partidos políticos e demais instituições políticas. Eles são essenciais para que a sociedade tenha espaços de representação e meios para se manifestar e evidenciar suas reivindicações.

Para que exista um movimento social, é fundamental que haja organização e pessoas envolvidas que busquem recursos, afinal eles não se resumem a pequenas manifestações como paralisações ou passeatas. Eles são movimentos organizados, cujas ações são pensadas e desenvolvidas em longo prazo e que são permanentes no sentido de lutar por aquilo que defendem.

Mas do ponto de vista teórico, analisando pela via das teorias sociológicas, os movimentos sociais são diferentes de outros comportamentos coletivos, diferenciando-se principalmente das turbas e das instituições sociais.

NOTA

Turba é uma multidão em movimento ou desordem, potencialmente violenta; grande número de pessoas, turbilhão etc.

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Conforme Dias (2005), as turbas são multidões atuantes, mas com objetivos de praticar atos destrutivos ou agressivos. Os movimentos sociais não são assim tópicos, eles possuem períodos de existência mais longos e são organizados. Já as instituições sociais são permanentes e participam de um processo de formação de elementos estáveis de uma cultura, enquanto os movimentos sociais duram o tempo que for necessário para atingir seus objetivos e apresentam caráter dinâmico.

Existem diversos exemplos de movimentos sociais: movimentos feministas, movimento hippie, movimento estudantil, movimento por moradia, movimentos ecológicos, entre outros. Entre estes, um grupo de movimentos sociais bastante recente é o grupo dos movimentos ambientalistas, que defendem práticas sustentáveis em prol da preservação do meio ambiente natural.

Alguns movimentos sociais podem ser mais localizados, como os movimentos separatistas, por exemplo. Mas em virtude da globalização as causas dos movimentos têm sido cada vez mais universais e difundidas facilmente por meio das tecnologias de informação.

Em geral, os movimentos sociais crescem nas situações em que os partidos políticos e o poder público não conseguem chegar, como, por exemplo, o crescimento do movimento sem terra em virtude da dificuldade da realização de uma reforma agrária (DIAS, 2005).

De modo geral, os movimentos sociais têm como característica comum o fato de possuírem clareza de objetivos, programas visando a atingir esses objetivos e uma ideologia. Hoje, há uma tendência à globalização dos movimentos sociais em função das facilidades propiciadas pelas novas tecnologias; tecnologias essas que facilitam a mobilização e multiplicam a capacidade de intervenção (DIAS, 2005, p. 296).

As análises de movimentos sociais sofrem forte influência do marxismo, em virtude da teoria das classes sociais. Eles podem ser classificados em rurais e urbanos. Os rurais se unem em torno de temáticas como a falta da terra, as condições de trabalho dos boias-frias, o apoio ao pequeno proprietário, entre outros. Já os urbanos direcionam-se para temáticas que envolvem principalmente os serviços públicos de qualidade.

Do ponto de vista histórico, os movimentos rurais são os mais antigos, bastante presentes no início do século XX e lutando por causas rurais ou pela defesa da participação política dos desfavorecidos. Em 1950 os movimentos sociais passam a se expor com mais frequência em manifestações públicas. Entre 1960 e 1970, mesmo com muita repressão policial, os movimentos continuaram exigindo melhores condições de vida, e levantavam a bandeira do voto direto. Em 1980 temos o marco histórico no Brasil do movimento pelas “Diretas Já”. A partir de 1990 o destaque é para o Movimento Sem Terra e movimentos sindicais diversos.

O pesquisador Alain Touraine, que investigou os movimentos sociais e fez estudos baseados nas teorias marxistas, identificou três princípios encontrados em todos os movimentos sociais, a identidade, oposição e totalidade.

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O princípio da identidade relaciona-se aos elementos identitários que compõem o movimento. Cada grupo em seu início escolhe o que representa, em nome de quem fala, quais os seus interesses. Por exemplo, o movimento feminista defende a luta das mulheres por sua emancipação.

O princípio de oposição trata da luta do movimento contra uma resistência, contra uma oposição ou indiferença. Sem a oposição, o movimento pode se transformar em organização não governamental ou em partido político, a oposição o faz existir como movimento social. Os trabalhadores sem terra, por exemplo, lutam em oposição ao latifúndio improdutivo.

O princípio da totalidade está relacionado à defesa de valores universais, mesmo que os movimentos representem interesses locais, eles afirmam o fazer em favor da coletividade e das realidades mundiais. Assim, para fortalecer suas ações os grupos sociais evocam os interesses nacionais, os direitos humanos, fatos históricos, entre outros. O movimento sindical, por exemplo, luta pela garantia dos direitos sociais.

Cada movimento social pode assumir quatro posições diferentes em relação aos fatos sociais, definidas por Piletti:

• Uma posição reacionária: é a daquele indivíduo ou grupo que pretende que a sociedade retroceda na História, que pensa que os antigos padrões culturais eram melhores e trabalha para restabelecê-los. Seria reacionário, por exemplo, um indivíduo ou um grupo que pretendessem a volta do escravismo, do patriarcalismo, da monarquia etc.

• Uma posição conservadora: consiste na defesa da situação como está no momento e na tentativa de impedir qualquer mudança. Geralmente, os conservadores são os grupos dominantes, que se beneficiam da situação atual, na qual são privilegiados, e não querem que ela seja modificada. No Brasil atual, por exemplo, são conservadores aqueles que insistem em conservar o atual estado desigual de distribuição da terra e da renda, em que continue o arrocho salarial e a concentração dos meios de produção em poucas mãos etc.

• Uma posição reformista: os reformistas pretendem pequenas mudanças que não alterem as estruturas básicas vigentes, das quais também se beneficiam. Poderão admitir, por exemplo, uma diminuição da desigualdade salarial, maiores gastos com saúde e educação, maiores oportunidades educacionais e outras mudanças mais ou menos superficiais. Jamais concordarão, entretanto, com a reforma agrária, que distribua a terra aos camponeses, e com o fim da propriedade particular dos meios de produção.

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• Uma posição revolucionária: é a posição mais radical, que vai mais fundo, que acarreta uma mudança das próprias estruturas vigentes. Um exemplo claro é a Revolução Francesa, em que a burguesia tomou o poder, expulsando a aristocracia, até então dominante. O processo revolucionário é tanto mais radical quanto mais numerosos os aspectos da sociedade que quer atingir. Assim seriam as revoluções socialistas, que provocam mudanças profundas em termos socioculturais, econômicos e políticos. Os exemplos mais citados são os da Revolução Russa (1917), Revolução Chinesa (1949) e Revolução Cubana (1959).

FONTE: Piletti (1987, p. 75)

Estes posicionamentos diante das questões sociais estão presentes também nos movimentos sociais, cujas características vamos estudar agora (movimento conservador, movimento reformista e movimento revolucionário).

4.1 MOVIMENTO CONSERVADOR

O movimento conservador é formado por indivíduos que desejam manter a sociedade como ela está, sem alterações e preservando-a de mudanças. Os movimentos conservadores mais radicais são os chamados reacionários, conforme as posturas diante da sociedade que vimos há pouco.

As referências para a visualização dos problemas da sociedade para quem participa do movimento conservador são, geralmente, formadas pelos valores do passado, que é idealizado. Por este motivo, eles buscam o retorno aos tempos ideais, ou seja, ao passado que era melhor. A solução dos problemas sociais para estes grupos é simplificada ao máximo (DIAS, 2005).

Dias (2005) nos traz dois exemplos de movimentos conservadores: a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, realizada em 1964 para resistir às reformas que queria realizar João Goulart no Brasil; e o “Tradição, Família e Propriedade”, movimento de oposição às mudanças sociais, contra a reforma agrária e contra alterações nos costumes.

DICAS

Você quer ver de forma sintetizada a definição de movimentos sociais e sua história no Brasil? Acesse o excelente vídeo “A História dos Movimentos Sociais”, disponível no link <http://www.youtube.com/watch?v=406ujmrth_w>. Acesso em: 14 maio 2012.

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4.2 MOVIMENTO REFORMISTA

4.3 MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO

Para o movimento reformista, mantêm-se as estruturas fundamentais da sociedade e modificam-se apenas alguns aspectos, de acordo com o interesse que defendem. Não há mudança total, portanto. Este tipo de movimento engloba a maior parte dos movimentos atuais, como o feminista ou o sem terra, por exemplo.

Há movimentos reformistas bastante radicais e que levam às últimas consequências suas reivindicações, chegando mesmo a constituir movimentos armados e organizando levantes e insurreições. É importante destacar esse aspecto, pois o que caracteriza um movimento é o conteúdo de suas propostas em relação à sociedade ou ao grupo social e não o seu meio de lutar para atingir os objetivos propostos. Para classificar um movimento como reformista, não nos importa se as pessoas lutarão por seus objetivos com um abaixo-assinado ou pegando em armas e, sim, se suas propostas visam a modificar a sociedade como um todo ou somente alguns (ou algum) aspectos dessas (DIAS, 2005, p. 298).

Em território brasileiro houve guerras em decorrência de movimentos reformistas, como as batalhas pela ocupação de São Paulo, em 1924, pelos oficiais das Forças Armadas no movimento tenentista. Seu objetivo era moralizar os hábitos políticos da República Velha, instituindo o voto aberto.

O Movimento Constitucionalista também dirigiu a guerra paulista em 1932, de São Paulo contra o restante do Brasil. Ele buscava defender a Constituição e, por isso, foi um movimento reformista e não revolucionário.

Os movimentos revolucionários são aqueles que desejam modificar a estrutura social por completo, realizando alterações significativas no sentido de substituir o sistema social por outro, ou seja, subvertendo o sistema social vigente. Em geral eles lutam em defesa de uma modificação que mude a situação de grupos dominados. Existem vários exemplos.

Dias (2005) apresenta três exemplos de movimentos revolucionários, começando pelo Sendero Luminoso. Este grupo busca derrubar o capitalismo e sua forma social, substituindo-o por uma sociedade marxista e maoísta.

Em 1835 existiu o movimento dos negros malês, que objetivava acabar com a sociedade dos brancos e substituí-la por uma sociedade de negros.

Um dos movimentos revolucionários mais famosos e que marcou profundamente a história mundial, por ter instaurado o primeiro governo comunista da história, foi o movimento bolchevique. Em 1917 na Rússia, eles eram um grupo que pretendia a queda da monarquia e do capitalismo em favor do comunismo, quando realizaram uma revolução que lhes permitiu atingir estes objetivos.

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5 MOBILIDADE SOCIALO conceito de mobilidade social está relacionado ao processo de

estratificação social, que estudamos anteriormente. Relembrando: a estratificação social diz respeito às desigualdades que existem entre as pessoas em uma sociedade, ou seja, ela afirma a existência de grupos sociais que ocupam posições diferentes no mundo social.

Esta estratificação determina posições sociais aos indivíduos, mas eles podem não permanecer na mesma posição durante toda a vida, podendo alterar seu status e mudando de “camada social”. Assim, de forma resumida, mobilidade social é “[...] a mudança de posição social de uma pessoa num determinado sistema de estratificação social” (OLIVEIRA, 1999, p. 73).

A mobilidade social é dividida em vertical e horizontal. Quando o movimento do indivíduo é de subir ou descer na hierarquia social, entre as camadas, a mobilidade social é chamada de vertical, podendo ser ascendente ou descendente.

A mobilidade ascendente diz respeito à melhoria da posição social dentro do sistema de estratificação, ou seja, a pessoa passa a fazer parte de um grupo superior ao seu grupo anterior. A mobilidade descendente é o movimento oposto,

DICAS

Se você se interessou pela análise dos movimentos sociais, busque o livro “Movimentos Sociais e Políticas Públicas”, de Pedro Roberto Jacobi, publicado em 1989. Ele está disponível no link <http://bds.bce.unb.br/handle/123456789/525>. Acesso em: 14 maio 2012.

Agora é a sua vez! Escolha um movimento social e determine, pelas suas características, se é conservador, reformista ou revolucionário. Depois descreva suas bandeiras de luta, sua história e atuação no Brasil.

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AUTOATIVIDADE

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ocorre com a decadência no quadro de posições sociais, quando a pessoa passa a integrar um grupo inferior ao que integrava antes.

Estes tipos de mobilidade podem ser facilmente identificados na sociedade contemporânea, e temos diversos exemplos: a falência de grandes empresas de família pode levar um indivíduo de uma elite para uma classe inferior, em virtude do empobrecimento; enquanto que o investimento nos estudos pode levar um filho de pessoas de menor poder aquisitivo a ter sucesso profissional, e melhora financeira, subindo socialmente.

Mas há também os casos de mudança social nos quais o indivíduo permanece na mesma classe, ou seja, quando a mudança de posição ocorre dentro de uma mesma camada social, e é isto que chamamos de mobilidade social horizontal.

Oliveira (1999) traz como exemplo da mobilidade social horizontal o caso de uma pessoa que migra da área rural para a área urbana, que no campo defendia um posicionamento político de ideias conservadoras, mas que, em virtude das influências na cidade, defende um partido progressista. Esta pessoa se manteve na mesma classe social, mas mudou sua posição social. Outras mudanças neste sentido são as mudanças de religião ou de partido político.

A mobilidade social é um fenômeno social que varia conforme os grupos sociais, podendo ser facilitada ou dificultada, ocorrendo, portanto, em maior ou menor grau conforme a sociedade. A subida social é mais comum em países democratizados e abertos, do que em sociedade em que a estratificação é mais determinante nos destinos sociais, como nas castas, por exemplo. Assim, é mais fácil haver a mobilidade social vertical em uma sociedade como os Estados Unidos do que na Índia ou na Inglaterra (neste caso, em virtude das tradições aristocráticas) (OLIVEIRA, 1999).

Mesmo com maior facilidade para a mobilidade social vertical, as sociedades capitalistas não garantem que o processo se dá de maneira igual a todos, pois ela depende muito da origem de classe destas pessoas. Uma pessoa oriunda de uma classe mais elevada tem mais chances de subir socialmente do que alguém das classes mais populares.

Há também as definições de mobilidade intrageracional e intergeracional. Na mobilidade intrageracional analisam-se os indivíduos durante uma geração, sua posição social em início de carreira e ao fim dela. Na mobilidade intergeracional analisa-se mais de uma geração, observando, por exemplo, a classe social dos pais e se os filhos se mantiveram nela ou modificaram sua posição.

Reforçando, veja os esclarecimentos da Enciclopédia da Porto Editora, de Portugal:

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FONTE: Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$mobilidade-social>. Acesso em: 14 maio 2012.

A proporção de mobilidade social ascendente ou descendente é, habitualmente, tida como um indicador do grau de “abertura” de uma sociedade e relaciona-se, portanto, com o sistema de estratificação social que nela vigora. Neste sentido, as sociedades de classes parecem ser aquelas em que a mobilidade social é mais evidente, embora a sua proporção real não seja tão grande como geralmente se supõe, e atingindo privilegiadamente determinados estratos ou classes sociais, em detrimento de outras. A mobilidade social tende a ser, majoritariamente, de curto alcance, isto é, as pessoas tendem a mover-se entre estratos, frações de classe ou classes sociais próximas, sendo rara a mobilidade de longo alcance.

Do mesmo modo, a mobilidade ascendente parece também assumir maior dimensão do que a mobilidade descendente. Embora seja possível referir estas tendências gerais, a sua extensão, todavia, difere de acordo com as características da sociedade concreta que estejamos a analisar.

Face à questão da mobilidade, os sociólogos estão interessados em analisar duas questões: quais os fatores que subjazem aos processos de mobilidade e como atuam; e quais as consequências da mobilidade para uma sociedade e/ou para os indivíduos.

Quanto à primeira questão, os processos de mudança social, suas características e extensão, estão ligados a alterações no funcionamento estrutural de uma sociedade, por exemplo, processos de urbanização ou de industrialização, alterações na estrutura ocupacional dessa sociedade ligadas ao funcionamento do sistema produtivo, ou reestruturações do próprio sistema produtivo. Assim, uma alteração no tecido produtivo, em que este passe a exigir indivíduos com qualificações mais elevadas, pode facilitar processos de mobilidade ascendente a certos indivíduos ou grupos, mudando a sua situação no decurso da sua vida (mobilidade intergeracional) e, eventualmente, conduzindo a modificações ao nível da mobilidade intergeracional.

Relativamente à segunda questão, ligado a cada estrato ou classe social há um conjunto de comportamentos, valores, atitudes etc., que os distinguem entre si – um processo de mobilidade social implica, pois, necessariamente, embora em grau variável, a conversão, pelo menos parcial, dessas “características”, significando isto que algumas se manterão, mas outras serão substituídas. Bourdieu no livro “A Distinção” refere-se a estas “características” utilizando o termo habitus e mostra como este funciona, simultaneamente, como elemento distintivo e elemento de identificação de um estrato, fração de classe ou classe social em face de outros estratos, frações de classe ou classes sociais. Produzindo-se alterações ao nível dos indivíduos, modificam-se também certas características da sociedade, tomada no seu conjunto – alguns estudos parecem indicar que as sociedades que apresentam maior mobilidade social são também sociedades mais estáveis e mais moderadas em termos políticos.

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É o conceito de mobilidade social que proporciona o aporte teórico para as pesquisas sociológicas que se voltam à mudança de posição social dos indivíduos e grupos sociais, por isto ele é tão importante dentro das teorias da ciência sociológica e para suas investigações.

6 VIOLÊNCIA HUMANAA violência é um fenômeno social, definida por Costa (1997, p. 282) como

“[...] agressão premeditada, sistemática e por vezes mortal de um indivíduo ou grupo sobre outro”. Assim, a violência é humana, pois os outros animais atacam outros apenas pelo instinto de sobrevivência, mesmo assim em situações específicas, como a disputa por uma fêmea, por exemplo.

Entre os seres humanos, a violência é premeditada, constante e, muitas vezes, mortal. Não ocorrem lutas por instinto, e ela deixa todos os integrantes de um grupo social se sentindo ameaçados, em estado de alerta constante.

Costa (1997) afirma que muitos pesquisadores já buscaram definir o início dos atos de violência humana, e encontraram como ponto comum a revolução agrícola, que modificou a organização social. O nomadismo passou a ser substituído pelo sedentarismo, e os povos fixados começaram a ter noção das ideias de território e de propriedade.

O esforço dos homens na produção agrícola, decorrente do sedentarismo que substituiu a atividade econômica de coleta, fez com que eles dessem mais valor ao seu esforço. Com o início da divisão dos trabalhos, surgiu a função social de defesa dos territórios e dos bens coletivos a um grupo determinado.

Quanto mais a agricultura passava a ser difundida, mais os grupos procuravam terras férteis, tornando-se inimigos neste sentido. Todos estes fatores, o surgimento das funções de proteção, a produção de bens, a relação de propriedade com a terra, criaram o conflito que passou a utilizar a violência como meio de manutenção e também de punição dos comportamentos considerados inadequados.

As atitudes violentas passaram a ser mais gerais a partir da industrialização e dos avanços tecnológicos, que radicalizaram as atitudes violentas dos

IMPORTANTE

Como você viu, para os sociólogos o importante é buscar os fenômenos que estão por trás dos processos de mobilidade social e quais as consequências destas modificações para os grupos sociais e indivíduos.

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homens e fizeram surgir o chamado poder bélico, com instrumentos utilizados exclusivamente para a violência. Com o surgimento do Estado, os exércitos passaram a representar a defesa do território e o poder econômico criou a indústria de armamentos para munir estes grupos.

A violência cotidiana emociona diariamente o ser humano, pelas agressões físicas que demonstram a impotência diante de determinados fenômenos violentos. No entanto, a violência que mais preocupa é a estrutura bélica que existe em todo o mundo, incluindo espionagem, arsenais militares, redes de informações e armamento nuclear.

A ampliação da indústria armamentista ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, em virtude de muitos conflitos internacionais que estimulavam sua produtividade. Ao final da década de 1980 houve uma busca pela diminuição dos armamentos, que é uma das bandeiras de luta constante da Organização das Nações Unidas (ONU), em prol de uma cultura de paz.

Mas existe também a violência local, não expressa nas relações internacionais, ainda que o maior poder de destruição seja destas. Cada Estado busca formas violentas, cada vez mais potentes, de defender sua paz interna.

Em nome da autodefesa e dos interesses do cidadão comum, os mecanismos de controle tornam-se cada vez mais potentes e ostensivos. Multiplicam-se os efetivos militares e da política civil, tentando detectar núcleos de ação revolucionária e criminal, conter atitudes consideradas suspeitas e desencadear formas de repressão agressiva. E, como as atitudes consideradas suspeitas ou ameaçadoras para o cidadão comum são variadas e ambíguas, desencadeia-se uma postura agressiva contra a população em geral. Essa postura associa ameaça, criminalidade e comportamento desviante com toda sorte de preconceito racial, étnico, religioso, xenofóbico, sexual e de geração e, essencialmente, associa-se cada vez mais a criminalidade com a pobreza (COSTA, 1997, p. 285).

E enquanto o Estado precisa economizar recursos, as empresas de segurança privada tomam conta deste espaço e os grupos urbanos armados crescem diariamente. Associado a isso está o crescimento de práticas econômicas que auxiliam o tráfico de drogas e o contrabando de produtos estrangeiros, formando gangues de controle internacional, e uma rede de traficantes e usuários que promove delitos constantes (COSTA, 1997).

A impunidade legal e outros fatores também contribuem para o crescimento da violência interna nos países, deixando a população numa situação de insegurança e impunidade, na qual não se sabe quem é o inimigo e quem não é.

Além disso, há também o problema do crescimento da agressividade em si, desenvolvendo relações agressivas e comportamentos violentos, que se tornam um recurso. Este tipo de comportamento é incentivado pelo modo de vida na sociedade contemporânea, no qual o individualismo toma conta e a busca pela satisfação pessoal é uma prioridade.

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Muitas instituições sociais que coibiam a violência perdem credibilidade e legitimidade de forma gradativa, além da rivalidade incentivada pelas grandes corporações capitalistas entre seus funcionários, em virtude da concorrência. E temos ainda a comunicação que difunde as práticas violentas e recruta pessoas para quadrilhas de forma massiva.

A violência se desenvolve e se generaliza. Escandaliza, choca, torna-se cada vez mais banalizada, mas parece também, como outros aspectos da vida social, fugir ao controle dos homens e das instituições. E, assim como a pobreza, a violência indiscriminada, a impunidade dos criminosos e a diversidade dos grupos em conflito põem em xeque as mais otimistas análises sobre a sociedade contemporânea. Colaboram também para intensificar os paradoxos da sociedade atual, fazendo com que tendências aparentemente opostas se contraponham de forma crescente: a pobreza e a abundância, o individualismo e a massificação, a democracia e o autoritarismo (COSTA, 1997, p. 289).

A violência humana é, portanto, um problema social que se evidencia cada dia mais e para o qual a sociologia se volta, na tentativa de compreender sua estrutura e as ações dela decorrentes. O individualismo causado pelas relações sociais modernas, baseadas no consumo, é um dos focos de análise, considerando sua relação com as demais esferas sociais, como a econômica, por exemplo.

7 EDUCAÇÃO E SOCIEDADEA educação é um fenômeno social muito estudado pelos sociólogos, pois é

ela quem socializa os indivíduos nos costumes e comportamentos compartilhados e instituídos no grupo social em que nasceu. A especialidade da sociologia que estuda densamente esta questão é a sociologia da educação.

Na infância a educação é um processo mais intenso, pois, além da socialização, é nesta fase da vida que recebemos o instrumental necessário para sermos considerados seres sociais. No entanto, existindo indivíduos mais velhos, a criança está em processo de aprendizado constante, pois aprende condutas. E, assim, a educação nos segue durante a vida, pois sempre aprendemos algo novo.

Mas, ainda assim, a educação possui também uma forte relação com a sociedade, funções bem determinadas com objetivos sociais, o que a leva a ser uma instituição social. Vamos compreender mais adiante as funções sociais da educação, mas antes conheceremos alguns conceitos utilizados nos estudos que a têm por objeto.

A educação pode ser operada dentro da instituição educacional, ou seja, da escola, ou fora dela. Existe um aspecto fundamental na educação fora da escola, que é a reorganização de experiências. O indivíduo reorganiza suas experiências vividas, e este processo ninguém pode fazer por ele. Portanto, é como se fosse realizada uma autoeducação, mas quem dita as situações e experiências pelas quais ele irá passar é a sociedade.

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A educação, de uma forma geral, pode ser dividida em intencional e não intencional. Intencional quando há um preparo, acompanhado de condições educativas como o ambiente físico, os recursos, os objetivos, arranjados antecipadamente pelo grupo social. No caso não intencional não há este preparo das condições, o indivíduo aprende pela convivência, participando ou apenas observando, assimilando as formas de agir e pensar do grupo social (PILETTI, 1987).

Em geral a educação não intencional se dá em ambientes fora da escola, enquanto a instituição educacional representa a forma intencional de educar daquele grupo. Esta diferenciação é classificada em educação sistemática e educação assistemática.

A educação sistemática é aquela dada pela escola e objetiva a transmissão de elementos culturais como técnicas, conhecimentos e modos de vida, conteúdos selecionados e escolhidos por serem considerados importantes e que um profissional especializado pode transmitir com mais sucesso. Esta educação utiliza-se de recursos para atingir seus objetivos, como: local apropriado, horário de estudo, currículo, métodos e materiais didáticos (OLIVEIRA, 1999).

A educação assistemática, também chamada de informal, ocorre no cotidiano, por meio da convivência, da observação de condutas e comportamentos, do aprendizado de tarefas de cada grupo social. Não possui um planejamento, horário ou local determinados, e parte da experiência vivida por toda a sociedade. As comunidades mais isoladas, como as indígenas, utilizam esta forma de educação para ensinar seus novos membros e adaptá-los à nova vida em grupo, fazendo com que participem efetivamente da vida comunitária.

No caso da educação fora da escola, padrões também são estabelecidos em relação àquilo que ela deve aprender para ser social. Estes padrões acompanham seu desenvolvimento, como exemplo a hora das refeições. No início o bebê mama quando tem fome, mas aos poucos a mãe irá controlar os horários de refeição, já estabelecidos socialmente, o que fará com que seu corpo seja condicionado para sentir fome nestes horários específicos.

Além destas imposições transmitidas nas situações cotidianas, há também a escola, responsável oficial pela educação das novas gerações. Durkheim já afirmou em seus estudos sobre a educação, muito importantes entre os estudos dos clássicos, que o indivíduo chegava à sociedade com conhecimento zero, e que cabia à sociedade socializá-lo nas instituições das gerações antigas (DURKHEIM, 2011).

A escola nem sempre existiu. Nas sociedades pré-literárias (anteriores à escrita), como entre os grupos indígenas que ainda existem e em muitas áreas do Terceiro Mundo, não há escola nem professores. A educação se faz pela convivência das crianças com os adultos, na vida diária da comunidade: no trabalho para a sobrevivência (caça, pesca, agricultura), nas cerimônias

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FONTE: Piletti (1987, p. 87-88)

DICAS

Quer conhecer a história da instituição da educação no Brasil? Acesse o link <http://www.youtube.com/watch?v=eTYWvbW8XPw&feature=relmfu>, que conta de forma resumida esta história. Acesso em: 14 maio 2012.

coletivas e nas histórias dos antepassados, contadas pelos velhos. Todo adulto é professor e a educação resulta da prática e da experiência.

A separação da escola, em relação à vida normal do dia a dia, começou na Idade Média (476-1453). A atividade de ensinar tornou-se especializada, desenvolvendo-se em espaço apropriado. Os filhos dos nobres aprendiam, nos próprios castelos, as artes da cavalaria, a importância da honra, das boas maneiras etc. Alguns filhos de trabalhadores da terra frequentavam as escolas paroquiais, onde aprendiam principalmente princípios religiosos e morais, algumas noções matemáticas e regras gramaticais da língua latina.

Com a Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, a burguesia intensificou seu domínio. Como consequência, a escola da nobreza, do tempo do feudalismo, foi sendo substituída por uma escola mais moderna. Enquanto a primeira dava mais importância ao saber literário (latim) e à filosofia, a segunda começou a dar ênfase às disciplinas científicas. O desenvolvimento industrial provocou o surgimento da classe operária. Vários fatores, como a necessidade de trabalhadores mais qualificados e a urbanização crescente, exigindo cidadãos mais “educados”, levaram a burguesia a convencer-se de que os trabalhadores precisavam de alguma instrução.

Foi assim que, ao lado da escola da burguesia, surgiu a escola dos operários. A primeira levava até a universidade, preparando os futuros dirigentes; a segunda limitava-se ao ensino primário, concentrando-se no ensino do ler, escrever e contar. Mais tarde, principalmente no início deste século, os trabalhadores puderam frequentar escolas profissionais.

Mas os trabalhadores começaram a lutar pelo direito à educação, pelo acesso ao ensino público, gratuito e obrigatório. Foi assim, que, aos poucos, foi sendo estabelecida a obrigatoriedade de frequência à escola por um número sempre maior de anos. Assim foi no Brasil, até a situação atual, em que o ensino é obrigatório.

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As sociedades dependem da educação para sua sobrevivência social, pois por meio dela transmitem a cultura aos mais jovens. Os meios que utilizam para isso são variados, de acordo com as formas que consideram mais adequadas para realizar esta transmissão. Elas também desenvolvem as potencialidades destes novos membros e integram o indivíduo ao seu grupo social.

Considerada como uma reunião de indivíduos com objetivos comuns, num processo de interação contínua, a escola é um grupo social. Mas pode também ser vista como uma instituição, ou seja, um conjunto de normas e procedimentos padronizados, altamente valorizados pela sociedade, cujo objetivo principal é a socialização dos indivíduos, a transmissão de aspectos determinados da cultura (OLIVEIRA, 1999, p. 167).

O grupo social formado pela escola compõe-se dos indivíduos e seus papéis, como diretor, coordenador, aluno, em um processo de cooperação para a transmissão cultural. Há basicamente dois grupos: os educadores, membros mais velhos do grupo social, integrados aos valores existentes, e os educandos, grupos a serem inseridos nos valores e de menor idade. Estes são os grupos básicos, a grande divisão existente no espaço escolar. No entanto, há também outras divisões que podem ser encontradas na escola, conforme Piletti (1987), que vamos conhecer a seguir.

• Grupos de idade – esta é a grande divisão, os mais velhos são educadores, enquanto os mais novos são educandos. A idade passa de um componente biológico a um componente com significado social. Além disso, há as divisões entre os próprios alunos, como a distinção entre os grupos infantis e juvenis, correspondentes às séries iniciais e séries finais do Ensino Fundamental, no Brasil.

• Grupos de sexo – a separação dos grupos por gênero na escola já é pouco comum, mas houve tempos em que havia apenas escolas para meninos e escolas para meninas, totalmente diferenciadas entre si. Há na escola grupos, os mais jovens, que possuem indiferença quanto à questão dos sexos, como as crianças de pouca idade. Mas no processo de adolescência, também encontrado nas escolas, a identidade sexual começa a aparecer e é determinante que a escola trabalhe os conflitos surgidos desta situação para os futuros adultos terem claras compreensões acerca disto.

• Grupos associativos – os grupos associativos não são determinados biologicamente, mas sim conforme as atividades que interessam aos alunos, e eles se associam por vontade própria. Nestes grupos estão as referências para as atividades dos alunos, e é neles que ocorre o processo de substituição da família pelo grupo como referências para a produção de uma identidade. Conforme a atividade, eles podem ser classificados em grupos de brinquedo (formados pelo interesse comum em brincar com os mesmos brinquedos e organizar as mesmas brincadeiras), grupos intelectuais (grupos de estudo para as provas, para a realização de trabalhos, por exemplo) e grupos cooperativos

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(com finalidades comuns e que atendem a desejos dos indivíduos, como fumar, planejar uma cola na prova, contar piadas, conversar sobre um tema específico, entre outros, geralmente são grupos fechados e até secretos).

• Grupos de status – são formados por pessoas que ocupam as mesmas posições em relação às outras de determinados grupos, de acordo com a hierarquia concebida na população escolar. Podem ser divisões realizadas pelo rendimento intelectual, capacidade esportiva ou mesmo classe social. Sua marginalização depende do restante do grupo, se a maioria for bagunceira, por exemplo, os bem comportados serão excluídos, por exemplo.

• Grupos de ensino – resumem-se às salas de aula, são os grupamentos que organizam o funcionamento da escola, geralmente sendo divididos de acordo com o nível de aprendizagem.

Dias (2005, p. 232) afirma que:

Como função fundamental, a educação contribui para a manutenção das sociedades, transmitindo suas ideias, valores, normas e costumes, de geração a geração, e, ao mesmo tempo, prepara os jovens para o desempenho de seus papéis sociais estabelecidos pela sua respectiva cultura. A educação é, portanto, um reflexo da cultura e, nas sociedades complexas e em permanente mutação como as de hoje, ela manifesta os conflitos de valores existentes na sociedade mais geral. Assim, como a mudança social é uma parte inevitável das sociedades, particularmente das atuais que vivem momentos de revolução científico-tecnológica, a educação não se limita a transmitir o conhecimento acumulado no passado, pois tem, também, a função de incrementar o conhecimento existente, contribuindo para selecionar o que deve ser mantido e fazendo uma avaliação crítica da tradição estabelecida. Nesse contexto, a educação apresenta funções complementares – e, às vezes, contraditórias – de preservação e inovação.

As instituições educacionais podem ser bastante rígidas na manutenção das tradições e esquecer a inovação, ou vice-versa. Mas ainda assim estão cumprindo sua função social de transmissão cultural, colaborando para a manutenção da espécie humana, mantendo a história e passando adiante as experiências necessárias à sobrevivência.

As funções das instituições educacionais, descritas por Dias (2005), são:

• Prover a preparação para papéis ocupacionais e profissionais – as ocupações profissionais possuem extrema importância dentro de uma sociedade que possui uma divisão social do trabalho, delas depende o bom funcionamento social. O preparo para estas funções é realizado nas instituições educacionais, especialmente nas formais. Algumas funções exigem anos de estudo, outras não tanto, mas as instituições realizam o trabalho de fazer o indivíduo compreender a importância de seu papel ocupacional, independentemente da valorização de suas funções.

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• Servir de veículo para a transmissão da herança cultural – a transmissão dos valores encontrados nas culturas é realizada por meio da instituição educacional. As escolas confessionais transmitem os valores de suas religiões, a escola pública transmite os valores do Estado em que está inserida. Em geral, o ensino é conservador, pois transmite valores acumulados às novas gerações, mantendo as bases dos grupos sociais. Mas há também o elemento da inovação presente, pois os valores são aprendidos em oposição a outros, surgindo iniciativas inovadoras.

• Familiarizar os indivíduos com os vários papéis da sociedade – os papéis sociais podem ser ensinados aos jovens dentro das instituições educacionais, mesmo informalmente. Eles podem aprender a função de líder, ou mesmo a noção de autoridade, partindo dos papéis sociais dos professores.

• Preparar os indivíduos para certos papéis sociais esperados – a educação não prepara apenas para a ocupação de funções ocupacionais, mas também prepara para o desempenho de papéis sociais, como o de cidadão, bom pai de família, indivíduo ativo na vida social, cumprimento dos deveres, entre outros. O próprio papel social do estudante é aprendido na escola e varia conforme a cultura do grupo. Há locais em que o estudante deve ser um simples espectador, assistindo à realidade e aos fatos sociais, enquanto em outros há possibilidades mais críticas e ativas, pois o estudante deve buscar transformar a realidade social nestes casos. Os papéis variam, mas é a educação que os transmite.

• Proporcionar uma base para avaliação e compreensão relativa de status – o status dado pela posição social do indivíduo, ou seja, os privilégios que terá de acordo com sua posição na divisão do trabalho também são aprendidos por meio da educação. Esta divisão é realizada para a sobrevivência do grupo social, afinal nem todos podem ocupar uma mesma posição de prestígio, é necessário que se tenha consciência e conhecimento para desempenhar seu papel social conforme sua posição. Cabe à escola a função de valorizar as diferentes posições sociais e seu status, associados à sua importância na trama social.

• Promover mudanças por meio do engajamento na pesquisa – as funções de inovação da educação estão relacionadas à possibilidade de discussões e debates no ambiente educacional, permitindo não apenas evoluções tecnológicas, mas também modificações nas relações sociais. Neste sentido, a pesquisa, cujo espaço de excelência é a instituição educacional, é importante para solucionar a curiosidade despertada por uma questão e conhecer o ambiente no qual os seres humanos vivem, contribuindo para as inovações.

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• Estimular a adaptação pessoal e melhorar os relacionamentos sociais – as instituições devem também promover a convivência entre grupos sociais diferentes, dentro de seu espaço educativo, como, por exemplo, a convivência interétnica. O relacionamento com diversos grupos sociais é estimulado pelas instituições educacionais, e os valores relacionados a isso trazidos da família pelos alunos podem ser reforçados ou questionados na instituição.

Por meio da compreensão destas funções, podemos considerar a escola como instituição social, fundamental para a existência dos grupos sociais e sua manutenção, pelo trabalho essencial de repassar aos novos integrantes, desde os primeiros anos, as regras e valores presentes no grupo do qual fazem parte, mantendo assim o chamado bom funcionamento do grupo.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você viu que:

• As instituições sociais são um conjunto de regras e procedimentos padronizados, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade e que têm grande valor social. São os modos de pensar, de sentir e de agir que a pessoa encontra preestabelecidos.

• Para os sociólogos, o estudo das instituições sociais é muito importante por permitir conhecer condutas padronizadas e definir as regras que mantêm o grupo social organizado e coeso, satisfazendo as necessidades dos indivíduos que fazem parte dele.

• As funções básicas das instituições sociais são: apresentam para os indivíduos vários modelos de comportamentos sociais apropriados a diversas situações; proporcionam um grande número de papéis sociais com um determinado comportamento julgado adequado; as sociedades aprovam o comportamento institucionalizado, pois eles dão estabilidade e consistência aos seus membros; regulamentam e controlam o comportamento dos indivíduos.

• As instituições familiares são variadas. Podem apresentar: monogamia ou poligamia, endogamia e exogamia, e podem ser nucleares ou extensas. Suas funções sociais são: regulamentação do comportamento sexual; reposição de membros da sociedade de uma geração à outra por meio da reprodução; cuidado e proteção às crianças, aos enfermos e idosos; socialização das crianças; fixar a posição e estabelecer o status, transmitido por meio da herança social; segurança econômica, afeto e proteção.

• A instituição da religião sempre está acompanhada de um misticismo, da crença em poderes sobrenaturais, existindo respeito, medo e veneração com relação à divindade, materializada nas atitudes públicas de relação com esses poderes. A comunidade espiritual formada pelos fiéis é a chamada Igreja.

• O Estado é uma instituição social definida por seu poder de controle social, possuindo funções que executa por meio da lei e tem o poder legítimo de uso da força. Ele é composto por território, nação e governo.

• A desigualdade social está relacionada com a estratificação social. A estratificação social indica a existência de grupos diferenciados nas sociedades, que ocupam diferentes posições sociais, partindo de suas diferenças e das desigualdades existentes entre si. A estratificação é um processo, e por ele ocorre uma hierarquização dos grupos sociais baseada em suas diferenças. Há a estratificação por castas, por estamentos ou por classes.

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• Um movimento social caracteriza-se como um agrupamento de indivíduos envolvidos em um esforço organizado para promover ou resistir a mudanças na sociedade ou no grupo do qual fazem parte. Ele pode ser conservador, reformista ou revolucionário.

• Mobilidade social é a mudança de posição social de uma pessoa num determinado sistema de estratificação social, pode ser vertical ou horizontal.

• A violência humana resume-se a uma agressão premeditada, sistemática e por vezes mortal de um indivíduo ou grupo sobre outro.

• A instituição educacional possui como funções sociais: prover a preparação para papéis ocupacionais e profissionais; servir de veículo para a transmissão da herança cultural; familiarizar os indivíduos com os vários papéis da sociedade; preparar os indivíduos para certos papéis sociais; proporcionar uma base para avaliação e compreensão relativa de status; promover mudanças por meio do engajamento na pesquisa; estimular a adaptação pessoal e melhorar os relacionamentos sociais.

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AUTOATIVIDADE

1 As instituições sociais são muito importantes para a sociologia, pois determinam muitas características dos grupos sociais. Assim, acerca destas instituições, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As instituições sociais satisfazem as necessidades dos grupos sociais e não dos indivíduos que dela fazem parte.

b) ( ) As instituições sociais modificam suas regras com bastante rapidez, e esta modificação geralmente se dá na mesma geração.

c) ( ) As instituições sociais permitem padronização de condutas e organização de regras que mantêm o grupo social coeso.

d) ( ) As instituições sociais são grupos de pessoas que se relacionam entre si e possuem objetivos comuns.

2 O estudo das desigualdades sociais é importante para a sociologia, pois busca investigar os fenômenos sociais que causam esta desigualdade e seu funcionamento. Sobre o conceito de desigualdade social, analise as afirmativas a seguir:

I - A desigualdade social é uma condição causada apenas pelas diferenças existentes na posse de dinheiro e bens materiais.

II - A desigualdade social é combatida para que possa existir uma sociedade em que todos tenham acesso às condições de subsistência.

III - A desigualdade social não está relacionada com a estratificação social, pois a estratificação existe pela igualdade social.

Com base nestas sentenças, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Apenas a sentença II está correta.b) ( ) Apenas as sentenças II e III estão corretas.c) ( ) Apenas as sentenças I e II estão corretas.d) ( ) Apenas a sentença III está correta.

3 Escreva um breve texto comentando a importância da educação para as sociedades atuais, procurando descrever e discutir suas funções sociais na contemporaneidade.

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TÓPICO 2

VARIAÇÕES DO CONCEITO

DE CULTURA E SOCIEDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃOA sociologia é, em resumo, o estudo da sociedade, dos fenômenos sociais

que ocorrem nas relações entre os grupos sociais. Estes fenômenos e relações surgem em virtude das diferenciações ou semelhanças culturais, determinadas a partir da posição social do indivíduo que é socializado desde sua infância em um determinado grupo cultural.

Por isto, os conceitos de sociedade e cultura são importantíssimos para os estudos nas áreas das ciências sociais e, sobretudo, da sociologia. Em virtude desta importância, sociedade e cultura foram noções desdobradas em variações, entre as quais podemos encontrar sociedade civil, cultura material, identidade cultural, sociedade industrial e muitas outras.

De uma forma geral, a sociedade resume-se a um grupo de pessoas com relativa autonomia, que ocupam um território comum, compartilham uma cultura e identificam-se com esta cultura compartilhada. Elas são unidas por relações sociais entre as pessoas e as instituições sociais (DIAS, 2005). Veremos adiante as seguintes variações deste conceito: sociedade tradicional e sociedade industrial; sociedade política e sociedade civil; grupos sociais.

Já a cultura possui diversas definições, mas de um modo geral é tratada como um sistema de ideias, técnicas, artefatos, condutas padronizadas que se relacionam e caracterizam uma sociedade (DIAS, 2005). Estudaremos as seguintes variações: cultura material e não material; cultura de massas e cultura popular; patrimônio cultural, contracultura e identidade cultural.

Estes dois conceitos são amplos e requerem um estudo detido para sua compreensão, mas ao final deste tópico você já terá compreendido suas noções principais e variações. Bom estudo!

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

2 CULTURA MATERIAL E NÃO MATERIAL

3 CULTURA DE MASSAS E CULTURA POPULAR

As diferentes culturas apresentam elementos materiais e elementos não materiais, que, apesar desta diferenciação na definição, são interdependentes, pois para cada valor cultural transmitido há uma série de utensílios e instrumentos que são utilizados para serem exteriorizados.

A cultura material se refere aos elementos palpáveis de uma cultura, como as ferramentas utilizadas por um grupo social, ou seus instrumentos, máquinas e utensílios. Instrumentos musicais, utensílios para cozinha, ferramentas de trabalho ou do cotidiano enquadram-se nesta classificação. Por exemplo, o alimento de algum local, os materiais utilizados para a construção das casas são elementos da cultura material de um grupo social.

Já a cultura não material, ou imaterial, é constituída por aspectos como o conjunto das regras morais, os costumes e rituais seguidos, as religiões, as ciências, as artes que são elementos que precisam ser externalizados por meio da cultural material. Ou seja, para a realização de um ritual religioso indígena, em geral são utilizados diversos utensílios para a produção de sons, como tambores e chocalhos. O ritual faz parte da cultura não material, e os instrumentos são a forma de externalizar esta cultura, este ritual.

Os conceitos de cultura de massas e cultura popular estão muito presentes no cotidiano, mas, quando falamos de conceitos e pesquisas sociais, precisamos defini-los e estabelecer as diferenças entre eles, para que possamos utilizá-los de forma correta.

Para definirmos a cultura de massas, é preciso buscar uma definição da noção de massa, como a descrita por Dias (2005, p. 54): “[...] aglomerado heterogêneo de indivíduos, que são tratados de forma homogênea pelos meios de comunicação”. Fazem parte deste grupo operários, assalariados, funcionários públicos, profissionais liberais, ou seja, qualquer pessoa que possa sofrer a ação de uma propaganda.

Ou seja, a industrialização criou as massas, pois a produção industrial está voltada para o consumo destas massas, destas pessoas que buscam os bens de consumo. A cultura de massa, portanto, está associada ao processo de industrialização. Os produtos consumidos pela cultura de massa de um modo geral não são feitos por quem os consome.

A industrialização deu origem à indústria cultural, que gera necessidades nos consumidores e, como a economia de mercado está baseada no consumo de bens, esta sociedade do consumo atinge também os bens culturais.

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TÓPICO 2 | VARIAÇÕES DO CONCEITO DE CULTURA E SOCIEDADE

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A cultura não é mais um instrumento de crítica ou conhecimento, mas um produto que pode ser comercializado e consumido como qualquer outra coisa. Assim, a cultura de massas é produto da indústria cultural, promovendo o conformismo coletivo e reforçando as normas sociais, sem dar aos seus consumidores a chance de opor-se ou criticar as informações que compram.

A cultura popular apresenta múltiplas definições entre os estudiosos da cultura, por ser um conceito de difícil determinação principalmente com a facilidade de difusão da comunicação entre os mais diversos grupos sociais no mundo (DIAS, 2005).

Originalmente, a expressão cultura popular surge na Idade Média, na Europa, em oposição à cultura oficial, dominante ou das elites. A cultura popular passa a expressar uma visão de mundo diferente daquela oficial, representada pela nobreza e pelo clero. Assim, inicialmente, a cultura popular era não religiosa devido ao papel cultural dominante da Igreja no período feudal. Desenvolve-se a princípio no ambiente das ruas e das praças da Idade Média, o ambiente público no qual se expressa o povo, diferente do ambiente palaciano em que convivem as elites. Sua lógica inicial se dirige para a inversão dos valores, das hierarquias, das normas e dos tabus religiosos, políticos e morais estabelecidos, opondo-se, assim, aos dogmas e à serenidade da cultura oficial (DIAS, 2005, p. 55).

Alguns autores consideram a cultura popular como a cultura não oficial, das classes dominadas dentro dos grupos sociais. Para outros, ela é formada pelas representações e práticas que se distinguem das culturas dominantes porque possuem uma lógica própria, diferenciada pela sua resistência às práticas dominantes.

Assim, a cultura popular pode ser definida como modos de expressão sociais que se manifestam na arte, na religião, entre outros. Um exemplo seria o sincretismo religioso, no qual, por meio das adaptações religiosas e mistura de elementos, os escravos do Brasil colonial puderam manter o culto às suas divindades, unindo-as aos elementos católicos. A cultura popular é diferente da cultura de massas, pois a cultura popular é consumida por quem a produziu.

IMPORTANTE

Para compreender bem o conceito de cultura de massas, retome os conteúdos apresentados no item sobre a indústria cultural, na Unidade 1 deste caderno!

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

Com a expansão das comunicações de massa, muitos elementos da cultura popular tornaram-se cultura de massas, pois foram exploradas pela indústria cultural. Muitas músicas, por exemplo, com fama mundial, são baseadas em culturas populares de países ou regiões, como o reggae, cultura popular da Jamaica que atualmente é consumida no mundo todo e explorada por uma indústria do consumo (DIAS, 2005).

4 PATRIMÔNIO CULTURAL, CONTRACULTURA E IDENTIDADE CULTURAL

O patrimônio cultural diz respeito aos elementos culturais que compõem a cultura de um grupo social, incluindo a cultura material e imaterial. Por meio da educação, as novas gerações recebem a cultura do grupo e à medida que avança seu aprendizado passa a ter capacidade de ampliar o patrimônio cultural das gerações que virão posteriormente.

Segundo Oliveira (1999), o progresso está associado à possibilidade dos grupos de transmitirem os acúmulos culturais para seus integrantes, pois o progresso é o resultado de elementos novos com elementos antigos, adquiridos no grupo. A cultura não pode sofrer uma ruptura entre as gerações, ela precisa manter um processo contínuo de renovação, mas, por mais criativa que seja uma cultura, as gerações novas não rompem completamente com as antigas.

O patrimônio cultural pode passar por um processo de enriquecimento, no qual a invenção e a difusão irão guiar suas modificações.

A invenção relaciona os traços culturais que já existem, resultando em um traço cultural novo. Oliveira (1999) utiliza o exemplo do uso do motor a vapor para mover um veículo sobre trilhos, o trem, que mais tarde foi a base de invenção do automóvel, que era um trem, mas sem seus trilhos, com motor de explosão. Algo que já existia desencadeou um novo elemento cultural, e nestes dois casos houve profundo impacto em toda a cultura.

Quando traços culturais são difundidos dentro de seu grupo social e também para outras culturas, por meio das comunicações, ocorre o processo de difusão cultural. Isto é muito comum com modas e tecnologias. E o enriquecimento cultural por este processo é mais comum do que pelo processo de inovação (OLIVEIRA, 1999).

As culturas somam os elementos das gerações que se passaram com os elementos das gerações presentes, e em geral o patrimônio cultural cresce, pois há mais incorporações do que exclusões de elementos culturais.

Pode haver também um processo chamado de retardamento cultural, ocorrido pelo desequilíbrio entre aspectos da cultura:

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TÓPICO 2 | VARIAÇÕES DO CONCEITO DE CULTURA E SOCIEDADE

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As mudanças dos diversos elementos da cultura não acontecem no mesmo ritmo: alguns se transformam mais rapidamente que outros. As invenções, por exemplo, acarretam mudanças mais aceleradas na cultura material que na cultura não material. Os instrumentos, as máquinas e as técnicas mudam com mais rapidez do que a religião, provocando atraso de um setor em relação a outro. O uso de pílulas anticoncepcionais, por exemplo, encontrou grande resistência por parte de setores religiosos e educacionais (OLIVEIRA, 1999, p. 94).

A contracultura se resume a um movimento realizado por pessoas que buscam modificar valores sociais vigentes e legítimos, especialmente nas sociedades contemporâneas. Estes valores podem ser a necessidade de ascensão social, o patriotismo, o trabalho, o acúmulo de bens materiais, entre outros (OLIVEIRA, 1999).

A contracultura é uma manifestação cultural de grupos que rejeitam as normas e os valores da sociedade, buscando estilos de vida alternativos. De modo geral estão orientados para mudar a cultura dominante, embora muitas vezes adotem posturas isolacionistas. São exemplos os grupos revolucionários, os antigos hippies etc. Constitui-se em uma subcultura da cultura mais geral, com a característica diferencial em relação a outras subculturas de se opor fortemente à maioria dos costumes, das normas e dos valores da sociedade em que está inserida (DIAS, 2005, p. 63).

A subcultura é a definição dada a um conjunto que pode ser identificado com facilidade em termos culturais, ou seja, é uma parte da sociedade que compartilha normas, valores e costumes que a faz ser identificada facilmente diante da sociedade em que está inserida, pois é diferente desta base. Os participantes da subcultura podem participar da cultura geral do grupo social, demonstrando costumes ou comportamentos que os definam também como membros de uma subcultura.

Ela passa a existir quando um grupo de indivíduos promove variações das normas culturais e dos valores mais gerais da sociedade na qual está inserido, o que causa sua diferenciação em relação aos demais indivíduos daquele grupo cultural.

Pode-se falar de uma subcultura nordestina, gaúcha ou carioca, por exemplo. Isso porque elas assimilaram elementos da cultura portuguesa ou de outros países (colonizadores ou de fronteira) e de culturas indígenas (nativos) ou africanas (escravos), produzindo características próprias que hoje facilitam sua identificação.

Considerada como subcultura, além disso, um dos exemplos de movimento de contracultura que marcou profundamente a história mundial foi o movimento hippie, que era contrário aos valores da sociedade da época, na década de 1960. Os hippies não queriam uma sociedade do consumo e desejavam ser diferentes da geração que os antecedeu, causando um conflito de gerações. “A ideia de liberdade, amor e paz divulgada pelo movimento hippie disseminou-se na maior parte das sociedades, principalmente as desenvolvidas [...]” (DIAS, 2005, p. 63).

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

A noção de identidade cultural é outro conceito importante para os estudos que envolvam grupos sociais, e na atualidade ouvimos muito este conceito em virtude de grupos que buscam constituir e afirmar sua identidade perante a sociedade (BERTHELOT, 2005).

Há uma maior presença de culturas que antes estavam dispersas nos espaços culturais, retornando às suas manifestações, procurando construir uma identidade que permite que sejam respeitados em relação à sua presença e diferenças com as outras culturas, mas no espaço cultural global (BERTHELOT, 2005).

De acordo com Dias (2005), são dois os fatores que permitem este retorno pela busca identitária destes grupos: o enfraquecimento do Estado-nação e a difusão de meios de comunicação e tecnologias.

O Estado sofre um processo gradual de enfraquecimento, não conseguindo mais controlar as manifestações culturais ocorridas em seu espaço de controle. Sempre houve uma dominação de uma cultura sobre outras, pois as comunidades culturais dominavam aquelas que estavam no espaço territorial do Estado. A identidade nacional era constituída em espaços nos quais o Estado permitia a manifestação das culturas minoritárias, que podiam então se definir como diferentes e se identificavam com o Estado em questão.

Mas, com o enfraquecimento do Estado, ele perde esse poder de controlar conflitos entre os grupos culturais, e a identidade destas passa a precisar de uma redefinição, realizada em relação ao Estado nacional, na medida em que exigem mais autonomia ou passam a não reconhecer mais o Estado como seu (DIAS, 2005).

As comunidades culturais antigas também estão sendo reavivadas em virtude da expansão das tecnologias e dos meios de comunicação, que permitem a elas realizar sua expressão cultural. Uma pequena cultura dominada possui meios para se afirmar diante das demais, difundindo sua existência e quebrando fronteiras até mesmo internacionais.

Esta ampla busca pela identidade resume-se ao processo de procura pela afirmação de uma diferença e de uma semelhança. A identidade cultural leva à identificação dos iguais, que se identificam conosco, afirmando um sentimento de solidariedade entre este grupo formado pela semelhança. Mas esta semelhança garante a diferenciação com outros, com membros de outras comunidades culturais.

Em um mundo que tende à heterogeneidade, culturas que antes não mantinham contato direto precisam cada vez mais estabelecer relações, antes mediadas pelo Estado, a busca pela inserção em um grupo homogêneo é ampliada. Esta necessidade da identificação com o semelhante é intensificada pela falta da inserção em um contexto global.

A interdependência se torna cada vez maior entre as diversas culturas, as diferenças se explicitam, e torna-se necessário reaprender a conviver com a diversidade, que será a característica do mundo futuro, não a homogeneidade. O reconhecimento das diferenças fortalece a identidade própria, já que só existe a igualdade (cultural) havendo diversidade: caso contrário não seria necessária a busca por identidade (DIAS, 2005, p. 68).

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Por isto no mundo atual há a necessidade de reconhecimento da diversidade cultural, permitindo o acesso à cidadania em um mundo que difunde informações e tecnologias de forma muito rápida e intensa, havendo a necessidade da criação do sentimento de respeito pelo outro. Como afirma Dias (2005, p. 69): “O respeito à identidade do outro possibilitará a convivência da diversidade, permitindo, por meio da difusão cultural, o enriquecimento de todas as culturas, modificando-as e aproximando-as”.

5 SOCIEDADE TRADICIONAL E SOCIEDADE INDUSTRIALO conceito de sociedade possui variações, no sentido de especificar com

mais clareza com qual tipo de sociedade se está lidando naquele momento, diante de uma investigação, por exemplo. Temos, assim, a conceituação de sociedade industrial e sociedade tradicional.

FONTE: Dias (2005, p. 120)

DICAS

Conheça melhor a noção de identidade cultural no Dicionário de Direitos Humanos disponível em: <http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Identidade+cultural>. Acesso em: 14 maio 2012.

Ao longo do período industrial, que compreende todo o século XIX e XX, e em função de sua dinâmica, alta produtividade e uma constante inovação de processos, concebeu-se essa sociedade como avançada em relação às demais. Se considerarmos um dos aspectos, que é o tecnológico, sem dúvida que o período industrial não se compara a nenhum outro ao longo da história da humanidade. No entanto, houve uma tendência a considerar o avanço tecnológico como determinante em relação a outros, o que levou a uma manifestação de etnocentrismo, de considerar todas aquelas sociedades anteriores à industrial como sociedades tradicionais, particularmente aquelas com predomínio de produção agrícola.

Essa visão etnocêntrica leva a diluir no rótulo de ‘sociedade tradicional’ tipos distintos de sociedade e que podem levar a equívocos quando analisados fora de seu contexto. A expressão só tem utilidade para caracterizar uma sociedade como não industrial, ou seja, não identifica nenhuma sociedade particular, só a posiciona em relação ao período industrial.

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

De acordo com as culturas de origem na civilização europeia, há ainda um quadro possível de ser estabelecido com uma espécie de evolução histórica das sociedades, no qual é possível visualizar as modificações ocorridas nos grupos sociais. Dias (2005) nos apresenta esse quadro de referência.

• Sociedades de caçadores-coletores – coletavam alimentos da natureza e utilizavam tecnologia simples para caçar, eram nômades e viviam em grupos espalhados. A sociedade era estruturada pela família, e a especialização era mínima, os homens eram caçadores e as mulheres coletoras. Não havia economia nem política.

• Sociedades de horticultura e de pastoreio – a domesticação de animais e o cultivo do solo permitiram aos indivíduos tornar-se sedentários, criando as primeiras aldeias e a guerra. Não havia instituições sociais, apenas indícios, e uso de pouca tecnologia.

• Sociedades agrárias – passam a utilizar tecnologias, como arados, rodas, irrigação e baseiam-se na agricultura. As tecnologias permitem o uso constante do solo e a produção de excedentes nos alimentos, e as pessoas se estabelecem nos territórios. Surge a especialização no trabalho, pois, com alimentos sobrando, as pessoas podiam se dedicar a outras atividades. Surge o dinheiro, a vida se torna mais individualizada e as desigualdades aumentam.

• Sociedades industriais – a Revolução Industrial modificou a estrutura social: as máquinas começaram a substituir funções humanas, o crescimento industrial modificou valores, a população migrou para as cidades. A especialização no trabalho ampliou-se, e a diversidade cultural também, tornando as sociedades mais complexas. A família perdeu importância, e a desigualdade acentuou-se, gerando a pobreza como um grave problema social.

• Sociedade pós-industrial – surge em função do crescimento das tecnologias de informação, materializadas nos computadores e dispositivos eletrônicos. Predominam os serviços, modificam-se as funções profissionais, em virtude da substituição da mão de obra humana.

Estas formas de existência da sociedade, cada uma a seu modo, foram se modificando em longos períodos de tempo, permitindo estabelecer uma história da sociedade. Os agrupamentos sociais modificam-se de acordo com a época e estão em constante modificação, afinal são formados por indivíduos que aprendem a cultura de seu grupo, mas também a transformam.

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6 SOCIEDADE POLÍTICA E SOCIEDADE CIVILO Estado, além do monopólio do uso da força como instrumento de

coerção, também possui a função de organizar as diversas áreas sociais para que funcionem corretamente. Assim, ele organiza a saúde, a educação e demais necessidades básicas voltadas aos indivíduos que fazem parte dos limites de seu território.

Mesmo com estes mecanismos, a sociedade é mais ampla do que a capacidade de atuação do Estado, e, por este motivo, ocorrem manifestações que se concretizam na sociedade civil, passando ao largo do controle estatal e não se desenvolvendo na sociedade política (DIAS, 2005).

Por exemplo, é muito comum a existência de manifestações culturais que ocorrem sem o controle do Estado, como festas culturais localizadas, com música e práticas de um grupo social, sem estarem no calendário oficial do município ao qual pertencem seus integrantes. Estas atividades não possuem relação com o poder estatal, mas sim com a chamada sociedade civil, nas quais as relações sociais dizem respeito à comunidade envolvida e aos valores com ela compartilhados.

Assim, o conceito de sociedade civil é compreendido em contraposição ao Estado, são as relações que ocorrem à margem das relações de poder do Estado e de suas instituições.

Em outras palavras, a sociedade civil compreende todos aqueles espaços onde os membros de uma sociedade, seja de modo individual ou organizado, tomam suas decisões de maneira autônoma, livre e voluntária, atendendo aos seus próprios critérios, valores, culturas e interesses, à margem dos limites e das prioridades do Estado (DIAS, 2005, p. 123).

A sociedade política se resume ao Estado, e nela as relações são baseadas no poder coercitivo, a resolução dos problemas se dá pelo uso da legislação, baixando decretos e leis aos quais as pessoas são submetidas e precisam seguir por meio da coerção pública.

Já na sociedade civil, o uso de mecanismos como a persuasão e a pressão é comum para a solução de dificuldades coletivas e individuais, as relações não se baseiam em coerção, mas tendem ao consenso.

É na sociedade civil que ocorrem os problemas sociais, econômicos, entre outros, que o Estado busca resolver, eliminando ou mediando uma possível solução. É nesta esfera social que as forças sociais se associam, se organizam e mobilizam em favor de suas causas e de suas necessidades (DIAS, 2005).

Os partidos políticos surgem na esfera da sociedade civil e possuem capacidade de apresentar suas demandas para que se convertam em objeto de decisões políticas. Este papel é muito importante para a organização da sociedade,

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

pois, quando não realizado, ocorre um aumento dos movimentos sociais, que fazem então o papel de protestar e reivindicar as necessidades do grupo social diante do Estado.

Dias (2005) traz como exemplos de instituições da sociedade civil os sindicatos, os grêmios estudantis, as associações profissionais como a Ordem dos Advogados do Brasil, as associações de moradores, as instituições religiosas, as instituições econômicas como bancos e empresas, os movimentos sociais e as organizações não governamentais (ONGs).

Já à esfera da sociedade política pertencem as prefeituras, câmaras municipais, assembleias legislativas, as Forças Armadas, as polícias, as empresas públicas e todas as autarquias.

Há ainda, atualmente, o chamado terceiro setor (ou terceira esfera), intermediário entre a esfera pública (Estado) e a esfera privada (sociedade civil). Ela é composta por organizações comunitárias autônomas que buscam resolver os grandes problemas sociais, atuantes em locais onde o Estado deveria estar atendendo, mas não o faz pelos mais diversos motivos.

As Organizações Não Governamentais (nacionais e internacionais), particularmente, mobilizam e estimulam comportamentos solidários, dedicando-se a questões como ecologia, paz e alfabetização, entre outras. Dessa forma, elas desenvolvem ações de solidariedade que se contrapõem ao individualismo crescente e à incapacidade do Estado de prestar serviços essenciais à população (CHAUÍ; OLIVEIRA, 2010, p. 121).

As ONGs recebem ajuda financeira para prestar serviços à comunidade na forma de projetos, em locais que o Estado não consegue chegar. Elas têm como características não ter fins lucrativos, possuem um tema ou área de atuação, são formadas por associados que se juntam por conta própria e respeitam as posições dos indivíduos pelos quais atuam.

As ONGs fazem parte do terceiro setor, mas este não se resume a elas. Esta expressão é utilizada para expressar a diferenciação entre setor público, privado e instituições sem fins lucrativos. É composto por instituições que são privadas, sem fins lucrativos, mas que prestam serviços de caráter público (DIAS, 2005). Este setor social tem apresentado forte crescimento, inclusive em aspectos econômicos.

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7 GRUPOS SOCIAISDentro da ciência sociológica, os grupos sociais são definidos como uma

reunião de duas ou mais pessoas interagindo e relativamente estável. A interação exige uma organização, para levar à realização de ações conjuntas que visam atingir um objetivo comum aos seus membros. Estes grupos possuem costumes e normas próprios e divisão de funções.

Os grupos sociais são muito importantes para a sociologia porque em seu interior ocorrem as interações sociais, e as interações e os grupos são dependentes entre si. Desde que nasce o indivíduo já é inserido em grupos sociais, dos quais o primeiro é a família, na qual é socializado com a cultura de sua posição social.

Assim, o estudo dos grupos sociais é dos mais importantes em sociologia, pois é parte decisiva do processo de socialização que forma as personalidades individuais, as quais tornam a humanidade única, mas composta por bilhões de indivíduos diferentes que integram conjuntos perfeitamente identificados de indivíduos, os quais se agrupam de modos diversos e têm consciência de pertencer a um grupo – grupo este dotado de uma personalidade social diferente do indivíduo, que, no entanto, se identifica com ele. Essa característica integradora dos grupos sociais, dando um sentido de ‘pertencimento’ a numerosas pessoas, que desse modo se sentem seguras perante outras, é um dos aspectos que mais fortalecem a importância do estudo dos grupos (DIAS, 2005, p. 131).

Durante sua existência, as pessoas participam de diversos grupos sociais, como: grupo familial, composto pela família; grupo vicinal, composto pela vizinhança; grupo educativo, formado na escola; grupo religioso, formado nas instituições religiosas; grupo de lazer, formado a partir da participação em clubes, associações esportivas; grupo profissional, formado pelos colegas de trabalho ou profissão; grupo político, constituído na participação em partido político (CHAUÍ; OLIVEIRA, 2010).

Os grupos sociais apresentam características, descritas por Chauí e Oliveira (2010):

• pluralidade de indivíduos – participação de mais de uma pessoa no grupo;

• interação social – os componentes do grupo interagem entre si;

• organização – para o funcionamento o grupo precisa de uma ordem interna;

• objetividade e exterioridade – os grupos sociais são exteriores e superiores aos indivíduos, pois existem independente de sua entrada ou saída no grupo;

• conteúdo intencional ou objetivo comum – o grupo mantém valores e objetivos comuns;

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

• consciência grupal – maneiras de pensar e agir são compartilhadas com o grupo;

• continuidade – as interações só formam grupos quando forem duradouras e estáveis, não passageiras.

Os grupos sociais são divididos e classificados em primários, secundários e intermediários. Nos grupos primários predominam os contatos pessoais e diretos, como na família e entre vizinhos; nos grupos secundários o contato é secundário, sem intimidade, como em grupos grandes como nas igrejas; nos grupos intermediários se alteram os contatos primários e secundários, como na escola (CHAUÍ; OLIVEIRA, 2010).

Há ainda os agregados sociais, além dos grupos, que se constituem de pessoas relativamente aglomeradas que mantêm um mínimo de comunicação e de relacionamento social. Eles não são organizados e as pessoas são anônimas em sua participação. Entre eles temos a multidão, o público e a massa.

A multidão é um grupo de pessoas que não possui organização, seus componentes são anônimos, possuem objetivos comuns, não há diferenciações individuais – o que os torna iguais entre si – e há proximidade física. Pode ser um grupo fugindo de algo ou observando um incêndio, por exemplo. Já o público é um grupo de pessoas que recebe o mesmo estímulo, não baseado no contato físico, mas na comunicação de um estímulo comum, como uma apresentação musical, por exemplo. Diferencia-se da multidão porque sua integração é mais ou menos intencional. A massa é formada por indivíduos que recebem opiniões formadas e difundidas nos meios de comunicação. São pessoas que não se conhecem e em geral estão separadas, sem expressar suas opiniões, diferenciando-se, portanto, do público (OLIVEIRA, 1999).

LEITURA COMPLEMENTAR

OS ÍNDIOS NO BRASIL

Estima-se que havia no Brasil 5 milhões de índios quando chegaram os primeiros portugueses, em 1500. O declínio da população indígena se manteve constante até o começo da década de 1980, quando foram recenseados 100 mil índios. A partir de então, a população indígena voltou a crescer.

Hoje já se registram cerca de 350 mil índios vivendo em parques e reservas. Segundo os especialistas, a principal explicação para o aumento demográfico foi a regularização das terras indígenas. No início dos anos 1990, apenas um terço desse território estava regulamentado; atualmente, metade dele já está em situação regular. As tribos ocupam uma área equivalente a um terço do território da Argentina. “A sobrevivência de nossa cultura está ligada à terra, diz o cacique

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TÓPICO 2 | VARIAÇÕES DO CONCEITO DE CULTURA E SOCIEDADE

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Marcos Terena, um índio que já frequentou o mundo civilizado e voltou, para ajudar seu povo.

A diversidade das culturas indígenas brasileiras atrai hoje estudiosos de todo o mundo. A quantidade de dialetos falados nas tribos faz do Brasil um dos países com maior número de línguas dentro de suas fronteiras. Além disso, o Brasil é também um dos únicos países que abrigam grupos humanos que ainda não fizeram contato sistemático com a civilização. Na Amazônia, os antropólogos já identificaram cerca de mil índios nessas condições.

Um levantamento do governo mapeou 45 tribos vivendo isoladas. De acordo com os antropólogos, o número total de índios que nunca tiveram contato com os brancos pode chegar a 3 mil. A maioria dos povos indígenas já recebeu forte influência da cultura ocidental. Calcula-se que metade já saiba comunicar-se em português e 100 mil estejam matriculados na escola. De acordo com um estudo realizado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), algo em torno de 25% dos índios vivem do artesanato, cujas peças são fabricadas em pequenas oficinas nas aldeias.

(Veja Especial, maio 2000)

FONTE: Chauí; Oliveira (2010, p. 124)

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você viu que:

• A cultura material se refere aos elementos palpáveis de uma cultura, como as ferramentas utilizadas por um grupo social, ou seus instrumentos, máquinas e utensílios.

• A cultura não material, ou imaterial, é constituída por aspectos como o conjunto das regras morais, os costumes e rituais seguidos, as religiões, as ciências, as artes, que são elementos que precisam ser externalizados por meio da cultura material.

• A industrialização criou as massas, pois a produção industrial está voltada para o consumo destas massas, destas pessoas que buscam os bens de consumo. A cultura de massa, portanto, está associada ao processo de industrialização.

• Alguns autores consideram a cultura popular como a cultura não oficial das classes dominadas dentro dos grupos sociais. Para outros, ela é formada pelas representações e práticas que se distinguem das culturas dominantes porque possuem uma lógica própria, diferenciada pela sua resistência às práticas dominantes.

• O patrimônio cultural diz respeito aos elementos culturais que compõem a cultura de um grupo social, incluindo a cultura material e imaterial.

• A contracultura se resume a um movimento realizado por pessoas que buscam modificar valores sociais vigentes e legítimos, especialmente nas sociedades contemporâneas.

• Em um mundo que tende à heterogeneidade, culturas que antes não mantinham contato direto precisam cada vez mais estabelecer relações, antes mediadas pelo Estado, a busca pela inserção em um grupo homogêneo é ampliada. Esta necessidade da identificação com o semelhante é intensificada pela falta da inserção em um contexto global e é a base para a constituição da identidade cultural.

• O conceito de sociedade civil é compreendido em contraposição ao Estado, são as relações que ocorrem à margem das relações de poder do Estado e de suas instituições.

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• A sociedade política se resume ao Estado, e nela as relações são baseadas no poder coercitivo, a resolução dos problemas se dá pelo uso da legislação, baixando decretos e leis aos quais as pessoas são submetidas e precisam seguir por meio da coerção pública.

• Os grupos sociais são definidos como uma reunião de duas ou mais pessoas interagindo e relativamente estável. A interação exige uma organização, para levar à realização de ações conjuntas que visam atingir um objetivo comum aos seus membros. Estes grupos possuem costumes e normas próprios e divisão de funções.

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AUTOATIVIDADE

A partir da Leitura Complementar “Os índios no Brasil”, escreva um texto sobre os elementos relacionados à diversidade cultural que podem ser analisados pela sociologia, utilizando os conceitos desenvolvidos neste tópico.________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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TÓPICO 3

CONCEITOS-CHAVE PARA UMA

COMPREENSÃO DO MUNDO SOCIAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

2 POLÍTICA E IDEOLOGIA

Existem inúmeros conceitos que fazem parte do aparato teórico da sociologia e que são fundamentais para a produção das investigações sociais, uma vez que dão a base ao pesquisador sobre quais fenômenos devem ser observados. A sociologia, por excelência, utiliza-se de conceitos em sua prática cotidiana.

Para o mundo social atual, permeado por relações políticas envolvendo poder, inclusive em nível internacional, é preciso que se compreenda uma série de conceitos importantes utilizados para as análises.

Dentro deste conjunto conceitual, destacam-se as noções que veremos neste tópico: política, ideologia, poder, ética, Estado e governo. São termos utilizados com frequência em nosso cotidiano, mas, para seu uso correto no campo científico, é necessário que se compreenda sua real significação para o campo de investigações sociais.

A política é um conceito antigo, já utilizado desde a época do filósofo Aristóteles. Atualmente, a ciência que estuda este campo é a Ciência Política, que busca investigar as relações de poder existentes entre os mais diversos grupos sociais.

A política está relacionada com o conceito de poder, com a habilidade de um indivíduo de impor suas vontades e necessidades diante de outros. Esta relação está baseada no poder político, que pode ocorrer entre governantes e governados, por exemplo, mas que apresenta certas especificidades com relação aos outros tipos de poder.

O poder político é aquele que possui o direito do uso da coação, da força física, ou seja, ele se expressa no Estado, que é o poder supremo. O poder político também possui universalidade, pois tem a capacidade de tomar decisões que valem para todos, dentro de seu território.

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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A finalidade principal da política é manter a ordem nas relações internas de um país e também defender os interesses nacionais diante de outros países. Com isto, ela pode manter as outras condições, que são básicas para o bem-estar da população inclusa em seus limites.

A política, de uma forma geral, é a maneira utilizada para decidir questões públicas, relacionadas a uma coletividade específica, ou seja, decidir o destino de algo que não é individual.

O termo ideologia busca designar a situação na qual um grupo ou um indivíduo possui uma espécie de falsa consciência, ele vê a situação social a partir da imposição de outros grupos dominantes e não a partir da realidade de sua posição social. As relações sociais são vistas parcialmente, em geral conforme seus interesses, mas estão deformadas em virtude de uma posição dominada.

Ela pode ser resumida por um conjunto de ideias e visões de mundo básicas relacionadas a uma pessoa ou grupo, especificamente de uma época. Ela pode pretender manter o sistema social vigente ou então pode difundir uma transformação social, buscando formas de alterar a estrutura social na qual está inserido o grupo que a produziu.

As ideologias, dentro da sociologia, são compreendidas como formas de ver a sociedade, que em geral apresentam um projeto político para esta sociedade. Elas refletem sobre a existência atual da sociedade em que se encontram e buscam encontrar ações que levem à construção da sociedade ideal, ou pelo menos a se aproximarem disto.

A ideologia é um recurso utilizado nas lutas de classes, quando uma classe impõe seu modo de ver o mundo social para outra, que acaba acatando esta visão e deixa assim de produzir uma crítica ao sistema no qual está inserida. Ela transforma os grupos sociais em grupos manipuláveis e controlados, uma vez que retira a sua liberdade de pensamento.

É como se as necessidades das classes dominantes fossem as mesmas necessidades de todas as classes. O interesse dos dominados passa a ser visto como um interesse geral, mantendo a ordem social e garantindo o sistema de

IMPORTANTE

Veja mais sobre o conceito de política retornando ao item sobre o Estado no tópico sobre as instituições sociais, nesta unidade.

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TÓPICO 3 | CONCEITOS-CHAVE PARA UMA COMPREENSÃO DO MUNDO SOCIAL

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dominação. A ideologia é o instrumento por meio do qual as representações são manipuladas a favor de um grupo.

3 PODER E ÉTICADe uma forma popular, o poder é a capacidade de realizar algo, a potência

ou a facilidade dessa realização. Mas no caso das pesquisas sociológicas, o poder engloba a possibilidade que uma pessoa possui em fazer com que outra pessoa (ou outro grupo) faça o que ela deseja.

Refere-se, portanto, a um domínio, uma capacidade de dominar que é exercida por uma pessoa. Assim, esta capacidade de possuir o poder está relacionada às formas de dominação. Ele refere-se à habilidade de impor sua vontade diante dos outros, exercendo uma autoridade.

Em termos bem genéricos, podemos dizer agora que o poder é um processo intencional que afeta pelo menos dois atores e que, por uma redistribuição dos recursos obtida por estratégias diversas, afeta o nível relativo de capacidade de um e outro de modo compatível com a legitimidade em uso. O poder é uma relação social geral, mas é evidente que é em relação a uma situação e não em termos absolutos que recursos e estratégias podem ser apreciados (BOUDON; BOURRICAUD, 2004, p. 435).

O poder também está relacionado aos governos, pois ele apresenta a possibilidade de representar os desejos da população, ele pode executar tarefas em seu nome. Ter o poder absoluto, por exemplo, remete ao sistema absolutista, em que o rei determinava todas as decisões governamentais.

IMPORTANTE

IMPORTANTE

Veja mais sobre o conceito de ideologia na Unidade 1, no tópico sobre Karl Marx, um dos clássicos da sociologia que mais utilizou o conceito de ideologia em suas teorias sociológicas.

O conceito de poder foi apresentado com mais detalhes nesta unidade no tópico sobre as Instituições Sociais – Estado. Se tiver dúvidas, volte a este conteúdo!

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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A ética trata de discussões relacionadas aos valores, tanto individuais como coletivos, e seus efeitos nas ações sociais de cada indivíduo. É uma reflexão sobre os valores e costumes, considerando a forma como eles estão presentes nas representações que fazemos da realidade social.

FONTE: Chauí; Oliveira (2010, p. 72-73)

4 ESTADO E GOVERNOO Estado é uma associação política, ocorre quando a administração da

nação busca para si o monopólio da utilização da coerção física e da força, para fazer uso e aplicar se necessário no cumprimento das ordens compartilhadas. Ele existe quando há uma soberania dentro de seu território, que controla seu interior.

Alguns Estados são formados por apenas uma nação, como é o caso do Estado brasileiro, mas em outros casos eles são formados por mais de uma nação ou nacionalidade, como na Espanha que possui os bascos e catalães, duas nações em um mesmo Estado. O Estado da Rússia também possui várias nações em seu território, com governos próprios.

A instituição estatal é uma das mais importantes instituições sociais, o que pode ser notado em suas funções, como a emissão de inúmeros documentos que regem a vida dos indivíduos. Alguns movimentos nacionalistas afirmam que o Estado é necessário a uma nação, pois, por meio do seu poder, é possível ter segurança e desenvolvimento. Há duas formas de Estado: o Estado absolutista e o Estado-nação.

O campo ético é constituído por dois polos internamente relacionados: o agente ou o sujeito moral e os valores morais ou as virtudes éticas.

Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como uma cultura e uma sociedade definem para si mesmas o que julgam ser o mal e o vício, a violência e o crime e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude, a brandura e o mérito. Independentemente do conteúdo e da forma que cada cultura lhe dá, todas as culturas consideram virtude algo que é o melhor como sentimento e como ação; a virtude é a excelência, a realização perfeita de um modo de ser, sentir e agir. Em contrapartida, o vício é o que é o pior como sentimento e como ação; o vício é a baixeza dos sentimentos e das ações.

Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e culturais da ação moral. Consequentemente, embora toda ética seja universal do ponto de vista da sociedade que a institui (universal porque seus valores são obrigatórios para todos os seus membros), está em relação com o tempo e a história, transformando-se para responder a exigências novas da sociedade e da cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no tempo.

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TÓPICO 3 | CONCEITOS-CHAVE PARA UMA COMPREENSÃO DO MUNDO SOCIAL

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O Estado absolutista surgiu por meio da figura do rei. As pessoas eram mais ligadas à sua comunidade em particular, há muito tempo atrás. Mesmo que houvesse uma expansão de domínio de territórios, mantinham-se características próprias como leis e costumes. A partir do século XV, as pessoas passaram a se identificar mais com sua nação, e a figura do rei tomou força, ao qual deviam lealdade os quadros administrativos do grande território estatal. Esta primeira forma de Estado era, portanto, uma extensão dos poderes do rei e chamado de Estado absolutista.

Já o Estado-nação, proveniente do liberalismo europeu, dá soberania ao povo de uma nação, mais abrangente que apenas uma monarquia. “Desse modo, no liberalismo, o Estado (unidade política) confunde-se com a nação (unidade cultural). A nação personifica o Estado e o poder emana do povo” (DIAS, 2005, p. 250). Na prática, dentro do território estatal coexistem comunidades culturais que formam este Estado nacional.

O governo é composto pelos quadros administrativos que gerenciam atividades relacionadas às questões comuns, como saúde e educação. Ele surge da organização das nações. O governo tem como função manter a ordem e estabelecer as regras que irão reger as relações estabelecidas entre seus integrantes e as pessoas submetidas a este governo.

Dias (2005) traz como exemplos o povo palestino, que possui um governo próprio no Estado de Israel, e os bascos e catalães na Espanha, que possuem governos autônomos.

As funções governamentais são ocupadas por um espaço de tempo, tanto por partidos como por pessoas, mas não são elas. O governo é a organização de um coletivo que irá administrar o Estado. Cada período que um grupo está conduzindo o governo é chamado de gestão.

Ele é formado por órgãos administrativos que têm o objetivo de servir à população e satisfazer as necessidades básicas, além de organizar as relações existentes entre os indivíduos e resolver conflitos coletivos que não podem ser resolvidos por apenas um indivíduo ou um grupo pequeno, necessitam de intervenção da instituição política. O governo também deve trabalhar para o progresso da nação que representa.

A dimensão do governo varia conforme a instância que irá administrar como, por exemplo, os municípios são governados pelas prefeituras, um governo local. Mas existem também os governos nacionais ou regionais.

Há duas formas gerais de governo: a monarquia e a república. A monarquia se resume ao governo do monarca, no qual o poder é recebido por herança. Mantém-se a hereditariedade e a vitaliciedade, ou seja, o monarca só sai do governo em virtude de falecimento. Há também a monarquia parlamentarista, na qual o primeiro-ministro exerce o controle do governo. Na república, há um representante que é o chefe de estado, normalmente o presidente, eleito em intervalos geralmente regulares pelo voto da população.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você viu que:

• A política, de uma forma geral, é a maneira utilizada para decidir questões públicas, relacionadas a uma coletividade específica, ou seja, decidir o destino de algo que não é individual.

• A ideologia pode ser resumida por um conjunto de ideias e visões de mundo básicas relacionadas a uma pessoa ou grupo, especificamente de uma época. Ela pode pretender manter o sistema social vigente ou então pode difundir uma transformação social, buscando formas de alterar a estrutura social na qual está inserido o grupo que a produziu.

• De uma forma popular, o poder é a capacidade de realizar algo, a potência ou a facilidade dessa realização. Mas no caso das pesquisas sociológicas, o poder engloba a possibilidade que uma pessoa possui em fazer com que outra pessoa (ou outro grupo) faça o que ela deseja.

• A ética trata de discussões relacionadas aos valores, tanto individuais como coletivos, e seus efeitos nas ações sociais de cada indivíduo. É uma reflexão sobre os valores e costumes, considerando a forma como eles estão presentes nas representações que fazemos da realidade social.

• O Estado é uma associação política, ocorre quando a administração da nação busca para si o monopólio da utilização da coerção física e da força, para fazer uso e aplicar se necessário no cumprimento das ordens compartilhadas.

• O governo é composto pelos quadros administrativos que gerenciam atividades relacionadas às questões comuns, como saúde e educação. Ele surge da organização das nações. O governo tem como função manter a ordem e estabelecer as regras que irão reger as relações estabelecidas entre seus integrantes e as pessoas submetidas a este governo.

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AUTOATIVIDADE

Neste tópico, você aprofundou conhecimentos de alguns conceitos da sociologia. Acerca destes conceitos, relacione as colunas:

I - Política ( ) Associação política que detém o uso legítimo da força.II - Ideologia ( ) Quadros administrativos que gerenciam as questões comuns.III - Poder ( ) Forma utilizada para decidir as questões públicas.IV - Ética ( ) Possibilidade de fazer os outros realizarem algo para si.V - Estado ( ) Reflexão sobre valores e costumes sociais.VI - Governo ( ) Conjunto de ideias e visões de mundo de um grupo.

Assinale a alternativa que contém a sequência correta de preenchimento das lacunas:

a) ( ) VI – III – II – IV – V – I.b) ( ) V – VI – I – III – IV – II.c) ( ) V – VI – IV – II – I – III.d) ( ) II – I – III – VI – V – IV.

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TÓPICO 4

A FORMAÇÃO DA

SOCIOLOGIA BRASILEIRA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

2 BREVE HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA NO BRASIL

Neste tópico, o último deste Caderno de Estudos, voltaremos nosso olhar para a inserção da sociologia em nosso país, compreendendo como esta ciência foi inserida no campo científico brasileiro. Para isto, apresentamos uma breve história de como este processo ocorreu, desde as primeiras reflexões sociológicas, especialmente aquelas já sistematizadas, até a década de 1980, na qual ainda ocorreram fatos de grande importância na história desta ciência no Brasil.

Além deste breve histórico, veremos também as principais contribuições de três importantes pensadores sociais brasileiros, cujos estudos são utilizados com frequência na sociologia: Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes. Estes estudos também são utilizados em outras áreas, como antropologia, economia, educação etc. Cabe registrar a importância de muitos outros sociólogos brasileiros, mas, considerando o limite de conteúdo, apresentaremos estes três que adquiriram notoriedade internacional.

Para finalizar nossas reflexões sobre a história da sociologia, veremos quais as funções e o papel do sociólogo na atualidade, diante da complexidade social existente e da fragmentação da ciência sociológica e sua diversidade de objetos.

No Brasil, a sociologia como atividade sistemática com o fim de conhecer a sociedade surge apenas na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo, por meio da qual se passou a investir consideravelmente na produção científica.

Anterior a isto, houve o movimento modernista, que buscava revolucionar a sociedade e a cultura, difundindo ideias sociológicas por meio de análises realizadas por alguns de seus integrantes. O Partido Comunista é fundado nesta época e traz consigo análises da sociedade política.

Mas efetivamente a atividade sociológica inicia na década de 1930, quando o mundo liberal entra em crise e a economia mostra suas contradições mais graves

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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(DIAS, 2005). A crise de 1929 nos Estados Unidos desmantelou o otimismo que havia no Brasil após a chamada Segunda Revolução Industrial, que deveria ter impulsionado o progresso econômico no mundo todo. Este fato abriu espaço para a crítica social.

Neste momento se reconhece a importância de conhecer e explicar o sentido de “nação”, por meio das ferramentas disponíveis na ciência. Há também um sentimento de busca por uma modernização da estrutura social brasileira, que mantinha ainda fortes elementos herdados do período de colonização.

Nesta época fundam-se importantes instituições, como a Escola Livre de Sociologia e Política, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em São Paulo e a Ação Integralista Brasileira. A geração de 30 é formada, tendo como expoentes Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Fernando de Azevedo (COSTA, 1997).

A Escola e a Faculdade foram formadas em decorrência da necessidade de um estudo sistemático da sociologia, pois as modificações sociais naquele momento o exigiam. Os bacharéis em direito, engenharia e medicina formados nas universidades com fundamentos em ciências humanas tornaram-se servidores públicos em virtude da demanda. Ou seja, o Estado se apropriou daqueles que possuíam um breve conhecimento das ciências humanas.

Quando houve essa absorção, reagiu-se à ideia de “humanidades” na universidade, buscando a sistematização de uma sociologia com caráter científico, para oposição às apropriações do Estado. Para realizar este movimento, foram convidados professores estrangeiros para formar profissionais das ciências sociais. Para a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo vieram Donald Pierson e Radcliffe-Brown e, para a Universidade de São Paulo, vieram, da França, Lévi-Strauss, Georges Gurvitch, Roger Bastide, Paul Arbousse-Bastide e Fernand Braudel.

Após a Segunda Guerra Mundial e com o advento da industrialização em 1940, a sociedade brasileira sofreu inúmeras mudanças, inclusive causadas pelo êxodo rural. A sociologia buscava compreender estas mudanças, abordando conflitos entre raças e etnias, problemas com imigrações, de um modo geral, integração e mudança social. Havia também uma preocupação com o resgate das raízes culturais do país, ameaçadas pela industrialização. Trabalhava-se nas teorias da dependência e do imperialismo.

O pensamento sociológico, como forma de pensar a nação brasileira e desenvolver uma consciência crítica sobre nossa realidade, adquiriu nessa década uma importância cada vez maior. As análises sobre desigualdades sociais, etnias, políticas indigenistas, regionalismos, tradições, transição e mudança extrapolaram os limites da disciplina e foram incorporadas pela geografia, pela história e até pela filosofia (COSTA, 1997, p. 179).

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TÓPICO 4 | A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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Ainda nesta década, há intelectuais estrangeiros que se interessam pela realidade brasileira, produzindo estudos sobre esta temática. Os sociólogos brasileiros começam a se preocupar com a realidade latino-americana, e Emílio Willems produz diversos estudos sociológicos, além de fundar a revista Sociologia, em 1939.

A década de 1950 é marcada pelo pensamento de Florestan Fernandes e de Darcy Ribeiro, cujas biografias e principais contribuições para a sociologia veremos mais adiante.

A sociologia até os anos 1960 construiu um pensamento crítico e que buscava revelar possíveis conflitos sociais, herança da criticidade da sociologia francesa. Realizavam-se denúncias nos estudos, que se opunham à crescente industrialização, que buscavam conscientizar a população a lutar por melhorias sociais.

Desenvolvida principalmente depois da ditadura do Estado Novo, boa parte da sociologia refletia a opção por uma ideologia revolucionária e socialista, tendência que se sedimentava à medida que se faziam mais fortes os laços de dependência do país em relação ao imperialismo norte-americano. Do mesmo modo, desenvolviam-se também os meios de comunicação e a indústria editorial, permitindo que as críticas de cientistas e intelectuais ultrapassassem os limites dos muros universitários e acadêmicos (COSTA, 1997, p. 182).

Este contexto, que culminou com a implantação da ditadura em 1964, repercutiu nas ciências sociais de todo o país. Em 1968 houve passeatas, embates físicos e outras situações extremas entre o regime militar e os estudantes, e, em dezembro, os expoentes da sociologia no país foram aposentados e impedidos de lecionar. Alguns se exilaram e continuaram produzindo no exterior, outros criaram centros de pesquisa independentes.

Após a abertura política na década de 1980, muitos cientistas sociais decidiram ingressar diretamente na política, e o primeiro sociólogo brasileiro eleito presidente foi Fernando Henrique Cardoso, pelo PSDB. Enquanto isto, as ciências sociais começavam a se fragmentar, e a sociologia sofreu um processo de diversificação, surgindo áreas autônomas e isoladas.

A pluralidade de objetos e a interdisciplinaridade tornaram-se uma característica da sociologia brasileira, a partir de uma realidade cada vez mais diversificada. Os sociólogos buscam redefinir conceitos partindo de fenômenos mundiais, tais como o capitalismo liberal e a globalização.

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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3 IMPORTANTES PENSADORES SOCIAIS BRASILEIROS

3.1 GILBERTO FREIRE

FONTE: Dias (2005, p. 28)

O sociólogo Gilberto Freire adotou uma perspectiva em seus trabalhos em que o indivíduo, suas particularidades, suas intimidades, seu modo de pensar predominam em relação aos fatos mais marcantes da história; um tipo de abordagem que podemos denominar ‘sociologia do cotidiano’ e que ele mesmo a denominava ‘sociologia existencial’.

Nasceu em 1900, no Recife (PE), completou o curso secundário no Colégio Americano Gilreath, no Recife, daí seguindo para Waco, Texas (EUA), onde se bacharelou em Artes Liberais, na Universidade de Baylor. Em seguida, na Universidade de Columbia, em Nova York, estudou Ciências Políticas, curso concluído em 1922 com a tese: ‘A Vida Social no Brasil na Metade do Século XIX’. Ministrou aulas nas universidades de Stanford, Michigan, Indiana e Virgínia.

Voltou a Pernambuco em 1923, onde dirigiu por algum tempo o jornal A Província. Foi o criador da cátedra de sociologia na Escola Normal, do Recife, em 1928. Lecionou na escola de Direito do Recife. Elegeu-se, em 1946, deputado federal constituinte pelo estado de Pernambuco.

Muitas de suas ideias defendidas em seus mais de 60 livros e muitos artigos de jornais estão hoje incorporados à vida brasileira. Ganhou inúmeros prêmios internacionais e foram-lhe oferecidas cátedras em diversas universidades do mundo, as quais recusou todas, preferindo permanecer em Pernambuco. Entre os livros de sua autoria, que tiveram numerosas edições em outras línguas, destacam-se Sobrados e Mocambos (1926) e Ordem e Progresso (1959).

Seus três principais livros – Casa Grande e Senzala, Sobrados e Mocambos e Ordem e Progresso – formam uma trilogia.

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TÓPICO 4 | A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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3.2 DARCY RIBEIRO

FONTE: Costa (1997, p. 181-182)

Romancista, etnólogo e político, Darcy Ribeiro superou sua formação acadêmica funcionalista e até mesmo o humanismo de Rondon para, frente ao Serviço de Proteção ao Índio, depois Funai, denunciar as relações interétnicas brasileiras, que tinham como resultado o aniquilamento dessa cultura e dessa etnia.

Em seus estudos, a questão indígena relacionava-se a uma ampla análise do desenvolvimento industrial e do processo civilizatório a partir dos centros hegemônicos, quer dentro do próprio país, quer a partir das relações internacionais.

Sua atuação foi sempre a de um antropólogo militante que, seguindo a linha marxista, condenou toda ortodoxia, buscou as raízes históricas da situação das populações indígenas e procurou saídas estratégicas. Exilado após o golpe militar de 1964, regressou ao Brasil em 1975 e se encaminhou para a vida política. Como os demais intelectuais de sua época, procurou unir a teoria à prática e aceitar modelos científicos, desde que adaptados à realidade brasileira, por ele considerada única e particular. Para essa postura, desenvolveu a antropologia brasileira longe dos modelos brasilianistas e folcloristas, evitando perder-se em preocupações etnográficas de caráter predominantemente descritivo.

Publicou, entre outras obras, A Utopia Selvagem; Os Índios e a Civilização; O Processo Civilizatório; e, mais recentemente, O Povo Brasileiro.

DICAS

O programa Roda Viva, da TV Cultura, realizou entrevista especial com Darcy Ribeiro, que está disponível no link: <http://www.youtube.com/watch?v=qMkpbf5wKXw>. Por meio deste link você consegue acessar também a continuidade da entrevista, dividida em seis partes. Acesso em: 14 maio 2012.

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UNIDADE 3 | A SOCIOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

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3.3 FLORESTAN FERNANDES

FONTE: Costa (1997, p. 179-180)

DICAS

DICAS

Conheça também a página da Fundação Darcy Ribeiro, que disponibiliza diversos itens sobre sua vida, como a biografia e a bibliografia completas. Disponível em: <http://www.fundar.org.br/>. Acesso em: 14 maio 2012.

Veja também o artigo de Octávio Ianni sobre Florestan Fernandes disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141996000100006>. Acesso em: 14 maio 2012.

Florestan Fernandes foi discípulo de Fernando de Azevedo e Roger Bastide. Com este último desenvolveu uma importante pesquisa sobre negros e a questão racial no Brasil. De formação estritamente nacional e “uspiana”, tendo viajado para o exterior somente após sua aposentadoria compulsória, foi um dos grandes sistematizadores do pensamento sociológico brasileiro.

Florestan unia a teoria à prática, sendo o que ele próprio chamava de “sociólogo militante”. Sua obra, nesse sentido, foi influenciada pelos clássicos da disciplina, sobretudo por Marx. Essa busca de síntese entre a formalização teórica precisa – por meio do recurso aos clássicos – e a ação prática transformadora marcou toda a sua vida.

Segundo Florestan, a sociedade podia ser estudada pelos padrões ou estruturas, isto é, os fundamentos da organização social e pelos ditames (conjunturas históricas), que eram as contradições geradas pela dinâmica interna da estrutura. Daí sua abordagem ser muitas vezes denominada “histórico-cultural”. Suas grandes preocupações, no campo da sociologia, além da reflexão teórica, foram o estudo das relações sociais e da estrutura de classes da sociedade brasileira, o capitalismo dependente e o papel do intelectual. Sua obra é imensa, destacando-se: A Integração do Negro na Sociedade de Classes; Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica; Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento; A Sociologia numa Era de Revolução Social; e A Revolução Burguesa no Brasil.

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TÓPICO 4 | A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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Busque mais informações sobre a história da sociologia no Brasil ou sobre os autores que marcaram seu desenvolvimento e escreva um texto sobre o assunto para ampliar seu conteúdo!____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4 O PAPEL DO SOCIÓLOGO NO MUNDO ATUALO surgimento da industrialização causou uma complexificação da

sociedade, que dura até hoje, permitindo à sociologia se debruçar sobre problemas que até então não havia estudado. Estes novos problemas, que continuam a fazer parte da sociedade contemporânea, referem-se às desigualdades sociais, violência, cidadania, minorias, exclusão social, entre outros muitos que têm se constituído em objeto de estudo sociológico (MARTINS, 2010).

A observação destes fenômenos sociais exige análises pautadas no método científico, voltadas a todos os aspectos da vida em sociedade, para a compreensão do presente. Assim, a sociologia atual estuda os agentes que causam as mudanças sociais.

Hoje, um dos principais objetivos do conhecimento sociológico é criar instrumentos teóricos que levem à reflexão sobre os problemas da sociedade contemporânea. Tais instrumentos devem contribuir também para que os indivíduos estabeleçam relações entre sua prática social e a sociedade mais ampla, capacitando-os a atuar como agentes ativos da sociedade em que vivem (CHAUÍ; OLIVEIRA, 2010, p. 95).

Os conhecimentos que são produzidos na sociologia já são utilizados por muitas pessoas que não são sociólogos, pois algumas técnicas e procedimentos das pesquisas sociais foram disponibilizados ao público, e nem sempre são utilizadas de maneira consciente. Pesquisas de mercado e de opinião são utilizadas com frequência para conhecer o público consumidor ou o ponto de vista de eleitores (CHAUÍ; OLIVEIRA, 2010).

Ao sociólogo, neste contexto, cabe não esquecer a relatividade dos fenômenos sociais, que sempre estão relacionados a condições históricas e às relações entre esses diversos fenômenos, que podem modificar-se em curtos espaços de tempo, em virtude dos atuais avanços tecnológicos e do avanço das comunicações.

AUTOATIVIDADE

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você viu que:

• No Brasil, a sociologia, como atividade sistemática com o fim de conhecer a sociedade, surge apenas na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo, por meio da qual se passou a investir consideravelmente na produção científica.

• A sociologia brasileira teve grandes contribuições com os intelectuais Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes que fizeram com que as ciências sociais brasileiras fossem conhecidas no mundo.

• O surgimento da industrialização causou uma complexificação da sociedade, que dura até hoje, permitindo à sociologia se debruçar sobre problemas que até então não havia estudado. Estes novos problemas, que continuam a fazer parte da sociedade contemporânea, referem-se às desigualdades sociais, violência, cidadania, minorias, exclusão social, entre outros muitos que têm se constituído em objeto de estudo sociológico.

• Ao sociólogo cabe não esquecer a relatividade dos fenômenos sociais, que sempre estão relacionados a condições históricas e às relações entre esses diversos fenômenos, que podem modificar-se em curtos espaços de tempo, em virtude dos atuais avanços tecnológicos e do avanço das comunicações.

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AUTOATIVIDADE

Depois de concluída a leitura do Caderno de Estudos, elabore um texto dando a sua opinião acerca do papel da sociologia no mundo atual, relacionando-o com a profissão de sociólogo.

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REFERÊNCIASARAGÃO, Lucia M. de Carvalho. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.

______. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.

ASSOUN, Paul-Laurent. A escola de Frankfurt. São Paulo: Ática, 1991.

BECKER, Howard. A escola de Chicago. Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, out. 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93131996000200008&script=sci_arttext>. Acesso em: 1 maio 2012.

BERTHELOT, Jean-Michel. Sociologia, história e epistemologia. Ijuí: UNIJUÍ, 2005.

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Tradução de Lucy Magalhães. Petrópolis: Vozes, 2003.

BOUDON, Raymond; BOURRICAUD, François. Dicionário crítico de sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004.

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