historia politica da bahia

Upload: antonio-neto

Post on 03-Apr-2018

225 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    1/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    49Israel de Oliveira Pinheiro

    A POLTICA NA BAHIA: ATRASO EPERSONALISMOS

    Israel de Oliveira Pinheiro

    Prof. do Departamento de Cincia Poltica Faculdade deFilosofia e Cincias Humanas/UFBa.

    [email protected]

    Resumo: O texto trata de encontrar no passado daBahia a explicao para as particularidades de sua polticano presente. A Bahia, bero da nossa formao econmicae poltica, exerceu tambm o controle sobre a colnia nosseus trs primeiros sculos. O nosso sistema de capitaniase outras formas de exerccio do poder onde o pblico e oprivado nunca estavam delimitados, nos trouxe de formamuito arraigada, o patrimonialismo poltico. A decadnciaeconmica da Bahia a partir de meados do sculo passadolevou as nossas elites a ver no controle da burocracia doEstado a nica forma de continuidade do seu antigo poder.Uma continuidade conservadora, porque baseada na idiade um poder individual, sem implicaes coletivas imediatase sem modernizao no sentido da contemporaneidade.Tudo isso faz o passado avanar, se prolongar no presentee com isto seus usos e costumes, onde a figura do coronelainda sua marca fundamental, pese versatilidade desuas expresses j neste final do sculo.

    Palavras- c haves: Estado.Poder. Coronel.

    Abst rac t : The text tries to find in the past of Bahia theexplanations for the particular condition of its politics in the

    present. Bahia, cvaddle of our political and economic formation,

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    2/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    50 Israel de Oliveira Pinheiro

    had control over the colony for the three first centuries. Oursystem of capitanias and other forms of exerting powerwhere what was public and what was private was neverdetermined, brought us in a very strong way, the politicalpatrinimonialism. The economical decline in Bahia beginningin the second half of the last century, led the elite to seekthe control of burocracyas the only way of keeping thepower. This was a conservative continuity, because it wasbased on the idea of na individual power, without immediatecollective implication and modernizations. All this has perpetuatedthe past, with its usages and habits, where the colonel stillis a main figure, as we can see in its versatibility in thiscentury.

    Key-words: State.Power. Colonel.

    1 INTRODUO

    O poder uma relao de dominao entre indivduos,grupos ou classes sociais. Quando desta relao emanade forma vinculada o poder, a determinao, a coeropara toda a sociedade, trata-se, ento, do poder poltico.

    Um poder, portanto, que se estende a toda a sociedade.A riqueza, a fora, o prestgio, o carisma, a legitimidadeso instrumentos do poder poltico. Instrumentos que, emsi mesmos, no tem um peso determinado. Relacionam-se, relativizam-se com a postura, a atitude dos dominados.Isto , a fora da dominao no seu grau mximo ou numgrau muito menor est paradoxalmente, determinada nopelo dominador, mas pelos dominados. a partir da formacomo eles vem e sentem esta riqueza, fora, legitimidade,prestgio, etc. que uma certa forma de poder se estabelece.E esta forma algo que tem a ver, portanto com a prpriahistria, a prpria experincia e o contedo da aprendizagemde cada grupo, de cada nao diante de si mesma. o que

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    3/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    51Israel de Oliveira Pinheiro

    se chama de cultura poltica.

    O poder , portanto, um meio e no um fim em si mesmo.Atravs do poder se controla indivduos, grupos, classes sociais.Os fins aqui determinam os meios, por mais inusitados ou amoraisque sejam estes. E aqui mais uma vez Maquiavel continua sendoum autor contemporneo, apesar dos quatro sculos que nosseparam e das transformaes imensas do mundo moderno.

    Estes fins, no entanto, nunca esto deriva da moralde seu tempo. Sempre a requisitam para se justificar.

    Assim se tornam palatveis para o pblico que precisaassimil-los. De modo que a relao entre o discurso e aao sempre algo muito complexo no reino da poltica,sobretudo quando lhe falta o confronto das idias e sualivre expresso. Uma expresso que permeia e transformaa sociedade que a contm e define.

    O poder poltico na Bahia, desde a sua origem eformao traz particularidades que o tornam singular nahistria poltica do Brasil mais recente. A origem e anatureza desta singularidade, em seus elementos maispalpveis, so o objeto de nossa preocupao neste artigo.

    2 O PODER POLTICO E A ORDEM PRIVADA

    As circunstncias histricas do descobrimento do Brasiltiveram um peso definitivo na sua formao social e poltica.Portugal, e como de resto toda Pennsula Ibrica, no inicio dosculo XVI, estava ainda muito pouco integrado aodesenvolvimento capitalista j em curso em outros pases daEuropa naquele perodo. Isto indica que a sua poltica colonialestava muito mais voltada para o passado do que para o futuro.

    E indica ainda muito mais: que o empreendimento colonial

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    4/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    52 Israel de Oliveira Pinheiro

    portugus no daria saltos qualitativos no sentido dodesenvolvimento capitalista, como vai ocorrer em outras colniasjustamente porque o prprio Portugal era tambm dependentedos pases mais avanados da Europa.

    Assim que a criao das capitanias hereditrias indicavaa debilidade econmica do estado portugus para custeara colonizao do Brasil e a defesa de suas costas. Noentanto, a concesso de todos os poderes ao donatrio,aos proprietrios da terra fazia parte da forma da colonizaode Portugal, dos resqucios feudais de sua estrutura social.

    Todos os pases colonizadores haviam criado capitanias,mas sem os privilgios feudais, concedidos por Portugal.

    2.1 PODER PRIVADO E ORDEM PBLICA

    Estes poderes ilimitados dos donatrios e donos desesmrias se prolongam no tempo at fins do sculo XVIII quandoso extintos j nos dias postrimeiros da colnia.

    O sistema de governo geral inaugurado na Bahia em1549, no nos veio em razo do fracasso das capitanias,como tanto se diz, mas da centralizao do estado portugusna perspectiva do absolutismo monrquico em avano naEuropa do sculo XVI. Por isto o governo geral no extingueo sistema das capitanias mas o incrementa com muitasoutras doaes at 1566, chegando a um total de dezessetecapitanias. S na Bahia eram cinco. O que lhe interessava,de fato, eram as obrigaes militares e sobretudo fiscaisdas capitanias para com a coroa. Em outras palavras,Portugal estava interessado na sua parte na administraodas capitanias e da Igreja (os direitos da ordem de Cristo)sem dar muita importncia pelo que estivesse ocorrendo

    dentro destas administraes em termos do exerccio do

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    5/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    53Israel de Oliveira Pinheiro

    poder.

    Poder, cuja autonomia em relao ao governo colonial,cresce a partir do sculo XVII com as milcias e ordenanascolocados sob o comando direto das classes privilegiadasque deviam prover seu sustento. O comando no era pago.Era um servio ao rei; um passo para o enobrecimento euma porta aberta para o filho do comandante entrar comocadete do exrcito regular (tropas pagas). Na Bahiaeram 12 regimentos. As ordenanas existiam mais nointerior. Eram custeados por proprietrios e entre eles eraescolhido o comandante (capito-mor). Tinha a funo deguardar as estradas, capturar escravos, fazer respeitar asleis e controlar os Capites-do- mato . Para a coroa interessavasomente que a paz fosse mantida sem lhe importar paranada os mtodos empregados por estas autoridades. Demais a mais, as hierarquias destes corpos para-militaresreproduziam e perpetuavam exatamente as hierarquiassociais (MATTOSO,1992:229). Garantiam o poder localcomo territrio particular destas elites. No s no aspectomilitar, mas tambm no aspecto jurdico e administrativo.

    Desta forma, o contubrnio entre o poder pblico e o

    poder privado est montado j no Brasil colonial. Umarelao onde o poder privado pde expandir-se ao seulivre alvedrio, explorando ao mximo sua capacidade detrabalho e investimento e o poder pblico sem estorvar-lheo caminho, busca extrair ao mximo impostos e outrasvantagens para alimentar a burocracia estatal ociosa erica. A Bahia , como capital da colnia cresce economicamenteem consequncia desta aliana. Por isto por mais de trssculos, foi o centro econmico da colnia e chegou acontrolar do Piau, Sergipe, Pernambuco ao norte de MinasGerais e So Paulo. Este poder econmico d s eliteslocais fora poltica suficiente para demarcar projetos ambiciosospara a Bahia e o Brasil.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    6/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    54 Israel de Oliveira Pinheiro

    Projetos, onde estas elites rompem laos com o passadopara construir um futuro consentneo com os tempos modernos.E o projeto mais importante, e que se coloca de imediatopara as elites j em fins do sc. XVII, era o rompimento dopacto colonial.

    2.2 RESISTNCIA E MODERNIZAO NA BAHIA COLONIAL

    A poltica do pacto colonial pela qual a colnia ficareduzida condio de fornecedora de matrias-primase gnero da lavoura tropical e compradora de manufaturadosatravs da metrpole (somente navios portugueses podiamaportar no Brasil) j no mais se sustenta neste perodo,diante da complexidade da estrutura econmica, polticae administrativa da colnia. Assim enquanto do sc. XVIIao comeo do sc. XVIII tivemos os movimentos nativistas,que combatiam os abusos do fiscalismo portugus, a partirde fins do sc. XVIII j tivemos um movimento de rebeldiamuito mais amplo contra o domnio colonial. Este movimentoganha densidade pela necessidade de expanso da economiaagro-exportadora da colnia, fortemente limitada pelo monoplio

    comercial de Portugal. A abertura dos portos do Brasil snaes amigas em 1808 resolve em parte este problemae por isto adia a independncia.

    A Bahia esteve no centro deste movimento, numarelao muito estreita com ele nos principais pontos daColnia. A Inconfidncia Mineira de1788 teve forte repercussona Conjurao dos Alfaiates na Bahia dez anos depois. Eos dois vo repercutir na Revoluo Pernambucana de1817. Os trs movimentos pretendem o rompimento doslaos coloniais por um regime de mais liberdade e igualdadesocial, uma idia muito prxima da idia de repblica.Uma repblica que seria escravista e agrria, porque na

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    7/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    55Israel de Oliveira Pinheiro

    frente dela estavam os fazendeiros e mineradores.

    Na Bahia, pela densidade de participao popular nomovimento insurrecional de 1798 (alfaiates, soldados, escravos,negros libertos, mulatos, sapateiros, pedreiros), esta Repblica anti-escravista e local, a Repblica Baiense.

    Assim que a conjurao dos Alfaiates a culminaode uma srie de movimentos contra a escorcha colonialocorridos na Bahia desde 1711 com o Motim do Maneta.Em 1820 a Bahia adere Revoluo Constitucionalistade Portugal contra a monarquia absoluta. Uma vez j nacorte, os 8 representantes baianos, juntamente com osde So Paulo e Pernambuco vo defender a independnciado Brasil.

    2.3 FEDERALISMO NA BAHIA DO PRIMEIRO IMPRIO

    Uma vez proclamada a independncia do Brasil, a Bahia vaiter um papel muito importante na definio do regime poltico quese estabelecer na nova nao, mais precisamente, qual seria opapel de D. Pedro I. E a a oligarquia baiana se divide entre os que

    do completo apoio ao imperador e os que queremgarantias deautonomia para a provncia, que deveria ficar ainda ligada ao

    imprio, mas com o seu prprio executivo, legislativo e judicirio

    (TAVARES, 1981, p.141). Com esta postura autonomista erainevitvel algumas escaramuas com o governo central nummomento que era imprescindvel para o imperador afirmar a suaautoridade e a do seu governo. A primeira desavena ocorre jem 1823 na recusa pelos baianos do chefe militar indicado peloimperador, assunto finalmente resolvidocom a permanncia docomandante baiano.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    8/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    56 Israel de Oliveira Pinheiro

    Com a dissoluo da Assemblia Constituinte por D. PedroI em 21/11/1823, apesar da promessa de um novo projeto maisliberal, a Cmara da Bahia tomou decises de defesa militar daprovncia, uma atitude de afirmao da importncia da Bahia naconstruo da nova nao, numa perspectiva liberal, doutrinapoltica e filosfica em ascenso na Europa naquele momento.

    Com este mesmo esprito a Bahia estabeleceu ligaescom a Confederao do Equador, movimento que desligouPernambuco, Paraba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Cear dogoverno central. A visita de D. Pedro I Bahia em 28/02/1826tinha finalidade de adotar providncias para que a Bahiapermanecesse submissa sua autoridade. (TAVARES,1981:143).

    A indisposio, a desconfiana contra o governo central eraalgo que naquele momento contaminava a poltica na Bahia. ABahia se achava com fora econmica, o suficiente paradeterminar os rumos da nao que se estruturava. Neste sentidofar parte dos movimentos que havia antes da independncia.Participar da conspirao que depe D. Pedro I em 07/04/1831, e far a Revoluo Federalista de 1832-1833 que levantaSo Flix e Cachoeira. Proclama l a federao da provncia daBahia que no admitir nada do Rio de J aneiro. Este movimentologo derrotado, vai ressurgir com o nome de Sabinada, em 1837e chega a tomar Salvador por vrios meses. Vinha com o nomede seu idealizador e dirigente maior: Francisco Sabino AlvaresVieira.

    Finalmente, a Sabinada instala a Repblica Baiensepensada e idealizada desde a Conspirao dos Alfaiates de1798. No durou muito, mas afirmou a vontade federalista daBahia. O papel modernizador que o Estado j poderia ter naquelemomento estava posto e garantido pela Sabinada. E o

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    9/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    57Israel de Oliveira Pinheiro

    federalismo, republicano ou no, a meados do sculo passado,era o que de mais moderno havia na Europa e Estados Unidos.Um governo descentralizado e com o sentido de igualdade eparticipao popular.

    Isto dava a dimenso da importncia da Bahia no cenrio doprimeiro Imprio, sua sintonizao com o mundo no que havia demais moderno naquele momento: o federalismo republicano. Aintegrao da Bahia e do Brasil no pacto colonial das Amricasno lhe permitia a realizao de um projeto to arrojado. Isto, noentanto, no lhe tira Bahia, o valor e a grandeza de suaparticipao nas lutas pela emancipao definitiva do Brasil .Pelo contrrio, registra a sua singularidade naquele momento.

    3 A ESTAGNAO ECONMICA LEVA INVOLUOPOLTICA

    O fenmeno da estagnao econmica da Bahia a partir demeados do sculo passado e de seu isolamento enquanto plotradicional da riqueza colonial opera uma profunda transformao

    na sociedade baiana, no sentido do estancamento de suasestruturas sociais e fixao do passado como referncia recorrenteno presente. O fim do poder econmico passa a ser um drama aser aliviado pelo exerccio da poltica. No da poltica enquantoprocesso, enquanto dinmica de vida social, mas enquantoaparato de Estado, enquanto poder burocrtico. Poder que serveto s para fixar uma relao de dominao sobre a sociedade.Uma relao individual que no passa por nenhum projeto coletivo.

    A Bahia, a partir desta estagnao, entrou num processo deprofunda recesso poltica. Perdeu de forma significativa o papel

    de vanguarda dos movimentos polticos que teve antes.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    10/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    58 Israel de Oliveira Pinheiro

    Movimentos republicanos antes da independncia e federalistasdepois. O ltimo grande movimento que a Bahia fez na suatradio rebelde e vnguardista, foi a sabinada. Depois disto veioa estabilidade do segundo imprio. A Bahia foi parte muitoimportante dela. J nas duas ltimas dcadas do imprio, oBrasil foi sacudido, principalmente no centro-sul, por campanhaspolticas que visavam operar importantes transformaes nopas. A primeira delas foi a campanha abolicionista e a segundafoi a republicana. E de entremeio vinham problemas de ordempoltica que estas campanhas criavam, como a questo religiosae questo militar.

    Pois bem, a Bahia no tem nenhum envolvimento importante,nestas campanhas, nem nos seus problemas. Alis , a oligarquiabaiana profundamente escravista. Ela defensora unnime dostatus quo . Sente-se parte dele. E no podia ser diferente. Pormais de dois sculos esteve no poder e por mais de trs ocontrolou. E nada de novo, que lhe pudesse abrir novos rumos, lheaconteceu nas ltimas dcadas. A Bahia do final do imprio completamente diferente da Bahia do seu inicio. Est atrasadaem relao contemporaneidade republicana, que j se impe.

    3.1 O ESTADO REPRODUZIA ANTIGO PODER

    Uma vez apeada do poder econmico a oligarquia se agarraao poder poltico. TemKnow how para isto. Ele parte fundamentalde sua histria. S que agora h uma diferena muito grandeentre o presente e o passado. Antes o poder poltico estavadentro de um projeto muito maior. Um projeto de domnioeconmico. Era algo necessrio para a oligarquia, mas no era

    tudo. Agora tudo. Alis o que lhe resta. Atravs do poder, estaoligarquia vai buscar manter o fausto do passado, ostatus quo

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    11/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    59Israel de Oliveira Pinheiro

    perdido. Havia uma lembrana viva das grandezas do passadoque era finalmente conservada atravs da tradio oral-culturalque rememorava os faustos de outrora.Esta antiga elite estavapresa a um orgulho, a uma soberba que podia tornar-se

    arrogncia... Fonte de poder e de relativa segurana, o servio

    pblico era considerado por estas famlias tradicionais como a

    nica atividade compatvel com sua condio e seu desejo de

    mundo. Os concursos selecionavam integrantes das famlias

    conhecidas. Feita a nomeao o jogo se perpetuava: o

    descendente de antigos proprietrios (de terra, acar, gado)

    continuavam favorecendo seus pares na promoo (MATTOSO,1992, p.12). Isto lhe dava poder, permitia arrogncia, lhe trazia devolta o passado e aos de baixo o fascnio de que tudo continuavaigual. Havia um chefe, um protetor.

    Esta forma de reproduzir o poder e se apossar do aparato doEstado perpetuava velhas formas de clientelismo, como prestarfavores a amigos e parentes mais modestos e ter deles suafidelidade.

    Isto dava ao funcionrio imprescindvel sinal de posio

    social. Fortunas, afinal, diminuam e at desapareciam, mas oprestgio das famlias precisava ser renovado e fortalecido. Noentanto, na medida em que o tempo passava, a reavivao efortalecimento destes laos se tornavam algo muito tnue. Sebem certo que agregados e parentes continuam servindo aoncleo herdeiro do velho poder, cujos laos de dependncia eramuma necessidade do senhor, este poder era na verdade superficial.No quadro da vida urbana, da vida moderna, isto no poderia serde outra forma. A fidelidade aqui tem o sentido utilitrio e nomais carismtico como antes. Trata-se da gratidonecessariamente recompensada. A fidelidade ficou atrs, ficou

    no campo. Embora, superficial esta relao de poder se prolonga

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    12/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    60 Israel de Oliveira Pinheiro

    no tempo em todos os nveis da sociedade, pois mudanasprofundas, que levam a transformaes fundamentais nas relaessociais, no ocorrem na sociedade baiana ao longo desteperodo.

    E tudo isto trazia e ainda traz para a sociedade baiana umadose de conservadorismo muito grande. Em meio ao atraso, aodesemprego e a falta de perspectivas resta massa o serviopblico ou um padrinho que lhe valha de algo. Esta fidelidaderemetida ao passado entremeada de relaes verticais etradicionais deixava a impresso de que a sociedade baianaalegre e expansiva, de aparncia alegre e amvel, pareciadesconfiar profundamente de tudo o que pudesse vir a alteraresses sutis intercmbios. Tudo isto ocorria numa Bahia inerte,imvel, lentamente adormecida e prisioneira de um passado

    que no parecia ir embora. (MATTOSO, 1992, p.17). Portanto, oque dizia respeito ao revivescimento de velhas tradies familiares,ganha contornos mais amplos, chegando aos foros da poltica, talo vigor desta tradio, tambm de sentido poltico nos momentosde exacerbao do poder social destas famlias. Alis, napoltica que este poder vai se sustentar.

    E este passado, j no imprio se transfigura num poder muitoagregado ao poder central. Dos 219 ministros do Imprio a Bahiateve 42. Em segundo lugar vem So Paulo com 29, apesar dadiferena econmica e populacional. Esta sintonia com o podercentral tambm uma forma de garantir o poder local e suasprebendas. O poder local muito mais importante numa relaomuito estreita com o poder central. O presidente da provncia indicado pelo imperador...

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    13/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    61Israel de Oliveira Pinheiro

    4 MONARQUISTAS... LOGO REPUBLICANOS

    Com o advento da Repblica a oligarquia baiana firmajurisprudncia ao lado da monarquia contra os movimentosrepublicanos acoimados de anarquistas e perigosa subversoda juventude. Mas eis que proclamada a Repblica em 15/11/1989 esta mesma oligarquia, da noite para o dia, j republicana,mas... depois do dia 17, quando os fatos j confirmam airreversibilidade da nova ordem. Antes, no dia 16 o aindapresidente da provncia Almeida Couto em reunio com todas astendncias partidrias e os comerciantes decidem apoiar amonarquia. O telegrama, no entanto, enviado ao Rio de J aneirosai dbio a Bahia continua fiel constituio e que respeitariaas deliberaes dos poderes legalmente constitudos(TAVARES, 1981,p.165). A Cmara de vereadores de Salvador,entretanto, foi mais explcita no apoio monarquia. A integraoda Bahia no contexto nacional naquele momento supunha umprojeto poltico para as elites baianas que estas no tinham.Faltava-lhes substrato social e econmico para tanto. A disputado poder como um meio de ter privilgios sociais frente aos

    demais de sua prpria classe, se esgotava aqui mesmo naprovncia. No transcendia olocus operandi dela mesmo. No seintegrava ao seu sentido nacional, republicano, antes de tudo.Alis, era muito grande a distncia entre nossa ao poltica e osignificado republicano que ela poderia ter. Mais bem, diziarespeito ao pr-republicanismo de outras sociedades. A Bahiano havia se modernizado o suficiente para integrar-se a estenovo estatuto de um Brasil abolicionista e republicano. Isso fazcom que o federalismo republicano em vez de integrar a Bahia aocontexto nacional em razo da relativa autonomia regional, a isolamais ainda pelo fechado esquema ofensivo-defensivo para aconquista do poder (SAMPAIO, 1975,p.12). A idia do poder

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    14/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    62 Israel de Oliveira Pinheiro

    poltico j na Bahia dos primeiros anos da Repblica a daprivatizao do estado pelo grupo que chega ao poder na disputaeleitoral.

    4.1 UM PODER FRAGMENTADO NA PRIMEIRA REPBLICA

    Esta situao de uma disputa individual pelo poder propiciaa sua fragmentao. Cada um que pode conquist-lo tem paraele seu projeto pessoal. Um projeto que comea e se esgotadentro do mesmo grupo.

    O poder na Bahia da primeira Repblica circula entre osgrupos. uma referncia para eles. Comea e se esgota dentroda mesma classe que os detm. As chamadas classeslaboriosas, to caras ao discurso republicano, ou simplesmenteo povo tem uma influncia externa episdica, porque entra nocenrio da poltica quando convocados por algum grupo empugna pelo poder. Da porque fundamental, para a formaodos partidos polticos na Primeira Republica, requisitarpersonagem, de muito prestgio social. Ele trar os eleitores. Ele

    ser garantia de vitria eleitoral. Personagem que muitas vezesse confunde com a prpria sigla partidria. Alis, muito maisconhecido do que a sigla que representa. O P.R.B. (PartidoRepublicano da Bahia) fundado em 1901 por Severino Vieira,ento governador do Estado, era o partido severinista. Quando onovo governador J os Marcelino do mesmo partido de SeverinoVieira rompe com este ltimo, o P.R.B. se divide no em outracoisa, mas em severinistas e marcelinistas. Da mesma forma osmembros do P.R.D. (Partido Republicano Democrtico) ligadosa J .J .Seabra, duas vezes governador, eram chamados deseabristas e no de democratas, como era de se esperar. O

    mesmo se diga do viannismo e mais tarde dos calmonismo com

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    15/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    63Israel de Oliveira Pinheiro

    referencia tambm a dois ex-governadores da primeira republica.O importante aqui o personagem e no o partido, o indivduo eno o estatuto, a relao pessoal e no a relao institucional.

    Aqui a figura do governador fundamental porquesimplesmente, ele detm nas mos os cargos polticos eadministrativos. De tal forma que por mais amigo, por maisconfivel que seja o correligionrio indicado por um governadorpara suced-lo, a fidelidade poltica ao seu patrono nunca algodemasiadamente recorrente. Uma vez no poder, o aparato que ocerca est diretamente ligado a ele. Permite-lhe punir ou premiarde acordo com seus interesses exclusivos..

    O primeiro governador eleito pelo voto direto na Bahia,Manoel J oaquim Rodrigues Lima (1892/96) foi o resultado de umacordo entre o Partido Republicano Federalista e o Partidonacional da oposio. Luiz Viana se sobreps a Jos Gonalves,outro lder importante nas hastes governistas e sai governadorpara o prximo quatrinio (1896-1900). Indica Severino Vieirapara o ministrio da viao em 1898 j no governo Campos Salese governador da Bahia dois anos depois. Uma vez no poder

    Severino Vieira rompe com Luiz Viana por no admitir que seugoverno fosse a continuao do anterior. Para isto SeverinoVieira tratou dedesprestigiar os amigos do governo anterior, aomesmo tempo em que se aproximava da oposio ( VIANNAFILHO, 1980, p.13).

    O triunfo de J os Marcelino na indicao de seu sucessor sedeveu a um fator muito importante na poltica estadual, a chamadapoltica dos governadores. De acordo com esta poltica o poderna repblica passava mais pelo prestgio e pela fora. Um prestgioque passava mais pelo indivduo que por sua classe. Menos pela

    disputa e mais pela imposio. Por isto, com facilidade os

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    16/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    64 Israel de Oliveira Pinheiro

    partidos se formam, se dividem ou se acabam na primeirarepblica, sempre em torno de um chefe. Esta situao seprolonga pela Repblica adentro, dando poltica baiana umacerta singularidade, pois, ao contrrio de outros estados dafederao, partidos polticos de sentido republicano (com umprograma poltico e participao das massas) no se formaramaqui. Tivemos o viannismo, o severinismo, o marcelinismo,calmonismo e outros ismos mas para definir quem quem narepblica velha na Bahia. Os partidos polticos a quem esteschefes representavam no tinham muita importncia. Surgiam,se dividiam e muito rapidamente desapareciam. Seus chefessim estavam sempre presentes e s a morte os fazia desaparecer.

    5 A REVOLUO DE 30 E O ADESISMO

    A chamada revoluo de 30 foi um acerto de contas entre oavano e o atraso na poltica brasileira. De um lado estava aindustrializao, incipiente, mas j muito presente, o surgimentode uma classe mdia, vida por espao poltico e um proletariadoque j havia marcado sua presena nas greves da dcada de

    1910/20. Internacionalmente uma conjuntura que se definia porum Estado forte e centralizado, que se impunha cada vez mais.De outro est uma oligarquia rural, presa ao passado. Um passadoque no mais se impe, mas tambm no se vai.

    O movimento de 30 foi conduzido pela Aliana Liberal. Noentanto, uma vez no poder, esta aliana se desfaz porque doisprojetos muito diferentes se cruzam a dentro. O projeto dostenentes que passava por uma orientao claramentecentralizadora, de reforo dos poderes intervencionistas da

    unio inclusive na rea econmica e social.... um regime poltico

    forte... como meio de sanear costumes e de definir os ideais de

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    17/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    65Israel de Oliveira Pinheiro

    nao (CASTRO GOMES,1980,p.28). E o da oligarquiadescontente que no queria nada disto. Queria s derrubar ogoverno central e tudo continuaria mais ou menos igual. O choquefoi inevitvel. Os tenentes passaram a se organizar nos clubes 3de outubro e a oligarquia refluiu s suas origens. E tudo isto veioa dar na Revoluo Constitucionalista de 1932, onde So Paulono representava somente a si prprio.

    Na Assemblia Nacional constituinte de 1933 o grandedebate esteve em torno dos temas: federalismo x centralizao.A constituio sada deste debate vai dar vitria ao federalismo,mas de uma forma muito fugaz, porque logo o centralismo seimpor com o Estado Novo em 1937.

    Na Bahia a Revoluo de 1930 teve um curso muito prprio.Primeiro que aqui ela no aconteceu. Por aqui chegou na pontadas baionetas dos Tenentes J uracy Magalhes e Agildo Barata.Ficou sob a custdia do primeiro a contra gosto da oligarquialocal. Afinal o interventor era ainda muito" jovem", "militar" e"forasteiro". Trs defeitos irreparveis para que o insigne tenentecearense se arvorasse a chefe poltico local, diante de vestais da

    oligarquia baiana como J .J Seabra, Simes Filho, Pedro Lago,Ges Calmon e Otvio Mangabeira. O que estava sendoquestionado, evidentemente no era a juventude do tenentecearense, mas a das suas idias, a sua capacidade inovadora.O que se temia no era o solcito tenente, mas a possibilidade deele modificar a ordem das coisas, que era o atraso, oprovincianismo, a razo de ser e de viver destas elites.

    5.1 JURACY VOLTA A REPBLICA VELHA

    Por isto, as oligarquias foram formar o Partido Autonomista

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    18/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    66 Israel de Oliveira Pinheiro

    contra a interveno estrangeira. O tenente J uracy que devia terdefeitos, mas no tinha o da incria poltica, logo percebeu queno encontraria apoio poltico na oligarquia local. Percebeu logo,tambm, a indefectvel vocao do baiano para apoiar quem temou est no poder e foicriar base poltica no interior...procurandoo mdico do lugar, o advogado, enfim a pessoa que liderava a

    poltica municipal para em torno dela arregimentar uma maioria

    (MAGALHES, 1981, p.80)

    O resultado desta poltica no se faz esperarondas de apoiopartiram de todos os cantos inundando o palcio do Governo.

    Em cada municpio, duas ou mais faces disputavam as

    simpatias do interventor, posto que s ele poderia conceder

    novos favores e garantir aqueles concedidos em governos

    anteriores (SAMPAIO, 1992, p.90). Assim a oligarquia rural nofecha com a oligarquia urbana na luta contra a intervenoestrangeira. No h um poder econmico, uma base para outroprojeto, como vai ocorrer em outros Estados do Brasil. A Bahiaainda a mesma do segundo Imprio, da primeira Repblica,pobre e sem perspectivas. E neste caso continua valendo apoltica como um projeto pessoal: apoiar quem poderia conceder

    novos favores e garantir os concedidos.

    Para administrar este apoio J uracy dividiu o Estado emamplas coligaes municipais que tinham frente importanteschefes polticos locais. A mais importante delas foi a ColigaoSertaneja, instalada em janeiro de 1933, em J uazeiro sob aliderana do Coronel Franklin Lins de Albuquerque do municpiode Pilo Arcado, congregando 20 municpios. A aliana social epoltica Municipal dirigida pelo engenheiro J os J atob, prefeitode Sr. do Bonfim, congregava 10 municpios.

    Evidentemente, para granjear todo este apoio J uracy vai dar

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    19/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    67Israel de Oliveira Pinheiro

    carta brancaaos chefes polticos locais que eram verdadeirosdonatrios em suas pequenas capitanias. De posse de todoeste poder de 24 a 27 de janeiro de 1933, J uracy convoca os 151municpios para a conveno que cria o Partido SocialDemocrtico (PSD). A conveno rene 346 delegados. A mesacondutora dos trabalhos composta de membros do regimedeposto pela Revoluo de 30. Tambm ocorre o mesmo com odiretrio do PSD. Resultou disto que dos 22 deputados eleitospara a Assemblia Nacional Constituinte de 1933, 20 eram doPSD e s 02 da oposio.

    Na Bahia J uracy inova muito a administrao do Estado.Cria a Secretaria de educao e muitos institutos educacionais.Faz estradas de ferro, a navegao, cria centros dedesenvolvimento econmico. No entanto a oligarquia rural apoiaa interventoria porque esta no liquida seus interesses locais. Epela mesma razo, apoia o Estado Novo que liquida os seusorganismos de representao mas estabelece diretamente comela uma relao de clientelismo. O adesismo de 1930 tinha osentido da poltica na Bahia. O Estado Novo no rompia com estapoltica. A Bahia pese aos avanos polticos da revoluo de

    1930, continua subsumida no seu atraso secular. Definitivamente,a revoluo de 30 no chegou Bahia, ou at pode ter chegadomas pairou no ar. No desceu, no enfronhou-se na realidadedifcil e indcil dos nossos costumes polticos. Continuaramimperando, ento, os nossos coronis urbanos e rurais. E o pior,o tenente J uracy, que veio de fora para combat-los, tornou-seum deles, o maior deles, embora ele no tivesse na oligarquiarural do Cear a sua origem familiar (Virgildsio Sena, emdeclarao ao autor).

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    20/30

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    21/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    69Israel de Oliveira Pinheiro

    Poderosa e relativamente rica no local de seu domnio, estaoligarquia era pobre no contexto da produo de mercado comraras excees em regies ricas. Levando em conta o tamanhodo Estado e a dimenso do rural sobre o urbano, predomina desobra o mundo rural na determinao poltica de quem vai parao poder ou fica nele. No um problema de poder econmico,mas de fora poltica residual. A poltica nunca ser um espaovazio. Aqui est ocupado, como fora hegemnica, pelo que hde mais atrasado no estado: o chefe poltico do interior.

    A aspirao poltica deste personagem comea e terminana sua regio, no seu municpio. A sua relao com o poderestadual se esgota no controle local. Isto significa que sersempre apoiado na capital o poltico que vai ganhar. O contrriotambm verdadeiro: ser atendido o chefe poltico local que lhegarantir a vitria, num jogo de cartas marcadas onde a lgicapoltica no universal, mas local. Alianas e rompimentos sedo a cada eleio entre os mesmos indivduos e os mesmospartidos sem que nenhuma outra lgica, ideologia ou projetopoltico perpasse o processo. Apenas a sociedade baiana setornou mais complexa j nos tempos do ps-guerra. Centros

    urbanos de maior porte, no s Salvador, j interferem na poltica.O surgimento da Petrobrs nos anos 50 coloca a Bahia num poloprivilegiado do eixo norte-sul da produo nacional de energia.Surge aqui no mbito da Petrobrs um proletariado numeroso erelativamente bem pago e que vai se sintonizar com as lutassindicais e polticas de seus colegas do sul. Enfim, a Bahia apartir dos anos 50, dentro dos limites da sua participao naeconomia nacional vai viver as esperanas e ansiedades doperodo. Um perodo de desenvolvimento no Brasil. Cria-se aComisso de Planejamento Econmico (CPE) no governoBalbino (1954-58) e se vai lutar por uma participao maior nos

    Royalties da Petrobrs. No global, porm, a Bahia continua presa

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    22/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    70 Israel de Oliveira Pinheiro

    ao atraso, s economias de pequeno porte. A poltica no foge rgua e compasso da Bahia de outros tempos.

    Todas estas novidades e inovaes dos anos 50 seesfumaram muito rpido de tal modo que no final da dcada, aBahia como que voltava ao seu inicio. A Petrobrs se restringiaa uma massa operria pequena no cmputo global do estado,ambos isolados das misrias e necessidades do Estado. Osimpostos diretos e indiretos gerados pela grande empresa dopetrleo se perdiam nos desvos da burocracia publica, semprevida por mais renda e muito pouco cuidadosa com o seudestino. A CPE ficou a ver navios depois da demisso de RmuloAlmeida do governo Balbino. Ele fora seu criador. O sucessor deBalbino, J uracy Magalhes, o nomeou secretario sem pasta paracuidar deste assunto. No pde faz-lo. Tinha que ser da UDN.Assim fica mais fcil apoi-lo, lhe dissera o governador (PAULOFABIO, 1996, p. 360) . Preferiu ir para casa. Era muito para quemfora assessor de Vargas, sempre muito combatido pela UDN.Ademais, com ele ou sem ele o seu projeto na Bahia j estavainviabilizado pela poltica tradicional que retomara o poder desdeo final do governo Balbino.

    Por tudo isto, enquanto o debate poltico, a disputa eleitoralse d em outros lugares do pas, na Bahia as eleies sedesenvolvem em torno de determinados nomes que perdiam ouganhavam de acordo com o momento. At mesmo partidos comoo PTB e PSB que alhures tinham uma marca ideolgica proletriaacentuada, na Bahia faziam qualquer tipo de aliana eleitoral. Istoindica que a chance de democratizao da poltica na Bahia napoca do populismo foi desperdiada, inviabilizada pelas forasdo passado. como se na base deste processo algo muito maisforte do que ele mesmo o determinasse em outra direo, ou

    melhor o impedisse de desabrochar no sentido dos tempos

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    23/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    71Israel de Oliveira Pinheiro

    modernos. E este algo mais forte certamente muito conservadore imobilista. Remete-nos ao passado da Bahia, aos tempos daprimeira Repblica, quando a industrializao, o planejamento,um projeto de desenvolvimento nacional ainda no eram umarealidade no Brasil.

    7 O GOLPE MILITAR DE 1964: O AUTORITARISMO REVIVIDO

    O Golpe Militar de 1964, ao contrario da Revoluo de 1930,no foi um acerto de contas com o atraso, mas com o progressopoltico do Brasil. Isto , tratava-se de deter um processo detransformao social, em curso. Tambm ao contrrio de 1930,o golpe de 1964 teve ampla repercusso na Bahia. Foram muitasas manifestaes em apoio redentora em Salvador e emcidades do interior. O ethos conservador da poltica baiana logovai se aclimatar com os ditos da nova ordem. Assim queextinguem os partidos polticos, suas lideranas mais expressivas, so neutralizadas pelos novos donos do poder, estivessemessas lideranas exiladas ou no. A Revoluo veio para ficardiziam seus corifeus. Na Bahia, pelo menos, no teve grandes

    dificuldades para implantar sua obra. O terreno era muito frtilpara o tipo de planta que que se lhe oferecia, conforme logo sepde observar e principalmente sentir.

    Para cumprir os seus dictamenes, a dita revoluo vai criarum estado centralizado, modernizante autoritrio. Criou tambmdois partidos polticos: a Aliana Renovadora Nacional (ARENA)E o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB). Ambos organizadospara servir revoluo de 1964. O primeiro como partido dasituao e o segundo como o de oposio. Ambos cumprirammuito bem o seu papel at que a sociedade civil retomasse o

    processo poltico no final da dcada de 1970. Em todos os

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    24/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    72 Israel de Oliveira Pinheiro

    municpios da Bahia, a oligarquia vai apoiar o partido da situaopor motivos bvios: estava no poder.

    O MDB ser organizado nas cidade mais importantes. Emmuitas delas sem nenhuma serventia. Nas eleies de 1970, dos336 municpios da Bahia, a ARENA estava organizada em todos,o MDB em 150. Uma outra vez na Bahia, o Estado centralizadoem nome do moderno se consolida dentro do atraso, da oligarquiarural, agarrada aos interesses pequenos do seu municpio.

    Tambm como em 1930, surge uma liderana talhada parao momento: Antnio Carlos Magalhes. A partir de seu primeirogoverno (1971-74), ACM se impe aos demais como a nicaliderana do Estado, inclusive sobre Luiz Viana Filho que oantecedeu e o indicara para suced-lo. A oligarquia se identificacom o governo estadual e este com o federal. E mais uma vez serevive a poltica dos governadores da primeira repblica. Opoder local estava resguardado pelo poder central e isto era tudo.

    Resguardado, sobretudo pelo apoio do regime militar aos

    chefes locais na razo direta de sua fidelidade e da sua quantidadede votos no partido da situao. Apoio que dava aos chefeslocais muito poder. Um poder muito nefasto. Expressava-sesomente pela fidelidade ao regime. Para quem estivesse ao ladodo governo e seu partido, tudo, para quem estivesse na oposio,nada. Isto independente da tica, da legitimidade, da legalidade,da responsabilidade profissional ou funcional e dos atos e atitudesde quem se postasse em qualquer um dos lados.

    Com isto a corrupo, o desmando administrativo, oenriquecimento ilcito deitaram razes profundas na vida pblica

    brasileira. Com a volta do Estado de direito, das liberdades

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    25/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    73Israel de Oliveira Pinheiro

    individuais e sobretudo com a liberdade de imprensa esta situaose modifica muito. Passa a existir uma vigilncia do executivopela sociedade, pela imprensa e mesmo pelo poder legislativo ejudicirio em nome de suas prerrogativas constitucionais. Demodo que a corrupo do executivo passou a ser uma coisairregular, episdica, localizada.

    Na Bahia, entretanto, esta situao perdura. Personagemcentral da poltica baiana desde o inicio dos anos 70, ACMacumulou muito poder a partir da forma como se aproximou dopoder central durante o regime militar. J ustamente por isto,passou a ser apoiado pelos polticos do interior e tambm dacapital. E o circulo ento se fechou. Este poder se prolongaindefinidamente no tempo. A expresso polticos do interioraqui tem um sentido mais amplo, pois a antiga oligarquia j estdesestruturada pelos novos tempos. O voto continua sendo dados elites de sempre, mas mudou seu perfil. Vota-se agora emquem oferece mais a possibilidade de mais resultados concretospara a populao. E pode no ser o filho da oligarquia, o eleito.Estes resultados podem ser tambm individuais. E a ganhaquem tem mais dinheiro. Mudou o perfil do eleito, mas no do

    eleitor. Este apesar dos novos tempos continua dependente dequem est em cima. A inutilidade de sua locomoo no tempoe no espao no lhe permite agir de outra forma. No lhe permiteviver num outro clima poltico, plasmar novos valores sociais. Eainda mais, em poltica como tambm na vida, o particular sempre a expresso do global, da totalidade. Por isto, a sociedadebaiana no se modificou. Depende de figuras que pontificam noscaminhos do poder , nos descaminhos da esperana de diasmelhores. Mas, ao mesmo tempo, preciso labutar com eles.E eles, controlando a situao a um preo de to pouco custopoltico, se tornam muito poderosos.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    26/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    74 Israel de Oliveira Pinheiro

    Uma situao ainda muito ligada ao passado no sentido deque o voto ainda era controlado desde cima, determinado pelosinteresses das elites. Interesses agora muito mais diversificadosporque ampliou-se o leque destas elites. Elites, definidas, nomais necessariamente pelo braso familiar, pela tradio donome mas pelo poder econmico por alguma forma de poderexercido sobre os demais na comunidade.

    Ser da antiga nobreza ajuda a pertencer a este crculoporque alguma base econmica, poltica , religiosa ou culturalter possivelmente. E isto lhe abrir caminhos com certa facilidadepara chegar ao poder. No ser no entanto, determinante parachegar l. O que vincula mesmo o atual poder ao passado oatraso econmico e poltico. Isto , a Bahia no se desenvolveuo suficiente para estabelecer novas relaes sociais de poder.Relaes sociais mais horizontais, mais abertas, mais modernas,onde os antigos chefes dem lugar aos personagens modernosda poltica, resultantes no das necessidades materiais do eleitormas de sua liberdade de escolher, de votar.

    Assim a Bahia continua a mesma do inicio do sculo.

    preciso recorrer a ele na poca das eleies. A partemoderna, emancipada da Bahia no determina a sua poltica. a parte perdedora de sempre. somente a promessade uma Bahia do futuro. A industrializao mais recente,comeando com a Petrobrs nos anos 50 e se prolongandocom o Centro Industrial de Aratu nos anos 60 e o PoloPetroqumico de Camaari nos anos 70 no modificarameste quadro por se tratar de uma industria de enclave, umaindustria que por suas qualidades tcnicas no absorvemo de obra massiva, pelos seus objetivos econmicosest voltada para a exportao e pela natureza de seuproduto visa um mercado de grande capital. P or isto, ao

    contrrio do centro-sul onde esta industrializao ocorreu

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    27/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    75Israel de Oliveira Pinheiro

    em outros momentos e em outras circunstncias, na Bahiaa populao economicamente ativa em nenhum momentofoi envolvida neste processo, ela ficou sua margem.Permaneceu na marginalidade econmica, na dependnciade algum, uma dependncia que tem sempre um preopoltico, que na Bahia muito alto porque alm dos seusmales imediatos, faz perdurar uma estrutura que vem doinicio do sculo.

    3 CONCLUSO

    Ao longo deste trabalho, buscamos um perfil para o poderpoltico na Bahia. Alguma coisa de sua Histria que nos abrissecaminhos para entend-lo melhor no presente.

    Na colnia encontramos as capitanias hereditrias dandotodo o poder ao senhor dentro de seu territrio. Poderacrescentado mais tarde aos grandes proprietrios pelas tropasmilitares particulares (para militares) milcias e ordenanas.Esta apropriao do pblico pelo privado deu elite econmicada colnia a idia da no separao entre os dois campos. Um

    vcio que perdura at hoje.

    Durante o perodo da prosperidade econmica da colniao Estado Portugus era um verdadeiro parasita da empresaprivada atravs de impostos escorchantes, situao quemotiva os movimentos nativistas do sc. XVIII e a independnciado sc. XIX.

    Com o fim da prosperidade econmica a meados dosculo XIX, a situao se inverte. Agora a oligarquiaque parasita do Estado, buscando conquistar o podera unhas e dentes como um empreendimento particular. Asdisputas comeam e terminam com o indivduo que as

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    28/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    76 Israel de Oliveira Pinheiro

    conduz. O que est posto agora a reproduo a nvelfamiliar de um poder econmico perdido em outros momentosde sua histria. Este tipo de ambio reduz a poltica sua pobreza extrema e a inutiliza enquanto exerccio dacoletividade, da cidadania e da emancipao social. Eisto, sem dvida, aconteceu na Bahia ao longo da Repblica.Os nossos polticos so os mesmos, so conservadorese tem cadeira cativa no poder. Ademais, reforam oassdio particular ao poder com a multisecular visopatrimonialista do estado, sedimentada j no Brasil colnia,desde o seu inicio com o sistema das capitanias hereditrias,onde o poder pblico era objeto privado de seus donatrios.Com o passar do tempo esta cultura estar permanentementereforada por medidas do prprio poder pblico, como seos limites entre ambos no devessem existir para existncianecessria de ambos.

    A ausncia de um desenvolvimento econmico na Bahia quemodificasse as coisas fez com que essa situao se prolongasseno tempo. E isto define o poder poltico na Bahia como algo quepassa pelo indivduo e no por sua classe, e no por um projetopoltico maior, mais abrangente. Neste caso a relao do Estado com indivduos e no com uma classe social que ele representa.Todo poltico que vai nesse caminho vai bem na Bahia. J uracyMagalhes e Antnio Carlos Magalhes, cada um em seumomento, foram bem sucedidos na poltica baiana porque aentenderam em profundidade e a levaram a suas ltimasconseqncias.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    29/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    77Israel de Oliveira Pinheiro

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOAVENTURA, Eurico Alves (1989).Fidalgos e Vaqueiros. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1989CASTRO GOMES, Angela Maria.Regionalismo e centra- lizao/partidos e constituintes nos anos 30. Rio

    de J aneiro: Ed. Nova Fronteira, 1980.DANTAS, Paulo Fabio.Espelhos na penumbra: o enigma

    soteropolitano. Tese de mestrado, Escola deAdministrao, UFBA, 1996.

    GUERREIRO, Antonio.A Bahia em pedaos/ou uma poltica de oligarcas e (neo)oligarcas, entrevista. Revista do CEAS, Salvador-Ba, n.153,set/out, 1994.MAGALHES, J uracy. Minhas memrias provisrias. Rio de

    J aneiro: Ed. Civilizao brasileira, 1981. (Depoimentoprestado ao CPDOC).

    MATTOSO, K.de Queiroz.A Bahia no sc. XIX/ uma Provncia no Imprio. Rio de Janeiro:Ed. Nova

    Fronteira, 1992.SAMPAIO, Consuelo Novais.Os partidos polticos na Bahia na Primeira Repblica. Salvador: Centro edit.

    e didtico. UFBa.TAVARES, Luis Henrique Dias. Histria da Bahia. 2. ed.So Paulo: tica. 1981.

    VIANA FILHO, Lus. ANSIO TEIXEIRA. Rio de J aneiro: NovaFronteira, 1990.

    OLIVEIRA, Francisco de.O elo perdido/classe e identidade de classe.So Paulo: Brasiliense,1987.SILVA, Paulo Santos.A volta do jogo democrtico/Bahia

    1945.Salvador: Assemblia Legislativa da Bahia,1992.

  • 7/28/2019 Historia Politica Da Bahia

    30/30

    Ideao, Feira de Santana, n.4, p.49-78, jul./dez. 1999

    78 Israel de Oliveira Pinheiro