historia economica da america latina

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\ ~ ,. ,·~f" /) ~.. CIR FLAMARION S. CARDOSO (/ ~l'V\O/ECTOR pEREZ BRIGNOLI X .\Y .// A\ oY 1 América Latina Sistemas agrários e história colonial Economias de exportação e desenvolvimento capitalista - ~ l~ VflO\tq , '-----------------~ CAPITULO 2 o MUNDO COLONIAL (SE:CULOS XVI A XVIII) A) AS BASES DA ECONOMIA COLONIAL 1. Problemas teóricos o dilema que com freqüência apresenta-se ao pesquisador inte- ressado no estudo das sociedades surgidas na América Latina, em funcª-o dª-~ansão comerciaLuºlon!zªººtª- da_.Europll.....mod~I"11-ª, é fácil de entender. Por um lado, tais sociedades só adQ~~no ~d.o-s0-sãQ-abor.dadas como parte de um conjunto-mais yasto, posto ilue surgem.corno anexos complementares da economiíLe.l.l.IQpcia,e sQlJa dependência de núcleos metropolitanos Q.ue-Lp-recisoconsiderar 'para compreender ---ª.Jacionalidade da economia colonial. Por outro, ~p-resa colonial fez aparecer sociedades com estruturas internas que possuem uma lógica que não se reduz à sU'1-Yiuíall.acãoJ:xt.erna ~ºm9_Sºm~!"fjR.!ltlâmi!:;9 e com as suas t:~~p'ectivas metrópoles polí- ticah desta forma, defini-Ias~QmQ_ªne.xP ou parte integrante de um conjunto mais vasto é um momento central da análise, mas não o, bastante . .E..necessário também abordar as próprias estruturas internas, ( desccbrír.suas especiíicidades e seu funcionamen@Falamos de um dilema porque é muito fácil cair na tentação de privilegiar em dema- sia qualquer dos níveis mencionados: seja vendo o mundo da Amé- rica Latina e do Caribe na época colonial só ou essencialmente como projeção da expansão mercantil (alguns dirão "capitalista") da Eu- ropa; ou, pelo contrário, interessando-se somente pelas estruturas internas americanas, analisando~assem considerar suficientemente seus vínculos de tipo colonial. De uma maneira geral, acreditamos que predomina amplamente a primeira tentação: o estudo que, ao insistir no ~~r~<?mais vasto da economia ocidental, na acumulação i~,1 ,I I. I r I '>rr

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Page 1: Historia Economica Da America Latina

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~,. ,·~f" /) ~.. CIR FLAMARION S. CARDOSO

(/ ~l'V\O/ECTOR pEREZ BRIGNOLI

X .\Y .//A \ oY1

América LatinaSistemas agrários e história colonial

Economias de exportação edesenvolvimento capitalista

-

~

l~VflO\tq ,

'-----------------~

CAPITULO 2

o MUNDO COLONIAL (SE:CULOS XVI A XVIII)

A) AS BASES DA ECONOMIA COLONIAL

1. Problemas teóricos

o dilema que com freqüência apresenta-se ao pesquisador inte-ressado no estudo das sociedades surgidas na América Latina, emfuncª-o dª-~ansão comerciaLuºlon!zªººtª- da_.Europll.....mod~I"11-ª,éfácil de entender. Por um lado, tais sociedades só adQ~~no~d.o-s0-sãQ-abor.dadas como parte de um conjunto-mais yasto, postoilue surgem.corno anexos complementares da economiíLe.l.l.IQpcia,esQlJa dependência de núcleos metropolitanos Q.ue-Lp-recisoconsiderar

'para compreender ---ª.Jacionalidade da economia colonial. Por outro,~p-resa colonial fez aparecer sociedades com estruturas internasque possuem uma lógica que não se reduz à sU'1-Yiuíall.acãoJ:xt.erna~ºm9_Sºm~!"fjR.!ltlâmi!:;9 e com as suas t:~~p'ectivasmetrópoles polí-ticah desta forma, defini-Ias~QmQ_ªne.xP ou parte integrante de umconjunto mais vasto é um momento central da análise, mas não o,bastante . .E..necessário também abordar as próprias estruturas internas, (desccbrír.suas especiíicidades e seu funcionamen@Falamos de umdilema porque é muito fácil cair na tentação de privilegiar em dema-sia qualquer dos níveis mencionados: seja vendo o mundo da Amé-rica Latina e do Caribe na época colonial só ou essencialmente comoprojeção da expansão mercantil (alguns dirão "capitalista") da Eu-ropa; ou, pelo contrário, interessando-se somente pelas estruturasinternas americanas, analisando~assem considerar suficientementeseus vínculos de tipo colonial. De uma maneira geral, acreditamosque predomina amplamente a primeira tentação: o estudo que, aoinsistir no ~~r~<?mais vasto da economia ocidental, na acumulação

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\,_Rr~y!a de ~ªp.Hª-is e J12s.!!!:?ter "setorial" do conjunto americano, deixamuito _nl! )iQml?rª._º_.~~t!,!ºº ..p.Iºfp-ººº-ºªL~!mtuns internas.

Neste sentido, depois do esquema simplista de A. Gunder Frank,tem tido, nestes últimos anos, bastante influência o livro de ImmanuelWallerstein,l e o "sistema econômico mundial" que propõe para osTempos Modernos. Segundo ~. autor, foi em fins do século XV eprincípios do seguinte que se constituiu uma "economia mundial euro-géia". Ele a define como algo nov~~-;~'-~i~~-~-~ s;~i~l-d~s~~-~hecidoaté então na história. Trata-se de um sistema "mundial" pelo fato deser mais amplo que qualquer unidade política, (de fato englobavavárias em seu interior) ,e "ec2!!Q!Djco" porque o que vinculaya assuas partes constitutivas eram sobretudo laços do tipo econômico.Wallerstein afirma que o mencionado sistema econômico mundialestava baseado no modo de produção capitalista, que vê como já

I dominante e quiçá único dentro do sistema, posto que os demais!i modos de produção (pré-capitalistas) só puderam sobreviver em

i função de sua adaptação ao novo marco, o do capitalismo; ou, naetapa inicial, dos 'diversos capitalismos europeus, cada um com osseus próprios circuitos e zonas de, influência. O segredo da solida-riedade do sistema consistia no fenômeno do desenvolvimento desi-gual, inerente à própria expansão capitalista: em virtude disto, cons-tituiu-se uma divisão do trabalho em escala mundial, gerando diversasformas capitalistas d~rodução, nem todas elas baseadas no trabalholivre (de fato, só a do centro do sistema, situada na Europa Ociden-tal), porém todª~~om classes dornjnantps - ou mais exatamente,grupos dominantes a nível local, posto que Wallerstein acredita quetambém as classes devem surgir da análise da totalidade do sistema-, cujas "motivações" eram igualmente capitalistas. O autor justificadesta forma a existência de diferentes relações de produção dentro dosistema econômico mundial: 2

Por que diferentes modos de organização do trabalho -escravidão, "feudalismo", trabalho assalariado, trabalho porconta própria - simultaneamente dentro da economia mundial?Porque cada modo de controle do trabalho adapta-se melhor a

1. Immanuel Wallerstein, The Modern World·Syslem, Capitalist Agri-culture and lhe Origins of lhe European W orld-Economy ;n lhe Sixteentb Cen-tury, Academic Press, Nova York, 1974. (existe trad. esp., Siglo XXI, Madrid,197~.)

2. Op. cit., p. 87.

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-

i:1I

tipos particulares de produção. E por que estes modos con-centravam-se em diferentes zonas da economia mundial - es-cravidão e "feudalismo" na periferia, o trabalho assalariado e otrabalho por conta própria no núcleo, e como veremos, a par-ceria na semiperiferia? Porque os modos de controle do trabalhoafetam em muito o sistema político (em particular a força doaparelho de Estado) e as possibilidades de engendrar umaburguesia autônoma. A economia mundial estava baseada pre-

-f!§'ª!D~~!~ na constatação de que de fato exist!~ªurêszon~~~_-.9..l.!ais tip.ham difer!:ntes modos de cOn!rol~ __º.º_Jrª::balho, Caso assim não fosseJ.-!!ªº~riª-_ ªiq(LPºS~Íy~L~s~~::gurar o tipo de fluxo de excedente que possibilitou o surgimentodo sistema capitalista.

Wallerstein é consciente de .que o feudalismo medieval persistecomo forma de exploração em seu "núcleo" europeu ocidental noperíodo que estuda: minimiza, porém, sua incidência (tratar-se-ia dosistema de exploração empregado principalmente por pequenos senho-res rurais). uanto ao "fe d 'smo" Europ-a Oriental e da Amé-

-!:!ca Espanh~-ªp-ontª-aLSl:.guintes diíecençaa., istentes em rela ãoao feudalismo medieval: 1J os senhores não roduzem ago a prima-

riamente p.ar,a-a-ecQno.m.ia-lQca-l,m-a·s-pa.r..a-u.m~-ec-ºllomia mundialcapitalista .é3 tais senhores n!o originam seu poder da debilidadeda.iautcrídade.ceatral.c.como.,n Idade Média, mas sim na força detal autoridade central (pelo menos a Que exerce sobre-os-trabalhado-,

res rurais). Por conseguinte, recusa chamar "feudalismo" a tais rela-ções deproduçãomodernas, preferindo cunhar a expressão: "trabalhoforçado em cultivos comerciais" (coerced cash-crop labor). A níveldos trabalhadores, a diferença consistiria em que, ao contrário doservo medieval, os escravos e "servos" dos tempos modernos deviamdestinar não uma parte, mas a maioria do excedente, a um mercado.que agora era mundial. Diferente também era a maneira em que asclasses dominantes aplicavam os lucros: agora nota-se uma tendênciaà rei versão e à maximização dos ganhos. Seja como for, só a totali-dade pode servir como marco de definição das relações de produção:"

A questão é que as "relações de produção" que definemum sistema são 'as "relações de produção" do sistema inteiro, e

3. Op. cit., p. 127.

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7ff

nesta época o sistema é a economia mundial européia. O traba-lho livre é sem dúvida um traço que serve para definir o capita-lismo, porém não o trabalho livre na totalidade das empresasprodutivas. O trabalho livre é a forma de controle do trabalhoY~ªºª.p--ªra tarefas especializadas nos países in~~grantes do núcleodo sistema, ~!lquanto que o trabalho forçado é utiliiado e@~ÚÚ~~tas menou..~pecializadas nas áreas periféricas. A combinaçãoresultante é a essência do capitalismo, Quando o trabalho forlivre em todas as partes, teremos o socialismo. 2

muito diferente o fato indubitável de que os camponeses dependentes,sujeitos a prestações diversas aos proprietários eminentes do solo,tenham permanecido como elemento dominante das relações de pro-dução no oeste da Europa durante vários séculos depois da IdadeMédia. O que temos, é um processo histórico de longa duração, quenão antes do século XVIII desembocou no modo de produção capi-talista totalmente desenvolvido e apto para tornar-se dominante. Sedurante os Tempos Modernos o que vemos é somente a gestação e oprogressivo desenvolvimento do capitalismo, que sentido pode ter adenomjnaltão "capitalista" atribuída ao incipiente mercado IllundjªLconstituído e dominado pelo capital mercantil?

Por outro lado, nos parece falsa a crença de que as transf~-rências do "excedente" (termo empregado com pouca precisão porWalIerstein, que em outros textos o confunde com o conceito dife-rente de mais-valia) qL~E!Üp~!l!~!i~._9.~~!!f~r.!Lp.~.r!!....2-I!~o

,,!~!!!!~~_~19!?..2.J~!2!...Eentr~1 no advento do capitalismo. O processode acumulação originária (ou primitiva, ou prévia) de capital não foialgo ligado §Q ou principalmente ao comércio com as áreas coloniaise dependentes, ao tráfico de escravos, etc. Seus momentos decisivosse deram no próprio núcleo de Wallerstein, isto é, na Europa Ociden-tal. Isto não quer dizer que neguemos a importância da expansão eacumulação coloniais, que por certo estiveram muito vinculadas àstransformações internas na Europa. Trata-se simplesmente de que,como Marx e Maurice Dobb, consideramos essencial levar a sério adiferença entre as duas vias de desenvolvimento do capitalismo -

{

aquela em que um setor da classe mercantil se apodera da produção;e aquela em que um setor dos próprios produtores acumula capital ecomeça a organizar a produção em bases capitalistas -, sendo a se-gunda "o caminho realmente revolucionário", enquanto que a outrase opôs ao "verdadeiro regime capitalista" e desapareceu com seudesenvolvimento."

Finalmente, não ficam muito claros no texto de Wallerstein osmecanismos concretos através dos quais 9 si~tema econômico .mundialdetermina. em seu interior as modalidades de exploração do trabalho

'pãs ~n-éf-en~esáreas·· (nÓéleo;"s'êffii"períié'dã-'epêriferia) .O que mais nos preocupa, porém, são as conseqüências que de

sua análise retira o autor a nível metodológico. Afirmar que os únicos

As conseqüências metodológicas de um esquema deste tipo sãoclaras, e o autor as expõe em suas conclusões (pp. 347-357). Umsistema social caracteriza-se pelo fato de que a dinâmica de seudesenvolvimento é basiçamente interna. Desta forma, muitas entida-des quecostumeiramente são apresentadas como sistemas sociais(tribos, nações-estados, etc.) Sif'6' o são: os únicos sisteI!!ªL~Çl~!ªi~_

.!~~isj1!o as comunidades autônomas de subsistência, por um lado; e\2QL.9_t!lIQJ~~!emas _1!)1,!!1-º!ª-\~L.ca~~~_!~!:!~.,!q~~p~l(\_divisã~ do tra-balho. em2eujºt~.r!or e por conter múltiplas culturas.

Que se pode dizer a respeito do esquema explicativo de Wallers-tein? Em primeiro lugar, que estamcs.ría.acctda.ccm vários de seus_aspectos: de fato, exiAtiu ª!gQ ..ilJ..!e_PQcjemQ§ ...chamªL~'~ige.ITI!U~~ºr.!º:_l!1ico europeu", ou cujo centro dinâmico encontrava-se na EuropaOcidental; é certo que tal sistema tenºliLa_Jºmill'-S!Ud.~~ç~nt~m~nte."mundial"; e _§~m dQYiQª-Sonsti~!!i!!-ªlgp serp---p-recedentes na históriada humanidade até então.

Onde iniciamos a afastar-nos de :mU1P-jni~-º., CI}~~.!~~!~j~(\Ç~9de tal sistema econQ!!1ico como cavitalista. e do capltalísmo..coma;uiodo.de.nradncâo.dominame, - se não único - desde fins do séculoXV e princípios do seguinte ..Wªl!ers.tein abQrdª.-º--Q!!~ chama capitg-lismo principalmente a partir das motivações dos em~áriQlLLdo

.mercado, não da esfera da mQ9.!!.çªQ. Quanto a esta última, suas afir-mações são demasiado esquemáticas, estáticas e às vezes historicamentefalsas. Caso entendemos o capitalismo como um modo de produçãono sentido exato da palavra, ou seja, CO!!!Q_l!1!1ª .ªniç!llªç~º __hi~!Qdç-ª.-~~~~~_º~ª_entre de!erminado nível e form!} de organização dasl<?rças produtivas, e as relações de produção correspondentes, não épossível pretender, por exemplo, que na Europa Ocidental predomi-nassem !elªçQ§--º!LP.Iºçlllç~ºJ!pjcamente capitalistas tão cedo comon~u~Ç.!!!º_xy. Uma coisa é a abolição da servidão iurídi'c~:-oüú~

4. Maurice Dobb, Esludios sobre eI desarroIlo deI capitalismo, trad. deLuis Etcheverry, Siglo XXI Argentina Editores, Buenos Aires, 1971, pp. 150·156e em geral os caps, II a V.

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sistemas sociais reais são aqueles que contêm em seu interior o essen-cial da dinâmica de seu desenvolvimento, poderia entender-se nosentido de que o único objeto de estudo ou universo de análise legí-timo estaria constituído, na época de que se trata (os Tempos Mo-demos), pelo "sistema econômico mundial europeu". Semelhantetomada de posição pode com muita facilidade servir de álibi aoensaísmo globalizante não baseado em investigações de primeira mão,já que, de fato, é quase impossível levar a cabo este tipo de pes-quisas tomando como objeto totalidades tão vastas como o conjuntoda economia ocidental (o livro de Wallerstein utiliza fundamental-mente dados de segunda mão ... ). Alguns sistemas se compõem deelementos parciais cujo estudo deixa de ter sentido se os separamosda totalidade na qual se inserem. A coisa, porém, muda quando umsistema é uma "estruturas de estruturas": neste caso é perfeitamenteválido e possível abordar a análise das estruturas parciais, com a con-dição de não perder de vista as determinações globais.~ Como oexpressa Pierre Vilar, a "história total" não consiste na tarefa impos- ,

-sível de "dizer tudo sobre tudo", mas "somente em dizer aquilo de '~o depende e aquilo que depende 'do todo",6 coisa perfeita-mente factível inclusive em um trabalho parcial e monográfico. Adefesa da síntese histórica ou da história total é algo legítimo." Avia que conduz a isto, porém, não deve anular, mas consolidar osestudos históricos especializados: a luta contra a especializaçãofechada ou exagerada não se deve travar de tal maneira que se ponha

5. Naturalmente, Wa\1erstein não está sozinho. Pontos de vista análogosencontram-se em Pablo González Casanova, "EI desarrollo dei capitalismo enlos países coloniales y dependi entes", in Pablo González Casanova, Sociologíade Ia explotacián, Sigla XXI Editores, México, 1969, pp. 251-291; José CarlosChiaramonte, "EI problema dei tipo histórrcc de socieaad: critica de sus su-puestos", in Modos de produccián en América latina, Historia y Sociedad, Mé-xico, Segunda época, no" 5 (primavera de 1975), pp. 107-125; Angel Palerm,"L Un modelo marxista para Ia formación socio-económica colonial?", TercerSimposio de historia económica de América latina, MéXICO, setembro de 19/4(comunicação mimeografada).

6. Pierre Vilar, "Historia marxista, historia en construcción. Ensayo dediálogo con Althusser", in Ciro F, S. Cardoso e Héctor Pérez Brignoli (com-piladores), Perspectivas de Ia historiograita contemporânea, Secretaría de Edu-cacíón Pública (Sep./Setentas), México, 1976, p_ 157.

7. Cf. Georges Duby, "La historia social como síntesis", in C" F. S_ ~ar-doso e H, Pérez Brignoli (compiladores), op. cit., pp, 91-102; Pierre Vlla_~,"Problémes théoriques de l'histoire économique", in [acques Berque et alli,Auiourd'hui l'histoire, Editions Sociales, Paris, 1974, p. 122_

em perigo as vantagens obtidas graças à especialização." O fato deque, ao estudar a história interna das regiões coloniais, seja neces-sário definir suas correlações com a economia mundial, não significaque o historiador da América Latina tenha que escrever pessoalmente'a história econômica total (e ainda bem, já que seria uma tarefainterminável. _ . ): significa apenas que deve utilizar criticamentedados e análises pertinentes, elaborados por especialistas em outrosramos de pesquisa.

Muito semelhante ao esquema de Wallerstein, ainda que se hajadesenvolvido independentemente, é a concepção de Fernando Navaisacerca do "antigo sistema colonial" (séculos XVI-XVIII),9 Vamosresumi-Ia brevemente, posto que não carece de interesse e se ligadiretamente ao nosso tema."'*""'?"" O autor define o "antigo sistema colonial" como o sistema colo-nial do mercantilismo, o conjunto das relações entre metrópoles ecolônias na época do "capitalismo comerc!ªl". Sua finalidade c.Qn~i~tiria em Q!QP!~iar _~_ill!}!!mizªção ºª_~!~ª_,E~~~ª~i~~etropoli~paatravés das atividades coloniais; em outras palavras, em ser um instru-mento a serviço da acumulação primitiva de capitais. O mecanismoque possibilitava que tal função fosse cumprida era o do exclusivoou monop61io comercial, gerador de sobre-Iucros_ A burguesia comer-cial metropolitana podia apropriar-se do sobre-produto das econo-mias. coloniais - simples anexos complementares 'da Europa -devido ao fato de que o seu monopólio permitia vender o mais caropossível as mercadorias européias na América, e em contrapartida,comprar aos preços mais baixos possíveis a produção colonial. Oslimites estariam dados, no primeiro caso, pelo fato de que, acimade certo nível de preços, o consumo de produtos europeus se inter-romperia; enquanto que, no segundo caso, os preços pagos pela pro-dução colonial não poderiam baixar a ponto de impedir o próprio pro-cesso produtivo nas colônias. Para que o sistema pudesse funcionar,as f~rmas de exploração do trabalho deveriam ser de tal tipo que per-mitis~~_-ª- coºce~!raÇ.~~.J!~ ren_qa nas mãos da classe dominante

8_ Witold Kula, Problemas y métodos de Ia hlstoria econômica, trad. deMelitón Bustamante,' Ediciones Península, Barcelona, 1973, pp. 79-80; tambémMaurice Bouvier-Ajam, Essai de métnoaologie iustorique, Le Pavillon, Paris,1970, capo II r.

9_ Fernando Novais, Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial(Séculos XVI-XVIII), Editora Brasiliense (Caderno Cebrap, n." 17), São Paulo,1977l.

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colonÍlll :~nda quando a maior parte do exced~ traºsferia...p-ª@.a metrópole, a parte restante se concentrava, garantindo assim acontinuidade cio processo produtivo ,e da importação de artigos euro-peus. Portanto, a adequação das economias coloniais a seu centrodinâmico, em última instância - o caQitalis~ó mercantil europ~t;'-, impunha formas qe trabalho não-livres. A grande contradição naseconomias coloniais consistia em que surgiram como setores produ-tivos altamente especializados, inseridos no processo de ampliação daeconomia mercantil, vinculadas às grandes rotas do comércio mun-dial; internamente, porém, as próprias maneiras de produzir impostaspela lógica do sistema determinavam um mercado muito reduzido. Asáreas coloniais estavam à mercê de impulsos provenientes do centroeconôI!Üco dominante, e não podiam auto-estimular-se. Ao fünciõiiàrplenamente, o sistema colonial mercantllista ia crlã"ndõ-;-"porsua pró-pria dinâmica, as condições de sua crise e de su~~~.~~ão: funcionalna era do "capitalismo comercial", tornar-se-ia um anacronismo a sersuperado sob o capitalismo industrial,

Novamente as estruturas latino-americanas aparecem reduzidas ameras conseqüências ou projeções de um P[ºç~~~Qcuja.JógiQLP.IQ.-'funda lhes é exterior. Quem se interessa pela história da Ibero ..-Améri-ca, pela evolução de suas sociedades, porém, não pode ficar satisfeitocom uma passagem como a que se segue;"

A escravidão foi o regime de trabalho preponderante na colo-nização do Novo Mundo; o tráfico de africanos, que a alimen-tou, um dos setores mais rentáveis do comércio colonial. Se àescravidão africana acrescermos as várias formas de trabalhocompulsório, servil e serni-servil - encomienda, mita, "inden-ture", etc. -, resulta que era estreitíssima a faixa que restava,no conjunto do mundo colonial, ao trabalho livre. A coloniza-ção do Antigo Regime foi, pois, o universo paradisíaco do tra-balho não-livre, eldorado enriquecedor da Europa.

Deixemos de lado a inexatidão histórica de considerar a escra-vidão com "o regime de trabalho prepondemn!~. mLçº!9J!!Za!('ª~Q ~Novo Mundo", e concentremo-nos em algo que nos parece muitomais essencial. Se hoje em dia o México e o Brasil, por exemplo,apresentam estruturas internas tão diferentes entre si, isto tem muito

10. Op. cit., pp. 27-28.

a ver com as modalidades divergentes da exploração do trabalho queestes países conheceram na época colonial. Generalizações tão vagas,tendentes, pelo contrário, a assimilar a escravidão, a mira, a encomien-da, etc. a um mesmo esquema, resultam não só inúteis, mas nocivas,se nenhum esforço é feito para esclarecer a importância das diferençasexistentes entre as estruturas e processos internos das diversas regiõesda América, cuja dinâmica, ainda que dependente em última instân-cia de impulsos metropolitanos, em nenhum caso se reduz a tais im-pulsos. Há que se levar em consideração muito seriamente o estudodas c~tradições, potencialidades e limitações internas presentes nas~m!!~~!,~~_,=012!!.!ais,sem~ual nef!~!:!.!!!uom2reef!~ão adequada da

-1!istória lati!1o-americana é possível.:.Além disto, como já ocorria no caso de Wallerstein, não somente

exagera-se muito o peso da acumulação colonial na história do capi-talismo (Navais, na página 12 de seu trabalho, chama o sistema colo-nial mercantilista "a principal alavanca na gestação do capitalismomoderno" e considera que a exploração colonial foi "elemento deci-sivo na criação dos pré-requisitos do capitalismo industrial"), à ma-neira de Eric Williams.P como também a história não aparece notexto de Novais como um processo "histórico-natural". Temos a im-pressão desagradável de nos haver com uma enteléquia, um elementosupra-histórico que organiza, determina e decide. Em outras palavras,o esquema 'do "antigo sistema colonial" lembra fortemente um enfo-que teleológico ou finalista.P Ora, Q sentido da história não é maisque uma reconstrução a posteriori; em nenhum caso se trata de umprincípio modelador a prior; dos processos e, portanto, explicativodos mesmos. Dizer que o sentido do sistema colonial mercantilistafoi preparar o advento do capitalismo industrial moderno não explicaa racionalidade que aquele sistema apresentava para os homens queforam seus contemporâneos. Caso quisermos ver isto claramente, seránecessário, além do conjunto e das inter-relações, estudar em si rnes-mas as estruturas internas da Europa e da América.

Mencionemos ainda a inconsistência que encontramos no fatode um texto que, segundo parece, tem a intenção de localizar-se no

1~. Eric, Williams, Cap~talism and Slavery, Chapel Hill, 1944 (trad. esp.:Ed. S18.lo VC:lOte, Buen~s Aires); para a crítica das concepções de Williamsa respeito, vide François Crouzet (organizador), Capital Formation in the I n..dustrial Revolution, Methuen, Londres, 1972,

12. Isto já foi apontado por Iacob Gorender, O Escravismo ColonialEditora Atica, São Paulo, 1978, pp. 121..122 e 507-508. '

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interior da teoria marxista, utilizar uma noção sem estatuto possívelem tal teoria - a de "capitalismo comercial", ou "mercantil" -,baseando-se a respeito nas idéias da escola histórica francesa, her-deira direta, neste ponto, da Escola Histórica Alemã e do weberia-nismo."

2. Expansão comercial e tipo de colonização

A colonização da América foi sem dúvida, em última análise,urna conseqüência da .~~pª!!~ão comercial e marítima européia, umaspecto do grande processo de constituição de um mercado mundial.Tal colonização e os processos de descobrimento e conquista nãoE.0d~~!ll ocorrer sem a asso~@~9 entre intIT~privados d~er- \r;"sos tipos (de comerciantes, aventureiros em busca de riqueza e de i\posição, nob~es co~ al~os post_os burocráticos) cr i~.t~re~ses pú~licos '\(as' monarquias nacionars, a -cUJO aparelho com freqüência aSSOCIava.:\ 'se a Igreja). Tal vinculação tinha diversas razões: a necessidade de j

. mobilizar recursos vultosos para financiar longínquas expedições de 'descobrimento ou conquista, e posteriormente a necessidade de deíen- ,der as colônias; os grandes riscos que implicavam as aventuras destetipo; a inexistência, no princípio, de formas de empresas mercantiscapazes de concentrar os imensos recursos mencionados e enfrentar osriscos; a manutenção pela força do sistema de monopólios sem o qualnão podia funcionar a atividade mercantil de então. Surgidas nestecontexto, as relações entre metrópole e colônia foram regidas pelosistema de "exclusivo" ou "pacto colonial", através do qual cadametrópole reservava-se o monopólio do comércio de suas colônias;estas últimas tinham por sua vez garantido o mercado metropolitanoe o apoio naval da potência colonizadora. Por outro lado, as estru-turas econômicas coloniais orientavam-se de forma complementar àsda metrópole, Na prática, o rigor do monopólio foi compensado ouatenuado por um importante comércio ilícito, pela pirataria e pelapressão dos interesses radicados na colônia contra alguns de seusaspectos. A colonização-O 'ent - e essencialmente ara. a constitui-ção de sistemas produtivos destinados a abastecer o mercado europeu----

13. A respeito vide principalmente Horacio Ciafardini, "Capital, comercioy capitalismo: a propósito dei Jlamado 'capitalismo comercial' ", in Modos deproducción en América latina, Cuadernos de posado y presente, n," 40, SigloXXI Editores, México, 19775, pp. 1t 1-134.

72

com -etals precioso e, rodutos tro~ls ( artigos alimentícios del!!xoLmatelj-ªs_-primas rCfiãríÍm-se diversos núcleos exportadores L e...ao seu redor ª-rtiê'ularam-se em seguida outras zonas prõ uuvas, ~-,

~,_ secundárias ou marginais-e-- De uma maneira extremamente simplificada, estes seriam os

traços mais visíveis do sistema colonial rnercantilista.vs A interpreta-ção que se proporcione de tal sistema, além de sua simples exposiçãodescritiva, dependerá em essência do que se acredita ser a da naturezada economia dos Tempos Modernos. Quanto a este ponto, apoiamosas afirmações de Pierre Vilar: 15

Não se deve empregar sem precaução a palavra "burguesia") e deve evitar-se o termo "capitalismo" enquanto não se tratar

da sociedade moderna na qual a produção maciça de mercado;rias repousa na explora cão do trabalho assalariado dO não-pro-prietário pelos proprietários dos meios de produCão. ( ... )Enfim, embora seja certo que não se deva exagerar o caráter"fechado", "natural", da economia feudal em suas origens (naqual o intercâmbio nunca foi "nulo"), não é menos exato quemuito tarde ainda, nos séculos XVII e XVIII, a sociedade ruralproveniente do feudalismo viveu em grande medida sobre simesma, com um mínimo de intercâmbios e pagamentos emmoeda. A comercialização do produto agrícola sempre foi muitoparcial. Ora. no capitalismo avançado, tudo é mercadoria. ~sentido. como falar de "capitalismo" no século XV, ou ainda

.~ em relacão ao século XVIII francês?o ,~~r Noutras palavras, acreditamos que a economia dos Tempos':, § Modernos (da metade do século XV até a segunda metade do século'': ,~i~XVIII) é fundamentalmente pré-capitalista, o que se aplica à Europa,, \\ ao ~ndo colonial a ela submetido, e ao incipiente mercado mundial.

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14. Cf. Frédéric Mauro, La expanston europea 1600-1870, Labor. Barce-lona, 1968; Pierre Deyon, Los origines de Ia Europa moderna: el Mercanti-lismo, Península, Barcelona, 1970; Richard Konetzke, América latina l l , LaEpoca colonial, vol. 22 da Historia Universal Siglo XXI, Madrid, 19722;

Charles Gibson, Espana en América, Grijalbo, Barcelona, 1976; Guillermo Cés-pedes, América latina colonial hasta 1650, Sep'/Setentas, México, 1976.

15. Pierre Vilar, "La transition du féodalisme au capitalisme", in Char-les Parain et alii, Sur le féodalisme, Editions Sociales, Paris, 1971, pp, 36-37.

77.,

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~,/~; mo tipo. Segundo os critérios escolhidos para a sua classificação, po-, ' ; dem ser construídas diversas tipologias. Mericionamos as mais usuais.

. -----7- 1<? Segundo as potências colonizadoras. - Far-se-á então a di:1 ferença entre os impérios coloniais de Portugal, França, Espanha, In-

glaterra e Holanda na América. Trata-se de um critério frágil. Bcorreto que certas diferenças importantes entre distintas áreas coloniaisresultavam dos níveis heterogêneos da evolução econômico-social daspotências metropolitanas,17 como de seu maior ou menor poder mili-tar e naval. Caso porém tomarmos o Brasil acucareiro (colônia portu-guesa) e as Antilhas francesas. e ing~~ produtoras de açúcar, te-

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remos colônias escravistas essencialmente similares entre si, aindaque colonizadas por três países diferentes.

;to ~ --?- 29 Segundo o grau de vinculação ao mercado mundial. - Vi--J I mos que as distinções entre núcleos exportadores que produzem me-

~

tais preciosos e produtos tropicais para _vendê-los à Europa, zonasi1 €l _ subsidiárias voltadas para o mercado local ou intercolonial (a áreac ~ de pecuária no Brasil, complemento da zona açucareira; a produção

chilena de trigo, vendida para o Peru; as fazendas mexicanas, etc.) ,zonas relativamente marginais (corno a Amazônia, Costa Rica, etc.),têm certa importância. Em muitos casos, porém, de fato estas funçõesprodutivas diferenciadas superpõem-se no espaço, e de qualquer ma-neira U1!l-ª..!!P'º~g!ª-.~ª!~~º~~x.p.!içªtiva não pode _JiºI11~n!!U?ªseª!,=-se na esferLQa cir9!ill~ªº,,2~'1LfQnsiderar a P'!od!:!ç~o e a estruturasocial.

~ 39 Segundo os tipos de produção. - Estes dependem em medi-da considerável dos dados geográficos e dos recursos naturais, variá-veis de uma zona para outra na América. Teríamos - tomando emcada caso só o setor produtivo mais importante - colônias de mi-neração (México, Peru e Alto Peru, a região aurííera do Brasil noséculo XVIII, etc.), colônias exportadoras de produtos tropicais (oBrasil agrícola, o México tropical, a Guatemala, as Antilhas e asGuianas, etc.), colônias produtoras de alimentos para os própriosmercados da América (Chile, Nova Inglaterra, a zona pecuária doNordeste ou do Sul do Brasil, etc.). Com este critério já podemos

o capit~lismo, como modo de produção, está sendo então g~r~do,porém não se in~tªlªr~. p!enamente - e menos ainda será dominante-..antes da revolução industrial. Isto' não' quer -dizer, em absoluto,que neguemos a importância primordial da extensão dos intercâm-bios, do processo mercantil, na formação do capitalismo: o que nega-mos é qualquer espécie de "capitalismo 'comercial". O capital mer-cantil havia já existido em outras épocas da história. Sua eficácia nadissolução do estado de coisas pré-capitalista na Europa Ocidentaldurante os Tempos Modernos foi o resultado de que atuava então emum ambiente muito diferente ao do antigo Império Romano ou ao daIdade Média, devido a transformações profundas que estavam se ope-rando na esfera da produção. O processo de acumulação prévia de.caRitais de fato não se limita à exploração colonial em todas as suasformas; seus aspectos decisivos de expropriação e proletarização se

Aão na prÓpria Europ-ª, em um ambiente histórico global ao qual porcertonãoé indiferente à presença dos impérios ultramarinos. A supe-ração histórica da fase de acumulação prévia de capitais foi, justa-mente, o surgimento do capitalismo como modo de produção: ro

Chegamos aqui ao aspecto dialético do fenômerio: aªcumulação primitiva de capital engendra sua 'própria destrui-çã~: Em uma primeira fase, a alta dos preços, a expansão dosimpostos reais, os empréstimos dos príncipes estimulam os usu-rários e os espectadroes; porém, finalmente, em graus diversossegundo os países, as taxas médias de juros e dos ganhos espe-culativos tendem a igualar-se e a baixar. É preciso então que ocapital acumulado busque outro meio de reproduzir-se. É pre-ciso que os detentores de dinheiro - que permaneceram rela-tivamente à margem da sociedade feudal - invadam o corposocial inteiro e que assumam o controle da produção.

Caso seja esta a maneira de ver a economia dos tempos moder-nos, é evidente que, em nossa opinião, a colonização da América naépoca do mercantilismo somente poderia engendrar sociedades colo-niais pré-capitalistas. Estas sociedades porém não eram todas do mes-

16. Op. cit., p. 44.

74

17. Cf. Ciro F. S. Cardoso, "Propriété de Ia terre et techniques de pro-duction dans les colonies esclavagistes de l'Arnérique et des Caraibes auXVIlle. siêcle", in Cahlers des Amériques Ia/ines (serie "Sciences de l'Homrne",n." 13-14), Paris, 1976, pp. 129-151.

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construir um quadro mais interessante, dado que os tipos de produ-ção têm grande jnfluência sobre as técnicas. a organização social,etc.

~~ 49 Segundo a questão da mão-de-obra e do caráter da coloni-zação. - Na época pré-colombiana, podemos distinguir uma.zananuclear de povoamento indígena (compreendendo as áreas meso-americana e andina), a única que continha grandes concentraçõesdemográficas e um nível agrícola relativamente desenvolvido; e oresto do cotinente, o qual, ainda que muito heterogeneamente, apre-sentava um povoamento menos denso de agricultores primitivos, ca-çadores e coletores, Na zona nuclear; a conquista significou uma re-gistribuição dos fatores produtivos fundamentais (terra e trabalho),e a colonização baseou-se na exploração das comunidades indígenas,parcialmente privadas de suas terras e obrigadas a trabalhos força-dos através de procedimentos diversos; ainda que a escravidão negranão' estivesse ausente de todo; as sociedades resultantes foram sobretu-do euro-indigenas (México, Peru, Guatemala, etc.). No resto do con-tinente, podemos distinguir duas alternativas principais: 1) onde ascondições naturais permitiam o desenvolvimento de culturas tropicaisde exportação, após o confisco dos. grupos indígenas, que foram ex-pulsos, escravizados e dizimados, a importação maciça de escravosafricanos levou à constituição de sociedades principalmente euro-afri-canas (Brasil, Antilhas, Guianas, partes da América Espanhola conti-nental); 2) onde as condições naturais eram próximas às das zonastemperadas da Europa, após a conquista e o confisco dos grupos in-dígenas constituíram-se colônias de povoamento a partir de uma imi-gração européia mais ou menos importante (às vezes já em pleno sé-culo XIX, fora portanto da época colonial), e surgiram sociedadeseuro-americanas (Costa Rica, a zona dos pampas, etc.). Esta tipo-logia nos servirá de base para a exposição das estruturas econômi-cas fundamentais neste capítulo, ainda que sem perder de vista to-talmente as anteriormente mencionadas. É certo que admite casos in-termediários (Colômbia, Venezuela, etc.) e casos especiais, por exem-plo as zonas de trânsito como o Panamá.t"

18. Para uma explicação mais detalhada, cf. C. F. S. Cardoso e HéctorPérez Brigoni, Los métodos de Ia historia, Crítica, Barcelona, 19772, capo V.

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3. A circulação na economia colonial

De uma maneira geral, os processos produtivos da América Lati-na e do Caribe na época colonial têm sido muito melhor estudadosque o seu correspondente processo de circulação. Recentemente, Mar-cello Carmagnani tentou formalizar os fluxos mercantis no mundocolonial; trata-se de um esforço importante, que sintetizaremos a se-guir,19 e no qual se nota a influência de Witold Kula.s"

Segundo Carmagnani, a circulação assume, em uma colônia, aforma de dois fluxos complementares: o durodutos de exportaçãoda unidade produtiva para o porto, e o de mercadorias importadasdo porto para a unidade de produção. A classe mercantil da colô-

.Jliã. - que com freqüência utiliza suas atividades para possibilitar o.seu acesso à classe proprietária, verdadeiro grupo dominante colonial- atua como intermediária entre a produção e o consumo, Devidoà escassez de moeda e ao fato de que o processo produtivo se dá se-gundo um ciclo longo (ano agrícola), enquanto que a necessidade debens importados se faz sentir com regularidade no tempo, o circuitomercantil realiza-se em dois momentos diferentes no tempo: os co-merciantes antecipam aos produtores mercadorias européias impor-tadas, as quais serão pagas com mercadorias para a exportação. Ain-da que todo o ciclo entre comerciantes e produtores da colônia possacompletar-se sem a intervenção do dinheiro metálico (a fórmuladesta circulação é: mercadoria-dinheiro-mercadoria, ou M-D-M;porém o dinheiro assume aqui a forma de crédito, de antecipação demercadorias sobre mercadorias futuras), o autor assinala que nãose trata de uma troca, mas de uma verdadeira circulação de merca-dorias, feita segundo uma forma mercantil de tipo secundário. Talforma implica uma interdependência entre o produtor e o comer-ciante, criando uma cadeia de intercâmbios que une um produtorespecífico a um comerciante igualmente específico; não há um mer-cado anônimo, mas compulsório; regulado não pela oferta e pelademanda, mas somente pela demanda exterior cujo representante ou

19. Marcello Carmagnani, Fornlación y crlsis de un sistema feudal. Amé-rica latina del sigla XVI a nuestros días, trad. de Félix Blanco, Siglo XXIEditores, México, 1976, pp. 32-44.

20. Witold Kula, Théorie économique du svsteme féodal, Paris-Haia, Mou-ton, 1970 (tradução do polonês; existe também uma tradução espanhola). EmCarmagnani percebe-se também a influência da antropologia econômica.

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agente na colônia é o comerciante. O movimento mercantil entre aAmérica Latina e o mundo já se dá segundo a forma mercantil detipo primário (cuja fórmula é D-M-D: dinheiro-mercadoria-dinhei-r~). Os representantes no porto da classe mercantil européia (capi-taes dos ?arcos, agentes) trocam mercadorias européias (tecidos, ferroe outros implernentos, artigos alimentícios de luxo, etc.), anteriormen-te compradas com dinheiro na Europa, por mercadorias coloniais(açúcar, prata, cacau, etc.), que transformar-se-ão em dinheiro naEuropa. Como os comerciantes europeus que se dedicam ao comér-cio ultramarino têm que manter boa parte de seu capital imobiliza-do na forma de mercadorias durante longos meses, devem obteruma taxa de lucro comercial mais elevada que os que se dedicam aocomércio na Europa. Isto, e também o lucro da classe mercantil co-lonial, torna-se possível, na explicação de Carmagnani, porque asmerca~orias coloniais têm um alto valor em horas de trabalho, porémum baixo custo em moeda (já que são produzidas com mão-de-obraescrava ou servil, e mediante a. exploração de recursos naturais obti-dos gratuitamente na maioria dos casos), inferior ao das mercado-rias européias: Quanto ao financiamento do processo produtivo, osdonos das unidades de produção utilizam seus bens imóveis valo-rizados pelo trabalho servil para obter da Igreja ou dos comercian-tes empréstimos sob hipoteca.

Jac~b Gor~nder,21 por sua vez, insiste no fato de que "o regi-me de circulação mercantil baseado no preço de monopólio era oúnico. que convinha, do ponto de vista estrutural", ao mesmo tempoaos sistemas de produção pré-capitalistas latino-americanos e "ao ca-pit~1 ~ercantil pré-capitalista da Europa". A Coroa (monopóliosreais, Impostos), os comerciantes e os proprietários das plantationsdas c?lônias disputavam constantemente entre si a participação maisvantajosa possível na renda gerada pela produção colonial.

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No início desta seção abordamos a natureza problemática daeconomia colonial, exploramos diferentes tipologias, e os vivos de-bates teóricos associados a estes temas. Logo a seguir definimos ac~culação e~~nômica no sistema colonial, o monopólio e a organiza-çao mercantJhstas, e o caráter peculiar dos fluxos de intercâmbio in-

21. J. Gorender, op. cit., pp. 489.537.

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ternos. E: hora de penetrarmos, nas páginas seguintes, nas estruturasda produção e na fisionomia própria das sociedades coloniais.

B) SENHORES E INDIOS: MINAS E FAZENDAS NAAMERICA ESPANHOLA

Em meados do século XVI - entre 1540 e 1570 -, a coloniza-ção espanhola adquiriu características plenamente definidas; muitosdestes traços estavam ainda presentes no século XVIII. Os tempos deexploração e conquista cediam a vez ao assentamento efetivo. Este,derivado em grande parte da experiência da reconquista ibérica, ba-seou-se na fundação de uma rede de cidades estendida por todo ocontinente conquistado, e que constituía a espinha dorsal do sistemaadministrativo e militar, canalizando as atividades econômicas queproporcionavam a maior riqueza. Nos trinta anos assinalados conso-lida-se a organização política e estatal, através dos vice-reinados daNova Espanha (1535) e do Peru (1551); o sistema de frotas, quedominará o comércio colonial até o século XVIII, surge em 1543;as Leis Novas põem fim, em 1542, à exploração irrestrita da mão-de-obra aborígine, dando lugar à encomienda de tributos e ao reparti-miento de índios. Por fim são descobertas as grandes minas de pratade Potosi ( 1545) e de Zacatecas (1546), que inauguram, jun tocom a introdução da técnica da amálgama com o mercúrio, a inu-sitada prosperidade da mineração, que coroará o século XVI e a al-vorada do XVII.

O mundo colonial hispano-americano não assistirá a outra mu-tação semelhante senão na segunda metade do século XVIII, no mar-co das reformas bourbônicas. A reorganização administrativa em to-dos os níveis (novos vice-reinados, sistemas de intendências, etc.); o"livre comércio" dentro dos cânones mercantilistas (fim do monopó-lio de Cádiz e do sistema: de frotas); uma intensa diversificação eco-nômica (pecuária e culturas de exportação, reativação da minera-ção); e um profundo reordenamento fiscal; foram os aspectos maisrelevantes de uma nova política imperial, implantada demasiado tar-de tanto para perdurar quanto para deter uma erosão já seculardo poder espanhol.

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As transformações de meados do século XVI assentam se-bre bases duradouras um vasto império colonial, As do século XVIII,inevitavelmente frustradas, constituem mais que tudo um prelúdio àindependência.

A imensidão dos territórios colonizados, a diversidade de am-bientes físicos e humanos, o nível tecnológico dos europeus, entremuitos outros fatores, determinaram estruturas sócio-econômicas queSÓ estiveram plenamente definidas nas zonas densamente povoadasda Meso-América e dos planaltos andinos. Entre estas áreas nuclea-res e os confins do império existiu uma variada gama de assenta-mentos, nos quais o funcionamento do regime colonial afastou-se dopadrão geraL A variedade de estruturas sociais, a maioria das quaisnão está ainda hoje bem esclarecida pela investigação histórica, cons-titui um traço de grande importância no conjunto da América His-pânica. Deve assinalar-se que nem sequer nas zonas nucleares existiuum regime tão claramente definido como o foi o da plantation es-cravista no litoral do Brasil ou.no Caribe dos séculos XVII e XVIII.Não é necessário insistir nas implicações teóricas desta situação. Odebate aberto sobre o caráter destas estruturas coloniais parece es-tar muito distante ainda de aproximar-se de alguma solução."

1. Os sistemas de trabalho»

As Leis Novas de 1542 e as disposições relativas ao .I.t:.[UlrJimien-ia. (1548) delinearam um sistema de exploração da mão-de-obra

22. CL Ciro F. S. Cardoso e Héctor Pérez Brignoli, Los métodos ... ,capo llI.

23. Cf. Iuan e [udith ViIlamarín, lndian Labor in Mainland ColonialSpanish America, Latin American Studies Program, University of Dela~a~e,1975; Marvin Harris, Raza y trabaio en América, trad. de M. Gerber, Edicio-nes Sigla Veinte, Buenos Aires, 1973, pp .. 7-74. Exi.st~m imp_ortantes estudosde caso: CharIes Gibson, 10s aztecas baio el domll1lO espano I (1519-1810),trad, de [ulieta Campos, Sigla XXI, México, 1967; Lesley Byrd Simpson, Losconquistadores y el inâio americano, trad. de E. Rodríguez V". Península, Bar-celona 1970' Eduardo AreiJa Farias, EI régimen de Ia encomlenda en Vene-zuela 'Univ~rsidad Central de Venezuela, Caracas, 19662; Nicolás SánchezAlbornoz lndios v tributos en el Alto Perú, Instituto de Estudios Peruanos,Lima, 1978; John' H. Rowe, "The Inca Under Spanish Colonial Instituti~ns:',in Hispanic American Historical Review, vaI. 37, 1957, pp. 155-199; SilVIO

Zavala, Fuentes para Ia historia dei trabaio, en Nueva_ Espana (15?,5-18~5i, ~;C. E., México, 1939-1946, 8 vols.; Mario Gongora, Orrgen de los InqUIlInosde Chile central, Editorial Universitaria, Santiago, 1960; do mesmo autor, En-comenderos y estancieros, Editorial Universitaria, Santiago, 1970.

indígena que implicava em um compromisso entre os interessesda Coroa, da Igreja e dos conquistadores. A primeira conseguiu ga-rantir para si r~1.as fiscais dUmQ.Q!"!ªrrcia (ao transformar aencQmii:.~~a de serviços em encomienda de tributes), e, a.través doç,ontrole da mão-de-obra indígena, impediu a formação de uma pode-rosa aristocracia na América. Os colonizadores se bem não conse-guiram conservar a totalidade dos privilégios das turbulentas fasesiniciais da conquista, puderam dispor de vultosas riquezas. A Igre-ja, com os índios congregados em aldeias e reduções; pôde levar acabo a missão evangelizadora e também gozar de importantes for-tunas terrenas. No conjunto, o sistema de exploração da mão-de-obra era, comparado com a escravidão, muito mais rentável e commenos riscos a curto e longo prazos. Não exigia desembolsos decapital inicial para a aquisição de. escravos, a preocupação com oscustos de subsistência dos indígenas foi mínima, e, mesmo sob osefeitos da catástrofe demo gráfica, o sistema se reproduzia. Seu segre-do residiu em algo que não conhecemos bem: o funcionamento dascomunidades indígenas. O reord~mlliH:IlJQ._.Q~..E!~~~<!~~o século XVIlhes outorgou terras, dotou-as de uma organização urbana e admi-nistrativa calcada nos hábitos e costumes espanhóis, exigiu-lhes tu-bj!!QL!mL~Qécie e moeda (que a Coroa cedeu, em parte, aos anti-gos encomenderos) e presta!t..ões rotativas de trabalho. Estas últi-mas constituíam o repartimiento+ destinado a trabalhos de constru-ção urbana e à lavra das terras e minas, remunerados ao menosna lei, ainda que a taxas mais baixas que o salário livre. O sistemaacarretou, muitas vezes, transferências maciças de populações a con-sideráveis distâncias.

As mUar destinadas às minas de prata de Potosi e de mercúriode Huancavelica, estabelecidas nos anos 1570, constituem dois exem-plos de funcionamento do sistema de repartimiento a uma escala ini-gualada em outras regiões da América Hispânica, e com uma duraçãoque cobre o período colonial quase que integralmente. No séculoXVI a mita de Potosi exigia anualmente 13.500 trabalhadores oriun-dos de 16 províncias circunvizinhas. A de Huancavelica exigiu, namesma época, até 620 índios mitayos. Com o dec1ínio dos rendi-

24. Chamado também coateauil no México, mita na Bolívia e no Peru,minga no Equador, mandamiento na Guatemala, na Colômbia mita se fosse nasminas, atquiier nos trabalhos urbanos e concertaie nos agrícolas, cf. Villarna-rín, op. cit., p. 17; Harris, op. cír., p. 37.

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mentos nas minas, e a queda da população, o número de mitayosdiminuiu; mas a odiada mita de Potosi persistiu até a independên-

cia.25

Em menor escala, o sistema de repartimento funcionou em to-das as regiões da América Hispânica que contavam com populaçõesindígenas sedentárias, mais ou menos densas, uma vez passados osestragos da conquista. O quadro 4 fornece uma rápida idéia, paraeste e outros sistemas de trabalho, das áreas geográficas, o setor deatividade e o período cronológico em que predominaram.

O repartimiento foi, ao menos entre 1550 e 1650, a roda-mes-tra na exploração da mão-de-obra indígena. A queda da população,a decadência das minas e a crescente importância da grande pro-priedade rural abriram caminho a U11) sistema mais próximo da servi-~o pesso& que datava dos primórdios da colonização. Referimo-nos ao yanaconaje peruano, e aos gaiianes, naborios e laborios, doMéxico e· da Meso-América. Neste caso, q.Jmlio e sua família dei-xavam em forma permanente sua comunidad~~ra viver na fazen-da; conhecem-se situáÇÕe-;· nas quais --;7e~da das terras determi~ã-va também a dos índios que nela habitavam. O sistema desenvolveu-se no Peru desde o século XVI, porém no México adquiriu impor-tância só no século XVIlI.26 Com o tempo, a sujeição por dívidas,um mecanismo que se transferirá ao século XIX, constituiu o vínculopor antonomásia entre o grande proprietário de terras e seus peões(sistema de peonagem).

O trabalho livre existiu em todas as regioes e durante todo o pe-ríodo colonial; porém, em que pese os esforços legais da Coroapara estendê-Ia, nunca excedeu um caráter excepcional. Mestiços,espanhóis e. criollos pobres e índios trabalharam como assalariadosem múltiplas atividades. Um dos contrastes mais extraordináriosquanto aos sistemas de trabalho é encontrado ao compararmos o

25. Cf. Iohn Lynch, Administraci6n colonial espaiiola 1782-1810, trad.de G. Tjarks, Eudeba, Buenos Aires, 19672, pp. 165-189.

26. François Chevalier, La [ormacián de los grandes latifundios en Mé-xico, in Problemas agrícolas y industriaies de México, vol, 8, n," 1, México,1956; Woodrow Boran, El siglo de Ia depresián en Nueva Espana, trad. deM. E. Hope de Porter, Sep/Setentas, México, 1975. A questão do endivida-mento foi muito discutida nos últimos anos; a maioria dos autores tendena atualidade a minimizar a importância econômica das dívidas e enfatizambem mais a humilhação soei a! que elas implicavam.

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Colômbia Planalto oriental Mineração (Tolima) RMineração (Popayán) EAUrbano R

Planalto Agricultura ER

Equador PMineração RTêxtil R

Costa Agricultura SA

Planalto Agricultura Ep

Peru-Bolívia Mineração RTêxtil R

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Central Agricultura E .•. _-_ ..... _ .•.

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Area Região Setor deAtividade XVI

SéculosXVII XVIII

ArgentinaNortee CentroRio da Prata

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AgriculturaArtesanatoPecuária

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Paraguai Paraguaí Agriculturaurbano

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Referências:E: encomiendaS: escravidão indígena"

EA: escravidão africanaR: repartimientoP: peonagem ou yanaconaieF: trabalho livre

Advertência: O quadro é uma versão ampliada e modificada do que aparece em Iuan e Iudith Villamarín, lndian La-bor ... , Op. cit., p. 2. As linhas pontilhadas indicam modificações no sistema de trabalho, os sinais de interrogação, incertezaquanto a se a evolução foi a que se indica. Deve notar-se que um quadro como este é necessariamente imperfeito, e sacrificaa exatidão em favor de um rápido panorama geral.

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27. CL David Brading e Harry E. Cross, "Colonial Silver Mining: Me-xico and Peru", in Hispanic American Historical Review, vol. 52, 1972, pp.545-579.

28. Villamarín, op. cit., pp. 33-34.29. No Peru foram determinadas pelo Vice-Rei Toledo em 1570·1580,

cf. Nathan Wachte!, Los vencidos. Los indios dei Perú frente a Ia conquistdespahola (1530-1570), trad. de A. Escohotado, Alianza Edit~r~al, Madrid,1976, pp. 154-226, especialmente p. 216.• n. 15 para as car.actenstlcas. urbanasdas congregações. Sobre a estrutura interna das c.omunldad~s, andinas, c~,Fernandc Fuenzalida, "La estructura de Ia cornunidad de indígenas tradi-cional", in Robert Keith et alii, La hacienda, Ia comunidad y el campestno enel Perú Instituto de Estudios Peruanos, Lima, 1970, pp. 61-104, No Valedo México as reduções ocorreram na segunda metade do século XVI ecomeços do XVI!, cf. Charles Gibs?~, Los aztecas.", p,P. 288-30~ .. Parauma visão global do processo no México, elaborad~ r~summdo a ~Ibhogra-fia disponível, cf. Enrique Serno, Historia dei capllal~s'."o en MéxIco.. Losorígenes, 1521-1763, Era, México, 1973, pp. 70-99, Várias fontes legais deinteresse estão reproduzidas in Enrique Florescan?" Estructuras y problemasagrarios de México (1500-1821), Sep/Setenras, México, 1971, pp. 49-67.

trabalho de mineração no México e no Peru.ê" No primeiro caso, opeão livre predominou desde o século XVI; no segundo, a mitamanteve-se até a independência. A situação parece dever-se, no casomexicano, à ocupação dispersa e distante e ao caráter fronteiriço dasminas, em relação às áreas mais densamente povoadas, em um con-texto de forte queda da população"

A decadência do repartimiento originou, desde o século XVIII,a difusão da peonagem por dívidas e outras formas de sujeição pes-soal. Em muitos casos, o próprio trabalho livre retrocedeu em be-nefício das relações servis. O processo assinalado foi paralelo a umaprivatização paulatina das terras realengas e ainda das de comuni-dades indígenas, peio qual pode afirmar-se que, a longo prazo, ocontrole da mão-de-obra passou cada vez mais às mãos de parti-culares.

Já vimos que as comunidades indígenas constituíam o eixo prin-cipal dos sistemas de trabalho que estiveram em ação entre 1550e o fim do período colonial. Sua origem está claramente estabeleci-da: trata-se das "congregações" e "reduções" ordenadas pela Co-roa na segunda metade do século XVI. 29 O sistema associou, porém,a um plano urbano e administrativo tipicamente espanhol, centradona Igreja e no cabildo, concepções da propriedade e da organiza-ção do trabalho coletivos de origem pré-colombiana (carpulli, ayllu,minka, ayni) e de ascendência hispânica (ejidos, terras de légua, pró-prios das aldeias, etc.). O resultado foi, como dissemos, uma rede

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de comunidades fortemente integradas em si mesmas que proporcio-naram um importante fluxo tributário para a Coroa, e prestações detrabalho para os proprietários de minas e para os fazendeiros. O sis-tema teve também outras características de peso. Facilitou a evangeli-zação dos índios e, através da Igreja, a dominação colonial penetrouprofundamente na mentalidade coletiva; converteu os kurakas emresponsáveis pela mobilização da mão-de-obra e pela arrecadaçãodo tributo em favor dos espanhóis." Por outro lado, o que os an-tropólogos denominaram "complexo da festa" estabeleceu mecanis-mos que, através de importantes gastos em vestuários, comidas e be-bidas em ocasião de celebrações religiosas, "nivelavam" economica-mente os membros da comunidade e anulavam a possibilidade de li-derança pessoal." .E óbvio que a "festa" constituía um mecanismoparalelo ao "repartimiento de mercadorias", isto é, a compra com-pulsória de bens vendidos pelo corregedor (autoridade política ime-diata das comunidades); sabemos que no século XVIII este odiadorepartimiento aumen tou consideravelmente no Peru colonial.w

Não Larriscado f~lar, para referir-se à dinâmica das ~:m:a1f'-Ca~íg.ena'?, de um processo de involução.v Sua estrutura inter-

na só possibilitou duas alternativas de mudan : lL.deJ)j.rniç.áQ,_pifadiminuição da aula ão e .Qela e_migraç_ão_;_!L.p.ulY..erizaão da p-ro-

~priedade, através do minifúndio individual, da redução das te;:;;'~ aumento demográfico. Ambas as alternativas foram observadas

na luta secular das comunidades pela sua sobrevivência. Outro ele-mento deve ainda ser acrescentado. A rigorosa segregação racial,tentada inicialmente pela Coroa, não teve êxito e a difusão da rnes-tiçagem complicou crescentemente o esquema dual Repúblicados espanhóis-República dos índios, com que sonhava a adrni-

. 30, Em um importante estudo Karen Spalding demonstra como estafunção dos kurakas típica nos séculos XVI e XVII transforma-se no séculoXVlIl na, de "mercador"; esta nov~ fase correslJonde a um período no quala economia tradicional das comunidades modilicou-se e em decorrência okuraka defende sua posição privilegiada através de mecanismos de mercado.Cf. Karen Spalding. De lndio a Campesino, Cambios en Ia estructura socialdei Perú colonial, Instituto de Estudios Peruanos, Lima, 1974, pp. 31-60,

31. Marvin Harris, op cit., p, 55: "A íntima relação entre o sacerdoteloca~, a hierarquia da aldeia indígena, o sistema de [iesta, as finanças daIgreja e o controle econômico-político é ainda claramente visível" (o autorrefere-se a uma comunidade equatoriana em 1960). Vide também as pp.48-62, Harr is mostra a origem colonial da "Iiesta".

32. CL K. Spalding, op. cu., pp. 127-146. .33. WiIliam Paul McGreevey, An Economic History oi Colombia, 1845-

1930, At the University Press, Cambridge, 1971, p. 285.

R7

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nistração colonial. O resultado foi que no século XVIII a penetra-ção de forasteiros nas aldeias indígenas e a emigração de comunerosapresentaram-se como fenômenos permanentes.3l• Neste lento ~ro-cesso de desagregação, as comunidades sobreviveram econormca-mente enquanto dispuseram de terras; culturalmente, proporcionaramuma identidade ao campesinato dos Andes e da Meso-Arnérica ain-da durante longo tempo.

2. A terra e os recursos naturais

A política agrária colonial obedecia a cinco princípios básicosr"

(9) senhorio da Coroa es~la,_p.o.Lditeito_cie-.-COnquim, sobre __a totalid~de das terras: a única via legal de obtê-Ias era mediante

~ uma mercê, concedida em nome do rei por autoridades habilitadaspara tal: e' devidamente confirmada; sem este último requisito aocupação era simples usurpação e o lote em questão devia teorica-mente voltar a integrar as "terras realengas";

(15)\ ~a...c..omo atração 2ara imQulsionar a conquista ~ a colo-nização, -pela possibilidade- que-o colono tinha de converte!~s~ em

-latifundiário;

c º-princípio de.-qu" a-Gcupação Rrolon~a ~a direitos,o que, conjuntamente com a necessidade constante de recursos para otesouro real, levou a diversos sistemas e expedientes que permitiamLegalizar a posteriori a posse de terras realengas ou indígenas usur-padas, através do pagamento de uma soma à Coroa ("composição deterras") ;

d) a idéia de gruLaLaldei.as-i-ndíg.e as deviam dispor de terrascsuficientes para garantir a reprodução, da força d: -tí~ --Inento dos tributos;

~) o bloqueio agrário a que estavam submetidos os mestiços, defato senão de direito, o qual canalizava este setor da população parao artesanato ou formas variadas de subemprego urbano, ou, mais fre-

34. CL Magnus Mõrner, Estado, razas y cambio social en Ia Hispano-américa colonial, Sep/Setentas, México, 1974.

35. Severo Martínez Peláez , La Patria dei Criollo, Editorial Universi-taria, Guatemala, 1971, pp. 143-166; algumas leves variações foram feitas naapresentação do terceiro princípio.

88

qüentemente, para o trabalho rural em parcelas ocupadas precaria-mente, em terras das fazendas ou nos seus arredores.»>

~A monoQolizaçãº-das terras co..me_o.u no século XVI, benefi-, ciandº-!IDm.ejr.o_aé"ome~.!'~~rat~-"-'"""~s tarde a Propr:f~-=;:>';]" ,tário(d~ m.i~as e comerci.antes~ Não existiu vincuLação jurídica entre,1a adjudicação de encomiendas e as doações de terras.w porém os

-' fatos podem apontar abundantes coincidências.ê" O processo genera-lizado de apropriação das terras e o surgimento das fazendas situam-se

- no século XVII e são considerados Como resultado da catástrofe demo-gráfica e da queda da produção das minas.w Na formação da grande~priedade, a Igreja, sobretudo através das ordens religiosas, CU!!lpriuum apel fundamenJaL. As ~?açgeS Riedosas (terras, rendas ~pé-tas, capeJanias, etc.), as compras e usur ações e a eficiência admi-

) nistrativa ~Itl am a es a ms ituição acumular a ;;;aior fortunlLte[;-~ ~itoria! do mu~do, colonial. Deve notar-se que a propriedade eclesiás-

~ jica.não.era.a enavel.

Os proprietários de terras lutaram, durante todo o período colo-nial, pela obtenção de morgadios (e o conseqüente título nobiliárqui-co). Ainda que a política geral fosse reticente estes tiveram algumafreqüência nos séculos XVII e XVIII. Não deixa de ser significativoque, tanto no México como no Peru, é durante a segunda metade doséculo XVIII que os títulos de nobreza foram mais solicitados: e nãosó por latifundiários, mas sobretudo por proprietários de minas ecomerciantes que almejavam coroar uma carreira afortunada comprestígio e segurança.ev

Ao lado dos grandes latifúndios existiu, em grau variável, apequena propriedade parcelária de espanhóis e criollos pobres nos

36. Cf. Silvio Zavala, La encomienda indiana, Madrid, 1935 (Porrúa,México, 19112).

37. Florescano, op. cit., pp. 68 e seguintes; Chevalier, op. cit., n. 26;Gibson, Los aztecas .. ,

38. Esta é a tese derivada da grande obra de F. Chevalier (n. 26); R.Keith encontra um processo algo parecido no vale de Chancay, cf. R. Keithet alii, op, cit., pp. 13·60. Uma visão nuançada da tese de Chevalier encon-tra-se no importante estudo de Magnus Morner, "La hacienda hispanoame-ricana: examen de Ias investigaciones y debates recienres", in Enrique Fio.rescano (coordenador), Haciendas, Latifundios y Plantaciones en Américalatina, Siglo XXI, México, 1975, pp. 15-48.

39. Para o caso do México, cf. Florescano, Estruciuras y problemas ... ,pp. 83 e seguintes.

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arredores das cidades, e inclusive de mestiços e aborígines; porém,salvo exceções - como o Vale Central da Costa Rica ou a regiãode Antióquia -,. esta forma de apropriação do solo não foi predo-minante, e quando existiu, converteu-se rapidamente em um apêndicedas grandes propriedades.

Os traços assinalados permitem afirmar que a formação da ro-priedade eclesiástica, patrimonial e comuna (ejidos,-CQffiufl·j.c:lades'-- .

iOãigenas, etc.) convert~u em relativamente marginal proprie.dad..e))urguesa do solo isto é aquela.que.se.compra,e se_Yend.Lse~Ii-sfuLjurídic.a...alguI1)a.

Como funcionavam as fazendas coloniais?" A inserção em cir-cuitos econômicos mais amplos às vezes não oferece dúvidas: trata-sedas vinculações com centros de mineração ou outros complexos deexportação (obrajes dedicados à produção de tecidos, engenhos deaçúcar); em outros casos, impera uma situação generalizada de auto-suficiência e uma economia fechada. Cronologicamente, apresenta-seàs vezes uma alternância de ambas as experiências. Em todo caso, éarriscado, enquanto não se dispuser de um melhor conhecimento, ageneralização de um padrão de comportamento que sabemos apre-sentar grandes variações a nível regional. A rentabilidade originava-~, inteiramente, d controle sobre o ça d rahalh e-Ga-a-l:lUn~,de terras;41 é evidente que, quando não há desembolsos monetáriospara ;-pagamento de insumos, qualquer excedente comercializávelproduz ganhos para o proprietário da terra.

&.,ordens religiosas, e e p..articular os ·,§U.Ílas íorgm ...05....mE.:hores administradores de fazendas" No México e no Peru se espe--

cializaram em cultivos de exportação adequados ao clima e aos solos;eventualmente empregaram escravos africanos, e investiram o dinheirorecebido como doação para obras de caridade em propriedades urba-

40. CL as monografias publicadas in Haciendas, latiiunâlos y planta-ciones. "1 cit. e a avaliação já citada (n. 38) de M. Mõrner, CL tambémWard Barrett, La hacienâa azucarera de los marqueses dei Val/e (1535·1910).trad. de S. Mastrangelo, Siglo XXI, México, 1977; Enrique Semo (coorde-nador), Siete ensayos sobre Ia hacienda mexicana (1780-1880), Instituto Na·cional de Antropología e Historia, México, 1977; diversos trabalhos de Pa-blo Macera sobre as fazendas jesuítas no Peru, alguns recompilados in PabloMacera, Trabaios de Historia, t. 3, Instituto Nacional de Cultura, Lima, 1977.

. 41. CL Shane J. Hunt, "La economia de Ias haciendas y plantacionesen América latina", in Historia )' Cultura, n," 9, Museo Nacional de História,Lima, 1975, pp. 7·66.

90

nas e rurais, empréstimos a juros, e inversões em suas próprias terras."Salvo, porém, nos casos de cultivos como o açúcar, de comerciali-zação fácil, não parece que as fazendas tenham permitido o acúmulode fortunas comparáveis às da mineração.w Brading" afirma, inclusi-ve, que:

A fazenda mexicana era um barril sem fundo que consu-mia es iF e-capiTa-1 e ce ente acumulado e o comercio,:,xterior. As fortunas a~ladas na miner~e no comercio

-~~ ---...;eram investi das na terra, para lá sere lentarrrerrte-dilapidadas,ou.fransíerída pouco a pouco aos cofres da Igreja.

As maiores riquezas originaram-se na exploração dos metaispreciosos." O saque dos tesouros indígenas e o ouro de aluviãoderam lugar, em meados do século XVI, à mineração do ouro e sobre-tudo da prata. Não é exagerado afirmar que todo o sistema imperialespanhol esteve voltado para a produção, o transporte e a proteçãoda prata. A exploração das minas exigia grandes capitais, sobretudoquando o declínio da produtividade das jazidas fez indispensável ouso do mercúrio. Diversas formas de associação foram comuns entreproprietários de minas, porém a mais freqüente de financiamento foiproveniente de adiantamentos proporcionados pelos grandes comer-ciantes do México e de Lima. Desde o princípio, tratou-se de umnegócio concentrado em poucas mãos: em fins do século XVI, 800pessoas entre México e Peru; em 1791, segundo um documento doVice-Reinado, existiam no Peru 588 minas de prata e 69 de ouro, e

~2.. Cf: Herrnes Tovar Pinzón, "Elementos constitutivos de Ia empresaagrana jesuita en Ia segunda mitad dei siglo XVII I en México" in Hacien-das, lutiiundios y plantaciones ... , pp. 132·222, e os trabalhos de Macera ciotados na n. 40.

43.. A avaliação dos lucros é particularmente difícil; no século XV I 1\r~ra fOI ~ vez q~e superou 5% do capital investido, cí. Morner. "La ha-cienda ... , art. cit., p. 36.

44. D. A. Brading, Mineros y comerciantes en el México borbónico(1763·1810), trad. de R. Gómez, F. C. E., México, 1975, p. 297.. 45. C~. AI.varo [ara, 1.'res ensayos sobre economia minera hispanoame-

"c;ana, UnIve,rsld?d de C~lle, Santiago, 1966; Lewis Hanke, The Imperial;;Ity oi Poto~:, NIJho~f, !"laia, 1956; D. A. Brading, op. cit.; Brading & Cross,C?l?nIal. .. ~ art. eu. m n. 27; P. J. Bakewell, Minería y sociedad en el

México colo mal. Zacatecas, 1546·1700, trad. de R. Gómez, F. C. E., México1976; G. Lohman Vil1en~, Las. minas de Huancavelica en los siglos XVI ;,XVII,. Escue!a de Estudios Hispanoamericanos, Sevilha, 1949; R. Konetzke,op '. cit ... pp. 282·283, cita o informe do Vice-reinado de 1791 mencionadomais adiante.

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l

728 proprietários de minas, porém predominavam as pequenas explo-rações, trabalhadas ao acaso, e os mineiros miseráveis e sem recursos.Parece fora de dúvida que o capital comercial obteve na secular ativi-dade da extração da prata os maiores ganhos. De resto, se são com-paradas, como o fez Alvaro J ara, 46 as curvas das exportações de pratacom as das importações hispano-arnericanas, observa-se um distan-ciamento profundo: a Espanha recebe muito mais do que envia. Eisaqui uma demonstração, simples porém eficaz, do sentido da explo-ração colonial, que se expressa em um fluxo líquido de metais precio-sos que ingressa na metrópole. É sabido, de resto, que em mãos departiculares ou da Coroa, o grosso desta riqueza abandonará aEspanha."

3. As técnicas de produção

A partir de agora, discutiremos sobre o nível das técnicas naeconomia colonial. Trata-se de um tema que apenas começa a serdesbastado pela investigação histórica."

A primeira constatação, se atentarmos para as técnicas de cultivoe de coleta, é a do primitivismo. Uso e eralizado da coivara; ]:tcá-rios instrumentos {lara..J.aYX:aI.-a_teJ:ra·no ndes e n-ª-.M~o-Am~éJ.· cao bastão-de-semear continu p.-R.Qomí.ni. bsoluto; u baixopível de Qrodutividadce_um~xtrema vulnerabilida.de-L raoas e acontratempos meteorológicos.49 Parece que os espanhóis se adaptaram

46. Alvaro [ara, op. cit.; as séries de E. Hamilton atualmente são dis-poruveis em espanhol: CL E. Hamilton, EI tesoro americano y Ia revoíuciônde 105 precios en Espana, 1501-1650, trad. de A. Abad, Ariel, Barcelona, 1975,pp. 47 e 55. As de Chaunu (sobre o tráfico comercial) são proveníentes daobra citada na n. 121.

47. CL Bárbara e Stanley Stein, La herencia colonial de América la-tina, trad. de A. Licona, Siglo XXI, México, 1970, pp. 7-29; Pierre Vi~ar,Oro y moneda en Ia historia (1450-1920), irado de A. Sáez e J. Sabater. Anel,Barcelona. 19722, pp. 197-234.

48. CL Roger Ravines (compilador), Tecnologia andina, Instituto deEstúdios Peruanos, Lima, 1978; as atas do Simpósio sobre o tema, realizadopela Comissão de História Econômica da CLACSO durante o XLI CongresoInternacional de Americanistas (México, 1974), contêm material de muitointeresse mas que lamentavelmente ainda permanece inédito.

49. A dependência é mais notável no caso de áreas que dependamde um cultivo básico para a alimentação. CL Enrique Florescano, Preciosdei maíz y crisis agrícolas en México (1708-1810), EI Colegio de México,México, 1969.

92

de imediato a uma nova situação: a de abundância de terras e demão-de-obra; e r.El!!..nciaram a introduzir todas as técnicas euro~sdisponíveis.- A "ecnáriâ' acum, ovina e de mulas, praticada numa formaextremamente extensiva, teve rapiaa difusão nas planícies com pasta-gens naturais; porém o aproveitamento 1_~mii()'u-se_àcir'i1ê: aós couros,a lã e ao de.h stas de carga. A tradicional oposição espanholaentre pecuaristas e agricultores reproduziu-se na América, em escalaampliada, e excluiu desde logo uma agricultura diversifica da que osaborígines (carentes de gado de porte maior) também desconheciam.Como vimos no capítulo 2, no norte da Europa foi esta associação,e a introdução dos tubérculos e das forrageiras, que abriram o cami-nho à Revolução Agrícola dos séculos XVII e XVIII.

Vamos resumir nossas idéias: nos campos agrícola e pecuário, asimbiose de técnicas indígenas e européias parece ter redundado emum processo de estagnação ou de involução.

Houve artesanatos e corporações de ofício de todo tipo e varie-dade.s? Desde a elite de ourives e ferreiros até os ofícios mais humildesde pedreiros, carpinteiros, etc., e a atividade têxtil teve, sobretudo noMéxico Central, no Equador e no Peru, um importante desenvolvimen-to. ~expansã0 das-oficinªs_(l!!.antidas_cQ.~o-de-obra indígena e'nclusive escrav ) chocou-~, porém, com fregüência com proibiçõese obstáculos das autoridades coloniais. Na olítica mercantilista emsentido estrito as-colônias não deviam possuir indústrias gue comee-~ ,hss~m com as das metroQoles. Os artesanatos e as oficinas nunca desa-pareceram, porém tiveram que suportar conjunturas desfavoráveis dapolítica colonial. Os estaleiros merecem um comentário à parte. ~l EmGuaiaquil, Panamá, Havana e EI Realejo fabricaram-se navios detodos os calados, com madeiras locais e pregos e outros materiaisimportados. Vale a pena recordar que muitos autores consideram aindústria nav.al como uma das mais complexas dos Tempos Mo-demos."

50. el. R. Kcnetzke, op. cit., pp. 301·307; Pedro Santos Martlnez, Lasindustrias durante el Virreinato (1776·1810). Eudeba, Buenos Aires, 1~69.

5~. CL Lawrence Clayron, The Shipyards of Guayaquil, Ecuador, duringlhe Sixteentn and Seventeenth Centuries, Tulane University, Ph. D. Disser-tation, 1972; D. R. Radell e J. J. Persons, "Realejo a Forgotten ColonialPort and Ship-building Center in Nicarágua", in Hispanic American Histo-rica! Review, n." 51, 1971, pp. 295-312.

52. F~édér!c. Mauro, Le XV J e.. siêcle européen. Aspects économiques,Presses Universitaires de France, ParIS, 1966, pp. 198-199 (existe tradução emesp., Labor, Barcelona).

)

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A ineração foLo_setor_oO-qua-I-a-teGoQ.logia-empr.e._ ada ode serualifica a como a mais avançada. A técnica da a~gama~

hidráulicos, e c. configurvam os centros mineiros como verdadeiras~indústrias da é oca, e outro t to-po.de afirmar-s~dQs elloêiiliõsct-e-''1rçú·car (muito menos das plantações cacaueiras, das oficinas do anilou ãã cochonilha).

A inova ão técnica, mesmo ainda nestes setores mais avançados,teve escassas repercussões, além do ganho de maio]" efici~nçja emqüãlidade e quantidã~ Amineração --dã prata carecerá, por exern-plô, d'os"efêitos de integração't'" que estão presentes na do ferro edo carvão que se desenvolveu na Inglaterra do século XVI;H e osestaleiros não conseguiram dar origem (possivelmente devido aosobstáculos da política colonial, este é um tema a investigar) a umaflorescente indústria naval, como foi o caso nas colônias da NovaInglaterra. 55

C) I't PLANTATION ESCRAVISTA

Ora nos interessaremos pelo que os antropólogos denominaramde "Afro-América", e que compreende boa parte do Brasil, do Caribe(Antilhas, Guianas, costa e vales adjacentes da Venezuela, parte dolitoral mexicano do Golfo), o sul dos atuais Estados Unidos, e certasporções da América Espanhola continent~l (cos!a do ~eru, partes daColômbia, etc.). 56 O sul dos Estados Unidos nao sera trata~o, e emrelação à América Latina e ao Caribe limitar-nos-ernos estntamenteàquelas regiões coloniais nas quais a escravidão africana era a basedas relações de produção.

5' CL intra, capo IV, n. 26.54: Cf. John U. Neff, "The progress of Tech~ology and th~ Growthof Large-Scale Industry in Great-Brit~in, 1540-1640,. rel~presso ~n Carus-Wilson (ed.), Essays in Economic Historv, Arnold, i.oneres, 195., I, pp.81)-107. 'd

55. Cf. H. U. Faulkner, Histeria econômica de Ias Esta~os Uni os,trad. de A. Aisenson, Editorial Nova, Buenos A~re~, 1956, pp. 9:>-1.12; R~lp~Davis La Europa atlántica. Desde 105 descubrimientos hasta Ia índustriali-zació~, trad. de P. Recendo, Siglo XXI, ,~é~!co, 19~6, pp. 189-~15. "

56. Para uma definição de "Afroamenc.a , cf. S:dney W. Mintz, ~fro-Caribbeana: An lntroduction", in S. W. Mintz, Carrbbean Transjormations,Aldine, Chicago, 1974, pp. 1-42.

94

1_ A lguns problemas teóricos

Como abordar as sociedades escravístas da América?

De acordo com as alternativas que discutimos na primeira partedeste capítulo, são possíveis abordagens muito divergentes do siste-ma escravista que existiu em certas regiões .do continente americanoentre os séculos XVI e XIX.

A primeira opção é considerar tal sistema como uma parcela,uma parte integrante do capitalismo mundial, funcional a seu desen-volvimento na etapa do "capitalismo comercial" e da acumulaçãoprimitiva, sendo porém destruído pela maturação do modo de pro-dução capitalista. É desta forma que Fernando Henrique Cardoso eOctavio Ianni, apoiando-se nas idéias de Eric Williams, interpretama trajetória histórica do escravismo brasileiro; diz o primeiro: 57

... o trabalho escravo numa economia capitalista (a es-cravidão moderna) apresenta-se como uma contradição em simesmo quando o sistema capitalista em que ele se insere tendeao crescimento. As tensões criadas por este tipo de organizaçãodo trabalho não conduzem à supressão do sistema capitalista;colocam apenas o problema do término da escravidão comorequisito para a formação plena do sistema mercantil-industrialcapitalista.

\

Este autor fala inclusive do escravismo americano, definindo-ocomo um "sistema 'escravista-capitalista' de produção". 5M E. certo que,para o século XIX, encontramos em Marx uma postura similar r'"

Que nós ora não só chamemos capitalistas aos proprie-tários de plantations na América, mas que além disso eles osejam, repousa em que existem como anomalias em um mercadomundial que se assenta sobre o trabalho livre.

57. Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Me-ridional, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1962, pp. 1202-203; vide tarn-bém Octávio lanni, Esclavitud y capitalismo, trad. de S. Mastrangelo, SigloXXI, México, 1976.

58. F. H. Cardoso, op. cit., p. 201.59. Karl Marx, Lineas [undamentales de Ia crítica de Ia economía polí-

tica ("Grundrisse"), Irad. de J. Pérez Royo, Crítica (OME 21-22), Barcelona,1977-1978, I, p. 467.

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Para o século XIX, estam os de acordo; tanto mais que, então,o escravismo americano, sem nenhuma dúvida inserido no sistema ca-pitalista mundial, crescentemente absorve elementos e concepções capi-talistas,como também é mencionado por Marx r"

Ali onde impera a concepção capitalista, como ocorre nasplantations norte-americanas, toda esta mais-valia é consideradalucro; em contrapartida, onde não existe o regime capitalista deprodução, nem a mentalidade correspondente a ele transferidados países capitalistas, considera-se renda.

Que dizer dos séculos XVI, XVII e ainda XVIII? Serão entãoas sociedades escravistas da América "uma anomalia em um mer-cado mundial assentado no trabalho livre"? Parece-nos evidente qtjenão, e que a única forma de apoiar a afirmação do "caráter capita-lista" das plantations escravistas americanas naquele tempo é o recur-so a concepções circulacionistas do capitalismo, weberianas ou deoutro tipo. Caso se raciocine assim, não existiria nenhuma razão paranão considerar os países da "segunda servidão", a Polônia por exem-plo, como capitalistas; o que por certo faz, como já ° vimos, I. Wallers-tein, porém não usualmente os marxistas ...

Em 1971 propusemos que fosse considerado o escravismo colo-nial como um modo-de-produção específico, cuja teoria, poder-se-iaconstruir, ainda que se tratasse de um modo-de-produção estrutural-mente dependente, situado em nível teórico diferente do que corres-ponde por exemplo ao feudalismo ou ao capitalismo." A tentativa maisséria e exaustiva para tornar concreta esta sugestão - que em nossocaso só deu lugar a um capítulo de uma tese dedicada a um estudomonográfico, e a alguns artigos,62 - é o avultado trabalho de Jacob

60. Karl Marx, El Capital, trad. de W. Roces, Fondo de Cultura Eco-nómica, México, 1968, Il l, p. 744.

61. Ciro F. S. Cardoso, "Observations sur le dossier préparatoire à Iadiscussion sur le mo de de production féodal", in Charles Parain et aUi, SurIa [éodalisme, Editions Sociales, Paris, 1971, pp. 67-69.

62. C. F. S. Cardoso, três artigos (um dos quais é a tradução de umcapítulo da tese de doutorado) in Modos de producciôn en América latina(Cuadernos de posado y presente), n." 40, 19775; "Los modos de produccióncoloniales: estado de Ia cuestión y perspectiva teórica", in Historia y Socie-âad, Segunda época, n.· 5, primavera de 1975, pp. 90-106.

96

Gorender sobre o escravismo colonial, onde o autor trata seriamentede construir a Economia Política de tal rnodo-de-produçãor ss

o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentrode determinismo sócio-econômico rigorosamente definido, notempo e no espaço. Deste determinismo de fatores complexos,precisamente, é que o escravismo colonial emergiu como ummodo de produção de características novas, antes desconhecidasna história humana. Nem ele constituiu repetição ou retorno doescravismo antigo. " nem resultou da conjugação sintética entreas tendências inerentes à formação social portuguesa (o autor re-fere-se aqui ao Brasil) do século XVI e às tribos indígenas. Oestudo da estrutura e da dinâmica do modo de produção escra-vista colonial. .. demonstrará o que desde logo vem afirmado,ou seja, que se tratou de um modo de produção historicamentenovo, pois a outra conclusão não cabe chegar se este estudo pu-ser em relevo leis específicas distintas das leis de outros modosde produção.

Houve também tentativas no sentido de assimilar o escravismocolonial da América ao feudalismo, quando não a um mal definidb"senhorialismo", ou a uma "estrutura patrirnonialista" de inegávelsabor weberiano.v- Marcelo Carmagnani, para justificar a inclusãoque faz das regiões escravistas no que para ele é o "feudalismo" latino-americano, diz o seguinte.w

A análise de uma fazenda brasileira, descrita por Mauro,pode oferecer-nos alguns elementos úteis para compreender opapel da mão-de-obra escrava. Nesta fazenda, a mão-de-obraescrava representa só 16% do "capital total" e 21 % do "capi-tal fixo", que estão de acordo com os cálculos de Celso Fur-

63. )acob Gorender, O Escravismo Colonial, Editora Atica, São Paulo,1978, pp. 54-55.

64. Cf. respectivamente: Fernando Henrique Cardoso, op. cit., pp. 102.103 para a- aplicação do conceito de "estrutura patrimonialista"; e EugeneGenovese, Esclavitud y capitalismo, trad. de Ángel Abad, Ariel, Barcelona,1971, capo I, para a tensão entre atitudes "senhoriais" e "burguesas" nosproprietários de planta/íons escravistas.

65. Marcello Carrnagnani, Formaciôn y crisis de un sistema feudal,América latina de! siglo XV I a nuestros dias, trad. de Félix Blanco, SigloXXI, México, 1976, p. 27.

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tado, segundo os quais o capital investido na mão-de-obraescrava devia estar próximo de 20% do capital fixo da empresa.

Baseando-nos nestes elementos, não consideramos pos-sível qualificar de escravista um modo de produção em que ocapital fixo em escravos é só 20% dos elementos totais domodo de produção. :É preciso, efetivamente, considerar que aforça de trabalho que permitiu o processo produtivo nas planta-tions brasileiras não é somente a escrava, mas também - comodemonstrou Schwartz - uma mão-de-obra de braceiros (os"lavradores de cana") que representa uma porcentagem relativa-mente elevada do total da mão-de-obra necessária para a pro-dução física total.

Além de que o caráter escravista no essencial da força de traba-lho na produção açucareira brasileira não pode pôr-se em dúvidapara a época colonial, existem coisas verdadeiramente surpreendentesna argumentação de Carrnagnani. Como é evidente, um modo de pro-dução não é definido pelo montante de investimentos nestes ou na-queles fatores, e menos ainda baseando-se nos dados de uma fazendade uma sociedade. . . A definição de feudalismo que o autor forneceé igualmente inaceitável, posto que não define nenhum modo de pro-dução específico em sua articulação de forças produtivas e de relaçõesde produção: "o modo de produção feudal baseia-se na utiiizaçãodireta ou indireta de uma mão-de-obra servil e na exploração a títulogratuito dos recursos naturais (terras e minas) ".66

Regime escravista ou regimes escravistas?

Os pioneiros do estudo comparativo das sociedades escravistasda América, Gilberto Freyre e Frank Tannenbaum, seguidos porStanley Elkins, defenderam, ainda que com argumentos diferentes, amesma opinião: a escravidão norte-americana foi mais dura do quea da América Latina, por razões ligadas ao "caráter nacional" doscolonizadores, à religião e à legislação. Além de uma tese mais ou

66. Op. cit., p. 26.

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menos comum, os autores acima citados compartilham um ponto devista nitidamente idealistas'

Freyre, apoiando-se tanto em dados das ciências físicas, bioló-gicas e sociais quanto na "intuição", pretende reconstituir a psicologiadas relações culturais e raciais que formaram a sociedade brasileira;segundo Eugene Genovese, pretende empreender algo qui valente aorealizado por Picasso nas artes plásticas: uma "imagem criadora",pela fusão das abordagens analítica e orgânica do Homem. Teleologiae misticismo marcam seus trabalhos, que lançaram as bases do que sepode chamar o "mito da democracia racial brasileirat'.ê"

Tannenbaum considera que os sistemas escravistas da Américaformavam três grupos: 1) o anglo-saxônico, ao qual faltava uma tra-dição escravista efetiva, uma legislação escravista e instituições reli-giosas que se ocupassem efetivamente do negro; 2) o ibérico, quetinha uma tradição e uma legislação escravistas, e uma instância reli-giosa que acreditva numa personalidade espiritual do cativo, transcen-dente à sua condição de escravo, e por conseguinte defendia sua"personalidade moral"; 3) o francês, que ocupava uma posição inter-mediária (falta de tradição e de legislação escravistas anteriores, pre-sença da religião católica). Em seu estudo, Tannenbaum exclui ogrupo francês, cuja análise por certo é especialmente útil para a críticade sua posição: é fácil de demonstrar que, na medida em que o inte-resse dos colonos o exigia, o Code Noir de 1685 não era aplicado nascolônias francesas, e que o clero atuava nelas quase sempre comoaliado da classe dominante (da qual fazia parte) no que diz respeitoà defesa da ordem escravista. O argumento central de Tannenbaumconsiste na afirmação de que o status atual do negro nos diferentespaíses da América é resultante da posição assumida pela classe domi-nante escravista perante o escravo negro (aceitação ou não de suapersonalidade moral e de sua "humanidade"; possibilidade maior oumenor do cativo obter sua liberdade, etc.), e que por sua vez talposição era o resultado da história religiosa, moral e legal das naçõescolonizadoras. A comparação entre os Estados Unidos e as Antilhas

67. Cf. Eugene Genovese, "Materialism and Idealism in the Historyof Negro Slavery in the Americas", in L. Foner e E. Genovese (compilado.res), Sluvery in lhe New World. A Reader in Comparative History, Prentice-Hall, Englewood Cliffs (New Iersey), 1969. pp. 238.255.

68. Gilberto Freyre, Mãitres et esclaves, trad. de Roger Bastide, Galli-rnard, Paris, 1952; Genovese, op, cito

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