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- História da Arte II - - 1 - História Geral da Arte II Apontamentos de: António Guedes E-mail: [email protected] Data: 13-11-2006 Livro: Nota:

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História Geral da Arte II Apontamentos de: António Guedes E-mail: [email protected] Data: 13-11-2006 Livro: Nota:

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TERCEIRA

PARTE

O RENASCIMENTO

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1 A PINTURA, ESCULTURA

E AS ARTES GRÁFICAS DO “GÓTICO FINAL”

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O RENASCIMENTO

PERANTE O GÓTICO FINAL

Sabemos que a consciência de um Renascimento teve origem italiana e não há dúvida que a Itália desempenhou um papel directivo no desenvolvimento da arte renascentista, pelo menos até começos do século XVI.

Pelo que toca à escultura e à arquitectura, o Renascimento começou pouco depois de 1400. Quanto à pintura, porém, a nova era principiou com Giotto que (nas palavras de Boccaccio, de 1350) trouxe à luz esta arte que estivera sepultada por muitos séculos. Não podemos desprezar um testemunho destes; todavia hesitamos em aceitá-lo sem reservas, porque deveríamos então admitir que o Renascimento alvoreceu no campo da pintura em 1300, uma geração antes de Petrarca.

BOCCACCIO. É preciso compreender que este, ardente discípulo de Petrarca, se interessava sobretudo pelo progresso do humanismo na literatura. Na sua defesa da poesia, achou útil estabelecer analogias com a pintura e atribuir a Giotto o papel de “Petrarca da pintura”. A opinião de Boccaccio, ao considerar Giotto como um artista do Renascimento, é um acto de estratégia intelectual. Contudo, a sua opinião tem interesse porque foi o primeiro a aplicar o conceito petrarquiano de “renascimento depois da idade das trevas” a uma das artes plásticas. Assim dá a subentender que o ressurgimento da Antiguidade representa para os pintores um realismo sem compromissos. E isso iria ser um tema constante do pensamento renascentista.

A Pintura Flamenga

Para ir além do realismo da pintura gótica tornou-se necessária uma segunda revolução, que começou simultânea e independentemente em Florença e nos Países Baixos, em 1420. A revolução florentina foi a mais sistemática e a de carácter fundamental, pois abarcou a escultura e a arquitectura, além da pintura: é designada por Proto-Renascimento, termo que não se aplica geralmente ao novo estilo que surgiu na Flandres.

O GÓTICO FINAL, A denominação de Gótico Final, não corresponde ao carácter próprio desta pintura flamenga do século XV. Indica que os pioneiros desta nova arte, bem ao contrário dos seus contemporâneos da Itália, não puseram à margem o Estilo Internacional, antes o utilizaram como ponto de partida, de modo que a ruptura com o passado foi menos brusca no Norte que no Sul. A expressão “Tardo-Gótico” também nos faz lembrar que, fora da Itália, a arquitectura do século XV permaneceu firmemente enraízada na tradição gótica.

O ambiente artístico em que viveram foi nitidamente o de um Gótico Final. Os grandes mestres flamengos exerceram uma influência que se alargou muito além da sua pátria. Na Itália foram tão admirados como os maiores artistas locais dessa época, e o seu intenso realismo influi notoriamente na pintura do Proto-Renascimento. Ao invés, a arte

renascentista italiana pouca impressão causou nas regiões ao Norte dos Alpes durante aquele século.

O MESTRE DE FLÊMALLE. A primeira fase da revolução pictural na Flandres está representada pelo Mestre de Flémalle (Robert Campin), o principal pintor de Tournai, cuja carreira podemos seguir desde 1406 até à sua morte, em 1444. Entre as suas melhores obras avulta o Retábulo de Mérode.

Pela primeira vez o contemplador tinha a sensação de estar a ver, através da superfície do painel, um mundo espacial com todas as qualidades essenciais da realidade quotidiana: profundidade ilimitada, estabilidade, continuidade e plenitude. Os pintores do Estilo Internacional nunca tinham aspirado a uma tal coerência: o seu empenho em reproduzir a realidade estava longe de ser absoluto. Os quadros que eles criaram têm a encantadora qualidade de contos de fadas, onde a escala e a relação das coisas podem ser alteradas à vontade, onde o mundo real e as fantasias de imaginação se misturam sem conflito. O Mestre de Flémalle, pelo contrário, resolveu contar a verdade. Com uma determinação quase obsessiva, dá a cada mínimo pormenor a máxima realidade concreta definindo-o em todos os aspectos: forma e tamanho próprios; cor, matéria e textura da superfície e modo peculiar de reflectir a iluminação.

O Retábulo de Mérode leva-nos do mundo aristocrático do Estilo Internacional ao lar de um burguês flamengo. O Mestre de Flémalle não era um pintor da corte, mas um burguês servindo os gostos dos concidadãos abastados como os doadores piedosamente ajoelhados à porta da casa da Virgem. Este é o primeiro painel da Anunciação que tem por cenário um interior doméstico completamente mobilado.

Este audaz abandono da tradição levantou ao artista um problema que ninguém afrontara antes: o de transpor acontecimentos sobrenaturais de um cenário simbólico para um ambiente vulgar sem os fazer parecer triviais ou incongruentes.

Somos levados a pensar que o Retábulo de Mérode e outros quadros semelhantes constituem uma espécie de charada para o contemplador actual, embora este os possa apreciar sem lhes conhecer o conteúdo simbólico. É de crer que fosse o Mestre de Flémalle quem introduziu estes símbolos nas artes plásticas, mas apesar da sua grande influência pouquíssimos artistas os adoptaram.

O Mestre de Flémalle ou era um homem de invulgar cultura ou estava em contacto com teólogos e outros eruditos que podiam informá-lo acerca da significação simbólica dos objectos. O artista não se limitou a continuar a tradição simbólica da arte medieval, dentro do contexto do novo estilo realista, mas enriqueceu-a e alargou-a.

Nos painéis de Mérode, até os pormenores ínfimos são reproduzidos com a mesma aplicação que as figuras sagradas. A pintura do Mestre de Flémalle distingue-se de todas as outras pelo colorido peculiar.

AS TÉCNICAS DA TÊMPERA E DO ÓLEO. Na idade Média, a técnica da pintura em madeira tinha sido fundamentalmente a têmpera, na qual os pigmentos

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finamente moídos eram diluídos (temperados) em água, a que se adicionava uma substância aglutinante, gema de ovo, etc. Obtinha-se uma camada de pintura fina que endurecia depressa e podia ser retocada a seco, satisfazendo admiravelmente o gosto medieval pelas superfícies de cores lisas e tons vivos. Contudo, não era possível realizar uma fusão ou transição suave das cores; além disso os escuros tendiam a ganhar um aspecto baço e a confundir-se. O Mestre de Flémalle dominou estes sérios inconvenientes, empregando o óleo como diluente, em vez da mistura de água e gema de ovo. Foram o Mestre de Flémalle e os seus contemporâneos que descobriram as possibilidades artísticas do óleo. Substância viscosa e lenta a secar, permitia obter uma larga variedade de efeitos. Sem o óleo, a conquista da realidade visível pelos mestres flamengos ficaria assaz limitada. Sob o aspecto técnico, também merecem ser chamados os pais da pintura moderna, porque desde então o óleo seria o meio basilar da pintura.

JAN (E HUBERT) VAN EYCK. O Mestre de Flémalle não foi tão longe como Jan van Eyck, um artista de menos idade e maior fama, a quem se atribuiu durante longo tempo a invenção da pintura a óleo propriamente dita. Foi, ao mesmo tempo, um pintor burguês e um pintor da corte. Podemos seguir a sua obra desde 1432, através de numerosos quadros assinados e datados. A legenda do Retábulo de Gand – ou Retábulo do Cordeiro Místico – diz-nos que ele terminara nesse ano o trabalho começado pelo seu irmão mais velho, Hubert, que morreu em 1426.

A evolução anterior de Jan é ainda discutida: há vários quadros “eyckianos”, manifestamente anteriores ao Retábulo do Cordeiro Místico e que podem ter sido pintados por qualquer dos irmãos. Os mais impressionantes são os painéis do Calvário e do Juízo Final. Os eruditos estão de acordo em situa-los entre 1420 e 1425, quer o autor fosse um ou outro dos irmãos.

O estilo dos dois painéis tem muitas qualidades comuns ao Retábulo de Mérode: o fundo interesse pelo mundo visível, a profundidade espacial ilimitada, as pregas angulosas dos panejamentos. Ao mesmo tempo as formas individuais parecem menos isoladas, menos esculturais; o vigoroso sentido do espaço deve-se às subtis gradações de luz e de cor. Uma análise atenta do painel do Calvário, desde as figuras do primeiro plano até à distante Jerusalém, e aos cumes nevados do fundo, mostra-nos um decrescimento gradual na intensidade das cores locais e no contraste do claro-escuro.

Este fenómeno óptico que os Van Eyck foram os primeiros a utilizar plena e sistematicamente é o da perspectiva atmosférica devida à limitada transparência da atmosfera. A perspectiva atmosférica é fundamental para a percepção da profundidade do espaço. Não há dúvida que utilizaram o óleo com extraordinário requinte. Alternando as camadas opacas e translúcidas de tinta conseguiram uma tonalidade de brilho suave e ardente que nunca foi igualada.

Em conjunto, o Calvário parece singularmente desprovido de dramatismo, como se uma doce serenidade o envolvesse magicamente. Só quando nos concentramos nos pormenores, notamos as violentas emoções reflectidas nos rostos da gente apinhada sob a cruz e na dor, contida mas

profundamente impressionante, da Virgem Maria e dos seus companheiros. No painel do Juízo Final, este duplo aspecto do estilo “eyckiano” revela-se nos dois extremos: acima do horizonte, tudo é ordem, simetria e calma, enquanto abaixo dele – na terra e no reino subterrâneo de Satanás – prevalece a condição oposta. As duas situações correspondem assim ao Céu e ao Inferno.

O Retábulo do Cordeiro Místico, o monumento supremo da pintura flamenga primitiva, suscita problemas complexos. A obra, iniciada por Hubert, fora acabada por Jan em 1432. Como o primeiro falecera em 1426, o retábulo foi provavelmente executado entre 1425 e 1432. Embora tenha essencialmente a configuração de um trípico, cada um dos três elementos é composto por quatro painéis separados. Reconstruir esta sequência de acontecimentos e determinar a parte respectiva de cada irmão é um jogo fascinante mas eriçado de incertezas.

Apenas as duas tábuas, longas e estreitas, com as figuras de Adão e Eva se poderiam atribuir a Jan. São decerto as mais audaciosas do conjunto e os primeiros nus monumentais da pintura setentrional em madeira.

Os retratos dos doadores, de esplêndida individualidade, têm um lugar importante em qualquer dos retábulos. Só com o Mestre de Flémalle, o primeiro artista desde a Antiguidade capaz de reproduzir um rosto humano em primeiro plano e a três quartos, começou o retrato a desempenhar um papel preponderante na pintura setentrional.

Além dos retratos dos doadores, aparecem agora outros, independentes e mais pequenos, cujo carácter de intimidade faz supor que fossem estimadas lembranças, imagem presente da pessoa ausente. Um dos mais fascinantes é o Homem do Turbante Vermelho, de Jan van Eyck, pintado em 1433, que pode muito bem ser um auto-retrato.

As cidades flamengas onde floresceu o novo estilo de pintura – Tournai, Gand, Bruges – rivalizavam com as da Itália como centros da banca e do comércio internacionais. Entre os seus residentes estrangeiros contavam-se muitos negociantes italianos. Para um deles, Jan van Eyck executou uma das maiores obras-primas dessa época, o Retrato de Casamento. O jovem casal foi representado no momento de fazer a troca solene dos votos matrimoniais, na intimidade da câmara nupcial.

ROGIER VAN DER WEYDEN. Rogier van der Weyden (1400-1464), o terceiro grande mestre da pintura flamenga deste período, dedicou-se a uma tarefa importante: reencontrar, dentro do quadro do novo estilo criado pelos seus antecessores, o drama emocional do Gótico. Sentimo-lo imediatamente na mais antiga das suas obras-primas, A Descida (1435). Aqui o modelado é de uma precisão escultural. Os acontecimentos exteriores (neste caso o desprendimento do corpo de Cristo) importam-lhe menos que o mundo dos sentimentos humanos.

Nada espanta que a arte de Rogier, que foi definida como sendo ao mesmo tempo, fisicamente mais nua e espiritualmente mais rica que a de Jan van Eyck, tenha servido de exemplo a tantos artistas. Quando morreu, em 1464, a sua influência já era decisiva na pintura europeia ao

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Norte dos Alpes. Tal foi a autoridade de um estilo cujos ecos se fizeram sentir em quase toda a Europa, com excepção da Itália, até ao fim do século XV.

O que é verdade nas obras religiosas de Rogier também se aplica aos seus retratos. O de Francesco d’Este, um nobre italiano residente na corte de Borgonha, talvez nos pareça menos vivo que os de Jan van Eyck. Em vez de buscar a serenidade psicologicamente neutra dos retratos de Jan, Rogier interpreta a personalidade humana, suprimindo alguns traços e acentuando outros. Por consequência, diz-nos mais da vida íntima e menos da aparência exterior.

HUGO VAN DER GOES. Entre os pintores seguintes, raros escaparam à sombra do grande mestre. O mais dinâmico de todos eles foi Hugo van der Goes (1440-1482), um génio infeliz cujo trágico fim nos evoca uma personalidade instável.

A sua obra mais ambiciosa, o imenso retábulo que terminou em 1476 é uma realização impressionante. Nos volantes, por exemplo, os membros ajoelhados da família Portinari parecem anões, ao pé dos santos patronos, cuja estatura gigantesca os caracteriza como seres de ordem superior. Esta variação de escala, embora seja clara a sua intenção simbólica e expressiva, afasta-se da lógica de experiência quotidiana.

GEERTGEN TOT SINT JANS. Durante o último quartel do século XV não houve na Flandres pintores comparáveis a Hugo van der Goes e os artistas mais originais apareceram mais ao Norte, na Holanda. A um deles, Geertgen Tot Sint Jans, de Haarlem, que morreu em 1495, devemos o encantador Nascimento. A ideia de um Nascimento nocturno, iluminado apenas pelo clarão que irradia do Menino, remonta ao Estilo Internacional, mas Geertgen Tot Sint Jans, aplicando as descobertas picturais de Jan van Eyck, deu nova e intensa realidade ao tema.

BOSCH. Hieronymus Bosch, solicita o nosso interesse pelo mundo dos sonhos. A sua obra, plena de imagens fantásticas e aparentemente irracionais, mostrou-se tão difícil de interpretar que grande parte dela se mantém indecifrável.

Podemos constatá-lo se analisarmos o trípico conhecido por Jardim das Delícias, a mais rica e a mais enigmática das pinturas de Bosch. Dos três painéis, apenas o da esquerda representa um tema claramente identificável: o Jardim do Paraíso. No postigo da direita, uma cena de pesadelo, com ruínas em chamas e fantásticos instrumentos de tortura, representa com certeza o Inferno.

No painel central vê-se uma paisagem muito parecida à do Paraíso, povoada de uma multidão de homens e mulheres nuas, em variadíssimas atitudes. Raros se entregam abertamente a actividades eróticas, mas não há dúvida de que as delícias neste jardim são as do desejo carnal. As aves, frutos, etc., são símbolos ou metáforas que Bosch emprega para descrever a vida na terra como uma interminável repetição do pecado original de Adão e Eva.

Bosch foi um severo moralista que concebia as suas pinturas como sermões visuais em que cada pormenor estava encarregado de significação instrutiva.

A Pintura na França, Suíça e Alemanha

Devemos agora passar os olhos pela arte do século XV no resto da Europa do Norte. Depois de 1430, o novo realismo dos mestres flamengos começou a alastrar pela França e pela Alemanha até que, em meados do século, a sua influência se tornou suprema, desde a Espanha até ao Báltico. Entre os numerosos artistas a quem se devem adaptações locais da pintura flamenga, apenas alguns possuíram talento bastante para se nos imporem pela vincada personalidade.

WITZ. Um dos mais antigos e originais foi Conrad Witz de Basileia (1400-1446), a cujo retábulo para a catedral de Genebra, pintado em 1444, pertence um notável painel. Witz não se limitou, porém, a seguir as pisadas desses grandes percursores: conseguiu traduzir os efeitos ópticos aquáticos como nenhum outro pintor do seu tempo.

FOUQUET. Na França, o pintor Jean Fouquet (1420-1481), logo pouco depois de aprender o ofício teve a rara fortuna de realizar uma longa visita à Itália, em 1445. Daí que a sua obra represente uma combinação única de elementos flamengos e do Proto-Renascimento, sem deixar de permanecer tipicamente setentrional. No painel esquerdo de um díptico, pintado em 1450, em que representou Étienne Chevalier e Santo Estêvão, revela superior mestria como retratista; a influência italiana pode ver-se no estilo da arquitectura e na solidez e no peso estatuários das duas figuras.

A PIETÀ DE AVINHÃO. Um estilo flamengo, influenciado pela arte italiana, caracteriza também a mais famosa de todas as pinturas do século XV, a Pietà de Avinhão. Como o seu título indica, o painel vem do extremo sul de França, executado provavelmente por um artista da região, que deve ter conhecido a arte de Rogier van der Weyden, porque o tipo das figuras e o conteúdo expressivo desta Pietà não podiam derivar de outra fonte. Ao mesmo tempo, o traçado, magnificamente simples e estável, é mais italiano que flamengo.

A Escultura do Gótico Final

Se tivéssemos que definir a arte ao Norte dos Alpes numa só frase, poderíamos chamá-la o primeiro século da pintura de painel, pois esta exerceu tão acentuado domínio no período de 1420 a 1500 que os seus cânones se aplicaram à iluminura, ao vitral e até à escultura. Lembremos que no fim do século XIII a escultura arquitectónica cedera a vez a obras de uma escala mais familiar: imagens de devoção, sepulcros, púlpitos, etc.

O que pôs termo ao Estilo Internacional na escultura da Europa foi a influência do Mestre de Flémalle e de Rogier van der Weyden, evidente nas obras de numerosos escultores, até 1500. Os objectivos da escultura do Gótico Final identificaram-se com os da pintura. O Anjo Voando de um quadro do Mestre de Flémalle, (1420), contém já todos os traços principais de um anjo talhado por um excelente escultor alemão quase cem anos depois.

MICHAEL PACHER. As obras mais características do Gótico Final são os retábulos de altar, por vezes de enorme

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tamanho e de pormenores incrivelmente complicados, peças especialmente apreciadas nos países germânicos. Um dos mais belos é o da Coroação da Virgem, devido ao escultor e pintor tirolês Michael Pacher (1435-1498). As suas formas profusamente douradas e coloridas oferecem um espectáculo deslumbrante, surgindo da profundidade sombria do fundo. As figuras e o cenário parecem fundir-se numa configuração de linhas agitadas e retorcidas onde apenas as cabeças sobressaem com autonomia.

O RENASCIMENTO

PERANTE O GÓTICO FINAL

A Tipografia

Neste ponto, devemos tomar nota de um outro facto importante ao Norte dos Alpes: o desenvolvimento das técnicas de impressão, tanto de imagens como de livros. A nova técnica espalhou-se por toda a Europa e converteu-se numa indústria do mais profundo alcance na civilização ocidental. As imagens impressas tiveram quase a mesma importância: sem elas, o livro impresso não poderia substituir a obra do copista e do iluminador medievais tão rápida e completamente.

A IMPRENSA E O OCIDENTE: O papel e o processo de imprimir com blocos de madeira foram conhecidos no Ocidente durante a Baixa Idade Média, mas o papel, como sucedâneo barato do pergaminho, foi ganhando terreno muito devagar, enquanto a impressão só era empregada na estampagem de padrões ornamentais em tecidos. Espantoso foi o desenvolvimento desde 1400 de uma técnica de impressão superior à do Extremo Oriente e de uma importância cultural imensamente maior. Técnica que se manteve desde 1500 até à Revolução Industrial sem modificações essenciais.

A Gravura em Madeira

A ideia de imprimir ilustrações em papel, mediante pranchas de madeira gravadas, parece ter surgido na Europa setentrional já no fim do século XIV. Muitos dos exemplos mais antigos destes desenhos impressos – chamados

gravuras em madeira ou xilografias – são alemães, outros flamengos e alguns franceses; todos apresentam as características do Estilo Internacional. É provável que os desenhos fossem devidos a pintores ou escultores, mas as pranchas de madeira eram talhadas pelos artífices especializados. Por consequência, as primeiras gravuras de madeira, como a Santa Doroteia, têm um traçado plano e ornamental; as formas são definidas por linhas simples e grossas, com pouca preocupação pelos efeitos tridimensionais. Como as formas contornadas deviam ser coloridas, essas estampas lembram muitas vezes os vitrais.

As gravuras em madeira do século XV foram trabalhos da arte popular, de um nível que não atraía mestres de grande talento até 1500. Uma só prancha fornecia milhares de cópias, vendidas por alguns centavos cada, o que, pela primeira vez na nossa história, punha ao alcance de toda a gente a posse de imagens.

A Gravura

Quem teve a ideia de fazer tipos metálicos buscou certamente a colaboração de algum ourives para resolver os problemas técnicos do fabrico. As pranchas de metal são gravadas com um instrumento de aço. A técnica de embelezar superfícies de metal com imagens gravadas já era conhecida na Antiguidade e continuo a ser praticada durante a Idade Média. Assim, nem foi preciso inventar qualquer processo novo para gravar as placas que serviam de matrizes na impressão em papel. Depois de dar tinta nos traços abertos na placa, limpava-se a superfície desta, colocava-se-lhe em cima uma folha de papel humedecido e metia-se na prensa.

A ideia de gravar em cobre nasceu aparentemente do desejo de se encontrar um processo mais requintado e flexível que o da xilogravura (numa prancha de madeira, as linhas são protuberantes: quanto mais finas, mais difíceis de talhar). As gravuras em metal logo gozaram do favor de um público escolhido e de maior requinte. As primeiras que conhecemos datam de 1430, e revelam já a influência dos grandes pintores flamengos. Quase logo de início circulam estampas datadas e assinadas. Por isso conhecemos os nomes da maioria dos gravadores importantes do último terço do século XV. Especialmente na região do Alto Reno há uma tradição contínua de bons gravadores.

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2 O PROTO-RENASCIMENTO

EM ITÁLIA

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Por volta de 1400, o Estado florentino enfrentava uma séria ameaça à sua independência. O poderoso duque de Milão tentava dominar toda a Itália e já tinha subjugado a maior parte das cidades-estados da zona central. Florença constituía o único obstáculo sério à sua ambição: a cidade opôs-lhe uma rigorosa e bem sucedida resistência em três frentes, militar, diplomática e intelectual. Florença conseguiu ter por si a opinião pública, ao proclamar-se defensora da liberdade contra a tirania.

Esta guerra de propaganda era chefiada, de ambos os lados, por humanistas, mas os florentinos deram melhor conta de si. Os seus escritos, tais como o “Louvor da cidade de Florença” (1402), de Leonardo Bruni, vieram pôr de novo em foco o ideal petrarquiano dum renascimento dos Clássicos.

O orgulho patriótico e o apelo à grandeza implícitos nesta imagem de Florença como a Nova Atenas devem ter despertado um profundo entusiasmo na cidade, porque os Florentinos lançaram-se numa ambiciosa campanha para levar a termo os grandes empreendimentos artísticos começados um século antes, na época de Giotto. Um extenso programa de decoração escultórica foi prosseguido em diversas igrejas, enquanto se dava andamento aos planos para a construção da cúpula da Catedral, o maior e mais difícil de todos os projectos.

Desde logo, as artes plásticas foram tidas por essenciais para o ressurgimento da alma florentina. Não foi por acaso que a primeira declaração explícita a reclamar para elas a honra de serem incluídas entre as artes liberais se deveu a um cronista florentino, em 1400. Um século mais tarde, já esta promoção dos artistas se tornara corrente em toda a Europa Ocidental. Que importância tinha esta valorização social? Desde Platão, as artes liberais compreendiam tradicionalmente as disciplinas julgadas necessárias à educação do homem culto, como a Matemática (incluindo a Teoria da Música), a Dialéctica, a Gramática, a Retórica e a Filosofia: as Belas-Artes ficavam excluídas do grupo porque eram trabalho manual, a que faltava uma base teórica. Em breve, tudo o que saísse das mãos de um grande mestre seria avidamente coleccionado.

FLORENÇA: 1400-1450

A Escultura

A primeira metade do século XV (o Quattrocento) foi a idade heróica do Proto-Renascimento. A campanha artística a que dera início o concurso para as portas do Baptistério ficou limitada por algum tempo, aos projectos escultóricos. O baixo-relevo apresentado por Ghiberti não se afasta significativamente do Gótico Internacional, e o mesmo sucede com as portas do Baptistério.

NANNI DI BANCO. Uma dezena de anos após o concurso, este classicismo medieval e limitado foi transposto por um artista mais novo, Nanni di Banco (1384-1421). Os quatro santos, chamados os Quattro Coronati que ele executou em

1410-14 devem ser comparados à Visitação de Reims. As figuras de ambos os grupos são quase de tamanho natural, mas as de Nanni parecem maiores que as de Reims; pela massa e pela monumentalidade revelam-se fora do alcance da escultura medieval. Apenas o segundo e o terceiro Coronati fazem lembrar obras características da escultura romana.

Morreu em 1421, deixando quase acabado o enorme relevo da Assunção da Virgem que encima o segundo portal Norte da Catedral de Florença. O estilo desta figura está tão longe do classicismo dos Coronati como do Gótico Internacional. Antes faz lembrar os anjos alados do Gótico Final, como os do Mestre de Flémalle. Ambos tinham descoberto como representar, de maneira convincente, figuras em voo: envolvendo-as em roupagens leves e soltas, cujo desenho e formas demonstram a força sustentadora do vento. O anjo de Nanni preenche as roupagens com o seu vigoroso movimento. Esta figura parece impelir-se a si própria, enquanto o seu equivalente setentrional, imóvel, apenas fica pairando no espaço.

O PRIMEIRO PERÍODO DE DONATELLO. Se compararmos os dois anjos, notamos que a arte do Proto-Renascimento, em contraste com o Gótico-Final, procura encarar o corpo humano de um modo semelhante ao da Antiguidade Clássica. O homem que mais contribuiu para reafirmar esta atitude foi Donatello, o maior escultor do seu tempo. Nascido em 1386, foi, entre os fundadores do novo estilo, o único que ultrapassou os meados do século XV. Juntamente com Nanni, Donatello passou a primeira parte da sua carreira trabalhando em encomendas para a Catedral e para Or San Michele.

São Marcos de Donatello é a primeira estátua, desde a Antiguidade, que consegue captar de novo o pleno significado do contraposto clássico. Nesta obra que marca verdadeiramente uma época, o jovem Donatello dominou o que constitui a realização principal da escultura antiga.

Poucos anos mais tarde (1415-17), Donatello esculpiu outra estátua para Or San Michele, o famoso S. Jorge. É o Soldado Cristão, tal como o viu o Proto-Renascimento.

Donatello produziu aqui outra obra revolucionária, ao criar um novo tipo de baixo-relevo pouco saliente (daí ser chamado schiacciato, “achatado”), mas que dá uma ilusão de infinita profundidade pictórica. A impressionante paisagem, atrás das figuras, compõe-se inteiramente de brandas modulações da superfície do mármore onde a luz é captada sob muitos ângulos diferentes.

No campanário da Catedral de Florença, construído de 1334 a 1357, erguia-se uma fila de altos nichos góticos destinados a albergar estátuas. Só metade estavam preenchidos quando, entre 1416 e 1435, Donatello executou cinco estátuas para os outros. A obra mais notável desta série é a imagem do profeta não identificado que recebeu a alcunha de Zuccone, e que goza de fama especial como exemplo marcante do realismo do Mestre.

PERSPECTIVA: DONATELLO E GHIBERTI. Donatello aprendera a técnica de esculpir em bronze quando, ainda jovem, trabalhara sob a direcção de Ghiberti nas portas do

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Baptistério. Mas em 1420 já rivalizava nessa arte com o antigo mestre.

Embora os métodos empíricos também pudessem dar resultados impressionantes, a perspectiva matemática tornou possível a representação de um espaço tridimensional numa superfície plana.

Donatello executava o Festim de Herodes quando Ghiberti foi encarregado de fazer outras duas portas de bronze para o Baptistério de Florença. Estas mostram bem como o artista, sob a influência de Donatello e dos outros pioneiros do novo estilo, se converteu às concepções do Proto-Renascimento.

O NU CLÁSSICO: JACOPO DELLA QUERCIA E DONATELLO. Fora de Florença, o único grande escultor deste período foi Jacopo della Quercia, de Siena (1374-1438). Como Ghiberti, também mudou de estilo, do Gótico para o Proto-Renascimento, a meio da sua carreira, em especial por influência de Donatello. Não teve qualquer influência na arte florentina até ao final do século, altura em que fascinou o jovem Miguel Ângelo, cuja admiração foi suscitada pelas cenas do Génesis que enquadravam a porta principal da igreja de S. Petrónio em Bolonha, entre elas a Criação de Adão.

O estilo destes relevos é conservador mas as figuras são arrojadas e profundamente impressionantes. Aqui, o corpo nu exprime outra vez a dignidade e o poder do homem, como na Antiguidade Clássica.

Vale a pena compará-lo à obra que muito provavelmente o inspirou, um Adão no Paraíso, de um díptico de marfim, dos primeiros séculos do Cristianismo. E foi nesta condição ressequida que o nu clássico entrou na tradição medieval. Sempre que nos aparece o corpo despido entre 800 e 1400, podemos ter a certeza de que ele deriva, directa ou indirectamente, de uma fonte clássica. Para a mentalidade medieval, a beleza física dos ídolos antigos, em especial a das estátuas nuas, incarnava a atracção insidiosa do paganismo que era preciso evitar.

O século XV redescobriu a beleza sensual do corpo nu, mas por duas vias diferentes. O Adão e Eva de Jan van Eyck ou os nus de Bosch não têm precedentes quer na arte antiga, quer na medieval. Na verdade, não estão nus mas despidos – são pessoas que normalmente andam vestidas e que por quaisquer razões aparecem despojadas das suas roupas. Por outro lado, o Adão de Jacopo della Quercia está claramente nu, no pleno sentido clássico, tal como o David de Donatello, uma realização ainda mais revolucionária da escultura proto-renascentista – a primeira estátua nua de tamanho natural, desde a Antiguidade, dotada de verdadeira autonomia. A Idade Média não vacilaria em condená-la como um ídolo, e os contemporâneos de Donatello também não deviam ter-se sentido à vontade diante dela. Durante muitos anos, foi única no seu género.

Assim, a estátua deve ser entendida como um monumento público cívico-patriótico, que identifica David com Florença, e Golias com Milão.

DONATELLO: PÁDUA E DEPOIS. Donatello foi chamado a Pádua em 1443 para fazer o monumento

equestre de Gattamelata, comandante dos exércitos venezianos, que morrera havia pouco.

Quando Donatello voltou a Florença, depois de dez anos de ausência, deve ter-se sentido como um estranho. O clima, político e espiritual tinha mudado, o gosto dos artistas e do público também. As suas obras seguintes, entre 1453 e 1466, não se integram na tendência predominante. O individualismo extremo do seu último estilo confirma a reputação de Donatello como o primeiro génio solitário entre os artistas renascentistas.

A Arquitectura

BRUNELLESCHI. Donatello não criou sozinho o estilo escultórico do Proto-Renascimento. Pelo contrário, a nova arquitectura ficou a dever a sua existência a um só homem, Filippo Brunelleschi (1377-1446), que começou a sua carreira como escultor. Esteve em Roma com Donatello. Aí estudou monumentos da arquitectura antiga e parece que foi o primeiro a medi-los com rigor. Em 1417-19 encontramo-lo de novo a competir com Ghiberti, desta vez para a construção da cúpula da Catedral.

A grande realização de Brunelleschi foi ter construído a cúpula em dois grandes cascos separados (um dentro do outro), engenhosamente ligados de forma a reforçarem-se mutuamente.

San Lorenzo. Em 1419, quando estava a trabalhar nos planos finais para a cúpula, Brunelleschi teve a primeira oportunidade de criar edifícios integralmente concebidos por ele, graças ao chefe da família Médici, um dos principais mercadores e banqueiros de Florença, que lhe encomendou uma sacristia nova para a Igreja românica de San Lorenzo. Os planos que traçou impressionaram de tal maneira o seu cliente que este lhe pediu um projecto para refazer a igreja toda.

À primeira vista, a planta chega a parecer pouco original. A originalidade reside na acentuação da simetria e da regularidade. O traçado é inteiramente composto de unidades quadradas.

Brunelleschi concebeu San Lorenzo como um agrupamento de blocos espaciais abstractos, sendo os maiores simples múltiplos da unidade padrão. Compreendido isto, já faremos uma ideia de quanto ele foi revolucionário, pois tais compartimentos claramente definidos e separados representam um afastamento total relativamente às concepções dos arquitectos do Gótico.

O interior confirma a nossa expectativa. Uma ordem fria e estática substituiu agora o calor emocional e o contínuo movimento espacial dos interiores das igrejas góticas.

Proporções Arquitecturais. Brunelleschi estava convencido de que o segredo da boa arquitectura residia em dar as proporções exactas a todas as medidas principais de um edifício. Acreditava que os Antigos conheciam este segredo e tentou redescobri-lo.

Podemos dizer que a razão principal que nos impõe San Lorenzo como produto de um espírito superior único é o

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sentido das proporções de Brunelleschi, afirmado em cada pormenor.

No ressurgimento das formas clássicas, a arquitectura do Renascimento encontrou um vocabulário padrão. A teoria das proporções harmónicas deu-lhe uma espécie de sintaxe, quase sempre ausente da arquitectura medieval. O ressurgimento das formas e proporções clássicas deu azo a que Brunelleschi transformasse o vernáculo arquitectónico da sua região num sistema estável, preciso e articulado. A nova racionalidade das suas concepções difundiu-se logo pela Itália e a pouco e pouco por todo o Norte da Europa.

A Capela dos Pazzi. Entre os edifícios de Brunelleschi que perduraram, nem uma única fachada conserva o seu traçado original, sem alterações posteriores de outras mãos. A própria fachada da capela dos Pazzi já não pode ser considerada uma excepção. A capela foi começada em 1430, mas Brunelleschi (que morreu em 1446) não pode ter planeado a fachada actual, que data de 1460. Não obstante, é uma criação assaz original, em tudo diferente de qualquer frontaria de Idade Média.

S. Spirito e Sta. Maria degli Angeli. Ao principiar a década de 1430, quando a cúpula da Catedral estava quase pronta, a evolução de Brunelleschi como arquitecto entrou em nova e decisiva fase. O traçado da igreja de S. Spirito pode ser tido por uma versão aperfeiçoada de San Lorenzo: os quatro braços do cruzeiro são iguais, a nave principal distingue-se das colaterais apenas pelo seu maior comprimento e toda a estrutura parece envolvida pela sequência ininterrupta de naves e capelas. Estas constituem o traço mais surpreendente de S. Spirito.

Na Igreja de Sta. Maria degli Angeli, a que Brunelleschi deu início quase na mesma data da obra de S. Spirito, esta nova tendência atinge o ponto culminante: uma igreja de cúpula e planta centradas – a primeira do Renascimento – inspirada nas estruturas circulares e poligonais dos tempos romanos e do primeiro período do Cristianismo.

MICHELOZZO. O maciço estilo de Sta. Maria degli Angeli permite explicar a grande desilusão dos últimos anos de Brunelleschi, quando o projecto para o palácio dos seus patronos, os Medici, foi rejeitado. Esta família ascendera a tal poderio que desde 1420 lhe pertencia o governo de Florença. Por esse motivo era de boa prudência evitar qualquer ostentação que, por excessiva, caísse mal na opinião pública. Se o projecto de Brunelleschi seguisse o estilo de Sta. Maria degli Angeli, ficaria provavelmente com tal magnificência, inspirada na arte imperial romana, que os Medici não poderiam arriscar-se a um empreendimento tão grandioso. A encomenda foi dada a um arquitecto mais novo e menos notável, Michelozzo (1396-1472). O traçado recorda os velhos palácios-fortalezas florentinos, com modificações que seguem os princípios de Brunelleschi.

A Pintura

MASACCIO. A pintura do Proto-Renascimento apenas se manifestou a partir de 1420. Este novo estilo foi lançado por um jovem génio chamado Masaccio, que tinha então

apenas vinte e um anos (nasceu em 1401) e que morreu aos vinte sete.

A mais antiga das suas obras que pode ser datada com certa segurança é um fresco de 1425 em Sta. Maria Novella, representando a Santíssima Trindade com Nossa Senhora e S. João Evangelista com os donatários. O mundo de Masaccio é um reino de grandeza monumental e não a realidade concreta de cada dia do Mestre de Flémalle. O que o fresco da Trindade traz à mente não é o estilo do passado imediato, mas a arte de Giotto, no sentido de grande escala, na severidade da composição, no volume escultural. Para Giotto, o corpo e as roupagens formam um todo único, como se fossem ambos da mesma substância; as figuras de Masaccio, como as de Donatello, são “nus vestidos”, pois as roupas pendem como verdadeiro tecido. O cenário, igualmente moderno, revela um perfeito domínio da nova arquitectura de Brunelleschi e da perspectiva científica.

O maior conjunto de obras de Masaccio que chegou até nós é constituído pelos frescos da Capela Brancacci em Sta. Maria del Carmine. O Pagamento do Tributo é o mais famoso dentre eles. Ilustra, pelo velho método conhecido como narrativa contínua, a história do Evangelho Segundo S. Mateus. Masaccio utiliza aqui os mesmos processos empregados pelo Mestre de Flémalle e pelos van Eyck – regula o afluxo da luz e usa a perspectiva atmosférica nos tons subtilmente cambiantes da paisagem.

As figuras em O Pagamento do Tributo patenteiam, ainda mais do que as do fresco da Trindade, a capacidade de Masaccio para combinar o peso e o volume das figuras de Giotto com a nova visão funcional do corpo e das roupagens. A narrativa é-nos transmitida mais pelos olhares intensos do que pelo movimento físico. Mas num outro fresco da Capela Brancacci, A Expulsão do Paraíso, Masaccio prova decisivamente a sua capacidade de representar o corpo humano em movimento.

Embora possuísse um temperamento de pintor mural, Masaccio era igualmente versado na pintura de painel. O seu grande políptico, feito em 1426 para a Igreja das Carmelitas de Pisa, veio a dispersar-se por várias colecções.

Não constitui surpresa, depois do fresco da Trindade, que Masaccio substitua o trono gótico ornamentado mas frágil de Giotto por um sólido e austero assento de pedra, no estilo de Brunelleschi.

FRA FILIPPO LIPPI. A morte prematura de Masaccio deixou um vazio que não foi preenchido durante bastante tempo. Entre os seus contemporâneos mais jovens, apenas Fra Filippo Lippi (1406-69) parece ter tido um contacto mais chegado com ele. O primeiro trabalho datado de Fra Filippo, a Nossa Senhora no Trono de 1437, evoca, em vários aspectos importantes, a Virgem de Masaccio – a luz, o trono pesado, as maciças figuras tridimensionais, as pregas tombantes do manto. Mas faltam-lhe a monumentalidade e a austeridade de Masaccio.

Temos de salientar um aspecto novo desta Virgem: o interesse do pintor pelo movimento, evidente nas figuras e no drapeado do manto. Estes efeitos já se encontravam nos baixos-relevos de Donatello e de Ghiberti. Não é de

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estranhar que estes dois artistas tenham exercido uma influência tão forte na pintura florentina na década a seguir à morte de Masaccio. A idade, a experiência e o prestígio deram-lhes uma autoridade que nenhum outro pintor florentino de então conseguiu igualar.

FRA ANGELICO. Se Fra Filippo dependeu mais de Donatello que de Ghiberti, sucedeu o contrário ao seu contemporâneo, um pouco mais velho, Fra Angelico (1400-1455). Quando o Mosteiro de São Marcos em Florença foi reconstruído (1437-1452), Fra Angelico embelezou-o com numerosos frescos. À grande Anunciação deste ciclo tem sido atribuída a data de 1440. Fra Angelico conserva aqueles aspectos de Masaccio – a sua dignidade, franqueza e ordem espacial – que Fra Filippo tinha rejeitado. Mas as suas figuras jamais alcançaram a segurança física e psicológica que caracterizava a imagem do homem no Proto- Renascimento.

DOMENICO VENEZIANO. Em 1439, instalou-se em Florença um talentoso pintor de Veneza, Domenico Veneziano. Deve ter simpatizado com o espírito da arte proto-renascentista, porque cedo se tornou um Florentino de adopção e um mestre de grande importância na sua nova pátria. A Virgem com o Menino e Santos, é um dos primeiros exemplos de um novo tipo de painel de altar que veio a ser popularíssimo a partir dos meados do século – a chamada Sacra Conversazione (“Conversa Sagrada”). O esquema inclui uma Virgem no Trono, enquadrada por elementos arquitectónicos e ladeada por santos que parecem conversar com ela, com o contemplador ou entre si. A Sacra Conversazione é notável tanto pelo esquema de cores como pela composição.

PIERO DELLA FRANCESCA. Quando Domenico Veneziano se estabeleceu em Florença teve como ajudante um rapaz do Sudoeste da Toscana, chamado Piero della Francesca (1420-1492), depois o seu discípulo mais importante e um dos artistas verdadeiramente grandes do Proto-Renascimento. O estilo de Piero reflectia, ainda mais fortemente que o de Domenico, os objectivos de Masaccio. Durante uma longa carreira manteve-se na mesma senda do fundador da pintura do Renascimento italiano, enquanto o gosto florentino evoluía, após 1450, num sentido diferente.

A obra mais importante de Piero é o ciclo de frescos na capela-mor da igreja de S. Francisco, em Arezzo, que ele pintou entre 1452 e 1459. Os numerosos episódios representam a Lenda da Vera Cruz (a origem e história da cruz em que Cristo foi pregado).

Os laços de Piero com Domenico Veneziano estão bem patentes nas cores que usa. A tonalidade deste fresco, embora menos luminosa que na Sacra Conversazione, é igualmente dourada, evocando, de forma muito semelhante, a luz do Sol pela manhã. Mas as figuras de Piero têm uma grandeza austera que faz recordar Masaccio ou até Giotto, mais que Domenico.

UCELLO. Na Florença dos meados do século XV havia apenas um pintor que partilhava a devoção de Piero pela perspectiva: Paolo Ucello (1397-1475). A sua Batalha de San Romano, pintada aproximadamente ao mesmo tempo que os frescos de Piero em Arezzo, revela uma extrema preocupação com as formas estereométricas. Nas mãos de

Ucello, a perspectiva produz efeitos estranhamente perturbadores e fantásticos. O que dá unidade à sua pintura não é a construção espacial, mas os efeitos de superfícies, decorativamente reforçados por manchas de cor brilhante e pelo uso abundante do ouro.

Nascido em 1397, Ucello tinha sido formado no estilo gótico da pintura, e só nos anos de 1430 se deixou converter, pela nova ciência da perspectiva, às concepções proto-renascentistas.

CASTAGNO. A terceira dimensão não apresentava qualquer dificuldade para Andrea del Castagno (1423-1457), o mais dotado pintor florentino da geração de Piero della Francesca. Menos subtil mas mais vigoroso que Domenico, Castagno consegue captar um pouco da monumentalidade de Masaccio, na sua Última Ceia, um dos frescos que pintou no refeitório do Convento de Sta. Apollonia. Uns cinco anos depois da Última Ceia, entre 1450 e 1457, Castagno executou o admirável David.

O CENTRO E O NORTE

DA ITÁLIA: 1450-1500

À medida que os fundadores do Proto-Renascimento e seus sucessores imediatos, foram desaparecendo, começou a afirmar-se nos meados do século uma geração mais jovem. Ao mesmo tempo, as sementes lançadas pelos mestres florentinos noutras regiões da Itália começaram a dar fruto. Quando algumas destas regiões, especialmente o Nordeste, produziram versões distintas do novo estilo, a Toscana perdeu a posição privilegiada de que gozara até então.

A Arquitectura

ALBERTI. A morte de Brunelleschi, em 1446, trouxe ao primeiro plano da arquitectura Leone Battista Albert (1404-72), que tal como Brunelleschi só muito tarde começou a exercer a sua actividade como arquitecto. Até perfazer quarenta anos, Alberti parece ter estado interessado nas Belas-Artes unicamente como arqueólogo e teorizador. Estudou os monumentos da antiga Roma, compôs os primeiros tratados do Renascimento sobre escultura e pintura.

O Palácio Rucellai. O projecto para o Palácio Rucellai parece uma crítica de Alberti ao Palácio Medici. Alberti resolveu aqui um problema que se tornou fundamental na arquitectura do Renascimento: como aplicar um sistema clássico de articulação ao exterior duma estrutura não-clássica.

S. Francesco, Rimini. Para o seu primeiro exterior de igreja, Alberti tentou uma alternativa radicalmente diversa. O senhor de Rimini contratou-o em 1450, para transformar a igreja gótica de S. Francesco num Templo da Fama. Alberti revestiu o velho edifício com um invólucro renascentista.

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O sistema clássico de S. Francesco conserva em demasia o seu carácter romano antigo para se adaptar à forma de uma fachada de basílica.

Sto. André, Mântua. Só para o fim da sua carreira, Alberti encontrou a solução adequada. Na majestosa fachada de Sto. André de Mântua, desenhada em 1470, sobrepôs uma frontaria de templo clássico no motivo do arco triunfal, agora com um enorme nicho ao centro. Tão empenhado estava Alberti em sublinhar a coesão interior da fachada que lhe deu largura igual à altura.

A IGREJA DE PLANTA CENTRADA. O Tratado de arquitectura de Alberti explica que a planta das igrejas deveria ser circular, ou de forma derivada do círculo, porque o círculo é a forma mais perfeita e a mais natural, e por isso uma imagem directa da razão divina.

Este argumento assenta na crença de Alberti na validade divina das proporções matematicamente determinadas; mas como podia ele concilia-la com a evidência histórica? Com efeito, a planta típica dos templos antigos e das primitivas igrejas cristãs era longitudinal.

A igreja de Alberti requer um traçado harmonioso como uma revelação divina e que suscite a piedosa contemplação dos fiéis. Erguendo-se isolada, acima do mundo quotidiano que a envolve, deveria ser iluminada por aberturas situadas na parte superior, para que, através dela, apenas se pudesse ver o céu.

Quando Alberti formulou estas ideias no seu Tratado de 1450, apenas poderia ter citado a revolucionária Sta. Maria degli Angeli, de Brunelleschi, como exemplo moderno de uma igreja de planta centrada. Mas, para o fim do século XV, depois de o seu Tratado se tornar largamente conhecido, esta planta ganhou aceitação geral. Enter 1500 e 1525 esteve em voga na arquitectura do Renascimento Pleno.

GIULIANO DA SANGALLO. Santa Maria delle Carceri, em Prato, um dos primeiros e mais distintos exemplos desta tendência, foi começada em 1485. O seu arquitecto, Giuliano da Sangallo (1443-1516), deve ter sido um admirador de Brunelleschi mas a configuração essencial do edifício aproxima-se muito do ideal de Alberti. Exceptuando a cúpula, toda a igreja poderia encaixar-se dentro de um cubo, já que a altura é igual à largura e ao comprimento. Giuliano formou uma cruz grega. Não pode haver dúvidas de que Giuliano a desenhou conforme a velha tradição da Cúpula do Céu. A abertura central ao alto e as doze no perímetro referem-se claramente a Cristo e aos Apóstolos. Brunelleschi já tinha encontrado esta solução na Capela Pazzi, mas a cúpula de Giuliano, a coroar uma estrutura perfeitamente simétrica, transmite de um modo bem mais impressionante o seu valor simbólico.

A Escultura

Donatello trocara Florença por Pádua em 1443. Nenhum jovem escultor foi capaz de preencher a vaga deixada por Donatello. Em resultado da sua ausência subiram ao primeiro plano os outros escultores que permaneciam na cidade.

LUCA DELLA ROBBIA. À parte Ghiberti, o único escultor de nota em Florença depois da partida de Donatello foi Luca della Robbia (1400-82). Ganhara reputação desde os anos de 1430, com os relevos de mármore da Cantoria ou “púlpito dos cantores”, na Catedral.

Até ao fim da sua longa carreira, dedicou-se quase exclusivamente à escultura de terracota – um material mais barato e menos exigente que o mármore – que revestia de vidrados, semelhantes a esmalte, para esconder a superfície do barro e lhe aumentar a resistência. Os seus melhores trabalhos nesta técnica têm o encanto dos painéis da Cantoria. O vidrado branco das figuras e da moldura dá a impressão de mármore, destacado sobre o azul forte do fundo. Mais tarde, a qualidade do modelado deteriorou-se e à simples harmonia de branco e azul sucedeu uma variedade de tons mais vivos. Ao findar o século, a oficina de della Robbia tornara-se numa fábrica, produzindo às dúzias pequenos painéis da Virgem e retábulos de cores berrantes para igrejas de aldeia.

Porque Luca abandonou quase totalmente o trabalho do mármore, houve uma notória falta de bons escultores neste material na Florença em 1440 e anos seguintes. Quando Donatello regressou a carência já fora suprimida por um grupo de artistas, quase todos com pouco mais de vinte anos, oriundos das povoações dos montes de Norte e Leste da cidade.

BERNARDO ROSSELLINO. O mais velho de todos eles, Bernardo Rossellino (1409-64), parece ter começado a carreira como escultor e arquitecto em Arezzo. Estabeleceu-se em Florença em 1436 mas só oito anos mais tarde receberia encomendas de importância, quando lhe confiaram a execução do túmulo de Leonardo Bruni. Este grande humanista e homem de Estado havia desempenhado um papel vital na cidade desde o começo do século. Por sua morte, em 1444, fizeram-lhe um solene funeral à maneira dos Antigos e o seu monumento funerário deve ter sido encomendado pelas autoridades.

O estilo escultórico do túmulo de Bruni não se define com facilidade, porque é composto de partes de qualidade muito variada. De maneira geral, reflecte o classicismo de Ghiberti e de Luca della Robbia. Os ecos de Donatello são poucos e indirectos.

O BUSTO-RETRATO. A grande tradição romana de escultura realista de retratos tinha desaparecido no final da Antiguidade. O seu ressurgimento foi durante muito tempo atribuído a Donatello, mas os primeiros exemplos que conhecemos pertencem aos anos de 1450 e nenhum deles é de Donatello. Parece mais provável que o retrato-busto do Renascimento deva as suas origens aos jovens escultores do círculo de Bernardo Rossellino.

Um belo exemplo foi esculpido em 1456 por António Rossellino (1427-1479). Representa um médico florentino muito considerado, cujo carácter está definido com extraordinária precisão.

POLLAIUOLO. A popularidade dos bustos-retratos, depois de 1450, corresponde a uma procura de obras para colecções particulares. Humanistas e artistas foram os primeiros a juntar estátuas, bustos e baixos-relevos. Não

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tardaria que muitos escultores prestassem atenção a esta voga crescente, e se dedicassem a executar bustos e estatuetas de bronze, à maneira dos Antigos, solicitados pelos amadores.

Uma peça excepcional deste género é da autoria de António Pollaiuolo (1431-98). Representa um estilo escultórico muito diferente do que então se manifesta na escultura de mármore. Formado como ourives, recebeu funda influência do último estilo de Donatello e de Castagno, bem como da Arte Antiga. A partir daí, desenvolveu um estilo muito pessoal, como se pode ver no Hércules e Anteu.

NICCOLO DELL’ARCA. A importância desta integração de movimentos e acção é flagrante: a Lamentação, de Niccolo dell’Arca, de 1485-90. Não conhecemos qualquer ligação directa entre esta obra e Pollaiuolo, mas não é de crer que fosse criada sem a influência dele.

VERROCCHIO. Palliauolo nunca teve oportunidade de fazer uma estátua de grande tamanho. Para obras de tal vulto, temos de nos voltar para um seu contemporâneo, Andrea del Verrochio (1435-88), o maior escultor desse tempo e o único que, de algum modo, podemos comparar a Donatello pela versatilidade e ambição. Modelador e cinzelador, combinou elementos de António Rossellino e António del Pollaiuolo numa síntese única.

A sua obra mais popular em Florença é o Cupido ou Putto com Golfinho. Foi desenhada para o centro de uma fonte para uma das vilas dos Medici, próximo de Florença. O termo putti designa os meninos alados e nus que frequentemente aparecem representados na Arte Antiga. Foram reintroduzidos na arte do Proto-Renascimento, com o seu carácter original ou na qualidade de anjos-meninos.

Por estranha coincidência, a realização suprema da carreira de Verrochio, tal como sucedera a Donatello, foi um monumento equestre de bronze, desta vez em honra do comandante dos exércitos venezianos. Verrochio deve ter considerado a obra de Donatello como um protótipo, não se contentando todavia em imitar simplesmente o ilustre modelo. O cavalo, gracioso e vivo, em vez de robusto e plácido, foi modelado com o mesmo sentido da anatomia em movimento que vimos nos nus de Pollaiuolo.

A Pintura

Antes de considerarmos de novo a pintura florentina, é preciso analisar o desenvolvimento da arte do Proto-Renascimento do Norte da Itália. O Estilo Internacional prolongou-se na pintura e na escultura até meados do século, e a arquitectura manteve um forte sabor gótico muito depois de adoptado um vocabulário clássico. Nesta região, entre 1450 e 1500, só a pintura sobressai, porque faltaram realizações de monta em qualquer dos outros dois campos. Mas em Veneza e nos seus territórios, durante esses mesmos anos, nasceu uma tradição que iria florescer nos três séculos seguintes. Não é por isso de estranhar que lhe coubesse tornar-se o principal centro artístico da Itália setentrional no Proto-Renascimento.

PÁDUA: MANTEGNA. Com os mestres florentinos o novo estilo penetrava em Veneza e na vizinha cidade de

Pádua logo após 1420. Pouco antes de 1450, o jovem Andrea Mantegna (1431-1506) surgiu como mestre independente. Iniciou a sua aprendizagem com um pintor menor de Pádua, mas logo na primeira fase da sua criação se nota a influência decisiva das obras florentinas que pudera ver, impressões reforçadas talvez por um contacto pessoal com Donatello. A seguir a Masaccio, Mantegna foi o pintor mais importante do Proto-Renascimento.

A sua maior realização dessa época (nos anos de 1450) foram os frescos da Igreja dos Eremitani em Pádua.

A veneração de Mantegna pelos restos visíveis da Antiguidade mostra a sua estreita relação com os sábios humanistas da Universidade de Pádua. O desejo de autenticidade arqueológica pode ver-se nos trajes dos soldados romanos. Mas as figuras tensas, delgadas e firmemente construídas, e especialmente a sua dramática interacção, derivam claramente de Donatello.

VENEZA: BELLINI. Na pintura de Giovanni Bellini (c. 1431-1516) podemos seguir o desenvolvimento da tradição flamenga. Os seus melhores quadros, tais como S. Francisco em Êxtase, datam das últimas décadas do século. A figura do santo é tão pequena, em relação ao cenário, que ele parece estar ali por acaso. Os contornos de Bellini são menos secos que os de Mantegna, as cores mais suaves e a luz mais brilhante. E, como os grandes flamengos, encara com ternura cada pormenor da Natureza.

Considerado então o mais excelente pintor da cidade de Veneza, Bellini produziu vários retábulos de altar do tipo da Sacra Conversazione. A sua construção não é a de uma verdadeira igreja, porque os lados são abertos e toda a cena é inundada pela luz suave do Sol.

O que de imediato diferencia o seu altar dos seus antecessores florentinos é não só a amplitude do desenho mas a sua atmosfera calma e meditativa. É uma qualidade que encontraremos vezes sem fim na pintura veneziana. É neste momento mágico que Giovanni Bellini se torna verdadeiramente no herdeiro dos dois grandes pintores do século XV, unindo a grandiosidade florentina de Masaccio com a intimidade poética do setentrional Jan van Eyck.

FLORENÇA: BOTTICELLI. A tendência anunciada pelo David de Castagno substitui a monumentalidade estática de Masaccio por um movimento enérgico e gracioso. Atinge o ponto culminante no último quartel do século, com a arte de Sandro Botticelli (1444-1510). Aluno de Fra Filippo Lippi e fortemente influenciado por Pollauiuolo, Botticelli em breve se tornou o pintor preferido do chamado círculo Medici.

Foi para um membro deste grupo que Botticelli pintou o Nascimento de Vénus, talvez o mais famoso dos seus quadros, cujo parentesco com o Combate dos Dez Homens Nus de Pollaiuolo é inconfundível. Manifestamente Botticelli não participa da paixão de Pollaiuolo pela anatomia. Os seus corpos são mais esguios e desprovidos de peso e força muscular, como se flutuassem, mesmo quando tocam o chão. Tudo isto parece negar os valores fundamentais da arte do Proto-Renascimento e, no entanto, o quadro nada tem de medieval.

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O NEO-PLATONISMO. Durante a Idade Média, as formas clássicas tinham-se divorciado dos temas clássicos. Os artistas utilizavam o repertório antigo de atitudes, gestos, expressões, etc., mas trocaram a identidade das figuras: os filósofos transformaram-se em Apóstolos. Quando havia oportunidade de representar deuses pagãos, os artistas baseavam-se nas fontes literárias em vez de se inspirarem nas obras de arte antigas. Esta foi, de um modo geral, a situação até meados do século XV. Só com Pollaiuolo – e Mantegna no Norte da Itália – a forma e o conteúdo clássico começaram a associar-se de novo. As pinturas perdidas dos Trabalhos de Hércules de Pollaiuolo (1465) assinalam o primeiro caso de assuntos da mitologia clássica tratados em ponto grande num estilo inspirado nos antigos monumentos. E o Nascimento de Vénus contém a primeira imagem monumental, desde os tempos romanos, da deusa nua, numa atitude derivada das suas estátuas clássicas.

Como se podiam justificar tais imagens numa civilização cristã, sem expor o artista e o seu patrono à acusação de neo-paganismo? Na Idade Média, os mitos clássicos foram por vezes interpretados didacticamente. Fundir a fé cristã com a mitologia antiga exigia uma argumentação sofisticada, que ficaria a dever-se aos filósofos neo-platónicos, cujo representante principal, Marsílio Ficino, gozou de formidável prestígio a partir dos últimos anos do século XV. O pensamento de Ficino representava a antítese do sistema escolástico medieval. Para Ficino, a vida do Universo, incluindo a do homem, estava ligada a Deus por um circuito espiritual, de modo que toda a revelação, quer da Bíblia, quer de Platão, quer ainda dos mitos clássicos, era só uma.

A filosofia neo-Platónica e a sua manifestação na arte eram, evidentemente, demasiado complexas para se tornarem populares fora do círculo restrito e intelectualmente superior dos seus admiradores.

FLORENÇA: PIERO DI COSIMO. Um painel de Piero di Cosimo (1462-1521), contemporâneo de Botticelli, ilustra uma visão da mitologia pagã que é oposta à dos neo-platónicos. Em vez de espiritualizar os deuses pagãos, faz que desçam à terra, como seres de carne e osso. Segundo esta teoria, o homem teria ascendido lentamente do primitivo estado selvagem, mediante as descobertas e invenções de alguns indivíduos excepcionalmente dotados; a estes homens acabara por ser reconhecida a condição de deuses.

FLORENÇA: GHIRLANDAIO. Como Piero, também foi sensível ao realismo dos Flamengos o pintor Domenico

Ghirlandaio (1449-1494), outro contemporâneo de Botticelli. Os ciclos de frescos de Ghirlandaio encontram-se tão cheios de retratos que mais parecem crónicas de família dos ricos patrícios que lhos encomendaram. Um dos seus painéis mais comovedores é o do velho com o neto. Nenhum pintor do Norte poderia transmitir, como Ghirlandaio, a terna relação humana entre o rapazinho e o seu avô. Sob o aspecto psicológico, o painel revela uma clara origem italiana.

URBINO: PERUGINO. Roma, muito tempo posta à margem, durante o exílio papal em Avinhão, tornou-se de novo um importante centro de arte nos finais do século XV. À medida que o Papado foi retomando o seu poder político na Itália, os ocupantes do trono de S. Pedro começaram a embelezar tanto o Vaticano como a cidade, na convicção de que os monumentos da Roma Cristã deviam ofuscar os do passado pagão. O projecto pictural mais ambicioso desse período foi a decoração das paredes da Capela Sistina, em 1482. Entre os artistas que executaram este grande ciclo de cenas do Antigo e do Novo Testamento, encontramos a maioria dos pintores importantes da Itália central, incluindo Botticelli e Ghirlandaio.

A Entrega das Chaves, de Pietro Perugino (1450-1523), sem dúvida pode ser tida pela melhor das suas obras. Nascido na Umbria, Perugino manteve estreitos laços com Florença. Logo na primeira fase da sua vida artística sofreu a influência decisiva de Verrocchio.

CORTONA: SIGNORELLI. Luca Signorelli (1445-1523) anda associado a Perugino por um passado semelhante, se bem que a sua personalidade seja infinitamente mais dramática. De origem toscana, foi discípulo de Piero della Francesca antes de ir para Florença nos anos de 1470. Como Perugino, Signorelli não escapou à funda influência de Verrocchio, mas admirava também a energia, expressividade e precisão anatómica dos nus de Pollaiuolo. Atingiu o apogeu da sua carreira, um pouco antes de 1500, nos quatro frescos monumentais que representam o fim do mundo, das paredes da Capela de S. Brizio, na Catedral de Orvieto. O que mais nos impressiona é o profundo sentimento trágico que impregna toda a cena. O Inferno de Signorelli, diametralmente oposto ao de Bosch, tem a luz do dia pleno, sem o pesadelo das máquinas de tortura ou os monstros grotescos. Os condenados conservam a dignidade humana e até os próprios demónios estão humanizados.

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3 O RENASCIMENTO

PLENO NA ITÁLIA

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O Renascimento Pleno era continuação do Proto-Renascimento. Supunha-se que os grandes mestres do século XVI – Leonardo, Bramante, Miguel Ângelo, Rafael, Giorgione, Ticiano – haviam partilhado os ideais dos seus predecessores, mas dando-lhes expressão tão completa que os seus nomes se tornaram sinónimo de perfeição. Representavam o apogeu, a fase suprema do Renascimento.

O Renascimento Pleno, se nalguns aspectos fundamentais nos parece a culminação do Proto-Renascimento, quanto a outros terá representado um ponto de partida. É certo que a tendência para ver no artista um génio soberano, e não um artífice dedicado, nunca foi mais forte que durante a primeira metade do século XVI.

Este culto do génio exerceu um efeito profundo sobre os artistas do Renascimento Pleno, acicatando-os para objectivos vastos e ambiciosos. A crença do artista na origem divina da inspiração levava-o a firmar-se em critérios subjectivos de verdade e beleza, e não em critérios objectivos. Se os artistas do Proto-Renascimento se sentiam vinculados àquilo que acreditavam serem regras de validade universal, tais como as leis de perspectiva científica, os seus sucessores do Renascimento Pleno preocupavam-se menos com a ordem racional que com a efectividade visual. Desenvolveram um novo drama e uma nova retórica para cativar as emoções do espectador. As obras dos grandes mestres do Renascimento Pleno tornaram-se logo clássicas por direito próprio e a sua autoridade veio a ser igual à dos monumentos mais famosos da Antiguidade.

Leonardo da Vinci

Um dos aspectos mais estranhos do Renascimento Pleno é o facto de todos os seus monumentos fundamentais terem sido produzidos entre 1495 e 1520, apesar da grande diferença de idades entre os seus criadores.

Nascido em 1452 na pequena cidade toscana de Vinci, Leonardo praticou com Verrocchio. Aos trinta anos entrou ao serviço do Duque de Milão – na qualidade de engenheiro militar, e acessoriamente na de arquitecto, escultor e pintor.

A ADORAÇÃO DOS MAGOS. Leonardo deixou inacabada a obra mais ambiciosa que tinha encetado, uma grande Adoração dos Reis Magos para a qual já executara muitos estudos preliminares. O aspecto mais surpreendente – e verdadeiramente revolucionário – deste painel é o modo como está pintado.

As formas parecem materializar-se de modo suave e gradual, nunca chegando a destacar-se completamente da penumbra envolvente. Leonardo não pensa em termos de contornos, mas sim de corpos tridimensionais tornados visíveis pela incidência da luz. Nas sombras, estas formas permanecem incompletas, os seus contornos estão meramente implícitos.

A VIRGEM DOS ROCHEDOS. Pouco tempo depois de chegar a Milão, Leonardo executou a Virgem dos Rochedos, também um painel de altar. Aqui as figuras emergem da gruta envoltas por uma atmosfera carregada de humidade que lhes vela delicadamente as formas.

A ÚLTIMA CEIA. A Última Ceia de Leonardo, composta uns doze anos mais tarde, tem sido sempre reconhecida como a primeira afirmação clássica dos ideais da pintura do Renascimento Pleno. Infelizmente o fresco começou a deteriorar-se poucos anos depois de ter sido acabado. Olhando a composição como um todo, salta desde logo à vista a sua estabilidade equilibrada como nenhum artista jamais tentara.

Leonardo começou pela composição das figuras e a arquitectura desempenhou, desde o primeiro momento, o papel de simples apoio. Este quadro exemplifica o que o artista escreveu num dos seus livros de apontamentos: que o objectivo último da pintura, mas também o mais difícil de alcançar, é retratar a intenção da alma humana.

A MONA LISA. Em 1500 ia executando o famosíssimo retrato de Mona Lisa. O delicado sfumato alcançou um tal grau de perfeição que pareceu um milagre aos contemporâneos do artista. A fama deste óleo não vem apenas de uma subtileza pictórica; mais intrigante ainda é o fascínio psicológico da personalidade do modelo. Porque nenhum outro sorriso foi considerado tão misterioso?

OS DESENHOS. Na idade avançada, Leonardo dedicou-se cada vez mais aos seus interesses científicos. O alcance extraordinário das suas investigações pessoais está presente nas centenas de desenhos e notas que esperava incorporar numa série de tratados enciclopédicos. Os testemunhos dos contemporâneos mostram que Leonardo gozava de reputação como arquitecto. Estes esboços possuem uma grande importância histórica, pois através deles se consegue estabelecer a transição do Proto-Renascimento para o Renascimento Pleno na arquitectura.

Bramante

O TEMPIETTO. Bramante seria o criador da arquitectura do Renascimento Pleno. O novo estilo já se define no Tempietto de S. Pietro in Montorio, de Bramante, projectado pouco depois de 1500.

A BASÍLICA DE S. PEDRO. O Tempietto é a primeira das grandes realizações que fizeram de Roma o centro da arte italiana durante o primeiro quartel do século XVI. Coube a Bramante a tarefa de substituir a velha basílica de S. Pedro, por uma igreja tão magnificente que ofuscasse todos os monumentos da antiga Roma imperial. O plano de Bramante obedecia a todos os requisitos estabelecidos por Alberti para a arquitectura religiosa, baseado inteiramente no círculo e no quadrado.

Como é que ele se propunha construir um edifício de tamanho tão imponente? A pedra talhada ou tijolo, os materiais preferidos pelos arquitectos medievais não serviam, por razões de ordem técnica e económica; só a construção em betão, tal como a usada pelos romanos, mas depois caída em esquecimento durante a Idade Média, era suficientemente forte e barata para responder às necessidades de Bramante. Ao dar vida nova a esta técnica antiga, abriu uma nova era na história da arquitectura, uma vez que o betão permitia realizar traçados de muito maior flexibilidade que os métodos de construção dos pedreiros medievais.

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Miguel Ângelo

Miguel Ângelo foi escultor e abraçava uma fé na imagem humana como supremo veículo de expressão conferindo-lhe afinidade com a escultura clássica. Assim como concebia as suas estátuas como corpos humanos libertados da sua prisão de mármore, também o corpo era para ele a prisão terrena da alma. Este dualismo entre corpo e espírito confere às suas figuras um “pathos” extraordinário; calma no exterior, parecem ser agitadas por uma energia psíquica irresistível.

DAVID. As qualidades únicas da arte de Miguel Ângelo estão integralmente presentes no David, a primeira estátua monumental do Renascimento Pleno, encomendada em 1501. A escala heróica, a beleza e poder sobre-humanos e o volume dilatado das suas formas tornaram-se parte do próprio estilo de Miguel Ângelo e, através dele, da arte do Renascimento em geral.

O TÚMULO DE JÚLIO II. Este traço persiste no Moisés e nos dois escravos esculpidos cerca de uma década mais tarde.

A CAPELA SISTINA. O sepulcro de Júlio II ficou por acabar quando o papa interrompeu a actividade de Miguel Ângelo na fase inicial do projecto, para que ele fosse decorar a fresco o tecto da Capela Sistina. Miguel Ângelo realizou o trabalho em quatro anos (1508-12), produzindo uma obra-prima que fez época. É um imenso organismo com centenas de figuras distribuídas ritmicamente dentro da moldura arquitectónica pintada. Na área central, subdividida por cinco pares de traves, encontram-se nove cenas do Génesis, desde a criação do Mundo até à Embriaguez de Noé.

O JUÍZO FINAL. Quando Miguel Ângelo voltou à Capela em 1534, mais de vinte anos depois, o mundo ocidental sofria a crise espiritual e política da Reforma. É com crua nitidez que nos apercebemos da mudança de atmosfera quando passamos da vitalidade radiante dos frescos do tecto, para a visão sombria do Juízo Final.

A CAPELA DOS MÉDICIS. O intervalo entre a realização do tecto da Capela Sistina e a do Juízo Final, a família Médici preferiu empregar Miguel Ângelo em Florença. As actividades deste centraram-se em San Lorenzo, a igreja dos Médicis.

A BIBLIOTECA LAURENTINA. Miguel Ângelo construiu a Biblioteca Laurentina, anexa a San Lorenzo, para aí instalar para o público a vasta colecção de livros e manuscritos pertencentes à família Médici.

O CAPITÓLIO. Durante os últimos trinta anos da sua vida, a arquitectura tornou-se a principal preocupação de Miguel Ângelo. Em 1537-39 recebeu o encargo mais ambicioso da sua carreira: transformar o Capitólio numa praça com um enquadramento monumental digno deste local venerado, outrora o centro simbólico da Roma Antiga. Tinha, finalmente, oportunidade de planear em grande escala e tirou todo o partido dela.

S. PEDRO. Com o Capitólio, a ordem colossal ficou firmemente estabelecida no repertório da arquitectura monumental. O próprio Miguel Ângelo voltou a utiliza-la

no exterior da igreja de S. Pedro, com resultados igualmente impressionantes.

A PIETÁ DE MILÃO. A segurança magnífica com que Miguel Ângelo tratou projectos como os do Capitólio, ou o da igreja de S. Pedro, parece desmentir o seu auto-retrato, sob a forma de uma pele engelhada, no Juízo Final. Na sua última peça escultórica, a Pietá de Milão, há uma busca de novas formas.

Rafael

Se Miguel Ângelo é o génio solitário, Rafael pertence com a mesma certeza ao tipo oposto: o do artista-homem de sociedade. Ele é o pintor central do Renascimento Pleno, a nossa concepção global desse estilo assenta mais na sua obra que na de qualquer outro mestre.

O génio de Rafael consistiu num poder de síntese único, que lhe permitiu fundir as qualidades de Leonardo e de Miguel Ângelo, criando uma arte ao mesmo tempo lírica e dramática, unindo a riqueza da pintura à solidez da escultura.

A ESCOLA DE ATENAS. A influência de Miguel Ângelo sobre Rafael afirmar-se-ia com toda a plenitude nas pinturas que este fez em Roma. Na altura em que Miguel Ângelo iniciava a pintura do tecto da Capela Sistina, Júlio II fez vir de Florença o jovem artista e encarregou-o de decorar um conjunto de salas do Palácio do Vaticano.

A Escola de Atenas de há muito reconhecida como a obra-prima de Rafael é a corporização perfeita do espírito clássico do Renascimento Pleno. O tema é “a escola ateniense de pensamento”, um grupo de filósofos gregos famosos, reunidos à volta de Platão e Aristóteles, cada qual numa actividade ou atitude característica. É evidente que deve a Miguel Ângelo a energia expressiva, o poder físico. A impressionante composição das personagens.

A GALATEIA. Rafael jamais voltou a montar um fundo arquitectural tão esplêndido. A criação do espaço pictural confiou-o cada vez mais ao movimento das figuras humanas. Na Galateia, de 1513, o tema é outra vez clássico – a bela ninfa Galateia, perseguida em vão por Polifemo, pertence à mitologia grega.

OS RETRATOS. Já numa primeira fase da sua carreira Rafael dera mostras de talento especial como retratista. A sua genial capacidade de síntese revela-se na combinação do realismo dos retratos do século XV com o ideal humano do Renascimento Pleno. Rafael não favorecia os retratados, nem seguia as convenções.

Giorgione

A distinção entre o Proto-Renascimento e o Renascimento Pleno, tão marcada em Florença e em Roma, é muito menos acentuada em Veneza. Giorgione (1478-1510), o primeiro pintor veneziano a pertencer ao século XVI, apenas saiu da órbita de Bellini durante os últimos anos da sua breve carreira.

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A TEMPESTADE. Entre as raras obras da sua plenitude, A Tempestade é ao mesmo tempo a mais individual e a mais enigmática. As figuras de Giorgione não nos explicam a cena; pertencem à Natureza, são testemunhas passivas da tormenta prestes a desabar sobre elas.

Ticiano

Giorgione morreu antes de poder explorar por completo o mundo sensual e lírico criado em A Tempestade. Legou essa tarefa a Ticiano (1488-1576), um artista de dotes comparáveis, influenciado decisivamente por Giorgione, que dominou a pintura veneziana durante o meio século seguinte.

A BACANAL. A Bacanal, de 1518, é abertamente pagã, inspirada na descrição de um autor antigo. Ticiano familiarizou-se com a arte do Renascimento Pleno e alguns

dos participantes da Bacanal também reflectem a influência da arte clássica. Ele vê o reino dos mitos clássicos como parte do mundo natural, habitado por seres de carne e osso e não por estátuas animadas.

A VIRGEM DE PESARO. A mesma qualidade de animação festiva reaparece em muitas das suas pinturas religiosas, como sucede em Virgem com Pessoas da Família Pesaro.

OS RETRATOS. Depois da morte de Rafael, Ticiano tornou-se o retratista mais procurado da época. Os seus dotes prodigiosos são ainda mais notáveis no Homem da Luva.

OBRAS DO ÚLTIMO PERÍODO. A correspondência entre forma e técnica é clara em Cristo Coroado de Espinhos, uma obra-prima de Ticiano na velhice.

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4 O MANEIRISMO

E OUTRAS TENDÊNCIAS

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O que aconteceu depois do Renascimento Pleno? Falta-nos ainda encontrar um nome para os setenta e cinco anos que medeiam entre o Renascimento Pleno e o Barroco. Tal período é um tempo de crise que deu origem a diversas tendências antagónicas, mais que a um ideal predominante.

A PINTURA

O Maneirismo: Florença e Roma

Entre as várias tendências artísticas que se manifestaram a seguir ao Renascimento Pleno, a do Maneirismo é a mais discutida. O termo, no sentido original, é limitado e pejorativo, e designava o estilo de um grupo de pintores dos meados do século XVI, activos em Roma e Florença, que cultivavam uma arte conscientemente artificial e amaneirada, derivada de algumas concepções de Rafael e Miguel Ângelo.

ROSSO. Os primeiros indícios de inquietação no Renascimento Pleno aparecem pouco antes de 1520, na obra de alguns jovens pintores de Florença. Em 1521, Rosso Fiorentino (1495-1540), o mais excêntrico membro deste grupo, exprimiu a nova atitude com firme convicção em A Descida da Cruz. As figuras agitam-se mas são rígidas. Há aqui uma revolta contra o equilíbrio clássico da arte do Renascimento Pleno.

PONTORMO. Pontormo (1494-1557), um amigo de Rosso, tinha uma personalidade igualmente estranha. Introvertido e tímido, os seus desenhos, de uma sensibilidade maravilhosa, tais como Estudo de uma Jovem, reflectem bem estas facetas do seu carácter.

PARMIGIANINO. Esta primeira fase do Maneirismo, o estilo “anti-clássico” de Rosso e Pontormo, cedo deu lugar a um outro aspecto do movimento, menos abertamente anti-clássico, menos carregado de emoção subjectiva, mas igualmente afastado do mundo confiante e estável do Renascimento Pleno. O Auto-retrato de Parmigianino (1503-1540) não denuncia qualquer perturbação psicológica. A pintura regista o que ele via ao olhar-se num espelho convexo.

BRONZINO. Vinculada a um gosto sofisticado e até subtil, a fase elegante do Maneirismo italiano atraiu especialmente patronos aristocráticos como o Grão Duque da Toscana e o Rei de França, cedo se tornando internacional. O estilo produziu esplêndidos retratos, como o de Eleanora de Toledo, pelo pintor da corte dos Médici, Agnolo Bronzino (1503-1572).

O Maneirismo: Veneza

TINTORETTO. O Maneirismo só apareceu em Veneza nos meados do século. O seu expoente principal, Tintoretto (1518-94), foi um artista de prodigiosa energia, combinando qualidades de ambas as fases – anticlássica e elegante- do novo gosto. Espectacular é a última das obras

principais de Tintoretto, a Última Ceia, tela em que foram postos de lado os valores clássicos da versão de Leonardo, pintada havia quase um século. Ele procurou dar ao acontecimento um ambiente de todos os dias, atravancando a cena com criados, louça, pratos de fruta, garrafões e animais domésticos. Tudo isto serve para estabelecer um contraste dramático entre o natural e o sobrenatural.

EL GRECO. O último – e talvez o maior – pintor maneirista formou-se também na Escola Veneziana. Domenico Theotocopoulos (1541-1614), alcunhado de El Greco, chegou pouco depois de 1560 a Veneza e assimilou rapidamente as lições de Ticiano, Tintoretto e outros mestres. Uma década mais tarde, em Roma, travou conhecimento com a arte de Rafael, Miguel Ângelo e os Maneiristas da Itália Central. A maior e mais resplandecente das encomendas que executou é O Enterro do Conde de Orgaz. Da formação veneziana de El Greco advém a sua mestria na arte do retrato.

O Proto-Barroco

Uma outra tendência, que também surgiu cerca de 1520, é uma antecipação de tantos aspectos do estilo Barroco que pode ser apelidada de Proto-Barroco.

CORREGGIO. Correggio (1489-1534), o representante principal desta corrente, foi um pintor excepcionalmente dotado do Norte de Itália. Ainda jovem assimilou a pintura de Leonardo e dos Venezianos, depois a de Miguel Ângelo e Rafael, mas não sentiu, como eles, a atracção do ideal de equilíbrio clássico. A sua maior obra, o fresco da Assunção da Virgem, na cúpula da Catedral de Parma, é uma obra-prima de perspectiva ilusionista, um vasto espaço luminoso, preenchido por figuras esvoaçantes.

Realismo

Uma terceira tendência da pintura italiana do século XVI anda associada às cidades ao longo da faixa Norte da planície lombarda. Alguns artistas dessa região trabalharam num estilo muito influenciado por Giorgione e Ticiano, mas com maior interesse pela realidade de todos os dias.

SAVOLDO. Um dos primeiros e mais interessantes destes realistas da Itália setentrional foi Girolamo Savoldo (1480-1550), de Bréscia. Em São Mateus o estilo fluído e de pincelada larga reflecte a influência dominante de Ticiano.

VERONESE. Na obra de Paolo Veronese (1528-88), o Realismo do Norte da Itália ganha o esplendor de um grande espectáculo. Nascido e formado em Verona, Veronese tornou-se, depois de Tintoretto, o pintor mais importante de Veneza. Em Cristo na Casa de Levi, ele evita toda a alusão ao sobrenatural.

A ESCULTURA Os escultores italianos do fim do século XVI não conseguem igualar as realizações dos pintores. Os melhores

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trabalhos foram produzidos fora da Itália, e o maior escultor em Florença, a seguir ao falecimento de Miguel Ângelo em 1564, foi nortenho.

Primeira e Segunda Fases do Maneirismo

BERRUGUETE. A fase anticlássica do Maneirismo não tem paralelo na escultura. A obra do espanhol Alonso Berruguete (1489-1561) é a que mais se lhe aproxima. Berruguete tivera contactos com os iniciadores da corrente anticlássica em Florença, por volta de 1520. O seu S. João Baptista reflecte essa experiência.

CELLINI. A segunda fase do Maneirismo, a fase elegante, aparece em inúmeros exemplares escultóricos na Itália e no estrangeiro. O mais conhecido representante do estilo é Benvenuto Cellini (1500-71). O saleiro de ouro feito para o rei Francisco I da França, a principal obra de Cellini em metal precioso, constitui um bom exemplo das virtudes e limitações da sua arte.

PRIMATICCIO. Homem de muitos talentos, Francesco Primaticcio (1504-1570) é responsável pela decoração interior de algumas das salas principais do castelo real de Fontainebleau.

GIOVANNI BOLOGNA. Cellini, Primaticcio e os outros italianos contratados por Francisco I fizeram do Maneirismo o estilo dominante na França dos meados do século XVI, e a sua influência fez-se sentir muito para além da corte. Deve ter alcançado um jovem escultor muito dotado, Jean de Boulogne (1529-1608). O seu grupo de mármore, O Rapto das Sabinas foi especialmente admirado, sendo o assunto tirado das lendas da Roma Antiga. Uma composição escultórica destinada a ser vista não apenas de um, mas de todos os lados.

A ARQUITECTURA

O Maneirismo

O conceito de Maneirismo servirá também para a arquitectura? Alguns edifícios seriam hoje considerados maneiristas por quase toda a gente. Mas isso não constitui uma definição aceitável de Maneirismo como estilo arquitectónico.

VASARI. Um desses edifícios é o dos Uffizi em Florença, da autoria de Giorgio Vasari (1511-1574). Ao seu projecto faltam força escultórica e qualidade expressiva. Os componentes arquitectónicos parecem tão esvaziados de energia como as figuras humanas da segunda fase do Maneirismo.

AMMANATI. O mesmo se pode dizer do pátio do Palácio Pitti, de Bartolomeu Ammanati (1511-1592). O carácter maciço da construção fica escondido.

PALLADIO. Se isto é Maneirismo em arquitectura, podemos encontrá-lo na obra de Andrea Palladio (1518-80), o maior arquitecto do final do século XVI. Palladio continua a tradição do humanista e pensador Alberti.. Palladio sustentava que a arquitectura deve reger-se pela razão e por certas regras universais, exemplarmente demonstradas nas edificações dos antigos. Comungava assim da perspectiva fundamental de Alberti, bem como da sua firme convicção quanto ao significado cósmico das proporções aritméticas. O seu tratado de arquitectura tem um carácter mais prático que o de Albertini e as construções que ergueu correspondiam às teorias.

A Villa Rotonda uma das mais belas edificações de Palladio, ilustra perfeitamente a significação do classicismo. Uma residência de campo aristocrática perto de Vicenza. Alberti dera à igreja ideal uma planta centrada e perfeitamente simétrica. É evidente que Palladio alicerçou nos mesmos princípios a sua casa de campo ideal.

IL GESÙ: VIGNOLA E DELLA PORTA. A imensa autoridade de Palladio como arquitecto evita que os elementos contraditórios da fachada e da planta de S. Giorgio colidam entre si. Uma outra solução, mais fácil, foi encontrada em Roma e deve-se a Giacomo Vignola (1507-1573) e Giacomo della Porta (1540-1602), dois arquitectos que tinham trabalhado com Miguel Ângelo em S. Pedro e continuavam a usar o seu vocabulário arquitectónico. A igreja de Il Gesù (Jesus), edifício cuja importância para a arquitectura religiosa posterior nunca é demais salientar, é a igreja-mãe dos Jesuítas. Podemos encara-la como a incarnação arquitectónica do espírito da Contra-Reforma. O que há aqui de novo é a integração harmoniosa de todas as partes num todo. O projecto de Il Gesù virá a tornar-se fundamental na arquitectura barroca. Ao chamar-lhe pré-barroco, sugerimos a um tempo a importância para o futuro e o lugar especial quanto ao passado.

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5 O RENASCIMENTO

SETENTRIONAL

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Ao Norte dos Alpes, a maioria dos artistas do século XV ficaram indiferentes às ideias e às formas italianas. Desde o tempo do Mestre de Flémalle e dos van Eycks passaram a buscar orientação mais na Flandres que na Toscana. Este relativo isolamento termina bruscamente ao redor de 1500. A influência italiana derrama-se para o Norte numa torrente cada vez mais caudalosa e a arte do Renascimento Setentrional começa a substituir a do Gótico Final. A variedade das correntes é ainda maior que na Itália durante o século XVI.

A tradição do Gótico Final manteve-se muito viva e do seu encontro com a arte italiana resultou uma espécie de Guerra dos Cem Anos entre estilos, que só veio a terminar quando, no começo do século XVII, o Barroco emergiu como um movimento internacional.

A ALEMANHA

A Pintura e as Artes Gráficas

Na Alemanha, o berço da Reforma, deram-se as batalhas principais desta “guerra de estilos”, logo no primeiro quartel do século XVI. A gama das realizações deste período pode medir-se pelas personalidades contrastantes dos seus maiores artistas: Mathias Grünewald e Albrecht Dürer.

GRÜNEWALD. A fama de Grünewald cresceu quase inteiramente no nosso próprio século. Na arte setentrional do seu tempo, apenas ele, com a sua obra-prima, o Retábulo de Isenheim, nos assombra com uma criação de força comparável à do tecto da Capela Sistina.

O que é mais evidente, quando se comparam à pintura do “Gótico Final”, é o sentido de movimento difundido nestes painéis – tudo se anima e gira como se tivesse vida própria. Esta energia vibrante deu uma forma totalmente nova aos contornos duros e pontiagudos e aos angulosos panejamentos do Gótico Final. As formas de Grünewald são suaves, flexíveis, carnudas. A luz e a cor revelam uma mudança correspondente: dominando todos os recursos dos grandes mestres flamengos, emprega-os com inédita audácia e flexibilidade.

Grünewald algo deve ter aprendido com o Renascimento: o seu conhecimento da perspectiva e o vigor físico de algumas das figuras não podem ser explicadas apenas pelas últimas tradições do Gótico, além de haver num ou noutro quadro pormenores arquitectónicos de origem meridional. Grünewald parece ter partilhado o espírito livre e individualista dos artistas renascentistas italianos.

DÜRER. Para Dürer (1471-1528) o Renascimento continha um sentido mais profundo. Atraído pela arte italiana desde a juventude, esteve em Veneza e regressou a Nuremberga com uma nova concepção do Mundo e do lugar que nele cabe ao artista. Entendendo, como vira na Itália, que as belas-artes se contam entre as artes liberais, também fez seu o ideal do artista superior, ao mesmo tempo homem de

sociedade e culto humanista. Alimentando afincadamente os seus interesses intelectuais conseguiu abranger uma grande variedade de técnicas e assuntos. E como foi o maior gravador do seu tempo, exerceu larga influência na arte do século XVI, através das suas gravuras em madeira e em metal, que se disseminaram por toda a Europa Ocidental.

Surpreendentes são as aguarelas, feitas quando regressava de Veneza, como a denominada Montanhas da Itália. Depois da amplitude e lirismo desta obra, a violência expressiva das gravuras em madeira que ilustram o Apocalipse, a mais ambiciosa obra gráfica de Dürer nos anos seguintes à vinda de Itália, confunde-nos. A visão horrenda dos Quatro Cavaleiros parece, à primeira vista, um regresso ao mundo do Gótico Final. Ele criou um padrão que em breve transformaria a técnica da gravura em toda a Europa.

Foi Dürer o primeiro artista que se deixou fascinar pela sua própria imagem e, sob esse respeito, uma personalidade típica do Renascimento, mais que nenhum artista italiano. O seu primeiro desenho conhecido, feito aos treze anos, é um auto-retrato, e outros continuaria a executar ao longo da sua vida. O mais impressionante e particularmente revelador é o do painel de 1500. Como pintura pertence à tradição flamenga, mas a pose frontal e solene e a idealização das próprias feições semelhantes às de Cristo, afirmam uma segurança que ultrapassa a esfera dos retratos vulgares.

O aspecto didáctico da obra de Dürer talvez seja mais claro na gravura Adão e Eva, de 1504, onde o assunto bíblico lhe serve de pretexto para apresentar dois nus ideais.

As convicções de Dürer eram, no fundo, as do Humanismo Cristão, e por essa via se tornou um dos primeiros e mais entusiásticos adeptos de Martinho Lutero. O novo rumo da sua fé pode sentir-se na crescente austeridade de estilo e na preferência por determinados temas religiosos a partir de 1520. A obra culminante desta fase representa Os Quatro Apóstolos.

CRANACH. Uma arte monumental que traduzisse, sob uma forma visível, a crença protestante foi um sonho de Dürer que ficou por realizar. Outros pintores alemães, como Lucas Cramach, o Velho (1472-1553), também procuraram dar corpo às doutrinas de Lutero, sem que firmassem uma tradição viável. Tais esforços eram baldados, pois os chefes espirituais da Reforma nunca deixaram de encará-los com indiferença ou até com aberta hostilidade. Da obra de Lucas Cranach são lembrados hoje os retratos e algumas deliciosas e incongruentes cenas mitológicas. No Juízo de Páris nada poderia ser menos clássico.

ALTDORFER. Não menos afastada do ideal clássico, mas muito mais impressionante, é a Batalha de Issus de Albrecht Altdorfer (1480-1538), um pintor bávaro um pouco mais novo que Cranach. Ele revela a mesma imaginação desregrada patente na obra do mestre mais velho, do qual, todavia, se distingue: a figura humana parece meramente acidental nos cenários, naturais ou artificiais, em que aparece.

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O Retrato

HOLBEIN. Hans Holbein, o Jovem (1497-1543), nascido e educado em Augsburgo, um centro de comércio internacional no Sul da Alemanha, especialmente aberto às ideias Renascimento, partiu aos dezoito anos para a Suíça. Cerca de 1520 já estava firmemente estabelecido em Basileia como desenhador de gravuras em madeira, esplêndido decorador e retratista incisivo. O retrato de Erasmo de Roterdão, pintado pouco depois de o famoso escritor se ter fixado em Basileia, dá-nos uma imagem verdadeiramente memorável do homem do Renascimento. Em 1526, Basileia era atingida pela crise da Reforma e ele partiu para Inglaterra, na esperança de obter encomendas na corte de Henrique VIII.

Apesar de os quadros de Holbein terem moldado o gosto inglês em matéria de retratos aristocráticos durante décadas, ele não teve discípulos ingleses de verdadeiro talento.

OS PAÍSES BAIXOS

A Pintura

Os Países Baixos tiveram, no século XVI, a mais turbulenta e atribulada história de todos os países a norte dos Alpes. Quando a Reforma começou, faziam parte do vastíssimo império dos Habsburgos. O Protestantismo cedo ganhou força nos Países Baixos, e as tentativas da Corte para o suprimir conduziram a uma revolta aberta contra o domínio estrangeiro. Depois de uma luta sangrenta, as províncias do Norte emergiram no final do século como um Estado independente, enquanto as do Sul continuaram em mãos espanholas.

A pintura dos Países Baixos no século XVI não igualou em brilho a do século XV. Esta região assimilou os elementos italianos mais lentamente do que a Alemanha, mas de uma forma mais segura e sistemática. Entre 1550 e 1600, na sua fase mais agitada, os Países Baixos produziram os melhores pintores do norte da Europa, que abriram caminho aos grandes mestres holandeses e flamengos do século seguinte.

Duas grandes preocupações caracterizam a pintura dos Países Baixos no século XVI; assimilar a arte italiana de Rafael e Tintoretto, e criar um repertório capaz de suplantar, e eventualmente substituir, os assuntos religiosos tradicionais. Todos os temas seculares que tão largamente figuram na pintura holandesa e flamenga do período barroco – paisagem, natureza-morta e género (cenas da vida diária) – foram definidos pela primeira vez entre 1500 e

1600. Tornaram-se independentes, ou tão predominantes que o assunto religioso podia ser relegado para segundo plano.

AERTSEN. A Tenda da Carne de Pieter Aertsen (1508-1575) é um desses quadros essencialmente seculares. Ele é recordado hoje principalmente como um dos pioneiros da natureza-morta independente.

BRUEGEL. Pieter Brugel, o Velho (1525-1569), o único génio entre estes pintores dos Países Baixos, explorou a paisagem e a vida dos camponeses. O Casamento de Camponeses é a mais notável das cenas da vida rural.

A FRANÇA

A Arquitectura e a Escultura

A França começou a assimilar a arte italiana mais cedo que os outros países e foi a primeira a conseguir um estilo renascentista integrado.

SOHIER. Um simples olhar para a capela-mor de St. Pierre de Caen, construída por Hector Sohier, mostra que ele seguiu o esquema básico da capela-mor da igreja gótica francesa, limitando-se a traduzir a decoração flamejante para o vocabulário da nova língua.

LESCOT. Francisco I, decidiu substituir o Louvre por outro palácio no mesmo local. Pierre Lescot (1515-1578) construiu a metade sul da ala ocidental, o mais belo monumento do Renascimento Francês, na sua fase clássica.

GOUJON. Igualmente não-italiana é a rica decoração escultórica que cobre quase toda a superfície da parede do terceiro andar. Estes relevos, admiravelmente adaptados à arquitectura, são de Jean Goujon (1510-1565), o melhor escultor francês dos meados do século. Estas graciosas figuras lembram o Maneirismo de Cellini e, mais ainda, as decorações de Primaticcio em Fontainebleau.

PILON. Um escultor mais poderoso – na realidade o maior dos finais do século XVI – foi Germain Pilon (1535-1590). Cedo desenvolveu o seu próprio idioma, combinando o Maneirismo de Fontainebleau com elementos colhidos da escultura antiga, de Miguel Ângelo e da tradição gótica. As suas obras mais importantes são túmulos monumentais dos quais o maior e mais antigo foi o de Henrique II e Catarina de Médici.

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6 O BARROCO NA ITÁLIA

E NA ALEMANHA

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Barroco tem sido o termo usado pelos historiadores da arte durante quase um século para designar o estilo dominante no período 1600-1750. O novo estilo nasceu em Roma nos últimos anos do século XVI, sendo a última fase do Renascimento.

Para uns o Barroco exprime o espírito da Contra-Reforma; contudo, este movimento dinâmico de auto-renovação dentro da Igreja Católica já alcançara o seu propósito em 1600. O novo estilo penetrou tão rapidamente no Norte protestante que devemos guardar-nos de sublinhar excessivamente o seu aspecto anti-reformista.

Igualmente problemática é a afirmação de que o Barroco é o estilo do Absolutismo, reflectindo o Estado centralizado, governado por um autocrata com poderes ilimitados. A Arte Barroca tanto floresceu na burguesa Holanda, como nas monarquias absolutas.

Deparamos com dificuldades semelhantes quando tentamos relacionar a arte barroca com a ciência e a filosofia do período. Durante o século XVII o pensamento científico e filosófico tornou-se demasiado complexo, abstracto e sistemático para que os artistas o pudessem acompanhar.

ROMA Por volta de 1600, Roma tornou-se a fonte principal do Barroco, chamando a si artistas de outras regiões para a realização de novas e ousadas tarefas. O Papado patrocinava a arte em larga escala, com vista a fazer de Roma a mais bela cidade do mundo cristão.

A Pintura

CARAVAGGIO. A todos excedeu um pintor de génio, Caravaggio, do nome da sua terra natal, perto de Milão (1571-1610), o qual pintou em 1599-1610 várias telas monumentais para a capela da Igreja de S. Luigi dei Francesi, entre elas A Vocação de S. Mateus, obra extraordinária. O realismo de Caravaggio é de tal espécie que se tornou necessário um novo termo, “naturalismo”, para o distinguir. Nunca se vira antes um tema sagrado tratado assim, como um acontecimento contemporâneo entre gente humilde.

ARTEMÍSIA GENTILESCHI. As mulheres começaram a surgir enquanto personalidades artísticas distintas por volta de 1550. A primeira artista a ocupar uma posição importante foi Artemísia Gentileschi (1593-1653). Filha do discípulo de Caravaggio, nasceu em Roma e tornou-se numa das personalidades artísticas de maior destaque do seu tempo. Temas característicos da sua pintura são Betsabé, o desventurado objecto da paixão obsessiva do Rei David.

ANNIBALE CARRACCI. Annibale Carracci (1560-1609) era de Bolonha, onde criou um estilo antimaneirista por volta de 1580. Entre 1597 e 1604, produziu a sua obra mais ambiciosa, o tecto a fresco na galeria do Palácio Farnese,

que em breve se tornou quase tão famoso como os frescos de Miguel Ângelo e Rafael.

Annibale Carracci foi um reformador que sentiu que a arte tinha de regressar à Natureza, combinando estudos do vivo com um ressurgimento dos clássicos (que para ele eram a arte da Antiguidade e a de Rafael, Miguel Ângelo, Ticiano e Correggio).

A Arquitectura e a Escultura

SÃO PEDRO DE ROMA. Na arquitectura, os começos do estilo barroco não podem ser definidos com tanta precisão como na pintura. No vasto programa eclesiástico de construção iniciado em Roma por volta dos finais do século XVI, distinguiu-se o jovem arquitecto Carlo Maderno (1556-1629). Em 1603 foi-lhe confiada a tarefa de acabar a igreja de S. Pedro. O Papa decidira acrescentar uma nave ao edifício de Miguel Ângelo, convertendo-o numa basílica. A alteração do projecto tornou possível ligar São Pedro ao Palácio do Vaticano

BERNINI. A dimensão ingente de S. Pedro tornou a decoração interior uma tarefa singularmente difícil. Que o problema tenha sido resolvido, deve-se em grande parte ao mérito de Gianlorenzo Bernini (1598-1680), o maior arquitecto-escultor do século. A Basílica de S. Pedro ocupou, com algumas interrupções, a maior parte da sua longa e prolífera carreira. Começou por desenhar o enorme dorsel de bronze para o altar-mor sob a cúpula.

A sua obra-prima é a Capela Cornaro, que contém o famoso grupo O êxtase de Santa Teresa, na Igreja de Santa Maria della Vittoria.

Bernini criaria outro conjunto, numa escala ainda mais grandiosa, na ábside de S. Pedro, sem dúvida o ponto culminante da visita à Igreja.

BORROMI. O grande rival de Bernini na arquitectura foi Francesco Borromini (1599-1667), era do tipo oposto: génio reservado e emocionalmente instável, acabou por suicidar-se. Ambas as obras representam o apogeu da arquitectura barroca em Roma, mas enquanto o projecto de Bernini para a colunata de São Pedro é de uma unidade impressionantemente simples, as estruturas de Borromini são extravagantemente complexas. O primeiro grande projecto de Borromini, a Igreja de S. Carlo alle Quatro Fontane fez a sua reputação local e internacional.

TURIM

A Arquitectura

GUARINI. A riqueza das ideias novas introduzidas por Borromini viria a ser explorada não em Roma mas em Turim, que se tornou o centro criador da arquitectura barroca na Itália, nos finais do século XVII. Em 1666, a cidade atraiu a si o mais brilhante sucessor de Borromini, Guarino Guarini (1624-1683), um frade teatino, cujo génio arquitectónico tinha sólidas bases filosóficas e matemáticas.

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O seu traçado para a fachada do Palácio Carignano repete em maior escala o movimento ondulante de S. Carlo alle Quattro Fontane, com um vocabulário altamente pessoal. Mais extraordinária ainda é a cúpula de Guarini para a capela do Santo Sudário.

A Arquitectura

Não é de admirar que o estilo criado por Borromi e desenvolvido por Guarini viesse a alcançar o apogeu a Norte dos Alpes, na Áustria e no Sul da Alemanha, onde uma tal síntese de Gótico e Renascimento podia contar com uma recepção particularmente calorosa. Nestes países, assolados pela Guerra dos Trinta Anos, e onde pouco se construiu quase até ao fim do século XVII, o Barroco foi um estilo importado, trazido principalmente por visitantes italianos. Os arquitectos nacionais apenas ganhariam evidência na década de 1690.

FISCHER VON ERLACH. Johann Fischer von Erlach (1656-1723), o primeiro grande arquitecto do Barroco Final no centro da Europa, está directamente ligado à tradição italiana, como no traçado para a Igreja de S. Carlos Borromeu em Viena.

PRANDTAUER. Mais monumental ainda graças à soberba situação, é o Mosteiro de Melk, de Jakob Prandtauer (1660-1726) cujos vários edifícios se ligam numa estreita unidade tendo por centro a igreja. As paredes e as abóbadas parecem delgadas e maleáveis.

NEUMANN; TIEPOLO. É uma tendência que levarão ao máximo os arquitectos da geração seguinte, como Balthasar Neumann (1687-1753), o mais importante de todos. O seu maior projecto, o Palácio Episcopal de Wurzburgo, inclui a belíssima Kaisersaal, um grande salão elíptico, decorado a branco, ouro e outros tons pastel.

A última e mais requintada fase da decoração ilusionística de tectos está representada pelo seu maior mestre, Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770). Tiepolo combinou a tradição ilusionística do Barroco Pleno com a pompa de Veronese.

ZIMMERMANN. Um contemporâneo de Balthasar Neumann, Dominikus Zimmermann (1685-1766), criou o que talvez seja o melhor traçado espacial dos meados do século XVIII, a igreja bávara popularmente chamada Die Wies. escultura antiga, de Miguel Ângelo e da tradição gótica. As suas obras mais importantes são túmulos monumentais dos quais o maior e mais antigo foi o de Henrique II e Catarina de Médici.

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7 O BARROCO

NA FLANDRES, NA HOLANDA

E NA ESPANHA

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A FLANDRES

A Pintura

RUBENS. Embora nascido em Roma, o Barroco logo se tornou um estilo internacional. Enter os artistas que para tal contribuíram, o grande pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640) detém um lugar de importância única. Rubens foi educado na fé católica. Ensinado por pintores locais, Rubens tornou-se mestre em 1598, mas apenas criou um estilo pessoal quando, dois anos mais tarde, foi para Itália.

Durante os oito anos que passou no Sul estudou as obras-primas do Renascimento Pleno e a obra de Caravaggio e Annibale Carraci, absorvendo a tradição italiana mais profundamente que nenhum outro setentrional antes dele. Quando, em 1608, regressou à Flandres, foi nomeado pintor da corte do regente espanhol, o que lhe permitiu abrir uma oficina em Antuérpia, isenta das taxas locais e dos regulamentos das corporações. Rubens era apreciado na corte não só como artista, mas também como conselheiro e emissário especial.

O Levantamento da Cruz, o primeiro grande retábulo pintado por Rubens depois do seu regresso, mostra flagrantemente quanto ele deve à arte italiana.

Na década de 1620, o estilo dinâmico de Rubens atingiu o auge nos enormes conjuntos decorativos que fez para igrejas e palácios. O mais famoso talvez seja o ciclo do Palácio do Luxemburgo em Paris.

Por volta de 1630, o carácter turbulento e dramático das obras precedentes de Rubens transforma-se num estilo amadurecido de lírica ternura, inspirado em Ticiano, que Rubens redescobriu no Palácio Real durante uma estadia em Madrid. O Jardim do Amor é um belo resultado deste encontro.

O quadro deve ter tido um significado especial para ele porque acabara de casar com uma linda rapariga de 16 anos. Havia também comprado uma casa de campo e gozava a vida folgada de um grande senhor. Esta mudança levou-o a um renovado interesse pela pintura de paisagem, que até aí só praticara de quando em vez. Como paisagista, Rubens é o herdeiro tanto de Pieter Bruegel como de Annibale Carraci, uma vez mais criando uma síntese das suas fontes nortenhas e meridionais.

VAN DYCK. Além de Rubens, apenas um outro artista do Barroco Flamengo alcançou renome internacional. Anthony van Dyck (1599-1641) foi essa raridade entre pintores, um menino-prodígio. Antes dos vinte anos, tornara-se já o ajudante preferido de Rubens. A sua fama veio-lhe sobretudo dos retratos, especialmente os que executou em Inglaterra, como pintor da corte de Carlos I, entre 1632 e 1641. Entre os mais belos conta-se o de Carlos I na Caça. Van Dyck renovou o retrato de corte maneirista, segundo a linguagem pictural de Rubens e Ticiano. Criou uma nova tradição do retrato aristocrático que perdurou na Inglaterra até aos finais do século XVIII e teve uma influência considerável também no continente.

A HOLANDA

A Pintura e a Água-Forte

Em contraste com a Flandres, onde toda a arte foi posta na sombra pela personalidade majestosa de Rubens, a Holanda produziu uma espantosa variedade de mestres e de estilos. Embora os laços culturais com a Flandres permanecessem fortes, vários factores estimularam o rápido desenvolvimento de tradições artísticas holandesas. Ao invés da Flandres, onde toda a actividade artística irradiou de Antuérpia, a Holanda teve várias escolas locais florescentes. Além de Amesterdão, capital do comércio, encontramos grupos importantes em Haarlem, Utrecht, Leyden, Delft e outras cidades. A Holanda era uma nação de mercadores, lavradores e marinheiros, e a sua religião a fé protestante reformada; por isso os artistas holandeses não beneficiaram das grandes encomendas públicas do Estado e da Igreja que eram correntes em todo o mundo católico. O coleccionador particular tornou-se o suporte principal do pintor.

A mania de coleccionar na Holanda do século XVII provocou uma onda de talento só comparável à do Proto-Renascimento em Florença. Até os grandes mestres se viram algumas vezes em dificuldades financeiras.

A ESCOLA DE UTRECHT. O estilo barroco veio de Antuérpia para a Holanda, através da obra de Rubens, e de Roma pelo contacto directo com Caravaggio e os seus discípulos. Embora a maioria dos pintores holandeses não tenha visitado a Itália, houve alguns, no princípio do século, que por lá andaram, idos sobretudo de Utrecht, cidade com fortes tradições católicas. Não constitui surpresa que esses artistas fossem mais atraídos pelo realismo e “cristianismo laico” de Caravaggio do que pelo classicismo de Carracci. Embora a Escola de Utrecht não tenha dado origem a grandes artistas, os seus membros foram importantes porque transmitiram o estilo Caravaggio a outros mestres holandeses que bom uso fizeram destas novas ideias italianas.

FRANS HALS. Um dos primeiros a aproveitar desta experiência foi Frans Hals (1580-1666), o grande retratista de Haarlem. Nasceu em Antuérpia e o pouco que sabemos das suas primeiras obras sugere a influência de Rubens. Mas o estilo que veio a desenvolver, patente em quadros como O Alegre Beberrão, combina a robustez e a amplidão de Rubens com uma concentração no momento dramático que só pode ter vindo de Caravaggio, via Antuérpia.

O seu retrato de grupo As Regentes do Asilo de Velhos de Haarlem, demonstra uma penetração do carácter humano apenas igualada no estilo final de Rembrandt.

REMBRANDT. Rembrandt (1606-1669), o maior génio da arte holandesa, sofreu também nos começos da sua carreira a influência indirecta de Caravaggio. Os seus primeiros quadros, do período de Leyden (1625-1631), são pequenos, fortemente iluminados e intensamente realísticos; muitos deles, como Tobias e Ana com o Cabrito, tratam de assuntos do Antigo Testamento.

Dez anos mais tarde, em A Cegueira de Sansão, Rembrandt tinha desenvolvido um estilo de Barroco Pleno

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perfeitamente amadurecido. Tornou-se o mais procurado pintor de retratos de Amesterdão e homem de considerável fortuna.

Esta prosperidade foi diminuindo gradualmente na década de 1640; o ponto de viragem pode ter sido o seu famoso retrato-grupo, a Ronda da Noite.

Os anos que se seguiram a 1642 foram efectivamente um período de crise, de incertezas interiores e problemas exteriores. O estilo de Rembrandt alterou-se profundamente: a partir de 1650 substitui a retórica do Barroco Pleno por uma lírica subtileza e amplidão pictural.

Quadros como Jacob Abençoando os Filhos de José mostram esta nova profundidade de sentimento.

Nos seus últimos anos, Rembrandt adaptou muitas vezes, de um modo vincadamente seu, composições ou ideias pictóricas do Renascimento setentrional, como acontece, por exemplo, no Cavaleiro Polaco. O Regresso do Filho Pródigo, pintado alguns anos antes da sua morte, é talvez a mais comovente pintura religiosa de Rembrandt. É também a sua obra mais serena.

A GRAVURA A ÁGUA-FORTE. Mas não podemos deixar de acrescentar algo sobre a nova gravura a água-forte. No século XVII as técnicas de gravura em madeira e em metal serviam essencialmente para a reprodução de outras obras. Os gravadores originais do tempo, incluindo Rembrandt, preferiam a água-forte, muitas vezes combinada com a técnica de ponta-seca. Uma placa gravada a água-forte é bastante duradoira, permitindo tirar muito maior número de estampas que uma placa a ponta-seca. Mas a sua maior virtude reside na ampla gama de tonalidades que proporciona, incluindo as aveludadas sombras escuras impossíveis de obter pelos outros processos gráficos. Nenhum artista subsequente explorou as possibilidades desta qualidade tonal com tanta subtileza como Rembrandt.

PINTORES DE PAISAGENS E DE NATUREZAS-MORTAS. Os quadros religiosos de Rembrandt exigem uma sensibilidade que raros coleccionadores possuíam. A maior parte dos compradores de arte na Holanda preferiam assuntos mais próximos da sua própria experiência – paisagens, vistas arquitectónicas, naturezas-mortas, cenas do dia-a-dia. Todos estes géneros surgiram na última metade do século XVI. O movimento não se confinou à Holanda. Encontramo-lo um pouco por toda a parte, mas a pintura holandesa foi a sua fonte principal. O Forte na Margem de um Rio, de Jan van Goyen (1596-1656), representa um novo tipo de paisagem que gozou de grande popularidade, porque os seus elementos eram assaz familiares: a cidade distante, sob um pesado céu cinzento, visto através de uma atmosfera carregada de humidade, para lá da vastidão aquática – vista que ainda é característica da paisagem holandesa.

O quadro de Willem Heda, Natureza-Morta, pertence a um tipo muito corrente, a cena do pequeno almoço, mostrando os restos de uma refeição. Outros tipos de natureza-morta, tais como os arranjos de flores, remontam directamente às suas origens simbólicas.

STEEN. A vasta classe de pinturas chamadas de género é tão variada como a das paisagens e naturezas-mortas; vai desde as brigas de taberna aos interiores domésticos mais requintados. A Véspera de S. Nicolau de Jan Steen (1625-1679) está a meio caminho entre estes extremos.

VERMEER. Nas cenas de género de Jan Vermeer, pelo contrário, praticamente não há narrativa. Figuras isoladas, geralmente de mulheres, ocupam-se de simples tarefas quotidianas; quando há duas figuras, como na Carta, não fazem mais que trocar olhares.

A ESPANHA

A Pintura

Durante o século XVI, no auge do seu poder político e económico, a Espanha produziu grandes santos e escritores, mas nenhum artista plástico de primeira grandeza. O estímulo veio de Caravaggio e da pintura flamenga. Pouco depois de Aertsen e os seus contemporâneos terem estabelecido o género da natureza-morta, os mestres espanhóis começaram a desenvolver as suas próprias versões.

SANCHEZ COTÁN. No quadro de Sanchez Cotán (1561-1627), um dos primeiros e mais notáveis pintores espanhóis de naturezas-mortas, vemos o carácter distintivo desta tradição. Em contraste com os exuberantes arranjos de alimentos e objectos de luxo da pintura setentrional, encontramos aqui uma ordem e uma austera simplicidade que dão a estes legumes um novo contexto.

ZURBARÁN. A influência de Caravaggio firmou-se, durante a segunda década do século, especialmente em Sevilha, a pátria dos mais importantes pintores do Barroco espanhol. Entre eles, Francisco de Zurbarán (1598-1664) destaca-se pela calma intensidade dos seus quadros religiosos, tais como S. Serapião.

VELÁSQUEZ. Também Velásquez (1599-1660) pintou à maneira de Caravaggio, durante os seus primeiros anos, mas interessou-se mais pela pintura de género e pela natureza-morta que por temas religiosos. O Aguadeiro de Sevilha, que ele pintou aos vinte anos, mostra já o seu génio. Alguns anos mais tarde, Velásquez foi nomeado pintor da corte e mudou-se para Madrid, onde passou o resto da sua vida, executando principalmente retratos da família real.

Las Meninas exibe o estilo amadurecido de Velásquez no seu máximo esplendor. Trata-se ao mesmo tempo de um retrato de grupo e de uma cena de género. Poderia ter como subtítulo “o artista no seu atelier”, pois Velásquez representa-se a si mesmo a trabalhar numa enorme tela. As variedades de luz directa e reflectida em Las Meninas são quase ilimitadas.

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8 O BARROCO NA FRANÇA

E NA INGLATERRA

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A FRANÇA

A Pintura

Sob Luís XIV a França tornou-se a nação mais poderosa da Europa, militar e culturalmente: nos fins do século XVII, Paris rivalizava com Roma como capital do mundo das artes plásticas, posição que conservou durante séculos. Como se verificou esta surpreendente mudança? Por causa do Palácio de Versalhes e de outros projectos igualmente grandiosos, glorificando o Rei de França, somos tentados a pensar na arte francesa da época de Luís XIV como a expressão do absolutismo. Isto é verdade quanto ao apogeu do reinado de Luís XIV (1660-1685), mas nessa altura já a arte francesa do século XVII atingira um estilo próprio, ao qual os franceses se mostram relutantes em denominar Barroco; para eles, é o Estilo de Luís XIV; muitas vezes, também, designam a arte e a literatura do período como clássicas.

Aqui o termo clássico adquiriu três sentidos: sugere que o Estilo de Luís XIV corresponde ao Renascimento Pleno na Itália ou à Idade de Péricles na Grécia Antiga; em segundo lugar, designa a imitação das formas e temas da Antiguidade Clássica; finalmente, sublinha a existência de qualidades de equilíbrio e moderação, como as dos estilos clássicos do Renascimento Pleno e da Arte Antiga. Mas como o Estilo de Luís XIV reflecte a influência da arte barroca italiana, embora modificada, melhor é chamar-lhe “Barroco classicista” ou “Classicismo barroco”.

GEOGES DE LA TOUR. Alguns destes pintores seguiram a orientação de Caravaggio e desenvolveram estilos surpreendentemente originais; a importância de um deles, George de La Tour (1593-1652), só há pouco foi reconhecida. O seu S. José Carpinteiro poderia ser tomado por uma cena de género.

POUSSIN. A partir de 1640 o classicismo reinou supremo na França. O artista que mais contribuiu para isso foi Nicolas Poussin (1593-1665), o maior pintor francês do século e o primeiro, entre os seus compatriotas, a ganhar fama internacional; Poussin passou, no entanto, quase toda a sua carreira em Roma.

Cephalus e Aurora inspira-se na cor quente e rica de Ticiano e na sua atitude para com a mitologia clássica. Por contraste, no Rapto das Sabinas o movimento das figuras, fortemente modeladas, parece congelado, como o das estátuas, e muitas derivam da escultura helenística. Ao fundo, Poussin fez reconstituições de edifícios romanos que julgava arqueologicamente correctas.

CLAUDE LORRAINE. Se Poussin desenvolveu as qualidades heróicas da paisagem ideal, o grande paisagista francês Claude Lorraine (1600-1682) acentuou os seus aspectos suaves. Também viveu longo tempo em Roma, explorando os campos dos arredores. Desenhos sem conta, cheios de frescura e sensibilidade, dão testemunho dos seus extraordinários poderes de observação. Estes esboços procuram evocar a essência poética de uma paisagem plena de ecos da Antiguidade.

A Arquitectura

FRANÇOIS MANSART. Entretanto, as bases de um Classicismo Barroco eram lançadas na arquitectura francesa por um grupo de arquitectos em que avultava François Mansart (1598-1666). Segundo parece, nunca foi à Itália, mas já conhecia o novo estilo através dos trabalhos de alguns franceses que tinham importado e adaptado vários elementos do Proto-Barroco romano, em especial traçados de igrejas. As suas construções mais importantes foram solares ou grandes residências (châteaux) e neste domínio as tradições do Renascimento francês sobrepunham-se a quaisquer influências directas do Barroco italiano. O Château de Maisons, próximo de Paris, construído para um alto funcionário administrativo, mostra o estilo de Mansart na sua plenitude.

LUÍS XIV, COLBERT E O LOUVRE. Mansart faleceu demasiado cedo para ter parte na fase culminante do Classicismo Barroco, que principiou pouco depois de o jovem Luís XIV tomar as rédeas do governo (1661). Colbert, o principal conselheiro do rei, montou a estrutura administrativa em que assentava o poder do monarca absoluto. Incumbia às artes plásticas a tarefa de glorificar o rei: esse estilo “real” e oficial, na teoria e na prática, foi o Classicismo. O primeiro grande projecto que Colbert dirigiu foi a conclusão do Louvre. A sua Fachada Oriental assinalou a vitória do Classicismo francês sobre o Barroco italiano, como estilo “real”.

O PALÁCIO DE VERSALHES. As características barrocas reapareceram no maior empreendimento do rei, o Palácio de Versalhes. A mudança correspondia ao gosto do próprio Luís XIV, menos interessado em teorias arquitectónicas e exteriores monumentais que em interiores luxuosos que proporcionassem um quadro adequado a si próprio e à sua corte.

O Palácio de Versalhes, a pouco mais de 18 km do centro de Paris, foi começado em 1669 por Le Vau, que desenhou o plano para a Fachada do Jardim e morreu pouco depois. Sob a direcção de Jules Hardouin-Mansart (1646-1708), um sobrinho-neto de François Mansart, o projecto sofreu enorme ampliação, para albergar a sempre crescente casa real.

OS JARDINS DE VERSALHES. À parte o seu magnificiente interior, o aspecto mais fascinante de Versalhes é o parque que se estende por vários quilómetros a ocidente da Fachada do Jardim. O seu traçado, de André Le Nôtre (1613-1700), relaciona-se tão intimamente com o plano do palácio que se torna o prolongamento natural do espaço arquitectónico.

JULES HARDOUIN-MANSART. Em Versalhes, Hardouin-Mansart trabalhou como membro de uma equipa e subordinado ao traçado de Le Vau. O seu estilo arquitectónico próprio vê-se melhor na Igreja dos Inválidos. A planta, em cruz grega com quatro capelas de canto, baseia-se, em última análise no Plano de Miguel Ângelo para S. Pedro; o seu único elemento barroco é a capela-mor elíptica. A cúpula é o aspecto mais original e mais barroco do traçado de Hardouin-Mansart.

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A Escultura

Também na escultura um “estilo real” oficializado se desenvolveu por um processo muito semelhante ao da arquitectura. Bernini, quando em Paris, tinha talhado um busto em mármore de Luís XIV e fora também encarregado de fazer uma estátua equestre do rei. Mais tarde erigiram-se por toda a França estátuas equestres dos reis como símbolo da autoridade real.

GIRARDON. Sistematicamente destruídos na Revolução Francesa, só os conhecemos através de gravuras, reproduções e modelos, como o de François Girardon, que também executou muitas esculturas para os jardins de Versalhes.

COYSEVOX. Antoine Coysevox, escultor menos convictamente clássico que Girardon, foi também empregado por Lebrun em Versalhes. No seu grande baixo-relevo de estuque no Salão da Guerra, o vitorioso Luís XIV retém a pose da estátua equestre de Bernini.

PUGET. Pierre Puget, o maior dos escultores franceses do século XVII, só teve êxito na corte depois da morte de Colbert, quando o poder de Lebrun começou a declinar. Milo de Crotona, a sua melhor estátua, pode à vontade ser comparada a qualquer das de Bernini.

A Academia Real

A fiscalização centralizada das artes plásticas incluiu também um plano de educação dos artistas segundo as normas do estilo oficialmente aprovado. Na Antiguidade e na Idade Média, os artistas formavam-se pela aprendizagem nas oficinas, prática consagrada que prevalecia ainda no Renascimento. Mas à medida que a pintura, a escultura e a arquitectura foram alcançando o prestígio de artes liberais, muitos artistas ambicionaram acrescentar à sua preparação artesanal uma formação teórica. Com esse propósito, seriam fundadas “academias de arte”, segundo o modelo das academias de humanistas. As primeiras academias de arte surgiram na Itália, nos fins do século XVI; eram associações particulares de artistas, que se reuniam periodicamente para desenhar do modelo vivo e discutir questões de teoria da arte. Estas academias tomaram mais tarde carácter oficial, mas o seu ensino era limitado e estava longe de ser sistemático.

Assim foi a Academia Real de Pintura e de Escultura, de Paris, fundada em 1648; mas quando Lebrun se tornou seu director, em 1663, estabeleceu um rígido curriculum obrigatório de instrução prática e teórica, baseado num sistema de regras, que se tornou um padrão para todas as academias seguintes.

OS “POUSSINISTAS” E OS “RUBENISTAS”. A rigidez absurda da doutrina oficial gerou uma reacção de sinal contrário que se manifestou logo que a autoridade de Lebrun começou a declinar. Cerca do fim do século, os membros da Academia dividiram-se em duas facções batalhadoras, a partir da oposição entre desenho e cor: os conservadores (ou “Poussinistas”) contra os “Rubenistas”. Os conservadores defendiam a posição de Pussin de que o desenho, que se dirigia à inteligência, era superior à cor,

que se dirigia aos sentidos; os “Rubenistas” advogavam a cor, de preferência ao desenho, por ser mais fiel à Natureza. Sustentavam ainda que o desenho, reconhecidamente baseado na razão, só era acessível a raros conhecedores, enquanto a cor falava a toda a gente.

WATTEAU. Em 1717, os “Rubenistas” obtiveram o triunfo definitivo, quando o pintor Antoine Watteau (1684-1721), foi aceite na Academia com o seu Um Passeio a Cítera.

O Rococó Francês

A obra de Watteau deu o sinal para uma mudança na arte e na sociedade francesas. A seguir à morte de Luís XIV, emperrou a máquina administrativa que Colbert criara. E uma vez que as construções custeadas pelo Estado começaram a rarear, os projectos para residências particulares ganharam uma nova importância: os hôtels exigiram um estilo de decoração interior menos grandioso e pesado que o de Lebrun. Em resposta a esta necessidade, os decoradores franceses criaram o Rococó (ou estilo de Luís XV, como é frequentemente chamado em França). O Rococó corresponde a um requinte em tom menor do Barroco curvilíneo e elástico de Borromini e Guarini.

FRAGONARD. Muita da pintura do Rococó é intima na escala e deliciosamente sensual pelo estilo e pelo assunto, falta-lhe a profundidade emocional que distingue a arte de Watteau. Tendência em que se distinguiu Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), cujas Banhistas nos servirão de exemplo representativo. Um “Rubenista” mais franco que Watteau, Fragonard pinta com uma fluidez e espontaneidade que lembram os esboços a óleo de Rubens. Contudo, o estilo que praticou com tanta mestria não foi a única alternativa que se lhe abriu e aos restantes pintores franceses desta geração.

CHARDIN. Outro rumo tomaria se lhe aproveitasse o exemplo do seu primeiro mestre, Jean-Baptiste Siméon Chardin (1699-1779), cujo estilo só pode chamar-se Rococó sob muitas reservas. Os “Rubenistas”, por seu lado, abriram caminho para um renovado interesse pelos mestres holandeses, corrente em que Chardin se tornou o melhor pintor de naturezas-mortas e de cenas de género, como De Regresso do Mercado, onde apresenta a vida da classe média parisiense.

A INGLATERRA

A Arquitectura

O estilo Perpendicular, forma insular do Gótico Final, revelou-se extraordinariamente persistente: os edifícios ingleses ainda conservavam em 1600 uma sintaxe perpendicular.

INIGO JONES. O primeiro arquitecto do Renascimento inglês foi Inigo Jones (1573-1652). Apesar de ter estado na Itália cerca de 1600 e novamente em 1613, não trouxe consigo o Proto-Barroco: convertera-se num ferrenho palladiano. O Palácio dos Banquetes no Whitehall, em

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Londres, obedece sob todos os aspectos aos princípios estabelecidos no Tratado de Palladio. Simétrico e auto-suficiente, o edifício aproxima-se mais do Palazzo renascentista que qualquer outro da mesma época a norte dos Alpes. O estilo de Jones, apoiado na autoridade de Palladio como teorizador, foi o farol da ortodoxia classicista na Inglaterra durante dois séculos.

WREN. Este classicismo está patente nalgumas partes da Catedral de S. Paulo de Sir Cristopher Wren (1632-1723), o grande arquitecto inglês dos finais do século XVII, que não ficou indiferente às realizações do Barroco Romano.

A Pintura

A evolução da arquitectura inglesa do século XVII seguiu o padrão francês; por volta de 1700 o Barroco Pleno destronou a tradição classicista. Mas a Inglaterra nunca aceitou o Rococó. O segundo quartel do século XVIII produziu um Palladianismo ainda mais racionalista que o de Inigo Jones, e único na Europa do seu tempo. Em contrapartida, a pintura rococó francesa, de Watteau a Fragonard, teve uma influência decisiva no outro lado do Canal da Mancha, e contribuiu para a formação da primeira escola de pintura inglesa que, desde a Idade Média, só merecera interesse limitado e local.

HOGARTH. De entre os novos pintores, William Hogarth (1697-1764) tornou-se famoso na década de 1730 com um novo género de quadro, que ele descreveu como temas morais modernos semelhantes a representações teatrais. Na Orgia, o jovem devasso entrega-se à luxúria e ao vinho. É talvez o primeiro artista na história a tornar-se crítico social por direito próprio.

GAINSBOROUGH. O retrato continuou a ser a única fonte de rendimento constante para os pintores ingleses, que criariam no século XVIII um estilo muito diferente da

tradição europeia do género. Acima de todos distinguiu-se Thomas Gainsborough (1727-1788), que, de pintor de paisagens, acabou como retratista preferido da alta sociedade britânica. Há nos seus primeiros retratos, como o de Robert Andrews e sua Mulher, um encanto lírico que falta nalguns quadros mais tardios.

REYNOLDS. Sir Joshua Reynolds (1723-1792), presidente da Academia Real (Royal Academy) desde a sua fundação em 1768, era o expoente da posição académica perante a arte, empenhamento que foi consequência de dois anos de estadia em Roma. Apesar de preferir a pintura histórica em grande escala, a esmagadora maioria das suas obras são retratos, enobrecidos, sempre que possível, por alusões alegóricas ou disfarces como o de Mrs. Siddons. Reynolds quase conseguiu dar à pintura, na Inglaterra, a respeitabilidade de uma arte liberal.

A Escultura

Durante a Reforma procedeu-se a uma destruição sistemática da escultura em Inglaterra. Com o surto da vigorosa escola inglesa de pintura, também cresceu o interesse pela escultura, e durante o século XVIII a Inglaterra deu um exemplo ao resto da Europa, ao criar um tipo de monumento ao génio – estátuas de grandes vultos da cultura, como Shakespeare, homenagem pública até então reservada a chefes de Estado.

ROUBILIAC. Uma das primeiras e mais insinuantes é a estátua do compositor George Frederick Handel pelo escultor de origem francesa Louis-François Roubiliac (1702-1762). Handel foi o primeiro grande êxito de Roubiliac na sua pátria adoptiva, e tornou-se o verdadeiro antepassado de inúmeras estátuas erguidas em louvor de homens ilustres, um pouco por toda a parte.

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QUARTA

PARTE

O MUNDO

MODERNO

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1 O NEO-CLASSICISMO

E O ROMANTISMO

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A história destes movimentos cobre aproximadamente um século, de 1750 a 1850. Considerados durante muito tempo como opostos, parecem hoje tão interdependentes que de bom grado preferiríamos uma denominação comum, se ela existisse. A dificuldade está em que os dois termos assentam em critérios diferentes de classificação. O Neo-Classicismo é um ressurgimento da arte da Antiguidade Clássica mais coerente que os primeiros classicismos, enquanto o Romantismo, referindo-se a uma atitude de espírito que pode revelar-se sob muitos aspectos, é um conceito mais lato e portanto mais difícil de definir.

A palavra vem dos “romances”, histórias de aventuras medievais (como as lendas do Rei Artur ou do Santo Graal), tão em voga nos finais do século XVIII, e assim chamados por serem escritos em língua “romântica”, e não em latim.

Mas o propósito declarado dos Românticos era o de derrubar os artifícios que barravam o caminho a um regresso à Natureza, a Natureza desmedida, selvagem e variável, sublime ou pitoresca.

O Romantismo favoreceu a revivência não de um só estilo, mas de um número potencialmente ilimitado de estilos. E, de facto, as revivências tornaram-se um princípio estilístico: o “estilo” do Romantismo nas artes plásticas.

Nesse contexto, o Neo-Clássicismo é apenas um aspecto do Romantismo e foi incluído no título deste capítulo somente porque, até cerca de 1800, desempenhou um papel mais importante do que os outros revivalismos Românticos.

A ARQUITECTURA Os pintores e escultores não conseguiram abandonar os hábitos de representação herdados do Renascimento e nunca voltaram à Idade Média ou à Antiguidade pré-clássica. Os arquitectos, no entanto, não estavam sujeitos a esta limitação, e os estilos revivalistas prolongaram-se por mais tempo na arquitectura do que nas outras artes.

O Movimento Paladiano em Inglaterra

Foi na Inglaterra que nasceu a arquitectura romântica, com o ressurgimento Palladiano, nos anos de 1720, patrocinado por um rico amador, Lord Burlington. Chiswick House, adaptada da Villa Rotonda, é um edifício compacto, simples e geométrico – a antítese da pompa barroca do Palácio de Blenheim.

OS JARDINS INGLESES. Que jardim lhe conviria? Lord Burlington e o seu grupo entenderam que o tipo convencional e geométrico, como o de Le Nôtre em Versalhes não era natural. E assim criaram o chamado “jardim à inglesa”. Cuidadosamente planeado, com caminhos serpenteados, arbustos e árvores irregularmente dispostos, e pequenos lagos e ribeiros, em vez de tanques e canais de traçado geométrico, o jardim racional devia ser

tão rico de surpresas e variedade como a própria Natureza. O jardim à inglesa é uma obra de arte disfarçada.

O Racionalismo em França

SOUFFLOT. O movimento racionalista contra o Barroco surgiu mais tarde em França. O seu primeiro grande monumento, o Panteão de Jacques Germain Soufflot (1713-1780), em Paris, foi construído como igreja sob a invocação de Sta. Genoveva, mas secularizado durante a Revolução.

BOULLÉE. Étienne-Louis Boullée (1728-1799) era meia geração mais novo que Soufflot e muito mais ousado. Construiu pouco, mas as suas lições na Academia ajudaram a criar uma tradição arquitectónica visionária, que floresceu durante o último terço do século e os primeiros anos do seguinte. O ideal de Boullée era uma arquitectura de nobreza majestosa, um efeito que ele procurou conseguir através da combinação de grandes massas simples.

As Escavações Arqueológicas

Os meados do século XVIII foram profundamente agitados por dois acontecimentos: o redescobrimento da arte grega como a fonte original do estilo clássico, e as escavações em Herculano e Pompeia, que revelaram pela primeira vez a vida diária dos Antigos, e toda a dimensão das suas artes e ofícios. Livros ricamente ilustrados sobre a Acrópole de Atenas e os achados de Herculano e Pompeia foram publicados na Inglaterra e na França. Daí brotou um novo estilo de decoração interior.

JEFFERSON. Entretanto, o Palladianismo lançado por Lord Burlington espalhou-se além-mar até às colónias americanas, onde se tornou conhecido sob o nome de estilo Georgiano. Um dos melhores exemplos deste estilo é a casa de Thomas Jefferson (1743-1826), Monticello.

Esta fase de Revivência Grega do Neo-Classicismo começou, em pequena escala, na Inglaterra, mas foi rapidamente adoptada em toda a parte.

O Clássico contra o Gótico; alternativas

Enquanto a Revivência Clássica de 1750 a 1800 se tornava cada vez mais arqueológica, a do Gótico dava também os primeiros passos, novamente impulsionada pelos Ingleses. A arquitectura gótica nunca desaparecera de todo na Inglaterra. O seu ressurgimento consciente estava ligado ao culto do pitoresco e à moda dos romances medievais.

WALPOLE. Foi dentro deste espírito que Horace Walpole (1717-1797), no terceiro quartel do século, aumentou e goticizou a sua casa de campo, Strawberry Hill, dando-lhe um carácter gótico. Apesar da sua deliberada irregularidade, o edifício tem superfícies lisas e delicadas. O interior parece decorado com renda de papel, possuindo um alegre encanto especial, livre de qualquer dogma estilístico. Aqui, o Gótico é ainda um estilo exótico – agrada porque é estranho, mas por isso mesmo tem de ser traduzido, tal como um romance medieval.

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Depois de 1800, a escolha entre as modas clássica e gótica pendeu para a última. O sentimento nacionalista, fortalecido pelas guerras napoleónicas, tornou-se um factor importante, pois tanto para a Inglaterra como para a França e a Alemanha o Gótico representava o génio nacional.

BARRY E PUGIN. Todas estas considerações se conjugaram no projecto de Sir Charles Barry e A. Welby Pugin para o Parlamento de Londres, o maior monumento da Revivência Gótica. Como sede de uma vasta e complexa organização governamental, mas ao mesmo tempo ponto fulcral do sentimento patriótico, apresenta uma curiosa mistura – uma simetria repetitiva domina o corpo central do palácio, enquanto uma irregularidade pitoresca caracteriza o seu perfil.

A Arquitectura Industrial

Esta arquitectura de ostentação estava divorciada das necessidades práticas da era industrial – quando as fábricas, armazéns, lojas e apartamentos urbanos constituíam o grosso da construção civil. É justamente no mundo da arquitectura comercial que vamos encontrar, a partir de 1800, a introdução progressiva de novos materiais e técnicas, que viriam a ter profunda influência no estilo de arquitectura “fim de século”. Foi decisiva a utilização do ferro, nunca usado anteriormente como material de construção. Algumas décadas depois do seu aparecimento, as colunas e arcos de ferro tinham-se tornado o meio de suporte habitual para a cobertura de grandes espaços como as estações de caminho de ferro, salas de exposição e bibliotecas públicas.

A PINTURA A grande realização do Romantismo no campo das artes plásticas encontra-se na pintura. Dependendo menos da aceitação pública, acomodava-se mais ao individualismo do artista romântico e também às ideias e aos temas literários dominantes. A literatura do passado e do presente tornou-se mais que nunca uma importante fonte de inspiração para os pintores, proporcionando-lhes uma nova gama de assuntos, emoções e atitudes. Os poetas românticos, por sua vez, viram muitas vezes a natureza com os olhos de um pintor. Dentro do movimento romântico, a arte e a literatura estabelecem uma relação complexa e subtil.

A pintura romântica, tal como a arquitectura, começou como uma reacção, em nome da Razão e da Natureza, contra a artificialidade barroca.

A América

WEST. Pode parecer surpreendente que um dos primeiros a sofrer a influência destes pintores tenha sido Benjamin West (1738-1820), que chegou a Roma, vindo da Pensilvânia, em 1760, causando certa sensação, por ter sido o primeiro pintor americano a vir à Europa. A sua carreira foi mais europeia que americana. No entanto, orgulhou-se

sempre da sua nação e isso permitiu-lhe dar uma contribuição pessoal para o desenvolvimento do Romantismo, sintetizada no quadro Morte do General Wolfe.

COPLEY. Um talentoso compatriota de West, John Singleton Copley, de Boston (1738-1815), mudou-se para Londres seis anos antes da Revolução Americana. Como excepcional pintor de retratos, tinha adaptado ao ambiente cultural da Nova Inglaterra as fórmulas da tradição inglesa.

Na Europa, Copley voltou-se para a pintura histórica à maneira de West, perdendo assim as suas virtudes provincianas. Mais memorável como obra de arte, e também como modelo de imagística romântica, é o seu Watson e o Tubarão.

A Inglaterra

FUSELI. O afã romântico de buscar experiências aterradoras não se quedava pela violência física; podia mergulhar nas sombrias profundezas do espírito humano, como acontece no Pesadelo de John Henry Fuseli (1741-1825). Este pintor, suíço de nascimento e originalmente chamado Fussli, teve um extraordinário papel no seu tempo. Ele baseou o seu estilo em Miguel Ângelo e nos Maneiristas, e não em Poussin ou nos Antigos. No Pesadelo a mulher adormecida é neo-clássica, o diabo e o cavalo luminoso provêm do mundo do folclore medieval.

BLAKE. Mais tarde, em Londres, Fuseli travou amizade com o poeta-pintor William Blake (1757-1827), cuja personalidade era ainda mais estranha que a sua. Blake produzia e publicava ele mesmo os seus livros de poemas, com o texto gravado e ilustrações pintadas à mão. Sentia uma profunda admiração pela Idade Média e conseguiu, mais que qualquer outro artista do Romantismo, ressuscitar formas anteriores ao Renascimento. Todos estes elementos estão presentes na memorável imagem de O Ancião dos Dias.

COZENS. Seria possível imaginar um contraste maior que entre o Ancião e a Paisagem, de Alexandre Cozens (1717-1786). Este tinha-se cansado das paisagens idílicas que eram ao tempo tão admiradas.

Como professor, concebeu aquilo a que chamou um novo método para estimular a invenção, mediante o desenho de composições originais de paisagem. Em que consistia esse método? Porque não amarrotar uma folha de papel, alisá-la e enchê-la de borrões de tinta, enquanto se pensa vagamente numa paisagem? Os borrões de Cozens não são obra da Natureza, mas sim obras de arte.

O “Método” não foi esquecido em parte devido à sua própria notoriedade. Os dois grandes mestres da paisagem romântica na Inglaterra, John Constable e William Turner, ambos beneficiaram dele.

CONSTABLE. John Constable (1776-1837) opunha-se vivamente a todos os devaneios da fantasia. Segundo ele, a pintura de paisagem devia basear-se em factos observáveis, devia captar a perfeição de efeitos naturais puros. Todos os seus quadros mostram vistas conhecidas do campo inglês.

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Interessavam-lhe mais as qualidades intangíveis – as condições do céu, da luz e da atmosfera – que os pormenores concretos da cena. Muitas vezes, como na Charneca de Hampstead, a terra serve apenas para realçar o drama cambiante do vento, da luz e das nuvens.

O céu para ele era a chave-mestra, a escala padrão e o principal órgão do sentimento. Constable conseguiu uma técnica muito ampla, livre e pessoal.

TURNER. O seu contemporâneo, William Turner (1773-1851), começou como aguarelista, e a utilização de tons translúcidos sobre papel branco ajuda a explicar a sua preocupação pela cor da luz. Como Constable, fez numerosos estudos do natural, escolhendo cenários que satisfaziam o gosto romântico, por tudo o que fosse pitoresco ou sublime – as montanhas, o mar, ou os sítios ligados a acontecimentos históricos.

O Navio Negreiro é uma das mais espectaculares visões de Turner e mostra como ele transformava as suas fontes literárias em vapor colorido.

A Alemanha

FRIEDRICH. Na Alemanha, como na Inglaterra, a paisagem foi a mais bela realização da pintura romântica. Quando Gaspar David Friedrich (1774-1840), o mais importante artista alemão do Romantismo, pintou o Mar Polar, é possível que conhecesse As Ilusões da Esperança de Turner. Em todo o caso, partilhava a atitude de Turner perante o destino humano. O quadro, como tantos outros, fora inspirado por um acontecimento específico, a que ele deu uma significação simbólica.

De uma tristeza desoladora, o quadro é um reflexo angustiante da própria melancolia do artista. Não há aqui qualquer sugestão de vapor colorido – o próprio ar parece congelado.

Esta técnica impessoal e meticulosa é característica da pintura romântica alemã. Por volta de 1800, os pintores alemães redescobriram aquilo que consideraram a sua herança pictórica nacional: os pintores medievais do século XV e dos princípios do século XVI. Esta “Revivência Gótica”, contudo, não foi além do assunto e da técnica. Técnica que nas mãos de Friedrich deu efeitos extraordinários, mas foi uma desvantagem para a maioria dos seus compatriotas, menos ricos de imaginação.

A América

BINGHAM. Também o Novo Mundo teve os seus paisagistas românticos, embora até 1825 os americanos estivessem demasiado ocupados a construir casas para prestarem atenção à qualidade poética da natureza. Negociantes de Peles no Missouri, de George Caleb Bingham (1811-1879), revela esta proximidade da terra. O quadro é ao mesmo tempo uma paisagem e uma cena de género. O quadro faz-nos lembrar as descrições de Mark Twain da sua infância à beira-rio, e recorda-nos ao mesmo tempo quanto o aventureirismo romântico teve a ver com a expansão para Oeste nos Estados Unidos.

A França: Reforma e Revolução

GREUZE. Entretanto, na França, os pensadores do Iluminismo, antepassados dos intelectuais da Revolução, encorajaram a corrente anti-rococó na pintura. Esse espírito explica a súbita fama, por volta de 1760, de Jean Baptiste Greuze (1725-1805). A Noiva de Aldeia, como os seus outros quadros desse período, é uma cena familiar da vida do povo. Mas distinguiu-se da pintura de género anterior pelo seu carácter teatral.

DAVID. Jacques-Louis David (1748-1825), um Neo-Poussinista muito mais dotado e rigoroso, tinha desenvolvido o seu estilo neo-clássico em Roma, durante os anos de 1775-1781. Em A Morte de Sócrates, de 1787, parece mais “Poussinista” que o próprio Poussin.

David tomou parte activa na Revolução Francesa e durante alguns anos dispôs de um poder sobre todas as actividades artísticas do país. Durante esse período, pintou o seu melhor quadro, A Morte de Marat.

David compôs a cena com uma crueza verdadeiramente impressionante. Nesta tela, concebida como um monumento público ao herói-mártir, reúnem-se a imagem de devoção e a narrativa histórica.

GROS. Quando, passados alguns anos, David conheceu Napoleão, tornou-se um ardente bonapartista e pintou vários grandes quadros, a glorificar o Imperador. Mas um dos seus discípulos preferidos, Antoine-Jean Gros (1771-1835), veio a eclipsá-lo como o principal pintor do mito napoleónico. O primeiro retrato que Gros pintou do grande general exprime com um entusiasmo romântico que David nunca poderia igualar, a magia de Napoleão como irresistível “homem do destino”. Por muito que Gros respeitasse as doutrinas do mestre, a sua natureza emotiva impelia-o para a cor e dramatismo do Barroco.

INGRES. O manto de David veio a caber finalmente a um outro discípulo, Jean-Auguste Dominiqe Ingres (1780-1867). Demasiado jovem para participar nas paixões da Revolução, Ingres nunca foi um bonapartista convicto.

Ingres é habitualmente considerado como um neo-clássicista e os seus opositores como românticos. Na realidade, ambas as facções representam aspectos diferentes do Romantismo: a fase neo-clássica, com Ingres como último representante significativo, e a Neo-Barroca primeiro esboçada no Napoleão em Arcole, de Gros. Estes dois campos pareciam ressuscitar a velha querela entre Poussinistas e Rubenistas. Ingres considerou sempre o desenho superior à pintura e, no entanto, a Odalisca revela um raro sentido de cor.

Se a ambição constante de Ingres era a pintura de história, ao modo de Poussin, é certo que não lhe venceu as dificuldades e que os seus dotes excepcionais o encaminhavam para o retrato, género donde auferiu os seus maiores proventos. O retrato de Louis Bertn é uma obra-prima.

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A Espanha

GOYA. O grande pintor espanhol Francisco Goya (1746-1828) chegou pela primeira vez a Madrid em 1766. As suas primeiras obras, num estilo deliciosamente Rococó tardio, reflectem a influência de Tiepolo e dos mestres franceses.

Mas durante a década de 1780, Goya tornou-se um libertário; simpatizava com o Iluminismo e a Revolução, e não com o rei de Espanha, que se tinha aliado a outros reis na guerra contra a jovem república francesa. Era, no entanto, apreciado na corte, especialmente como pintor de retratos. Abandonou então o Rococó por um estilo neo-barroco inspirado em Velázquez e Rembrandt, os mestres que mais admirava. A Família de Carlos IV apresenta ecos deliberados de Las Meninas.

Quando os exércitos de Napoleão ocuparam a Espanha, em 1808, Goya e muitos dos seus compatriotas tiveram a esperança de que os conquistadores trouxessem as reformas liberais que tão necessárias eram. Mas o comportamento selvagem das tropas francesas depressa desfez essas esperanças e provocou uma onda de resistência popular igualmente feroz. Muitas das obras de Goya do período entre 1810 e 1815 reflectem essa amarga experiência. A mais importante é o Três de Maio de 1808, comemorando a execução de um grupo de revoltosos madrilenos.

Depois da derrota de Napoleão, a monarquia restaurada em Espanha trouxe uma nova onda de repressão e Goya retirou-se cada vez mais para um mundo interior, com visões de pesadelo, como o Bobabilicon. Finalmente, em 1824, Goya exilou-se voluntariamente, instalou-se em Bordéus, onde morreu. A sua influência no neo-barroco Romântico francês é bem comprovada pelo seu maior pintor, Eugéne Delacroix, o qual afirmava que o estilo ideal seria uma combinação da arte de Miguel Ângelo com a de Goya.

A França: A Pintura Romântica

GÉRICAULT. Mas a influência de Goya em França fez-se sentir apenas depois da sua morte. A tendência neo-barroca iniciada por Gros tinha então despertado a imaginação de muitos e talentosos jovens. O Oficial da Guarda Imperial a Cavalo, pintado por Theodore Géricault (1791-1824), apresenta a concepção do herói romântico. Géricault veio a interessar-se mais tarde pelos pintores ingleses de animais, como George Stubbs. Mas os seus heróis cimeiros, além de Gros e dos grandes mestres do Barroco, foram David e Miguel Ângelo.

Um ano de estudo em Itália levou-o a uma compreensão mais profunda do nu como imagem de poder expressivo; estava agora apto a iniciar a sua obra mais ambiciosa, a Jangada do Medusa.

DELACROIX. O ano de 1824 fo crucial para a pintura francesa. Géricault morreu; Ingres regressou a França vindo de Itália e obteve o primeiro êxito público; a exposição de obras de Constable em Paris foi uma revelação para muitos artistas franceses; e o Massacre de Chios consagrou Eugéne Delacroix como principal pintor neo-barroco do Romantismo. Grande admirador de Gros e de Géricault,

Delacroix (1798-1863) já expunha há alguns anos, mas o Massacre fez a sua reputação. Esta obra foi inspirada num acontecimento contemporâneo – a guerra de independência da Grécia contra os Turcos.

Um céu igualmente escuro e tempestuoso aparece também na última homenagem de Delacroix à causa grega, A Grécia nas Ruínas de Missolonghi.

A simpatia de Delacroix pelos Gregos não o impediu de comungar no entusiasmo geral dos Românticos pelo Próximo Oriente. Uma visita ao Norte de África em 1832 deixou-o encantado. Os esboços feitos durante esta sua viagem forneceram-lhe um vasto repertório de temas para o resto da vida – interiores de harém, cenas de rua, caçadas ao leão.

MILLET. François Millet (1814-1875) foi um dos artistas da escola de Barbizon, que se tinham fixado nesta aldeia, próximo de Paris, para pintar paisagens e cenas da vida rural. O seu Semeador reflecte a concisão e a amplitude das formas de Daumier, agora esbatidas pela atmosfera brumosa.

BONHEUR. A revolução popular de 1848 elevou Millet e a Escola de Barbizon a uma posição importante na arte francesa. Nesse mesmo ano, Rosa Bonheur (1822-1899), também uma pintora de exteriores, recebeu uma comissão do governo francês que a levou ao seu primeiro êxito e a ajudou a estabelecer-se como a mais proeminente pintora de animais. O seu quadro Arando os Campos em Nivernais foi exibido no ano seguinte.

COROT. Outro artista ligado à Escola de Barbizon, embora não lhe pertencesse, foi Camille Corot (1796-1875). De destacar as suas últimas paisagens, enevoadas e poéticas. Em 1825 foi para Itália, por dois anos, e explorou o campo à volta de Roma. Os seus quadros são análogos aos esboços a óleo de Constable, mas remontam a uma tradição diferente.

A ESCULTURA Os impulsos rebeldes e individualistas do Romantismo podiam encontrar expressão em esboços toscos e em pequena escala, mas raramente conseguiram sobreviver ao laborioso processo de transpor o esboço para um monumento acabado e permanente.

Os escultores sentiam-se esmagados pela autoridade atribuída às estátuas antigas. Eis porque a escultura entrou numa crise que só findou no último quartel do século XIX.

HOUDON. Como se pode deduzir, o retrato foi um campo propício à escultura neo-clássica. O seu representante mais importante, Jean Antoine Houdon (1741-1828), conserva ainda o sentido agudo do carácter individual introduzido por Coysevox. A bela estátua de Voltaire faz plena justiça à sabedoria e ao humor céptico do modelo, e a roupagem clássica do famoso escritor.

Houdon foi em seguida convidado a ir à América para executar a estátua de G. Washington, de que fez duas

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versões, uma em trajes clássicos, a outra em vestuário moderno.

CANOVA. Ainda assim, Washington conseguiu escapar ao retrato nu heróico, tipo de representação muito do agrado dos jovens escultores neo-clássicos. Avultava entre eles o famoso António Canova (1757-1822) autor de uma estátua nua de Napoleão, inspirada em retratos de imperadores romanos divinizados.

A obra mais ambiciosa de Canova, O Túmulo da Condessa Maria Cristina, em contraste com os túmulos anteriores, não inclui a verdadeira sepultura – a pirâmide é falsa, uma simples fachada sem profundidade, aposta à parede da igreja. Qual a diferença entre a arquitectura verdadeira e a simulada?

PRÉAULT. Este dilema poderia ter sido resolvido de duas maneiras: ressuscitando um estilo pré-clássico suficientemente abstracto para restituir à escultura a sua realidade autónoma, ou regressando ao carácter francamente teatral do Barroco. Foi esta a alternativa mais viável nas condições da época, embora houvesse tentativas isoladas para explorar a primeira. Auguste Préault (1809-1979), o mais ousado escultor do seu tempo e aquele cuja personalidade mais se aproximou do ideal romântico, criou obras que correspondem ora a uma ora a outra das correntes. O baixo-relevo Massacre transborda de violência física e emocional, muito para além da que se pode encontrar na arte barroca, e, no entanto, as suas expressivas distorções, o espaço irracional repleto de formas a contorcerem-se, evocam a escultura gótica.

RUDE. Quando o Massacre foi exibido ao público em 1834, teve poucos admiradores. Um deles deve ter sido o escultor François Rude (1784-1855), como sugere a sua própria obra-prima, a esplêndida e retórica Marselhesa, num dos pilares do Arco do Triunfo em Paris.

CARPEAUX. O verdadeiro herdeiro de Rude foi Jean-Baptiste Carpeaux (1827-1875), cujo famoso grupo para a fachada da Ópera de Paris, A Dança, se adequa perfeitamente à arquitectura neo-barroca de Garnier.

A FOTOGRAFIA Será a fotografia uma arte? É claro que a fotografia em si mesma é apenas um meio, como o óleo ou o pastel, usado para criar arte, não podendo, só por si, reclamar-se como tal. A fotografia, tal como a arte, implica criatividade, porque, pela sua própria natureza, recorre à imaginação.

Os Inventores

A invenção da fotografia foi uma resposta às necessidades artísticas e às forças históricas que subjazem ao Romantismo.

Os Retratos

Os primórdios da fotografia reflectem a visão e o temperamento românticos: na verdade, o século XIX tinha uma curiosidade generalizada e a forte convicção de que tudo podia ser descoberto. A fotografia teve um extraordinário impacto na imaginação desta época, tornando o resto do mundo acessível, ou simplesmente revelando-o sob uma forma diferente.

O amor pelo exótico era parte integrante do escapismo romântico, e em 1850 encontramos já fotógrafos que carregaram o equipamento até lugares distantes.

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2 O REALISMO

E O IMPRESSIONISMO

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A PINTURA

A França

COURBET E O REALISMO. Orgulhoso da sua origem camponesa e de convicções socialistas em política, Courbet começara por ser um romântico neo-barroco no início da década de 1840. Mas cerca de 1848, sob o choque das convulsões revolucionárias que varriam a Europa, convenceu-se de que a importância dada pelo Romantismo ao sentimento e à imaginação não passava de uma fuga às realidades da época. O artista moderno devia reger-se pela sua experiência directa, devia ser um realista.

A tempestade rompeu em 1849, quando ele expôs Os Britadores de Pedra, a primeira tela que exprime plenamente o seu realismo programático.

Courbet deu a conhecer ao público os seus quadros, expô-los por sua conta num barracão e distribuiu um “Manifesto do Realismo”. Como peça fundamental apresentava uma tela enorme, a mais ambiciosa da sua carreira, intitulada Interior do meu Atelier, uma Alegoria Real, Resumo de Sete Anos da Minha Vida de Artista. A estrutura já é conhecida – a composição de Courbet pertence claramente ao tio de Las Meninas de Velásquez e de A Família de Carlos IV de Goya. Agora, porém, o artista ocupa o centro.

MANET E A “REVOLUÇÃO DA MANCHA DE COR”. Um quadro que causou ainda mais escândalo foi Le Déjeuner sur l’herbe, que apresenta uma mulher nua, na companhia de dois homens de sobrecasaca. O seu autor é Édouard Manet (1832-1883), e foi o primeiro a compreender toda a importância de Coubert. Ofendeu em especial a moralidade contemporânea, pela justaposição do nu e das figuras vestidas, numa composição ao ar livre.

A obra de Manet atesta uma dedicação de toda a vida à pintura pura – a convicção de que as pinceladas e as manchas de cor, e não o que elas representam, constituem a primeira realidade do pintor. Muitas das telas de Manet são na verdade pinturas de pinturas – traduzem em termos modernos as obras mais antigas que particularmente o atraíram.

Olhando para o Tocador de Pífaro, compreendemos o que ele queria dizer. Pintado três anos depois do Déjauner, é um quadro sem sombras. Manet rejeita todos os métodos criados desde o tempo de Giotto para transmudar uma superfície plana em espaço pictórico. A própria tela foi repensada – é uma cortina constituída por manchas lisas de cor.

MONET E O IMPRESSIONISMO. O que provocou esta revolução da mancha de cor? Tudo leva a crer que ele sentiu a urgência de criar um novo estilo como resposta ao desafio da fotografia. Ao contrário de Courbet, não deu qualquer nome ao estilo que criou. Quando os seus discípulos começaram a chamar-se a si mesmos Impressionistas, ele recusou-se a aceitar o termo para a sua própria pintura.

A palavra tinha sido cunhada em 1874, depois de um crítico hostil ter visto um quadro intitulado Impressão: Nascer do Sol, de Claude Monet (1840-1926), e ajusta-se melhor a

Monet do que a Manet. Monet tinha adoptado a concepção da pintura da Manet e aplicou-a a paisagens realizadas ao ar livre. O Rio de Monet, de 1868, é inundado por uma luz tão brilhante que os críticos conservadores se queixaram de que lhes feria a vista. A imagem espelhada serve aqui uma finalidade oposta à das imagens-espelho anteriores; em vez de aumentar a ilusão do espaço real, reforça a unidade da superfície do próprio quadro.

MANET E O IMPRESSIONISMO. Estas qualidades foram mais difíceis de conseguir para o austero e cuidadoso Manet; aparecem na sua obra só a partir de 1870, sob a influência de Monet. O último grande quadro de Manet, Um Bar nas Folies-Bergères, de 1881, representa uma única figura, tão calma como o Pífaro, mas o fundo já não é neutro.

RENOIR. Cenas do mundo do espectáculo – salões de dança, cafés, concertos, o teatro – foram assuntos preferidos dos pintores impressionistas. Auguste Renoir (1841-1919), um outro membro importante do grupo, encheu a sua obra da joie de vivre de um temperamento singularmente feliz. Os pares de namorados de O Moinho de la Galette, sob o jogo multicor de luzes e sombras, irradiam um calor humano de todo encantador.

DEGAS. Pelo contrário, Edgar Degas (1834-1917) obriga-nos a olhar atentamente para o casal desiludido da cena do café. Composições de tanta ousadia situam Degas à parte dos outros Impressionistas. O seu profundo sentido do carácter humano dá substância até a cenas aparentemente ocasionais como O Copo de Absinto.

Quando se juntou aos impressionistas, Degas não abandonou a antiga fidelidade ao desenho. Muitas das suas melhores obras foram executadas a pastel, de que é bom testemunho a Prima Ballerina.

Uma década mais tarde, a Banheira está de novo numa perspectiva oblíqua, mas a composição tornou-se severa, quase geométrica.

A Banheira só é impressionista pela cor vibrante e luminosa. As suas outras qualidades são mais características da década de 1880, a primeira do pós-Impressionismo, quando muitos artistas evidenciaram uma preocupação com problemas de forma.

A ÚLTIMA FASE DE MONET. Entre as maiores figuras do movimento, apenas Monet permaneceu fiel à visão impressionista da natureza. Cerca de 1890, dedicou-se a pintar séries de quadros representando o mesmo assunto em diferentes condições de luz e atmosfera.

A Inglaterra

O REALISMO. Quando Monet sentiu o fascínio da obra de Turner, a reputação deste na sua pátria estava na mó de baixo. Cerca de 1850, quando Courbet lançou a sua doutrina revolucionária do Realismo, certa preocupação com o heroísmo da vida moderna afirmou-se na pintura inglesa. Talvez a obra mais bem conhecida seja The Last of England de Ford Madox Brown (1821-1893), um quadro

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que gozou de grande popularidade no mundo de língua inglesa durante a última metade do século.

O pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), em 1848 contribuí para a fundação de uma sociedade de artistas chamada Fraternidade Pré-Rafaelistas.

OS PRÉ-RAFAELISTAS. Brown nunca se lhes juntou, mas participava da intenção fundamental dos Pré-Rafaelistas: a de lutar contra a arte frívola desses anos. Como o nome da Fraternidade indica, os seus membros beberam a inspiração nos mestres primitivos do século XV, e nessa medida, participavam na “Revivência Gótica”, desde longa data um aspecto importante do movimento romântico. Mas os Pré-Rafaelistas estavam separados do Romantismo puro e simples pelo desejo de reformarem os males da civilização moderna através da arte. Assim, os emigrantes de The Last of England manifestam dramaticamente as condições que obrigavam tantos a deixarem a pátria.

Rossetti, ao contrário de Brown, não estava interessado em problemas sociais, antes se considerava um reformador da sensibilidade estética. A obra-prima da primeira fase foi Ecce Ancilla Domini.

MORRIS. William Morris (1834-1896), estreou-se como pintor pré-Rafaelista, mas cedo transferiu o seu interesse para a arte utilitária – arquitectura doméstica e decoração interior, incluindo mobiliário, tapeçarias e papéis de parede. Graças às numerosas iniciativas que patrocinou, Morris tornou-se um educador do gosto, sem par no seu tempo. Ao findar do século, a sua influência já se espalhara por toda a Europa e pela América.

A América

WHISTLER. Durante os últimos anos da sua vida, Coubert gozou de considerável fama e influência no estrangeiro; os Impressionistas, porém, só a pouco e pouco ganharam fama e estima. Surpreendentemente, os Americanos foram os seus primeiros clientes, aceitando bem o novo estilo, e mais depressa que os Europeus. Pintores americanos figuraram entre os primeiros seguidores de Manet e do seu círculo. James McNeill Whistler (1834-1903) veio para Paris em 1855, a fim de estudar pintura; quatro anos depois fixou-se em Londres definitivamente, mas esteve em França na década de 1860, e manteve um contacto estreito com o crescente movimento impressionista.

O seu quadro mais conhecido, Composição em Negro e Cinzento: a Mãe do Artista, reflecte a influência de Manet na importância dada às superfícies planas, e o retrato tem a precisão austera dos que Degas pintou.

EAKINS. Thomas Eakins (1844-1916) chegou a Paris, vindo de Filadélfia. Voltara à América quatro anos mais tarde, marcadamente influenciado por Courbet, Manet e Velázquez, cuja influência combinada é inegável em A Clínica de Gross, a mais imponente obra da pintura americana do século passado.

CASSATT. Graças em grande medida à atitude esclarecida de Eakins, Filadélfia tornou-se no maior centro de artistas pertencentes a minorias dos Estados Unidos, mas as

barreiras tradicionais não foram facilmente ultrapassadas. O treino inicial que Mary Cassatt (1845-1926) aí teve foi muito semelhante ao de Eakins, mas preferiu instalar-se em Paris, onde se juntou aos Impressionistas em 1877. Defensora incansável dos Impressionistas, Cassatt teve um papel fundamental na aceitação destes nos Estados Unidos. A maternidade é o tema e o centro formal da maior parte da sua obra, que atingiu a maturidade por volta de 1890. O Banho reflecte, na sua perspectiva oblíqua, formas simplificadas de cor e uma composição plana, testemunhos da sua dívida para com Degas e Manet, seus mentores. O seu estilo individualizado faz dela, nas suas melhores obras, uma das figuras mais proeminentes do Impressionismo Americano.

A ESCULTURA

Rodin

Auguste Rodin (1840-1917), o primeiro escultor de génio desde Bernini, redefiniu a escultura pela mesma altura em que Manet e Monet redefiniram a pintura; ao fazê-lo, porém, não seguiu o exemplo desses artistas. Na verdade, como poderia o efeito de quadros como O Tocador de Pífaro ou O Rio ser reproduzido em três dimensões e sem cor?

O HOMEM DO NARIZ PARTIDO. O que Rodin conseguiu realizar pode ver-se logo na primeira peça que tentou expor, e que foi rejeitada, O Homem do Nariz Partido, de 1864. Os críticos conservadores rejeitaram esta obra pois consideravam-na inacabada, era um mero esboço. Rodin foi o primeiro a fazer do inacabado um princípio estético.

A revolução escultórica, proclamada como tal por audácia de Rodin, aos vinte e quatro anos de idade, só atingiu a sua força plena no fim da década de 1870. Para viver, o jovem artista teve de colaborar com escultores oficialmente reconhecidos na feitura de encomendas públicas, principalmente monumentos e esculturas arquitectónicas. Em 1879 confiaram-lhe, finalmente, uma tarefa importante, a entrada para o Museu de Artes Decorativas em Paris.

AS PORTAS DO INFERNO. Roudin elaborou um conjunto ambicioso a que chamou As Portas do Inferno, programa simbólico inspirado no Inferno de Dante. Nunca as terminou mas serviram-lhe de fonte de numerosas peças menores de que fez obras independentes.

O mais famoso destes fragmentos autónomos é O Pensador, concebido para o lintel das Portas. O Beijo, um grupo de mármore acima do tamanho normal, deriva igualmente das Portas.

O MONUMENTO A BALZAC. O Monumento a Balzac, a sua mais ousada criação, ficou em gesso durante muitos anos, rejeitada pela Comissão que a tinha encomendado.

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3 O PÓS-

-IMPRESSIONISMO

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A PINTURA Em 1882, pouco antes de morrer, Manet recebeu o grau de Cavaleiro da Legião de Honra. Quatro anos mais tarde, os Impressionistas, que tinham vindo a expor juntos desde 1874, realizaram a sua última exposição colectiva. Estes dois acontecimentos marcam uma viragem: o Impressionismo havia conseguido uma larga aceitação entre artistas e público; ao mesmo tempo, porém, deixara de ser um movimento de vanguarda. O futuro pertencia agora aos Pós-Impressionistas.

Entendido literalmente, este rótulo incolor aplica-se a todos os pintores com alguma significação a partir da década de 1880; num sentido mais específico, designa um grupo de indivíduos que, tendo passado por uma fase impressionista, se sentiram insatisfeitos perante as limitações do estilo e ultrapassaram em diferentes direcções.

CÉZANNE. Paul Cézanne (1839-1906), o mais velho dos Pós-Impressionistas, nasceu em Aix-en-Provence, próximo da costa do Mediterrâneo. Homem de temperamento intensamente emocional, veio para Paris em 1861, imbuído de entusiasmo pelos Românticos; Delacroix foi o seu primeiro amor entre os pintores, e nunca perdeu a admiração por ele. Cristo no Limbo tem o pesado empaste e a pincelada extremamente pessoal e expressiva desta fase neo-barroca da formação de Cézanne.

Cézanne começou cedo a pintar luminosas cenas ao ar livre mas nunca partilhou o interesse dos outros Impressionistas pelos assuntos tirados do natural, pelo movimento e pela mudança. Cerca de 1879, quando pintou o Auto-retrato, havia decidido fazer do Impressionismo qualquer coisa de sólido e durável, como a arte dos museus. À sua impulsividade romântica dos anos 1860 sucedeu agora uma busca paciente e disciplinada da harmonia da forma e da cor.

Nas naturezas-mortas de Cézanne, tais como Fruteiro, Copo e Maçãs, esta busca do sólido e durável pode ver-se ainda mais claramente. Nunca desde Chardin, simples objectos quotidianos tinham assumido tanta importância aos olhos de um pintor. A partir de 1882 viveu isolado, perto da sua terra natal, explorando as cercanias.

SEURAT. Georges Seurat (1859-1891) partilhou o propósito de Cézanne de tornar o Impressionismo sólido e durável, mas fê-lo de modo assaz diferente. Seurat dedicou os maiores esforços a um pequeno número de telas de grande dimensão, gastando um ano ou mais com cada uma delas; fez uma série infinita de estudos preliminares antes de se sentir bastante seguro para empreender a versão definitiva. Este método laborioso reflecte a sua convicção de que a arte deve basear-se num sistema.

O assunto da sua primeira grande composição, Os Banhistas (1883), é de um género há muito popular entre os pintores impressionistas. Impressionistas também são as cores brilhantes e o efeito de intensa luz solar. Todavia, o quadro é a antítese de uma rápida “impressão”; os contornos firmes e simples e as figuras descontraídas e imóveis dão à cena uma estabilidade intemporal.

Nos últimos trabalhos de Seurat, como em La Parade, as pinceladas reduzem-se a minúsculos pontos de cor brilhante que se deveriam fundir nos olhos do observador. Este processo ficou a ser conhecido como Neo-Impressionismo, Pointillisme ou Divisionismo (o termo preferido por Seurat).

VAN GOGH. Enquanto Cézanne e Seurat tentavam transformar o Impressionismo num estilo mais severo e clássico, Vicente van Gogh (1853-1890) tomava caminho oposto, por lhe parecer que o Impressionismo não oferecia ao artista liberdade suficiente para exprimir as suas emoções. Como esta era a sua maior preocupação, muitos o consideraram um Expressionista, mas o termo deve ser reservado para certos pintores mais tardios. Van Gogh, o primeiro grande mestre holandês desde o século XVI, apenas se dedicou à arte depois de 1880. O sentimento profundo pelos pobres domina os quadros do período pré-Impressionista (1880-1885). Em Comendo Batatas, a última e mais ambiciosa obra deste período, há ainda uma certa ingenuidade tosca, devida à falta de formação convencional, mas que aumenta a força expressiva do seu estilo.

Quando pintou este quadro, Van Gogh não tinha ainda descoberto a importância da cor. Um ano mais tarde, em Paris, conheceu Degas, Seurat e outros artistas franceses importantes. O efeito que nele produziram foi electrizante: os seus quadros passaram a resplandecer de cor. Paris abriu-lhe os olhos para a beleza sensual do mundo visível e ensinou-lhe a linguagem pictórica da mancha de cor, mas a pintura continuou a ser um veículo para as suas emoções pessoais. Para explorar esta realidade espiritual com os novos meios à sua disposição, partiu para Arles, no Sul de França. Foi aí, entre 1888 e 1890, que produziu os seus quadros mais importantes.

Como Cézanne, Van Gogh dedicou então o máximo das suas energias à pintura de paisagens, mas os campos banhados de luz do Mediterrâneo provocaram nele uma reacção bem diferente. Em Seara de Trigo com Ciprestes, a terra e o céu apresentam uma turbulência avassaladora.

O missionário tornara-se profeta. Vemo-lo nesse papel no Auto-retrato, quando já começara a sofrer os ataques de uma doença mental, que cada vez mais o impedia de pintar. Desesperando da cura, suicidou-se passado um ano, porque sentia profundamente que só pela arte lhe valia a pena viver.

GAUGUIN E O SIMBOLISMO. A busca da experiência religiosa também teve um papel importante na obra de um outro pós-impressionista, Paul Gauguin (1848-1903). Próspero corrector da bolsa de Paris, pintor amador e coleccionador de quadros modernos, convenceu-se aos trinta e cinco anos de idade de que devia dedicar-se inteiramente à arte; abandonou a carreira profissional, separou-se da família e, em 1889, era a figura central de um novo movimento chamado Sintetismo ou Simbolismo.

O seu estilo, ainda que menos intensamente pessoal que o de Van Gogh, representou, sob alguns aspectos, um avanço ainda mais ousado sobre o Impressionismo. Para redescobrir para si mesmo esse mundo oculto do sentimento, Gauguin trocou Paris pelo Oeste da França para

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viver entre os camponeses da Bretanha. Notou particularmente que a religião continuava a fazer parte da vida quotidiana da gente dos campos, e em quadros como A Visão depois do Sermão, tentou representar aquela fé simples e directa. Conseguira, finalmente, o que nenhum pintor romântico alcançara – um estilo baseado em fontes anteriores ao Renascimento. Inspirado na arte popular e nos vitrais da Idade Média, é um estilo que pretende recriar ao mesmo tempo a realidade imaginada da visão e o êxtase das camponesas.

Dois anos volvidos, em busca de uma vida sem as taras da civilização, Gauguin iria ainda mais longe. Foi para Taiti, como uma espécie de “missionário ao invés”, não para ensinar os indígenas, mas para aprender com eles. De maior importância neste período são as gravuras em madeira: Oferenda de Gratidão.

O Simbolismo: Os Nabis

Os continuadores simbolistas de Gauguin, que a si mesmos se apelidaram de Nabis (“profeta”, em hebraico), foram menos notáveis pelo talento criador que pela capacidade de exprimir e justificar os objectivos do Pós-Impressionismo em termos teóricos. Os Simbolistas também descobriram que havia alguns artistas mais velhos, descendentes dos Românticos, cuja obra, como a deles próprios, colocava a visão interior acima da observação da Natureza.

MOREAU. Um deles foi Gustave Moreau (1826-1898), um estranho solitário que admirava Delacroix e apesar disso criou um mundo de fantasia pessoal. A Aparição mostra um dos seus temas preferidos: a cabeça de S. João Baptista, numa ofuscante irradiação de luz.

Só tarde Moreau conseguiu ter alguma aceitação; de repente, a sua arte coadunava-se com o espírito do tempo. Nos últimos seis anos de vida, ocupou até um lugar de professor na conservadora École des Beaux-Arts. Aí atraiu os melhores alunos, entre os quais futuras figuras de destaque como Matisse e Rouault.

REDON. Um outro artista solitário que os Simbolistas descobriram e que reivindicaram para o seu grupo foi Odilon Redon (1840-1916). Como Moreau, ele tinha uma imaginação atormentada, mas o mundo das suas imagens era ainda mais pessoal e perturbador. Mestre da gravura e da litografia, bebeu inspiração nas visões fantásticas de Goya, bem como na literatura romântica.

VUILLARD. Por muito estranho que pareça, o mais bem dotado membro dos Nabis, Édouard Vuillard (1868-1940), foi mais influenciado por Seurat que por Gauguin. Nos seus quadros da década de 1890 conjuga as superfícies planas e os contornos acentuados de Gauguin, o cintilante mosaico de cor divisionista e o carácter geométrico das superfícies de Seurat, numa síntese original e notável.

TOULOUSE-LAUTREC. A insatisfação de Van Gogh e Gauguin perante os males espirituais da civilização ocidental foi um sentimento largamente partilhado no final do século XIX. Contudo, esta mesma consciência provou ser uma fonte de vigor. O mais notável exemplo desse espírito é Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901);

fisicamente um anão disforme, foi um artista de soberbo talento, que levou uma vida dissoluta pelos locais nocturnos de Paris e morreu de alcoolismo.

Foi um grande admirador de Degas e o seu No Moulin Rouge recorda a forma em ziguezague de O Copo de Absinto de Degas. Embora Toulouse-Lautrec não fosse um simbolista, o Moulin Rouge que aqui mostra tem um ambiente tão falho de alegria e tão deprimente que não podemos senão olhá-lo como um lugar de corrupção.

ENSOR; MUNCH. Na arte do pintor belga James Ensor (1860-1949), esta visão pessimista da condição humana atinge uma intensidade obsessiva. Intriga é um carnaval grotesco.

Algo da mesma qualidade macabra permeia as primeiras obras de Eduard Munch (1863-1944), um talentoso norueguês que veio para Paris em 1889 e baseou o seu estilo francamente expressivo em Toulouse-Lautrec, Van Gogh e Gauguin. O Grito acusa a influência de todos eles; é uma imagem do medo, aquele medo aterrador e irracional que se sente num pesadelo.

PICASSO: O PERÍODO AZUL. O jovem Pablo Picasso (1881-1974), ao chegar a Paris em 1900, sentiu a atracção da mesma atmosfera artística que tinha gerado o estilo de Munch. O seu chamado Período Azul (o termo refere-se tanto à cor predominante nas suas telas como ao estado de espírito nelas representado) consiste quase exclusivamente em quadros de mendigos desamparados, tais como O Velho Guitarrista – foras-de-lei ou vítimas da sociedade, cujo pathos reflecte o sentido de isolamento do próprio artista. Contudo, estas figuras transmitem uma melancolia poética, mais que franco desespero.

ROUSSEAU. Alguns anos depois, Picasso e os seus amigos descobriram um pintor que até então não atraíra as atenções, embora viesse expondo as suas obras desde 1886. Tratava-se de Henri Rousseau (1844-1910), um obscuro guarda-fiscal reformado que começara a pintar já na meia-idade, sem ter qualquer espécie de aprendizagem. Rousseau é o paradoxo de um artista popular de génio. Se assim não fosse, como poderia ele ter realizado um quadro como O Sonho? O que se passa no mundo encantado desta tela não necessita de explicação, porque nenhuma é possível.

Eis aqui, finalmente, aquela inocente franqueza de sentimentos que Gauguin julgava necessária aos tempos modernos e que foi procurar tão longe. Picasso e os seus amigos foram os primeiros a reconhecerem esta qualidade na obra de Rousseau. Muito justificadamente, viram nele o padrinho da pintura do século XX.

A ESCULTURA

A França

MAILLOL. Nenhuma tendência que possa ser equacionada com o Pós-Impressionismo aparece na escultura até cerca de 1900. Os escultores da geração mais nova tinham sido formados sob a influência dominante de Rodin e estavam prontos a seguir as suas próprias vias. O maior deles,

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Aristide Maillol (1861-1944), começou como pintor simbolista. Ele pode ser chamado um primitivista clássico admirando a força e a simplicidade da primeira escultura grega. A Mulher Sentada evoca os estilos arcaico e severo.

A Alemanha

LEHMBRUCK. No Jovem de Pé, de Wilhelm Lehmbruck (1881-1919), o alongamento e angulosidade góticas conjugam-se com um fino equilíbrio derivado da arte de Maillol, e ainda com algo da energia expressiva de Rodin. O efeito global é o de uma figura monumental, ameaçadora, mas que participa daquela melancolia poética que observámos no Período Azul de Picasso.

BARLACH. Ernest Barlach (1870-1938), outro importante escultor alemão que atingiu a maturidade nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, parece o perfeito oposto de Lehmbruck; é um primitivista gótico e está mais próximo de Munch que da tradição simbolista ocidental. As suas figuras, como o Homem Puxando da Espada, incarnam emoções primárias – ira, medo, aflição. O homem para Barlach, é uma criatura humilde, à mercê de forças que escapam à sua direcção.

A FOTOGRAFIA

A Fotografia Documental

Na segunda metade do século XIX, a imprensa desempenhou um papel fulcral nos movimentos sociais que chamaram a atenção do público para a realidade cruel da pobreza. A fotografia tornou-se num importante veículo de reformas, graças ao documentário fotográfico, que conta histórias das vidas das pessoas em ensaios pictóricos. Esta reportagem factual cabia também na tradição realista. Antes disso, a fotografia tinha-se contentado em apresentar uma imagem romântica da pobreza, tal como na pintura de género da época.

O Pictorialismo

A crueza dos temas e o realismo da fotografia documental tiveram pouco impacto na arte, e foram também rejeitados pelos outros fotógrafos. A Inglaterra, graças a organizações como a Sociedade Fotográfica de Londres, fundada em 1853, veio a encabeçar o movimento que pretendia convencer os críticos mais cépticos de que a fotografia, ao imitar a pintura e a gravura, podia ser considerada uma arte.

REJLANDER. Os Dois Caminhos da Vida, de Oscar Rejlander (1818-1875), preenche estes requisitos, apresentando uma alegoria baseada claramente na Rake’s Progress de Hogarth. A fotografia causou grande sensação em 1857 e até a Rainha Vitória comprou um exemplar.

ROBINSON. Mas a honra de fazer fotografia artística coube a Henry Peach Robinson (1830-1901), que veio a ser o fotógrafo mais famoso do mundo. Ganhou fama com Uma Vida que se Apaga.

CAMERON. O fotógrafo que mais procurou atingir o ideal de beleza foi Julia Margaret Cameron (1815-1879). Amiga de poetas famosos, cientistas e artistas, dedicou-se à fotografia aos 48 anos, e produziu ainda uma obra notável. Na sua época, Cameron foi famosa pelas suas fotografias alegóricas e narrativas.

A Fotografia Naturalista

EMERSON. Mas quem mais se insurgiu contra a fotografia artística foi Peter Henry Emerson (1856-1936), que se tornou no maior inimigo de Robinson. Emerson era apologista do que denominou Fotografia Naturalista, baseada em princípios científicos e nas paisagens de Constable. Grande parte da sua obra é dedicada a cenas da vida rural e à beira-mar, que não se afastam muito das primeiras fotografias documentais.

A natureza predomina nas suas melhores fotografias. As suas fotografias são semelhantes à boa pintura inglesa de paisagem existente na época.

A Fotografia do Movimento

MUYBRIDGE. Uma orientação completamente nova foi traçada por Eadweard Muybridge (1830-1904), o pai da fotografia do movimento. Associando duas tecnologias diferentes, inventou uma forma de fotografar o movimento em pontos sucessivos. Depois de várias tentativas, Muybridge conseguiu, em 1877, obter uma série de fotografias de um cavalo a trote que mudou para todo o sempre a representação de um cavalo em movimento.

MAREY. Foi Etienne-Jules Marey (1830-1904) que transformou a fotografia do movimento numa arte. Tal como Muybridge, com quem, aliás, tinha contactos, Marey viu na máquina fotográfica um instrumento de análise dos mecanismos do movimento do corpo. Em breve as suas fotografias têm uma perfeição só igualada sessenta anos mais tarde.

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4 A PINTURA

E A ESCULTURA DO SÉCULO XX

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A PINTURA

ANTES DA II GUERRA MUNDIAL Desde o começo da Era Moderna podemos distinguir três correntes principais que começaram entre os Pós-Impressionistas e alcançaram largo desenvolvimento no nosso século: a da Expressão, a da Abstracção e a do Fantástico.

A primeira preocupação do expressionista é a comunidade humana; a do abstraccionista, a estrutura da realidade; e a do artista da fantasia, o labirinto da mente individual.

Além disso, encontraremos também o Modernismo, um conceito próprio do século XX. Para o artista é um toque de alvorada que proclama a sua liberdade de criar num estilo novo e lhe confere a missão de definir o sentido dos tempos.

Os Fauves e o Expressionismo

Do século XX pode dizer-se, quanto à pintura, que começou cinco anos atrasado. Entre 1901 e 1906 abriram-se em Paris várias exposições de conjunto das obras de Van Gogh, Gauguin e Cézanne.

Muitos jovens pintores, criados na atmosfera mórbida e decadente de fin de siècle, sentiram-se profundamente impressionados, e vários de entre eles desenvolveram um estilo radicalmente novo, de cor violenta e ousadas distorções. Na sua primeira apresentação pública, em 1905, escandalizaram a opinião crítica de tal maneira que foram apelidados de Fauves (feras), título que ostentaram com orgulho. O Fauvismo englobava numerosos estilos individuais, frouxamente ligados entre si, e o grupo dissolveu-se poucos anos volvidos.

MATISSE. A figura dominante foi Henri Matisse (1869-1954), o decano dos fundadores da pintura do século XX. A Alegria de Viver, porventura o quadro mais importante da sua longa carreira, sintetiza o espírito do Fauvismo melhor que qualquer outra obra isolada. Os planos de cor lisa, os contornos grossos e ondulados, o sabor primitivo das formas derivam, obviamente, de Gauguin. Encontrara um novo e radical equilíbrio entre os aspectos bidimensionais e tridimensionais da pintura, como se nota em especial na Harmonia em Vermelho.

ROUAULT. Para um outro dos Fauves, George Rouault (1871-1958), a expressão era outra coisa, incluindo, como no passado, a paixão reflectida num rosto humano; bastará ver a Cabeça de Cristo. Mas a expressividade não reside apenas na qualidade de imagem do rosto. As pinceladas selváticas e incisivas falam com igual eloquência do furor e da compaixão do artista.

SOUTINE. O expressionismo de Rouault foi um caso isolado entre os pintores franceses. O único artista em Paris a seguir a sua orientação foi Chaim Soutine (1894-1943), um emigrante da Europa Oriental. O rico impasto e a pincelada tempestuosa e violenta de A Galinha Morta reflectem a nítida influência do mestre.

BACON. Pelo poder de transmudar a angústia total em formas visuais, Soutine não teve par entre os artistas do século XX, a não ser o inglês Francis Bacon (nascido em 1909). Figura com peças de Carne reflecte a obsessão de Bacon com o Inocêncio de Velázquez, quadro que o fascinou durante anos.

DIE BRÜCKE. Foi na Alemanha que o Fauvisme teve uma influência maior e mais duradoura, especialmente entre os membros de uma sociedade chamada Die Brücke (A Ponte), um grupo de pintores da mesma tendência que viviam em Dresden em 1905 e cujas primeiras obras, como a Rua de Ernest Ludwig Kirchner, reflectem quer o traço simplificado e rítmico e a cor forte de Matisse, quer a influência clara e directa de Van Gogh e Gauguin. A Rua apresenta também elementos derivados de Munch, que vivia então em Berlim e marcou profundamente os expressionistas alemães.

NOLDE. Um dos artistas da Brücke, Emil Nolde (1867-1956) destaca-se um pouco; mais velho que os outros, partilhava da predilecção de Rouault pelos temas religiosos, embora a sua pintura seja menos coerente.

KOKOSCHKA. Um outro artista de talento altamente individual, ligado à Brücke, embora não fazendo parte dela, é o austríaco Oskar Kokoscka (1886-1980). As suas obras mais significativas são os retratos pintados antes da Primeira Guerra Mundial, tais como o esplêndido Auto-Retrato.

BECKMANN. Um descendente mais robusto dos artistas da Brücke foi Max Beckmann (1884-1950), que se tornou expressionista devido ao choque que lhe causou a guerra de 1914-1918, deixando-o com funda desesperança da civilização moderna. O Sonho é um pesadelo sarcástico, um mundo às avessas, atulhado de figuras como fantoches.

PINTURA NÃO-FIGURATIVA: KANDINSKY. Mas o passo mais ousado e original para além do Fauvisme foi dado na Alemanha por um russo, Wassili Kandisnky (1866-1944), membro importante de um grupo de artistas de Munique chamado Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul). A partir de 1910, Kandinsky abandonou completamente a pintura figurativa. Usando as cores do arco-iris e as pinceladas livres e dinâmicas dos Fauves de Paris, criou um estilo inteiramente não-figurativo. Estas obras têm títulos tão abstractos como as suas formas. Uma das mais impressionantes, é do Esboço I para Composição VII.

Qualquer traço de representação nas suas obras é inteiramente involuntário – a sua intenção era carregar a forma e a cor de um sentido puramente espiritual, eliminando toda a parecença com o mundo físico. Mas foi a influência libertadora dos Fauves que permitiu a Kandinsky pôr em prática a sua teoria.

A Abstracção

Outra das correntes principais, é a da Abstracção. Cézanne e Seurat são os antepassados directos do movimento abstracto na arte do século XX. Mas o seu verdadeiro criador foi Pablo Picasso.

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“AS MENINAS DE AVIGNON” DE PICASSO. Cerca de 1905, estimulado tanto pelos Fauves como pelas exposições retrospectivas dos grandes Pós-impressionistas, Picasso abandonou gradualmente o lirismo melancólico do seu Período Azul e adoptou um estilo mais vigoroso. Em 1906 produziu As Meninas de Avignon, que não se refere à cidade do mesmo nome, mas sim à rua de Avignon, num bairro mal-afamado de Barcelona. Os primeiros críticos, apenas sensíveis ao predomínio das arestas vivas e dos ângulos do novo estilo, chamaram-lhe Cubismo.

O CUBISMO FACETADO OU ANALÍTICO. Picasso tinha estudado as últimas obras de Cézanne. A ligação torna-se clara no retrato de Ambroise Volard.

AS COLAGENS CUBISTAS. Em 1910 o Cubismo estava bem implantado como alternativa do Fauvisme e vários artistas tinham-se juntado a Picasso, entre eles Georges Braque (1882-1963), com quem colaborou tão intimamente que é difícil separar as obras de ambos nesse período. Ambos iniciaram a fase seguinte do Cubismo, ainda mais ousada que a primeira, a partir da Natureza-Morta, de Picasso, de 1911.

Em menos de um ano, Picasso e Braque começaram a realizar naturezas-mortas compostas quase exclusivamente de pedaços de materiais vários, recortados e colados, com apenas algumas linhas a completar o traçado. A técnica passou a ser conhecida por collage.

A diferença entre as duas fases do Cubismo pode também ser definida em termos de espaço pictórico: o Cubismo Facetado conserva uma certa profundidade. Embora fragmentado e redefinido, este espaço estende-se para além do plano do quadro e não tem limites visíveis; potencialmente, pode conter objectos que não estão à vista. No Cubismo de Colagens, pelo contrário, o espaço pictórico está à frente do plano do tabuleiro, não é criado por nenhum artifício ilusionista mas pela própria sobreposição de camadas de materiais colados.

Picasso e Braque cedo descobriram que podiam manter este novo espaço pictórico sem o recurso a materiais colados; bastava pintar como se fizessem colagens. Em Os Três Músicos, Picasso apresenta este estilo de papel recortado. Trata-se de uma das grandes obras-primas do Cubismo de Colagens, monumental pelo tamanho e pela concepção.

PICASSO NA FASE PÓS-CUBISTA. Por esta altura, já Picasso era internacionalmente famoso. O Cubismo espalhara-se por todo o mundo ocidental e influenciava não só outros pintores como também escultores e até arquitectos. Picasso, todavia, já se encaminhava noutra direcção. Pouco depois da invenção do Cubismo de Colagens, começou a fazer desenhos de um realismo tão meticuloso que lembrava Ingres, e por volta de 1920 estava a trabalhar simultaneamente em dois estilos perfeitamente distintos: no dos Três Músicos e num outro, de feição neo-clássica, de figuras pesadas e fortemente modeladas, como a Mãe e Filho. Impaciente ante as limitações do Cubismo de Colagens, precisa de retomar contacto com a tradição clássica, com a arte dos museus.

Alguns anos mais tarde, os dois estilos paralelos de Picasso iriam convergir numa extraordinária síntese que desde

então se tornou a base da sua arte. As Três Dançarinas de 1925 mostram como ele conseguiu esse milagre aparentemente impossível. Estruturalmente, o quadro é puro Cubismo de Colagens. Mas as figuras, numa extraordinária e fantástica versão de um tema clássico são um ataque ainda mais violento às convenções que As Meninas de Avignon.

GUERNICA. Que o novo estilo de Picasso pode alcançar uma grandeza verdadeiramente monumental está bem patente no seu painel Guernica, pintado em 1937. A Guerra Civil de Espanha despertou nele uma viva solidariedade com os Republicanos. O painel foi inspirado no terrível bombardeamento de Guernica, a antiga capital dos Bascos. Não representa o próprio acontecimento, mas evoca, por uma série de poderosas imagens, a agonia da guerra total. pondo em prática a sua teoria.

As Variantes do Cubismo

O FUTURISMO E O DINAMISMO. Tal como foi concebido originalmente por Picasso e Braque, o Cubismo era uma disciplina formal de equilibrio subtil, aplicada a assuntos tradicionais – naturezas-mortas, retratos e nus. No entanto, outros pintores encontraram-lhe uma afinidade especial com a precisão geométrica da engenharia, considerando-o especialmente adequado ao dinamismo da vida moderna. O Movimento Futurista em Itália, de curta duração, é um exemplo desta atitude.

Ao adoptar as visões simultâneas do Cubismo analítico no seu O Dinamismo de um Ciclista, Umberto Boccioni (1882-1916), o Futurista mais original, conseguiu comunicar o pedalar furioso no tempo e no espaço de uma forma muito mais expressiva. Boccioni encontrou, no vocabulário flexível do Cubismo, um meio de exprimir a nova concepção de tempo, espaço e energia que Albert Einstein tinha definido em 1905 na sua teoria da relatividade.

O Futurismo morreu, em sentido literal, na I Grande Guerra. Há fortes ecos do Futurismo na Ponte de Brooklin, do italo-americano Joseph Stella (1880-1946), com o seu labirinto de cabos luminosos, vigorosos traços diagonais e cristalinas células espaciais.

DE STIJL E MONDRIAN. O mais radical abstraccionista do nosso tempo foi um pintor holandês, Piet Mondrian (1872-1944). Expressionista amadurecido, na tradição de Van Gogh e dos Fauves, foi para Paris em 1912. Aí, sob o impacto do Cubismo Analítico, a sua obra sofreu uma transformação radical, e na década seguinte Mondrian desenvolveu um estilo completamente não-figurativo a que chamou Neo-Plasticismo. Composição em Vermelho, Azul e Amarelo mostra o estilo mais severo de Moundrian.

A Arte Fantástica

A corrente a que chamámos do Fantástico, teve uma evolução menos clara porque depende mais dum estado de espírito que de qualquer estilo específico. Entre os pintores do Fantástico apenas há de comum a crença de que a imaginação, a visão interior, é mais importante que o mundo externo. E se a imaginação de cada artista é um

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reino privado, as imagens que ela proporcionar também devem ser particulares.

O culto romântico da emoção levou o artista a buscar experiências subjectivas e a aceitar a sua validade. Se na pintura do século XIX a fantasia pessoal era ainda uma corrente menor, depois de 1900 tornou-se uma das principais.

A NOSTALGIA: DE CHIRICO E CHAGALL. A herança do Romantismo está bem patente nos espantosos quadros pintados em Paris um pouco antes da Primeira Guerra Mundial por Giorgio de Chirico (1888-1978) como Mistério e Melancolia de uma Rua. Mais tarde, depois de voltar para a Itália, adoptou um estilo conservador e repudiou as primeiras obras, como se tivesse vergonha de ter exibido em público o seu mundo de sonhos.

O poder da nostalgia domina também as fantasias de Marc Chagall (1887-1985), um judeu russo que foi para Paris em 1910. Eu e a Aldeia é um conto de fadas cubista, tecido de recordações fantasmagóricas de contos populares russos, de provérbios judaicos e da imagem da própria Rússia, numa visão cintilante.

KLEE. Os “Contos de Fadas” do pintor suíço-alemão Paul Klee (1879-1940) são mais intencionais e elaborados que os de Chagall, embora, de início nos pareçam mais infantis. Klee também sofrera a influência do Cubismo, mas a arte primitiva e os desenhos de crianças interessaram-no de um modo vital. A Máquina Chilreante, um delicado desenho à pena, colorido a aquarela, mostra bem o carácter único da arte de Klee.

Já no fim da sua vida, mergulhou no estudo de ideogramas de toda a espécie – hieróglifos, sinais cabalísticos e os misteriosos traços das cavernas pré-históricas – imagens representativas reduzidas ao mínimo.

DADA E DUCHAMP. É em Paris, na véspera da Primeira Guerra Mundial, que vamos encontrar ainda um outro pintor do fantástico, o francês Marcel Duchamp (1887-1968). Primeiramente influenciado por Cézanne, iniciou depois uma versão dinâmica do Cubismo Facetado, semelhante ao Futurismo.

Muito em breve, contudo, a evolução de Duchamp tomou um caminho ainda mais perturbador. Em A Noiva, procuramos em vão qualquer parecença, ainda que remota, com a forma humana.

Juntamente com vários outros que partilhavam a sua atitude, lançou, como protesto, um movimento chamado Dada (ou Dadaísmo). O termo, que em francês significava “cavalo de pau”, foi, segundo consta, escolhido ao acaso num dicionário, mas como palavra para tudo infantil corresponde perfeitamente ao espírito do movimento.

Durante a sua curta existência (1916-1922), o Dadaísmo pregou o “non-sense” e a antiarte com redobrado vigor. Duchamp apunha a sua assinatura e um título sugestivo em objectos como prateleiras para frascos ou pás para limpar a neve, e expunha-os como obras de arte.

O Dadaísmo, porém, não foi um movimento totalmente negativo. A única lei respeitada pelos dadaístas era a do acaso, e a única realidade a das suas próprias imaginações.

O SURREALISMO. Em 1924, depois de Duchamp se ter afastado do Dadaísmo, alguns dos seus amigos, igualmente cultores do acaso, fundaram o sucessor do Dadaísmo – o Surrealismo. Definiram os seus objectivos como “puro automatismo psíquico para exprimir o verdadeiro processo do pensamento liberto do exercício da Razão e de qualquer finalidade estética ou moral”. A teoria surrealista estava fortemente lardeada de conceitos psicanalíticos e a sua retórica forçada nem sempre pode ser tomada a sério. A noção de que era possível transpor um sonho directamente do subconsciente para a tela, sem a intervenção consciente do artista, não resultou na prática. No entanto, o Surrealismo estimulou várias técnicas novas de provocar e explorar efeitos de acaso.

Max Ernst, o mais imaginativo do grupo, combinou frequentemente a colagem e a “frottage” (processo semelhante ao do passatempo infantil de esfregar um lápis num papel colocado sobre uma moeda). Em O Anjo do Pântano conseguiu formas e texturas fascinantes por decalcomania. O resultado final tem algumas das características do sonho, mas de um sonho nascido de uma imaginação fortemente romântica.

DALI. O mesmo se pode dizer em relação a A Persistência da Memória de Salvador Dali. O mais notório dos Surrealistas. Dali, usa o verismo meticuloso de De Chirico para reproduzir um sonho paranóico, em que o tempo, as formas e o espaço são distorcidos de forma verdadeiramente assustadora.

MIRÓ. O Surrealismo tem um ramo ainda mais ousadamente imaginativo: o seu maior expoente é um espanhol, Joan Miró (1893-1943), que pintou a impressionante Composição. A esse estilo chamaram abstracção biomórfica, porque os desenhos são mais curvilíneos e fluidos que geométricos.

A PINTURA

DEPOIS DA II GUERRA MUNDIAL

O Expressinismo Abstracto (A Pintura Gestual)

Igualmente enganador é o termo Expressionismo Abstracto, muitas vezes aplicado ao estilo de pintura que predominou durante cerca de uma dúzia de anos, logo após a Segunda Guerra Mundial. Foi iniciado por artistas da escola de Nova Iorque, como reacção à ansiedade criada pela era nuclear e a Guerra Fria que dela resultou. Os Expressionistas Abstractos, ou Pintores Gestuais, desenvolveram, a partir do Surrealismo, uma nova concepção de arte.

GORKY. Arshile Gorky (1904-1948), um arménio que chegou à América aos dezasseis anos, foi o pioneiro do movimento e o mais influente dos seus membros. Levou vinte anos para atingir o estilo amadurecido de O Vermelho é a Crista de Galo.

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POLLOCK. O seu principal herdeiro foi Jackson Pollock (1912-1956), que em 1950 pintou o quadro, enorme e original, intitulado Um, entornando e esparrinhando as tintas, em vez de aplicá-las com um pincel.

Pintura gestual (ou acção), foi o nome dado a este estilo e exprime a sua essência muito melhor que o de Expressionismo Abstracto.

DE KOONING. A obra de Kooning (1904-), outro membro destacado do grupo e amigo íntimo de Gorky, mantém sempre uma ligação com o mundo das imagens. Nalguns quadros, tais como Mulher II, a imagem surge do torvelinho de pinceladas esfarrapadas. O que De Kooning tem em comum com Pollock é a furiosa energia do processo de pintar.

ROTHKO. Na obra de Mark Rothko (1903-1973) o desafio é do género oposto. Em menos de uma dezena de anos dominara a tal ponto a agressividade da pintura gestual que os seus quadros exalam a mais pura e contemplativa calma. Terra e Verde consiste em dois rectângulos de contornos pouco nítidos sobre um fundo azul arroxeado.

DUBUFFET. A Pintura Gestual assinalou a maioridade internacional da arte americana. O movimento teve um forte impacto na arte europeia, que, nesse período, nada produziu de comparável em força e convicção. Um artista francês, no entanto, foi duma originalidade tão grande que constituiu sozinho um movimento. Jean Dubuffet (1901-1985), cuja primeira exposição electrizou – e indispôs – o mundo artístico de Paris.

Artistas Negros

A herança de tendência Expressionista ainda se pode encontrar num dos ramos mais significativos da arte americana contemporânea mas que até hoje tem sido descurado: a expansão da arte negra desde 1970.

Na década de 20, o “Renascimento de Harlem” criou um ressurgimento cultural que infelizmente foi de pouca dura, tendo as suas potencialidades sido cerceadas pela Depressão. Depois da II Grande Guerra, no entanto, os negros começaram a entrar em cada vez maior número para as escolas de arte, precisamente na altura em que o Expressionismo Abstracto anunciava a maioridade da arte americana. Os movimentos a favor da igualdade de direitos ajudaram-nos também a formar a sua identidade artística e a procurar estilos apropriados para a exprimir. Os assassinatos de Malcom X em 1965 e de Martin Luther King Jr em 1968, constituíram um ponto de viragem que deu origem a uma proliferação de obras de pintores negros.

A Arte Pop (Pop Art)

Outros artistas que ganharam nome nos meados do decénio de 1950 redescobriram que um quadro não é essencialmente uma superfície plana coberta de cores, mas uma imagem à espera de ser reconhecida. Não seria altura de ceder à fome da imagem assim acumulada?

Os artistas que sentiram isto lançaram-se sobre esses produtos da arte comercial, dirigidos a um público não-intelectual e popular. Compreenderam que era esse um aspecto essencial do ambiente visual moderno que merecia ser examinado. Apenas Marcel Duchamp e alguns dos outros Dadaístas, com o seu desprezo por todas as opiniões ortodoxas, ousaram penetrar neste domínio. Foram eles os santos padroeiros da Arte Pop, como o novo movimento veio a ser chamado.

A Arte Pop começou, na realidade, em Londres, nos meados da década de 1950, mas desde o início as suas imagens foram extensamente baseadas nos meios de comunicação social americanos, que vinham inundando a Inglaterra desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não surpreende, assim, que a nova arte tivesse uma atracção especial para os Estados Unidos, nem que fosse aí que ela atingiria o seu pleno desenvolvimento nos dez anos seguintes. Ao contrário do Dadaísmo, a Arte Pop não é motivada por qualquer desespero ou repulsa em relação à civilização actual; considera a cultura comercial como matéria-prima, uma fonte inesgotável de temas pictóricos e não como um mal a ser atacado. A Arte Pop também não compartilha da atitude agressiva do Dadaísmo em relação aos valores estabelecidos da arte moderna. Assim, não é em si anti-moderna, mas pós-moderna.

A ESCOLA DO “CAIXOTE DO LIXO”. Na América, a Arte Pop soube também recorrer à tradição da “Escola do Caixote do Lixo”, um grupo de pintores interessados pela cena urbana diária. A escola floresceu nos anos que antecederam imediatamente a Primeira Guerra Mundial. Descobriram nas cenas do quotidiano citadino uma fonte inesgotável de assuntos, e a sua experiência jornalística conferia-lhes grande sensibilidade ao drama e à cor local.

Durante a Depressão, a maior parte dos artistas americanos dividiu-se em dois campos opostos, os Regionalistas e os Realistas Sociais. Os primeiros procuraram recrear o Idealismo, modernizando o mito americano. Os segundos, por outro lado, representavam nos seus quadros a convulsão e o desespero da Depressão, e preocupavam-se muitas vezes com reformas sociais. Mas qualquer dos movimentos, embora radicalmente opostos, foi largamente influenciado pela “Escola do Caixote do Lixo”.

HOPPER. O único artista que agradava a gregos e a troianos foi um antigo estudante de Henri, Edward Hopper (1882-1967), que se concentrou naquilo que veio a ficar conhecido como a arquitectura vernácula das cidades americanas – fachadas de lojas, salas de cinema, restaurantes abertos toda a noite – que mais ninguém tinha achado dignos da atenção de um artista. Domingo de Manhã Cedo consegue destilar um sentimento opressivo de solidão dos elementos mais que vulgares duma rua qualquer.

RIVERS. A transição da Pintura Gestual para a Arte Pop, em meados da década de 50, pode ver-se em Europa II, de Larry Rivers (1923-). A pincelada enérgica, as formas ousadamente abreviadas falam ainda uma linguagem próxima de Kooning.

JOHNS. Entre os pioneiros da Arte Pop na América, talvez o mais importante seja Jasper Johns (nascido em 1930), que

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começou a pintar meticulosamente e com grande precisão objectos tão vulgares como bandeiras, alvos, algarismos e mapas.

LICHTENSTEIN. Roy Lichtenstein (1923-) recorreu à banda desenhada – ou, mais exactamente, às imagens estandardizadas das histórias tradicionais de quadradinhos, dedicadas à acção violenta e ao amor sentimental, e não àquelas bandas que têm um cunho criador pessoal. Os seus quadros, como Rapariga ao Piano são cópias muito ampliadas de fotografias simples, e incluem os contornos a negro, simplificados e impessoais, e os pontos habitualmente usados na impressão a cores em papel ordinário.

A Arte Conceptual

Uma tendência posterior, a Arte Conceptual, tem o mesmo “santo protector” que a Arte Pop: Marcel Duchamp. Surgiu nos anos 60. A Arte Conceptual põe em causa a nossa definição de arte de forma mais radical do que a Arte Pop, insistindo em que é no salto imaginativo, e não na execução, que a arte reside. A obra de arte pode perfeitamente ser dispensada, assim como as galerias de arte e, por extensão, o próprio público. O processo criativo só precisa de ser documentado de alguma forma, geralmente verbal, ou pela fotografia ou pelo cinema.

O Foto-Realismo

Uma outra corrente, mais moderna e igualmente decorrente da Arte Pop, é a tendência chamada Foto-Realismo pela sua fascinação com as imagens fotográficas aproveitadas, melhor ou pior, por vários pintores do século passado. Quando Larry Rivers utilizou uma velha fotografia de família, traduziu livremente a imagem fotográfica para o idioma pessoal do seu pincel. Pelo contrário, para os foto-realistas é a fotografia em si que constitui a realidade, e é sobre ela que constróem os seus quadros. O Foto-Realismo fez parte de uma tendência geral que marcou a pintura americana na década de 1970: o reaparecimento do realismo.

A Arte Op (Op Art)

A Arte Pop pode dizer-se que amadureceu logo nos primeiros dez anos de existência. Um outro movimento que ganhou força ao mesmo tempo, nos meados da década de 1950, levou mais tempo a atingir a maturidade: conhecida como “Arte Op”, pela sua preocupação com a óptica. Há várias razões para explicar a lentidão do seu desenvolvimento. A Arte Op não tem a força temática, nem a atracção emocional da Arte Pop. Por isso, tem atraído menos atenção e apoio público.

A Arte Op concentra-se sobretudo nas ilusões feitas pelo homem, mesmo se elas não nos conseguem enganar. O que é novo na Arte Op é que ela é rigorosamente não-figurativa, procurando alargar o reino das ilusões ópticas em todas as direcções possíveis. Grande parte consiste em construções ou ambientes, cujo efeito depende da luz e do movimento.

A Pintura na Década de 1980

Desde 1980 que a nossa cultura tem vindo a sofrer modificações muito rápidas. Revelador desta situação de fluxo é o reaparecimento de muitos centros artísticos tradicionais na Europa e de centros regionais na América. Apesar da fermentação a que se assiste nos meios artísticos, o caminho que a arte está a tomar ainda não está suficientemente claro para que possamos prever-lhe o futuro. A arte dos anos 80 tem simplesmente sido designada como Pós-Moderna, o que é incongruente: a modernidade nunca pode ser ultrapassada.

É, no entanto, verdade que o modernismo, enquanto ideal que define a arte do século XX tal como a conhecemos, chegou a um momento de crise, cujos sintomas principais são um eclectismo generalizado e uma variedade inquietante de estilos que reflectem causas e preocupações individuais.

A ESCULTURA

As principais correntes que observámos na pintura também se definem na escultura, mas o paralelismo não deve ser exagerado. A evolução da escultura fez-se, muitas vezes, por caminhos próprios.

BRANCUSI. O Expressionismo, por exemplo, é uma corrente muito menos importante na escultura que na pintura – o que não deixa de surpreender, pois seria de esperar que o redescobrimento pelos Fauves da escultura primitiva representasse um poderoso estímulo para os escultores. Ora só um, digno de nota, participou na redescoberta: Constatin Brancusi (1876-1957), um romeno que chegou a Paris em 1904. Estava, porém, mais interessado na simplicidade formal e na coerência das esculturas primitivas que na sua selvagem expressividade. Isto é evidente no Beijo, executado em 1909 como monumento funerário.

MOORE. O primitivismo de Brancusi foi o ponto de partida de uma tradição escultórica que se mantém viva. Atraiu, sobretudo, escultores ingleses, como se vê nas primeiras obras de Henry Moore (1898-): o seu majestoso grupo Duas Formas (1936), é de certo modo o descendente, na segunda geração, do Beijo de Brancusi. Mais abstractas e subtis na forma, são, no entanto, pessoas embora apenas caiba chamar-lhes imagens no sentido metafórico. A Figura Reclinada mantém o mesmo tema, um tema clássico – lembra um deus fluvial recostado – e um certo carácter primitivo, como se as formas proviessem da lenta erosão de milhares de anos.

A Escultura Cinética

Brancusi, entretanto, dera outro passo ousado. Cerca de 1910, começou a produzir obras não-figurativas de

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mármore ou metal, reservando o seu estilo para a madeira e a pedra. As primeiras dividem-se em dois grupos: variações sobre a forma do ovo, com títulos como o Recém-Nascido ou o Começo do Mundo; e os motivos verticais, de pássaros, como Ave no Espaço. Fascinava-o o carácter antitético da vida como potencial e como energia cinética.

O Construtivismo

No Cubismo Facetado, todos os volumes, quer positivos, quer negativos, eram bolsas de espaço. Um grupo de artistas russos, os Construtivistas, encabeçados por Vladimir Tatlin, aplicou esta concepção à escultura, conseguindo o que se pode chamar colagem tridimensional. A seu tempo, deu-se o último passo: a criação de formas de vulto redondo. Segundo Tatlin e os seus seguidores, estas construções eram de facto quadridimensionais: se implicavam movimento, implicavam também o tempo.

Privado de contactos artísticos com a Europa durante a I Grande Guerra, o Construtivismo evoluiu como uma arte especificamente russa, pouco afectada pelo regresso ao país de alguns dos seus melhores artistas, como Kandinsky e Chagall. A revolução galvanizou os modernistas, que celebraram a deposição do antigo regime com uma explosão de criatividade por toda a Rússia.

O Surrealismo

O Dadaísmo rejeitou por completo qualquer disciplina formal na escultura, como o fez nas outras artes a escultura do dadaísmo. Algumas obras de Duchamp reduzem-se a uma combinação de objectos achados. Produziu obras tão impressionantes como a Cabeça de Touro de Picasso. A contribuição surrealista para a escultura custa mais a definir: a difícil aplicação da teoria de puro automatismo psíquico à pintura tornava-se dificílima em relação à escultura. Como dar forma a materiais sólidos e duráveis sem que o escultor tivesse consciência do processo? Assim, poucos escultores estiveram ligados ao movimento, e os efeitos conseguidos por alguns não podem comparar-se directamente à pintura surrealista.

GIACOMETTI. Uma das excepções é O Palácio às Quatro da Manhã, de Alberto Giacometti (1901-1966), um pintor e escultor suíço que viveu em Paris. Os materiais – madeira, vidro, arame e cordel – lembram o construtivismo, mas a preocupação de Giacometti não gira em torno de problemas esculturais. Esta gaiola delicada é o equivalente tridimensional de um quadro surrealista; cria o seu próprio ambiente espacial, que se lhe prende tão intimamente como se este estranho mundo em miniatura estivesse protegido da realidade diária por uma invisível campânula de vidro.

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5 A ARQUITECTURA

DO SÉCULO XX

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O sabor arquitectural do passado provou, com o correr dos tempos, ser inadequado às necessidades do presente. A autoridade das formas históricas tinha de ser quebrada para que a era industrial pudesse criar um estilo verdadeiramente contemporâneo.

A Inglaterra e a França

Foi unicamente em estruturas que nunca tinham merecido ser consideradas como “arquitectura” que os novos materiais e processos de construção puderam ser explorados sem inibições.

O PALÁCIO DE CRISTAL. Um ano depois de concluída a Bibliothèque Ste. Geneviève, foi construído em Londres o Palácio de Cristal, uma realização pioneira muito mais arrojada, concebida para alojar a primeira das grandes exposições internacionais que se sucederam até aos nossos dias. O seu autor, Sir Joseph Paxton (1801-1865), era um engenheiro e construtor de estufas; e o Palácio de Cristal é, na verdade, uma gigantesca estufa com o seu esqueleto de ferro abertamente à vista.

OUTROS CAMPOS. Entre os primeiros precursores da “estética da máquina”, figuram certos desenhos de joalharia dos anos de 1860 em França e na Alemanha; compõem-se de cabeças de parafusos, porcas, ferrolhos, chaves-inglesas e outros símbolos da época.

Na Inglaterra as ideias reformadoras de William Morris começaram a dar frutos na arquitectura doméstica e na decoração. As inovações mais arrojadas, contudo, não partiram de membros do seu círculo mais chegado, mas de Edward William Godwin (1833-1886), um amigo de Whistler, que desenhou um notável aparador.

Os Estados Unidos

A despeito destas incursões em território novo, a busca de um estilo verdadeiramente moderno apenas se iniciou a sério perto de 1880. Para tirar partido das qualidades expressivas das novas técnicas e materiais de construção que a engenharia lhe tinha proporcionado, o arquitecto necessitava de uma nova filosofia. É significativo que o movimento tivesse começado pela arquitectura comercial (lojas, escritórios, apartamentos), fora do âmbito de construção tradicional; que o seu símbolo tenha sido o arranha-céus e que o seu primeiro centro tenha sido Chicago, então uma vicejante metrópole, ainda não contaminada por qualquer fidelidade aos estilos do passado.

RICHARDSON. O grande incêndio de Chicago em 1871 tinha proporcionado grandes oportunidades aos arquitectos de cidades mais antigas como Boston e Nova Iorque. Entre eles, contava-se Henry Hobson Richardson (1838-1886). A maior parte da sua obra, ao longo da costa oriental dos Estados Unidos, evidencia um pesado estilo neo-romântico, de que há ainda traços no seu último grande projecto para Chicago, os Armazéns Marshall Field, desenhados em 1885.

SULLIVAN. Os Armazéns Field situam-se assim a meio caminho entre o antigo e o moderno; incarnam, com extrema severidade e lógica, o conceito de monumentalidade herdado do passado, mas as suas paredes abertas, dividindo-se em “vãos” verticais, antecipam a obra de Louis Sullivan (1856-1924), indiscutivelmente o primeiro arquitecto moderno. O Edifício Wainwright em St. Louis, o primeiro arranha-céus de Sullivan, foi desenhado apenas cinco anos depois dos Armazéns Field.

A “Arte Nova”

Entretanto, na Europa, a autoridade dos estilos reviventes estava sendo minada por um movimento agora geralmente conhecido pelo seu nome francês, Art Nouveau, embora designado também Arte Nova. Era principalmente um novo estilo de decoração, baseado em padrões lineares de curvas sinuosas que frequentemente sugerem lírios aquáticos. Durante os anos de 1890 e começos de 1900, a sua influência infiltrou-se nas artes aplicadas, como se pode ver nas obras de ferro forjado, mobiliário, joalharia, cristal, tipografia e até na moda feminina; teve um efeito profundo no gosto do público, mas não se prestava facilmente a projectos arquitectónicos em grande escala.

GAUDÍ. O exemplo mais notável é a Casa Milá em Barcelona, um grande edifício de apartamentos de Antoni Gaudi (1852-1926). Mostra uma rejeição quase paranóica de todas as superfícies planas e linha rectas, e de qualquer espécie de simetria, de tal modo que o edifício parece ter sido livremente moldado em alguma substância maleável. As aberturas suavemente arredondadas antecipam-se às formas gastas pela erosão da escultura de Henry Moore; o telhado tem o movimento rítmico de uma onda e as chaminés parecem ter formas saídas de um funil de pasteleiro.

WRIGHT. Se Sullivan e Gaudí representam como que o estádio pós.impressionista da arquitectura moderna, o grande discípulo de Sullivan, Frank Lloyd Wright (1867-1959) foi o primeiro a atingir a sua fase cubista. Isto é sem dúvida verdade no que diz respeito ao seu brilhante primeiro estilo, entre 1900 e 1910, que teve larga influência internacional. Durante essa primeira década, a principal actividade de Wright foi o traçado de casas suburbanas na área de Chicago; eram conhecidas por “Casas da Pradaria”, porque as suas linhas baixas e horizontais foram concebidas para se fundirem com a paisagem plana que as rodeava.

O último e o mais bem concebido exemplo desta série é a Casa Robie, de 1909, cujo cubismo não resulta apenas dos elementos rectangulares bem marcados que compõem a estrutura, mas sim do tratamento dado ao espaço por Wright.

RIETVELD. A obra de Frank Lloyd Wright tinha despertado muitas atenções na Europa em 1914. Entre os primeiros a reconhecerem a sua influência contam-se alguns jovens arquitectos holandeses que, alguns anos mais tarde, se juntaram a Mondrian no movimento De Stijl. Ao terminar a Primeira Guerra Mundial, o grupo De Stijl representava as ideias mais avançadas da arquitectura europeia. Os seus traçados severamente geométricos

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tiveram uma influência decisiva em tantos arquitectos no estrangeiro que o movimento cedo se tornou internacional.

O Estilo Internacional

A BAUHAUS. O maior e mais completo exemplo deste Estilo Internacional dos Anos 1920 é o grupo de edifícios criados em 1925 por Walter Gropius (1883-1969) para a Bauhaus, transferida para Dessau, a famosa escola de arte de que ele era director. O conjunto formado por três grandes blocos, para salas de aula, oficinas e estúdios. O mais impressionante é o bloco de oficinas, uma caixa de quatro andares, com paredes que consistem numa superfícies contínua de vidro.

Um quarto de século mais tarde, o mesmo princípio foi usado, em escala muito maior, nas duas fachadas principais do grande bloco que aloja a Organização das Nações Unidas.

LE CORBUSIER: A PRIMEIRA FASE. Na França, o representante mais distinto do Estilo Internacional na década de 1920 foi o arquitecto, nascido na Suíça, Le Corbusier (1886-1965). Por esse tempo, construía unicamente casas particulares consideradas hoje tão importantes como as “Casas da Pradaria” de Wright. A Casa Savoye parece uma caixa quadrada, baixa, assente sobre pilares.

AS ÚLTIMAS OBRAS DE LE CORBUSIER. Le Corbusier abandonou o purismo geométrico do Estilo Internacional. A sua obra posterior à Guerra acusa uma preocupação crescente com efeitos escultóricos. Assim, a Unité d’Habitation, um grande edifício de apartamentos em Marselha, é uma caixa sobre estacas como a Casa Savoye, mas os pilares não são hastes delgadas; a sua forma exprime agora toda a sua força muscular, de um modo que nos faz lembrar as colunas dóricas.

O edifício mais revolucionário dos meados do século XX é a igreja de Notre-Dame-du-Haut, de Lecorbusier, no leste da França. Erguendo-se como uma fortaleza medieval no cimo de uma montanha, o seu plano é tão irracional que desafia a análise. O jogo de curvas e contracurvas é aqui tão insistente como na Casa Milá de Gaudí, ainda que as formas sejam agora mais simples e mais dinâmicas.

O Pós-Moderno

Incentivada por teorias sociais mais radicais, a arquitectura pós-moderna, como sugere o seu nome enganador, procura novas concepções, que repudiam a beleza formal do Estilo Internacional. Entre os seus exemplos, o mais inovador, e também o mais controverso, é o Centro Nacional de Arte e Cultura Georges Pompidou, em Paris. Premiado num concurso internacional, o projecto, da autoria de um grupo de arquitectos ingleses e italianos, parece um edifício da Bauhaus virado do avesso. Os arquitectos eliminaram toda e qualquer reminiscência das fachadas elegantes de Le Corbusier, pondo à mostra a mecânica interior do edifício, mas escondendo ao mesmo tempo a estrutura subjacente. O interior não tem paredes fixas, de modo que se podem usar, em qualquer altura e para qualquer fim, divisórias temporárias.

O Pós-Modernismo constitui também um repúdio ainda mais vigoroso das principais correntes da arquitectura moderna. Com o fim de construírem ambientes mais humanos, os arquitectos pós-modernos voltaram-se para uma arquitectura que só podemos designar como pós-modernista, e adoptaram estilos em voga antes do Estilo Internacional.